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Universidade de Brasília Matéria: Introdução à Teoria da Literatura Fichamento: HEGEL, G. W. F.: A poesia épica Epigramas, gnomas e poesias didáticas são a espécie mais simples da exposição épica, ainda que em sua concentração abstrata unilateral e incompleta. Consiste em ressaltar o que é fundamentado e necessário em si mesmo, a partir do mundo concreto e da riqueza de fenômenos mutáveis, concentrado em palavra épica. O epigrama, como uma inscrição sobre colunas, utensílios e monumentos, aponta para algo como uma mão espiritual, ao esclarecer mediante a palavra, que é escrita sobre o objeto, algo que de outro modo é plástico, referente a um lugar, presente no exterior do discurso. O homem observa o que está em torno dele e acrescenta ao objeto, ao lugar, o que ele tem sensivelmente diante de si mesmo e que reivindica o seu interesse. No passo posterior pode-se procurar no fato de que é eliminada a duplicidade do objeto em sua realidade exterior e na inscrição. Situam-se, por exemplo, gnomas dos antigos, enunciados éticos, os quais concentram condensadamente o que é mais forte do que a coisa sensível, mais permanente, universal do que o monumento para um feito determinado, mais duradouro do que oferendas, colunas, templos: os deveres na existência humana, a sabedoria da vida, a intuição daquilo que no espiritual constitui as bases firmes e o vínculo sustentador para os homens no agir e no saber. Tais enunciados podem, em terceiro lugar, colocar-se numa série para um todo maior e se tornar acabados em uma totalidade, que é simplesmente de espécie épica, uma vez que nem uma mera disposição lírica nem uma ação dramática fornecem a unidade de coesão e o autêntico ponto central, e sim um círculo da vida efetivo e determinado. De acordo com o caráter deste estágio épico, que institui o que é permanente e universal como tal, tais produtos alcançam um tom didático, mas permanecem ainda muito distantes da sobriedade dos poemas doutrinários posteriores e fornecem a prova acabada de que o todo da doutrina, assim como a descrição, são imediatamente hauridos da efetividade mesma, vivida e apreendida segundo sua substância. Se epigramas, gnomas e poemas didáticos citados tomam para si, como matéria, âmbitos particulares da natureza ou existência humana, então um segundo círculo é em parte mais profundo, em parte tem menos a finalidade didática e do melhoramento. Esta posição pode ser atribuída às cosmogonias e às teogonias, bem como àqueles produtos mais antigos da filosofia, que ainda não foram capazes de se libertar inteiramente da Forma poética. Nas espécies apresentadas até agora, está presente o tom épico. Seu conteúdo ainda não é poético, pois enunciados éticos particulares e filosofemas permanecem presos ao universal. A autenticidade do poético é o espiritual concreto na forma individual. A epopeia, na medida em que tem por assunto o que é, alcança como objeto o acontecer de uma ação, que deve chegar à intuição em toda a amplitude das circunstâncias e das relações como um acontecimento rico, na conexão com o mundo em si mesmo total de uma nação e de uma época. A visão de mundo e a objetividade totais de um espírito do povo, apresentadas em sua forma que se objetiva a si mesma como evento efetivo, constitui, por isso, o conteúdo e a forma do épico propriamente dito. A esta totalidade pertence a consciência religiosa de todas as profundidades do espirito humano e a existência concreta, a vida política e doméstica, descendo até os modos, as carências, e os meios de satisfação da existência exterior. E tudo isso a epopeia anima por meio de um estreito amalgamento com os indivíduos, uma vez que para a poesia o universal e o substancial existem apenas na presença viva do espírito. O acontecimento épico ocorre sobre um tal terreno aberto em si mesmo para conflitos de nações inteiras, para o qual o autor diz que tem de se procurar as determinações gerais. No evento verdadeiramente épico não se realiza um ato arbitrário singular e, com isso, é relatado um acontecimento meramente contingente, e sim é relatada uma ação ramificada na totalidade de sua época e estados nacionais, a qual, por isso, pode apenas chegar à intuição no interior de um mundo desdobrado e que exige a exposição desta efetividade inteira. Ele divide esta consideração segundo determinados pontos de vista. A primeira coisa que se mostrará é o fato de que a finalidade da ação épica deve ser individualmente viva e determinada. Em segundo lugar, as ações apenas podem proceder de indivíduos, surge a questão da natureza geral dos caracteres épicos. Em terceiro lugar, no acontecimento épico a objetividade não chega à exposição meramente no sentido do aparecer exterior, e sim igualmente no significado do que é em si mesmo necessário e substancial, de modo que o autor diz que devem estabelecer a forma na qual esta substancialidade do acontecimento se revela eficaz ora como necessidade interior oculta, ora como direção manifesta de potências eternas e de uma providência. Exige-se como fundamento do mundo épico um empreendimento nacional, no qual a totalidade de um espírito do povo pudesse se destacar no primeiro frescor de seus estados heroicos. Assim, deve separar-se uma finalidade particular, em cuja realização também se revela todos os lados do caráter, da crença e do agir nacional. Na ação, tudo é reconduzido ao caráter interior, ao dever, ao modo de pensar, ao propósito, por exemplo. Nos acontecimentos, ao contrário, também o lado exterior adquire o seu direito individual, na medida em que é a realidade objetiva que constitui a forma do todo, por outro lado, porém, constitui uma parte principal do conteúdo mesmo. É tarefa da poesia épica expor o acontecer de uma ação e, por isso, não apenas apreender o lado exterior da execução de fins, e sim também conceder às circunstâncias exteriores, eventos naturais e outras contingências o mesmo direito, que na ação como tal o interior reivindica exclusivamente para si. No que diz respeito às exigências particulares da poesia épica, fala-se, por um lado, do pano de fundo mundial geral e, por outro lado, do acontecimento individual, que ocorre sobre este solo, bem como dos indivíduos agentes sob o comando dos deuses e do destino. Estes dois momentos principais devem concentrar-se em um mesmo todo épico, em relação ao qual o autor trata: 1) a saber, na totalidade dos objetos, que devem chegar à exposição em vista da conexão da ação particular com seu solo substancial; 2) no caráter do modo de desdobramento épico, diverso da lírica e da poesia dramática; 3) na unidade concreta, para a qual a obra épica, independentemente de seu desdobramento amplo, deve se tornar acabada em si mesma. Para o todo da arte da poesia épica, e mais precisamente para a epopeia, o autor distingue essencialmente três estágios principais, os quais diz que em geral constituem o percurso de desenvolvimento da arte: epopeia oriental, clássica dos gregos, e sua reprodução entre os romanos e, por fim, o desdobramento da poesia épico-romântica dos povos cristãos, os quais inicialmente surgem em seu paganismo germânico, ao passo que, do outro lado, no exterior dos poemas propriamente ditos da cavalaria medieval, a antiguidade novamente é empregada ora como meio de formação universal para a depuração do gosto e da exposição ora mais diretamente como modelo, até que, por último, o romance se coloca no lugar da epopéia propriamente dita. Os chineses não possuem uma epopeia nacional, pois o traço fundamentalmente prosaico de sua intuição, bem como as representações religiosas inacessíveis à configuração artística propriamente dita se colocam desde sempre como empecilho intransponível no caminho deste gênero épico superior. A arte da poesia, entre os orientais, em geral, é mais originária, porque ela ainda permanece próxima do modo substancial da intuição e da absorção da consciência singular no único todo, de modo que, no que diz respeito aos gêneros particularesda poesia, o sujeito não consegue trabalhar para a autonomia do caráter individual, dos fins e das colisões, os quais são requeridos para a configuração autêntica da poesia dramática. Nas epopéias indianas há uma mitologia capaz de ser exposta epicamente, ramificada com feitos heróicos humanos. Surgiram lá epopeias efetivas, as quais ainda estão a meio caminho entre o ponto de vista puramente religioso e o ponto de vista que é apenas da poesia e da arte livres. Destaca-se que a sublimidade da fantasia judaica tem, junto a uma intuitibilidade vigorosa e concepção natural verídica, muitos elementos da poesia épica originária. O autor considera que foram os árabes que desde sempre foram de natureza mais poética e muito cedo poetas efetivos. Na fantasia judaica impera o interesse religioso que, em vez de se chegar a epopeias propriamente ditas, apenas se chega ora a lendas e a histórias religioso-poéticas ora apenas a narrativas didático-religiosas. À clássica dos gregos e dos romanos conduz primeiramente ao mundo verdadeiramente épico pertencem as chamadas epopeias homéricas. Cada um desses poemas é, em si mesmo, completo. Os poetas cíclicos posteriores afastam-se sempre mais desta exposição autenticamente épica, na medida em que, de um lado desfazem a totalidade da visão de mundo nacional mais em suas esferas e direções particulares e, de outro lado, em vez de se prenderem ao acabamento de uma ação individual, se prendem mais apenas à completude dos eventos, desde a origem até o fim do acontecimento, ou à completude dos eventos, desde a origem até o fim do acontecimento, ou à unidade da personagem e conduzem a poesia épica na direção de uma tendência já histórica da historiografia dos logógrafos. A epopeia romântica foi uma nova adição à poesia épica por meio da visão de mundo e da fé religiosa, dos feitos e dos destinos de novas gerações de povos. A poesia posterior à época de Alexandre volta-se ora ao estreito círculo bucólico, ora produz epopeia mais eruditas e artificiais do que propriamente poéticas. Isso aconteceu de maneira mais rica tanto com os germanos como com as nações românicas. Os poemas medievais religiosos que assumem como conteúdo a história de Cristo, de Maria, dos apóstolos, dos santos e dos mártires constituem outro elemento principal. Como exemplo destas, o autor cita a Divina Comédia como a maior matéria e o maior poema nesse âmbito. O autor indica a cavalaria, tanto em seu conteúdo romântico mundano do amor aventureiro e das disputas de honra quanto no entrelaçamento com fins religiosos como mística da cavalaria cristã. Os indivíduos se apresentam em plena autonomia sobre seus próprios pés e constituem um novo heroísmo no interior do ambiente de mundo ainda não solidificado em uma ordem prosaica, o qual, todavia, em seus interesses em parte religioso-fantásticos, em parte puramente subjetivos e inventados na direção do lado mundano, carece daquela realidade substancial sobre cujo solo os heróis gregos lutam unidos e isolados, se tornam vitoriosos ou sucumbem. As ações e acontecimentos que ocorrem nesta poesia não concernem a interesses nacionais, e sim são atos de indivíduos que apenas conquistam como conteúdo o sujeito como tal. As aventuras isoladas não se costuram em uma unidade mais rígida. Por outro lado, para o romance que ainda não se move sobre a base de uma ordem burguesa firmemente instituída e de um decurso prosaico de mundo. Por mais que este conteúdo também tenha dado oportunidade para as exposições variadamente épicas, o caráter de aventura das situações, dos conflitos e dos enredamentos conduz, por um lado, para um tratamento de tipo do romance, de modo que as aventuras isoladas não se costuram em uma unidade mais rígida.
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