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CENTRO UNIVERSITÁRIO FAVENI TEORIA E PRÁTICA DO CURRÍCULO GUARULHOS – SP 2 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 3 2 CURRÍCULO: CONCEITOS E ORIGEM ................................................................ 4 2.1 Fenômenos e elementos da construção curricular ........................................... 8 2.2 Organização curricular ...................................................................................... 9 3 TIPOS DE CURRÍCULO ....................................................................................... 13 3.1 Alguns modelos de elaboração curricular Elaboração curricular de matérias- disciplinas .................................................................................................................. 15 4 PRESSUPOSTOS E FORMAS DE EXECUÇÃO DE PLANEJAMENTO CURRICULAR .......................................................................................................... 21 4.1 Componentes curriculares .............................................................................. 24 4.2 Etapas do planejamento curricular ................................................................. 25 5 CURRÍCULO E LEGISLAÇÃO EDUCACIONAL ................................................. 28 4.1 Parâmetros Curriculares Nacionais, Diretrizes Curriculares Nacionais e Base Nacional Comum Curricular ...................................................................................... 33 6 COMPETÊNCIAS NA EDUCAÇÃO ..................................................................... 38 5.1 Currículo e competências .................................................................................... 40 5.2 Currículo por competências: possibilidades pedagógicas e limitações ............... 43 5.3 Limitações na organização curricular por competências ..................................... 45 7 TECNOLOGIA DIGITAL E CURRÍCULO NA CONTEMPORANEIDADE ............ 46 8 O CURRÍCULO E A FORMAÇÃO DA IDENTIDADE ........................................... 57 7.1 Identidade, diversidade, alteridade e o currículo contemporâneo ....................... 61 7.2 Um currículo voltado para a formação da identidade .......................................... 65 9 INOVAÇÃO CURRICULAR — RUMO À APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA ..... 69 8.1 Currículo por projetos de trabalho ....................................................................... 72 8.2 Currículo globalizado ........................................................................................... 76 10 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................................... 80 3 1 INTRODUÇÃO Prezado aluno! O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material virtual é semelhante ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma pergunta, para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão respondidas em tempo hábil. Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora que lhe convier para isso. A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser seguida e prazos definidos para as atividades. Bons estudos! 4 2 CURRÍCULO: CONCEITOS E ORIGEM De acordo com o glossário da Revista História, Sociedade e Educação no Brasil, da Faculdade de Educação da UNICAMP, currículo foi conceituado como documento norteador do processo de ensino e de aprendizagem ou plano estruturado de estudos pela primeira vez em 1633, no Oxford English Dictionary (ZOTTI, [2006]). Entretanto, foi apenas em 1918, com a publicação da obra The Curriculum, de Frankin Bobbitt, nos Estados Unidos, que o currículo se firmou como campo de reflexão e de estudos (ZOTTI, [2006]). Ao longo do tempo, o termo currículo passou a designar diferentes etapas no processo de escolarização, incluindo “[...] uma relação de matérias/disciplinas com seu corpo de conhecimento organizado numa sequência lógica, com o respectivo tempo de cada uma (grade ou matriz curricular)” (ZOTTI, [2006]), as diretrizes explicitadas nas leis federais, estaduais e municipais que regulam a área educacional e até mesmo as relações interpessoais que acontecem na sala de aula e que não são previstas. Veja, na Figura 1, algumas possibilidades de conceituar currículo. Figura 1. Possibilidades de conceituação de currículo. Fonte: Adaptada de Zotti (2006) 5 Outra maneira de pensar o currículo é colocar tudo o que acontece na escola como parte integrante de sua estrutura: assuntos, aulas, relacionamentos, situações. A complexidade do currículo está em relacionar todas essas esferas, visto que, quando apenas uma está em foco, perde-se a visão sistêmica do todo. Assim, currículo é uma série de ações de diferentes agentes. De acordo com Zotti 2006), o conceito de currículo é multifacetado e modificou-se historicamente atendendo a realidades sociais distintas, há tempos e espaços específicos e, em consequência disso, precisa ser compreendido no contexto social em que está inserido. O ponto-chave para entender o currículo está na resposta a duas questões específicas: É consenso entre educadores e a população leiga que uma das funções primordiais da escola é formar o cidadão para a atuação social. Entretanto, qual é o tipo de atuação que se espera? Esse questionamento deve seguir o mesmo caminho lógico da questão anteriormente apresentada, sobre qual é a função da escola. A partir da resposta a essas questões, podemos escolher qual currículo será mais representativo para nossas expectativas. Enquanto instituição que promove o aprendizado sobre o conhecimento humano acumulado com vistas ao desenvolvimento, a escola tem por obrigação promover o acesso a certos conhecimentos que, para a maioria das pessoas, não são acessíveis em outro lugar que não a escola. O conhecimento mais valioso é, por conseguinte, aquele que extrapola o senso comum, ou seja, o pensamento científico, que capacita o ser humano a ver a 1- Qual é a função específica da escola? 2- Quais habilidades e competências humanas poderão ser desenvolvidas a partir da escolarização? 6 sua realidade de maneira diferente e a agir de maneira a buscar uma maior qualidade de vida para si e para a comunidade. Segundo Galian (2016), o conhecimento capacita o ser humano a olhar para o mundo de outro ponto de vista, diferente daquele que já tem no seu dia a dia. Portanto, os conhecimentos oferecidos pela escola devem servir para que os estudantes possam estranhar o mundo cotidiano, de maneira a se sentirem potentes para investigá-lo e agir sobre ele, melhorando-o. A escola deve ensinar que o mundo está como está porque foi organizado assim, de maneira desigual e injusta, mas que há outras possibilidades. A naturalização do status quo social fixa a ideia de que o mundo é assim porque não é possível ser de outra forma. Entretanto, não é possível ensinar todos os conhecimentos na escola, seja pela falta de tempo, de recursos ou até mesmo pelo pouco valor de determinados assuntos para o desenvolvimento humano. Assim, sempre será preciso fazer uma seleção de conhecimentos, uma escolha sobre o que vai compor o currículo escolar. Galian (2016), ressalta que essaescolha não acontece pelo valor intrínseco do conhecimento, mas pelos interesses que acompanham cada assunto. Para determinado público, pode-se escolher conhecimentos que tendem a limitar o horizonte de possibilidades dessas pessoas àquilo que elas já têm no dia a dia, ou seja, vão inserir-se no trabalho mais próximo e viver no ambiente já conhecido. Para outros, pode-se escolher um currículo com um horizonte bem mais amplo de possibilidades, o que acontece justamente porque não vivemos em uma sociedade justa, e isso se reflete na problematização da escolha dos currículos para cada classe social. As teorias críticas do currículo mostram que especialmente a escola oferecida para aqueles menos favorecidos, que não têm outra maneira ou outro local para adquirir esses conhecimentos, tende a ser menos rica em conhecimentos ou a simplificar os assuntos de maneira regular. Ora, se a escola e o currículo mostrarem apenas o que os estudantes já conhecem em seu dia a dia ou tentarem construir um currículo que apenas os agrade, pouca transformação cognitiva poderá ser adquirida, e os estudantes sairão da escola com um repertório muito parecido com o que já tinham antes de entrar. Enquanto isso, outra camada da população tem acesso a um conhecimento diferenciado, que permite que eles olhem o mundo de outra forma e possam agir de 7 outra maneira. É justamente essa dinâmica que faz com que cada indivíduo (e sua classe social) fique onde está, permanecendo na posição em que se encontra. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação LDB 9394/96 traz explícito em seu Título II: TÍTULO II - Dos Princípios e Fins da Educação Nacional. Art. 2º A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Art. 3º O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber; III - pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas; IV - respeito à liberdade e apreço à tolerância; V - coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; VI - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais; VII - valorização do profissional da educação escolar; VIII - gestão democrática do ensino público, na forma desta Lei e da legislação dos sistemas de ensino; IX - garantia de padrão de qualidade; X - valorização da experiência extraescolar; XI - vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais. XII - consideração com a diversidade étnico-racial. XIII - garantia do direito à educação e à aprendizagem ao longo da vida. (BRASIL, 1996). A partir disso, alguns questionamentos sobre o currículo podem ser feitos: Como selecionar o que há de essencial em cada disciplina para que o estudante entenda esse mundo em que vive? Como cada conteúdo poderá se articular aos princípios e fins da educação nacional presentes no texto da LDB? O que é necessário para entender que o mundo é uma construção e está como está por uma convenção? O que se deve fazer para mostrar que há outras possibilidades de organização social e capacitar os estudantes na promoção de mudanças necessárias? 8 2.1 Fenômenos e elementos da construção curricular A educação é uma atividade intencional cujo objetivo é o desenvolvimento de determinadas habilidades e competências humanas que são apreciadas e necessárias para a vida em sociedade. Você já pensou quais são os conhecimentos que auxiliam a escola a concretizar sua intenção (segundo o Estado, a gestão e os professores)? De acordo com Zotti (2006), os estudos sobre o currículo têm seu cerne na análise dos conflitos socioeconômicos advindos dos processos de industrialização e urbanização dos Estados Unidos e da Inglaterra. Essas situações marcam a necessidade de escolarização em massa das camadas menos favorecidas da população para formar mão de obra especializada para as indústrias em ascensão nos séculos XVIII e XIX. A mencionada obra de Bobbitt, espelha o desejo de racionalização técnica e instrumental desejado pela economia ao propor um currículo metodicamente organizado, medido, controlado e avaliado. No Brasil, essa cultura curricular ficou conhecida como tecnicismo e se manteve nas décadas de 1960 e 1970 como uma renovação do pensamento escolanovista anterior. Se percorrermos historicamente a teoria curricular, podemos analisar o currículo escolar a partir de dois grandes eixos: as concepções tradicionais ou conservadoras e as concepções críticas. Com origem nos Estados Unidos, tanto as visões conservadoras como as críticas influenciaram sobremaneira o campo no Brasil. De plano de estudos o conceito evolui para a visão de currículo como a totalidade de experiências vivenciadas pela criança, sob a orientação da escola, levando em conta e valorizando os interesses do aluno. Seus representantes, Dewey e Kilpatrick, contribuíram para o desenvolvimento das teorias progressivistas. As teorias progressivistas começaram a se delinear a partir do século XVIII e se constituíram como tentativa de buscar respostas aos problemas socioeconômicos advindos dos processos de urbanização e industrialização ocorridos nos Estados Unidos no final do século XIX e início do século XX (ZOTTI, 2006). De acordo com Zotti (2006), ambas tradicionais, a visão escolanovista e a tecnicista tinham o “mesmo objetivo de adaptar a escola e o currículo à ordem capitalista, com base nos princípios de ordem racionalidade e eficiência”, utilizando conceitos tanto empresarias quanto do campo da psicologia. Somente a partir da década de 1960 as análises sobre a relação entre escola e sociedade começaram a se desenvolver na Inglaterra e nos Estados Unidos, gerando as teorias críticas do currículo. A partir delas, as relações entre o que se ensina e como se ensina e suas repercussões nas desigualdades sociais começaram a ser questionadas. O currículo, visto como uma lista de conteúdos neutros, perdeu sua imparcialidade, deixando 9 transparecer que a escolha por determinados temas e métodos refletia na estratificação de classes econômicas e sociais. Chamado de sociologia do currículo, esse campo do saber tem como representantes mais conhecidos Michel Apple (2016), Henry Giroux (1997), Michael Young (2014) e Basil Bernstein (1996), que vão analisar o currículo como forma de imposição cultural e opressão de uma classe sobre outra, a fim de manter-se no poder. Outra ressalva é que, se antes a escola servia para a formação do clero e das classes abastadas, que possuíam cultura clássica e comportamento comedido, ao receber os novos alunos, a expectativa da escola não se alterou. Dessa forma, os novos alunos, que não tinham os mesmos conhecimentos culturais e atitudinais esperados, começaram a fracassar na escola. De acordo com Smolka (2003), a partir da década das décadas de 1970 e 1980, começam a ser publicadas pelo mundo todo pesquisas que tratam do tema do fracasso escolar, como as de Emilia Ferreiro e Ana Teberosky (1984), na Argentina e no México; Clay (1972–75), na Austrália; Foucambert (1978) e Lentin (1979), na França; Scribner e Cole (1981), na Libéria; Read (1978), nos EUA; Leite (1980), Cagliari (1989) e Capovilla (1997) no Brasil, entre outros. Esses estudos também exerceram forte impacto nos debates sobre o currículo, pois modificaram a maneira como os processos de ensino e de aprendizagem se desenvolvem e destacaram suas variáveis mais importantes. No Brasil, o destaque às pesquisas de Emília Ferreiro e Ana Teberosky, Psicogênese da língua escrita, culminou na prescrição desses estudos como diretrizes em documentos oficiais, nas ementas doscursos de formação e capacitação docente, bem como no método de alfabetização adotado nas escolas públicas brasileiras (SMOLKA, 2003). Outros estudiosos se dedicaram a pesquisar o currículo e a sociologia do currículo, confirmando a relação estreita entre escola, currículo e expectativas do sistema capitalista. Zotti (2006), diz que o conceito de currículo é multifacetado e modificou-se historicamente atendendo a realidades sociais distintas, há tempos e espaços específicos e, em consequência disso, precisa ser compreendido no contexto social em que está inserido. 2.2 Organização curricular O currículo está disseminado em várias dimensões do processo escolar. Enquanto documento formal, é apenas parte do que podemos chamar de diretrizes 10 curriculares. É um norteador que se refere a princípios e metas, visto que se encontra fora da realidade concreta das escolas. Entretanto, é a partir desse conjunto de princípios que a realidade na sala de aula se concretiza. Para ser utilizado na escola, o currículo formal deverá e será transformado em livros didáticos e apostilas, em interpretações e adaptações que a escola faz da sua realidade, em práticas que os professores oferecerão em sala de aula diante das reais necessidades e expectativas de seus alunos. Por isso, o currículo precisa ser entendido como um documento adaptável, flexível e elaborado por professores, estudantes e governantes. O ponto de destaque do documento formal está nas escolhas feitas para a escola brasileira e o plano formativo da população, que explicita os conhecimentos essenciais que deverão ser apresentados e ensinados para as novas gerações, a fim de capacitá-las para viver em sociedade. Historicamente, os professores não fazem parte da construção do currículo, apenas o recebem e devem segui-lo, executá-lo. Assim, podem pensar apenas em método, não em conteúdo, de modo que não há espaço e tempo para questionar por que se ensina o que se ensina. Para favorecer a compreensão sobre a organização complexa que envolve o currículo, vamos utilizar a classificação de Galian (2016), disposta na Figura 2, a seguir. Figura 2. Currículo em processo 11 Fonte: Adaptada de Galian (2016) Currículo prescrito, formal: é concebido muito antes de chegar ao nível estadual e municipal. Historicamente, os professores não fazem parte da construção desse currículo, eles apenas o recebem e devem executá-lo. No início, os debates para elaboração da BNCC contaram com a participação docente, mas, após algum tempo, essa possibilidade de participação foi cerceada. Currículo planejado: transformação das diretrizes legais em materiais para uso por professores e alunos, como guias curriculares, livros didáticos e apostilas. Entretanto, é comum que a hierarquia se inverta e que os livros didáticos passem a ser utilizados na escola como “o” currículo a ser seguido. Outro ponto controverso é a existência de materiais diferenciados oferecidos pela mesma editora à rede pública e à rede privada de ensino. Para baratear a produção do material para a esfera pública, a mesma editora (e os mesmos autores) pode simplificar textos, omitir figuras ou diminuir sua qualidade gráfica, fazendo com que prevaleça a metodologia de memorização. Currículo organizado: refere-se à organização de tempos, espaços e agrupamentos para efetivar o currículo planejado dentro da escola. Mostra a hierarquia entre as disciplinas e os professores de acordo com a organização do 12 currículo. Historicamente, por exemplo, artes e educação física não têm o mesmo status que português e matemática. Salas que agrupam alunos com maior dificuldade também tendem a marcar uma expectativa de aprendizagem diferenciada em comparação aos agrupamentos de melhores alunos. Currículo em ação: encontro efetivo entre professor-aluno-conhecimento. Nesse currículo, o professor tem mais autonomia de ação: pode escolher se vai usar todo o livro didático, se vai inverter alguma ordem de apresentação, se vai utilizar fontes diversificadas, etc. Currículo avaliado: dimensão da avaliação, na qual fica explícito para o aluno o que é ainda mais importante dentro de tudo o que foi apresentado durante determinado período. Também demonstra para o professor e a gestão quais são os pontos de sucesso do currículo previsto (o que funcionou e o que não funcionou). De uma maneira geral e problemática, no Brasil, esse último passo do caminho tem invertido o processo, colocando a avaliação como fomentadora do currículo prescrito. Isso é destacado pelas avaliações externas, que acabam por “ditar” o que se deve ensinar e em qual ano escolar, por exemplo. Concluindo, a escolha do currículo sempre silenciará algumas vozes, especialmente as dos que detêm menos poder. Sempre haverá, além disso, vozes distorcidas, pois determinados valores e culturas são tratados de maneira equivocada na escola pela própria dificuldade de formação profissional e quebra de paradigmas que permitam validar o que é muito diferente do padrão imposto pela sociedade atual (exemplos clássicos dizem respeito a moral e religião). Por outro lado, outros assuntos são supervalorizados do ponto de vista acadêmico ou então por interesses políticos e econômicos. O resultado da escolha do que fará parte do currículo é sempre tenso, visto que o espaço é limitado. Os grupos que ficam de fora vão lutar para serem incluídos, e quem está incluído se fortalecerá para não perder o espaço já conquistado. Outros, já contemplados, requererão maior espaço ou destaque. Assim, o currículo é algo que nunca estará finalizado, pronto; pelo contrário, está em movimento, seguindo os diversos interesses sociais, políticos e econômicos que cercam a escola. É o que Galian (2016) chama de equilíbrio instável, um documento que precisará ser revisto, criticado e sempre ampliado para ser adaptado às necessidades de formação humana de cada época. 13 Esse é um processo natural, visto que as escolhas de hoje podem não ser mais imprescindíveis daqui a um ou cinco anos (por exemplo, aulas de latim, moral e cívica, datilografia, entre outras). A conversa sobre currículo e política envolve formação de identidade, não é neutra. Assim, embora não seja o ideal fazer escolhas, que eliminam outras possibilidades, é essa a única maneira de elaborá-lo. 3 TIPOS DE CURRÍCULO O conceito de imaginação é crucial aos propósitos da educação. Ele “é a faculdade por meio da qual somos capazes de examinar as coisas como elas não são” (Warnock, 1973, p. 113). O que isso sugere é que a experiência condensa mais do que nós podemos ver ou prever. Lawrence Stenhouse (1975), uma vez observou que “a educação como indução ao conhecimento é bem-sucedida na medida em que torna os efeitos comportamentais do aluno imprevisíveis”. Stenhouse lidou com uma situação importante sobre a teoria curricular nesse ponto. O que ele argumentou foi que a mente educada simplesmente não chega a efeitos predeterminados, mas sim a efeitos imprevistos porque usa conhecimento para construir um significado singular. Esse é o desafio da educação e da imaginação humana. É uma operação construtivista. A aquisição de novas perspectivas requer uma imaginação e uma mente reflexivas. Maxine Greene (19860, assumiu a posição de que as artes são as áreas de conteúdo mais prováveis para liberar a imaginação e a capacidade e para dar livre desenvolvimento de suas aptidões. Deve haver um engajamento autêntico e maravilhoso da experiência estética para a imaginação se desenvolver livremente. Maria Montessori reconheceu isso com sua teoria da educação baseada na contação de histórias, o que incita a curiosidade e a imaginação do aluno. A arte nos chama a atenção como sendo mais do que simplesmente objetos, conforme sugeriu Jean Paul Sartre (1949): O trabalho nunca é limitado ao objeto pintado, esculpido ounarrado. Assim como nós percebemos as coisas apenas em relação à experiência do mundo, assim os objetos representados pela arte aparecem em relação à experiência do universo. O ato criativo almeja uma total renovação do mundo. Cada pintura, cada livro é uma recuperação da totalidade do ser. Cada um deles representa essa totalidade à liberdade do espectador. Pois isso é exatamente o objetivo final da arte: recuperar esse mundo possibilitando que ele seja visto como é, mas como se ele tivesse sua fonte na liberdade humana. (SARTRE 1949, p. 57) 14 Dessa forma, Sartre vê muitas maneiras pelas quais os alunos que experienciam as artes através do currículo podem usar a imaginação para renovar e estender sua experiência e conhecimento. Porém, com bastante frequência, as artes e o currículo são concebidos como um repositório ou urna da noção bancária de currículo numa sociedade pós-industrial, servindo às necessidades da tecnologia. A visão alternativa é permitir aos jovens alunos encontrar seus próprios valores e vozes. Alguns poucos teóricos desenvolveram essa ideia existencial de currículo. William Pinar (1975) escreve sobre a natureza pessoal do currículo. Mesmo que o currículo possa ser experienciado como um encontro pessoal particular, Pinar não acredita que o currículo possa ser planejado para os outros. Esse não é um princípio útil, pois os currículos são, de fato, planejados para todos os alunos. O que afirmamos aqui é que o estudo e o planejamento do currículo são tarefas tanto do professor quanto daqueles com responsabilidade de planejar num nível de autoridade educacional, distrital, estadual ou nacional. A criação de unidades de ensino e aprendizagem divididas em lições diárias está na base do planejamento curricular sólido. Um currículo não é o equivalente a um plano de ensino, o qual é uma mera lista de tópicos, que talvez tenha levado à visão de currículo como “conteúdo” a ser cumprido. Há pelo menos três aspectos relacionados ao currículo: 15 Tipos de currículo 3.1 Alguns modelos de elaboração curricular Elaboração curricular de matérias-disciplinas Este é o modelo de elaboração mais antigo para o currículo. Desde pelo menos a época dos sofistas, professores-mestres do Trivium (gramática, retórica e lógica) na Grécia antiga, o conhecimento foi historicamente dividido em assuntos 1. Currículo formal. Os planos de estudo acadêmico oferecidos pela instituição. O conteúdo, os objetivos e as preparações formalizadas para a aprendizagem. 2. Currículo informal. As “atividades extracurriculares” que são organizadas ao redor do currículo formal como sociedades, clubes esportivos, jogos. 3. Currículo nulo. Esse é o currículo que as escolas não ensinam, mas que talvez seja tão importante quanto o currículo formal. Eisner (2002, p. 97) argumenta que uma dimensão importante são os processos intelectuais que as escolas enfatizam e então negligenciam sua implementação, e a outra é a disciplina que está ausente de um currículo formal. 4. Currículo real. Esse é o currículo que realmente é implementado e seguido e que pode não apresentar fidelidade no plano formal para o currículo. 5. Currículo oculto. O currículo que está latente ou escondido, mas presente na cultura escolar. As crianças aprendem muitas coisas que a escola não planeja, por exemplo, como colar. Ele também inclui valores- chave, por exemplo, em uma escola particular religiosa onde a regra não- escrita é que “silêncio vale ouro”. O currículo oculto é mediado por meio de envolvimento e não por ensino direto e está impregnado na cultura da escola. 16 fragmentados, organizado em disciplinas discretas de “formas puras de conhecimento” (Hirst, 1965). O desenvolvimento da mente era muito importante para a filosofia mais antiga – o Idealismo, conforme concebido por Sócrates e Platão. A busca da verdade, da sabedoria e da evolução mental eram uma preocupação central no projeto das disciplinas – às vezes chamado de racionalismo acadêmico. Muitos especialistas diriam que a educação está principalmente preocupada com a transferência de conhecimento aos alunos. Isso se relaciona à noção do desenvolvimento da mente, do raciocínio e do pensamento e aponta para a observação feita por vários teóricos do currículo como Phenix, Schwab, Hirst e Peters de que os currículos se preocupam com formas públicas de conhecimento – as disciplinas. Uma disciplina consiste não apenas num corpo de conhecimento, mas também nos respeitados métodos de investigação que produziram o conhecimento, assim como os “princípios de procedimento” aceitos adotados por aqueles nessa venerável comunidade de estudiosos. As disciplinas não necessitam de justificativa sobre os termos (objetivos) instrumentais, pois elas têm seus próprios critérios reconhecidos como suficientes. Não é preciso um relatório detalhado dos desfechos ou metas a serem alcançados para demonstrar competência – o bom professor de literatura, por exemplo, será apto a identificar o êxito ou o insucesso, do aluno dependendo da forma como foram aplicados os padrões dentro da disciplina – esses princípios de procedimento são então o objetivo real da educação, e variam de disciplina para disciplina. Essa é uma questão tão significativa que, se adotado, faz com que o molde de currículo de planejamento por objetivos caia como um castelo de cartas. A construção do currículo, incrivelmente, foi obtida sem a utilização de objetivos corporativos antes do século XX e foi o preeminente modelo das primeiras instituições de aprendizagem gregas, romanas e muçulmanas. O conteúdo factualmente tem sido visto como aprendizagem dividido em disciplinas ou matérias a serem estudas pelos discentes. Recentemente as sete artes liberais têm sido formas de conhecimento devido à sua estrutura lógica e conceitual, e a noção de Bruner de “Estrutura de Disciplinas” defendia que essas formas eruditas especificas de conhecimento demonstram o melhor arcabouço, ou alicerce, na forma. Desse modo, as “disciplinas” são apropriadamente nomeadas, pois o saber incluso nesse propósito 17 se obteve por restrita testagem e pesquisa. Para Hirst (1965), as disciplinas, têm quatro características: Hirst (1965), nomeia tais disciplinas de “formas de conhecimento” – matemática, ciências físicas, história, religião, literatura, belas artes e filosofia. Hirst também diferencia áreas de conhecimento como engenharia ou geografia. A geografia está em uma categoria de estudo teórico, enquanto a engenharia e o currículo são exemplos de “estudo prático”. A elaboração das matérias escolares também tem ampla aceitação e confiabilidade, porque os docentes são profissionais licenciados para atuar em domínios referentes a sua especialização, por exemplo, matemática ou latim. Elaboração curricular de áreas interdisciplinares/amplos A elaboração de um currículo de áreas amplas, reúnem áreas cognatas ou áreas disciplinares em uma vasta ramificação de conhecimento. Estudos sociais é um dessas áreas, utilizando história, economia, geografia e sociologia. As “humanidades” também são exemplos de projetos amplos de campos e podem incluir artes, latim, música e áreas que esclarecem o homem na cultura e em suas proezas. Há determinado esforço para “integrar” campos separados que possuem uma conexão lógica. Em séries do ensino fundamental, a “arte da linguagem” contém leitura, redação, expressão oral, gramática e assim consecutivamente. A elaboração de curricular dos campos amplos surgiu no século XX (ORNSTEIN e HUNKINS, 1993, p. 245). De certa forma, seu uso é um meio de incluir temas que tenham uma conexão próxima, como as ciências físicas ou as sociais. As elaborações curriculares de campos amplos também foram defendidas por agências de distinção máxima, como 1. Uma estrutura lógica distinta; 2. Uma cadeia de conceitos-chave; 3.Maneiras de obter novos conhecimentos; 4. Métodos de testagem de afirmações sobre o conhecimento. 18 a Sociedade Nacional para o Estudo da Educação (National Society for the Study of Education), que viabilizou um modelo de campos amplos, abrangendo as ciências naturais, a linguagem e os estudos literários, a arte, os estudos sociais e a matemática para todos os discentes. Elaboração curricular pautada no discente ou na criança As perspectivas voltadas para os discentes propuseram que as próprias necessidades, preferências e curiosidade da criança, e não a disciplina, que careciam ser a matéria da elaboração e aprimoramento do currículo. Isso foi grandemente sugestionado pelos teóricos centrados na criança como Rousseau, Herbart, Pestalozzi, Froebel e Montessori e depois por teóricos progressistas nos EUA, autores como John Dewey e William H. Kilpatrick têm contribuições valiosas para o assunto em questão, a obra: The child and the curriculum (1902), de Dewey, é um trabalho clássico desse modelo. O aprendizado precisa saciar a curiosidade da criança sobre todas as esferas. Essa estrutura foi amparada pelo conceito do “currículo de atividades” de que As crianças obtêm conhecimento por meio de suas vivências. Com base nesta concepção, o docente, não exerce a função instrutor, e sim de um aliado para pesquisas ou um orientador, em vez de um possuidor e distribuidor de conhecimento. O planejamento focado em exercícios era comum no início do século XX e, mais precisamente, com o planejamento curricular da educação infantil, das séries fundamentais e do ensino médio. Nas décadas de 60, o currículo da escola fundamental britânica e irlandesa passou por uma reorganização e definiu estritamente um modelo de currículo centrado na criança e extremamente integrado, incumbido isso à influência das ideias de Dewey. A característica mais importante do currículo centrado na criança é seu tratamento do conhecimento como não-unificado por disciplinas, e sim, como se fosse um “manto sem costuras”. Desse modo, a investigação, o descobrimento e a queda de barreiras entre disciplinas são características essenciais deste projeto. Esse molde também obteve consideração de apoiadores como Paulo Freire, que criticava o modelo de escola e de currículo, ele chamava esse modelo de “teoria bancária”, onde as cabeças dos alunos são como caixas vazias onde o conhecimento é simplesmente “jogado.” Os concordantes a esse pensamento afirmam o mais 19 importante, uma compreensão e uma “conscientização” deve ser o objetivo primordial do currículo e da pedagogia. No livro Pedagogia do oprimido (Freire, 1970) é uma referência dessa forma de ensino, professores que priorizam a emancipação e a crítica cultural como propósitos fundamentais da educação. Elaboração curricular do currículo nuclear O currículo nuclear surgiu inicialmente do interesse em questões sociais. Houve a necessidade que o currículo tratasse dilemas diários como raça, economia, igualdade etc. Desse modo, ele era considerado como um exemplo de reconstrução social, favorecendo as disciplinas de ciências sociais ao examinar questões que eram problemáticas na sociedade. Porém, nos últimos anos, o vocábulo “nuclear” associasse àquelas áreas da experiência, ou áreas de disciplinas, às quais considera-se categórico que cada criança tivesse exposição durante o tempo que estivesse na escola. Isso é amplamente ligado à noção de uma série central de saberes e áreas de experiência que são semelhantes a um “currículo nacional” básico. Essa é uma tendência geral, e o currículo nacional foi acolhido predominantemente pelas nações europeias até hoje, da mesma forma, como na Austrália, há também um “núcleo” obrigatório para todos os estados norte-americanos. Os Currículos nucleares foram usados por várias nações como uma estrutura obrigatória para um Currículo Nacional em todas as instituições. Certas nações com um plano de currículo nuclear abrangem a Inglaterra e o País de Gales (a Irlanda do Norte e a Escócia têm seus próprios arranjos em seus sistemas). Elaboração curricular integrada Tem sido defendida a ideia de que o conhecimento seja mais como um “manto sem costuras” – ou seja, não há limites ou compartimentos puros em termos de disciplinas e assuntos. Que se tomarmos seriamente a noção de aprendizagem investigativa, então o aluno romperá limites na busca por respostas. O currículo pode ser organizado ao redor de temas como “o clima”, permitindo assim que os professores abordem o tema conforme se encontra em literatura, matemática ou geografia. É mais frequente encontrar tal elaboração do currículo na educação da primeira infância. 20 Elaboração curricular de processo Na elaboração curricular de processo, coloca-se ênfase naqueles procedimentos pelos quais os alunos ou os professores podem conduzir investigações educacionais. Por exemplo, em uma aula de estudos sociais, um aluno pode ser encorajado a propor o tipo de pergunta que pode ser feita por um historiador; ou, em história, aprender os métodos de pesquisa usados por historiadores. Essa elaboração curricular geralmente está mais relacionada como os alunos aprendem do que ao conteúdo da disciplina. Por exemplo, que procedimentos podem ser empregados para ajudar os alunos a pensarem criticamente? Elaboração curricular humanística Argumentando que o currículo era muito centralizado em disciplinas, os humanistas desejam focalizar em valores, nos costumes e na questão existencialista de como viver. Essa elaboração curricular foi muito proeminente nos anos de 1960 e 1970, com ênfase no ensino de qualidades pessoais, caráter e esclarecimento sobre valores. Derivada da psicologia existencialista de terceira força (Ornstein e Hunkins, 1993, p.253), a elaboração curricular foi uma reação clara à dominância do behaviorismo e sua influência no currículo. As metas eram auxiliadas pelo trabalho de psicólogos como Carl Rogers e William Maslow, que trabalhavam com a noção de educação para a autorrealização – na qual o aluno está em contato com sua harmonia e espiritualidade interiores. O Currículo Nacional A ideia de um Currículo Nacional nuclear comum dá às autoridades centrais grande controle sobre a reforma do currículo e os exames. As questões-chave se relacionam ao que será ensinado e como isso será ensinado – não em por que é ensinado. No Reino Unido, por exemplo, o currículo, após o Projeto de Lei da Grande Reforma (Great Reform Bill), de 1988, dividiu o conteúdo em várias “áreas de interesse”. O Currículo é oferecido em blocos etários para os alunos: arte e design; cidadania; design e tecnologia; inglês; geografia; história; tecnologia da informação e da comunicação (TIC); matemática; línguas estrangeiras modernas (LEM); música; 21 educação pessoal, social e da saúde (EPSS); educação física; educação religiosa; ciências. Nas idades de 14 a 16 anos, o núcleo é: inglês, matemática, ciências, LEM, design e tecnologia, TIC, educação física, educação religiosa e quaisquer outras disciplinas disponíveis no quadro de pessoal de uma escola. É interessante que a educação religiosa deva estar no currículo por lei, mas também é verdade que os alunos podem ser eximidos dessa área se desejarem. De 16 a 18 anos, alunos estudam três disciplinas no nível A ou avançado, preparando-se para o ingresso na educação superior. Nos Estados Unidos, a Constituição Federal não discute educação ou sua provisão – isso é deixado aos estados individualmente, os quais têm a autoridade e o poder legal para administrar a educação pública conforme acharem adequado. Portanto, na Carolina do Norte o estado tem responsabilidade pelo currículo. Uma listagem de conteúdo padrão detalhada em cerca de 1.649 páginas é fornecida desde 1898 e engloba as seguintes áreas: educação artística – quatro disciplinas (artesvisuais, artes dramáticas, música e dança); educação técnica para a carreira; habilidades de informática/tecnologia; educação infantil; inglês como segunda língua; artes dramáticas em língua inglesa; orientação educacional; viver com saúde; habilidades de informação; matemática; ciências; línguas estrangeiras; estudos sociais. O surgimento do conceito de currículo nacional possui questões de igualdade, padrões e centralização em sua base. A ideia de “Escola Comum” foi desenvolvida nos primeiros anos da república norte-americana, de modo que as crianças de todas as procedências recebessem uma experiência curricular comum e porque um currículo nuclear nacional seria mais facilmente avaliado. Sistemas centralizados de currículos permitiriam comparações, digamos, entre alunos com 13 anos em diferentes regiões. A premissa é que maçãs não seriam comparadas com laranjas num sistema nuclear comum. 4 PRESSUPOSTOS E FORMAS DE EXECUÇÃO DE PLANEJAMENTO CURRICULAR Planejar é uma ação que engloba uma série de fatores. Pensando de maneira ampla, essa atividade está presente em qualquer empreendimento humano, do mais 22 simples ato de levantar da cama e planejar o dia até a organização de uma trajetória profissional de forma científica, como afirmam Menegolla e Sant’anna (2001): É um instrumento direcional de todo o processo educacional, pois estabelece e determina as grandes urgências, indica as prioridades básicas, ordena e determina todos os recursos e meios necessários para a consecução de grandes finalidades, metas e objetivos da educação. (MENEGOLLA E SANT’ANNA, 2001, p. 40). O ato de planejar, como é possível imaginar, engloba uma série de questões e pode ter como foco um dia, um evento, uma aula. Planejar consiste em prever e decidir sobre realização, o que fazer, como fazer e como analisar a fim de se verificar se o que se pretende e se a ação para tal foi atingida. Pensando nos professores como mediadores, responsáveis pela transmissão de conhecimento e considerando a educação um processo fluído, em constante ressignificação, planejar o processo educativo é antecipar e agir de forma funcional, promovendo não só a aprendizagem, mas, também, condições favoráveis à aplicação dos conceitos educacionais (VASCONCELLOS, 2020; GAMA; FIGUEIREDO, 2006). Para Libâneo (2001), o planejamento se refere a um processo de racionalização, organização e coordenação da ação docente em que se articula a atividade escolar e a problemática do contexto social, isto é, acompanhar a realidade do mundo contemporâneo para a promoção de uma educação focada no desenvolvimento integral do ser humano. Ainda de acordo com o autor, primeiramente, temos que entender o que é o planejamento escolar, que se refere a um plano elaborado periodicamente para definir as atividades futuras das escolas, além de ser um documento fundamental para compreender como a escola pode cumprir sua missão e valores no dia a dia (LIBÂNEO, 2001). Para que isso ocorra, o planejamento conta com algumas etapas no seu processo de construção e consolidação. Serve, em primeira análise, para questionar e estipular com mais precisão o que será estudado e por quais motivos, esboçando, dessa maneira, as intenções das instituições de ensino, delineando o que cada turma ou professor espera atingir ao final do período letivo (LIBÂNEO, 2001). Vale ressaltar que esse planejamento não é feito de forma deliberada por cada instituição. No momento em que são estabelecidos os conteúdos a serem ensinados ou, mais precisamente, o conteúdo das disciplinas, para cada ano e cada etapa, é importante que essa tarefa se baseie nas diretrizes encontradas na Base Nacional 23 Comum Curricular (BNCC) (BRASIL, 2017), sem excluir, é claro, a liberdade criativa e teórica que cada escola tem de acrescentar a seus próprios projetos e conteúdos nos currículos. É uma oportunidade de caracterizar, nesse momento, a identidade da escola, incluindo sua missão, valores e visão, seus diferenciais e a própria noção de “para quê” servem esses conhecimentos na prática. Para cada criação e planejamento, deve-se observar os aspectos da realidade escolar, tanto a externa quanto a interna. A externa se refere às relações com a comunidade de pais e responsáveis e toda comunidade escolar. Já a interna tem relação com ordem estrutural, como infraestrutura da escola, qualificações, quantitativo de docentes, resultados anteriores, dificuldades na gestão pedagógica, dentre outros, para, assim, viabilizar e tornar factível a elaboração do plano conforme as intenções da escola e a sua realidade, a fim de propiciar que se atinjam os objetivos (LIBÂNEO, 2001). Assim, entendido o contexto da comunidade escolar, elabora-se um documento multidisciplinar — em seu conteúdo e em relação aos profissionais que o escrevem —, que deve ter desdobramentos na instituição de ensino no planejamento de cada professor para cada turma e cada disciplina. Nesse conjunto, deve-se prezar pela objetividade, pois o processo de decisão assemelha-se com a realidade dos alunos e dos recursos da escola; pela coerência, que é a relação de ideias e práticas; e pela flexibilidade, isto é, ter consciência de que o planejamento pode ser mudado e adaptado conforme os contextos e situações. Além disso, o planejamento é dividido em algumas etapas. Para Sant’Ana (1986), a primeira etapa consiste na preparação ou na estruturação do plano de trabalho docente; deve-se prever como será desenvolvido o trabalho durante determinado período, reunindo aspectos metodológicos, recursos didáticos e tecnológicos que contribuam e efetivem o trabalho. Após essa etapa, dá-se o desenvolvimento do plano de trabalho, momento em que as ações previamente organizadas durante a elaboração do planejamento são colocadas em prática. Por fim, temos o aperfeiçoamento, que envolve a verificação, com a qual se analisa até que ponto os objetivos traçados foram alcançados, realizando-se, também, os ajustes necessários para que a aprendizagem seja mais funcional e objetiva (SANT’ANA, 1986). De acordo com Luckesi (2006): 24 [...] o planejamento curricular é uma tarefa multidisciplinar que tem por objetivo a organização de um sistema de relações lógicas e psicológicas dentro de um ou vários campos de conhecimento, de tal modo que se favoreça ao máximo o processo ensino-aprendizagem. É, dessa forma, a previsão de todas as atividades que o educando realiza sob a orientação da escola para atingir os fins da educação. (LUCKESI, 2006, P. 112) Assim, concluindo, para Menegolla e Sant’Anna (2001), todo planejamento requer: [...] conhecimento da realidade, das suas urgências e necessidades; definição de objetivos claros e significativos; determinação de meios e de recursos viáveis e disponíveis; estabelecimento de critérios e de princípios de avaliação para o processo de planejamento e execução; estabelecimento de prazos e etapas para a sua execução (MENEGOLLA; SANT’ANN, 2001, p. 21). 4.1 Componentes curriculares Para que as finalidades educacionais sejam atingidas e seguidas de maneira sistematizada, são elaborados planos nacionais, estaduais e regionais de educação. Esse procedimento deve ser seguido pelas escolas na elaboração dos seus planos curriculares e de ensino. Para que se tenha todo o processo educacional em atuação de maneira funcional, a escola deve lançar mão dos planos de ação, bem como estruturá-los e organizá-los. No que se refere a planos e escolas, falamos de planos curriculares que nortearão todo o processo educativo da escola, lembrando que o plano curricular é de característica e de detalhamento único da escola na qual está sendo escrita ou inserida e à qual se destina, ou seja, contém os pressupostos particulares de cada instituição. Assim, cabe à escola constituir seu plano tendo em vista o seu público- alvo, organizando seu planejamentocom base na: [...] interpretação das diretrizes e orientação emanadas do sistema à luz dos critérios de exequibilidade e adaptação às realidades socioculturais e biopsicossociais; expressar-se por meio da estruturação do processo educativo e das relações entre os elementos responsáveis pelo mesmo, dentro e fora da escola, comunidade e educando (SEC-RS, 1974 apud MENEGOLLA; SANT’ANNA, 2001, p. 39). Qualquer que seja o modelo que se tome como base, deve-se elaborar o plano curricular com contexto e justificação, o que fornece a referência e a orientação do plano, suas finalidades e objetivos. Por sua vez, esse quadro de objetivos é 25 responsável por preencher a intencionalidade fundamental do plano, que é a direção a ser tomada e os resultados que se pretende alcançar. Essa explicitação do conteúdo do currículo se dá por meio de um roteiro de matérias ou conteúdo (NUNES, 2017). Para sua efetiva realização, há de se ter uma organização e sequência lógica do ensino-aprendizagem, planificada em tipos de atividades e experiências de aprendizagem, incluindo, dessa maneira, as ações do professor e do aluno, ou seja, os métodos, atividades, materiais e meios para o ensino, que se finaliza pela avaliação e pelo plano de apreciação dos resultados (NUNES, 2017). A fim de contemplar o máximo de exigências normativas, bem como ponderá- las e equilibrá-las de acordo com cada contexto, tudo o que promover e ativar o processo educativo deve constituir o currículo. Nesse sentido, deve-se evidenciar as oportunidades de integração e correlação dos conhecimentos, utilizando bases de estudo da realidade, filosóficas, psicológicas, axiológicas e legais, e meios e eventos como sondagem, definição de objetivos, seleção das disciplinas e conteúdos, seleção de procedimentos, seleção de recursos humanos e materiais, processos de avaliação. Para a elaboração de um plano, é fundamental determinar claramente como se relacionam entre si os diversos elementos e critérios (TABA, 1974), considerando sempre que o planejamento curricular inclui: “[...] as disciplinas, os conhecimentos, os conteúdos, as experiências, os fatos sociais, políticos, religiosos, econômicos, as tradições, os valores que, planejados e sistematizados, o grupo social educacional estrutura para promover a educação” (MENEGOLLA; SANT’ANNA, 2001, p. 51). 4.2 Etapas do planejamento curricular Como vimos, por se tratar de um instrumento que deve se adequar às realidades e contextos, cada escola deve elaborar os seus planos curriculares tendo como base as diretrizes e leis concernentes ao assunto, a fim de atender a comunidade e suas necessidades e as particularidades locais. O plano curricular é fundamental, pois não podemos pensar uma escola sem uma filosofia norteadora. Por isso, deve representar e abordar conhecimentos significativos para a vida presente e que sejam úteis para o futuro de cada indivíduo, evidenciando, dessa maneira, as oportunidades de integração e correlação dos conhecimentos. Na educação em contexto nacional, podemos observar um reflexo de todo o contexto histórico e social em que é desenvolvida, seja a curto, médio ou longo prazo. Analisando mais especificamente, temos as escolas e seus respectivos planos 26 curriculares que decorrem das ações, filosofias e dinâmicas escolares — e que se fundamentam nos planos nacional e estadual (PADILHA, 2001). Tendo como função básica nortear o trabalho do professor na prática docente, o planejamento curricular tem como problemática central a formulação dos objetivos educacionais a partir dos princípios expressos nos guias curriculares oficiais. Como já vimos, muito embora o currículo tenha suas delineações determinadas nas linhas gerais, cabe à escola operacionalizá-lo, adaptando-o às situações concretas. Nesse sentido, é preciso compreender tipos de planejamento que acontecem no âmbito da educação. Por isso, veja, a seguir, alguns pontos de distinção dos diferentes níveis de planejamento. Planejamento educacional: abarca o planejamento em nível nacional, estadual e municipal, reflete as políticas educacionais e prevê a estrutura e o funcionamento do sistema educacional. O planejamento educacional tem como resultado o Plano Nacional de Educação (PNE), que se subdivide em programas ou projetos. (VASCONCELLOS, 2000). Planejamento curricular: é constituído pelas diversas áreas de ensino, isto é, as disciplinas, os fundamentos pedagógicos e os processos de avalição nos vários níveis dos seus componentes. Seu objetivo é orientar o trabalho do professor. Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), nesse contexto, orientam as escolas com o objetivo de garantir aos estudantes conhecimentos necessários para que se tornem cidadãos conscientes e responsáveis na sociedade (VASCONCELLOS, 2000). Planejamento de ensino e aprendizagem e seus componentes: são os planos de disciplinas que incluem as ações a serem desenvolvidas durante o ano ou semestre letivo, o plano de unidade e os planos de aula, que são as especificações diárias. O planejamento curricular posiciona-se, no contexto do planejamento educacional, como: “[...] uma tarefa multidisciplinar que tem por objeto a organização de um sistema de relações lógicas e psicológicas dentro de um ou vários campos do conhecimento, de tal modo que se favoreça ao máximo o processo ensino- aprendizagem” (MOREIRA, 1998, p. 29). Para que o planejamento seja eficaz, é preciso, no entanto, passar por algumas etapas básicas, como: 1) A sua preparação, assegurando-se de sistematizar o conteúdo visando o alcance do objetivo de ensinar, que é o saber e o aprender. 27 2) O seu desenvolvimento, isto é, a execução do plano, em que professor e aluno são atores e alvos de atuação. 3) O seu aperfeiçoamento, que se trata da avaliação que se inicia no primeiro momento de aplicação e geração do planejamento e perpassa todas as fases até o atingimento dos objetivos As etapas necessárias para um bom planejamento consistem então, em suma: no conhecimento da realidade local, seja da escola e/ou da comunidade escolar, na sua elaboração multidisciplinar e feita por inúmeras “mãos” e na sua avaliação e no seu aperfeiçoamento, tendo em vista as mudanças das realidades locais, globais e de perfis, exigindo a flexibilidade já comentada. Tendo como referência os estudos da realidade, as bases filosóficas do contexto escolar, bem como as psicológicas, sociológicas e legais devem relacionar- se com os elementos do plano, que se constituem nos objetivos, conteúdos, procedimentos, recursos e processos avaliativos. Alguns elementos que fazem parte do planejamento são os objetivos, que vão nortear os outros elementos; os conteúdos, que se relacionam ao “o que fazer”, à prática; a metodologia, que contém a maneira como será realizado; os recursos didáticos e, por fim, a avaliação da aprendizagem. Assim, podemos aferir que é a partir dos planos curriculares que é planejada, de maneira sistemática e global, toda a ação escolar. Dessa forma, tendo em mãos as diretrizes nacionais, bem como a análise do contexto escolar, tem-se, também — em decorrência dos planos curriculares —, os planos de ensino, que são os planos das disciplinas, ou seja, as proposições feitas pela escola, pelos professores, alunos e/ou pela comunidade (PADILHA, 2001). Dessa forma, o planejamento deve explorar os princípios norteadores pelos quais os indivíduos se constituem, considerando o tipo de educação que é necessária para a sua integração na sociedade e que, para Menegolla e Sant’Anna (2001), deve ter uma abordagem racional e científica dos problemas; além de determinação dos objetivos e dos recursos. Libâneo (1992), nesse sentido, destaca alguns requisitos para a efetividade do planejamento, como os objetivos e as tarefas da escola, ou seja, o papel que se destaca para a escola na formação dos alunos;as exigências dos planos e programas oficiais, isto é, as diretrizes oficiais; as condições prévias dos alunos para a 28 aprendizagem, seu nível de preparo ou nível cognitivo; os princípios e condições do processo de transmissão e assimilação ativa dos conteúdos. É necessário, portanto, que o professor planeje as vivências, com foco na ampliação das dimensões do conhecimento e do repertório utilizado, enfatizando a experimentação e as práticas. Nessa perspectiva, para Trevisan: [...] há diversas opções possíveis para proporcionar vivências variadas aos alunos, mesmo as que são pouco conhecidas dos professores, como novas temáticas, novas pessoas participando do processo, fontes de informações, além de criatividade de adaptação frente a circunstâncias adversas como espaço reduzido. É importante que o professor mapeie os recursos materiais e estimule a participação dos alunos em todo o processo (TREVISAN, 2020, p. 1). Começar o planejamento pela compreensão pressupõe inverter a ordem em que ocorre no cotidiano escolar. A proposta teórica é iniciar o planejamento com o que se almeja com os alunos, o que se busca que eles compreendam e desenvolvam. Essa compreensão se mostra eficaz e clara no momento em que eles transferem sua aprendizagem para novos contextos (WIGGINS; MCTIGHE, 2019). Por fim, o professor, no seu papel de mediador, deve apoiar os alunos na aquisição dos conhecimentos e habilidades e em todo o processo em que são construídos sentidos e transferidos os conhecimentos. A educação caminha junto com os contextos sociais e culturais nos quais precisa estar e se desenvolver. Assim, analisar a realidade é de suma importância para que os alunos possam desenvolver de forma ampla, objetiva e funcional as habilidades corporais e cognitivas, tarefa que deve ser intermediada pelo educador e pela escola no contexto geral, proporcionando as condições básicas para esse desenvolvimento e sempre inovando. 5 CURRÍCULO E LEGISLAÇÃO EDUCACIONAL O conceito de currículo escolar mudou com o decorrer dos anos, seguindo as transformações sociais e os sentidos atribuídos para a educação e escolarização. Desse modo, é preciso compreender as condições (políticas, econômicas e culturais) que permitem a construção da definição de currículo atualmente, estruturando as ressignificações que o tema sofreu nas últimas décadas. 29 A sociedade sempre se preocupou em definir o que deveria ser ensinado de uma geração para outra, associando esses ensinamentos com a construção da sociedade. Assim, as classes dominantes ou que governavam determinadas regiões impunham o pensamento que entendiam ser o mais correto ou o padrão a ser repassado adiante. Inúmeras tendências educacionais surgiram antes do século XX, como aquelas advindas do Iluminismo, dos ideais da Reforma Protestante e do Renascimento. Porém, no início do século XX, surgiu a teoria do currículo, em que, de forma sistemática, os discursos em torno do termo foram associados a determinados sentidos específicos, estabelecendo como as instituições de ensino deveriam desenvolver as suas atividades (SILVA, 2015). Quando falamos em currículo, pensamos nas disciplinas das matrizes curriculares e no conteúdo a ser ensinado. Embora o conceito de currículo — sobretudo em uma das suas teorias, a tradicional — envolva, de fato, conteúdo, o seu conceito vai muito além, pois envolve a produção de subjetividades e o poder exercido por aqueles que selecionam e classificam os saberes ensinados. Logo, existem inúmeros conceitos de currículo, conforme a teoria com que estão alinhados. Para Moreira e Silva (2001), o currículo é um fator social e cultural. O currículo transmite visões sociais especificas e interessadas, o currículo produz identidades particulares e sociais. Por artefato social e cultural, pode-se compreender algo construído pelos indivíduos a partir de suas relações e da interação com os seus pares sociais e culturais. A escola, nesse aspecto, exerce forte contribuição para a construção da identidade, o que demonstra como as discussões em torno do currículo escolar são pertinentes. De acordo com Silva (2015), uma teoria do currículo geralmente considera alguns pontos: ➢ Conhecimentos a serem ensinados - saber ➢ Tipo de ser humano desejável - identidade ➢ Poder. As teorias curriculares procuram entender como são escolhidas as disciplinas ensinadas dentro das salas de aula. Da mesma forma, ocupam-se em indagar quais são os tipos de seres humanos são frutos da escola e as implicações da instituição com o projeto de sociedade almejado. Algumas teorias se sensibilizam com as 30 relações de poder envolvidas entre quem decide o que precisa ou não ser ensinado e o modelo de pessoas ideais formadas a partir do ensino escolar. As teorias tradicionais do currículo ganharam força no Brasil a partir da década de 1930, quando o País se encontrava em processo de desenvolvimento urbano e industrial. Na época, a partir do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, de 1932, foram propostas ações para o planejamento e a organização das ações educacionais extensivas a todas as escolas brasileiras, concebendo o currículo como um modo de alcançar objetivos, capacitando os indivíduos a viver em sociedade. Os educadores Anísio Teixeira e Fernando de Azevedo foram importantes nos anos 1930 e 1940 no Brasil, uma vez que procuraram associar a educação escolar com os conceitos de uma sociedade justa e democrática e da necessidade de aproximação da sociedade com a escola, respectivamente. Também surgiram, nessa mesma época, o Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (atual Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira [Inep]) e os acordos internacionais entre o Ministério da Educação e a United States Agency for International Development (USAID), que reforçaram essa tendência curricular norte-americana tradicional nos currículos escolares nacionais em todos os níveis educacionais. A década de 1960 foi marcada por inúmeros movimentos de contestação social, sobretudo, na sociedade norte-americana, com ações antirracismo, de defesa dos negros, das mulheres, dos homossexuais, entre outros, manifestados por meio do rock e do movimento hippie. Com isso, os aspectos curriculares também foram revistos, promovendo a discussão dessas desigualdades e da reprodução desse tipo de sociedade a partir dos currículos escolares. Esses foram os fatores que impulsionaram a teoria crítica dos currículos. A teoria crítica dos currículos encontrou inspiração nos escritos de Kant, Hegel e Marx, trazendo, nas suas discussões, assuntos atrelados à ideia do estruturalismo corrente na época, como (SILVA, 2015): classe; poder; cultura; ideologia; hegemonia; estado. Para os autores da teoria crítica dos currículos, a preocupação sobre o currículo desloca-se da questão prática (das teorias tradicionais) para aquilo que o currículo efetivamente faz em termos de reprodução de desigualdades a partir de seus ensinamentos. Dessa forma, para a teoria crítica do currículo, este: 31 [...] carrega marcas indeléveis das relações sociais de poder. O currículo é capitalista. O currículo reproduz culturalmente as estruturas sociais. O currículo tem um papel decisivo na reprodução das estruturas da classe capitalista. O currículo é um aparelho ideológico do estado. O currículo transmite a ideologia dominante. O currículo é em suma, um território político (SILVA, 2015, p. 147). A ênfase da teoria crítica dos currículos está nos aspectos sociológicos envolvidos com a educação, sobretudo a partir das análises do capitalismo como sistema econômico hegemônico e em expansão. Para os autores da teoria crítica, também serve de base e inspiração a Escola de Frankfurt, na Alemanha, formada pelos seguintes pensadores e cientistas sociais: ➢ Theodor Adorno; ➢ Max Horkheimer;➢ Friedrich Pollock; ➢ Erich Fromm; ➢ Herbert Marcuse. Destacam-se na teoria crítica dos currículos os autores norte-americanos Michael Whitman Apple e Henry Giroux, bem como os filósofos franceses Louis Althusser, criador do conceito de aparelho ideológico do estado, e Pierre Bourdieu, com o seu conceito de capital cultural. Na Inglaterra, destaca-se o autor Michael Young. No Brasil, destaca-se o educador Paulo Reglus Neves Freire, que se preocupava com os aspectos referentes ao conhecimento e ao ensinar, criticando o modelo de educação bancária, em que o professor “deposita” os conhecimentos nos alunos. Paulo Freire propôs uma educação problematizadora, que partia das experiências dos estudantes e da análise das suas realidades sociais. A esse respeito, Silva (2015, p. 149) comenta que “[...] a visão do poder tomada pelas teorias pós-críticas é de um poder descentralizador, multiforme e multifacetado, não mais centrado no Estado, talvez meio invisível pela sua dispersão em toda a rede social”. As teorias pós-críticas dão base para os estudos pós-coloniais, que analisam as múltiplas relações entre os colonizados e seus colonizadores e que se encontram implicadas nos currículos escolares. Em outras palavras, existe uma relação de saber e poder, quando o “colonizador” seleciona e impõe o que deve ser ensinado aos “colonizados”, os quais produzem as suas identidades também a partir do que aprendem na escola. Propondo que os docentes procurem ampliar a sua visão sobre o currículo escolar, dentro de 32 uma perspectiva pós-crítica, Moreira e Candau (2007), sugerem os seguintes questionamentos: Como vêm sendo criadas nossas identidades de gênero, raça, sexualidade, classe social, idade, profissão? Como temos aprendido a ser quem somos, como profissionais da educação, brasileiros(as), homens, mulheres, casados(as), solteiros(as), negros(as), brancos(as), jovens ou idosos(as)? (MOREIRA E CANDAU, 2007, p. 24). Com base nesses movimentos culturais, surge com caráter obrigatório, por exemplo, no interior dos currículos escolares, o ensino das histórias e culturas afro- brasileira e indígena. O Quadro 1 apresenta algumas diferenças entre as teorias estudadas. Quadro 1. Teorias do currículo e as suas diferenças. Fonte: Adaptado de Silva (2015). Como podemos perceber, os conceitos de ambas as teorias do currículo circulam entre nós em nossas práticas cotidianas no interior das escolas. Logo, as diferentes teorias não possuem necessariamente caráter de ruptura entre uma e outra, mas acabam por acrescentar mais elementos a serem abordados e ensinados nas escolas, visando à formação plena dos alunos. 33 4.1 Parâmetros Curriculares Nacionais, Diretrizes Curriculares Nacionais e Base Nacional Comum Curricular Com o processo de redemocratização ocorrida nos anos 1980 no Brasil — que culminou com o final da ditadura militar e, mais especificamente, com a Constituição Federal de 1988 —, são encaminhadas discussões nacionais e internacionais visando reforçar a própria democracia e o conceito de cidadania, que envolve os direitos e deveres individuais e coletivos. A Constituição Federal de 1988, art. 205, estabelece que (BRASIL, 1988): “Art. 205 “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. Essas ideias são reforçadas por movimentos internacionais, como a Declaração Mundial sobre a Educação para Todos, realizada em Jomtien, na Tailândia, em 1990, organizada por: ➢ Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco); ➢ Fundo Internacional de Emergência para a Infância das Nações Unidas (Unicef); ➢ Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento; ➢ Banco Mundial. Para cumprir os objetivos constitucionais propostos para a educação e ainda contemplar as exigências internacionais — que buscavam a satisfação das necessidades básicas de aprendizagem, a universalização do acesso à educação e a melhoria de qualidade na educação —, foram criados alguns instrumentos que nortearam os currículos escolares. O primeiro instrumento foram os PCNs, (Parâmetros Curriculares Nacionais), que começaram a ser elaborados pelo Ministério da Educação em 1995 e foram concluídos em 1997, focando nas quatro primeiras séries do ensino fundamental da época. Os PCNs são organizados a partir de áreas de conhecimento, apresentando objetivos para essas áreas, seguidos da apresentação dos blocos de conteúdos, critérios de avaliação e finalizando as “[...] orientações didáticas, que são subsídios à reflexão sobre como ensinar” (BRASIL, 1997, p. 58). Também propõem, em sua organização, temas transversais a serem discutidos nas escolas. As áreas de conhecimento que se encontram nos PCNs são: língua portuguesa; matemática; 34 ciências naturais; história; geografia; arte, educação física; língua estrangeira. Os temas transversais propostos nos PCNs são: ética; saúde; meio ambiente; orientação sexual; pluralidade cultural. Os temas transversais surgem para que “[...] questões sociais sejam apresentadas para a aprendizagem e a reflexão dos alunos” (BRASIL, 1997, p. 25), compreendendo que, para que se exerça a cidadania de fato, somente os conhecimentos das áreas propostas não são suficientes. Os PCNs também trazem menção à organização da escola por ciclos, com suas particularidades. As DCNs (Diretrizes Curriculares Nacionais), são normas que possuem caráter obrigatório para a educação básica, visando orientar a forma como o currículo das escolas é planejado em todo o sistema educacional brasileiro. As DCNs foram fixadas pelo Conselho Nacional de Educação e procuram atender à LDB de 1996, que cita, em seu art. 9º, IV, ser de incumbência da União (BRASIL, 1996). Art. 9º [...] IV — estabelecer, em colaboração com os Estados, Distrito Federal e os Municípios, competências e Diretrizes para a educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio, que nortearão os currículos e os seus conteúdos mínimos de modo a assegurar a formação básica comum. (BRASIL, 1996). As DCNs começaram seu processo de elaboração no final da década de 1990, somente constituindo-se como documento finalizado para a educação infantil em 2010 e para as demais etapas da educação básica em 2013. Sua elaboração envolveu a participação de muitas entidades, como: ➢ União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime); ➢ Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (Anped); ➢ Confederação Nacional de Trabalhadores em Educação (CNTE); ➢ Fórum Nacional dos Conselhos Estaduais de Educação; ➢ Movimento Interfóruns de Educação Infantil no Brasil (Mieib). Além disso, houve contribuições de vários grupos de pesquisa, pesquisadores, conselheiros tutelares, sindicatos, secretários e conselheiros municipais de educação, bem como do Ministério Público. Esse movimento de elaboração garantiu que os documentos fossem construídos de forma democrática. Segundo o Parecer do Conselho Nacional da Educação/Câmara de Educação Básica 35 (CNE/CEB) nº. 7, de 14 de dezembro de 2010, ao regular a escrita dos currículos escolares em busca da construção de uma proposta comum, “[...] o desafio das Diretrizes é diminuir ou eliminar o distanciamento existente entre as várias propostas pedagógicas e a sala de aula” (BRASIL, 2010, documento on-line). Ou seja, não basta apenas pensar o currículo ao elaborar as propostas pedagógicas das escolas, é preciso realizá-lo a partir das práticas diárias junto aos estudantes. As DCNs para a educação básica apresentam um conjunto de obras que envolvem: diretrizes gerais para educação básica; diretrizes e respectivas resoluções para a educaçãono campo; educação indígena; educação quilombola; educação especial; educação de jovens e adultos em situação de privação de liberdade nos estabelecimentos penais; educação profissional e técnica de nível médio; educação de jovens e adultos; educação ambiental; educação em direitos humanos; educação das relações étnico-raciais; ensino de história e cultura afro-brasileira e africana. Seguindo na busca pela normatização curricular, a BNCC (Base Nacional Comum Curricular), se propõe, segundo as suas palavras introdutórias, a ser “[...] um documento de caráter normativo que define o conjunto orgânico e progressivo de aprendizagens essenciais que todos os alunos devem desenvolver ao longo das etapas e modalidades da Educação Básica” (BRASIL, 2017, p. 7). Ou seja, norteia aquilo que será desenvolvido por meio do currículo e será ensinado aos alunos na educação básica. A BNCC, de caráter normativo para a educação escolar, vem ao encontro do que é requerido no Plano Nacional de Educação (2014–2024) e nas DCNs da educação básica. A BNCC coloca como a sua principal finalidade definir as “[...] aprendizagens essenciais que todos os alunos devem desenvolver durante todas as etapas da educação básica” (BRASIL, 2017, p. 7). Para que essas aprendizagens sejam desenvolvidas nos estudantes, a base propõe o alcance de dez competências a todos os alunos da educação escolar nacional. Essas competências reúnem os conhecimentos históricos e culturais a serem adquiridos, as habilidades desenvolvidas e as atitudes esperadas dos estudantes como resultado desse processo educacional. Ao referir-se ao conceito de competência, a BNCC do ensino fundamental comenta: É esse também o enfoque adotado nas avaliações internacionais da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que coordena o Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa, na sigla em inglês), e da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco, na sigla em inglês), que instituiu o Laboratório Latino- 36 americano de Avaliação da Qualidade da Educação para a América Latina (LLECE, na sigla em espanhol). (BRASIL, 2017, p. 13). Para exemplificar a influência dos organismos internacionais na regulação da educação brasileira, podemos analisar alguns dados do relatório mais recente da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE, 2016), intitulado Education at a Glance, que apresenta inúmeros indicadores apontando que o Brasil ainda precisa continuar investindo na educação básica. Por exemplo, o indicador que mede o período de escolarização da população das nações envolvidas, ao considerar 90% da população em idade escolar, propõe como meta 14 anos de escolarização; no Brasil, a população de 4 a 17 anos que frequenta a escola o faz por 11 anos somente. Essa situação se agrava ainda mais quando observamos a faixa etária entre 15 e 19 anos de idade: no Brasil, somente 69% frequentam a escola, representando uma grande evasão no ensino médio. A meta estipulada pela OCDE para frequência à escola de alunos nessa faixa etária é de 87% ao menos. Os dados referentes ao Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA) (OECD, 2015), colocaram o Brasil na sexagésima posição entre os 70 países analisados nos quesitos de proficiência em ciências, leitura e matemática dos alunos com 15 anos de idade. Veja as dez competências que se almeja que os estudantes desenvolvam a partir da BNCC (BRASIL, 2017): 1. Valorizar e utilizar os conhecimentos historicamente construídos sobre o mundo físico, social, cultural e digital para entender e explicar a realidade, continuar aprendendo e colaborar para a construção de uma sociedade justa, democrática e inclusiva. 2. Exercitar a curiosidade intelectual e recorrer à abordagem própria das ciências, incluindo a investigação, a reflexão, a análise crítica, a imaginação e a criatividade, para investigar causas, elaborar e testar hipóteses, formular e resolver problemas e criar soluções (inclusive tecnológicas) com base nos conhecimentos das diferentes áreas. 3. Valorizar e fruir as diversas manifestações artísticas e culturais, das locais às mundiais, e participar de práticas diversificadas da produção artístico-cultural. 4. Utilizar diferentes linguagens — verbal (oral ou visual-motora, como Libras, e escrita), corporal, visual, sonora e digital —, bem como conhecimentos das 37 linguagens artística, matemática e científica, para se expressar e partilhar informações, experiências, ideias e sentimentos em diferentes contextos e produzir sentidos que levem ao entendimento mútuo. 5. Compreender, utilizar e criar tecnologias digitais de informação e comunicação de forma crítica, significativa, reflexiva e ética nas diversas práticas sociais (incluindo as escolares) para se comunicar, acessar e disseminar informações, produzir conhecimentos, resolver problemas e exercer protagonismo e autoria na vida pessoal e coletiva. 6. Valorizar a diversidade de saberes e vivências culturais e apropriar- -se de conhecimentos e experiências que lhe possibilitem entender as relações próprias do mundo do trabalho e fazer escolhas alinhadas ao exercício da cidadania e ao seu projeto de vida, com liberdade, autonomia, consciência crítica e responsabilidade. 7. Argumentar com base em fatos, dados e informações confiáveis, para formular, negociar e defender ideias, pontos de vista e decisões comuns que respeitem e promovam os direitos humanos, a consciência socioambiental e o consumo responsável em âmbito local, regional e global, com posicionamento ético em relação ao cuidado de si mesmo, dos outros e do planeta. 8. Conhecer-se, apreciar-se e cuidar de sua saúde física e emocional, compreendendo-se na diversidade humana e reconhecendo suas emoções e as dos outros, com autocrítica e capacidade para lidar com elas. 9. Exercitar a empatia, o diálogo, a resolução de conflitos e a cooperação, fazendo-se respeitar e promovendo o respeito ao outro e aos direitos humanos, com acolhimento e valorização da diversidade de indivíduos e de grupos sociais, seus saberes, identidades, culturas e potencialidades, sem preconceitos de qualquer natureza. 10. Agir pessoal e coletivamente com autonomia, responsabilidade, flexibilidade, resiliência e determinação, tomando decisões com base em princípios éticos, democráticos, inclusivos, sustentáveis e solidários Para desenvolver essas competências, a BNCC descreve as competências gerais por meio das quais serão descritos os objetivos de aprendizagem específicos a serem atingidos junto aos alunos. Na educação infantil, esses objetivos de aprendizagem são organizados a partir dos campos de experiências, que dividem por faixas etárias as crianças da creche e da pré-escola, considerando bebês (0 a 1 ano 38 e 6 meses); crianças bem pequenas (1 ano e 7 meses a 3 anos e 11 meses); crianças pequenas (4 anos a 5 anos e 11 meses). Já nos ensinos fundamental e médio, existe a definição das áreas de conhecimento, das competências específicas de cada uma dessas áreas e das habilidades a serem desenvolvidas pelos estudantes. Como podemos perceber, o caráter normativo é evidenciado no momento que se estabelece sumariamente o que deve ser aprendido e que constitui a base comum das competências de todos os estudantes da rede de ensino nacional. Os PCNs, as DCNs e a BNCC se constituem em esforços do Ministério da Educação em regular, padronizar e normatizar as ações curriculares desenvolvidas dentro da escola. Esse movimento começa de maneira orientadora com os PCNs, reforça-se já com caráter normativo, porém não tão detalhado quanto à sua aplicação prática com as DCNs e se estrutura com maior nível de organização e detalhamento com a construção da BNCC atual, que define competências e estipula as habilidades para as áreas de conhecimento, inclusivecodificando-as para efeito de acompanhamento e controle posterior por parte da escola. 6 COMPETÊNCIAS NA EDUCAÇÃO Segundo Perrenoud (2013), competência é a capacidade de impulsionar vários mecanismos cognitivos (saberes, capacidades, informações, etc.) a fim de encontrar soluções com eficácia para situações da vida diária, como, por exemplo, saber se conduzir em uma cidade que nunca tenha ido antes, tendo a habilidade desse orientar em um mapa ou GPS, pedir informações ou conselhos, além de ter noção de escala, elementos de topografia e referências geográficas. As competências estão relacionadas às circunstâncias profissionais, culturais e sociais e podendo abranger diversas situações e espaços, pois os seres humanos passam por situações desiguais, desenvolvem suas competências na adaptação às suas realidades — algumas delas se desenvolvem, na escola. As instituições se preocupam em formar competências normalmente dando prioridade aos recursos, os objetos, que abrangem certas competências, em vez de contextualizá-las com situações complexas. Esse fenômeno da escolaridade começa no ensino básico, quando se domina a leitura, a escrita, aprende a fazer contas, capacidade de raciocínio, dar explicações, 39 fazer resumos, observar e tantas outras capacidades gerais; então, passam por assimilação dos conhecimentos disciplinares, como matemática, ciências, geografia etc.; contudo, a escola não tem se preocupado relacionar esses artifícios das situações da vida (PERRENOUD, 2013). Quando a escola é questionada em relação ao motivo de ensinar determinado conteúdo, a explicação geralmente tem como base as normas, que apontam uma sequência a ser seguida, como, por exemplo, quando se aprende gramática com a finalidade de escrever textos. No modelo atual de escola, o discente é instruído para chegar ao ensino superior, ele recebe treinamentos através de testes e exames nacionais para desenvolver, competências relacionadas às habilidades específicas de saberes que são executados teoricamente, porém fora da realidade. Para superar esses moldes, é necessário que as escolas deem significado para a aprendizagem, fornecendo as bases com múltiplos conhecimentos que agreguem utilidades no dia a dia do aluno e não fiquem presos somente à apresentação de conteúdos que serão aprofundados depois, nas universidades (PERRENOUD, 2013). De acordo Perrenoud (2013), as questões que envolvem os princípios de cidadania e democracia, sustentabilidade, convivência e diversidade cultural resultam no desenvolvimento de novas competências, e o currículo educacional precisa ser uma ferramenta que a caracterize, mobilizando, para isso, múltiplos recursos cognitivos no enfretamento e na solução dessas problemáticas. Perrenoud (2000), define oito categorias de competências fundamentais para a autonomia das pessoas: 40 Em cada grupo dessas grandes categorias, é necessário especificar grupos de situações que exemplifiquem a prática dessas competências, como, por exemplo, saber desenvolver estratégias para manter o emprego em situações de reorganização de uma empresa. 5.1 Currículo e competências O desenvolvimento de competências não tem como objetivo somente formar o indivíduo para o mundo do trabalho, mas, fundamentalmente, fazer com que ele desenvolva seu projeto pessoal de vida; por isso, a escola deve formar pessoas com capacidade de aprender a todo momento, como leitores inquietos, cidadãos participativos e solidários, mães e pais dedicados, trabalhadores inovadores e responsáveis (SACRISTÁN, 2013). De acordo com o projeto DeSeCo (Definição e Seleção de Competências) da OCDE, cada competência deve contribuir para resultados valorizados pelas sociedades e pelos indivíduos; ter transferibilidade criativa e não mecânica para diferentes contextos, situações e problemas; ajudar os indivíduos a responder a uma Saber identificar, avaliar e valorizar suas possibilidades, seus direitos, seus limites e suas necessidades; Saber formar e conduzir projetos e desenvolver estratégias, individualmente ou em grupo; Saber construir e estimular organizações e sistemas de ação coletiva do tipo democrático; Saber cooperar, agir em sinergia, participar de uma atividade coletiva e partilhar liderança; Saber analisar situações, relações e campos de força de forma sistêmica; Saber gerenciar e superar conflitos; Saber construir normas negociadas de convivência que superem diferenças culturais. 41 série de demandas em diversos contextos; ser importante não somente para os especialistas, mas também para os indivíduos. Segundo Sacristán (2013), o projeto DeSeCo engloba três competências fundamentais, com grande vantagem pelo fato de serem competências metacurriculares, que visam interagir, de um modo efetivo, com pessoas e controlar a própria vida. Veja no Quadro 1, a seguir, uma síntese dessas três competências do projeto DeSeCo. Quadro 1. Competências do projeto DeSeCo. Fonte: Adaptado de Sacristán (2013). Ser um cidadão em uma democracia sempre foi, e segue sendo, uma questão complexa, pois exige que se opine sobre questões cada vez mais complicadas, que passam por temas que variam de mudanças climáticas até o uso de células- -tronco. 42 Em uma democracia autêntica, são necessários cidadãos cultos, cuja formação, em grande parte, compete à escola (SACRISTÁN, 2013). Sacristán et al. (2011) enfatizam que uma organização de aprendizagem por competências tem o objetivo de consolidar o aprendizado, sendo uma forma de refutar as aprendizagens academicistas, que são comuns nas práticas educacionais tradicionais, em que não se agrega capacitação nenhuma ao sujeito, que, depois de memorizar o conteúdo e ser avaliado, acaba esquecendo o que foi lido e supostamente ensinado. Nesse sentido, deve-se focar na utilidade prática dos conteúdos trabalhados, aproximando-se da realidade vivenciada na formação profissional, contexto no qual o importante é dominar habilidades, capacidades e competências para qualificar a formação. Nesse contexto, encontra-se a meta de toda a educação, em que o que for aprendido deve ser usado como recurso ou capacitação para a realização de qualquer função humana, não se ligando exclusivamente à questão manual, mas também a conduta, comportamentos, relação com o outro, comunicação, etc. (SACRISTÁN et al., 2011). Seguindo a ideia de currículo por competências, Sacristán et al. (2011) enumeraram em uma lista sugestões, que também podemos considerar como um conjunto de princípios para projetar um currículo que tenha por objetivo o desenvolvimento de competências fundamentais. Entre essas sugestões, por exemplo, destaca-se que as competências precisam ser compreendidas como marco de referência na seleção de conteúdos em virtude da questão prática e da potencialidade de ajudar na compreensão da complexidade do mundo real. Para isso, o currículo precisa envolver as dimensões do desenvolvimento pessoal, englobando conhecimento, identidade e ação, de modo que não fique atrelado a uma lista interminável de conteúdos mínimos, classificados por disciplinas. A grande quantidade de conteúdos acaba por saturar e tornar o aprendizado mecânico, baseado na memorização, sem aplicação e real compreensão; dessa forma, é necessário um planejamento de temas que permitam seu desenvolvimento em profundidade, sem exacerbar a quantidade — mais é menos —, facilitando a busca, seleção, organização, aplicação e valorização da informação, contribuindo também para a construção do senso crítico do aprendiz (SACRISTÁN et al., 2011). 43 Segundo os autores, nesse sentido, também é fundamental fortalecer a competência dos professores e das escolas no projeto real para adaptar o currículo, os conteúdos e as atividades às necessidades e aosinteresses dos estudantes e ao seu ritmo de desenvolvimento e aprendizagem, assim como propor módulos interdisciplinares ou multidisciplinares, previamente testados, que ajudem os professores a compreender suas possibilidades e a evitar suas resistências, utilizando os conteúdos estudados na parte e no todo, para entender os problemas e agir sobre eles, contextualizando os conteúdos na vida cotidiana dos aprendizes. Finalmente, Sacristán et al. (2011), destacam que o currículo deve ser desenvolvido e criado de maneira flexível e dinâmica, permitindo o surgimento do “currículo emergente”, que facilite que cada aluno e/ou grupo, em qualquer momento e apoiado em seus interesses e propósitos, apresente novas propostas de conteúdos, problemas, informações e focos de interesse. O aprendiz deve ser colocado diante de situações desafiadoras, que lhe permitam buscar conhecimento adequado e relevante para a sua identificação, o seu entendimento e enfrentamento. 5.2 Currículo por competências: possibilidades pedagógicas e limitações O objetivo prioritário da atividade escolar não deve ser como sempre foi, isto é, baseado em acumulação de dados ou informações pelo estudante na sua memória a curto prazo, para, então, reproduzi-los de forma fiel em uma prova. Pelo contrário, deve possibilitar a construção de ideias, modelos mentais e teorias comparadas que permitam ao aluno buscar, selecionar e utilizar o volume inesgotável de dados acumulados nas redes de informação para interpretar e intervir da melhor maneira possível na realidade (SACRISTÁN et al., 2011). Veja, a seguir, alguns princípios e dicas que podem nortear as práticas pedagógicas para o desenvolvimento do currículo com base em competências (SACRISTÁN et al., 2011). Levar em conta a vida cotidiana, as informações e os recursos do meio ambiente para relacionar a experiência do sujeito com as aprendizagens escolares sem cair em localismos limitadores ou ficar dependente do livro didático. Além disso, estimular as várias formas de expressão nas atividades e nos trabalhos dos alunos, de modo que o principal foco deve ser ensinar a aprender e querer aprender. Organizar globalmente os conteúdos em unidades complexas e que exijam a coordenação de professores — e inclusive à docência colaborativa. Nesse sentido, 44 também utilizar conexões interdisciplinares de conteúdos junto a atividades e meios em unidades temáticas com complexidade e tempo de desenvolvimento e ter plena consciência de que as escolas não são o único local para contato com a cultura ou informação úteis na composição do currículo. Explorar todos os tipos de aprendizagens possíveis em cada unidade — conhecimentos, habilidades, hábitos, aquisição de atitudes e valores —, propiciar o diálogo com diferentes opiniões e estimular virtudes como tolerância e cooperação, construindo um ambiente educacional motivador, que permita a autonomia do aluno e o respeito ao ritmo de desenvolvimento individual dos mesmos. Segundo Sacristán et al. (2011), por meio desses princípios, podem ser desenvolvidas infinitas possibilidades pedagógicas de encontrar temas que busquem o desenvolvimento de competências. Madelaine Walker (2007 apud SACRISTÁN et al., 2011), também define algumas prioridades educacionais e destaca, como você confere a seguir, qualidades humanas fundamentais como objetivos últimos da prática educacional. Raciocínio prático: ser capaz de fazer e de tomar decisões reflexivas, bem pensadas, informadas, independentes, intelectualmente rigorosas e socialmente responsáveis. Implicação educacional: ser capaz de levar a vida do estudo, do trabalho e das relações sociais com perseverança, resistindo a frustrações e aproveitando as oportunidades, tendo esperança de um futuro melhor. Conhecimento e imaginação: ser capaz de construir conhecimento acadêmico e profissional, desenvolver procedimentos de busca rigorosa, análise, comparação e síntese e, ao mesmo tempo, usar a imaginação e o conhecimento para compreender as diferentes posições e opiniões, debatendo princípios complexos, adquirindo conhecimento por prazer e para entender e agir de maneira justa e adequada. Disposição em direção à aprendizagem: ter curiosidade, desejo de aprender e confiança na própria capacidade de aprender, tornando-se um pesquisador ativo, sendo, para isso, capaz de participar de grupos sociais, resolvendo problemas de forma conjunta, respeitando a si mesmo e aos outros. Respeito, dignidade e reconhecimento: ser tratado e tratar com dignidade, valorizar outras línguas, outros costumes, outras religiões e outras filosofias de vida, 45 demonstrando compaixão, empatia, justiça e generosidade, desenvolvendo competência na comunicação intercultural. Integridade emocional: não estar submetido à ansiedade e ao medo, que impedem a aprendizagem, ser capaz de desenvolver maturidade emocional para a compreensão do outro e de si mesmo na complexidade e na incerteza. Além disso, ter segurança e liberdade física e de movimentos. Assim, no contexto do uso das competências no desenvolvimento do currículo, dentro das dimensões práticas do ensinar e aprender, deve-se estimular nos alunos o princípio do “aprender fazendo” (learning by doing), transformando a aprendizagem em um processo ativo de indagação, pesquisa e intervenção na prática. A aprendizagem, para ser significativa, deve ser estabelecida nas práticas da vida real, em que os conceitos, ideias e princípios se tornam funcionais e são, consequentemente, recursos estimáveis para o aluno. Ainda é necessário propor atividades e recursos que estimulem a metacognição como um meio para desenvolver a capacidade de autonomia e autorregulação da aprendizagem, isto é, aprender como aprende, conhecendo as próprias fraquezas em cada âmbito do saber e do fazer (SACRISTÁN et al., 2011). 5.3 Limitações na organização curricular por competências O uso das aprendizagens baseadas em competências pode ser abrangente, promovendo uma abordagem interdisciplinar, mas, dependendo da maneira como elas são interpretadas didática e pedagogicamente, podem tornar-se apenas uma nova forma de enunciar os objetivos que se pretende ensinar nas disciplinas. As críticas que foram feitas à proposta da formação baseada em competências se ligam ao fato de que a sociedade evolui permanentemente, e as competências de hoje são provisórias e mutantes. Além disso, os profissionais, em certos momentos, têm que resistir a certas mudanças, mas, ao mesmo tempo, participar dela de forma ativa, a fim de manter a subsistência de sua área profissional com novos modos de ação (SACRISTÁN et al., 2011). Quando as competências são consideradas como comportamentos e capacidades para agir de maneiras desejadas e definida por outros, acontece a redução da autenticidade e da indeterminação da ação humana. As competências se identificam por si mesmas independentemente do processo de aprendizagem ou dos conteúdos que o condicionam, pois, no contexto 46 exterior e real, esse conteúdo situado é parte da competência, e não algo separado dela (SACRISTÁN et al., 2011). Segundo Sacristán et al. (2011), outro ponto muito relevante quando se fala nas limitações encontradas na organização curricular por competências se refere à abordagem das competências principais a partir da perspectiva das disciplinas acadêmicas e da abordagem com enfoque multidisciplinar, pois ambas têm dificuldade de levar a uma base de trabalho amplo e conceitual — é ingênuo pensar que esses duas propostas unidas levem a uma formação coerente, já que também é preciso manter um diálogo entre prática, conhecimento e decisões políticas curriculares de forma permanente. Os países em que a implantação das competências alcançou maior desenvolvimento e eficácia acabaram gerando complicados sistemas orientados a normatização e certificação,bem como a formação; por isso, deve-se considerar que a normalização deve ter como propósito formular normas de competência, acordadas entre sindicatos, empresários e outros atores vinculados a um determinado setor produtivo e cuja utilização posterior seja voluntária, não podendo ser um procedimento elitista, corporativo ou de decisões aristocrática — essas normas precisam ser permanentemente atualizadas e constituir referência básica dos sistemas de competências (SACRISTÁN et al., 2011). 7 TECNOLOGIA DIGITAL E CURRÍCULO NA CONTEMPORANEIDADE Michael Young inicia seu artigo sobre a teoria do currículo perguntando: “o que todos os alunos deveriam saber ao deixar a escola?” (YOUNG, 2014, p. 192). Essa questão é fundamental para a discussão aqui proposta e, por isso, vamos iniciar trazendo o conceito de currículo de Coll (2003, p. 33), que o define como “[...] um elo entre a declaração de princípios gerais e sua tradução operacional, entre a teoria educacional e a prática pedagógica, entre o planejamento e a ação, entre o que é prescrito e o que realmente sucede nas salas de aula”. Nessa perspectiva, observamos que o conceito de currículo está longe de ser meramente técnico ou disciplinar, trata-se do percurso de formação de cada sujeito ao longo da sua escolarização e, inclusive, da sua vida pessoal, uma vez que, dessa forma, transita pelos espaços cultural e social. Assim, não podemos ficar indiferente à 47 questão proposta por Young (2014), é preciso pensar no que a sociedade contemporânea espera dos alunos quando deixam a escola. O sistema educacional e suas concepções sobre a formação que deseja para seus egressos têm como suporte um currículo oficial que traduz os valores, ideologias, conteúdos e diretrizes desse percurso. Assim, temos um currículo oficial que representa a posição de uma instituição escolar, em nível governamental ou local, mas esse currículo, até chegar às salas de aula, passa por diferentes interlocutores, transformando-se em um novo currículo, ou, simplesmente, tem-se um currículo real, que é aquele que se realiza. Há uma grande preocupação dos governos que elaboram seus currículos em formar cidadãos aptos a enfrentar as demandas contemporâneas do mundo do trabalho; por isso, a discussão que estamos trazendo reverbera para um novo olhar na formação e na atuação dos futuros pedagogos. Entre as inúmeras demandas sociais do século XXI, não há como negar que as novas tecnologias e a informática trouxeram profundas transformações na esfera do conhecimento, e isso implica mudanças na trajetória escolar e de vida de todas as pessoas. Diante disso, nesse contexto, é importante ter claros dois conceitos: técnica e tecnologia. Quando você ouve a palavra tecnologia, o que vem à sua mente? No senso comum, é possível ouvir exemplos diretamente ligados a celulares, tablets ou computadores de última geração, conectados à internet de alta velocidade e mais outros tantos que façam alusão ao contexto informatizado que vivemos. Entretanto, uma caneta também é fruto de estudos tecnológicos, assim como uma cadeira, um carro e tudo que de certa forma se torna uma extensão do ser humano. Kenski (2007, p. 24) apresenta argumentações interessantes sobre os conceitos abordados quando coloca que “[...] as maneiras, os jeitos ou habilidades especiais de lidar com cada tipo de tecnologia, para executar ou fazer algo, chamamos de técnica”. Já “[...] ao conjunto de conhecimentos e princípios científicos que se aplicam ao planejamento, à construção e à utilização de um equipamento em um determinado tipo de atividade, chamamos de tecnologia”. O que a autora apresenta é uma certa noção de como as técnicas estão ajustadas ao tempo e ao espaço em que são utilizadas, mas, de certa forma, são impulsionadas pelos avanços dos estudos sobre a tecnologia em questão, pois promovem, assim, um movimento construtivo de saberes que possibilita a inovação nas mais diversas áreas, inclusive a educacional. 48 Vamos acompanhar a evolução dessas mudanças considerando as tecnologias que mais se destacaram ao longo do tempo sobre as mídias que surgiram no século passado e mudaram o cenário para a promoção da educação no século XXI. Dentre essas mídias, vamos conhecer melhor a impressa, a radiofônica, a televisiva, a computacional e a telemática (Figura 1). Figura 1. Adaptação das cinco gerações de educação a distância para a utilização das mídias em âmbito educacional. Fonte: Adaptada de Moore e Kearsley (2007). Mídia impressa (material impresso) A invenção da escrita foi, sem dúvida, um dos maiores feitos da humanidade, pois, a partir da criação de um código para registro permanente de informações, passou a ser possível deixar para gerações futuras um conjunto de avanços do conhecimento produzido e vivenciado pela humanidade. Antes da invenção da escrita, a comunicação entre as pessoas era feita de modo oral ou, muitas vezes, de maneira muito rudimentar, por meio de registros, as pinturas rupestres. Claro que o problema ainda persistia na disseminação das informações registradas, já que tais registros ficavam concentrados em locais específicos e vigiados por guardiões desses saberes, inacessíveis ao público menos favorecido. A invenção da imprensa por Johann Gutenberg na década de 1430 permitiu a impressão mais acelerada de conteúdos e principalmente em escala aumentada, ou 49 seja, mais pessoas passariam a ter acesso aos materiais impressos, disseminando as informações registradas em diferentes localidades. A contribuição de Gutenberg para o setor da impressão e da tipografia foi enorme. Como curiosidade, vale lembrar que o primeiro livro inteiro que utilizou essa técnica impressa foi a Bíblia Sagrada. Quando pensamos em materiais impressos sendo utilizados como recursos para a promoção da educação e procuramos fazer uma ligação com os aspectos tecnológicos da contemporaneidade, podemos perceber nitidamente suas vantagens e limitações, que você confere no Quadro 1, a seguir. Quadro 1. Vantagens e desvantagens da mídia impressa Com relação às limitações listadas para uso do material impresso, vale lembrar que o avanço tecnológico, principalmente na área computacional, possibilitou a implementação de codificações específicas nesse tipo de material que criam verdadeiros links com outras mídias conectadas em rede, como os QRcodes. Mídia radiofônica O rádio causou um grande alvoroço junto à população no início do século XX, principalmente nos educadores de departamentos de extensão das universidades americanas que reagiram de modo entusiasmado frente às novas possibilidades que se abriam para essas instituições de ensino. De acordo com Pittman (1986), a Universidade de Iowa, nos Estados Unidos, já oferecia aos alunos cursos de cinco créditos por meio do rádio. Os dados coletados da pesquisa de satisfação realizada nessa universidade apontaram que, dos 80 matriculados naquele primeiro semestre, 64 acabaram 50 completando o programa do curso. Embora a empolgação fosse grande em relação ao uso da radiotransmissão para fins educacionais, o que se notou na época foi uma falta de experiência profissional dos entusiastas de plantão, que acabaram declinando da realização de projetos dessa linha diante da qualidade exigida pelas emissoras. As emissoras logo perceberam que poderiam gerar lucro com as propagandas a serem exibidas durante esses programas educativos, de forma que os interesses de mercado se sobrepuseram aos interesses acadêmicos. Quando ligamos as iniciativas radiofônicas do passado com as tecnologias contemporâneas, notamos que ganha escala em modelos fragmentados e disponibilizados globalmente por intermédio da internet em programas transmitidos digitalmente de diversas partes do mundo ou até mesmo por podcasts, um tipo de arquivodigital de áudio que é veiculado pela internet, apresentando um conteúdo que pode ser variado, normalmente com o propósito de repassar informações. Tanto o rádio quanto a televisão apresentavam, nos primórdios de sua adaptação junto à população, características em comum, como a necessidade de uma sincronicidade de uso, ou seja, ouvir ou ver o programa somente no momento em que era transmitido. Ficou clara a maior dinâmica proporcionada por programas transmitidos por esses aparelhos e também o detalhe da falta de interação com os receptores, pois o foco inicial era apenas a transmissão de informações. Mídia televisiva O ano de 1934 foi instigante para a Universidade de Iowa, pois, engajada com o propósito de promover uma televisão educativa, realizou transmissões sobre temas do tipo higiene oral e astronomia. Nos anos seguintes, várias outras universidades americanas lançaram e transmitiram programas educacionais (MOORE E KEARSLEY, 2007). Com relação aos incentivos para criação de programas educacionais, a televisão teve mais sucesso que a rádio educativa, pois passou a contar com contribuições da Fundação Ford, o que desencadeou uma série de ações positivas e favoráveis para o fortalecimento desse tipo de transmissão (MOORE E KEARSLEY, 2007). De certa forma, a televisão ampliou as possibilidades do rádio, dando um novo impulso aos programas educativos da época e aos diferentes que começariam a surgir 51 a partir de iniciativas inovadoras. Veja, a seguir, exemplos das produções que passaram a figurar no sistema de TV educativa com possibilidades de alcance específico para essa finalidade. Dentre as dificuldades encontradas para a produção de material didático educacional televisivo, é possível elencar alguns pontos que devem ser considerados para esse processo. O primeiro deles converge para o estabelecimento de linguagens próprias, ou seja, a criação de uma certa identidade no modo de interagir com o público-alvo por conta da multiplicidade de olhares que se voltam ao produto midiático resultante, que, de certo modo, tem que dar conta de certas especificidades em relação a quem o assiste e, ao mesmo tempo, manter um poder de influência de alcance regional ou globalizado. A apropriação das mídias (meios de comunicação) pode ser um fator relevante quando se pensa na distribuição desse tipo de material. As produções nesse formato não veiculam somente em canais televisivos — em broadcast, “processo pelo qual se transmite ou difunde determinada informação para muitos receptores ao mesmo tempo” (NETSHOW.ME, 2017) —, mas estão sendo distribuídos também em pela internet via streaming — “transferência de dados na internet com o intuito de enviar informações multimídia de servidores para clientes” (AMARAL, 2019). Como último destaque, fica a difícil missão de delimitar e não ultrapassar a linha tênue que separa a educação do puro entretenimento. É comum estarmos assistindo a um programa e sermos interrompidos por uma mensagem no celular ou mesmo no comunicador instalado no computador, visto que podemos assistir a esses conteúdos diretamente em nossos desktops, notebooks ou tablets. No entanto, o problema ainda é maior se essa linha estiver implícita dentro da produção educativa, não dando ao usuário ou telespectador condições de perceber os limites de um conteúdo meramente de entretenimento, sem cunho educacional, o que desprepara mais do que prepara esse espectador. No quesito das recomendações para aproveitamento da mídia televisiva em situações educacionais, fica a sugestão de uso de materiais pré-produzidos que se enquadrem como recursos acessíveis, ou seja, estejam de certo modo disponíveis em repositórios que permitam sua utilização e tenham a liberação de questões legais referentes aos direitos autorais. A partir dessa primeira recomendação, o interessado 52 em utilizar esse tipo de material tem à disposição diferentes fontes, como: internet (Youtube, Vimeo, etc.), TV escola, filmes, comerciais e documentários. Em caso de necessidade de produções específicas, a recomendação se refere ao uso de formatos de baixo custo, como debates, mesas redondas e depoimentos. Por fim, é importante frisar que a composição de uma equipe multidisciplinar para realizar as produções é imprescindível. Serão múltiplos olhares debruçados sobre uma problemática específica, possibilitando que uma visão sistêmica seja construída sob a tutela dos diferentes profissionais que participam da produção do material. Mídia computacional A entrada dos computadores para uso no universo educacional dependeu de um certo amadurecimento dessa tecnologia ao longo dos anos após um período de descobertas de finalidades para um equipamento criado inicialmente para realizar cálculos matemáticos com rapidez e precisão, a ponto de influenciar em decisões estratégicas em período difícil da segunda Guerra Mundial (1939–1945). Em relação a esse período, é inevitável citar o matemático britânico Allan Turing (1912–1954) (Figura 2), que atuou também como criptoanalista, lógico e cientista da computação e é considerado o pai da computação. Turing, além de ter uma inteligência ímpar, foi responsável por planejar uma série de técnicas para quebrar os códigos alemães, incluindo o método da bomba eletromecânica, uma máquina eletromecânica que poderia encontrar definições para a máquina Enigma. Os computadores foram tomando formas e dimensões menores ao longo do tempo e, já nas décadas de 1960 e 1970, era possível notar vários equipamentos, ainda considerados de grande porte, conectados em salas especialmente preparadas para recebê-los. De acordo com Moore e Kearsley (2007), a Universidade de Illinois, nos Estados Unidos, projetou uma rede de computação durante os anos de 1970 que permitia a comunicação entre alguns locais por linhas de discagem ou por conexões específicas. O PLATO (Programmed Logic for Automatic Teaching) introduziu a ideia de uma forma de instruções por rede eletrônica e também deu origem a alguns produtos comerciais muito difundidos e conhecidos, como o Lotus Notes (INGLIS; LING; JOSTEN, 1999). 53 Na década de 1980, os programas educacionais (softwares) começaram a ser produzidos com características de ampliar o nível de instrução de uso de diferentes ferramentas computacionais e em situações de treinamentos baseadas em uma concepção mais instrucional. Nos anos subsequentes, em meados da década de 1980, uma abordagem mais construcionista baseada nos pensamentos de Seymour Papert (1928-2016) desenhou um cenário no qual era possível visualizar diferentes níveis educacionais que focaram basicamente a fixação de conteúdos curriculares, o desenvolvimento psicomotor, o desenvolvimento da criatividade, a representação do pensamento e a construção do conhecimento. Os produtos construídos seguindo essa linha educacional tangem diferentes vertentes, como jogos interativos, centro de atividades, simuladores e até laboratórios virtuais que reduzem o custo de montagem e compra de equipamentos e proporcionam uma experiência de aprendizado muito próxima da realidade. Um exemplo criado em 1967 por Papert foi a linguagem de programação logo, utilizada inicialmente por crianças quando os computadores ainda eram muitos limitados, a interface gráfica não existia e muito menos a internet. O aperfeiçoamento dessa linguagem e sua aplicação mais difundida entre os meios educacionais começou em meados dos anos 1980. Fundamentado no construtivismo, Papert cunhou o termo construcionismo, que, em outras palavras, permite que o educando construa o seu próprio conhecimento por intermédio de alguma ferramenta, como o computador, por exemplo. Nota-se, então, a adaptação aos princípios do construtivismo cognitivo de Jean Piaget, com a finalidade de aproveitar da melhor maneira possível a tecnologia, principalmentea computacional, como ferramenta potencializadora da construção de saberes na área educacional. As abordagens educacionais implícitas no uso das tecnologias de informação e comunicação permitem aos pedagogos que se apropriam desses recursos promover uma nova experiência de aprendizagem junto aos seus alunos. Alguns exemplos que podem ser citados são: tutoriais e exercícios e prática, softwares com recursos de inteligência artificial, softwares de programação, programas aplicativos básicos, programas de simulação e modelos, realidade virtual, jogos, ambientes virtuais de colaboração e aprendizagem, comunidades virtuais e as redes sociais. 54 Telemática Com o advento da comunicação entre os computadores, formou-se a rede de computadores, inicialmente conhecida como ARPANET (Advanced Research Projects Agency Network), que, de acordo com o SITES RECORD (2010), é considerada: [...] uma rede de longa distância criada a partir de 1965 pela Advanced Research Agency (Agencia de Pesquisas Avançadas — ARPA, atualmente Defense Advanced Projects Research Agency, ou DARPA ) em consórcio com as principais universidades e centros de pesquisa dos EUA, com o objetivo específico de investigar a utilidade da comunicação de dados em alta velocidade para fins militares. É conhecida como a rede-mãe da internet de hoje e foi colocada fora de operação em 1990, posto que estruturas alternativas de rede já cumpriam o seu papel nos EUA. SITES RECORD (2010). Mais tarde tornou-se a conhecida internet, uma grande estrutura física tecnológica que interconecta inúmeros computadores pelo globo terrestre, graças a uma gama de servidores que armazenam, processam e distribuem essas informações entre esses diversos pontos de acesso (computadores, tablets, celulares e outros) espalhados pelo mundo. De acordo com Moore e Kearsley (2007), o uso de redes de computadores para a educação, com destaque para a educação a distância, foi impulsionado com a criação da World Wide Web, concebido como um sistema aparentemente “mágico” que permitia o acesso a um documento por computadores diferentes separados por qualquer distância, por intermédio de softwares, incluindo sistemas operacionais diferentes e resoluções de tela diferentes. Vale lembrar que o primeiro navegador, denominado MOSAIC, foi criado em 1993 e trouxe aos educadores possibilidades de acesso e compartilhamento de informações educacionais de um modo inovador e colaborativo. Um novo espaço constituído por circuitos e impulsos eletrônicos passou a dar suporte a novas práticas sociais. Esse novo espaço foi chamado de ciberespaço, termo originalmente cunhado pelo novelista Willian Gibson em 1982 (PIMENTEL; FUKS, 2011). Novas experiências passam a ser vividas pelos usuários e permitem um deslocamento que rompe as barreiras da territorialidade física existentes, proporcionando diferentes sensações a quem navega por esse mar informacional, exigindo sabedoria nas escolhas para colher os melhores resultados durante a sua viagem nesse espaço cibernético. 55 Por fim, o currículo retrata todo nosso percurso vivido e, de certo modo, a partir do século XXI, notamos que a tecnologia digital está imbricada com tudo o que planejamos realizar no contexto educacional junto aos alunos. Por esse motivo, todo público que passa pelo movimento da educação formal, que tem como base um currículo, sofre influência dessas tecnologias que já fazem parte naturalmente dessa juventude conectada e ativa em conexões digitais criadas pelo ciberespaço. Currículo oficial e mídias sociais O currículo oficial é um documento que organiza os conteúdos e objetivos educacionais e estabelece diretrizes balizadas por um conjunto de parâmetros que orientam organizações educacionais de nosso país, como escolas de ensino básico. O governo federal estabeleceu uma Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que deve nortear a construção dos currículos na educação básica. Nesse documento, estão estabelecidas as bases mínimas que todo currículo deve garantir. No caso de instituições de ensino superior, as bases são orientadas pelas Diretrizes Curriculares Nacionais. Desse modo, toda essa legislação, acompanhada dos projetos pedagógicos elaborados nas instituições de ensino, compõe um currículo oficial que é definido e difundido com outorga federal justamente por ter influência direta na educação que será proposta e aplicada em todo o território nacional. Entretanto, esse currículo oficial não pode mais desconsiderar a velocidade e a quantidade de informações que circulam no ciberespaço e estão presentes em gigantescas bases de dados conhecidas como Big Data, que, de certo modo, abastecem as pessoas que se conectam todos os dias por intermédio de seus dispositivos de comunicação e trocam mensagens entre si pelas redes sociais e outros programas comunicadores. Claro está que hoje não temos um problema de falta de informação como acontecia na Idade Média, quando era escondida e reservada, mantendo as diferentes relações de poder impostas nessa época. O desafio imposto na contemporaneidade propõe um novo diálogo entre a escola de educação básica e as instituições de ensino superior no sentido de ensinar o jovem a olhar para esse mar informacional e saber navegá-lo. 56 Os novos currículos já estão, dessa forma, olhando para novas tecnologias e práticas vinculadas ao uso de recursos que dialogam com o conhecimento e, por isso, a formação do pedagogo precisa contemplar essas discussões. Uma das questões importantes na formação desse profissional é conhecer melhor a potencialidade das mídias sociais e utilizá-las a favor da aprendizagem, bem como orientar os alunos de forma crítica frente a esse universo de informações. Relação entre currículo e tecnologia A tecnologia deve ser encarada como uma ferramenta, um meio que auxilia na execução de diferentes projetos e na realização de diversas atividades previstas mediante planejamento prévio. Quando se pensa nesse uso no ambiente educacional pautado em um currículo formal prévio, a tecnologia da informação e da comunicação entra como um motor que impulsiona e amplifica possibilidades de aprendizagem. Para que exista um currículo no qual de fato a tecnologia possa transitar, a sua concepção deve ser pensada no sentido de atender um percurso que contemplará as expectativas de seu público-alvo. De certa forma, apontará direções que possam servir como parâmetros para uma formação mais rica e dinâmica, e não datada de conceitos e aplicações que seriam boas soluções para problemas que existem. É fato que as tecnologias digitais trazem benefícios colaborativos aos usuários e favorecem a velocidade de acesso às informações, mas estamos navegando por um território que tem uma linha divisória muito tênue entre o uso racional e produtivo do ciberespaço e a possibilidade de reverter esforços para uso inadequado de tanto recurso disponibilizado. Como o aluno constrói seu trajeto pode e deve estar apoiado em um currículo formal, mas esse percurso também depende de suas escolhas ao logo da caminhada. Assim, é importante pensar em como as escolhas que fazemos em nosso dia a dia podem intervir em nossa trajetória pessoal e profissional, principalmente como educadores. Dessa forma, a palavra escolha comumente nos leva à ideia de tomada de decisão, mas podemos observar que, geralmente, temos três tipos de escolhas que nos rodeiam. A primeira é escolher entre o bom e o ruim, o que não demanda muito esforço, pois, entre um lanche e um pisão no pé, por exemplo, obviamente alimentar-se seria a melhor opção. Já o segundo tipo de escolha exige mais do indivíduo, pois estamos falando de uma escolha entre o bom e o bom. A complexidade dessa decisão está no fato de que se deixará uma boa opção de lado em prol da 57 efetivamente escolhida. Já a última situação é um pouco maisdesconfortável, pois é a escolha entre o ruim e o ruim. O drama maior nesse tipo de escolha é que não há solução, fica-se com uma opção ruim. Falamos de escolhas nesse contexto porque elas precisarão ser feitas na prática profissional e porque também devem orientar os alunos, que devem fazê-las da melhor maneira possível em um ambiente virtual apoiado pela tecnologia. Esse mesmo aluno que pode fazer boas escolhas estará cercado de possibilidades de praticar cyberbullying, uma espécie de ação que faz uso de um espaço virtual para intimidar e hostilizar uma pessoa (colega de escola, professores ou mesmo desconhecidos), difamando, insultando ou atacando covardemente. Isso sem falar na possibilidade de que esse mesmo aluno espalhe fake news, as notícias falsas, o que já seria uma forma de proliferar informações falsas pela rede, ignorando todas as consequências geradas por esse tipo de atitude. Resta, então, a pergunta: como o futuro pedagogo lidará com questões como essa durante a formação de seus alunos que já são, muitas vezes, nativos digitais? O desafio do pedagogo e futuro professor será o de um mediador, ou seja, aquele que provoca seus alunos a pensar diante da imensidão de informações disponíveis, sejam elas oriundas das fundamentações teóricas clássicas ou de novas descobertas pautadas em relações construídas dentro dos novos espaços virtuais de colaboração entre futuros cidadãos. Esse profissional da educação que está sendo formado deve saber realizar a intervenção no momento correto durante a formação de seus alunos, pois essa intervenção é intencional, ou seja, o professor sabe propor boas perguntas, sabe criar boas problematizações para que seus alunos possam desenvolver o pensamento crítico diante do oceano de informações e possibilidades que eles encontrarão pela frente. 8 O CURRÍCULO E A FORMAÇÃO DA IDENTIDADE As discussões em torno do processo de formação das identidades são atuais, amplas, importantes e costumam ser realizadas nas áreas de pedagogia, sociologia, antropologia, psicologia, psicanálise e psicopedagogia, entre outras, que se dedicam a entender como ocorre o processo de formação do ser humano, ou seja, como o sujeito se constitui, como adquire as características pessoais que o defi nem, enfi m, como se transforma em si mesmo. 58 As teorias que tratam da formação da identidade também sofreram ressignifi cações com o decorrer das décadas, acompanhando o próprio desenvolvimento das ciências e da cultura humana. Assim, podemos dizer que temos, hoje, um conceito de identidade contemporânea, pós-moderna, que serve como balizador para as ações do currículo escolar. Hall (2006) utiliza três concepções de identidades para que possamos entender esse processo histórico de mudança sobre o conceito de identidade que comentamos. A seguir, as concepções de identidade do sujeito do Iluminismo, do sujeito sociológico e do sujeito pós-moderno. Sujeito do Iluminismo A pessoa humana era totalmente centrada, unificada, dotada de capacidades de razão, consciência e ação, cujo “centro” consistia em um núcleo interior que emergia ao nascer e, com ele, desenvolvia-se, permanecendo essencialmente o mesmo, idêntico, ao longo da vida. Esse núcleo era a identidade. Sujeito sociológico Reflete a complexidade do mundo moderno e a consciência de que esse núcleo interior do indivíduo não era autônomo e autossuficiente, mas formado na relação com outras pessoas importantes para ele, que mediavam para o sujeito os valores, sentidos e símbolos — a cultura — dos espaços em que habitava. Assim, a identidade é formada na interação entre o eu e a sociedade, porém, ainda contém um “eu real”, interior. Assim, a identidade preenche o espaço entre o interior e o exterior, entre o mundo pessoal e o mundo público. Sujeito pós-moderno Não tem mais uma identidade fixa, essencial ou permanente, vindo a ser composto não somente por uma, mas por várias identidades, algumas vezes contraditórias e não resolvidas. Assim, a identidade é formada e transformada continuamente em relação às formas pelas quais somos representados ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam. A identidade é definida historicamente, e não biologicamente. O sujeito pode assumir diferentes identidades, em diferentes momentos, que não são unificadas em torno de um “eu” unificado. 59 Com base nessas mudanças sobre o conceito das identidades, podemos perceber com maior clareza a importância que tem o currículo para a formação dessas identidades, uma vez que cabe a esse elemento proporcionar a contextualização das mudanças sociais e culturais que o mundo tem observado e, assim, promover que as múltiplas identidades dos estudantes sejam produzidas a partir das interações com o “outro”, com a percepção das diferenças e a reflexão crítica sobre o que desejam ser ou, ainda, como querem impactar o mundo e a sociedade a partir do que se tornarão. Hall (2006), destaca ainda que: Assim, a identidade é realmente algo formado, ao longo do tempo, através de processos inconscientes, e não algo inato, existente na consciência no momento do nascimento. Existe sempre algo “imaginário” ou fantasiado sobre sua unidade. Ela permanece sempre incompleta, está sempre “em processo”, sempre “sendo formada”. (HALL, 2006, p. 16). Dentro desse processo de formação permanente, as instituições sociais se fazem determinantes, sendo a escola o lugar que a grande maioria das pessoas frequenta pelo maior número de anos ao longo de suas vidas. Perceba, seguindo nesse raciocínio, como a seleção de saberes a serem aprendidos pelos estudantes, realizada pelo currículo, reveste-se de grande importância nesse caso, pois pode excluir alguns conhecimentos e análises em detrimento de outros. Ao analisar a contribuição do currículo para a formação das identidades humanas, buscando um conceito que seja adequado às características contemporâneas, Moreira (2010, p. 11) destaca que “[...] o currículo constitui significativo instrumento utilizado por diferentes sociedades tanto para desenvolver os processos de conservação, transformação e renovação dos conhecimentos historicamente acumulados como para socializar as crianças e os jovens segundo valores tidos como desejáveis”. Podemos afirmar que é dentro desse rol de valores desejáveis que compõe o currículo que encontramos a contribuição direta para a formação da identidade dos estudantes. Por isso, é cada vez mais importante e pertinente discutir o currículo e o que o comporá, procurando ampliar as possibilidades de contato e análise dos alunos tanto com os conhecimentos quanto com os aspectos da diversidade cultural. Ao referir-se ao currículo, Apple (1995, p. 60) afirma que, para todo tipo de currículo, sempre existe “[...] uma política do conhecimento oficial, que exprime o conflito em torno daquilo que alguns veem simplesmente como descrições neutras do 60 mundo e outros, como concepções de elite que privilegiam determinados grupos e marginalizam outros”. Ou seja, o currículo nunca é neutro, pois costuma ser o resultado de conflitos e tensões que busca estabelecer os sentidos mais apropriados sobre determinado fato, conceito ou conhecimento histórico. Assim, a partir das “verdades” que veicula para os estudantes, o currículo também constrói suas subjetividades, forma o seu eu, produz sua identidade. Perceba, no exemplo a seguir, como isso pode ocorrer de forma prática. Com esse exemplo, podemos refletir sobre como se posicionariam os estudantes ao ouvirem tal narrativa. Como essa história oficial contada pela escola, dessa maneira não problematizada, produziria seus efeitos sobre aqueles que têm sua origem étnica ligada a alguma nação europeia que tenha migrado para o Brasil ou, então, para aqueles afrodescendentes e indígenas? Pensemos em uma criança 61 em formação do seu“eu”, de sua subjetividade, realizando aproximações com o “outro”, com o qual interage para formar sua identidade — esses conceitos sobre o que se diz, sobre o que significam e simbolizam os grupos culturais são importantes e, muitas vezes, determinantes de sua constituição. Esses aspectos tornam as análises sobre o currículo e a formação das identidades contemporâneas complexas, uma vez que, conforme acrescenta Paraíso: Um currículo está sempre cheio de ordenamentos, de linhas fixas, de corpos organizados, de identidades majoritárias. Porém, um currículo também está cheio de possibilidades de rompimento das linhas do ser; de contágios que podem nascer e se mover por caminhos insuspeitados; de construção de modos de vida que podem se desenvolver de formas particulares. É um artefato com muitas possibilidades de diálogo com a vida; com diversas possibilidades de modos de vida, de povos e seus desejos. É um artefato com um mundo a explorar. Afinal, mesmo sendo um espaço disciplinar, por excelência, muitas coisas podem acontecer em um currículo. (PARAÍSO, 2009) Assim, mesmo que o currículo se apresente como uma tecnologia educacional que pretende disciplinar os estudantes e formatá-los por meio da fixação de conteúdos seletivos vistos como mais apropriados por determinados grupos culturais mais privilegiados, em sala de aula, como educadores, podemos estabelecer as conexões e reflexões que considerarmos mais oportunas para que nossos estudantes tenham melhores possibilidades de análise e crítica sobre tais conhecimentos, reforçando a construção de suas identidades. Ao estudar as articulações entre o corpo, as identidades e a escola, buscando problematizar a forma como as identidades culturais vistas como diferentes se encontram no ambiente escolar, Louro (2000, documento on-line) destaca que “[...] não há identidade fora do poder, todas o exercitam e, simultaneamente, todas sofrem sua ação. As identidades fazem parte dos jogos políticos, ou melhor, as identidades se fazem em meio a relações políticas”. Dessa forma, é também no interior da escola, frente às múltiplas relações e interações realizadas com professores, colegas e demais membros da comunidade escolar, que as identidades encontram seu espaço de constituição. Assim, o outro, as diferenças, a diversidade cultural e a alteridade são peças importantes nesse processo, conforme veremos a seguir. 7.1 Identidade, diversidade, alteridade e o currículo contemporâneo 62 Para que tenhamos melhores condições de analisar como o currículo escolar causa impacto na formação das identidades dos estudantes que frequentam a escola, precisamos conhecer mais detalhadamente o mecanismo de formação da identidade e suas características recorrentes. Para isso, precisamos retomar o conceito de cultura, que, neste caso, pode ser utilizado “[...] para se referir a tudo o que seja característico sobre o ‘modo de vida’ de um povo, de uma comunidade, de uma nação ou de um grupo social” (HALL, 2016, p. 19). Isso nos remete à reflexão sobre os vários aspectos antropológicos e sociológicos presentes na cultura que não a restringem exclusivamente a “[...] um conjunto de coisas — romances e pinturas ou programas de TV e histórias em quadrinhos — mas, sim, a um conjunto de práticas” (HALL, 2016, p. 20). Dessa forma, podemos considerar a escola como uma instituição social que faz parte do universo cultural da grande maioria da população e afirmar que os indivíduos que partilham da mesma cultura tendem a apresentar uma interpretação do mundo semelhante, uma atribuição de sentido sobre as coisas similar, pois aprenderam no interior das práticas cotidianas dos grupos sociais e instituições nas quais interagem a respeito desses conceitos e seus significados. Para compreender melhor como ocorre a formação das identidades, podemos analisar algumas características inerentes a esse processo, conforme esquematiza a Figura 1. Figura 1. Mecanismo de formação da identidade. 63 Fonte: Adaptada de Woodward (2000). É interessante constatar que constituímos nossa identidade a partir da negação daqueles que não somos, ou seja, sou “branco”, porque não sou “negro” ou “amarelo”; sou um sujeito “calmo”, pois não sou “nervoso” ou “agressivo”. Esse mesmo mecanismo que me faz definir quem eu sou (ou pretendo ser) exclui as demais possibilidades de minha existência, normalmente inserindo-me dentro de um sistema de classificação social que tem representações simbólicas sobre essas diferentes categorias. Ou seja, quando minha identidade se posiciona como a de alguém “branco”, por exemplo, assumo todos os significados que essa classificação me proporciona, incluindo as questões de ter historicamente mais privilégios, de me encontrar em uma posição que simbolicamente denota maior confiança ou que associa minha cor às questões de competência profissional, dentre outras. O segundo ponto é que a identidade é produzida também a partir da marcação da diferença. Assim, sou da forma como sou porque sou diferente dos demais, com os quais não me enquadro ou identifico. Aqui, o exercício da alteridade, da percepção do outro, da experiência atravessada pelo outro é fundamental. Dessa forma, a identidade “[...] não é o oposto da diferença: a identidade depende da diferença” e demonstra como as diferenças se estabelecem por meio de sistemas classificatórios (WOODWARD, 2000, p. 40). É importante salientar que “[...] a diferença é um NEGAÇÃO DIFERENÇARELAÇÃO 64 elemento central dos sistemas classificatórios por meio dos quais os significados são produzidos” (WOODWARD, 2000, p. 68). O problema com a questão da diferença ocorre quando ela é utilizada dentro desse sistema classificatório para realizar juízo de valor e construir representações ruins, negativas e que inferiorizem algumas identidades. As diferenças são marcadores que nos constituem, tornam-nos seres singulares e especiais e, dessa forma, deveriam ser reconhecidas, valorizadas socialmente e fazer-se presentes nos currículos escolares e suas práticas. O terceiro componente é o caráter relacional da identidade: nossa identidade é produzida a partir das relações que temos nos grupos sociais e nas instituições que fazem parte de nossas experiências como seres humanos. Assim: “[...] participamos dessas instituições ou ‘campos sociais’, exercendo graus variados de escolha e autonomia, mas cada um deles tem um contexto material e, na verdade, um espaço e um lugar, bem como um conjunto de recursos simbólicos (WOODWARD, 2000, p. 29) Ao falarmos sobre esses campos sociais que são importantes e decisivos para que as relações e interações sociais ocorram e, assim, contribuam para que possamos produzir nossas identidades, temos que marcar a escola como importante instituição que as crianças frequentam de forma obrigatória a partir dos quatro anos de idade no Brasil e que acolhe os mais diversos grupos étnicos e culturais. Assim, as escolas também possuem seus contextos particulares e seus simbolismos — por exemplo, uma escola pública pode apresentar-se muito diferente de uma escola privada nas questões estruturais, curriculares e, até mesmo, em relação ao público que atende. Ao reforçarmos a importância do outro para a formação da identidade, convém marcarmos que “[...] é apenas por meio da relação com o Outro, da relação com aquilo que não é, com precisamente aquilo que falta, com aquilo que tem sido chamado de seu exterior constitutivo, que o significado ‘positivo’ de qualquer termo — e, assim, sua ‘identidade’ — pode ser construído” (HALL, 2000, p. 110). Pensando sobre os mecanismos de constituição das identidades que viemos analisando, fica fácil perceber como a alteridade é importante para a nossa formação humana, afinal, como seríamos sem a convivência, a interação e a interdependência social queexperienciamos cotidianamente nos grupos culturais dos quais participamos? 65 Ao refletir sobre o currículo escolar na perspectiva de experiências que propiciassem um encontro com os desejos dos estudantes, Paraíso (2009), esclarece que “[...] a experiência é algo que se dá solitariamente, mas que outros vêm cruzá-la, atravessá-la, compor com ela. Na experiência saímos sempre transformados; e o mundo também se transforma”. Dessa forma, ainda que a experiência seja subjetiva, tenha efeitos internos, muitas vezes depende de um exercício de alteridade, do apoio ou oposição do outro para que ocorra. Assim, que bom seria que os estudantes experienciassem no currículo escolar oportunidades de realizar trocas com os múltiplos aspectos da diversidade que habita a escola, seja ela étnica, religiosa, de gênero, de classe social ou orientação sexual — com isso, certamente, o mundo poderia vir a transformar-se em algo melhor e mais humano. É importante, portanto, que possamos colocar em prática nas escolas o exercício da alteridade, do reconhecimento da importância do outro, com a potência de suas diferenças e semelhanças para a formação de todos ali presentes; que o outro possa deixar de ser visto como nas visões modernas do currículo, das quais Skliar alerta: As conclusões, já conhecidas, sobre a relação entre modernidade, educação e escola são evidentes: o tempo da modernidade e o tempo da escolarização insistem em ser, como decalques, temporalidades que só desejam a ordem, que teimam em classificar, em produzir mesmidades homogêneas, íntegras, sem fissuras, a salvo de toda contaminação do outro; espacialidade da modernidade e o espaço escolar insistem em ser, como irmãs de sangue, espacialidades que só buscam restringir o outro para longe de seu território, de sua língua, de sua sexualidade, de seu gênero, de sua idade, de sua raça, etc. (Skliar, 2003). Dessa forma, se queremos investir em um currículo que possa formar os estudantes para um convívio social condizente com as características da sociedade contemporânea, em que todos os grupos culturais e identitários tenham espaço igual de aceitação e oportunidades, temos que propor discussões e práticas nas quais o outro seja percebido em toda a sua diversidade. 7.2 Um currículo voltado para a formação da identidade Aprendemos anteriormente que o currículo escolar não é um terreno neutro, uma vez que é fruto de conflitos, tensões e disputas em torno dos signos, símbolos de significados que farão parte da formação da identidade dos alunos. Logo, cabe dizer que existe um jogo de poder envolvido com a questão curricular, poder daqueles grupos que podem determinar e impor como regra os saberes a serem aprendidos, a 66 forma como isso será feito e o projeto de pessoa que será, a partir dessas práticas curriculares, constituída. Vamos analisar, agora, como deveria ser um currículo pós- moderno, que se preocupe com a formação das identidades de seus estudantes. Esse currículo deveria conter elementos como, por exemplo: alteridade; empatia; diversidade cultural; colonialidade; interculturalidade; diferenças; inclusão; experiência; resistência; resiliência; criticidade; dialogicidade. Embora possa parecer algo simples, é preciso entender que a alteridade é fundamental para o despertar, para o reconhecimento de quem nós somos a partir do outro. Esse exercício de alteridade apresenta uma resistência por parte de muitos grupos culturais que ainda endossam as características da busca por um ser padronizado típico da modernidade. Ao analisar a alteridade e sua relação com a diversidade, Duschatzky e Skliar (2001, p. 120) destacam três versões discursivas que são utilizadas para tratar o tema nos dias atuais: “[...] o outro como fonte de todo o mal”, “[...] o outro como sujeito pleno de um grupo cultural”, “[...] o outro como alguém a tolerar”. Acompanhe as características de cada uma dessas versões: O outro como fonte de todo o mal: É a visão que impera ao longo do século XX, quando houve conflitos bélicos, genocídios, matanças étnicas, apartheid, ditaduras militares, violência contra imigrantes, etc. Também se constroem mecanismos de regulação internos por meio de leis e normas que fazem com que o outro se invisibilize, estando ausente também dos acontecimentos e discussões históricas em prol dos privilegiados. Assim, regula- se o outro a partir das políticas do conhecimento oficial estabelecidas também na escola O outro como sujeito pleno de um grupo cultural Nesta perspectiva, as culturas representam comunidades homogêneas de crenças e estilos de vida, como se fossem redes perfeitamente tecidas capazes de capturar tudo e todos. Assim, passamos a entender que todos vivem suas culturas do mesmo modo. Cada sujeito adquire identidades plenas a partir de únicas marcas de identificação, como se, por acaso, as culturas se estruturassem independentemente de relações de poder e hierarquia. 67 O outro como alguém a tolerar Aqui, busca-se o exercício ambíguo da tolerância em que o que se tolera são os grupos, deixando de lado os aspectos dos indivíduos. Assim, é por meio da assimilação e do reconhecimento dos outros grupos que se consegue alguns direitos. A conquista da cidadania de judeus, operários, mulheres, negros e imigrantes significou um passo decisivo no terreno dos direitos humanos. Porém, o princípio do reconhecimento se sustentou na homogeneidade, na igualação, e não na diferença. Ser cidadão no caráter de indivíduo igual, e não no caráter de sujeito diferente, é o que precisa ser modificado. Muitas vezes, no interior das escolas, temos a oportunidade de levar os alunos a experienciar a alteridade, fazendo com que se relacionem, interajam e produzam algo junto a seus colegas a partir da percepção de seus traços culturais, de suas marcas identitárias. No entanto, acabamos fixando-nos nos livros didáticos e em seus conteúdos ou nos conhecimentos dos quais temos que dar conta ao longo de um dia letivo, não é mesmo? Assim, podemos estar reduzindo o conceito da alteridade a simples exercícios de empatia, que também são importantes, porém, incapazes de produzir sozinhos uma sociedade melhor e mais igualitária. A diversidade cultural surge na contemporaneidade como um grande enunciado que passa a constituir as políticas públicas educacionais, sobretudo com a intenção de criar uma escola universal, que todos possam frequentar sem distinções ou problemas de nenhuma ordem. Embora essa possa ser a intenção dos discursos das políticas educacionais, as práticas escolares nem sempre se apresentam dessa maneira, e a diversidade pode acabar por ofuscar as discussões em torno das diferenças entre as pessoas. Assim, a diversidade cultural não deve reduzir-se à falta existente nos outros, ao déficit que possuem em comparação com os demais; pelo contrário, deve buscar a problematização das assimetrias de poder e saber existentes nos grupos culturais, reivindicando seu equilíbrio, conforme o que aspira a interculturalidade. Outro ponto importante a integrar o currículo que se volta para a produção de identidades contemporâneas é discutir o conceito de colonialidade, ou seja, como as relações coloniais estabelecidas ainda mantêm resquícios hoje que pautam o comportamento dos grupos sociais, principalmente considerando as relações econômicas capitalistas. Assim, devemos investir em uma abordagem pedagógica 68 decolonial e antirracista, uma vez que o conceito de raça pode ser visto como uma abstração, uma invenção moderna criada para classificar e posicionar grupos sociais. Oliveira e Candau (2010, documento on-line) esclarecem, em referência ao termo raça, que “[...] esse conceito operou a inferiorização de grupos humanos não- europeus, do ponto de vista da produção da divisão racial do trabalho, do salário, da produção cultural e dos conhecimentos”, fatorque, em alguns casos, parece estar em funcionamento até os dias de hoje. Ao analisar a identidade e suas relações com as diferenças que nos constituem, Silva (2000, documento on-line) esclarece que “[...] em uma primeira aproximação, parece ser fácil definir ‘identidade’. A identidade é simplesmente aquilo que se é: ‘sou brasileiro’, ‘sou negro’, ‘sou heterossexual’, ‘sou jovem’, ‘sou homem’”. Vendo por essa perspectiva, a identidade é positivada, pois nos permite dizer o que somos de forma plena e autossuficiente. Isso também ocorreria com a diferença, pois “também a diferença é concebida como uma entidade independente. Apenas, neste caso, em oposição à identidade, a diferença é aquilo que o outro é: ‘ela é italiana’, ‘ela é branca’, ‘ela é homossexual’, ‘ela é velha’, ‘ela é mulher’”. Embora não pareça, “[...] identidade e diferença estão em uma relação de estreita dependência” (SILVA, 2000, documento on-line). Dessa forma, um currículo que se volte para a identidade deverá estar constantemente mapeando e proporcionando análises acerca das diferenças sociais. É nesse cenário das diferenças que temos vivenciado na contemporaneidade o discurso da inclusão escolar, considerada por alguns autores como um processo de in/exclusão, pois, se alguém precisa ser aceito, incluído, é porque está vivendo alheio, excluído pelos outros e pela sociedade, não é mesmo? Esse discurso, presente inclusive no documento que norteia nossos currículos da educação básica na contemporaneidade, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), envolve todos, sejam grupos identitários diversos ou, ainda, aqueles que possuem algum tipo de deficiência. Ao comentar sobre a necessidade de uma preparação prévia para a inclusão escolar, Lopes (2007), afirma que: Se todos vivemos momentos de in/exclusão, se pessoas de distintas raças/ etnias, religiosidades, gênero, etc. já estão na escola, desde há muito tempo, a inclusão já começou. Nesse sentido, não posso curvar-me, negando-me a trabalhar com estes sujeitos. Concordo que somente dedicação, habilidades específicas e entendimento da tarefa de ensinar como uma missão não são atributos para desencadear um processo melhor articulado que trabalhe com um mínimo de condições de “sucesso”. Precisamos ter saber sobre aqueles 69 com os quais trabalhamos. Saberes que vão além da minha leitura sobre as condições de vida de meus alunos, ou seja, preciso de saberes que me possibilitem trabalhar desencadeando processos de aprendizagem. (LOPES, 2007, p. 27). Acompanhando a reflexão da autora, o currículo que se volte para a formação de identidades que propomos deveria compreender que os professores também precisam ser renovados em termos de saberes e práticas pedagógicas, pois necessitam compreender como ocorrem os processos de subjetivação de seus alunos, como a diferença e a identidade são independentes e como uma postura não problematizada de inclusão poderá produzir mais marcas e estigmas naquele “incluído” do que antes, reforçando, dessa maneira, sua exclusão. Cabe aos professores permitir o diálogo sobre as diferenças, analisando possíveis formas de resistência e enaltecendo a resiliência apresentada por muitos alunos que experienciam situações de preconceito e discriminação sociais por suas características identitárias que se desviam das normas socialmente aceitas. Deve-se buscar o exercício da criticidade com os alunos e o desenvolvimento de uma visão de mundo mais abrangente, em que as realidades sociais sejam analisadas com o intuito de produzir um mundo melhor. 9 INOVAÇÃO CURRICULAR — RUMO À APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA Como já vimos no decorrer do nosso estudo, o conceito de currículo se transformou muito ao longo dos anos, assim como a sociedade e o que significa ser educação e escolarização. Desse modo, antes de debater a relevância dos currículos inovadores, é preciso compreender as condições políticas, econômicas e culturais que contribuíram para a construção das ideias curriculares atuais. Decidir o que da cultura humana deve ser transmitido de geração em geração, sempre foi uma preocupação social. Em geral, esses ensinamentos procuram se comunicar com a construção de um modelo social ideal, e transmiti-lo ao povo de acordo com as ideias que a classe dominante e o governo de certas regiões consideram as mais corretas ou normativas. Assim, no século XX, a efeitos tangíveis surge o conceito de currículo, que prevê como as instituições de ensino desenvolverão suas atividades. Em relação ao currículo, quando as pessoas fazem sua prática docente, pensam imediatamente nas disciplinas da matriz curricular e nos conteúdos que serão 70 ministrados aos alunos. Mas entendê-la como tal é uma visão reducionista, utilizada em sua teoria tradicional, no que se refere à produção de subjetividade, ou formação de sujeitos, e ao exercício do poder na seleção e classificação do conhecimento. Isso marcará o processo de ensino e aprendizagem. Segundo Moreira e Silva (2001), os programas são concebidos como criações sociais e culturais. As performances transmitem perspectivas sociais específicas e interessantes, e os programas produzem uma identidade pessoal e social concreta. As pessoas constroem artefatos sociais e culturais com base em suas relações umas com as outras e em suas interações com os grupos sociais e culturais dos quais participam. Por outro lado, as escolas partilham desta ideia, dando um contributo significativo para a formação da identidade. Para Silva (2007), um currículo de ação abrangente envolve os pontos mostrados na Figura 1. Figura 1. Pontos de análise das teorias do currículo escolar. Fonte: Adaptada de Silva (2007) Pensar em um currículo inovador é compreender como escolher o que será ensinado em sala de aula e o que se pretende que os alunos aprendam. Também questiona que tipo de pessoas as escolas produzem e que efeitos elas têm sobre o programa social ideal, e reflete sobre o equilíbrio de poder entre aqueles que determinam o que deve ou não ser ensinado e quais disciplinas ideais devem ser ministradas a partir da prática escolar. A palavra inovação é amplamente utilizada em diversas áreas do conhecimento para se referir a uma determinada mudança, a criação de algo que não Saber Conhecimentos a serem ensinados Identidade Tipo de ser humano desejável Poder 71 se pretendia, ou uma nova forma de fazer algo. Aplicando isso ao currículo, entendemos que a inovação curricular passa necessariamente por um repensar da prática cotidiana e da relação ensino-aprendizagem, da qual os professores são partes importantes. Portanto, o processo e a prática de pesquisa em inovação serão métodos para melhorar a qualidade do ensino do sistema educacional e a qualidade do aprendizado dos alunos. Segundo Masetto (2011), o currículo inovador requer: [...] uma gestão diferenciada, com valorização da mudança favorecendo a aprendizagem dos participantes e do compromisso dos docentes com esse novo projeto, com reorganização de tempo e espaço para aprendizagem, com revisão da infraestrutura para apoio do projeto, com formação continuada dos professores, com investimento em condições favoráveis aos trabalhos dos docentes. (MASETTO, 2011, p. 15). Como você pode ver nesta citação, a busca pela mudança e inovação no currículo vem do entendimento e direção da instituição educacional. Desta inovação também sugere um afastamento do mesmo paradigma pedagógico, que há décadas enfatiza programas educacionais e de base tecnológica que reforçam a centralidade do professor no processo educativo que realiza com seus alunos. À medida que o currículo se adapta às exigências de hoje, o professor é um ator fundamental nessa mudança e deve rever suas práticas de sala de aula, reinventar a maneira como conduzir sua prática pedagógica, focar nos alunos, formando protagonistasna arte de aprender. Por outro lado, projetos educacionais inovadores são aqueles que mesmo não possuindo uma sala de informática bem estruturada com um bom acesso à internet, onde todos possam se comunicar, eles conseguem reorganizar a partir estrutura da escola, por exemplo, desenvolvendo um currículo misto que inclua atividades que são realizadas fora do tempo presencial junto com os alunos, que deve ser planejado e criado pelo professor. Assim, qualquer inovação no currículo requer uma combinação de diferentes métodos e investimentos. Inovação curricular significa valorizar a pessoas que está sendo produzida pelas práticas escolares, e compreender que estas são mais importantes que conteúdos, pois educação é preparação para a vida e para as exigências que cada época impõe aos alunos. Por exemplo, no contexto atual, onde toda a informação está disponível no mundo digital, introduzir uma prática escolar que não leve em conta essa possibilidade é no mínimo retrógrado. Quanto ao papel do professor, a situação é 72 ainda pior, pois aqueles que ainda não entendem que as mudanças na vida social provocadas pelo ambiente digital podem ser uma boa ferramenta para o trabalho em sala de aula falham e são percebidos pelos alunos como ultrapassados. Masetto (2011), ao analisar os projetos curriculares que funcionam de forma inovadora, na Faculdade de Medicina de Harvard, diz sobre as estratégias pedagógicas: [...] são selecionadas de forma a privilegiar a participação dos alunos (debates, observação com discussão, leituras, pesquisas, atividade prática com pacientes, atividades em ambientes de simulação da realidade, discussão de casos após observá-los por circuito interno de TV). Não há mais aulas expositivas para grandes turmas. (MASETTO, 2011, p. 6). Reconhecendo que ao promover práticas que envolvam os alunos, a universidade rompe com o que é considerado um currículo tradicional e retira o professor do centro do processo ao utilizar estratégias de aprendizagem que promovem o pensamento, a interação, a análise e a colaboração entre os alunos. Mesmo aulas de apresentação que têm sido usadas por décadas podem ser redesenhadas e tornadas mais envolventes e dinâmicas se forem conduzidas de forma dialogada e interativa, com professores alternando entre tecnologia interativa e recursos audiovisuais. Destas primeiras observações, aprendemos que a inovação curricular passa necessariamente por uma reforma radical da prática docente e pela procura de novos métodos de ensino centrados no aluno e na sua aprendizagem. Associado a esta consciência das mudanças sociais, culturais e tecnológicas para que as escolas não fujam daquilo que pode dar sentido aos discentes. 8.1 Currículo por projetos de trabalho Um dos aspectos importantes da inovação curricular está relacionado à busca de práticas educativas que se desenvolvam quebrando a lógica da segmentação dos conhecimentos e produzam uma aprendizagem mais globalizada pelos estudantes. Para atingir tal nível de reestruturação da aprendizagem que ocorre na escola, uma ótima estratégia é desenvolver o currículo por projetos de trabalho, conforme você pode ver na Figura 2. Figura 2. Funções do projeto de trabalho 73 Fonte: Adaptada de Hernández e Ventura (2017). O projeto de trabalho organiza como os conhecimentos escolares serão aprendidos pelos estudantes, para que possam se apropriar da grande quantidade de informações sobre os temas ou os problemas abordados, interpretando-as e encaixando-as no local em que contribuam para se consolidarem como conhecimento. É importante notar que “a informação necessária para construir os Projetos não está determinada de antemão, nem depende do educador ou do livro-texto, está sim em função do que cada aluno já sabe sobre um tema e da informação com a qual se possa relacionar dentro e fora da escola” (HERNÁNDEZ; VENTURA, 2017, p. 62). Ele também permite que se envolva diferentes conteúdos, de diversas disciplinas, para que se tenha uma aprendizagem mais significativa a partir de uma postura interdisciplinar. Para que você possa aplicar um projeto de trabalho com os seus alunos, deve seguir alguns passos: definir um eixo ou problema que será o objeto de estudo do projeto; estruturar a forma como as informações sobre o objeto que conduzirá o projeto serão coletadas pelos estudantes; e estabelecer quais procedimentos serão utilizados para o tratamento das informações adquiridas e sua conversão para conhecimentos que se aliem aos conteúdos disciplinares desenvolvidos. Organizar o conhecimento Tratar as informações Relacionar diferentes conteúdos 74 Fonte: Adaptada de Hernández e Ventura (2017). Do exemplo anterior, você pode visualizar, na Figura 3, as bases teóricas que, em geral, fundamentam a organização curricular a partir dos projetos de trabalho. Figura 3. Bases teóricas dos projetos de trabalho. 75 Fonte: Adaptada de Hernández e Ventura (2017). Uma aprendizagem se torna significativa quando consegue se conectar aos conhecimentos prévios dos estudantes, remete aos princípios práticos de sua vida pessoal e suas rotinas cotidianas, bem como se associa às suas hipóteses sobre o problema e o mundo. Uma atitude favorável ao conhecimento, por sua vez, refere-se a um tema ou problema que desperte o interesse dos alunos e os faça se engajar nas atividades de pesquisa e nos procedimentos que o professor adotará durante o projeto, por isso, a escolha do tema que será objeto de estudo deve ser feita com cuidado, partindo dos interesses da turma. Em geral, um projeto de trabalho apresenta uma sequência estruturada, planejada pelo professor para que os alunos desencadeiem durante o tempo em que seja realizado, porém, deve ser flexível, pois as situações de sua aplicação podem variar e exigir adaptações para contemplar novas informações, ou novos interesses e pontos que tangenciem o tema e ampliem sua discussão. Esses projetos possuem uma funcionalidade e uma intenção pedagógica, que é buscada a partir dos procedimentos planejados pelo docente e das técnicas e estratégias de aprendizagem que ele colocará em prática neles. Os projetos de trabalho desenvolvem a memória compreensiva, fazendo os estudantes perceberem como as informações coletadas e tratadas servem de base para estruturar novos conhecimentos, aprendizagens e suas possíveis relações. Já a avaliação tem como principal objetivo analisar todo o processo percorrido ao longo do 76 projeto, notando como as aprendizagens ocorrem e propondo a tomada de decisões quanto ao seu desenvolvimento ou possíveis adaptações para que os alunos consolidem ao máximo suas aprendizagens. Victor está muito questionador, até aí não vejo nenhum problema. 8.2 Currículo globalizado Os pensamentos em busca de um currículo globalizado surgiram nas últimas décadas, visando propor uma inovação curricular que quebrasse o paradigma da segmentação de conhecimentos e disciplinas cartesianas ainda tão amplamente aplicado nas escolas atuais. Gallo (2011), ao referir-se ao filósofo, geômetra e matemático René Descartes e à criação de sua árvore dos saberes, esclarece que: Nessa imagem as raízes da árvore representariam o mito, como conhecimento originário; o tronco representaria a filosofia, que dá consistência e sustentação para o todo; os galhos, por sua vez, se subdividem em inúmeros ramos. Interessante notar que a imagem da árvore, por mais que dê vazão ao recorte, à divisão e às subdivisões, remete sempre de volta a totalidade, pois há uma única árvore, e para além do conhecimento das partes, podemos chegar ao conhecimento do todo, isto é, tomando distância podemos ver a árvore em sua inteireza. (GALLO, 2011, p. 40). Se você realizar uma analogia da imagem da árvorecom um currículo disciplinar, poderá perceber suas falhas, pois a divisão em disciplinas (ramos da árvore) e seu estudo sistemático de forma compartimentada prejudicam e impedem a visualização do conhecimento como um todo, além das múltiplas e ricas relações de reciprocidade, simultaneidade e complementaridade entre as disciplinas nos fatos cotidianos. A globalização tem como grande objetivo levar o aluno a aprender a interpretar a realidade que vivencia, já sua concepção e práticas, em geral, associam- se a três eixos principais: ➢ Forma de sabedoria ➢ Referência epistemológica ➢ Concepção curricular A globalização como forma de sabedoria remete à utilização dos conhecimentos e suas múltiplas relações para uma melhor compreensão do mundo diante de sua complexidade. Já a referência epistemológica leva à busca de 77 operações de pensamento que possibilitem “abordar e pesquisar problemas que vão além da compartimentação disciplinar” (HERNÁNDEZ, 1998, p. 34). Como concepção curricular, por sua vez, ela busca entender o currículo da escola para promover a relação dos conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais. Zabala (1998) associa os conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais às perguntas “o que se deve saber?”, “o que se deve saber fazer?” e “como se deve ser?”. Assim, você pode perceber que os conteúdos escolares devem envolver mais do que saber sobre o caráter disciplinar do currículo, atentando-se também à forma, aos métodos e estratégias para promoção de ensino, aprendizagem (procedimentos), constituição da subjetividade dos alunos, bem como de quem eles se tornarão por meio do desenvolvimento de valores e da ética (atitudes). Este caráter que amplia a função da escola e a dimensão do currículo, fazendo-o inovar a partir de uma visão globalizada, bem como ressignifica as práticas docentes e o papel do professor, será reforçado nos quatro pilares da educação propostos por Delors et al. (1998), no relatório feito para a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), intitulado “Educação: Um futuro a descobrir”. Atente para os quatro pilares considerados, na época, como a base para os processos educacionais no século XXI. ➢ Aprender a conhecer ➢ Aprender a fazer ➢ Aprender a viver juntos ➢ Aprender a ser O aprender a conhecer remete à aquisição dos conhecimentos necessários ao seu uso na vida cotidiana, que servem para sua leitura de mundo e para alcançar uma condição de vida mais digna. Por meio dele, se garante melhores condições de desenvolvimento profissional, de comunicação e compreensão do ambiente em que se vive. Além disso, o “aprender para conhecer supõe, antes tudo, aprender a aprender, exercitando a atenção, a memória e o pensamento. Desde a infância, sobretudo nas sociedades dominadas pela imagem televisiva, o jovem deve aprender a prestar atenção às coisas e às pessoas” (DELORS et al., 1998, p. 92). Embora o aprender a conhecer e o aprender a fazer sejam indissociáveis, este se relaciona mais com as questões de formação profissional e, na atualidade, 78 cada vez mais, se exige competências no mercado de trabalho para que se tenha empregabilidade ou trabalhos a fazer. O aprender a viver juntos, ou conviver, se refere a uma aprendizagem que “representa, hoje em dia, um dos maiores desafios da educação. O mundo atual é, muitas vezes, um mundo de violência que se opõe à esperança posta por alguns no progresso da humanidade” (DELORS et al., 1998, p. 96). Ao olhar ao redor, você percebe na cidade, no interior da escola e nos noticiários locais como essa questão, sobretudo no Brasil, é urgente na contemporaneidade. A violência de todas as ordens, como doméstica, de gênero, racista, sexista, homofóbica, xenofóbica, bullying, entre outras, deve encontrar na instituição escolar um espaço de reflexão, discussão e práticas que possam reconstruir esse cenário. As escolas podem contribuir para que a sociedade reconheça o outro, respeitando e tratando todos com equidade e justiça. O aprender a ser remete ao desenvolvimento total da pessoa, o que envolve “espírito e corpo, inteligência, sensibilidade, sentido estético, responsabilidade pessoal, espiritualidade” (DELORS et al., 1998, p. 99). Assim, a partir da educação que receberam em sua juventude, em que a escola tem papel primordial, os indivíduos podem estar preparados para exercer sua autonomia de pensamento e estabelecer juízos de valor necessários para que decidam sobre as questões que a vida impõe a todos. Pensar em um currículo globalizado é entender a instituição de ensino se empenhando nas suas práticas educativas para a promoção de aprendizagens que capacitem os alunos para sua vida plena, o que envolve o conhecer, o fazer, o conviver e o ser. Para que isso seja possível, obrigatoriamente, deve-se repensar as práticas escolares e o próprio percurso da didática. Sacristán (2000), ao referir-se ao discurso da didática sobre a prática escolar, relembra que: O discurso em didática sobre a prática escolar se desenvolveu fragmentando o processo global do ensino-aprendizagem. Em primeiro lugar, desligando conteúdos de métodos, ensino de aprendizagem, fenômenos de aula em relação aos contextos nos quais se produzem, decisões técnico-pedagógicas de decisões políticas e determinantes exteriores à escola e à aula, etc. Em segundo lugar, por depender de determinadas metodologias de pesquisa pouco propensas à compreensão da unidade que se manifesta na prática entre todos estes aspectos. (SACRISTÁN, 2000, p. 47). Caso você faça o caminho contrário ao percurso discursivo da didática citado pelo autor, encontrará a globalização e a inovação curricular, que busca uma 79 aprendizagem significativa por intermédio de práticas pedagógicas contextualizadas e que se aliem à realidade social e cotidiana dos estudantes, logo, despertando seu interesse e participação. Assim, segundo Zabala (1998), [...] os métodos globalizados nascem quando o aluno se transforma no protagonista do ensino; quer dizer, quando se produz um deslocamento do fio condutor da educação das matérias ou disciplinas como articuladoras do ensino para o aluno e, portanto, para suas capacidades, interesses e motivações. (Zabala, 1998, p. 144). Ao estudar sobre os modelos que associam os conteúdos curriculares de forma globalizada, Zabala (1998) destacou alguns métodos desenvolvidos historicamente, conforme você pode conferir no Quadro 1. Quadro 1. Alguns métodos globalizadores do currículo Fonte: Adaptado de Zabala (1998) Percebe-se que, embora as discussões sobre um currículo globalizado não sejam recentes, hoje existe um consenso de que a inovação curricular está, obrigatoriamente, no debate sobre a ampliação da função social da escola e dos ajustes necessários para que os estudantes possam acompanhar as mudanças socioculturais, econômicas, políticas e tecnológicas que ocorreram no mundo nas últimas décadas e que ainda continuam desafiando as instituições de ensino e todos os professores. Para que se consiga contemplar essas questões, é imprescindível propor novas práticas educativas que tenham como centro o aluno e sua aprendizagem, bem como atribuam significado ao que se aprende. 80 10 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABRANTES, R. M. Proposta Curricular de Educação Física Rede Promove. Belo Horizonte: [s.n.], 2009. AMARAL, C. O que é serviço de streaming e como ele funciona. K2, 05 mar. 2019. APPLE, M. Ideologia e currículo. 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