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1 F P C T - FORMAÇÃODE PSICANALISTA CLÍNICO E TEORIA PSICANALÍTICA ____________________________________________________________ MODULO Luto: Perdas e Rompimento de Vínculos Quando eu morrer, Não quero choro nem vela, Quero uma fita amarela Gravada com o nome dela (...) Noel Rosas Profa. Rejane Rodrigues de Campos1 São José dos Campos 2016 1 Psicanalista Didata. Pedagoga. Psicologia da Educação. Administração Escolar. Especialista em: Educação, Psicologia e Saúde Mental, Psicanálise e Supervisão, Transtornos da Infância e Adolescência: abordagem interdisciplinar. Membro das Associações Psicanalíticas: APVP; CAEI; APICE e EPPICO. 2 S U M Á R I O Luto: perdas e rompimento de vínculos 3 Introdução 3 1. O homem: visão morte através dos tempos 5 2. Morte e desenvolvimento humano 7 3. O ser humano: a morte e o luto 9 4. O processo, a dor da perda e luto patológico 14 5. Teoria do Apego: laços afetivos, formação e rupturas 19 6. Os vínculos e a afetividade 24 7. A criança: relações com a morte e luto na infância 31 8. Adolescência e juventude suas perdas e lutos 38 9. A vida adulta: rompimentos, perdas e lutos 43 10. Os pais diante da perda gestacional 50 11. A perda de um filho e o luto dos pais 52 12. O aborto provocado e o processo de luto 54 13. O luto: processo de elaboração 56 14. Relações amorosas: rupturas, elaborações e lutos 61 15. Perdas ambíguas 66 16. A velhice: o viver e o morrer 70 17. Familia: relações objetais, vínculos e perdas 74 18. Adoecimento e luto antecipatório 78 19. Suicídio: angústia e autodestrutividade 81 20. A psicanalise diante das perdas e do luto 87 CONSIDERAÇÕES FINAIS 91 REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICA 92 PROJEÇÕES DO MÓDULO 95 3 LUTO: PERDAS E ROMPIMENTO DE VÍNCULOS Morre lentamente Quem não viaja, Quem não lê, Quem não ouve música, Quem não encontra graça em si mesmo (...) Quem destrói seu amor próprio, Quem não se deixa ajudar. (...)Quem se transforma em escravo do hábito (...)Quem evita uma paixão e seu redemoinho de emoções (...)Quem não vira a mesa quando está infeliz (...)Quem não arrisca o certo pelo incerto Para ir atrás de um sonho, Quem não se permite, pelo menos uma vez na vida, Fugir dos conselhos sensatos... Viva hoje ! Arrisque hoje ! Faça hoje ! Não se deixe morrer lentamente ! Martha Medeiros INTRODUÇÃO O que pode haver de interessante falar sobre a morte? O “ser humano” é um ser “finito”, e este fato parece ser deixado de lado pela sociedade, marcada por um ritmo alucinante de vida. A sociedade moderna possui novos tabus e dentre eles está a morte. O homem se angustia ante a possibilidade de morte iminente, quando diante de um outro que se foi. É nesse momento que ele sente a possibilidade de experienciar estar-no-mundo enlutado. Há necessidade de que alguém caminhe ao seu lado nesse tempo do pesar e tristeza pela perda, uma vez que necessita sentir-se apoiado, pois existir no mundo enlutado significa trilhar um caminho para sobreviver a ausência de um ente querido e amado, e, encontrar um novo sentido para a existência na inexistência. Atualmente, o homem se depara com uma negação a cerca da morte, com uma tendência a não pensar sobre sua finitude e a das pessoas que o cercam. Hoje os pais falam sobre tudo com seus filhos, como drogas, violência, métodos contraceptivos, entre outros assuntos, porém não falam sobre transitoriedade e o limite da vida - a morte. A morte não vem de fora, ela se processa dentro da vida com a perda progressiva da força vital, com as perdas necessárias diante do viver. Morremos um pouco a cada dia, e este processo um dia chegará ao fim. 4 A palavra “morte” causa ao ser humano um temor intenso, sendo difícil explicar tal pensar, a ponto de ser custoso, ou evitativo pronunciar esta palavra. O luto é um processo de reestruturação após a desestruturação que a morte circunda o ser humano. Esse processo serve para modificar os momentos vividos com a pessoa que faleceu em memórias suaves e agradáveis. O falecimento de uma pessoa significativa provoca o desaparecimento proveniente de um elo, um vínculo, entre uma pessoa e seu objeto. Isso conduz a um sofrimento em etapas comuns como: sentimentos de dor, de culpa, de tristeza, de fúria, e de falta de interesse pela vida, entre outros. O luto, consequentemente, seria uma resposta à perda, bem como, um processo de reconstrução e reorganização diante da morte. Esse processo exige uma provocação emocional e cognitiva com o qual o enlutado tem de lidar. Encontramos no ser humano, um espectro imaginário, onde amor e ódio, solidariedade e inveja, doação e espoliação, humildade, orgulho e arrogância, criatividade de destrutividade, são por vezes antíteses, que convivem em todos de modos peculiares. No mundo real o indivíduo tem que conviver com esses aspectos, são humanos. Aparentemente o ser humano esta dividido em um lado bom e outro mau. A psicanálise descobriu que: a melhor forma de lutar contra a morte é fortalecendo o lado da vida, como também, evitar juízos de valor, e qualquer outra atitude que não seja fazer o indivíduo tomar consciência daquilo que lhe é inconsciente e que, recalcado, pode sabotar, impedir ou dificultar sua vida, sua criatividade, sua felicidade, e o que mais for a cada um. As descobertas da psicanálise em relação à sobre determinação inconsciente na vida das pessoas abriu uma ferida narcísica na humanidade, que se viu sem o comando de seus atos e comportamentos e que leva muitas pessoas a não aceitarem essa área do conhecimento. A tomada de consciência da morte, da finitude do ser humano, constitui-se em outra ferida, ainda mais aterrorizante, pois em relação à morte nada é sabido. Vem a necessidade de criar “verdades” para esvaziar esse terror, verdades essas que podem ser da ordem e domínio da fé. Dessa forma, a Psicanálise tem um importante papel no acolhimento e escuta clínica do ser humano portador de um sofrimento intenso no processo de enfrentamento de perdas, morte e luto. Assim, ao lidar com a vida, também trabalha a morte e tudo o que dela decorre para o sujeito. Torna-se interessante falar não só da existência e vida, mas também da morte em todas as suas formas e representações, não apenas sobre o cessar da existência. 5 1. O homem: visão da morte através dos tempos Todas as sociedades, desde as mais antigas até as atuais, criaram diversos sistemas fúnebres pelos quais podiam se entender com a morte em seus aspectos pessoais e sociais. KOVÁCS (1992) relata que desde o tempo dos homens das cavernas há inúmeros registros sobre a morte como perda, ruptura, desintegração, degeneração, mas, também, como fascínio, sedução, uma grande viagem, entrega, descanso ou alívio. Um estudo de epitáfios gregos e latinos revela que a morte despertava uma ampla variedade de emoções e atitudes, apesar de geralmente ser encarada como um mal. Os europeus viam a morte com seus próprios olhos, mas também pelo princípio teológico. Nem todos aceitavam esta resposta. Os fariseus agarravam-se à crença na ressurreição dos mortos, e os romanos ocupavam-se com rituais para assegurar a imortalidade. A partir disto, no Novo Testamento foi proclamada a vitória sobre a morte, tendo a prova com a ressurreição de Crista, segundo Kastenbaum e Aisenberg (1983). A sociedade quando deparada com um intenso encontro com a morte, muda sua conduta diante da mesma. Trata da morte como um rito de passagem para a morada definitiva da alma, a derradeiraperegrinação do homem-viajante medieval. Como o mundo dos vivos estava ligado ao dos mortos, afirma Aires (1989), a morte era encarada com tranquilidade e resignação, assim a morte foi domesticada nas consciências dos cavaleiros e clérigos, ela foi esperada e reconhecida, ou até mesmo desejada. A morte torna-se macabra com a angústia dos tempos da “Peste Negra” e da “Guerra dos Cem Anos”. Ao final da Idade Média, novas e negativas formas de compreensão da morte tomaram conta dos espíritos, surgem pinturas de parede e gravuras em madeira, exprimindo a profunda angústia. A visão teológica da morte passou a ser vista com pavor, não encontrando consolação na Igreja, estando na origem de muita aflição, tormento e terror. Nesse período a morte era considerada o castigo de Deus para o homem, sendo esta, a revelação de suas culpas e indignidade. No Renascimento em virtude da redescoberta e revalorização das referências culturais da antiguidade clássica, que nortearam as mudanças na direção de um ideal humanista e naturalista, são descritas as transformações que ocorreram. A preocupação crescente com a morte, um terror físico e teológico achou expressão nas artes do século XIV, tornara-se um objeto de percepção e de pensamento. Ela inspirou poetas, músicos, artistas e homens comuns. Os artistas da época renascentista consideravam que os gregos e romanos possuíam uma visão completa e humana da natureza, incluindo 6 também o pensamento sobre a morte. Ocorreram mudanças evidentes na cultua, na sociedade, na economia, na politica e na religião, caracterizando a transição do feudalismo para o capitalismo. Suas principais características eram o racionalismo em oposição à fé; o antropocentrismo em oposição ao teocentrismo; e o individualismo em oposição ao coletivismo cristão. A divulgação dos conhecimentos da Antiguidade Clássica foi uma das principais causas do desenvolvimento cultural. Diversos intelectuais e artistas bizantinos emigraram para a Itália, levando valiosos manuscritos de poetas e filósofos gregos. As qualidades mais valorizadas do homem passaram a ser a inteligência, o conhecimento e o dom artístico. Enquanto na Idade Média a vida do homem devia estar centrada em Deus, num teocentrismo, nos séculos XV e XVI o homem passa a ser o principal personagem, num antropocentrismo. A razão e a natureza passaram a ser valorizados com muita intensidade Os trabalhos dos alquimistas estavam presentes nesse período, tendo os objetivos inter-relacionados: de alterar ou transformar materiais básicos em outros mais valiosos; de transformar uma matéria básica em espirito; e em suma, de libertar a alma. A alquimia verificada à luz do simbólico e não do cientifico, pode ser considerada como um dos estudos do inconsciente. Os alquimistas projetavam seus processos internos naquilo que estavam fazendo, e, à medida que realizavam suas operações, passavam por experiências profundas lado a lado com outras espirituais. Por volta do século XVIII, a crença de que ser enterrado próximo aos túmulos dos santos ou de suas relíquias, perto do altar dos sacramentos, ou sob as pedras da nave garantiam ao defunto uma intercessão especial dos santos e o direito assegurado de salvação, segundo Maranhão (1998). O aspecto do sagrado estava inserido no contexto da época, pois a proximidade dos lugares, objetos e indivíduos que representavam este aspecto, garantiam a salvação depois da morte. Apesar de os homens temerem a morte, eles encontravam maneiras peculiares de se relacionarem com ela. Os sistemas fúnebres foram se modificando e sofisticando na medida em que ocorria o desenvolvimento sociocultural. Porém cada cultura desenvolveu seus métodos funéreos de modo característico. “Mitos e ritos sobre a morte são incontáveis; todas as culturas criam uma forma especial de imaginar e contar a própria versão, estruturando as características coletivas das diferentes civilizações”, afirma Callia (2005). Para o autor os rituais fúnebres se desdobram em outros ritos com significados, detalhes e funções específicas, trazendo as diversas possibilidades que a 7 morte evoca, dependendo das crenças, das condições ambientais, políticas e socioeconômicas de cada povo. E assevera ainda que “as transformações significativas” desde a última metade do século XX, quando o desenvolvimento técnico-científico se impôs na vida moderna, contribuíram para que a morte fosse algo a ser esquecido, e assim, a interrupção definitiva da vida passou a ser menos considerada. Cada vez mais os rituais estão perdendo força e se distanciando, apontando para uma banalização da morte, “já não se morre mais como antigamente; já não temos mais tempo para a morte ou para morrer”. O materialismo e o racionalismo passaram a ser mais valiosos do que aquilo que é natural e espiritual. A morte inclusive. Assim, o homem se distanciou dos rituais fúnebres e a morte passou a ser algo vulgar. Morin (1997) afirma que “a espécie humana é a única para a qual a morte está presente durante a vida, a única que faz acompanhar a morte de ritos fúnebres, a única que crê na sobrevivência ou no renascimento dos mortos”. Entretanto, esse autor atenta para o fato de que ao mesmo tempo “que se pretenderá imortal, o homem designar-se-á a si próprio como mortal. Assim a mesma consciência nega e reconhece a morte, nega-a como aniquilamento, reconhece-a como acontecimento”. 2. Morte e desenvolvimento humano A morte e o luto são questões que fazem parte do cotidiano da vida e do viver de todo o ser humano sem exceção. É importante e necessário aprender a lidar com essa temática de forma a amenizar a dor causada pelas perdas. Muitos são os aspectos envolvidos na ausência e perda de um ente querido, pela morte, seja ela de diferentes formas: doença; de forma repentina; por acidentes; morte na visão sociocultural, separações e danos, entre outros. Esse tema sugere uma reflexão sobre aspectos e significados culturais da morte – de forma subjetiva - e a dor do luto vivenciada por todos, por meio da morte em si mesma ou de alguma perda afetiva, emocional. Portanto, na sua essência, o cotidiano daqueles que enfrentam a morte seja ela na realidade, seja no simbólico. Na contemporaneidade, a sociedade ocidental compreende a morte como sendo um tema interditado, um tabu e sinônimo de fracasso profissional para quem trabalha na área da saúde. No mundo familiar a morte está ausente, segundo Costa & Lima (2005), pois esse momento foi transferido para os hospitais, assim como as crianças ficam impedidas pelos adultos de participarem dos cerimoniais de despedida daquele ente 8 querido que faleceu, que desapareceu. A morte praticamente tornou-se uma inimiga que precisa ser combatida e silenciada a qualquer custo. A palavra “morte” possui muitos atributos associados, como: dor, ruptura, interrupção, desconhecimento, e tristeza, de acordo com França e Botomé (2005). É uma expressão que designa o fim absoluto de um ser humano, de um animal, de uma planta, de uma ideia, de uma crença. Em posição antagônica, coexiste a morte com a vida, o que não impede de ser angustiante, incluir medo e ao mesmo tempo, ser musa inspiradora de filósofos, poetas, artistas e psicólogos. As palavras não conseguem expressar o que é imaginado como terrificante e por isso mesmo, não deixar transparecer. Para indicar a morte é usual faze-lo por meio de eufemismos: o “fim”, a “passagem”, a “destruição”, o “passamento”, entre outras formas de manifestações, para expressar o inexpressável. Paralelo a isto, instaura-se o medo da morte, a repugnância ao cadáver e a instalação do olhar. Porém por tradição cultural ou familiar, e mesmo desde o infantil, por investigação pessoal cada um traz dentro de si “uma morte”, ou seja,a sua própria representação de morte. Durante séculos, o homem conseguiu dominar o medo da morte e traduzi-lo em palavras. Desde os tempos do homem das cavernas, há registros sobre a morte como perda, ruptura, desintegração, ou degeneração, como também, sabe-se que havia um fascínio, uma sedução, uma entrega, uma grande viagem, descanso ou alívio, segundo Kovács (1992). A autora aponta para a questão do entrelaçamento entre vida e morte, durante todo o processo de desenvolvimento vital do indivíduo. Afirma que “engana-se quem acredita que a morte só é um problema no final da vida, e que só então deverá pensar nela. Podemos, é claro, tentar esquecer, ignorar ou mesmo ‘matar’ a morte”. A busca pela imortalidade surgiu desde todos os tempos. O homem desafia e tenta vencer a morte. A morte do dragão ou do monstro presente nos mitos e lendas, simboliza a atitude do homem, mostrando que os heróis conseguem essa façanha, porém os mortais não. Desafiar, romper os limites é o grito de vida, é a identidade de um novo ser que rompe barreiras, extravasa limites, a fim de configurar os contornos da própria identidade. No momento em que não há lugar para a morte é que ela está mais presente. A sociedade permitia os ritos familiares, e a brevidade melancólica de um fim anunciado, era tratado com dignidade, sem fugas ou falsificações. Os avanços na medicina trouxeram o aumento da expectativa de vida e também a crença de que sempre haverá recursos para postergar a morte. Com isso amplia a posição social que impede de falar sobre o tema, assim as pessoas não estão 9 preparadas para enfrentar a finitude dos entes queridos e tampouco a sua própria finitude. Há um viver e um ignorar sobre a existência da morte, e o agir humano constitui num continum, como se ela fosse algo improvável. Negar a morte é não querer entrar em contato com as experiências que nos causam sofrimento, permitindo, assim, segundo Kovács (2002), fantasiar a ilusão da imortalidade, dando a ideia de força e de controle sobre o medo da morte. Dialogar sobre a morte é importante porque este tema possui uma magnitude de significados que, ao se desvelar, pode tornar sua aceitação mais fácil. É preciso desenvolver uma cultura de diálogo que permita ao ser humano entrar em contato com o processo da morte sua e do outro. Dizer para os familiares sobre o que deseja que seja feito no momento da própria morte e falar do que acredita que acontecerá depois da partida pode ser uma forma de auxiliar a desmistificar o “fantasma” chamado morte. Quando a morte chega, para muitas pessoas é o momento de tomada de consciência das coisas que ficaram inacabadas ou malfeitas, do que precisa ser feito para fechamento de algumas situações, ou de assuntos e que, muitas vezes, precisamos perdoar a si mesmos ou a alguém. Uma das formas de não entrar em contado com as experiências dolorosas é negar a morte, de acordo com Kovács (2005). A grande dádiva da negação e da repressão é permitir que seja vivido um mundo de fantasia, onde nele há a ilusão da imortalidade. Os sonhos e projetos não seriam realizados se o medo da morte estivesse constantemente presente. No ser humano existe o desejo de se sentir único, criando obras e realizando projetos que não permitam o seu esquecimento, proporcionando a ilusão de que a morte e a decadência não ocorrerão. A fragilidade interna do ser humano, sua finitude e sua vulnerabilidade ficam escondidas por essa couraça de força. 3. O ser humano: a morte e o luto No espaço do corpo, coexistem a vida e a morte, desde o início, da concepção. Os opostos e os contrários falam da natureza: o inicio e o fim, os segundos e o nada. A ideia de morte e sua elaboração, impede as pessoas de lidarem com as perdas, estas naturais e que ocorrem inevitavelmente no curso da vida. A morte é inevitável, mas ainda existe muito tabu diante dela, interdição diante do fato cujo silêncio é utilizado como subterfugio para lidar com o acontecimento. A morte como limite, vivenciada como tal ajuda a crescer, mas também, é dor, perda da função, do afeto, das carnes, e, é tristeza, solidão, pobreza. A velhice constitui uma das representações mais fortes no 10 imaginário da cultura - uma velha enrugada, magra, ossuda, sem dentes, feia e mal cheirosa. Esta visão causa repulsa e terror. Do ponto de vista bioquímico a morte se configura como uma falta de regeneração, sendo difícil descobrir qual a sua causa e o seu processo. Existe a questão da mortalidade e da imortalidade, pois o ser humano é em parte mortal e em parte imortal, carregando dentro de si a raiz da imortalidade. A morte clínica de uma pessoa é definida como um estado onde todos os sinais vitais estão suspensos, ainda que uma parte dos processos metabólicos continue a funcionar. O conceito de morte clínica surgiu a partir da possibilidade de substituição de todas as funções vitais por máquinas, o que pode prolongar a vida indefinida-mente. Quando se inicia a destruição das células e órgãos altamente especializados, posteriormente os menos especializados, ocorre a morte total. Do ponto de vista somático há uma definição, sem maiores problemas, para a constatação da morte, e posterior iniciação dos ritos funerais. Do ponto de vista psicológico existem inúmeras mortes, em suas mais variadas representações, até ao ponto de negação, agindo como se ela não existisse. Inúmeros são os questionamentos em relação a morte, como: sobre o que há após a morte; se há uma vida posterior; a vida acaba com a morte. Experiências vividas por indivíduos que estiveram muito próximos da morte foram estudadas por alguns autores, numa tentativa de relatar o que seria a experiência de morrer, segundo Kovács (1992). O relato de pessoas que sofreram acidentes e estiveram muito próximas da morte, bem como casos de pessoas foram ressuscitadas após estarem clinicamente mortas, foi estudado por Moody (1975) que observou experiências extraordinárias dentre as quais destaca: sensação de serem expectadores, ao ouvirem pronunciamento sobre sua própria morte; sensação de paz e quietude, ou ruídos intensos; experiência de passarem por um túnel escuro; experiência do individuo que se vê acima de seu corpo, sendo que alguns relatam que tentam falar, mas ninguém ouve, querem voltar para seu corpo, mas não sabem como; encontro com um “Ser Iluminado”, identificado com uma figura divina, cuja imagem está relacionada com a história religiosa da pessoa; experiência limite, onde a pessoa sente que chegou ao fim, entre outros. Há relatos de que uma experiência como esta foi impactante e provocou mudanças na forma de encarar a morte. A resposta mais comum diante da morte é o “medo de morrer”. Esse medo é universal e atinge a todos os seres humanos, independente de idade, sexo e nível socioeconômico, ou credo religioso. Nenhum ser humano está livre desse medo, e todos os medos que se relacionam ao medo de morrer, segundo Feifel e Nagy (apud 11 KOVÁCS, 1992). É difícil diferençar entre medo e ansiedade, pois a ansiedade comumente está associada a um sentimento difuso, sem causa aparentemente definida enquanto que o medo é geralmente está relacionado a uma causa mais especifica. No caso da morte, essa experiência é muito ampla e universal que pode ser pensada em ansiedade e medo de forma similar. No Japão, século XIII, Kenko declara que "as mudanças ocorridas do nascimento até a velhice, da doença até a morte são ainda mais rápidas. As quatro estações, têm uma sequência determinada. Assim, a hora da morte não espera a sua vez”. E segue dizendo que, “ela não vem necessariamente de frente, pode estar planejando o seu ataque por trás. Todo mundo sabe da morte, mas ela chega inesperadamente, quando as pessoas sentem que aindatêm tempo, que a morte não é iminente”. E na sequência, afirma o autor que “é como as planícies secas que se estendem mar adentro, para que a maré chegue, inundando o seu caminho até a praia" (Meltzer, apud KOVÁCS, 1992). Duas concepções em relação à morte são consideraras de acordo com a pessoa, em função da sua ansiedade e percepção. Quanto à morte do outro, surge o medo do abandono, da retaliação e perda da relação, envolvendo a consciência da ausência e da separação. Um sentimento de impotência pelo fato de não poder fazer nada dificulta ver o seu sofrimento e desintegração. Quanto à própria morte surge a consciência da própria finitude, a fantasia de como será o fim e quando ocorrerá pela manifestação de um medo do sofrimento e da indignidade pessoal. Existe um pensar relacionado ao que vem após a morte, e o medo do julgamento, do castigo divino e da rejeição. O desconhecido sempre constitui uma ameaça, trazendo um medo da própria extinção, o medo de não ser, entretanto, em relação à morte do outro, a extinção evoca a vulnerabilidade pela sensação de abandono. Dependendo da época de cada um e as circunstâncias do momento é o que parece mais temido, como por exemplo, o perigo iminente devido a situações externas de guerras, crimes, violência. Existem também as perturbações internas que ameaçam o sujeito, como por exemplo, os medos e fobias, ou mesmo a morte de alguém. Lidar com a morte de forma mais concreta e expressar o luto é muito variada. Pode ocorrer uma superação rápida como também ao extremo da obrigação de mostrar aos outros a dor, a tristeza e o desespero por um longo período de tempo. É difícil sobreviver à ausência de pessoas queridas, as quais tornam os indivíduos aptos a recomeçar a vida sem a presença daquele que se foi. O luto é compreendido como uma importante transição psicossocial, com impacto em todas as áreas da influência humana, de acordo com 12 Parkes (1998). Ele considera os diferentes caminhos da experiência de ter um vínculo rompido pela morte e as consequências dessa vivência em âmbito somático, social, emocional e cultural. Constitui em uma dor causada pela perda ou morte de alguém, ou por grande calamidade, e que provoca um pesar ou tristeza pelo ocorrido. De acordo com a cultura, a cor preta é uma simbolização do luto, segundo Kovács (ob. cit.), pois no Ocidente, costumou-se usar o preto em um tempo que data do paganismo. O preto, em sua origem constitui uma maneira de expressar o medo, um horror aos mortos. Constitui a essência de um disfarce a fim de que o fantasma do morto não reconheça e não persiga os que ficaram vivos. Para essa autora, a cor preta conteve o simbolismo da noite e a ausência de cor para expressar o abandono e a tristeza. Essa cor também facilita a lembrança de que ocorreu uma perda, além de sugerir às pessoas que tenham atitudes especiais para com o enlutado, evitando falar de coisas que pudessem magoá-lo. A palavra “Luto”, traduzida do alemão, “trauer”, significa “o afeto da dor como uma manifestação externa”. O luto no entender de Freud (1915) constitui na reação à perda de um ente querido ou à perda de alguma abstração que ocupou o lugar de um ente querido como: os pais, a liberdade ou o ideal. Para o autor, o luto, é um período de tempo necessário para a elaboração progressiva da perda do ser amado que fica introjetado sem maiores conflitos, e que a pessoa enlutada consegue desligar-se normalmente dele. O sofrimento no luto, além daqueles encontrados ordinariamente, pode envolver graves sofrimentos, porém não necessariamente se constitua um luto patológico. O luto compõe vários elementos de um processo mental através do qual o equilíbrio psíquico é restaurado após a perda de um objeto amoroso significante. Constitui-se em uma reação normal a qualquer perda de importância, não apenas em conexão com a morte real de uma pessoa amada. O luto vem geralmente acompanhado pela perda de interesse pelo mundo externo, cujo humor predominante é o do sofrimento, bem como, de uma preocupação com lembranças do objeto perdido e diminuição da capacidade de efetuar novos investimentos emocionais, de acordo com More & Fine (1992). Com o passar do tempo, o individuo se adapta à perda e renova sua capacidade de encontrar prazer em relacionamentos, porém outras vezes esse movimento não ocorre, a adaptação é relativa, o pesar e o luto permanecem pela vida. A dor do luto é como todas as outras, um enigma persistente. Produz, na pessoa do enlutado, um estado psíquico resultante da perda desse alguém muito querido. Pode provocar angústia e dor, como também, um quadro geral de reação depressiva, que 13 para superar precisa do que Freud concebeu como o “trabalho de luto”. Essa tarefa compreende a realização de um esforço, afirma o autor, pois a libido investida no objeto perdido precisa ser desligada das lembranças, fantasias e esperanças que cercavam a ligação. Só depois disso, afirma Zimerman (2001), num tempo não excessivamente longo, o ego do sujeito volta a ser livre para levar uma vida normal. A compreensão do caráter doloroso do luto é apontada por Bowlby (1998), como um conjunto de sentimentos por vezes antagônicos, tais como: um desejo de busca pela figura perdida, sentimento de culpa e alto grau de desorientação relacionado ao quadro da perda. Sentimentos ambivalentes são desencadeados por esse processo ressalta o autor, ao afirmar que “a perda de uma pessoa amada dá origem não só ao desejo intenso de reunião, mas também à raiva por sua partida” (BOWLBY). A sensação de injustiça frente ao abandono pode provocar a demonstração de raiva. A morte deixa a todos em desamparo, apartados daquele a quem amaram. Fica então a questão: “O que é o luto?” Certamente é uma discussão que não se esgota, porém pode ser tentada uma resposta, assevera Nasio (1997). O luto é a reação à perda de um objeto de amor. “Como explicar que o luto seja tão penoso e doloroso?” Esse autor, afirma que “o luto é uma retirada do investimento afetivo da representação psíquica do objeto amado e perdido. O luto é um processo de desamor e se constitui num trabalho lento, detalhado e doloroso. Ele pode durar dias, semanas e até meses. Ou ainda toda uma vida...”. O processo de luto é vivenciado pelas pessoas de forma individual, o que torna inadequado estipular um prazo para o seu término; mas admite-se a existência de um padrão comum de tempo para a maioria dos casos, no qual o indivíduo, aos poucos, vai aprendendo a conviver com sua perda. O luto tem como característica a perda de um elo significativo entre uma pessoa e seu objeto, e como tal, um fenômeno mental natural e constante durante o desenvolvimento humano, não se limitando apenas à morte, mas ao enfrentamento das sucessivas perdas reais e simbólicas durante o desenvolvimento humano. Deste modo, pode ser vivenciado por meio de perdas que perpassam pela dimensão física e psíquica, como os elos significativos com aspectos pessoais, profissionais, sociais e familiares do indivíduo. O simples ato de crescer, como no caso de uma criança que se torna adolescente, vem com uma dolorosa abdicação do corpo infantil e suas significações, igualmente, o declínio das funções orgânicas advindo com o envelhecimento. A capacidade de o indivíduo, desde a infância, se adaptar às novas realidades produzidas 14 diante das perdas servirá como modelo, compondo um repertório, reativado em experiências ulteriores. Em outras formas de perdas que não pela morte real, os processos mentais de luto também ocorrem. O pesar e o luto podem igualmente resultar de perdas de representações abstratas de uma entidade significativa, como: liberdade do próprio país ou a crença de um ideal, entre outras. É possível que ocorram processosde perda a objetos inanimados altamente investidos, como o lar, um emprego, mudanças (casa, cidade, escola, amigos, saída de casa dos filhos, etc.) qualquer coisa que represente uma fonte importante de segurança ou de dedicação e investimento de libido, até mesmo o fim de uma análise. As reações em um luto patológico incluem a ausência defensiva do luto, bem como, as reações prolongadas de pesar que perpetuem a representação do objeto perdido através de “objetos vinculares”. 4. O processo, a dor da perda e luto patológico Freud (1915), em “Luto e Melancolia” explica que entende o luto como uma reação à perda, e não necessariamente uma perda de uma pessoa querida, mas como algo que tome as mesmas proporções. Portanto, tem a ideia clara de que é um fenômeno mental natural e constante durante o desenvolvimento humano. Para o autor, nada existe de inconsciente a respeito da perda, no luto. Interpreta que o enlutado sabe exatamente o que perdeu. O luto é um processo natural instalado para a elaboração da perda, que pode ser superado após algum tempo e, por mais que tenha um caráter patológico, não é considerada doença, sendo assim, interferências se tornam prejudiciais. A natureza do objeto do luto é distinguida por Freud, quando reconhece o “luto normal” e o “luto patológico”, ou seja, o luto normal da melancolia. Desse modo, Freud diz: “Enquanto no luto normal a perda é consciente, no luto patológico a perda é inconsciente. O melancólico pode saber quem perdeu, mas não sabe o que perdeu na pessoa desaparecida”. Lacan, tratando do luto, fala como se se tratasse de uma única forma de luto, o “luto patológico”. Na diferenciação freudiana sobre o luto, observa-se que toda a problemática do “objeto a” (pequeno), esta contida na diferenciação que faz do luto. A questão do luto é enriquecida por Melanie Klein (1940) com seu importante trabalho “O luto e suas relações com os estados maníaco-depressivos”, onde a autora relaciona os objetos externos com os objetos internos. Ela considera a distância entre o “luto patológico” e o “luto normal” como uma distância de grau e não de estrutura. 15 Entretanto, não basta separar o luto normal do luto patológico, pois saber quem foi perdido não torna claro, como também, não se encontra infalivelmente essa parte inconsciente em todas as formas de luto. O luto patológico na teoria kleiniana, corresponde a uma não superação da posição depressiva do desenvolvimento. Isso é crucial para o estabelecimento forte de objetos bons no mundo interno, como também para se sentir seguro deste. Dessa forma, na questão patológica do luto há uma interminável ligação como o objeto perdido, uma indiferença pela perda, resultado de um abafamento de sentimentos. Nesse caso, se o ego recorre a uma retirada para os objetos internos bons pode causar uma psicose grave, ou se ele recorrer a uma fuga para os objetos externos bons pode desenvolver uma neurose. Na consolidação da clínica são encontradas as questões do “luto normal” e “luto patológico”. A melancolia foi uma das primeiras doenças mentais sistematizadas e tratadas pela medicina. No luto normal, nem sempre se encontram as autoacusações do melancólico, pois é constatado que a queixas deste não se dirigem ao “objeto perdido”, mas “a si mesmo”. Freud, inspirado em questionamentos com Abraham, conclui que: “as críticas não são verdadeiras autocríticas. Essas críticas se referem ao objeto incorporado no eu”. Assim Freud propõe então a tese de que “o eu do melancólico incorpora o objeto perdido e se identifica com ele”. Este objeto está na base da noção lacaniana do “objeto a”. Essa tese da identificação com o “objeto perdido” é bastante geral e válida tanto para a melancolia como para o luto patológico ou para o luto normal. Toda a libido do amante que investia o objeto quando ele estava vivo voltaria para o eu depois da morte do amado, portanto, ocorre uma retirada da libido pela identificação narcísica como o objeto. Esse é o movimento subjacente à apropriação narcísica do objeto amado e desaparecido. O objeto amado e perdido não se trata da pessoa do morto, mas da sua representação ou da sua imagem no inconsciente daquele que permanece vivo - o enlutado. São as representações mentais do enlutado, do amante, e não da pessoa amada, aquela que se foi e que recebia os investimentos afetivos. Estas representações são as “representações de coisas inconscientes” relativas ao objeto amado e desaparecido. O lugar da retirada da libido para o eu é a partir das “representações de coisas” do objeto amado e perdido. O “amado” quer dizer eleito por uma escolha narcísica. Então, segundo Nasio (1997), em outras palavras, “a libido se retirou das representações do objeto de amor, para reportar-se sobre uma parte muito precisa do eu”, que Freud chama de “prova da realidade para o exterior”. 16 Nasio aponta que “o que se perde com a morte do ente querido é, primeiro, a imagem de mim mesmo que ele me permitia amar. O que perdi, antes de tudo, é o amor de mim mesmo, que o outro tornava possível. Isso significa que o que se perde é o eu ideal, ou mais exatamente o meu eu ideal ligado à pessoa que acaba de desaparecer”. Com a morte de um ser amado, perde-se um determinado eu ideal, próprio da relação de amor e de desejo. Aquele que partiu, não era o eu ideal do que ficou, mas o suporte real desse eu. Entretanto com sua morte, o outro levou o suporte do vivo que era a sua pessoa, isto é, o seu cheiro, a sua voz. O encanto de sua presença. O que é perdido ao perder alguém amado é a pulsão, o corpo pulsional, o objeto pulsional que dava consistência à imagem daquele que fica – o eu ideal - que ele dava a amar. Cabe lembrar aqui, a releitura da formula de Lacan: “fazemos o luto daqueles de quem fomos o objeto, isto é a falta”; também “fazemos o luto daqueles que, por sua vez, foram para nós o objeto, a falta, o suporte pulsional do nosso eu ideal”. Com a morte do outro, o enlutado não perdeu a pulsão, pois continua vivo. Com certeza perdeu a “voz”, este objeto da pulsão, porém a pulsão se desloca e se transpõe. Ao escrever “Sobre a transposição das pulsões”, Freud afirma que existem deslocamentos dos objetos da pulsão. Nasio levanta a hipótese de que “a dor (...) um objeto da pulsão transitória, provisória, como se fosse necessário que o sujeito, sob o choque da morte do outro, não deixasse de exercer a sua atividade pulsional, e isso apesar das inibições próprias da fase do luto”. E segue o autor afirmando, em sua proposta da “dor do luto como objeto de pulsão”, que “entre a voz que parte e a que talvez virá, intercalo a dor”. A elaboração do luto constitui numa lenta e minuciosa retomada de cada um dos detalhes do vínculo que ligava o sujeito ao objeto amado e agora perdido. Nesse trabalho do luto, cada lembrança do morto é tratada pelo eu, com: a focalização de cada lembrança e de cada imagem ligadas ao objeto perdido, o que produzirá um desinvestimento das mesmas; a libido destacada da imagem mental do outro, é transportada para uma grande parte do eu. Precisamente este movimento que produz a identificação é que produz com a imagem do objeto. Cabe lembrar que o procedimento de focalização de cada uma das representações inconscientes do – chamadas de “lembrança” ou “imagem” – consiste em um superinvestimento afetivo. Assim, a elaboração do luto ocorre nos parâmetros: superinvestimento, seguido de desinvestimento, e posteriormente transporte do afeto para a identificação – conjunto do eu. A dor, e há dor, é por causa do desligamento, da separação e da dissolução do 17 vínculo. A dor é gerada na operação do re-centramento e do superinvestimento do vinculo psíquico com o objeto; é a dor de apertar fortemente os laços com a representação do outroausente; dos investimentos que deixam a representação de objeto para difundir-se no eu como investimento narcísico. Melanie Klein e outros autores consideram a dor como sendo efetivamente devida à perda propriamente dita. A dor é provocada por uma lesão do eu, concebido como um corpo que sofre porque a perda do amado lhe arrancou uma parte de si mesmo. A dor não é ligada imediatamente à perda, mas ao trabalho do luto, entendendo este como significando uma “reação à perda”. Aqui, se tratam de uma dor psíquica, distinta da dor física, ambas importantes, e não se deve ao destacamento, mas ao superinvestimento. Freud assim escreve: “A dor corporal”, que constitui uma excitação pulsional constante, “supõe um superinvestimento da representação psíquica do local lesado no corpo”, portanto não se trata da representação do objeto. E o autor acrescenta que “essa definição da dor não leva em conta uma dor como a do luto”. Quando há uma dor física, segundo Freud (1926), ocorre um alto grau de catexia narcísica da parte do corpo que sente a dor. Na dimensão psíquica diante de uma situação dolorosa, essa catexia esta concentrada no objeto do qual é sentida a falta, ou que está perdido por não poder ser apaziguado, essa catexia tende a aumentar com firmeza. A dor na dimensão mental produz a mesma condição econômica que é criada diante de uma dor física. A transição da dor física para a mental corresponde a uma mudança da catexia narcísica investida na parte danificada do corpo, para a catexia de objeto - perdido e do qual sente falta. A dor responde a uma alta concentração de libido na representação psíquica de um objeto que, na realidade foi perdido ou ferido. O superinvestimento afetivo de uma representação significa um maior apego no interior ao objeto que não está mais no exterior. A dor do luto não é dor de separação, mas dor de ligação. Portanto, no entendimento de Nasio, “O que dói não é separar-se, mas apegar-se mais do que nunca ao objeto perdido”. A dor do luto não é somente aquela que é sentida quando o amado desaparece, é também um sofrimento do qual não existe a consciência. Tanto o sentimento inconsciente quanto a dor inconsciente resultam da percepção endopsíquica dos movimentos pulsionais. O luto concebido como um trabalho faz pensar que não se perde alguém quando ele morre, mas apenas esse alguém é perdido depois de um longo trabalho, para o declínio do mesmo num processo laborioso de diversos retornos do recalcado. 18 O luto não começa com a morte, de acordo com Bromberg (1994), pois ele já esta sendo determinado a partir da qualidade das relações familiares existentes antes dela, pela condição natural dos vínculos estabelecidos e, também afetado por condições atuantes mais próximas à morte. O luto, mesmo quando considerado normal, não significa que não seja doloroso ou que não exija grande esforço de adaptação às novas condições de vida, e, dito normal por parte de cada um dos indivíduos afetados quanto do sistema familiar, que sofre também o impacto em seu funcionamento e em sua identidade. No processo interno de luto a pessoa magoada inicialmente é incapaz de retirar do objeto perdido, o apego, embora o teste de realidade seja preservado e confirme que o objeto amado não mais existe. “O enlutado volta suas costas à realidade através da denegação e aferra-se à representação mental do objeto perdido”, afirma More & Fine (1992), e “a perda é transformada em perda do ego”. O equilíbrio psíquico é restaurado através dos estágios do processo do luto, a perda é gradualmente curada, e assim, restaurado o equilíbrio psíquico. O trabalho do luto inclui fases sucessivas e inter- relacionadas com o sucesso de cada uma delas: a) compreensão, aceitação e enfrentamento da perda e de suas circunstâncias; b) a retirada dos apegos ao objeto perdido e das identificações com ele, o que vem a constituir um luto propriamente dito; c) a retomada da vida emocional em harmonia com o próprio nível de maturidade, o que envolve o estabelecimento de novos relacionamentos, portanto, reinvestimentos. Fatores internos e externos afetam a capacidade que uma pessoa possa ter para completar o processo do luto, em qualquer idade; envolve o amadurecimento emocional, a capacidade de tolerar afetos penosos, autonomia da regulação da autoestima, grau de dependência no objeto perdido e as circunstancias da perda. Na infância, a elaboração do luto depende de fatores evolutivos que incluem o nível de constância objetal e do self, a capacidade de apreender os aspectos concretos da morte, a tolerância quanto aos afetos penosos e relacionamentos de apoio dos pais. Apesar de todo o desenvolvimento do estudo sobre o luto e da melancolia, o processo de luto ainda permanece muito misterioso, segundo Abraham (1924). O que se observa é que este processo também envolve qualidades inconscientes, sem por isso desembocar numa melancolia. A experiência clínica, desde a época clássica freudiana até os dias atuais, mostra que a perda de uma pessoa amada pode fazer emergir outros tipos de perturbações psíquicas, ampliando os conhecidos destinos do luto, ou da melancolia. 19 5. Teoria do Apego: laços afetivos, formação e rupturas A perda da pessoa amada com a qual são mantidos vínculos afetivos representa muita dor e ameaça. Quando alguém morre, de acordo com a “Teoria do Apego”, o individuo é remetido a sensações básicas experimentadas como quando ainda bebê em face do afastamento da mãe. Possivelmente no enlutado permanece uma ameaça sobre a própria sobrevivência. Surge o medo de não suportar essa ausência, de não sobreviver sem aquele que perdeu e uma vontade consciente ou não de ir com o morto. Esse sentimento pode constituir um desejo de “refazer a díade mãe e bebê”, reproduzindo a essa relação da base segura inicial e primeira na construção de todos os vínculos subsequentes. As questões do “apego” despertaram o interesse de John Bowlby, sobre o desenvolvimento da criança. Em suas vivências e experiências profissionais, Bowlby trabalhou com crianças delinquentes e mal adaptadas. Posteriormente, com o advento da Segunda Guerra Mundial, a propagação dos conflitos, horrores e os eventos que dela decorreram: crianças eram separadas de seus familiares; o resgate de crianças judias evacuadas da Alemanha, Checoslováquia, Polônia e Cidade Livre de Danzig (19383 1939); crianças eram evacuadas de Londres para mantê-las protegidas dos ataques aéreos; grupos de berçários e grupos de crianças pequenas eram organizados, a fim de permitir que essas mães contribuíssem para o esforço da guerra, entre outras vivências, o que reforçou o interesse do autor, pelo desenvolvimento infantil. Os problemas decorrentes da “separação” das crianças eram de interesse de J. Bowlby desde o início de sua carreira. Sua atenção também se voltava para os trabalhos de Anna Freud e Dorothy Burligham sobre os “desabrigados de guerra” e de René Spitz sobre os “órfãos”. Após anos de atividades profissionais, ele havia acumulado um corpo de trabalho teórico e observacional para indicar a importância fundamental do apego desde o nascimento para o desenvolvimento humano. Nascido em Londres, John Bowbly fez o curso de medicina e especializou-se em psiquiatria infantil. Aprofundou seus estudos clínicos sobre os “efeitos da separação mãe e filho” na Clínica Tavistock de Londres, onde foi seu diretor (1950). Realizou a formação de psicanálise no Instituto de Psicanálise de Londres. Dirigiu estudos e pesquisas sobre “crianças privados de lar ou crianças abandonadas”. Na Organização Mundial de Saúde foi nomeado Consultor em Saúde Mental. Viveu a experiência de internato desde os sete anos de idade, a qual, na fase adultaconsiderou uma época terrível de sua vida. Mais tarde teria dito que “eu não mandaria um cão para um internato 20 aos sete anos”. Devido a essa experiência em criança, ele mostrava sensibilidade com o sofrimento das crianças por toda a vida. Partindo de fundamentos psicanalíticos, etológicos e cognitivos, para compreensão dos vínculos humanos, John Bowlby (1950) elaborou a “Teoria do Apego”. Através desses referenciais, ele busca entender a capacidade que as pessoas têm para estabelecer ligações afetivas, colocando a formação de vínculos como centrais para a espécie humana, bem como para a formação da personalidade. Essa proposição teórica se baseia na premissa de que os seres humanos, assim como os animais, apresentam uma inclinação natural para construir e manter vínculo com os outros que, ao longo do tempo, podem se tornar insubstituíveis. O autor procurou demonstrar e especificar quais experiências afetivas são essenciais para a criança desenvolver habilidades, a fim de lidar com os desafios que a vida coloca a cada ser humano. A teoria do apego tornou-se um importante modelo psicológico que, na atualidade, possibilita elucidar tanto o desenvolvimento normal quanto condições psicopatológicas. A dimensão emocional presente nos vínculos de apego constitui, nesse contexto de transformações paulatinas, um componente fundamental de um quadro teórico e prático bem mais extenso e diversificado. Estudos sobre perda e separação são realizados e apoiados na formação e rompimento de vínculos. Isso tem provocado mudanças expressivas em relação à valorização da formação de vínculos. Um olhar diferenciado da medicina, em especial obstetrícia e pediatria, entre outras áreas da saúde, bem como na hospitalização, recai nas bases da teoria do apego. A psicologia foi o campo que mais recebeu contribuições e a psicanálise é o campo que mais faz abordagem associada à teoria do apego. O interesse de Bowlby era descobrir os padrões reais de interação familiar envolvidos no desenvolvimento saudável como no patológico, focando em como as dificuldades de apego eram transmitidas de uma geração à próxima. O sistema de cuidados maternos se inicia no momento do parto, partindo do ponto de vista da etologia, através do contato recíproco entre mãe e bebê. Comportamentos são ativados entre ambos, ela com os comportamentos de cuidados em relação ao recém-nascido, e ele com comportamentos de procurar e manter-se perto da mãe, segundo Canavarro (1999). De acordo com Mary Ainsworth, “a maioria das mães já formou um modo de si próprias na relação com os seus bebês, mesmo antes de estes terem nascido, com base nas suas experiências com outros filhos ou crianças”. A autora prossegue afirmando que “mulheres que apresentam modelos consistentes de relação com os seus filhos, antes 21 deles nascerem, conseguem, posteriormente, estabelecer relação com eles, mesmo com circunstâncias difíceis” (AINSWORTH, apud CANAVARRO, 1999). Apoiado nas ideias de Darwin, considerando os aspectos biológicos da espécie em relação à busca de proximidade do filhote com adulto, Bowlby (1997), assinala a importância do meio. Afirma que “em organismos vivos, estrutura e função só podem desenvolver-se num determinado meio ambiente e que, embora a hereditariedade seja poderosa, a forma exata que cada um adquire dependerá da natureza desse meio ambiente”. De acordo com o autor, um comportamento presente nas primeiras semanas de vida, possui a função de suscitar na mãe o comportamento maternal. Com esse estudo, Bowlby procurou identificar quais as condições internas e externas ao bebê, para possibilitar o sorriso, como também, as condições que o levam a finaliza-lo, incluindo sinais visuais e auditivos. Os bebês nascem com uma predisposição a reações que respondem a sinais, segundo Golse (1992), estes “derivados ao mesmo tempo de informações advindas do organismo como a fome, e outras provenientes do meio ambiente como frio e calor”. A autora aponta outros tipos de reações que visam “garantir a proximidade com o individuo, em particular a mãe, que será preferida entre todos”. Para Golse a criança ao nascer estaria pronta para a sucção, dotada de reflexos de enraizamento e comportamentos de reflexos arcaicos que se organizam progressivamente em torno de uma figura materna. Entretanto Bowlby propõe que o “comportamento de apego” é resultado da necessidade inata de aquisição, com uma dupla função: - proteção: segurança trazida por um adulto capaz de defender o bebê vulnerável; - socialização: o apego se desloca da mãe para os mais próximos, nos cursos do ciclo da vida, depois aos estranhos, e após, a grupos cada vez maiores, tornando-se um fato muito importante na estruturação da personalidade da criança. Bowlby em sua Teoria do Apego considerou que o apegamento é um mecanismo básico dos seres humano, cujo papel do “apego” envolve o conhecimento de que uma “figura de apego” está disponível e oferece resposta, proporcionando um sentimento de segurança, o qual é fortificador da relação. O relacionamento da criança com os pais, para o autor, é instaurado por um conjunto de sinais inatos do bebê, que demandam proximidade. Um verdadeiro vínculo afetivo se desenvolve com o passar do tempo, garantido pelas capacidades cognitivas e emocionais da criança, bem como, pela consistência dos cuidados, pela sensibilidade e pela responsabilidade dos cuidadores. Portanto, Bowlby (1989) propõe como um dos pressupostos básicos da sua teoria que 22 “as primeiras relações de apego, estabelecidas na infância, afetam o estilo de apego dos indivíduos ao longo de sua vida”. O sentido básico do “apego”, de acordo com Bowlby (1984), é evidenciado quando o bebê procura e se agarra à pessoa que dele cuida, normalmente – a mãe. O desenvolvimento desse “apego” é descrito como um processo que segue em etapas: 1ª fase - pré-apego: ocorre desde o nascimento até doze semanas, onde o bebê se orienta por sua mãe, seguindo com os olhos; 2ª fase - formação do apego: um período que vai de doze semanas até os seis meses, momento em que o bebê se apega a uma ou mais pessoas do ambiente; 3ª fase – formação do apego: período que se estende dos seis aos vinte e quatro meses, onde a criança chora muito e demonstra sinais de perturbação quando se separa da figura de apego, a mãe; 4ª fase – período que ocorre entre os vinte e cinco meses ou mais, onde a figura materna é vista como independente, e se inicia um relacionamento mais complexo entre a mãe e a criança. Durante todo o ciclo da vida, o “comportamento de apego” está presente de formas e intensidades variadas. Pode ter formas ativas, como procurar ou seguir o cuidador; formas aversivas como chorar; ou ainda aparecer sob a forma e sinais que alertam o cuidador para o interesse e interação da criança, como sorrir, verbalizar de modos diversos, estes observados em bebês, crianças, adolescentes, adultos e na velhice ao buscarem aproximação com outras pessoas. É o padrão desses comportamentos, e não a frequência, que revela algo a cerca da força ou qualidade do apego, segundo Ainsworth (1989). A necessidade de figuras de apego que proporcionem uma base segura não se limita absolutamente às crianças, afirma Bowlby. Porém os padrões de apego desenvolvidos na infância, por meio dos modelos internos de funcionamento, tendem a se manter e reforçar nas interações com outros. Os indivíduos são propensos a se colocar em situações que reforçam os seus modelos precoces de funcionamento internos. Até os três anos de vida, a criança vive o padrão da interação com a mãe, e já com relevância. A intensidade diminui na medida em que os anos passam e os padrões e estabilizam, como resultantes de uma adaptação mútua dos indivíduos darelação, segundo Bowlby (1990). Eventos específicos podem modificar os padrões aparentemente estáveis, como acidentes, doenças ou nascimento de um filho. Se o ambiente familiar permanecer estável em uma dessas situações, os padrões de apego também permanecerão inalterados. Quando o ambiente se tornar instável, os padrões tendem a se modificar. 23 A formação e manutenção dos padrões de Apego sofrem interferência de acordo com a maneira pela qual a mãe se relaciona com o filho e o grau de previsibilidade do ambiente, se estável ou não (separações contínuas, ausências ou intervalos de cuidados). O padrão das relações de vinculação e apego nos adultos ocorre de acordo com o padrão do Apego formado na infância, segundo Bowlby (1990), ocorrendo por meio de atuações nas diversas funções e papeis da vida adulta: na relação do casal, na relação parental, nas relações de trabalho, como também nas relações sociais. A maneira como a pessoa forma e mantém vínculos exerce forte influência no desenvolvimento da personalidade ao longo da vida. A forma como a personalidade se estrutura determina a maneira pela qual a pessoa responde a diversos eventos relacionados à separação, ou não disponibilidade de figuras com quem mantem vínculo afetivo, tais como rejeição, afastamento e perda. Portanto, a qualidade do padrão estabelecido e sua persistência é que determinarão a qualidade dos recursos disponíveis para o enfrentamento e elaboração de perdas ao longo da vida. A Teoria do Apego oferece a base teórica para o estudo e a compreensão dos sentimentos e sintomas frequentemente encontrados na reação à perda, e processo do luto. De acordo com o padrão de apego desenvolvido pela pessoa, é que ela encontrará os recursos para enfrentamento nas situações de perda. O comportamento de apego é investido no outro com “valor de sobrevivência”, e visa manter proximidade com as pessoas cuidadoras, buscando como “base segura” para diminuir os riscos causados pelo abandono. Dessa forma é explicada a necessidade dos enlutados estarem reclusos, em ambientes protegidos e próximos a poucas pessoas, as quais lhe tragam apoio, e um mínimo de previsibilidade no ambiente. O luto dessa forma seria então uma resposta à separação, um refutar diante da perda. O curso normal de um luto segue uma sequência de fases: sentimento de descrença, negação, desamparo, para posteriormente surgir um grau maior de consciência da perda, acompanhado de sentimentos menos devastadores, e posterior momento de re-organização da vida, e, portanto, um concluir do trabalho do luto. O luto deve ser abordado como um processo individual, familiar e social. Em caso de morte de um ente querido, o luto recai sobre todos os membros da família e coloca o enlutado no contexto familiar e social, com um papel diferente a ser desempenhado. A vinculação é o que, essencialmente, determina na pessoa, a possibilidade de rompimento dos vínculos. A crença de que todo o ser humano é essencialmente vincular e que organiza suas percepções e sentimentos buscando a 24 segurança na proximidade do outro como fator de sobrevivência é uma das teses da Teoria do Apego. Assim, supõe-se que o rompimento dos vínculos seja realmente uma situação, compreendida como de risco e que remete às sensações primitivas de medo e desamparo. 6. Os vínculos e a afetividade Ao longo de toda a sua obra, Freud procurou categorizar os afetos em sua essência, natureza e função. Ele não deixou uma teoria dos afetos, porém desde o “Projeto par uma psicologia científica” (1895), lançou luz sobre eles ao pondera respeito do que cunhou como “ação especifica”. Esta se refere à (afetiva) ajuda alheia na medida em que Freud afirma que “um individuo, experiente atenta para o estado (necessidade) da criança”. E segue o autor dizendo que “esta via passa a ter, assim uma função secundária, da mais alta importância de comunicação, e o desamparo inicial do ser humano é a fonte originaria de todos os motivos morais”. Esta ação é fundante do protótipo da ajuda sensório-psíquica da qual, todos necessitam desde o nascimento. E Freud (ob. cit.) postula ainda que “o ser humano é incapaz de por si só a ação específica, ele é auxiliado pelo Outro. A motivação deste só pode ser de impedir a morte que, na ausência de sua intervenção seria inevitável”. Portanto, impedir ou minorar o sofrimento do semelhante. Essa afirmação freudiana contém a pedra fundamental da aquisição ou não, pelo bebê, da noção da qualidade afetiva do objeto e, consequentemente, do que é valioso para si mesmo, isto é, do que seja um valor, segundo Franca (2010). Afirma ainda a autora, perceber que, o “afeto seja ele positivo de amor, ou negativo de ódio, como o movimento psíquico que leva o individuo a afastar-se ou sensibilizar-se com o estado do semelhante”. Esse pressuposto freudiano introduz a crença em um naturalismo ético relativo ao significado do sensório-erótico-psíquico para a compreensão “do como se torna humano” e de seu posterior desenvolvimento. É nessa tríade que a noção “do valioso para si mesmo” encontrará sustento. Freud considerava a possibilidade da existência e instalação da intersubjetividade desde os primórdios da vida pela via da interferência do “objeto externo”, impregnado de sua própria qualidade corpórea afetiva, ou seja, de perceber ou de ajudar o desamparo alheio, evitando sua morte. Todos os pensadores pós-freudianos mantiveram a concepção de que, para o desenvolvimento das emoções, sentimentos e razão, é necessária a vivência intersubjetiva, isto é a experiência interativa das 25 realidades interna-externas entre sujeito e objeto. Quanto mais essa troca for percebida à luz das qualidades afetivas do interno e/ou real, mais será eficaz para a formação afetiva do bebê. As falhas no intercâmbio afetivo primário levam o homem a não estabelecer vínculos estáveis, permanecendo escravo da organização da sua mente inicial regida pela concretude da leitura onipotente e radical dos fatos. O individuo com incapacidade de simbolizar, somente pode lidar com seus vínculos de duas maneiras: passivamente, ficando a mercê dos desejos imediatos (pulsões); ativamente, de forma compulsiva e à mercê das pulsões, atraído pelo “fascínio do poder e do controle”, portanto alienado. Ultrapassando a situação ilusória de simbiose com o objeto também sentido como onipotente, seja ele interno ou real, e sofrer a dor dessa separação. Assim a organização narcísica e suas defesas são estruturadas, favoráveis ou não ao estabelecimento de vínculos genuínos. Freud fala da dor do nascimento, narcísica ou não, situando-a como básica para a formação da identidade e da identificação sexual. Utilizou-se do mito de Édipo e a correspondente dor da castração, que pode ser lida como a perda da onipotência infantil. O bebê, ao nascer, estabelece ligações afetivas com o cuidador sensível e receptivo em interações sociais com ele. A mãe biológica é, normalmente, a principal figura de apego do recém-nascido, porém esse papel pode ser tomado por qualquer um que se comporte compativelmente, ou seja, de uma maneira “maternal” durante esse período. A qualidade do compromisso social é mais influente que a quantidade de tempo despendido. As reações imediatas a sinais de abordagem na interação social ativa com o recém-nascido, na “teoria do apego”, segundo Bowlby (1992) significa o envolvimento de um conjunto de comportamentos. Essa interação social com a criança não impede que o pai ou outras pessoas se tornem as principais figuras de apego da criança, basta que estes sejam provedores da maior parte de cuidados e interações com ela. Alguns bebês direcionam o comportamento de apego (proximidade) para mais de uma figura. Assim que é iniciado o processode discriminação entre os cuidadores, até o segundo ano de vida, cujas figuras são organizadas hierarquicamente, no topo está colocada a principal figura desse apego. O “apego” – na Teoria de Apego – significa um vinculo afetivo ou uma ligação entre um indivíduo e uma figura de apego, comumente um cuidador. Esses laços entre a criança e o cuidador se organizam e se baseiam nas necessidades de segurança e proteção da mesma, os quais fundamentais na infância. Esses vínculos podem ser recíprocos entre dois adultos, mas a teoria propõe que as crianças se apegam instintivamente a quem cuida delas, com a finalidade de sobreviver, 26 incluindo o desenvolvimento físico, social e emocional. Assim, a meta biológica é a sobrevivência e a meta psicológica é a segurança. O vínculo é mantido com uma figura de apego acessível e disponível no conjunto do “sistema comportamental de apego”, cuja ativação desse sistema é feita por medo ou perigo. Este medo é antecipado pela “ansiedade” em ser descartado pela figura do apego. Quando esta figura não esta disponível ou não responde, ocorre a “angústia de separação”. No recém-nascido, a “separação física” pode causar ansiedade e raiva, seguidas de tristeza e desespero, segundo Bowlby (1992). Quando maiores as crianças (3 a 4 anos), a separação física não é mais uma ameaça aos vínculos destas com suas figuras de apego. A partir dessa fase, assim como nos adultos, a segurança é ameaçada a partir de uma ausência prolongada, interrupção na comunicação, indisponibilidade emocional ou sinais de rejeição e abandono. Uma teoria dos afetos foi deixada por Freud (1952), onde afirma que o ser humano é incapaz de “de por si só ocasionar a ação específica, ele é auxiliado pelo Outro”. Segue dizendo que a “motivação deste só pode ser a de impedir a morte, que na ausência de sua intervenção, será inevitável”, e acrescente-se que para impedir ou minorar o sofrimento do semelhante. Eis a pedra fundamental da aquisição ou não, pelo bebê, da noção de qualidade afetiva do objeto, portanto, que seja um valor. O afeto seja ele positivo de amor ou negativo de ódio, se constitui num movimento psíquico que leva o individuo a afetar-se ou sensibilizar-se com o estado do semelhante. Freud considerou a existência e instalação da intersubjetividade desse o início da vida pela via da interferência do “objeto externo”, impregnado de sua própria qualidade corpórea-afetiva, isto é, de perceber ou de ajudar o desamparo alheio, evitando sua morte. As concepções sobre o desenvolvimento das emoções, sentimentos e razão foram mantidas e ampliadas, como necessárias para a vivência da intersubjetividade, ou seja, interativas das realidades interna-externas entre o sujeito e o objeto. Quanto mais essa troca for percebida à luz das qualidades afetivas do objeto interno e/ou real, afirma Franca (2009), mais ela será eficaz para a formação afetiva e simbólica da mente do bebê. A psicanálise é uma “teoria da comunicação”. O funcionamento psíquico, na concepção kleiniana, constitui a expressão dos processos dinâmicos continuamente em operação nas relações, de acordo com a noção de que todo o ser humano é habitado por um mundo interno composto por objetos (pessoas ou partes delas) e relações entre estes. O objeto em sua forma e conteúdo é um composto de elementos resultantes da experiência emocional vivida com essa 27 pessoa, ou partes dela. O “objeto interno” se origina a partir dessa experiência, da qual participam tanto as características próprias do objeto externo, ou seja, a pessoa ou parte dela com quem o sujeito se relaciona quanto os modos pelos quais ele o percebe. O “objeto externo”, segundo Klein, tem uma existência independente de quem o vê e também tem seu núcleo forte na ideia de quem ele é percebido, transformado, deformado pelas experiências emocionais vividas na relação com ele. O amor ou o ódio com que o ego vê os outros são poderosos para fazer com que sejam percebidos de forma mais amorosa, mais compreensiva; mais tolerante; mais bela, ou então, mais odienta; mais malévola; ou mais feia. Esse modo do ego ver toda a sua afetividade, que também é a sua sexualidade, faz presença. Esta em como vê o seu corpo e o corpo do outro, assim como, fala e escuta tonalidades de voz, a proximidade ou a distância que estabelece, etc.. As figurações do ser humano, tal como percebido nesse conjunto de coisas de ser independente e ser para o eu – ser exterior e ser interior -, pode fazer ver só o que é amável e não enxergar defeitos, como no encantamento do apaixonar-se, assim como o dito, “o amor é cego”. A partir dessa concepção, o ser humano é o tempo todo, até mesmo antes do nascimento, um ser de relações: ele tem seu lugar, sua identidade e os sentidos de seus pensamentos e gestos dados pelas relações que estabelece com os outros seres humanos. No mundo externo, as relações com outras pessoas se dão continuamente, e no mundo interno acontecem na fantasia, na imaginação, no devaneio, na reflexão, no sonho. O mundo interno e o mundo externo são interpenetrados de tal modo que é muito difícil, se não impossível, separar um do outro. O processo em que é colocado nos outros os próprios afetos, pensamento e modos de ser, e como são vistos a partir dos elementos que neles são introduzidos, fundidos em suas características próprias foram denominados de “identificação projetiva”, na concepção de Klein. Por outro lado, partes do sujeito são projetadas no outro que fica identificado com essas partes. Dessa maneira o sujeito se espalha no mundo: sem o saber, há um pouco dele em cada coisa que vê ou toca, e assim como todos nós. Há uma incorporação e uma introjeção de objetos do mundo carregados com o que neles são projetados, o que a autora chama de “identificação introjetiva”. Esses intercâmbios, em seus detalhes e vicissitudes, as projeções maciças, impedem de conhecer a realidade independente do objeto, a falta de colorido do mundo, quando o ego se retira dele, as dificuldades de introjetar os objetos e se enriquecer com eles. 28 A partir das concepções kleinianas e do conceito de identificação projetiva, Bion atribui um significado e destaque especial a este mecanismo na comunicação pré-verbal primitiva, mecanismo precursor da atividade de pensar anterior à formação do aparelho de pensar os pensamentos. O autor fala de uma identificação projetiva que envolve elementos vividos como a “coisa em si mesmo”, ou seja, impressões sensoriais e experiências emocionais não transformadas e que não servem para pensar, sonhar ou exercer funções intelectuais. A capacidade de rêverie da mãe favorece o bebê em sua tolerância à frustração, caso contrário há uma intolerância a esta, e a criança evitará a angústia mediante fuga ou tentativa onipotente da realidade intolerável. Esse modelo de relação ao vínculo existente entre mãe e bebê, é descrito por Bion como o objeto no qual o bebê que chora de angústia por temer a morte, pela identificação projetiva, coloca na mãe o terror de morte. O vínculo configura uma estrutura dinâmica, acionada por movimentações psicológicas, expressando a um objeto interno e um objeto externo. Bion, discípulo de Melanie Klein, a partir de suas observações de crianças e adultos em análise descreveu o mundo interno, a dinâmica intensa que constitui a vida intrapsíquica. Este autor privilegiou a observação do psiquismo na relação com outro psiquismo, utilizando o modelo da díade mãe-bebê. Desde o início do desenvolvimento, com o desempenho dos cuidados com o bebê diante das manifestações dele, corporais, não verbais, mas plenamente expressivas de vivências afetivas e de estados interno (fome, sono, frio, etc.) pode atribuir sentidos em relação ao que esta se passando. Isto faz com queseus afetos, seu pensamento e sua linguagem formem seu acervo de experiências e conhecimento – seu psiquismo. O modo como a mãe interpreta o que se passa com seu bebê, dependerá de seu estado emocional, sua história de vida, da cultura de que faz parte, do conhecimento que tem acesso. A partir desse universo simbólico que a constitui é que nomeará os estados emocionais do bebê, e ao fazê-lo, transforma-os. É na interação continua entre o bebê e a mãe, assim como com seus outros significativos, que ele poderá vir a reconhecer seus diferentes estados internos. Terá a possibilidade de nomeá-los e empatizar, identificar-se também com os outros, podendo vir a compreender e mencionar o que se passa com eles. O mundo passa a ser intersubjetivo. Na relação mãe-bebê está a gênese de todas as relações humanas. O bebê desde o início da vida projeta vivências boas e ruins, de prazer e desprazer, nos objetos à sua volta, particularmente nas partes com que vai ganhando intimidade com o corpo da mãe, e os vê coloridos pelos afetos que neles projetou. Mas o bebê também é objeto 29 das projeções dos outros à sua volta, com os quais é identificado: as fantasias conscientes e inconscientes dos pais, irmãos, avós, as expectativas nele projetadas, participam na construção de quem é o bebê, em seus aspectos mais externos e mais internos. O trabalho psíquico do desenvolvimento de cada um envolve o trato com todas as projeções, dentro do espaço que o ego tem para se distanciar delas ou a elas aderir, obrigatoriamente. Mário Quintana, poeticamente diz que “A vida são deveres, que nos trouxemos para fazer em casa”. Ao que parece, cada bebê nasce com uma agenda secreta, feita de textos não escritos das fantasias, expectativas e sonhos de seus familiares, ficando a questão para cada um, sobre o quanto está destinado a cumprir esses deveres, tal qual Édipo, que não escapou ao destino designado pelos deuses, a agenda secreta que lhe coube e que cumpriu sem saber. O pensamento psicanalítico inicial das “relações objetais” proposto por Melanie Klein influenciou no pensamento de Bowlby. Entretanto, ele discordou profundamente da crença predominante de que as reações dos recém- nascidos se relacionam com sua “vida de fantasia interna” ao invés de relacionar com “eventos da vida real”. O autor ao escrever o artigo “Cuidado Infantil e o Crescimento do Amor” (1951) apresentou a hipótese de que “o recém-nascido e a criança devem experimentar um relacionamento continuo, intimo e cálido com sua mãe (ou substituta) em que ambos podem encontrar satisfação e prazer”, cuja falta pode acarretar significativas e irreversíveis consequências para a saúde mental. Um vínculo é diferente de uma relação de objeto. Enquanto a relação de objeto indica fundamentalmente as relações intrapsíquicas que se fazem entre os objetos do mundo interno de uma pessoa, ou destes com o ego, o vínculo designa uma união com características duradouras. O vínculo alude a uma forma de ligação entre partes que estão unidas e in-separadas, embora permaneçam claramente delimitadas entre si. “Vínculo”, na concepção de Bion, é “uma estrutura relacional-emocional entre duas ou mais pessoas, ou entre duas ou mais partes separadas de uma mesma pessoa”. O autor estendeu essa conceituação a qualquer função ou órgão que, desde a condição de bebê, esteja encarregado de vincular objetos, sentimentos e ideias uns aos outros. Algumas características são importantes na formação de vínculos, segundo Zimerman (2001), tais como: a formação de elos de ligação constantes e de natureza emocional, interpessoais ou intrapessoais, permanentemente presentes e interativos; são inatos, existem desde sempre como essenciais e inseparáveis do indivíduo; compõem a formação de uma estrutura, ou seja, compõe-se de vários elementos em 30 combinações variáveis, a mudança de um deles certamente influirá no conjunto; permitem vários significados, por isso mesmo, poli (vários) significados (semos);são transformáveis e entendidos por meio da inter-relação continente-conteúdo. O comportamento do apego como um dos conceitos fundamentais da teoria proposta por Bowlby. Refere-se “a ações de uma pessoa para alcançar ou manter com outro indivíduo, claramente identificado e considerado como mais apto para lidar com o mundo”, afirma o autor, que atribui como principal função desse comportamento a biológica, a qual corresponde a uma necessidade de proteção e segurança. A criança constrói um modelo representacional interno de si mesma, dependendo de como foi cuidada, afirma J. Bowlby (1989). Esse modelo internalizado permite à criança mais tarde em sua vida, quando o sentimento é de segurança em relação aos cuidadores, acreditar em si própria, tornar-se independente e explorar sua liberdade. Portanto, cada indivíduo forma um “projeto” interno a partir das primeiras experiências coma as figuras de apego. Essas representações, que tem origem cedo no desenvolvimento, continuarão em uma lenta evolução, sob o domínio tênue das experiências relacionadas ao apego da infância. Essa imagem interna instaurada no início da vida constitui a base de todos os relacionamentos íntimos e futuros. Sua influência aparece desde as primeiras interações com outras pessoas, afora as figuras de apego, e se expressa nos padrões de apego e de vinculação que o individuo apresentará em suas interações interpessoais significativas. A partir da teoria das relações objetais os referenciais psicanalíticos se organizaram em torno dos vínculos de “amor” e “ódio”. Na contemporaneidade a representação das funções e relações de objeto foi acrescida de uma terceira natureza de vínculo, proposta por Bion, o “vínculo do conhecimento”, diretamente ligada à aceitação ou não das verdades, particularmente das penosas, tanto as internas como as externas, e que dizem mais diretamente aos problemas da autoestima dos sujeitos. Ao lado destes vínculos: amor, ódio e conhecimento, um quarto vínculo é proposto por Zimerman (2001), o “vínculo do reconhecimento”, o qual designa a importância do sujeito voltar (re) a conhecer aquilo que preexiste dentro dele, e que segue oculto, de forma recalcada ou negada de alguma forma, ou ainda na forma de “pré-concepções” como propõe Bion (1994) em suas concepções. Este vínculo do reconhecimento é desdobrado pelo autor, em outras formas: - reconhecimento do outro: crescimento mental indispensável para que o sujeito possa desenvolver com as outras pessoas um vínculo no qual reconheça que o outro é autônomo, tem ideias, valores e condutas 31 diferentes das suas, ou seja, o reconhecimento das diferenças; - reconhecimento ao outro: desenvolvimento da capacidade de consideração e gratidão em relação ao outro; - ser reconhecido pelo outro: qualquer relação humana há necessidade de um tipo de um tipo de mutuo reconhecimento, este vital para a manutenção da autoestima e a construção de um definido sentimento de identidade. 7. A criança: relações com a morte e luto na infância O assunto relativo ao luto e à morte é silenciado por parte dos adultos. As pessoas não conseguem falar sobre essa condição na vida – a morte - e enfrentam situações como esta com medo e pavor. Os adultos, com essa percepção sobre a morte, subestimam a capacidade de entendimento e enfrentamento da criança nesse momento de perda, menosprezando seus sentimentos e impedindo-as de participar deste processo, o que pode ser um fator complicador para a elaboração de sua perda. A criança deve ser incluída no processo, pelos adultos, a começar pelo contar objetivamente a notícia do falecimento de um ente querido e até mesmo leva-la para se despedir da pessoa que partiu. Os autores Hoffmann (1993) e Kubler-Ross (1991) apontam que “nasociedade atual, pratica-se um estilo de vida que evita a aproximação e o tema da morte, crendo erradamente que privar e proteger a criança dessa questão contribuirá para o seu conforto psíquico e proteção”. A discussão do papel dos pais no processo de elaboração do luto infantil é imprescindível, uma vez que não há como falar de luto infantil sem incluir a participação dos pais neste processo. Pois este, segundo Reis, “é um processo sofrido se não conseguirmos esclarecer isso com naturalidade e espontaneidade”. O luto é o modo como o sujeito vai lidar diante da situação de perda de um objeto amado, como define Mazorra (2001), “o luto é um processo de reconstrução de reorganização diante da morte; desafio emocional e cognitivo com o qual o sujeito tem de lidar”. E o autor segue afirmando que “esse processo não implica o desligamento total do objeto perdido, tendo em vista que a ligação com o objeto interno permanece e é ressignificada durante o trabalho de luto. É esse trabalho de ressignificação, de transformação da relação com o objeto perdido que permite a elaboração do luto”. A criança estando informada sobre os fatos e esclarecida sobre a perda e morte de uma pessoa querida, levando em conta seus nível cognitivo e capacidade de compreensão, passa pelas mesmas fases de luto que o adulto. O que ela necessita é estar a par dos acontecimentos. A continência e o apoio são extremamente importantes 32 para a criança. A ideia de que a criança precisa ser “protegida” da dor, constitui uma falsa noção. Esconder os fatos que são evidentes é uma das principais razões para que ela manifeste sintomas patológicos. Supor que o processo de luto na criança é rápido e que ela se esquecerá da pessoa perdida é um mito. Estudos realizados com bebês, com vínculos específicos formados, demonstram que a criança se desespera na ausência da mãe, ausência esta sentida como morte. As primeiras reações são de raiva e desespero, com um esforço para recuperar a mãe. A esperança pode diminuir, mas não o desejo, a criança vai se tornando apática, podendo cessar seu desenvolvimento, e muitas vezes, ocorre uma depressão anaclítica, conduzindo à morte. O abalo que pode ocorrer com a criança, num reencontro pode não se restabelecer o vinculo prontamente. Piaget com a sua teoria psicogenética fornece fundamentos teóricos para a compreensão de conceitos ao longo do desenvolvimento cognitivo, além de ressaltar o papel do meio externo como fator fundamental na construção do conhecimento. Bruner (1990), por sua vez, ressalta o papel da psicologia popular, ou seja, o conhecimento popular sobre o desenvolvimento humano, na elaboração dos conceitos. Enquanto o “social” coloca à disposição da criança ferramentas (conteúdos) que auxiliam na tarefa de explicar o mundo, a “evolução cognitiva” leva à percepção da existência de outras pessoas e à colocação de si próprio como indivíduo entre os demais. Para Piaget (1967) o objetivo do desenvolvimento é a socialização do pensamento, sendo a interação com outras pessoas de importância fundamental na construção do conhecimento e constituindo-se numa de suas forças motivacionais. O conceito de morte elaborado pelas crianças é estudado através de pesquisas, as quais relacionam o mesmo com o desenvolvimento cognitivo. As experiências individuais da criança, bem como a cultura, que coloca à sua disposição aspectos formais que representam os eventos da sociedade, segundo Bruner (1990), e, portanto, também o evento da morte, tem sido reconhecido como influência importante na elaboração desse conceito. O autor explica que cada cultura gera a sua própria psicologia popular, constituindo num instrumento que iniciaria as crianças na sua compreensão do seu mundo social. A cultura emerge do senso comum das pessoas ao explicar os acontecimentos do dia-a-dia, passando de uma geração para a outra. A criança urbana, na percepção de Assunção (2005, apud SILVA, 2013), tem muito pouco contato com a morte natural, sendo que as cenas de que tem contato são aquelas que ela vê com maior frequência na televisão, e de uma morte brutal. Essas cenas impactam negativamente, criando uma repugnância por esse fenômeno natural, 33 ao contrário da criança do meio rural que lida muito melhor com a situação de perda. Na natureza há a clara percepção da interação entre vida e morte: o dia morre para nascer a noite; a flor morre para nascer o fruto; a lagarta morre para nascer a borboleta. É assim, as etapas da vida vão morrendo para dar lugar a outras que irão nascendo. As crianças por vivenciarem no seu cotidiano a morte de forma natural, quase não a temem. À vista disso, falar sobre a morte com as crianças de maneira natural e diante de oportunidades que possam surgir, é saudável e oportuno. Quando alguém da familia, ou pessoa bem próxima morre, o importante é não privar a criança de participar dos ritos fúnebres, exceto quando a própria criança se recusa ou escolher não participar desse momento. O que deve ser feito, segundo Assunção, é conversar com ela e explicar o que ocorreu, sendo importante conduzir esta “fala” de maneira menos traumática possível, tornar o mais natural tanto para uma escolha de não participar, como de ir para a despedida. É importante e necessário dizer a verdade para as crianças, de forma que ela possa compreender. Irá ajuda-la a sentir- se apoiada em seu sofrimento, reforçada na confiança nos adultos, que não a obrigam esconder seus sentimentos. Isso lhe assegura um equilíbrio frente às situações de perda durante sua vida adulta. É necessário e útil que a criança perceba que a perda afeta a todos e provoca dor para que possa expressar seus próprios sentimentos. É uma oportunidade para corrigir algumas distorções que o egocentrismo e o pensamento mágico possam trazer. A criança deve perceber que a vida continua, afirma Assunção (2005), como também, que não há necessidade de apagar o amor por aqueles que partiram, nem esquecer as alegrias com eles vivenciadas, isso não acrescentará mais dor ao seu sofrer. Na abordagem sobre a morte, ao falar com as crianças é necessário ter sensibilidade para considerar os sentimentos das mesmas, como também considerar o nível de compreensão de cada uma. A criança, quando confrontada precocemente com a morte, em especial com a morte de um dos pais, ou de um irmão, sente uma dor imensa, e falar dessa morte, afirma Kovács (1992), pode aliviar a criança e facilitar a elaboração do luto, porém ela não viverá no mesmo mundo de antes. Aqueles que ficam não podem apagar essas marcas que a perda deixa na criança, mas não é necessário acrescentar outras igualmente dolorosas. A verdade ocultada perturba o processo de luto da criança, bem como sua relação com o adulto. A criança também quer negar a morte, mas quando os fatos contradizem o que lhe informam, fica completamente perturbada e frustrada, pois ela percebe e sabe que algo aconteceu. A primeira reação 34 diante da perda de uma pessoa amada é a negação, e se o adulto reforça essa atitude, fica muito difícil passar pelas outras fases de elaboração do luto. Os mitos e as histórias infantis auxiliam a criança na compreensão sobre o mundo, pois através da fantasia ela tem maior facilidade de compreensão já que é incapaz de entender respostas realistas. As crianças dão vida a tudo, a todos os elementos do mundo, da natureza e própria vida. Nas histórias infantis há uma identificação da criança com os problemas ou situações dos personagens, o que é fundamental para seu desenvolvimento emocional, auxiliando na lida com a ansiedade que está vivenciando. Ela se concentra mais e aprende a respirar o outro através dos contos e histórias infantis. Na infância, o ego sadio tem a vivência de dominar o dragão, porém não consegue matá-lo. O dragão é o próprioinconsciente da criança. Nas histórias infantis o monstro é congelado, banido para um outro lugar muito distante, ou mesmo morto; mas depois reaparece, pois é indestrutível. O ego apenas apazigua um pouco o inconsciente, abre canais para sua energia, chega a limites com ele para garantir sua sobrevivência. A consciência vai se fortalecendo, estruturando-se mais, ampliando-se, mas não chega a dar conta da totalidade psíquica. Assim como os adultos, os bebês e as crianças também sentem pesar diante de uma perda, afirma Bowlby, e passam por períodos de luto ao perderam alguém importante. Apesar da criança pequena não compreender o conceito de morte como algo irreversível, percebe a perda e sofre com isso, podendo, segundo Aberastury (1992), evidenciar seu sofrimento através dos brinquedos e desenhos, por exemplo, nos quais tem a possibilidade de expressar seus conflitos. A forma como a criança vive e representa internamente o luto, afirma Machado (2006), varia de acordo com a idade, a personalidade e o estágio de desenvolvimento cognitivo e psicossocial da mesma. Ressalta o autor, que os aspectos culturais e religiosos influenciam no processo de luto, bem como, a maneira como as pessoas próximas encaram a morte, o que influenciará diretamente no processo de percepção, pela criança, sobre do luto e da morte. Portanto, como propõe Bowlby (1990), “ao longo do desenvolvimento do pensamento e da forma de abordar o mundo, a criança vai alternado e aperfeiçoando sua concepção de morte”. Para que o processo do luto possa ocorrer, afirma Raimbault (1979), é necessário a introjeção do objeto perdido, que ocorre na forma de lembranças, palavras e atos. O trabalho de des-identificação e des-investimento de energia possibilitará o investimento de energia em outro objeto. Quando ocorrem sentimentos de culpa por se sentir responsável pela morte do outro, a criança não consegue desinvestir como 35 resultado de seus impulsos destrutivos. Assim, poderá surgir o desejo ou a necessidade de se reunir com a pessoa perdida, como forma de reparar os seus erros, ou como necessidade de punição. Sintomas podem se manifestar, tais como: perturbações fisiológicas, dificuldades de alimentação e sono, retorno ao autoerotismo, distúrbios nos relacionamentos sociais. Algumas vezes a criança não consegue realizar a separação e deseja reunir-se com a pessoa perdida, sendo este fato a manifestação de micro suicídios, de acordo com a afirmação de Aberastury (1978), pois constituem pequenos atos autodestrutivos, tais como acidentes, quedas, machucados, que podem passar despercebidos. Para as pessoas que perderam alguém, a perda é permanente, afirma Winnicott (2005). E, segue dizendo que, “a perda é permanente mesmo quando existe uma recuperação e quando ressurge um sentido da vivacidade da pessoa morta, o que nos permitiria dizer que o período de luto está terminado, exceto talvez nos aniversários, ou quando alguma coisa lembra a pessoa de que subitamente não existe mais oportunidade de compartilhar”. Parece fácil subestimar o efeito da perda nas crianças. Afirma o autor, que “as crianças são distrativas e a vida borbulha nelas, quer queiram quer não queiram. Mas a perda de um dos pais, de um amigo, ou de um animal de estimação ou de um brinquedo especial pode roubar todo o sentido da existência, de modo que aquilo que tomamos erroneamente como vida é o inimigo da criança, uma vivacidade que engana a todos menos à criança” (WINNICOTT, 2005). A vivacidade da criança tem um preço, e ela sabe disso. A tristeza e a desesperança subjacente a um tipo de perda, talvez a criança não tenha tempo de pagar, e acaba criando uma falsa personalidade, uma personalidade jocosa e vazia, infinitamente dispersiva. Então, aponta Winnicott que surge “a queixa de que a criança nunca se concentra em nada, ou passa de um relacionamento para outro” e com isso surge uma incapacidade de fazer amigos. O importante é que os adultos com quem convive a criança, não contribuam para o estado desconfortável da mesma, pois estas coisas podem ser muito profundas e difíceis de curar. Deve ser permitido à criança viver tristeza e desesperanças reais, e mesmo ideias autodestrutivas que se relacionam à grave perda que ela sofreu. Quando se percebe a criança infeliz e retraída, o que pode ser feito é acolhê-la e sustentá-la com simpatia, permitir manifestar sua emoção, não empurra-la para um estado de falsa vivacidade e esquecimento sobre o que ocorreu. E assim descreve Winnicott, que “se ficarmos por perto esperando, geralmente seremos recompensados por mudanças reais 36 na criança, que indicam uma tendência natural de recuperar-se da perdoa e do sentimento de culpa que a criança tem mesmo quando, verdadeiramente, não contribui para o trágico acontecimento”. Os pais geralmente ficam em dúvida se devem ou não levar seus filhos a velórios e enterros. A recomendação de especialista é de que a criança participe desse momento, tanto para se despedir quanto para não se sentir excluída na vivência desse momento da perda. Para Kovács “é importante explicar o que está acontecendo e ter um adulto junto o tempo todo”. Quando a criança for maior, os pais podem perguntar se elas querem ir e respeitar a escolha. Outra questão que gera dúvidas quanto a objetos e fotos da pessoa que faleceu. Deve ser respeitada a vontade da familia, onde precisam decidir o que é melhor para todos, mas não é necessário retirar de perto da criança, pois esse contato não é prejudicial e pode até ajudar no processo gradual de luto. Um luto sempre é particular e único, cujas reações variam de acordo com o envolvimento afetivo que a criança tinha com a pessoa que morreu, o tipo de morte que ocorreu se esperada, como no caso de doença, ou súbita, como em acidente ou pessoas cardíacas, o acolhimento familiar e a faixa etária. A criança pequena reconhece a universalidade da morte, sendo capaz de distinguir a diferença entre os seres vivos que morrem e aqueles que não morrem. Num primeiro momento, a criança percebe o luto como ausência, como perda de um objeto amado. Uma criança recém-nascida já é capaz de sentir a diferença entre presença e ausência, segundo estudos realizados. Um bebê pode apresentar um choro forte e constante após uma perda. Segundo Mautoni, “Até os três anos, a criança pode sentir saudade e até demonstrar tristeza e desconforto emocional, porém nem sempre de forma clara. A partir dos três anos, ela se expressa mais e chora mais”. As crianças menores de cinco anos, devido ao animismo infantil, que consiste dar vida a seres inanimados, como o sol e os brinquedos, por exemplo, acaba impossibilitando a compreensão da morte, segundo Nagy (1948). Nesse período a criança entende a diferenciação entre os seres vivos e mortos basicamente pelo padrão de mobilidade: “o que ‘se move’ está vivo, o que ‘não se move’ está morto”. As crianças muito pequenas já tem contato e encontram exemplo de morte ao se depararem, com um passarinho morto, uma formiga, um besouro, etc. e, por estarem imóvel e não reagir lhes provoca curiosidade. Após os seis anos, há uma compreensão maior sobre a morte, mas a criança pensa que somente as pessoas idosas ficam doentes e morrem. A criança entre cinco e nove anos já entende a morte como “irreversível, mas não como inevitável”, segundo Franco. Acima de nove anos, a criança 37 já entende a morte como inevitável e universal, compreendendo, também, que ela mesma está suscetível à morte. A partir dos doze anos em diante é que ocorre o entendimento sobre o conceito de morte com mais complexidade. Entretanto, Bowlby mostra que mesmo crianças pequenas não tem dificuldade de entender a morte como irreversível, apenas dependerá da forma como sues pais lhe falam sobre a morte. O autor aponta que “Se disserema uma criança de menos de 2 anos que o besouro morto ou o pássaro morto não voltarão a viver, e que mais cedo ou mais tarde a morte acontece em todas as criaturas vivas, ela pode não acreditar a princípio, mas provavelmente aceitará a palavra dos pais” (BOWLBY). O luto está associado a uma quebra de vínculo, sentida como desamparo e aflição, segundo Bowlby (1992), podendo desencadear ansiedade de separação e pânico. Para esse autor, a forma da criança viver o luto sofre influência dos padrões de base de relação familiar anteriores e reestruturação do sistema familiar em consequência da perda. A vivência da perda é influenciada de forma, positiva ou negativa, pelo padrão de vinculação que até então havia caraterizado as relações originais familiares e pela força e vigor dessa mesma vinculação. De acordo com Bowlby, “uma inicial fase de protesto e tentativa de recuperar a figura de vinculação perdida é precedida de uma figura do desapego e depressão e, finalmente, uma desvinculação emocional da figura de apego”. Diante da morte, as reações emocionais e comportamentais da criança tem significado diferente da reação dos adultos. A forma como ela vive o luto e representa internamente a morte varia de acordo com a idade, a personalidade, o estádio de desenvolvimento cognitivo e psicossocial, a intensidade com que ela vive e a proximidade com esta crise, bem como, com aspectos mais gerais como a cultura onde esta inserida, refere Machado (2006) A criança reagirá diante da morte, dependendo da maneira como os pais abordarão o tema com ela. Os pais e familiares não devem esconder nem limitar as informações sobre a morte para a criança, pois ela precisa entender que a morte faz parte do curso natural da vida. Toda criança deve ser habituada e preparada para este momento, a fim de ganhar competências necessárias à superação dos sentimentos da perda e do luto. A explicação da morte deve ser feita numa linguagem adequada ao nível cognitivo da criança, através de conceitos concretos e expressões reais. Deve ser dado espaço à criança para que expresse suas duvidas e questões, ajudando a esclarecer o que ela está pensando a respeito do assunto. Os pais, em sua maioria, numa tentativa de “proteger” a criança, utilizam metáforas para a explicação do fato ocorrido. Kubler-Ross (1991) diz que “É igualmente insensato, como aconteceu, dizer 38 que ‘Deus levou Joãozinho para o céu por amar as criancinhas’ a uma menina que perdeu o irmão. Esta menina ao se tornar mulher jamais superou sua mágoa contra Deus, mágoa que degenerou em depressão psicótica quando da perda do seu próprio filho, trinta anos mais tarde”. A palavra “morte” deve ser colocada para a criança, e se o adulto também estiver sofrendo com a perda deve expor sua dor para os filhos e aproveitar para mostrar que é normal ficar triste. “Mamãe não virou estrelinha”, “papai não foi viajar”, e “vovó não está só dormindo”. Quando alguém morre, é preciso dizer a verdade para as crianças, de maneira simples e clara. “Além de confortar e acolher, é preciso explicar que a morte não tem volta e que todos vamos morrer um dia”, explica Kovács (1992). É a partir do diálogo que a criança começa a entender o que é a morte e como lidar com ela. “A literatura mostra que se a criança não for bem acolhida pode vir a ter problemas em seus lutos futuros, além de depressão e ansiedade”. A maioria dos pais pensa que a criança possui uma incapacidade mental para compreender a situação. O adulto muitas vezes não tem uma internalização bem concebida em relação ao conceito de morte e do processo de luto. Dessa maneira, ao deparar-se com a morte, recusa a si mesmo e consequentemente para a criança a aquisição de tal conceito, vindo a ser um complicador para a elaboração do processo de luto e um facilitador para possíveis prejuízos para o desenvolvimento da criança. 8. Adolescência e juventude suas perdas e lutos O ego da criança, com o nascimento, coloca em execução uma difícil tarefa de adaptar-se ao mundo externo e de elaborar o trauma do nascimento. A mãe é que oferece uma primeira versão desse mundo através de seus cuidados e alimentação para que possa viver, e o bebê irá construindo, desde o primeiro momento uma imagem do mundo e de si mesmo. Entretanto, ao defrontar-se com o mundo, o bebê já teve suas experiências intrauterinas que antecipam o que este irá lhe oferecer. A configuração e o preparo para a luta pela vida vai se organizando de acordo com o que a criança trouxe em seus genes, somado às experiências em relação à mãe, as condições em que foi concebido, aceito ou não, as condições em seu mundo no ventre da mãe. O feto ao ser separado de sua mãe pelo nascimento precisa restabelecer o quanto antes, um intenso vínculo com ela, recuperando – ainda que parcialmente – o contato com seu corpo, permanecendo muitas horas junto a ela, sobre seu peito, para adequar-se lentamente, ou pouco a pouco, à separação. Esse contato imediato do bebê 39 junto ao corpo da mãe, após nascer, produzirá algo do calor que o unia junto a ela em seu ventre, e ambos podem recuperar um pouco da intima união que tinham através do cordão umbilical. O trauma do nascimento faz com que o bebê viva um estado de angústia, não só pelas pressões da natureza física inerentes ao parto, mas especialmente devido às modificações do novo ambiente exterior e que lhe impõe novas formas de alimentar-se, de respirar, entre outras. Essa é primeira separação que a criatura humana tem, a separação do corpo da mãe, afirma Rank (1924), e constitui, segundo Freud (1924) a representação da perda mais precoce de outras que se seguem e serão significativas da vida do ser humano. Este momento marca as angústias primitivas que incluem a “perda do amor da mãe”, o “estado de desamparo”, a “separação”, e a decorrência de traumas, precocemente impingido às crianças. Estes ficam impressos sob a forma de vazios, vivências de desamparo e de feridas abertas. O surgimento da dentição faz com que o bebê, com o aparecimento dos primeiros dentinhos, abandone o vínculo oral com a mãe, vínculo esse que o ajudou a superar o trauma do nascimento. As necessidades e urgência de separar-se da mãe envolve a busca pelo interesse sobre as coisas do mundo externo. A criança precisa recorrer a objetos do mundo externo, ao unir os diferentes aspectos da mãe dentro de sua mente, em sua vida afetiva e o mundo externo real, para que possa conviver com as perdas decorrentes desse viver. Os esforços do ego são necessários para elaborar e aceitar essas perdas. Da elaboração desse luto inicial dependerá a normalidade do psiquismo no futuro, quando tiver de suportar novas perdas e aceitar novos objetos. A eclosão dentária, afirma Aberastury, modifica a angústia de preda qualitativa e quantitativamente. O que estava na fantasia de destruição dos objetos, transforma-se – pela ação do juízo de realidade – pois o aparecimento dos dentes é prova de que possui um instrumento capaz de destruir. Os dentes forçam a criança a abandonar o seio e a buscar outros objetos de gratificação, bem como, conduzem a deslocamentos de zona erógena, permitindo compreender as angústias decorrentes. A primeira dentição – dentição de leite – cujo desenvolvimento vai até os cinco anos mais ou menos, indica claramente a união originaria com o seio e o declínio do complexo de Édipo. O aparecimento dos dentes permanentes coincide com a entrada no período de latência, período preparatório à da definição da sexualidade que se dará na puberdade. Por outo lado os terceiros dentes molares, cujo aparecimento varia de acordo com cada sujeito, determinam um período de maturação sexual e afetiva e não se desenvolvem antes da puberdade. 40 O significado do dente e sua função inicial de provocar a ruptura com o seio permitevalorizar e compreender a atitude tão regressiva do adulto. Com o surgimento dos dentes percebe sua capacidade de destruição, enfrentando os efeitos reais de sua destrutividade, ao triturar alimentos, morder os brinquedos, o que simboliza destruir partes de si mesma e da mãe, o que aumenta suas angústias depressivas. O novo enfoque do tratamento odontológico, tomando o homem como unidade, torna compreensível o mundo de significações que condensa - o dente – pois reúne toda a história de desprendimento do vínculo inicial pós-natal com o mundo. Talvez seja compreensível a atitude regressiva do adulto, até mesmo o mais equilibrado, quando precisa enfrentar o tratamento odontológico. O luto pelo seio exige da criança uma elaboração dolorosa, que se desenvolve, impondo um desprendimento. Segundo Melanie Klein, anunciando a posição depressiva, esse desprendimento, como um desapego, culmina com o desmame, em que uma das dores mais agudas é a perda do objeto externo, real – o seio. Ao declinar da organização oral, o bebê dispõe – como no momento de nascer – de impulsos orais, anais e genitais, que o levarão a uma organização genital, segundo Aberastury (1996). Após o desmame, segue-se a frustração genital, pois a criança deve postergar a realização de suas fantasias de união até chegar à maturidade sexual. Os adolescentes são exigidos em seu desenvolvimento tanto pelas modificações corporais incontroláveis como pelos imperativos do mundo externo, e vividos como uma invasão. Como defesa, isso leva a reter muitas de suas conquistas infantis, mesmo que coexista o prazer e a ânsia de alcançar um movo status. Estas mudanças, nas quais perde a sua identidade de criança, implicam na busca de uma identidade que vai se construindo num plano consciente e inconsciente. O mundo interno construído com as imagens paternas será a ponte através da qual escolherá a nova identidade, tendo este mundo o mesmo papel do início do momento de nascer, e ter que se adaptar a ele com maior ou menor felicidade. Um mundo interno bom e boas imagos paternas ajudam a elaborar a crise da adolescência tanto como as condições externas conflitivas. O adolescente tem a possibilidade cognitiva de perceber as características essenciais da morte, como a sua universalidade, sua irreversibilidade, podendo dar respostas lógicas e formais. Esse tema complexo é discutido, com levantamento de hipóteses, porém emocionalmente, muitas vezes se distancia da morte. A adolescência, uma fase de transição, é um período do desenvolvimento em que ocorrem grandes 41 transformações, algumas mais evidentes como as mudanças corporais que se iniciam na puberdade. As manifestações que ocorrem na adolescência, e, portanto, normais nesse período, segundo Aberastury e Knobel (1973), constituem intensas expressões de sentimentos, labilidade emocional e uma exagerada necessidade de autoafirmação, cuja tarefa principal é a aquisição da identidade. Constitui um período de grandes aquisições, desde um corpo altamente potente até a capacidade cognitiva que lhe permita conquistar a ciências, descobrir e inventar coisas novas. A adolescência é um período em que o sujeito está com toda a libido voltada para a construção do mundo, segundo Jung, e assim, há pouco lugar para pensar na morte. Constitui um período de preparação para a vida útil na sociedade, os estudos para o desenvolvimento profissional, o desenvolvimento afetivo e emocional com a demanda de uma busca para a vivência amorosa, a busca de um companheiro, como também constitui um período de grandes empreendimentos. Nesse momento em que a energia vital está voltada para estes aspectos, não existe espaço para imaginar a própria morte. O adolescente personifica em parte o herói, aquele que é imortal, uma suposição de imortalidade que tem seu auge na adolescência, esta presente em todos os seres humanos. O individuo que tem medo da vida, não vive, e na adolescência esta situação é ainda mais forte, porque é causa de todo o investimento energético para a construção de sua identidade e realidade. O adolescente caminha para o auge da vida, em todas as potencialidades corporais e psíquicas, e a morte está distante como possibilidade pessoal, porém é momento de alto risco para que ocorram mortes inesperadas. É na adolescência que ocorre o maior número de suicídios, cuja explicação possa estar no processo de aquisição da identidade, pois é um tempo em que o adolescente, testa e extrapola em muito os seus limites. O herói não conhece o medo nem a derrota, e se sente medo este é escondido, não admitido em público. O adolescente tem que se manter corajoso diante de todos, afirma Kovács (1992), sendo comum a busca de atividades que desenvolvem o limite físico, como as desportivas, muitos das quais trazem em si o perigo da morte. O grande prazer está efetivamente em desafia-la, principalmente em atividades como dirigir carros, motos ou outros meios de transportes, exercidas no limite de velocidade, vivenciando altíssimo risco, por isso mesmo resultando, na maioria dos casos, em morte. O adolescente acredita que a morte só ocorre com o outro, mesmo que seja o amigo mais próximo, sempre fica a dúvida sobre a incompetência do outro, sobressaindo sua onipotência. Por outro lado, muitas vezes na busca da vida, em seu auge, surge a 42 necessidade de elementos facilitadores dessa vivência, sendo o mais comum o uso de drogas, iniciadas nesse período. O que é buscado é a vida com intensidade, com colorido mais acentuado, é o desafio da morte. Entretanto, na busca de uma vida mais intensa pode ocorrer a morte por exagerar na dose, por descuido, por acidente ou assassinato. É na adolescência que o paradoxo vida e morte se torna mais evidente. O adolescente vai se modificando lentamente e nenhuma pressa favorece o trabalho do luto, pois a elaboração de luto exige tempo para ser uma verdadeira elaboração, e não ter características de uma negação maníaca. Esses lutos nessa fase do desenvolvimento - a adolescência -, com sua patologia, a conduta dos pais pode favorecer ou não estas negações. A perda que o adolescente deve aceitar ao fazer o luto pelo corpo é dupla: a de seu corpo de criança, quando os caracteres sexuais secundários o colocam ante a evidência de um novo status; e o aparecimento da menarca na menina e do sêmen no menino, que lhes impõe o testemunho da definição sexual e do papel que terão de assumir não só com o parceiro, mas na procriação. Isso exige o abandono da fantasia do duplo sexo, implícita em todo o ser humano, como consequência de sua bissexualidade básica. “A elaboração do luto conduz à aceitação do papel que a puberdade lhe destina. Durante o trabalho do luto surgem defesas cuja finalidade é negar a perda da infância”, afirma Aberastury (1992). O aparecimento do sêmen e da menstruação costumam ser acompanhados de angústia e estados de despersonificação, de não aceitação que é no próprio corpo que se estão reproduzindo estas mudanças. A prova de realidade do crescimento do seu corpo poderia ser verbalizada assim: “não sou criança, perdi minha condição de criança; os meus pais não são os pais de uma criança, mas os pais de um adulto; eu tenho que comportar-me como um adulto, assim como o meu corpo” (ABRASTURY, 1992). O luto frente ao crescimento implica o ego e o mundo externo, bem como, os desníveis entre o crescimento do corpo e a aceitação psicológica desse fato. Isto parecem ser maiores do que quando o corpo muda rapidamente, incrementando a angústia paranoide de ser invadido. O adolescente padece este longo processo. Entretanto, seus pais têm dificuldades para aceitar o crescimento dele, e em consequência do sentimento de rejeição que experimentam frente à genitalidade e à livre expansão da personalidade.Esta incompreensão e rejeição se encontram, muitas vezes, mascaradas sob a outorgação de uma excessiva liberdade que o adolescente vive como um abandono. Quando a conduta dos pais implica em incompreensão e grandes flutuações polares 43 entre dependência – independência, refúgio na fantasia -, dificulta-se o trabalho de luto, no qual são necessários permanentes anseios e provas de perda e recuperação. Nesse processo ocorrem: defesas, como desvalorização dos objetos para iludir os sentimentos de dor e perda; a busca de figuras substitutivas dos pais, rebeldia frente a estes, e submissão a outras figuras que substituam os pais. O bom desenvolvimento e a aceitação da vida conduzem à aceitação da morte como um fenômeno dentro da evolução, levando a uma maior capacidade de amor, de gozo e de estabilidade das conquistas. Os sentimentos de perda são negados, não existe o cuidado pelo objeto e por si mesmo, o afeto esta negado e a capacidade de gozo diminuída. A elaboração do luto pelo corpo infantil e a perda pela fantasia conduz à identidade sexual adulta, à busca do parceiro e à criatividade. O fracasso na elaboração desses lutos, não conduzirá a verdadeira identidade e a ideologia que lhe permite conseguir este nível de adaptação criativa. 9. A vida adulta: rompimentos, perdas e lutos A consciência de transitoriedade humana arremete, necessariamente, à consciência da morte – a finitude. A presença iminente da própria morte envia à transcendência e à necessidade da compreensão da finalidade existencial humana. Portanto, a finitude se constitui daquele aspecto que dá o tom necessário para tornar a vida não “algo”, mas da oportunidade para “algo”, cabendo ao homem encontrar sentido em cada situação, sob qualquer condição, até mesmo nas mais lastimáveis. Procurar entender a presença da morte na vida é entender a separação amorosa. O luto é a expressão de vínculos estabelecidos entra as pessoas; é um ritual de expressão de sentimentos profundos e íntimos; e constitui um momento necessário para processar a perda e a dor. O medo da morte, muito presente na cultura e no homem, esta associada ao temor da perda do investimento libidinal. Em diferentes fases da vida, e na vida adulta não menos, o temor da morte é constatado, o sujeito desinveste sua libido do mundo. A morte do desejo constitui a grande perda do ser humano. A morte não é conhecida pelo inconsciente humano de forma como é o medo da perda de desejo. No processo de luto “a dor pode ser entendida, como a dor de ter, em certa medida, de ‘desamar’ outros objetos, de ter de abandonar uma posição libidinal e criar uma outra”, segundo Arrais & Viana (2011). Quando a realidade demonstra a superação do objeto amado, a libido precisa ser redirecionada para outros objetos. Constitui, 44 segundo Freud, num processo bastante doloroso que demanda tempo e energia catexial para encontrar seu desfecho, pois o processo de luto estende a existência do objeto perdido por certo tempo. A energia libidinal fica novamente livre quando esse processo se conclui, podendo ser reinvestida. Entretanto, o luto é um processo perpassado pela dor que é consequência da perda real do objeto de grande investimento libidinal. O luto é um afeto que resulta do desligamento ou desinvestimento de certa quantidade de energia, um quantum de afeto que antes era dirigida ao objeto perdido. Assim, independente da natureza do objeto perdido, tal quantidade de energia vai assumir uma expressão subjetiva de luto. O luto é caracterizado como um afeto normal, em diferentes produções freudianas, ou como um estado afetivo. É apontado que ele esta presente na natureza humana, sendo previsível e superado com o passar do tempo. As dores e cicatrizes do processo de luto (normal) são curadas e superadas naturalmente com o tempo sem que sejam necessárias intervenções terapêuticas especificas. As perdas vividas desde a infância e adolescência, na avida adulta parecem evidenciar a condição de desamparo do homem e a morte do desejo pode vir a ser temida quando o sujeito vivencia sucessivamente o trabalho de luto. Freud (1916) ao escrever o texto “Sobre a transitoriedade” diz que “a beleza da forma e da face humana desaparece para sempre no decorrer de nossas próprias vidas”. Sustenta que a transitoriedade das coisas aumente e potencializa o valor das mesmas para o homem. A compreensão da transitoriedade do belo pode levar a um processo de luto antecipatório, que é uma forma de defesa psíquica que compromete o desfrute proporcionado por um objeto. A “exigência de imortalidade” pode ser consequência da consciência da transitoriedade da vida, segundo Freud, e fruto do desejo. Não se refere à ordem da realidade e sim à ordem do desejo. Portanto, a noção de transitoriedade da vida, trata-se de uma concepção profundamente verdadeira e que exerce influência sobre o valor do objeto para o sujeito. O luto é uma reação diante de algo desconhecido, pois não se sabe ao certo a morte. Oliveira & Lopes (2008) apontam que “o luto pode ser definido como um conjunto de reações diante de uma perda, portanto algo a não ser desprezado, e acompanhado, como parte da saúde emocional”. Constitui a reação do individuo diante de algo desconhecido, pois não sabe qual a origem e o destino do homem, de e para onde ele irá depois da morte. Sua angústia pode ser pelo desejo de conhecer o desconhecido que causa tanta dor no enlutado. Quanto maior o investimento afetivo da pessoa, maior é a 45 energia necessária para o desligamento e maior será a dificuldade para que possa se adaptar à perda. Embora a pessoa saiba que depois de uma perda, afirma Freud ao escrever ao amigo Ludwig, tentando consolar a dor do pai que perde seu filho, citado por Bowlby (2004), “o estado agudo de luto abrandará, sabemos também que continuaremos inconsoláveis e não encontraremos nunca um substituto. Não importa o que venha a preencher a lacuna e, mesmo que esta seja totalmente preenchida, ainda assim alguma coisa permanecerá. E na verdade, assim deve ser. É a única maneira de perpetuar aquele amor que não desejamos abandonar”. Após uma perda significativa um estado de luto pode ser um conforto diante de tanta angústia e dor. Mesmo que pessoas próximas queiram suprir a falta daquele que se foi, nunca conseguirá substitui-lo, não poderá preencher o vazio que ficou na vida do enlutado, o qual não será preenchido totalmente, por mais que passe o tempo. O vazio amargo deixado pelo ente querido que se foi sempre permanecera, e aquele que foi e é amado, não voltará mais. O que se coloca para o ego é aprender a assimilar a falta. O enlutado sempre deseja que a relação construída entre ele e o morto ainda exista, como forma de abandonar o vínculo e afetos criados entre eles. Porém o processo de elaboração do luto pode transformar a falta, em uma presença assimilada, como nas palavras de Drummond de Andrade (1987), nestes versos: “Por muito tempo achei que a ausência é falta. / E lastimava ignorante, a falta. / Hoje não a lastimo. / Não há falta na ausência. / A ausência é um estar em mim. / E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços, / que rio e danço e invento exclamações alegres, / porque a ausência, essa ausência assimilada, / ninguém a rouba de mim”. A notícia da morte de uma pessoa querida, assim como nos versos do poeta, desorganiza a subjetividade do indivíduo, pois se trata de um acontecimento muitas vezes inesperado, esvazia uma parte do ego diante da falta do outro. Esse sentido de esvaziamento de si, durante o processo de elaboração do luto, constituem sintomas como ansiedade e estados depressivos. O enlutado, por vezes, pode se sentir culpado e com raiva pela morte do ente querido, assim ressalta Moura(2006): “enlutados sente raiva do ‘causador’ de sua dor, que pode ser a morte propriamente dita, Deus, os médicos que atendiam o falecido, e até mesmo o próprio falecido”. O objeto que é alvo da ira do supereu “foi incluído no eu mediante a identificação”, segundo Freud (1923). O “eu” não protesta contra essa ira, submetendo- se aos castigos infligidos a ele, e o supereu imputa ao “eu” a culpa pela perda do objeto. Essa culpabilidade se transforma em autoacusações e com ela uma expectativa de 46 punição, sendo que o castigo pode ser o pior, porem nunca será absolvido. Assim, essa autoacusação vai se transformando em constantes ataques contra si mesmo, portanto, destacando-se a pulsão de morte. Na melancolia, a ação do supereu se volta hostilmente contra o eu e o que prepondera nele é a pulsão de morte, que tem como característica a compulsão à repetição – repetição de um estado anterior – à destruição, ao retorno ao inorgânico e à recusa de ligação com os objetos. O sentimento de culpa deriva de “uma tensão existente entre o ego e o ideal do ego” segundo Freud (ob. cit.), e afirma ainda que “todo o medo é medo de morte, sendo a morte, para o eu, o abandono da libido narcísica”. Na melancolia, com a perda objetal, acontece um deixar-se abandonar como um objeto externo que se transforma em identificação narcísica. Na melancolia há uma cisão do eu com uma parte se identificando com o objeto perdido e suscitando o retorno do sentimento de ódio para com o objeto. O medo da morte se dá na melancolia entre o próprio eu que se abandona por se sentir perseguido e odiado pelo supereu. Uma face bondosa do supereu é proposta por Freud em seu texto sobre o Humor (1927), o que não acontece na melancolia que apresenta oura face: o sadismo. Dessa forma, a melancolia se apresenta como uma excessiva exigência do supereu, onde não há uma elaboração do eu frente aos conflitos incestuosos e do parricídio. A pulsão de morte tem um caráter essencial de desligamento, de acordo com Green (1988), por meio de um trabalho silencioso e dissimilado, assumindo o que ele classifica como função desobjetalizante, cuja marca é o desinvestimento do objeto dirigindo-se gradativamente ao desinvestimento do eu. O objeto que traumatiza é a fonte de frustração. A pulsão é destrutiva, e de desligamento, nesse caso. A angústia fica evidente com a perda, se instala, e a regressão atinge um nível zero, que é igual a nada, não vida, morte. No final do percurso, como afirma Green, encontra-se a morte. E assinala que “há, portanto, uma articulação necessária a ser encontrada entre o narcisismo e a pulsão de morte da qual Freud não se ocupou e que ele mesmo nos deixou descobrir”. O estabelecimento do conceito de “narcisismo negativo” ou “narcisismo de morte” visa a não existência. Nesse cenário marcado pela ferida narcísica, aponta que o narcisismo negativo busca “a não satisfação do desejo objetal”. O impacto da morte pode trazer outros aspectos que constituam problemas. A falta de um contexto para a expressão dos diversos sentimentos despertados pelo luto, pois a familia como um todo está enlutada, muitas vezes nega a realidade de ter perdido o objeto de amor. “A morte nos remete ao sentimento de impossibilidade de reverter a 47 perda”, de acordo com Moura (2006) que segue dizendo que “reaver o ente querido, nos coloca frente a nossa própria fragilidade e mortalidade e exige do enlutado experienciar uma dor quase insuportável. Talvez por tudo isso a morte seja ainda um tema tabu. Entretanto, negar a ação da morte torna mais difícil a experiência do luto para o familiar que perde o ente querido”. Após ter perdido alguém que é amado muito, se torna muito difícil recomeçar a vida. Experimentar a morte do outro coloca a pessoas à frente da própria mortalidade, pois todos são seres mortais, que passam por fases de vida na quais, em alguns momentos chegam, próximos da própria morte. O indivíduo está sempre à frente de algo que não conhece e devidamente não sabe se conseguira completar todas as fases nas quais pode estar sujeito a viver. O luto para Parkes (op. cit.), “não é um conjunto de sintomas que tem início após uma perda e, depois, gradualmente se desvanece. Envolve uma sucessão de quadros clínicos que mesclam e se substituem”. Depois da morte de um ente querido, os sintomas desenvolvidos pelo indivíduo são apenas resultados de uma combinação de causas passadas, logo se somam com a estressante perda, que resulta no luto. Entretanto, o luto, ressalta o autor “não é um tipo comum de estresse na vida da maioria das pessoas”, e segue afirmando que “as perdas são comuns em nossas vidas (...). Mas o termo luto não é usado para a reação à perda de um guarda-chuva velho. Ele geralmente é reservado para a perda de uma pessoa, em especial, uma pessoa amada”. O luto compreende fase e reações próprias, que além destas outras características se somam, descritas como sintomas que a pessoa pode apresentar, tais como: distúrbios do sono e do apetite; com comportamentos de distração, como quando a pessoas fica pensativa sobre o que ocorreu; isolamento social, pelo impacto da perda; sonhos com a pessoa falecida; procurar ou chamar pelo falecido; agitação e choro excessivo; transportar objetos que lembrem a pessoa perdida; guardar e carregar de objetos que pertenciam ao morto. Além dessas características, autores como Parkes (1998) relatam que muitos sintomas são discutidos, pois “muitas doenças físicas e mentais têm sido atribuídas à experiência de perda”. O autor afirma que, muitos enlutados procuram um médico alguns meses após uma perda de um ente querido, podendo alguns sintomas apontar “muito claramente a importância do luto como causa de doenças mentais”, pois alguns distúrbios mentais são advindos pelo estado de estresse provocado pelo período de luto. As questões de adoecimento após uma perda dependerá como o enlutado reage a esse luto, ou seja, como o indivíduo que perde uma pessoa significativa lida com as 48 frustrações da perda. É importante, nesse processo, a maneira pela qual ele percebe o impacto da perda e como dá sentido a essa dor, certamente é penosa. Ou seja, como esse indivíduo ao perder uma pessoa significativa lida com as frustrações da perda. Melo (2004) afirma que “para além de ser um processo inevitável, todas as pessoas têm que o realizar a fim de se adaptarem à perda, o luto acaba por repercutir nos vários indivíduos que rodeiam o sobrevivente, mesmo aqueles que não conheciam a pessoa falecida e principalmente os membros da familia que passam por um mesmo processo, mas nunca de uma forma igual”. O luto se caracteriza para todos como uma maneira de trazer sofrimento e dor para o enlutado, e cada indivíduo pode vivenciar esse tipo de impacto de ter perdido algo ou alguém, de formas diferentes uns dos outros. O processo de perda segue o autor dizendo que “varia não só de pessoa para pessoa, como também existem diferenças consoante à faixa etária em que o individuo se encontra”. O processo de luto por sua vez, afirma Mendlowicz (2000), “se realiza através do teste de realidade, que ao evidenciar reiteradamente que o objeto não mais existe, exige que a libido se desprenda do objeto perdido”. Quando se trata de morte de um ente querido, é evidente que a familia, num primeiro momento, tenha reações perturbadoras. Ela precisa se desapegar de alguém ou de algo que ama, e trata-se de um processo doloroso, sem data e tempo para passar a angústia criada pelo enlutamento. Por isso mesmo, em muitos casos, o individuo mesmo saudável precisa de ajuda, apoio e tratamento para que consiga superar a perda de um ente querido. Na experiência humana, quando é experimentado o rompimentode um vínculo afetivo, o individuo fica suscetível a diversas expressões físicas e emocionais que fazem parte do processo do luto. Frente a uma situação de rompimento de vínculo, o luto é uma manifestação de estresse emocional considerada normal. As reações físicas, emocionais, comportamentais e sociais que possam surgir diante de um quadro de luto, são resultantes do tipo de vínculo construído. Segundo Parkes (1998), numa experiência de perda afetiva espera-se que a pessoa perdida seja interiorizada, passando integrar as representações mentais do enlutado. Entretanto, muitas vezes esse processo poderá ser mais penoso para o enlutado por lhe faltar base segura e estratégias defensivas apropriadas. O referido autor afirma que “é somente quando ele se prolonga muito e causa dano às funções da vida normal que pode ser considerado um processo patológico”. As pessoas que formaram vínculos ansiosos e ambivalentes com os pais na infância estão mais propensas a formarem vínculos dependentes na vida adulta. Um 49 relacionamento dependente ou ambivalente com o parceiro pode ser fator de risco para o luto complicado, pois irá dificultar o enfrentamento da perda. Estes vínculos dependentes com a outra pessoa se deve, talvez, por necessidade de um amor que sempre desejou e nunca teve na infância. A compreensão de Parkes, é de que “quando tais relacionamentos são interrompidos pelo luto, não chegam a um fim, tornam-se o foco do desejo continuo do enlutado de cuidar e ser cuidado pela pessoa que morreu”. O sistema de vinculação na idade adulta é estrutural e processualmente mais complexo que na infância. Pode ser ativado de três maneiras: ameaça real ao self; ameaça percebida à relação de proximidade coma figura de vinculação; ou outras ameaças que impulsionam a pessoa a procurar os cuidados da figura de vinculação. Adultos com vinculação insegura e ansiosa, com estilo de apego inseguro, ambivalente e evitativo, após o rompimento conjugal, apresentam mais risco, para um nível maior de desajustamento psicológico. Pode estar indicando que o comportamento de apego estará permanentemente ativado em busca de segurança e proteção, o que resulta num processo de luto mais complicado. O rompimento de vínculos é ressaltado por Bromberg (1995), como algo que poderá influenciar na forma de expressão de sofrimento. Em algumas situações de separação amorosa, parece ser difícil se desfazer do que foi vivido com o outro – mesmo que sejam objetos que foram compartilhados, pois a experiência vivida é sentida pelo enlutado como uma perda de uma parte da própria vida sendo jogada fora. A pessoa enlutada parece ter dificuldade de buscar recursos utilizados habitualmente em situações difíceis. Recorre ao aprendizado de novos recursos mais adaptativos àquele tipo de perda. A situação de separação entre os parceiros amorosa, alerta Ducati (2013), pode apontar um risco para o luto complicado, devido ao não reconhecimento da separação como vivencia de luto, embora a relação seja reconhecida socialmente. A mulher lida com a perda do ser amado, assemelhando-se a uma perda de si mesmo, o que impedirá a sustentação do sofrimento. Sentimentos de dor e de luto, bem como o medo e a ansiedade em não conseguir refazer os vínculos, acompanham o momento da separação. No processo de separação há uma “morte psíquica” importante, Nesse processo, varias são as perdas que precisam ser elaboradas, tais como a perda: da conjugalidade, dos ideais; da familia sonhada; dos bens materiais; da identidade, do status, entre ouros. O parceiro amoroso que não tiver validação para expressar sua dor da perda na separação estará sujeito a um sofrimento maior no processo de elaboração da perda, na qual se faz necessária para a reorganização. 50 10. Os pais diante da perda gestacional A mulher passa por profundas transformações durante a gravidez. Deixará de ser a filha para tornar-se mãe, e isso implica em uma revivência da infância e da relação com sua mãe, segundo Slade & Cohen (apud Piccinini et all, 1996). Desde o inicio da gestação, a gestante cria uma relação imaginária com o feto, ao invés de visualizar o embrião, onde vislumbra um “corpo imaginado” desenvolvido, como as atribuições para a completude do ser humano, segundo Aulagnier (1990). Na mente materna, afirma Lebovici (1987), coexistem três bebês: o edípico, que é o bebê da fantasia, resultante da história edípica da mãe e de seus desejos infantis, o mais inconsciente de todos; o imaginário, que constitui o bebê construído durante a gestação, um somatório de sonhos e expectativas, produto do desejo de maternidade da mulher, englobando representações mais conscientes da mãe; e o bebê propriamente dito, que é aquele que os pais segurarão nos braços no dia do nascimento, é, portanto, o bebê real. Quando ocorre do nascimento de um filho com deficiência, isto significa para os pais a perda do bebê edípico e do bebê imaginário, acarretando a necessidade de elaborar o luto pelo bebê real que não corresponde ao bebê esperado, lindo e perfeito. O filho desejado, imaginado, bem como as expectativas construídas no imaginário dos progenitores, é perdida com o estereótipo do bebê idealizado, instaurando uma ferida narcísica. O eu projetado pelos sonhos se desfaz para dar lugar a um ser que precisará ser ressignificado em um novo processo de gestação psíquica no qual os vínculos terão que ser refeitos. Esse filho real e agora existente, afirma Brazelton & Cramer (1992), precisará de uma nova identidade, na qual sejam respeitados seus limites, dando-lhe um novo lugar, com a construção de novas expectativas. A perda gestacional na experiência do feminino, afeta o corpo da mulher com a eliminação das características da gravidez. A morte de um filho antes do nascimento geralmente representa uma grande perda para os pais, especialmente para a mãe, afirma Nazaré (2010), pois é ela que vivencia uma perda que afeta seu corpo, com a extensão da barriga, e a realização de procedimentos médicos. O psiquismo feminino entra numa processo de luto simbólico pelo filho pedido, asseguram Souza & Muza (2011), e os sonhos, esperanças, expectativas e planejamentos que o casal normalmente deposita no nascimento da criança são suspensos. Quando a perda ocorre nas primeiras semanas de gestação, o feto ainda não é um bebê, onde o crescimento da barriga é pouco visualizado, percebe-se que nem sempre o luto realizado pela mulher é socialmente aceito. A elaboração do luto simbólico desse momento, não é incentivada, 51 mas ao contrário, comumente as pessoas tentam silenciar e conter o sofrimento da mulher, desconsiderando o luto materno. Tentam minimizar deste momento, tentando convence-la de que “logo você vai ter outro”. Essas atitudes, segundo Assunção & Tocci (2003), minimizam o suporte social a ser oferecido à mulher que poderia ajuda-la em seu luto. Sabe-se que a gravidez de maneira geral exige da mulher um processo de ajustamento, ao qual ela deve se adaptar. Estas adaptações correspondem tanto às mudanças físicas como modificações corporais, hormonais e metabólicas, quanto às mudanças psicológicas, tais como a aceitação da realidade da gravidez, mudança da imagem do corporal, a simbolização do bebê e o desenvolvimento do vínculo afetivo, dentre outros aspectos, na afirmação de Farias & VilWock (2010). Considerando esses fatores todos, a parada gestacional se torna um fenômeno complexo que afeta a mulher, pois envolve memórias do passado e expectativas para o futuro. A perda de um bebê durante a gestação causa reações diversas e muito sofridas. Neste período gestacional a mulher investe em um processo de construção de representações sobre o filho através da idealização do bebê e sua relação com ele, afirmaSouza & Muza (ob. cit.;). Toda essa construção representacional é interrompida e impedida de se concretizar, quando o óbito fetal é confirmado, resultando em uma dificuldade de aceitação, negação do fato e sofrimento para as mulheres e para a familia. A contínua construção da identidade da mulher grávida, desenvolvida delicadamente durante o período de gravidez, sofre uma brusca interrupção. Assim, rompe-se a possibilidade do exercício da maternidade, surge o sentimento de fracasso, traz uma dor insuportável. A mulher pode sentir-se tal como depositaria de coisas muito temidas na vida das pessoas, tais como: a doença que limita as potencialidades humanas; a loucura que aliena a autonomia enquanto ser humano; a morte como evento irreversível de fechamento do ciclo vital. Surge o sentimento de culpa acompanhado da necessidade psicológica de entender as “causas” da perda do feto, ocorrem nesse momento, pois permanece no campo do desconhecido e do obscuro e fragiliza o mundo psíquico interno, bem como os manejos necessários das demandas do mundo externo, e as exigências do cotidiano. O bebê, ainda no ventre materno, ou durante o parto, não tiver batimentos cardíacos é constatada sua morte. O bebê “natimorto” constitui uma perda dolorosa, pois a mulher fica na maternidade onde o clima festivo predomina, e a experiência para os pais é extremamente traumática, talvez multi-traumática. Muitas vezes os médicos 52 podem estar muito envolvidos e correndo para salvar o bebê sem tempo de informar os pais sobre o que está acontecendo. A mãe vivente e o filho morrente formam um continum biológico, afirma Quayle (1997), pois este é um momento muito doloroso, vivenciado em todos os sentidos com muita angústia pela perda da criança, somada à dor fisiológica do trabalho de parto. Essa vivência complexa implica em uma forma única de elaboração do luto pela morte do bebê. A construção de vínculos afetivos fortes e de recordações de convivência mútua com essa criança fica impossibilitada, de acordo com Videla e Grieco (1993), visto que lembranças não podem ser evocadas posteriormente, e essa ausência de lembranças pode trazer a sensação de que a criança foi alguém que não existiu. A ausência da criança é profundamente sentida, como se fosse retirada parte do corpo. Os pais enlutados devem ser encorajados a olhar a mulher o bebê e tocá-lo se possível, segundo Maldonado (1982), apesar de ser uma experiência extremamente dolorosa, esse momento marcará a realidade da perda. Ideações hipocondríacas, somatizações como forma de angústia sentida pelo corpo, desejo de morrer entre outros sentimentos, segundo Defey (1992), podem mostrar que os pais enlutados imaginem-se doentes, tenham fantasias de suicídio ou sensação de estar enlouquecendo, com dificuldades de separação entre ser – ou ter sido – mãe e/ou pai e o bebê morto entre a doença e a saúde. Muitas mulheres antecipam uma nova gestação como forma de elaboração do luto, bem como uma forma de corresponder à expectativa cultural de continuidade da linhagem familiar do marido. Na fantasia, muitas mulheres se sentem capazes de gerar filhos saudáveis e readquirir a sensação de também serem saudáveis física e emocionalmente. Elaborar a perda de um bebê natimorto é uma questão de saúde, mas também uma questão de adaptação sociocultural. 11. A perda de um filho e o luto dos pais As crenças a respeito da perda de um ente querido serão ativadas e processadas pelo entendimento que o indivíduo tem em relação à morte, ou seja, a reação dependerá do estilo de enfrentamento e dos padrões anteriormente aprendidos e internalizados, interferindo e refletindo, principalmente, na alteração emocional e comportamental, devido aos erros do pensamento, segundo Remor (1999). Na maior parte das crenças sobre a morte revela-se a aceitação do processo de morrer, porém o sofrimento, a angústia e a raiva, principalmente quando a morte é repentina ou por 53 acidente, as pessoas se apegam aos credos e princípios da religião. Estes trazem grande alívio e conforto, influenciando na maneira de pensar e aceitar a morte. Diante disso, os pais quando perde um filho, em especial uma mãe, sentimentos de fracasso, de incapacidade são percebidos por não conseguir prevenir a morte do filho. Diante do fato, surgem sentimentos de culpa, imensa ansiedade e apatia que ocorrem diante da perda. A morte quando ocorre de maneira brusca e repentina, salienta Kovács (1992), tem uma potencialidade de paralização, desorganização, impotência, desesperança, desgraça e desamparo. As implicações frente à morte são inúmeras, na maioria das vezes afetam os pais de forma que os incapacitam na reorganização de suas vidas, tanto no contexto familiar como no social. Os sentimentos de vulnerabilidade e incapacidade diante das dificuldades intrínseca à perda dificultam a aceitação da mesma. Porém é importante que, mesmo diante dessa dor, principalmente se existem outros filhos, que haja um enfrentamento e uma fase de readaptação na tentativa de preencher o vazio que o filho morto deixou. É necessário prosseguir e fazer uma readaptação com os outros filhos que são importantes também na vida desses pais, assim como a perda do irmão foi significativa para ambos. Em geral, as mães tem apego às lembranças e á memoria que elas carregam em relação ao filho, as quais são revividas intensamente, não importando o tempo que possa ter passado. Parece haver uma mumificação da memória materna, como um retornar do filho ao útero materno, para proteção e privacidade de sentimentos tão nobres e delicados. Entretanto, essa mesma mumificação parece que conduz as mães ao desespero e a uma situação insustentável, porém também significa a preservação viva de um vinculo saudável com o filho perdido. Através da maternidade, a mãe incorpora a função de proteger, cuidar e garantir o bem-estar físico, emocional e social do filho. A perda de um filho representa para a ela o fracasso em sua função materna, o que faz com que se sinta roubada em sue papel de proteger e de ser necessária a algo ou alguém. Quando a morte de um filho vem por assassinato, os pais sentem-se responsáveis pelo que aconteceu, por falhar no dever de cuidar. O desejo de justiça se faz indispensável para eles. Quando ocorre a justiça e punição, parece que grande parte deste sentimento desaparece, principalmente porque podem verificar e dizer que os culpados foram punidos, pois a condenação constitui uma forma de diminuir a inevitável culpa que sentem pelo ocorrido. Independente de classe 54 social, tragédias ocorrem, bem como os sentimentos de perda e luto são comum a todo o ser humano, cada um passa de acordo com sua subjetividade e historia de vida. Os pais, além de lidar com o luto, sofrem coma sensação de impotência para exercer seus papeis: a mãe de cuidar do filho, o que fez desde a gravidez; o pai, impossibilitado de prover algo que ajude a familia neste momento de dor. O luto antecipatório pode ser visto como um mecanismo protetor do familiar, entretanto o paciente também o vivencia. Ele envolve uma variação de sentimentos, como angústia, dor, separação, culpa, depressão, tristeza, raiva entre outros. O luto antecipatório, apesar do sofrimento, de alguma maneira prepara o paciente para o desligamento dos laços que tem em vida, segundo Souza (2006). A compreensão das vivencias dos pais que perdem seus filhos de maneira natural, prematura, por doença, ou de forma violenta colabora para um olhar mais compreensivo diante da perda, possibilitando o enfrentamento da morte com dignidade e apoio. Muitas formas de intervenção são necessárias e possíveis, a fim de auxiliar e possibilitar a superação do luto eda dor da perda. A expressão dos sentimentos e um reinvestir em suas próprias vidas e desejos é importante para ultrapassar os momentos difíceis de uma perda. 12. O aborto provocado e o processo de luto No aborto, nem o nascimento e nem a morte convencional aconteceu. Algumas pesquisas apontam para a esterilidade de mulheres com esterilidade decorrente de aborto realizado na adolescência. A reação das pessoas é minimizar a perda e as consequências. A mulher que opta por realizar aborto poderá sofrer um trauma psicológico e não engravidar novamente. A mulher muitas vezes se torna des- esperançosa e como que fadada a enfrentar uma gravidez indesejada, ou não esta em condições de ir adiante, passando por um processo solitário quando se deparam com essa situação. Muitas vezes sem contar com o apoio do parceiro e/ou da familia, recorrem a amigas que também vivenciam a mesma situação. A mulher que não deseja uma gravidez, só vê como saída a prática do aborto. Desde o momento em que a gravidez é confirmada até a tomada da decisão final de interrompê-la, a mulher passa por um período complicado, em que fica extremamente sensível. A falta de educação sexual e a paternidade “irresponsável”, bem como o desconhecimento sobre os métodos de evitar uma gravidez, tem sido apontados por alguns autores como decorrência do abortamento provocado. 55 Ao abortar, mesmo que seja uma decisão da própria mulher, ela vivencia uma perda e, consequentemente um processo de luto. Independente de uma gravidez ser planejada ou não, essa perda tanto para a mulher como para a familia, vem acompanhada do sentimento de culpa. Muitas mulheres, mesmo com perda pela prática abortiva precisa de atenção, pois ela passa pela dor equivalente à causada por outras perdas pessoais. Muitos problemas são identificados nessa situação, e além das questões obstétricas há ainda as questões psíquicas. Entre outras questões cabe ressaltar a alteração da autoestima relacionada com os sentimentos de culpa pelo abortamento; o estresse causado pelo não cumprimento dos ritos religiosos fúnebres do casal, ou da mulher. O processo de abortar leva a mulher a um dilema, pois uma decisão difícil e somente ela pode decidir. Quando uma mulher decide interromper a gravidez, ela encontra-se num conflito em virtude de suas crenças, principio e valores religiosos, os quais contribuem para o aparecimento do sentimento de culpa e surgimento da severidade do superego. Ao decidirem sozinhas, ou junto ao companheiro, ou mesmo dom a familia, as mulheres deixam suas questões para segundo plano, objetivando a resolução imediata de sua situação. Elas veem o aborto como única saída, o que serve para amenizar o sentimento de culpa e as próprias cobranças internas. A dor psíquica de uma perda será suavizada quando ela for falada, vivida, sentida, refletida e elaborada, mas nunca negada. As mulheres que optam pelo processo de aborto, vivenciam uma situação que tem o estigma da sociedade. Elas vivenciam a própria perda e o luto, sozinhas, e muitas vezes tem necessidade de cuidados, se hospitalizam e as famílias não tomam conhecimento da situação. As mulheres que praticam o aborto se sentem fragilizadas, podendo estar desorganizadas, incoerentes, assustadas e paralisadas. Diante de uma mulher em processo de abortamento provocado, a postura deve ser a mesma que mercê uma pessoa enlutada, como: ter disponibilidade para escutar com atenção, pois ela esta sofrendo e não merece julgamento ou ser criticada; no é necessário concordar com o ponto de vista dela, mas acolhê-la; identificar o que se passa e o que diz; manter o silêncio que ela necessitar; fazer com que perceba que esta sendo respeitada, isso a ajudará muito nesse momento difícil. O importante é não mascarar ou fugir do luto porque esse comportamento favorecera o aparecimento de problemas futuros. A pessoa enlutada deve receber o reconhecimento social para a sua dor, caso contrário, 56 poderá temer que seus pensamentos e sentimentos, sejam anormais, o que nem sempre ocorre. A mulher em situação de aborto, segundo Bromberg (2014), vivencia o “luto não autorizado” que se refere às perdas “que não podem ser abertamente apresentadas, socialmente validadas ou publicamente pranteadas”. Esse tipo de luto é dividido em: relacionamentos não reconhecidos – como, por exemplo, os vínculos extraconjugais, relacionamentos homossexuais, ex-cônjuge ou amantes, pais biológicos de crianças adotivas e médicos e enfermeiros que se vincularam ao doente; perdas não reconhecidas – como, por exemplo, mortes perinatais, abortos, devolução de crianças adotadas aos pais biológicos ou instituições, disponibilidade de filhos para adoção, morte de animal de estimação, perda social e psicológica sem morte (um dos parceiros com mal de Alzheimer); enlutado não aceito como tal – podendo citar crianças muito pequenas para estar de luto, ou adultos considerados muito velhos ou com alterações cerebrais, quando a morte ocorre num asilo, num hospital psiquiátrico ou em uma instituição para pessoas com dificuldades de aprendizagem (DOKA, 1989). As pessoas incluídas na classificação do “luto não autorizado”, a manifestação desse luto poderá ser problemática, porque pode este pode ser intensificado por ter sio ignorado ou reprimido; a raiva e a culpa podem surgir e complicar o curso do processo de luto. O enlutado pode ser excluído dos rituais, mas ele fica em falta no aspecto social para poder vivenciar o processo do luto, segundo Parkes. O “luto não autorizado” nas “perdas não reconhecidas”, classificação em que o aborto provocado esta incluído, Bromberg refere que este terá influencia sobre a futura mãe, podendo a mulher não engravidar pelo trauma psicológico sofrido. 13. O luto: processo de elaboração O processo de luto ocorre quando da perda de alguém muito próximo. Desde o inicio dos tempos existe a morte, mas nem sempre teve representações nítidas na mente do ser humano, segundo Kastenbaum e Aisembesrg (1983). Portanto, há necessidade de morrer, pois ajudará a perpetuar a espécie que se nutre da morte de seus indivíduos para se preservar. O processo de luto é instalado para a elaboração de uma perda. Consiste no desligamento da libido a cada uma das lembranças e expectativas relacionadas ao objeto perdido, portanto, constitui um processo lento e penoso. Numa situação dolorosa, no objeto do qual é sentida a falta ou está perdido, ocorre uma catexia concentrada, por não pode ser aquietada – o objeto não existe mais 57 – tende a aumentar, com efeito, sendo assim hipercatexizada. O ego fica absorvido no processo de luto por meio dessa hipercatexia, a sua elaboração ocorre sob a influência do teste, fundamental para a constatação de que esse objeto não existe mais. Freud (1920) descreve o instinto de realidade através dos instintos de autopreservação do ego, o qual não abandona a obtenção de prazer, porém, um adiamento da satisfação, para obtenção de prazer no futuro. O princípio de prazer que está fortemente ligado aos instintos sexuais, em contrapartida, se tornam mais difíceis de domar, buscam um prazer imediato e desde o início pode ser visto como altamente perigoso e ineficaz para a autopreservação do ego. O teste de realidade, portanto, atua para a preservação do ego, solicitando um adiamento da satisfação. A hipercatexia das lembranças vinculares ao objeto absorve o ego, deste modo, obtém uma satisfação imediata, na qual conserva e prolonga-se psiquicamente a existência do objeto perdido, nesse meio tempo, que segundo Freud (1915), esta oposição ocasiona um desvio da realidade e um apego ao objeto perdido. As lembranças e expectativas, cada uma delas isoladas por meio das quais a libido está vinculadaao objeto é evocada e hipercatexiizada, e o teste de realidade exige que toda a libido seja retirada de suas ligações com aquele objeto. Dessa forma o trabalho do luto é concluído quando a realidade prevalece e quando atingido certo grau de catexia, a libido é desligada e o ego se vê livre e desinibido outra vez. A capacidade do indivíduo se relacionar com o mundo externo depende da sua capacidade de distinguir entre percepções internas e percepções externas. O teste de realidade é o meio pelo qual o indivíduo se defronta com cada lembrança do objeto amado e perdido. Dessa forma, envolve o ego numa persuasão narcísica, diante da questão de saber se seguirá o mesmo destino do objeto ou continuará vivo, assim é convencido pelo prazer de estar vivo a desligar do objeto. Essa persuasão narcísica não contém um triunfo acerca do luto, segundo Freud. Para ele o triunfo tem características de mania como uma grande euforia relacionada à economia da libido. Quando não há necessidade de fazer um grande esforço para alcançar uma condição, essa situação promove uma grande euforia, como por exemplo, ganhar dinheiro na loteria, o que não ocorre quando o individuo ganha no trabalho. A euforia não esta presente no trabalho realizado no luto e o ego se vê livre para investir sua libido em outro objeto. Para Melanie Klein, o objeto de amor, assim como os objetos bons da infância, foi introjetado e instalado no mundo interno. Dessa maneira, quando se instala o luto adulto, o indivíduo tem a fantasia inconsciente de que com o objeto perdido todos os 58 seus objetos bons, inclusive seus pais bons internalizados, foram perdidos. Com isso há um predomínio dos objetos maus, reativando a posição depressiva e suas ansiedades derivadas: da culpa, dos sentimentos de preda provindos do desmame, do complexo de Édipo e outras fontes, além de alguns sentimentos de perseguição que também podem ser reativados. Dessa forma, quando ocorre a perda real, em sua fantasia, o indivíduo acredita que seu mundo interno foi destruído. Para essa autora, o processo de luto consiste na restauração do mundo interno, reintrojetando o objeto bom de maneira reestruturá-lo, assim como todos os objetos que acreditou ter perdido, recuperando aquilo que já havia obtido na infância. Numa situação de perda um dos estados mais dolorosos está na constatação real deu ela existiu. Aperceber-se da perda consiste num trabalho de reste de realidade, fundamental para a compreensão e o caminho até a sua elaboração. Para Melanie Klein, o bebê fazia uso contínuo do teste de realidade a fim de testar seu mundo interno por intermédio de sua realidade externa, assim como a mãe má interna tinha como referência a mãe externa, a percepção de que a mãe era o objeto integral e ambivalente do qual continha boas e ruins. Isso trazia uma insegurança e, consequentemente, uma melhor tolerância aos objetos ruins. Assim, através do prolongado teste de realidade é que se explica de certa forma a necessidade de reativar elos com o mundo externo, revivendo assim constantemente a perda, o que constitui de forma ativa na dolorosa reconstrução do mundo interno que está em perigo de desmoronar na mente do indivíduo. Portanto, da mesma maneira que o bebê sofre para reestabelecer e reestruturar seu mundo interno na posição depressiva arcaica, o sujeito enlutado também o faz, segundo Bonfim (2013). A autora postula que dos sentimentos que estão ligados adulto, os mais perigosos são os de ódio contra a pessoa perdida. Esse ódio pode vir à tona por uma sensação de triunfo sobre o morto. No desenvolvimento infantil kleiniano, o triunfo faz parte da posição maníaca. Os desejos de morte infantis contra os pais, irmãos e irãs se veem realizados quando uma pessoa querida morre. Esta sempre é um representante, até certo ponto, das figuras importantes do início da vida da criança, e atrai, portanto alguns dos sentimentos originalmente relacionados a elas. Essa morte, por mais que tenha sido arrasadora por outros motivos, não deixa de ser percebida também como uma vitória. Segundo Klein (1940), isso dá origem à sensação de triunfo, que gera mais culpa ainda, e atrapalha o processo de luto por interferir na crença do indivíduo em seus objetos bons. Quando o ódio é projetado na pessoa amada perdida, esta passa a ser um perseguidor, oque 59 dificulta o processo de idealização. Na tenra infância, quando a mãe boa idealizada trazia grande segurança para a criança contra a mãe má retaliadora, e contra os outros objetos maus, no luto, idealizar o objeto de amor contribui para manter ainda mais temporariamente um mundo interno inseguro por trazer lembranças da pessoa que morreu. A aproximação com a realidade, bem como, essa relação continua com o mundo externo, é necessária para a elaboração do luto e tem como base o simbolismo. O corpo da mãe e o seu conteúdo, no auge do sadismo, se tornam fonte do interesse da criança, pois ela quer toma-lo para si e destruí-lo. Os ataques contra a mãe trazem na criança uma ansiedade persecutória, um medo de que esses ataquem voltem para si, e que no caso do luto adulto, a ansiedade pode ser persecutória, relativa ao triunfo. As ansiedades essas que movimentaram o bebê na procura de equiparação com seus objetos maus, e causam medo com objetos do mundo externo, buscam equipara-los e dota-los de simbolismo. Klein (1930) afirma que “chequei à conclusão de que o simbolismo é o fundamento de toda a sublimação e de todo talento, pois é através da igualdade simbólica que as coisas, as atividades e os interesses tornam o conteúdo de fantasias libidinais”. Assim, fica evidente que a sublimação pode ser relacionada ao trabalho de luto. Da mesma forma que as ansiedades provindas do sadismo fazem com que o olhar do bebê seja desviado da mãe para o mundo externo, o enlutado desvia seus olhar do objeto de amor perdido para o mundo externo. Isso porque de certa maneira, a pessoa perdida é simbolicamente relacionada aos seus objetos bons internalizados, ou seja, seus pais amados. O luto adulto é a reativação da posição depressiva da criança, para Klein (1940), sendo que a diferença da perda de um objeto real e o desmame está no contexto. O bebê é tomado pelo sofrimento, ao perder o seio e toda a sua simbologia de bom e segurança que esse objeto carrega, mesmo estando a lado da mãe, justamente por estar no auge da luta contra o medo de perder tanto a mãe interna quanto a externa e a segurança ainda não foi bem estabelecida em seu mundo interno. Já no luto adulto, o cenário é diferente, pois ocorre a perda real de uma pessoa, entretanto, o fato de ter estabelecido uma mãe “boa” internamente ajuda na superação. Por essa razão, a presença de pessoas amigáveis corrobora e traz um maior conforto numa situação de luto. O trabalho de luto consiste na reintrojeção do objeto bom, portanto, introjetando novamente não somente a pessoa amada, mas também os pais amados que representam seus objetos bons internalizados. 60 Na versão patológica do luto, há desdobramentos. O conceito de melancolia segundo Freud (1915), traz os mesmo sintomas do luto, exceto por uma perturbação na autoestima. O estado de auto depreciação exagerada do melancólico tem caráter mais inconsciente e ideal. O objeto não precisa necessariamente ter morrido, mas apenas ter sido perdido enquanto objeto de amor, como por exemplo um término de relacionamento. A auto desvalia expressa pelo melancólico acontece porque o ego se identifica com o objeto de amor perdido. A libido objetal vinculada a ele se volta para o ego do indivíduo. O superego julga essa libido como se fosse um objeto, o objeto de amor perdido. O enlutado, por essa razão, não sente vergonha ou demonstra se incomodar em expressar seu ódio e recriminações que,apesar de serem ditas de si mesmo, parecem se referir a outra pessoa, ao ser amado que agora esta de certa forma instalado dentro do seu próprio ego. A melancolia é relacionada por Freud, à fase sádico-anal do desenvolvimento, que além, da ideia de incorporação, há também uma fantasia de destruição ao ato de mastigar e morder. O ego tem o ímpeto de sobrevivência, mas na melancolia, há um conflito expresso sintomaticamente como desvalia, causado pelo objeto amado incorporado, que traz um sentimento de abandono ao enlutado. Esse conflito do ego pode ser relacionado diretamente ao conflito da fase oral que traz como sintomas a inapetência, disfunções alimentares, vômitos, e algumas até com caráter suicida. O suicídio só poderia ser praticado para agressão de outro, ainda que outro que se encontra dentro do próprio ego. Melanie Klein (1940) postula que o luto normal consiste na não superação da posição depressiva arcaica, prevalecendo defesas mais regressivas da posição esquizoparanóide, as quais são usadas pelo individuo melancólico. Uma relação agressiva de objeto se estabelece através de defesas mais primitivas que pode ser associada à relação de sadismo que ocorre entre o enlutado e seu objeto de amor na melancolia. Essa autodesvalia dirigida ao ego, de acordo com a identificação feita por Freud (1915), identificada como sendo dirigida, na verdade, a outro alguém do qual se encontra instalado no próprio ego: o objeto de mor perdido. O ódio expresso pelo objeto de amor perdido pode estar associado à relação de amor e ódio que é descrita por Klein (1937), e que estão presentes desde os primeiros anos de vida do bebê. Este ama sua mãe quando ela o alimenta, e a odeia quando ela se ausenta e não atende suas necessidades, o que traz sentimentos agressivos de ódio e desejos destrutivos em relação a ela que é sua fonte de gratificação. 61 A teoria destes autores, Freud e Klein, se concentram no desenvolvimento psicossexual, ambos concordam que os desdobramentos da vida infantil e considerações acerca do Complexo de Édipo podem influenciar na personalidade do indivíduo. Entretanto, ao falar do luto, não há muitas diferenças. Cada um se expressa mediante a forma como introduziram suas teorias, porém o luto e as questões patológicas em relação ao luto, bem como, as vias de elaboração deste, são bastante parecidas, onde são encontradas mais relações do que divergências entre estes autores. A duas teorias entendem que o sujeito enlutado deve voltar ao estado em que se encontrava antes da perda, ou o mais próximo possível, seja com o ego para novos investimentos no mundo externo, seja com o mundo interno harmonioso e bem estabelecido de objetos bons. A perda de algum objeto amado traz, ainda que de forma momentânea, a fragmentação e a desestruturação do sujeito. O luto, portanto, é um processo de reconstrução e reorganização diante de uma perda, um desafio pois, com o qual o sujeito tem que lidar. Em contrapartida, na contemporaneidade, os rituais fúnebres, ou seja, o velório ocorre em local fora, longe da casa do morto e o enterro é providenciado o mais rápido possível, as demonstrações de pesar e as lágrimas são desencorajadas. As expressões tais como: “homem não chora”, “seja forte”, “foi melhor assim”, são fatores de repressão dos próprios sentimentos, principalmente quando se trata de sentimentos expressos pelo sexo masculino. As mulheres enlutadas são encorajadas a “cuidar” daqueles que ficaram, sejam filhos, companheiros, irmãos, genitores, e assim, não podem “chorar” o morte, pois a vida continua e a mulher tem um “papel” fundamental na situação de bem-estar dos familiares vivos. O processo do luto deve ser completado, através de algumas tarefas básicas, a fim de que, a pessoa enlutada possa seguir seu desenvolvimento de forma mais sadia. Essas tarefas, segundo Worden (1998), são: aceitar a realidade da perda; elaborar a dor da perda; ajustar-se a um ambiente onde a pessoa que faleceu esta faltando; reposicionar a pessoa que faleceu, em teremos emocionais, e continuar a vida. freud (1913) afirma que “o luto tem a tarefa física que precisa cumprir: a sua misso é deslocar os desejos e lembranças da pessoa que faleceu”. As etapas do luto precisam ser vivenciadas, como a criança passa por etapas para seu desenvolvimento saudável, a fim de que não ocorram traumas ou danos futuros. 14. Relações amorosas: rupturas, elaborações e lutos 62 As relações amorosas na vida adulta têm como modelo as experiências vivenciadas na infância. O individuo revive não só os amores e cuidados obtidos, mas também o sofrimento e o sentimento de desamparo. Os seres humanos consideram o amor como um dos caminhos a serem percorridos na busca pela felicidade, pois, é uma experiência na qual pode ser obtida a mais intensa experimentação referente a uma transbordante sensação de prazer. A tentativa de encontrar a felicidade através do amor é fracassada, uma vez que, justamente quando o individuo ama é que se acha mais indefeso contra o sofrimento, e além do mais, quando perde o objeto amado ou o seu amor, se sente desesperadamente infeliz. Quando o homem escolhe a vida do amor sexual, enfatiza Freud, ele se torna dependente de parte do mundo externo de uma maneira bastante perigosa, pois, a dependência do objeto amoroso escolhido, pode causar-lhe um sofrimento extremo caso perca o objeto. A psicanálise se dedica à tarefa de ajudar a nascer a face do psiquismo e do simbólico nas relações objetais e intersubjetivas, debruça-se sobre o conhecimento da essência da mente e das operações que a constituem. Freud foi um teórico humanista. Deixou o legado sobre a vida e sobre a morte; sobre Eros que une e um instinto que desfaz conexões, levando o vivo a um estado sem vida – a morte; a multiplicidade do eu; apontou para as conquista de identidade, assim como mostrou o caminho das pedras para enfrentar a desvalia e suas respetivas defesas; mostrou os limites da razão quando ameaçada pelo desamparo, implacavelmente humano, afirma Franca (2009). Falhas no intercambio afetivo primário levam o homem a não estabelecer vínculos estáveis. Permanece escravo da organização de sua mente inicial regida pela concretude e pela leitura radical e onipotente dos fatos. Assim, nessa fase não há lugar para o pensamento simbólico, apenas para o ilusório, limitando o contato do homem com a realidade interna como também com a realidade externa o que o impede de desenvolver instrumentos adequados para lidar com desejos, necessidades e prioridades de seus valores. A condição humana natural de potência se torna debilitada pela carência de reconhecer, principalmente de ser reconhecido pelo outro, ou parceiro. Na incapacidade de simbolizar, segundo Franca, o individuo somente pode lidar com seus vínculos de forma: passiva, ficando à mercê de seus desejos imediatos – as pulsões, das ilusões ou das falsas promessas e do controle dos mais espertos; ativa, esta compulsiva e à mercê das pulsões, atraído pelo “fascínio do poder e do controle” uma vez que os poderes oferecidos pela sua própria natureza - o da inteligência e o do 63 contato íntimo consigo e com o outro – lhes são impedidos pela parca conquista de desenvolvimento afetivo- emocional- intelectual. Torna-se alienado. As escolhas amorosas na vida adulta constituem uma atualização da relação primária com as figuras parentais. Para Freud (1914), a busca pelo objeto de amor e representa uma tentativa do indivíduo recuperar seu narcisismo infantil perdido a fim de retornar à sensação ilusória de onipotência e completude vivenciada em sua relação primitiva com o cuidador. O autor aborda a questão da escolha amorosa na vida adulta através da escolha de um objeto,existindo duas possibilidades de escolha objetal: a escolha do tipo anaclítica ou de ligação, corresponde a um tipo de escolha relacionada aos amores paternos e/ou maternos imaginários, ou seja, relacionada com a mulher alimenta, ao homem que protege e a sequência de substitutos que ocupam o seu lugar; a escolha objetal do tipo narcísica prevalece um narcisismo intensificado, pois com o amadurecimento dos órgãos na puberdade, o narcisismo primário é intensificado. Na vivência a dois, em especial no início do relacionamento amoroso, é comum que as qualidades do parceiro sejam amplificadas, havendo uma crença de que possa modificar as características indesejáveis. A paixão, segundo Rassial (2003), se organiza em articulação com a posição esquizoparanoide, considerando que de início tudo está no outro, e assim, espera-se que possa corrigir o “pequeno defeito” que houver, através do encontro amoroso. A partir de um outro momento, como que num segundo tempo, em decorrência do objeto bom e do objeto mau, em decorrência da posição depressiva, o sujeito deve renunciar à possibilidade de que o outro seja totalmente bom. Por isso mesmo, espera-se no começo, ficar com bom e curar magicamente o intolerável ou inaceitável. Ao perceber que os aspectos bons e maus são indissociáveis, ocorrem comumente momentos que oscilam entre regressão e a imposição e depressão; quer dizer, forçar o par ou o outro a cumprir o pacto e corresponder às fantasias idealizadas do inicio da relação. Os sujeitos procuram, diante de uma crise, nega-la e evitam fazer o confronto com possíveis desilusões. Alguns ideais que estiveram presentes na construção do laço conjugal foram atingidos, e, portanto, tornados vulneráveis. O individuo, quando imerso num estado de apaixonamento, está tomado por um objeto que afirma não poder se privar. O individuo que é fisgado pela paixão, afirma Gori (2004), perde o controle de seus próprios pensamentos e atitudes, fazendo com que, aos seus próprios olhos e aos dos outros, pareça perder o controle de si mesmo. As causas desse drama são desconhecidas. Sofrem as consequências dessa tragédia psíquica ou tentam reduzir os seus danos e destruições. Esse sentimento de abandono 64 não é novo. A sensação terrível de desamparo vivenciada pelos apaixonados que se denominam apaixonados, é uma consequência de uma “paixão imaginaria” da qual o individuo não se recorda. O estado de desamparo do qual o apaixonados e encontra após a separação, deve ser considerado como originário, precedente da paixão amorosa, por isso, “a separação não resulta da paixão, ela a convoca” (GORI,2004). Assim a paixão na vida adulta nasce a partir de uma perda, diz respeito à perda do narcisismo infantil. Freud observa que “o estado de paixão amorosa, como o ressurgimento de um sentimento anteriormente vivido, que, contrariamente àquilo de que testemunha energicamente o interesse, evidentemente não é novo para ele” O casal ao se separar, ambos os cônjuges são atingidos por diferentes emoções de intensidade diversas. Alguns sujeitos, afirma Lemaire (2005), buscam de forma desesperada, manter o modelo fusional presente nas etapas precoces da vida em cada relação amorosa que estabelecem e ficam incapacitados de fazer um trabalho do luto após o rompimento. Vivem a dor de uma ferida narcísica e colocam em questão sua capacidade de ser amado, duvidam de seu próprio valor. A perda das ilusões depositadas no casamento ou no parceiro, o ressentimento e o ódio provocam um desejo de aniquilar o outro. Um casal ao se separar, por se sentirem traídos e humilhados, nutrem sentimentos de vingança, e podem alimentam nos filhos reações de repulsa e ódio contra o outro genitor. Em ações de divórcio ou separação é muito comum um genitor tentar criar obstáculos e tentar destruir os vínculos do(s) filho(s) em relação ao outro genitor, sem a existência de motivos reis que justifiquem para promover uma “alienação parental”. A angústia experimentada pela mulher, afirma Freud (1926), não esta referida à real perda do objeto, mas à perda do amor por parte do objeto. O medo de ser abandonada pelo parceiro e perder seu amor é enfatizado por Ligeiro e Barros (2008), ampliando essa afirmação freudiana, é uma invariável na vida psíquica feminina. Enquanto o homem está submetido à função fálica, asseveram as autoras, nela encontram apoio para atravessar os momentos de angústia, a mulher experimenta uma espécie de dissolução de si, perdendo as delimitações do seu ser. A mulher, diante de um não saber sobre sua própria feminilidade, tentará fazer suplência a essa falta por meio do amor, exclusivamente no desejo do homem. O amor, desta forma, principalmente a perda do amor, é sentido como uma devastação. Ao perder o amor do homem, ela se perde. 65 A necessidade de amor e a total dependência em relação ao amado, segundo Zalcberg (2008) vão se impondo historicamente como constitutivos da identidade feminina. A saída através do “ter” não soluciona a questão do culto ao amor, na medida em que as conquistas fálicas da mulher na atualidade não superam a pendencia identificatória na ordem do “ser”. A mulher precisa ser amada. Sua feminilidade é definida através da parceria com um homem. Sua exigência se torna maior na medida em que abdica de sua própria vida em favor do amado. Para a mulher amar é um vício, portanto, amar demais é enlouquecedor, afirmam Santos e Sartori (2007), pois é uma vicissitude comum na via erótica feminina. Nesse “enlouquecimento”, exige do parceiro “provas de amor” que, por vezes, transcendem os limites. A ruptura de uma relação apoiada na expectativa de evitar o desamparo provoca intensa emoção e uma tentativa de manter o controle sobre o outro, não reconhecido em sua alteridade. Uma agressividade arcaica é vista na irracionalidade vingativa sobre o outro. As contrariedades vividas na relação e após a separação são sentidas como feridas narcísicas, não apenas como diferenças e frustrações existentes em qualquer relação humana. O inimigo que desperta a fúria arcaica, segundo Kohut, é aquele que provoca falhas numa realidade narcisicamente percebida. “Constatar que o outro é independente e está conseguindo gerencias sua vida após a separação é experimentado como ofensivo por aqueles que têm intensas necessidades narcísicas e depositaram no casamento seus anseios fusionais”, afirma Levy (2011). A ruptura de uma relação amorosa demanda um trabalho psíquico. As questões referentes à subjetividade de cada cônjuge precisam ser elaboradas para a travessia do processo de luto. A dificuldade em superar o ressentimento decorrente do termino de uma relação amorosa, principalmente numa relação fusional, confirma novamente a indiferenciação eu/outro e a perda vivida como uma perada de si mesmo. A projeção do ego ideal no outro, como uma tentativa de evitar a angústia de desamparo e recriar o estado de onipotência infantil provoca o aprisionamento do parceiro, que deixa de ser considerado em sua alteridade. A relação se mantem enquanto ambos correspondem ao que deles é esperado e é ameaçada quando a ilusão se rompe. A incapacidade de elaborar a ferida narcísica decorrente do fim da relação dificulta que cada parceiro assuma a sua parte de responsabilidade na história vinham escrevendo em conjunto. A culpabilização do outro faz com que possam viver a dor, cada um assumindo posições extremadas, presos a uma lógica binaria na qual só existe o bom e o mal, o inocente e o culpado, a vítima e o algoz. 66 15. Perdas ambíguas A familia como um sistema dinâmico, na atualidade, ao longo do tempo convive com entradas e saídas de membros em diferentes idades. Esta condição na dinâmica familiar pode gerar uma situação de crise, compreendida, como movimentopara mudança e uma situação de perda. Essas entradas e saídas, normativas ou não normativas ocorrem: no casamento, no divórcio, nas separações, no nascimento e nas mortes, afirma Nascimento e Coelho (2006). Para todas as pessoas, bem como todas as famílias, a perda é um fenômeno universal. Mesmo sendo indefinido ou vago, o luto pode se caracterizar como uma perda ambígua, quando seu processo de elaboração fica impedido pela ausência de uma constatação clara da perda. Os rituais sociais, de acordo com o grupo social, cultural e religioso, ajudam a familia no processo de elaboração do luto, na medida em que normatiza, aceita e acolhe as demonstrações de dor e pesar. Na perda há uma validação da participação em vida e importância no grupo em que viveu, daquele que ente querido que morreu. Essa valorização e acolhimento acontecem através dos rituais sociais, como o velório, o enterro e as celebrações religiosas. Esses rituais de celebração da morte reafirmam o apoio do grupo de pertencimento para a familia enlutada, como por exemplo, o caso das instituições religiosas. Entretanto, na perda ambígua, existe uma perda que não é oficialmente validada e ritualizada. A expressão “perda ambígua” se circunscreve nas relações pessoais, segundo Boss (1998). A autora segue dizendo de que “os psiquiatras escrevem sobre a ambivalência e os sociólogos sobre a permeabilidade dos limites e a confusão dos papeis, mas nenhuma dessas expressões capta o sentido que atribuo à perda ambígua”. Em sua concepção, a autora segue em sua afirmativa de que a posição de ambiguidade frente à perda “pode derivar-se tanto da falta de informação sobre ela, como da percepção conflitiva da familia sobre que membros são considerados como presentes ou ausentes no círculo íntimo”. Na perda ambígua há dois tipos básicos de perda segundo esta autora. No primeiro caso de perda ambígua, não existe a certeza da morte, mas a pessoa não esta presente e as circunstâncias de sua ausência direcionam para tal possibilidade. A pessoa esta ausente fisicamente, porém psicologicamente presente. São os casos de membros da familia que constitui uma perda ambígua, relacionados a membros: sequestrados, desaparecidos, desaparecidos de guerras, desaparecidos políticos, desaparecidos em catástrofes. Na perda ambígua de pessoas no segundo caso, ocorre 67 quando o individuo esta fisicamente presente, no entanto, psicologicamente ou emocionalmente fica ausente, assim como nos casos de: demência ao longo do desenvolvimento, coma, drogadicção, enfermidades crônicas, e transtornos alienantes. A pessoa esta viva e presente como membro da familia, porém não apresenta as características que fizeram se reconhecer como a pessoa que sempre foi, o mesmo ocorrendo com seu papel e função junto à familia. Muitas são as formas de se ausentar psicologicamente da familia, como por exemplo, a pessoa “workolics”, ou “uma pessoa que sofre traumatismo craniano grave e, após permanecer um tempo em como, desperta como uma pessoa diferente” (BOSS,1999). No processo de perda ambígua, não há clareza na definição de quem está fora e de quem esta dentro do sistema familiar. A esse processo, Boss (1988) denominou de “ambiguidade de fronteiras”, pois ela gera sentimentos disfuncionais e estressantes, que impossibilitam a reorganização e o enfrentamento familiar diante dessa perda porque as fronteiras permanecem obscurecidas. A autora descreve que “a ambiguidade vivida pelos familiares é permeada de sentimentos conflituosos, como, por exemplo, temer a morte de um familiar enfermo e ao mesmo tempo desejar que essa situação tenha um fim” (BOSS, 2001, apud SLVA, 2013), Problemas individuais e familiares são causados pela perda ambígua, os quais dificultam a elaboração da mesma. Constitui uma perda das mais estressantes, desorganiza a familia, alterando papeis e gerando nova estrutura de funcionamento em função da perda. Somente quando a perda é compreendida como irrecuperável que as emoções contraditórias provocadas acabam se conciliando. De acordo com Boss “perder” e ainda permanecer ligado a pais e filhos; terminar relacionamentos significativos, divórcios e novos casamentos – todos são eventos comuns nos quais as fronteiras familiares obscurecidas e, muitas vezes, permanecem assim durante as transições inevitáveis da vida. A separação ou o divórcio dos cônjuges provoca uma confusão sobre a ausência e presença de cada um na vida do outro. No início da separação, principalmente, as fronteiras entre cada um dos ex-cônjuges, bem como as fronteiras familiares ainda não estão suficientemente claras. A relação do casal, no divórcio, é alterada e sofre a perda de seu significado pela dissolução do casamento, porém algo continua; cada parte do casal, embora o casamento tenha terminado, continua exercendo o papel de pai ou de mãe, ou de ex-esposo, ou de ex-esposa. O divórcio em si não é a questão analisada, mas a ambiguidade da perda não resolvida que com 68 frequência o acompanha. Pelas dificuldades associadas à ambiguidade, uma perda ocasionada pelo divórcio muitas vezes é mais difícil de resolver do que a viuvez. O aprendizado da convivência com a ambiguidade decorrente do divórcio é necessário o desenvolvimento de novas habilidades. É importante compreender a percepção de quem faz parte e de quem não faz parte da família, se o cônjuge divorciado é ou não é assim percebido. Num segundo momento, a habilidade de abandonar uma definição absoluta e precisa de família. É importante e necessário aumentar a flexibilidade de sua composição nos períodos de transição, em que novos membros possa fazer parte eventual do sistema. As relações, antes caracterizadas pela coabitação, passam também a existir de outras formas, como a guarda e visitas aos filhos, novas relações amorosas dos cônjuges e do suporte fornecido pelos pais/avós. O primeiro casamento deixa completamente de existir, afirma Boss (2001), quando há uma segunda união. Entretanto, não deixará de fazer parte da história de vida de uma pessoa, no sentido de que, mesmo que tenha sido uma experiência boa ou ruim, frequentemente algo mais que a lembrança permanece nas relações seguintes. Numa segunda relação, mesmo com o divórcio, o antigo companheiro ou companheira se encontra muitas vezes presente, principalmente quando há filhos dessa união. A perda ambígua pode causar efeitos dolorosos e dramáticos, mas algumas pessoas se utilizam dessa experiência para aprender a viver nas circunstâncias difíceis que passam pela vida. Muitas vezes a perda ambígua é fundamentada em uma tragédia pessoal, porém não tem que ser necessariamente devastadora. Pode apresentar aspectos positivos, como a criatividade e o amadurecimento, o conhecimento e a aceitação das próprias limitações e fragilidades. As situações de incertezas possibilitam um desenvolvimento pessoal e familiar, podendo haver um aprendizado que conduza as pessoas com maior facilidade a assumirem riscos, ficar mais independentes, ter mais espontaneidade, experimentar uma estabilidade, como também contar mais com as trocas de experiências com outras pessoas. Pessoas há que, procurando equilibrar o que se perdeu com o reconhecimento da dor, buscam na fé as possibilidades oferecidas pela própria vida. O manejo individual e familiar em lidar com a perda ambígua, por certo, deve estar orientado por uma energia e capacidade de recuperação orientada pela questão de resiliência. A resposta ante as questões de como seguir adiante perante uma perda ambígua, dependerá de cada um, entretanto a importância não está nas respostas à 69 pergunta, porém a situação de incerteza remete ao próprio sentido de estar no mundo. Essa questão pode ser ampliada para“a partir da incerteza da perda, lidar-se com o caráter do desamparo, que nos envolve, a todos, na medida em que estamos cotidianamente expostos a um mundo incerto tanto de possibilidade quanto de tragédias”, afirma Boss (2001). A partir dos estudos dessa, verifica-se que vários fatores influenciam o modo como um familia vive uma perda ambígua. É na familia de origem, quando esta tem as primeiras experiências sociais, onde se aprende as primeiras normas, os papeis e rituais, incluindo aqueles associados a perdas. Quanto à perda ambígua, Pauline ressalta outro ponto, afirmando que “perceber o mundo de forma lógica, como sendo um lugar bonito de justo, pode constituir-se num obstáculo para tolerar a perda ambígua. As pessoas que vêm o mundo dessa maneira, creem que recebemos o que merecemos, ou seja, se trabalharmos duro e somos corretos, teremos êxito para sermos felizes” (BOSS, 2001). A “relação” com o ausente tem características distintas de outras relações. O rompimento pode não significar necessariamente uma atitude plena de distanciamento. A memória do morto presente, assim como a perda dará um outro teor ás relações que prosseguem e aos futuros laços com outras pessoas. O padrão relacional do enlutado, sem dúvida altera a experiência de morte do outro. A partir de uma perda clara o luto consiste em uma situação extrema e ambígua, na medida em que inaugura uma relação inédita entre dois mundos. As dificuldades associadas podem ser vistas quando vem somar-se ao luto na forma de ambiguidade. Quando a perda não se concretiza para o individuo e para a familia como ausência real de um corpo a ser levado, surge um imperativos ao processo de luto, já que os dados concretos impedem de ser dito um “adeus”. No processo de luto, um trabalho de elaboração ao longo do tempo é esperado, isso até que o enlutado re-organize sua vida e a familia re-organize seu sistema, diante da perda ambígua. Nessa situação de perda o que ocorre é uma paralização ou um frenético comportamento improdutivo das pessoas e da família, que por vezes atua no luto e outras na esperança. Ainda não existe uma visão integrativa do luto e enlutamento. A noção de “perda ambígua” de Pauline Boss traz uma importante colaboração, na medida em que reúne uma visão sociológica e psicológica. O conceito de luto e de “apego”, na concepção de Bowlby (1990), relacionam certos patrões de luto, bem como, remetem a situações de risco e desamparo. 70 16. A velhice: o viver e o morrer A velhice é uma fase da vida. Os idosos são indivíduos designados assim a partir de critérios socialmente construídos. Segundo Beauvoir (1976), a velhice, assim como a morte, costuma parecer uma realidade distante para o homem. Desta forma, a velhice e a morte ganham um caráter abstrato para o individuo por certo tempo, e “talvez seja (a velhice) dentre todas as realidades, aquela cuja noção puramente abstrata mantém durante maior lapso de tempo” (BAUVOIR, 1976). Muitas pessoas olham para a velhice com preconceito e discriminação. Pensam sobre o que fica bem, ou não fica bem fazer a partir de uma certa idade. Não é o que a pessoa possa ou não fazer, nem a partir de determinados comportamentos, mas o que não fica bem aos olhos de outros, é o desejo que a pessoas tem de participar de determinados tipos de atividades. Os tipos de discriminação imposta ao velho constituem nas pequenas mortes deste, na medida em que ele é enterrado vivo, no sentido de recusar a ele a possibilidade de escolha e participação. O que é determinado pela cultura, é o que as pessoas acabam achando adequado ou inadequado, como o casamento entre pessoas mais velhas. O exemplo esta na condição de que um homem de sessenta anos pode casar com uma jovem de trinta anos, isso é adequado e aceitável, mas uma casar com sessenta anos casar com um jovem de trinta anos é inadequado, é inaceitável. Essa imposição é uma restrição na liberdade do ser humano, atravessado pela cultura. Esses preconceitos estão arraigados dentro de cada indivíduo, que acaba achando julgando certas coisas porque não fora ensinadas a olhar de outras formas. Se o velho tem uma tendência suicida, com tantas restrições e discriminações que possa sofrer, ele poderá fazer uma passagem ao ato – suicidar-se. Quando se pensa sobre o envelhecimento, não há como não abordar as perdas vivenciadas nesse processo. A idade avançada traz consigo a aproximação da morte. A velhice que é vista por muitos como o começo de um fim, aos olhos da pessoa idosa se associa muito mais ao medo da dependência do que da morte. O sujeito que envelhece se torna naturalmente mais vulnerável e se depara com diversas situações de perda. Na velhice as perdas estão relacionadas à morte real de amigos e companheiros, ao corpo, ao fim das relações de trabalho, ao relacionamento social e familiar. A velhice expõe as pessoas a muitas perdas, tanto do ponto de vista físico quanto emocional e social. Estas perdas perpassam a dimensão do físico em sua concretude, como os universos profissional, social e familiar, vivenciadas de forma concomitante muitas vezes. O enfrentamento de sucessivas perdas reais e simbólicas, afirmam Carvalho & 71 Coelho (2006), onde a confrontação de uma perda pode acelerar e potencializar a vivência de outras perdas. A devoção religiosa ou a fé fortalece a aceitação da morte e constitui um recurso amenizador da solidão ou do sofrimento da perda. Na velhice, o objeto perdido, no tocante às perdas orgânicas, pode ser configurado como as perdas: - relações orgânicas: a acuidade visual e auditiva, o vigor físico, a beleza da juventude, extremamente valorizada na cultura ocidental, a memória, a elasticidade e a potência sexual; - relações familiares: mudança de papel na familia, status na vida familiar, perda do par amoroso, perda de amigos; - relações de trabalho: o convívio com colegas de trabalho, a aposentadoria, a redução dos proventos pela aposentadoria. Essas perdas são experimentadas pelo sujeito que envelhece e tem plena consciência das mesmas, as quais desencadeiam o processo de luto nessa fase de desenvolvimento do homem. Portanto, dessa forma a morte esta intensamente presente nas transformações que o envelhecimento impõe ao homem. Essa presença se dá no real como também na esfera do simbólico, culminando com o processo de luto. O luto por sua vez é o resultado de uma perda de objeto, como revela Freud (1914), ao afirmar que “o luto diz respeito à perda de um objeto de investimento pulsional ao dizer que não é necessariamente um ser humano”. Segue o autor dizendo que “a noção de luto como afeto se faz a partir de uma perspectiva descritiva em que se leva em consideração o impacto ou a ressonância emocional que a perda de alguém ou algo querido provocar na vida libidinal”. O luto pode ser entendido assim como o afeto que tem sua expressão provocada pelo impacto da perda de um objeto de investimento libidinal. Freud esclarece que “o luto é caracterizado por uma falta de animo dolorosa, perda de interesse pelo mundo externo, perda da capacidade de amar e limitação de atividades, havendo, portanto, uma inibição egóica” (FREUD, 1915). As pessoas idosas com maiores dificuldades de elaboração da morte, segundo Zimerman (2000), são aquelas que não conseguiram estabelecer um bom relacionamento com as pessoas em vida, surgindo uma reflexão sobre a avaliação dos afetos e sua importância no vir a ser. Pesquisas apontam que morre bem quem viveu bem. A maioria das pessoas mais velhas é vista como muito diminuída em suas capacidades ou em seu potencial. Isso faz com que a pessoa velha se veja assim, incapacitada em todas as áreas de sua vida. Na contemporaneidade, existe uma camada da sociedade que estásaindo por ai, afirma Rosenberg (1992), com “movimentos pró-idosos, leis, sociedades de gerontologia, etc., para defender seus direitos, porque tem sido muito relegada”. 72 Em o “Futuro de uma ilusão”, Freud (1927), assegura que a natureza impõe ao homem a despeito do esforço civilizatório pelos humanos, visando à esquiva e à fuga da fraqueza e do desamparo. A morte argumenta Freud, constitui uma questão obscura para o homem e que não pode ser remediada e vencida. Ela, provavelmente permanecerá um enigma irremediável para sempre. O fenômeno da morte demonstra, portanto, a grande e imponente força da natureza sobre os homens e expõe os limites da condição humana. Há os elementos, que parecem escarnecer de qualquer controle humano; a terra que treme, a água que inunda, as tempestades que arrastam tudo, as doenças com seus micro-organismos, e o penoso enigma da morte, contra o qual remédio algum foi encontrado e provavelmente nunca será. O homem para lidar e suportar a sua impotência diante da morte, com a ansiedade provocada por esse fenômeno, recorre, através de meios psíquicos, a explicações sobrenaturais. O declínio das funções orgânicas advindo com o envelhecimento é negado e evitado com frequência pelos filhos por estar associado à finitude da vida. Os filhos muitas vezes, destaca Salvarezza (2005), se negam aceitar as limitações físicas consequentes do processo de envelhecimento de seus pais da mesma forma que tendem a negar o adoecimento dos mesmos. Características idealizadas de onipotência são investidas nos pais de acordo com os desejos e necessidades dos filhos, por isso a dificuldade em prever e aceitar o declínio físico dos mesmos. A constatação da velhice ou enfermidade dos pais pode levar os filhos a se sentirem tão indefesos como na infância, provocando a vivência de grande ansiedade. Os filhos, segundo o autor, resistem a constatar a velhice de seus pais, e quando algum acontecimento a evidencia, favorece o surgimento de muitas dificuldades e conflitos. O aparente adiamento da velhice pode parecer protelar o confronto com a morte que esta social e culturalmente atrelada à velhice desde a antiguidade. A questão espiritual é uma dimensão humana como outra. É uma necessidade do ser humano reconhecer-se dentro do universo, encontrar uma explicação para a sua própria existência. Na velhice na maioria das pessoas acentua a sua religiosidade e mostram um apego às coisas do divino. Muitas pessoas se abandonam inteiramente dentro de circunstancias de desesperança, enquanto outras buscam encontrar dentro de si mesmas uma força, embora muitas vezes esquecidos pelo resto do mundo familiar e social, sem razão aparente para viver e conseguem se manter bem. Parece haver um retorna às “figuras de apego” e busca de um “amparo”, através do divino. Muitas pessoas, segundo Frankl (1992), acreditam em alguma coisa além de si-mesmas, 73 acreditam que a vida tem sentido, mesmo que ninguém olhe para elas ou percebam que estão vivas. Na fase da terceira idade, que esta situada mais ou menos na época em que o adulto já cumpriu as tarefas básicas de desenvolvimento, tem uma posição social, de trabalho, de familia, cumpriu um período de carreira. Quando os filhos crescem e saem de casa, o casal chega perto da aposentadoria, ou se a mulher não trabalha a casa começa esvaziar, é a fase do envelhecimento, e há grandes mudanças no status econômico. Não há grandes perspectivas de mudança de vida nessa fase, supostamente o individuo fica mais livre para escolher. Entretanto, todos são capazes de mudar e aprender enquanto estiver vivo. O difícil é o contato com a geração seguinte, os pais e os filhos, pois estes ao lidar com os pais mais velhos estão entrando em contato com seu próprio envelhecimento. O contato de pessoas jovens com pessoas de idade é melhor do que o contato com pessoas de meia-idade com os velhos. Por isso o contato dos avós com os netos é sempre melhor, pois os netos não são ameaçados pela velhice. Existe o estereotipo de que o velho é sábio e não tem mais desejos, que está pronto para a morte, ele aceita tudo muito bem. Este é um mito não confirmado, o velho pode mudar, o que ocorre é que ele fica isolado dos amigos, da familia, do social, e com pouca atividade no seu dia a dia. Sua vida é diferente do que já foi, a dinâmica mudou, ele ficou isolado. Muitas pessoas não se aproximam do velho, beijam e abraçam a todos e muitas vezes nem a mão estendem para o velho, não se aproximam fisicamente das pessoas idosas. A história atual das pessoas na velhice é de muito pouco contato com o outro. As pessoas de idade estão vivendo e se sentindo muito mal, em sua grande maioria. Quanto mais a pessoa é capaz de viver a vida de uma maneira integra, mais as fantasias de morte, a sensação de sufoco, as fantasias de fica preso em alguma coisa, de perder a respiração, de entrar em pânico, estas sensações irão desaparecer. São pessoas que quanto mais forem se aproximando de si mesmas, tanto mais serão capazes de enfrentar o envelhecimento e a morte. Quando existe um potencial para viver bem, aprender, a reorganizar a vida nas diferentes fases, desde que nasce até que morrer, existe possibilidade de viver intensamente. Quando o individuo não obedece a esse potencial, quando esmaga dentro de si e permite que atrofie a ele mesmo, tem um sentimento de culpa em relação a ele mesmo e em relação à vida dentro de mesmo. 74 Esse sentimento de culpa se transforma em angústia, esta angústia é a angústia de morte. 17. Familia: relações objetais, vínculos e perdas Perceber mudanças nas relações humanas é vislumbrar a morte em seu curso histórico. A proximidade física no seu ambiente natural sugere uma proximidade física e afetiva no momento de acompanhamento da perda de um ente querido. Em épocas anteriores as pessoas morriam em casa. Hoje com o advento da industrialização, os avanços tecnológicos na medicina, a superespecialização, as mudanças e alterações sociais e culturais não há mais proximidade dom os entes queridos e todas as formas de permanecer com o corpo vivo são realizadas na intenção de manter as funções vitais a qualquer custo. Desde os primórdios a morte é temida, afiram Aires (1977), pois não sabemos como ela é de fato. Muitas tentativas de interpreta-la, mas nenhuma foi forte o suficiente para pensa-la como algo normal e sem sofrimento. Freud (1929) em “O mal estar na civilização” diz que “uma das ameaças do sofrimento humano vem do nosso próprio corpo que está condenado à decadência e à dissolução, e que nem mesmo pode dispensar o sofrimento e a ansiedade como sinais de advertência”. Portanto, a morte entendida como o limite humano é experimentada a partir da angústia que é sentida diante da não significação que ela apresenta em cada indivíduo, pois o que se conhece dela é o que se apresenta no outro. Dai todas as tentativas de poder adiá-la. Muitas são as formas de tentar encobrir a morte, quer seja não falando sobre ela, quer produzindo ferramentas para tentar afasta-la. Mesmo diante de inúmeros instrumentos para impedi-la, a morte ainda desampara. Inúmeras tecnologias podem aumentar o tempo de vida, mas nenhuma impede a morte. Hoje, o hospital reflete um lugar de cura, e paradoxalmente, um melhor lugar para morrer. Os avanços tecnológicos maximizam o tempo de vida, mesmo que o paciente sobreviva apenas por meio de aparelhos. Na maioria dos casos, a familia quer que a pessoa amada viva de qualquer modo, com quaisquer limitações, pois encarar a morte é mais doloroso. Quando o ente querido tem um período de internação, na unidade intensiva, requer uma separação por parte da familia, considerando que as visitas ocorrem em determinado horário.Diante do fato, há evidencias de certa desestabilização emocional dos familiares por estarem privados do cuidado e da atenção ao seu enfermo. O doente, potencial cadáver, como traz Oliveira (2002), passa 75 a ser escondido do mundo, passa a ser solidário e o silencio marca essas mortes, passa a querer ludibriá-la. Há duas maneiras de reagir dolorosamente à perda do ser amado, considera Nasio (1997), ou quando estamos preparados para o seu fim, como os pacientes terminais, ou quando a perda vem de forma súbita e imprevisível. O sentimento doloroso advém da ruptura do laço social estabelecido com o objeto de amor. Quando o objeto falta, há o processo de luto, que é a “reação à perda de uma pessoa amada, ou à perda de abstrações colocadas em seu lugar”, afirma Freud (1917). A ruptura desse laço amoroso provoca uma desestabilização psíquica, causando uma tensão desprazerosa e afetando o princípio do prazer. Este se caracteriza por buscar uma constância, um equilíbrio quando é afetado (FREUD, 1920), o princípio de prazer busca uma descarga, portanto, “os primeiros recursos para conter esse desmoronamento, e que tardam a vir, são o grito e a palavra” (NASIO, 2007). Possibilitar um espaço para a expressão do sujeito é nada mais que possibilita-lo a se organizar psiquicamente. Quando da perda anunciada, o hospital é o melhor lugar onde o sofrimento está escancarado e o grito e o choro são manifestações constantes desse não saber sobre a vida. Quando há um adoecer de uma pessoa, os membros do grupo familiar entram em crise. Instalada além do doente, assume dimensões diferenciadas de acordo com cada configuração familiar. Quando retirado um deles, como no caso do doente necessitar de cuidados na UTI, pois o tempo destinado a hospitalização é indeterminado enquanto que o tempo que os familiares dispõem para o ente querido é limitado. Como dizer ao pai ou à mãe que não pode ficar com seu filho durante o dia? como dizer a uma filha que não poderá ficar com o irmão? Como dizer ao doente que não poderá ficar de mãos com a mãe ou ao lado do pai durante um procedimento doloroso? O doente, assim como, os familiares se encontram fragilizados. Algo é estranho e ameaçador para a família, e por isso é necessário que possa expressar seus medos, dúvidas, anseios, e obter informações sobre o tratamento e as possibilidades do ente querido (em fase terminal) em relação às suas condições de saúde. Muitas vezes o relacionamento fica esmorecido, parece haver um esquecimento da familia que fica angustiada, provavelmente por não querer falar sobre a possível morte, provocado por um não saber real sobre o paciente e a possibilidade de morte. Moretto (2006) define essa angústia como sendo aquilo do qual “não se tem significantes que simbolizem o buraco no real”. A falta de significantes caracteriza a dúvida que surge diante da não certeza da perda, como acrescenta Nasio (2007), “a 76 angústia nasce na incerteza de um perigo temido”, portanto, a angústia é aquilo que o sujeito não se dá conta, aquilo que não consegue expressar nem transformar em linguagem, pois lhe falta representações que possibilite significantizá-las. À medida que a morte se assemelha ao inominável, Mannoni (1995) afirma que “o sujeito fica sem palavras para abordar aquilo que o toca na provação que ele partilha com o enlutado”. Portanto, os familiares trazem suas angústias desencadeadas pela forma abruta do rompimento do laço amoroso familiar, bem como os conflitos psíquicos que nesse momento se encontravam latentes. No caso da família que acompanha alguém doente, em especial um filho, o processo de luto dos pais, segundo Bowlby (1985), inicia-se quando o médico comunica o diagnóstico de doença terminal. Uma espécie de torpor é vivenciada por eles, alternada por explosões de ira direcionada aos profissionais de saúde e, principalmente, ao médico que transmitiu o diagnóstico. Os pais sentem-se confusos e por vezes referem-se à situação como se fosse um sonho ruim do qual irão despertar. Tendem a comportar-se de modo distante até que consigam assimilar a notícia, como se aquilo tudo dissesse respeito a uma outra familia que não a deles. Após o choque, surge a fase da descrença na exatidão do diagnostico e a tentativa de reversão do quadro. Uma busca de informações médicas é iniciada, geralmente com a finalidade de ouvir aquilo que gostariam, ou seja, que seu filho não está gravemente enfermo e não para saber mais sobre o quadro da doença, seu curso e prognóstico. Mecanismos de defesas entram em funcionamento, como o de negação da doença, para então surgir o desejo de que a criança morra em breve a fim de minimizar seu sofrimento emocional e financeiro. Surge o sentimento de culpa pela surpresa desse desejo, o qual gera a mobilização do mecanismo de defesa da formação reativa. A angústia que se instala nos pais, pode ser dirigida à criança através de cuidados excessivos com o objetivo de compensá-la pelo sofrimento. Assim, os pais se tornam superprotetores com relação à criança doente, tentando preservá-la de tudo e de todos que possam vir causar-lhe algum mal. Este comportamento de superproteção pode se estender aos irmãos do paciente, pois quanto maior a necessidade compulsiva de proteger a criança, mais se pode depreender o esforço realizado a fim de se descartar e negar ideias relacionadas à morte. Entretanto em muitos casos os pais negligenciam a casa, o trabalho, os outros filhos, a familia, para concentrar todas as energias na criança adoecida. Muitos acreditam que se tivessem ficado mais atentos aos primeiros sinais da doença, a criança certamente escaparia da morte. No entanto, outros pais, ao 77 perceberem a raiva de seu filho por estar morrendo, sentem-se culpados e deslocam estes sentimentos para outras pessoas, como o cônjuge, os profissionais que tratam da criança entre outras pessoas. Muitos conflitos conjugais decorrem da postura de cada um, das defesas que se arma em relação ao doente e às questões que decorrem na situação, mesmo como transmitir a notícia da doença para a criança. Passado o tempo, e as expectativas se desfazem, os pais passam a admitir a exatidão do diagnostico, iniciam um processo de luto antecipado, com um desengajamento emocional gradativo. Quando a criança vem a óbito, os pais geralmente já estão preparados e até mesmo aliviados. O luto antecipado da familia pode ocorrer, segundo Easson (apud Torres et al, 1999) antes mesmo de o diagnóstico ser transmitido. A comunicação não-verbal entre a criança e seus familiares por vezes acaba antevendo a notícia, pois o diagnóstico apenas fará com que o luto a torne mais aberto e evidente. Os pais podem sentir remorso e um profundo sentimento de amor pela criança, com a aproximação da morte. A negação nesse momento, raramente persiste e a culpa e o alivio permanecem entrelaçados após o falecimento. Quanto mais os pais participarem ativamente dos cuidados com a criança, sentirão menos culpa. O luto terá uma boa evolução dependendo da maneira como os pais se relacionam. Se possuírem a capacidade de confortar um ao outro, mantendo-se unidos e apoiarem-se mutuamente, o luto provavelmente será bem elaborado. Os conflitos que o casal possa ter poderá destruir a família. As perturbações que possam ocorrer entre os irmãos de pacientes terminais resultam muito mais das modificações dos comportamentos dos pais em relação a eles, do que devido aos efeitos da doença e da morte propriamente. O distanciamento dos pais diante dos cuidados com o filho adoecido e as falsas explicações de que “Deus levou o irmão” podem resultar em raiva, medo e recusa do afastamento de casa. Os irmãos da criança doente experimentam sentimentos de culpa e responsabilidade, assegura Tores etal.(1990), provavelmente resultantes do desejo de morte ou de agressividade direcionado ao irmão doente. O rendimento escolar poderá cair, uma das prováveis consequências desde mecanismo. O sentimento de culpa também pode vir a gerar auto agressividade, fazendo com que as crianças passem a achar que merecem morrer. Surge a equivalência entre doença e morte, pois diante de qualquer sintoma, como tosse, cefaleia ou dor de barriga, a criança poderá entre em pânico por achar que vai morrer. 78 As crianças menores de cinco anos, afirmam Lewi & Volkmar (1993), vivenciam a morte do irmão como um afastamento dos pais, consequentemente perda de afeto. A morte para elas pode ser percebida como abandono ou punição, podendo surgir a raiva decorrente do sentimento de abandono, uma vez que os pais estavam engajados com os cuidados do irmão que estava doente. As crianças entre cinco e dez anos se envolve com o irmão enfermo e podem se sentir impotentes diante da situação. Alguns vivenciam a culpa de sobrevivência, podendo surgir sérios sintomas e posteriores distorções da estrutura de caráter. O luto na criança se vincula de maneira mais forte ao luto dos pais de modo que, se estes não tiverem condições de elaboração, os filhos também não o conseguirão, pois além de lidar com a perda do irmão, elas precisam se haver com a perda de seus “pais de antigamente”. 18. Adoecimento e luto antecipatório A familia é um sistema, com papeis definidos, funções e relacionamentos insubstituíveis e que se move através dos tempos, segundo Kovács et al (2008). Os estágios pelos quais ela passa se caracterizam pelo processo de desenvolvimento do ser humano. A familia compreende todo o sistema emocional de três ou mais gerações, de acordo com Carte e McGoldrick (1995), com seus laços de consanguinidade, e que tenham relação estreita de proximidade. As famílias passam por um processo de luto antecipatório diante do adoecimento de um de seus integrantes, sendo percebida a pouca atenção que é oferecida a elas. É comum que se crie um paco de silêncio a respeito da perda de um ente querido dentro da familia, o que ocorre devido ao receio de falar sobre o assunto que pode causar dor ao outro. Diante da morte de uma pessoa amada, o choque é a primeira resposta e será mais intenso se a morte for súbita ou inesperada, afirma Pincus (1989). Esse choque pode se expressas através do colapso físico, violentas explosões ou no entorpecimento, recusa e incapacidade de aceitar que o ente querido morreu. Quando um familiar adoece, o foco de atenção à saúde sempre está no paciente. Porém, a familia sofre com esse sujeito adoecido, sendo importante que receba um suporte enquanto acompanha o familiar doente, e na maioria das vezes com internação hospitalar. A fase do choque pode variar na sua duração e ser caraterizada pelo desespero, raiva, irritabilidade, amargura e isolamento. Segundo Oliveira e Lopes (2008), esses sentimentos podem aparecer através de atitudes emocionais, sendo difícil lidar com os mesmo e com as pessoas que compartilham o luto. Para Bowlby (1990) o torpor e aturdimento constituem 79 a primeira fase, e ocorre logo com a notícia da morte do ente querido, podendo ser interrompida por acessos de consternação e raiva intensa. O processo em que a pessoa percebe e torna real a perda é necessário, como também, respeitar essas reações que são naturais no processo do luto. A pessoa que acompanha o familiar no hospital, muitas vezes em fase terminal é aquele que pode estar vivenciando com mais angústia e sofrimento esse período, logo é o que necessita de acolhimento em todo o processo. Muitas das intensas emoções humanas surgem durante a formação, manutenção, rompimento e renovação de vínculos emocionais, de acordo com Bowlby (1990), os vínculos afetivos e estados subjetivos de forte emoção correm juntos. A separação de entes queridos pode gerar ansiedade e consternação de profundo e prolongado pesar. Esses eventos podem abalar a saúde mental. Muitos problemas que as pessoas passam estão relacionados, em parte a uma separação ou perda recente ou em período anterior no decorrer da vida (BOWLBY, 1990). Para o autor, uma das consequências do rompimento repentino de vínculos, como o divórcio, morte e separação dos pais, principalmente na infância pode ter uma incidência de problemas psiquiátricos muito mais elevados em algumas pessoas do que em outras. O individuo que está doente passa por muitas emoções e pensamentos, como medo do sofrimento, de saber como será sua vida e do que irá lhe acontecer, medo de sentir dor, medo da dependência, pois com avanço da doença pode ficar dependentes e não fazer as coisas que faziam sozinhos antes. É provável que surjam sentimentos de raiva e desanimo frente à situação, choque, negação, aceitação, entre outros, quando o paciente toma conhecimento que está em fase terminal da doença. No inicio não acreditam que pode ser verdade, é uma defesa temporária para ter aceitação parcial posteriormente. Todos os pacientes que entram nesse processo e tem esperança de que tudo não passe de um pesadelo, sentimento importante em todo o processo, pois melhoram o ânimo e se submetem a mais exames no intuito de que seja descoberto algo novo para o tratamento. Moraes (2009) afirma que há a ideia de que o processo de morte é sempre acompanhado de dor e sofrimento insuportável, crença que faz com que, muitas vezes, os amigos e familiares se afastem do ente querido pelo temor do sofrimento e da sensação de impotência. Para o autor, quando os familiares ocultam os seus sentimentos, tentando fingir que nada esta acontecendo, o paciente sente maior 80 dificuldade em expressar suas dúvidas, medos, tristezas e anseios, eles ficam com medo de demonstrar o que sentem e magoar ou preocupar os familiares. O luto antecipatório começa com o diagnóstico confirmado, promovendo angústia e a dor da separação. Os familiares podem ter reações diversas e vivenciar fases que com depressão, raiva, desorganização e reorganização. Constitui uma reação adaptativa que pode possibilitar a antecipação do desligamento afetivo entre o familiar e o paciente, facilitando o luto após a perda real, segundo Osório e Valle (2009). As experiências de preda, com o processo de luto antecipatório, de parentes com uma doença terminal, faz com que o familiar sofra pela falta de convivência com o ente querido, além de trazer a experiência de testemunhar a deterioração física do mesmo, segundo Domingos (2003). A familia de origem e os familiares com os quais a pessoa convive, segundo Bowlby, podem facilitar ou dificultar a forma de expressar o pesar. Nas famílias em que o choro ou outra forma de manifestação de protesto pela separação são classificados como comportamentos infantis e a raiva, sentimento repreensível, é mais difícil de haver demonstrações de sofrimento e perda. A iminência da morte ou de uma doença grave rompe o equilíbrio de qualquer família. Com a ocorrência de doença terminal em um de seus membros, a familia cria um novo foco interno, devido ao individuo doente possuir um sintoma, uma perda de função, as exigências de mudanças, relacionadas a nova doença, nos papeis práticos e afetivo, bem como, o medo da perda através da morte, de acordo com Carter e Mcgoldrick (1995). As mudanças causadas pelas etapas do ciclo vital que regem o desenvolvimento podem desestabilizar a estrutura da familia e esta reagir de diversas formas. O atendimento de qualidade articulando os avanços tecnológicos com acolhimento, melhoria de dos ambientes de cuidados e das condições de trabalho dos profissionais a pacientes terminais é o que se entende por humanização. A melhoria e qualidade de vida do paciente, independente dotempo de vida que lhe resta, é indispensável, apesar de ser um momento delicado para todos: paciente, familiares e profissionais da saúde que prestam o atendimento. Para os profissionais que atendem pacientes em fase terminal faz com que eles se lembrem de sua própria finitude e tenham que lidar com seus próprios conceitos e emoções em relação à morte, segundo Moraes (2009). Estes profissionais se protegem contra a dor e angústia de perda por morte, evitando enfrentar o assunto, apesar de saberem que devem encorajar e reconhecer o luto, suas ansiedades não resolvidas com a morte e com a perda. Isso faz com que se sintam desamparados diante do sofrimento, o que os coloca frente a 81 conflitos e frustrações da sua própria vida, e desenvolvem muitas vezes, mecanismos rígidos de defesa e o distanciamento do paciente e dos familiares. A interação da equipe de saúde com o paciente e seus familiares é fundamental para um cuidado efetivo, baseado no diálogo e a busca de significação da doença para cada pessoa. As famílias diante do processo de luto antecipatório são pouco acompanhadas e muitas vezes se abandonam no silêncio a respeito da perda iminente, devido à intensão de causar menos dor ao outro – doente terminal. É necessário que os familiares encontrem um espaço para falar e extravasar as suas angústias e suas questões sobre a perda. Por certo, conseguirá lidar melhor com o fato real da perda, quando essa ocorrer. É preciso lidar com a privação de gratificações e com as perdas secundárias relacionadas aos papéis que este familiar desempenhava. Necessário se faz começar a desempenhar ou redistribuir esses papeis entre os que ficaram encontrando soluções para a nova realidade. Isso auxiliará a todos para que possam se adaptar à perda e construir um significado para a mesma, respeitando as diferenças de cada membro da familia. Outro segmento importante é a escola que deve se sensibilizar para as questões do luto das crianças e adolescente dessa familia. Os profissionais da área da educação devem estar preparados para lidar com as questões relacionadas á morte e ajudar nas formas de elaboração do luto das crianças e adolescentes que vivenciaram a perda de um ente querido na familia 19. Suicídio: angústia e autodestrutividade Na antiguidade greco-romana o suicídio era um ato clandestino, patológico, solitário e só seria avalizado com o consentimento da sociedade. Os suicidas não tinham o direito a uma sepultura regular. As mãos eram consideradas assassinas, por isso enterrada separadamente, essa separação destinava-se a evitar que cometessem outros atos proibidos. Os ritos funerários eram proibidos como forma de punição, isso para impedir um possível contágio dos cidadãos pelo suicida. O individuo deveria submeter ao Senado, em Roma, as suas razões para o desejo de morrer. Os escravos após a morte de seu dono eram incentivados a se suicidar, assim como as viúvas da Índia, eram estimuladas a se suicidar após a morte dos maridos. Na Idade Média o indivíduo e a sua vida pertenciam a Deus, por isso o sujeito era castigado quando tentava se apoderar da vida que não lhe pertencia. Na época atual a maior causa de suicídios, no Ocidente, é a solidão, o sentimento de irrelevância social, segundo Kovács (1992). Houve o desmoronamento 82 dos pilares básicos da sociedade: familia, estado e religião. O suicídio ou o ato de se matar, entre os povos primitivos, esta ligado às normas do grupo. Quando há sérias infrações às regras sociais, pode haver um incentivo da comunidade como forma de neutralizar a culpa, reabilitando o indivíduo diante do grupo. A quebra de costumes e tradições nestas sociedades é considerada como delito grave. Um trabalho de investigação sociológica sobre o suicídio foi realizado ao final do século dezenove e é muito atual. Durkheim (1971) aponta que “o suicídio é um ato individual com características da sociedade que o produz. E um ato complexo, indefinido e com contornos vagos. Só uma aproximação grosseira pode falar sobre as suas intenções. De várias maneiras o individuo renuncia à sua existência. É um ato de alguém que não quer viver”. Quando há uma individualização excessiva pode resultar um suicídio dito como que egoísta. O individuo se sente só, desesperado, sem razões para viver, e matar-se pode ser a única solução possível numa sociedade desagregada. Há um conhecimento de que a influência agravante de desorganização e desagregação são as crises econômicas. Às vezes, o individuo não tem consciência dos seus limites e do que necessita, precisando de um parâmetro social. Quando a sociedade falha neste aspecto, o homem se sente desorientado. A anomia pode se percebida também na vida familiar, verificando-se um aumento de taxas de suicídio após divórcios, por causa da incerteza, o que resulta num estado de perturbação. A pessoa que comete suicídio pode estar fugindo do sofrimento, e “nem todo contato é saudável, nem toda fuga é doentia”, conforme as palavras de Perls (1975). O suicídio é um duelo entre o assassino e o assassinato que se encontram no ato da morte. No suicídio, o fato é que nunca se terão as explicações e respostas para a vastidão de incertezas que abrangem a dicotomia entre a escolha pela vida ou da morte. Na maioria dos casos, existe uma interação entre fatores psicológicos, psiquiátricos, econômicos, culturais, religiosos, assim como aspectos como: ambientais; hereditárias; e genéticas, segundo Patutti (2004). O suicídio é multifocal, não é possível ser compreendido somente por uma faceta, mas por uma interação entre os múltiplos fatores. É necessário apresentar a distinção entre causas desencadeantes, sempre múltiplas, provocadoras da passagem ao ato. Quando a tentativa é frustrada, a expectativa é de que o individuo vá repetir o ato com novas tentativas. Qualquer mudança de direção na vida de um indivíduo, uma perda ou separação, ente outras, pode ser suficiente para tornar o processo intolerável, 83 confuso e ambíguo. A ambiguidade se instala pelo anseio de transformação, e ao mesmo tempo, pela paralização de mobilizar a energia para que as mudanças possam acontecer. Muitas vezes o sujeito que percebe sua vida sem sentido, apresenta uma visão monocromática e sua vida se torna automatizada na qual a fé se esvai. Alvarez (1999) pontua que “sem os freios da fé, o equilíbrio entre a vida e a morte pode se tornar perigosamente delicado”. Para ocorrer o suicídio, afirma Menninger (1965), é necessário “a presença de três componentes: o desejo de matar, o desejo de ser morto e o desejo de morrer. Nenhum suicídio é consumado se além do desejo de matar, não estiverem presentes o desejo de morrer e o de ser morto”. Quando o desejo de morrer não está presente, pode ocorrer o paradoxo do individuo suplicar para que o salvem após um ataque suicida, muitas vezes brutal. O suicídio é antes de tudo um homicídio de si mesmo, onde a pessoa é o assassino e o assassinado. O caráter destrutivo é importante nesse aspecto. O instinto destrutivo pode estar presente na criança diante de um rival. Em todo o ato destrutivo pode existir uma erotização parcial, como um prazer neste ato - o sadismo. O mesmo pode ocorre nos atos autodestrutivos. Acontece quando o amor e o ódio são desligados dos objetos externos, voltando-se contra o próprio individuo, cujo desejo de matar se volta contra o próprio individuo, e, portanto, é tratado como um objeto. O melancólico pode descarregar contra si próprio os amargos ataques, as hostilidades antes ocultas em relação ao objeto amado. Matar é uma forma de agressão, assim como ser morto é uma forma extrema de submissão. O ego precisa sofrer na dimensão de sua destrutividade dirigida para fora, assim se há ataque para fora, a mesma proporção precisaser dirigida num ataque para dentro. É necessário que haja sentimento de culpa, para haver necessidade de punição. Os desejos homicidas, mesmo que não efetuados e inconscientes, demandam punição. Num paralelo, Menninger (ob. cit.) demonstra os meios utilizados para os atos suicidas e sua possível relação com os componentes considerados por ele. Assim: elementos mais agressivos como o uso de instrumentos cortantes, penetrantes, ou tiro; os psicóticos podem encostar ou tocar um fogão, representando um desejo patológico de ser aquecido ou amado, de sentir calor humano, de se libertar de uma frieza ou um gelo interno; o afogamento pode representar o desejo de voltar ao bem-estar da existência intrauterina; ingerir substâncias venenosas estará relacionado a intensos desejos orais. É possível que me muitos destes métodos sejam encontrados elementos de punição, 84 aliados a fatores eróticos ligados ao prazer. Muitos têm um caráter exibicionista, um desejo de ser descoberto e mais uma vez punido. As autorrecriminações na melancolia são recriminações a um objeto amado, afirma Freud, que foram deslocadas para o eu. A retirada dessas acusações do objeto amado, e o direcionamento para o eu constitui o pilar na reflexão psicanalítica acerca da melancolia e para a construção de considerações sobre o suicídio. Há uma identificação do eu com o objeto abandonado, e assim, “a sombra do objeto caiu sobre o eu, e este pode, dai por diante, ser julgado por um agente especial” (FREUD, 1917). Estabelece-se uma identificação do eu com o objeto que fora abandonado, a partir de então é julgado como se fosse o objeto perdido, cuja perda deste objeto culminou em uma perda do eu. Segundo o autor, se o amor pelo objeto se instalar na identificação narcisista, o ódio também se dirige a este objeto substitutivo, o eu, atacando-o de forma tirânica e sádica, buscando o sofrimento. A catexia, calcada narcisicamente, quando rompida com o objeto original, sofre uma dupla vicissitude: uma parte volta-se à identificação narcísica, enquanto a outra, devido a ambivalência, é encaminhada à etapa do sadismo. É esse sadismo que soluciona o enigma da tendência ao suicídio – fundada no encaminhamento do ódio pertencente à catexia objetal abandonada. O eu só poderá se matar se puder tratar a si mesmo como um objeto, dirigindo contra si mesmo a hostilidade relacionada a um objeto. O eu apenas se destrói quando trata a si próprio como um objeto, a destrutividade é uma reação do eu para com objetos pertencentes ao mundo externo, isso observado na melancolia. Num primeiro momento o ódio era dirigido ao objeto pertencente ao mundo externo, somente após a ruptura da catexia deste objeto é que o ódio se volta para o eu. Na medida em que a conceituação freudiana não se dá por encerrada, a temática do suicídio é especulada e aprofundada. A tensão entre o eu e o supereu, afirma Freud (1923), aponta o sentimento de culpa consciente. Na melancolia, nessa tensão, o eu se submete e não se opõe ao castigo, admitindo sua culpa. A fúria do supereu, na melancolia, dirige-se ao objeto incluído no eu mediante identificação. O supereu assume para si o sadismo dirigido para o eu. O suicida é um “atuante no sentido de acting-out, pois a pessoa tem contato, mas tem ‘awareness’ (consciência) de má qualidade. É um contato acting-out que leva a uma ação prematura. Dessa maneira, o indivíduo migra da sensação para a ação, sem passar pela percepção, pela mobilização da energia, pela ‘awareness’”, afirma Frazão (2013). O individuo que pensa em se matar tem uma percepção distorcida e fixa. A ambivalência de querer viver e morrer se configura, tornando a relação com o mundo e 85 com o outro, empobrecida e desvitalizada. Não existe uma definição e um significado consensual para o suicídio, mas sempre implica necessariamente em um desejo de morrer, bem como, uma noção clara de que o ato executado, e assim entendido, como ato de colocar fim à vida, resultar na morte. A violência autodirigida, que ocorre em atos de suicídio, se manifesta de duas formas: no comportamento suicida, através dos pensamentos, tentativas e pelo suicídio; nos atos violentos provocados contra a própria pessoa, como no caso das mutilações. O suicídio, bem como os pensamentos suicidas, além de serem influenciados pela personalidade individual e pelo contexto em que vive, o indivíduo pode ser agravado por transtornos psíquicos como: depressão, síndrome do pânico, psicose dentre outros, (OMS, 2000). “O suicídio é um ato psicótico”, afirma Kalina e Kovadloff. A imposição social invade o sujeito, atinge a sua consciência e aniquila o ego que não consegue se defender, perde a critica. Porém, “mesmo que racionalmente se possam compreender os motivos do suicídio”, declaram os autores, “este sempre é um ato psicótico, pois envolve a perda de consciência”. Vários são os tipos de suicídio, como melancólico que é acompanhado de processos psicossomáticos. Surgem fantasias com uma intensa culpa persecutória. A morte é procurada como um castigo merecido, porque o desejo agressivo dirigido contra o objeto se volta contra o ego. O suicídio psicopático esta ligado a um superego cruel, mais comum na adolescência. Coexistem uma total onipotência e uma autodesvalorização que são incompatíveis, gerando confusão e atuação. Constitui a procura de uma morte acusadora. O suicida psicopata não se mata por sentir culpa, mas sim para que os outros sintam culpa. Os suicídios podem ter motivações totalmente diversas, possuem uma relação com rupturas em diferentes períodos do desenvolvimento afetivo-emocional. As fantasias de onipotência e imortalidade convivem com um ego impotente e vazio no chamado suicídio maníaco, segundo Knobel. Precisa de um contato constante sem nenhuma satisfação libidinal, cuja fragmentação psíquica é o que se torna mais terrificante. No suicídio esquizofrênico, segundo autor, é percebida a presença de um ego marcado por regressões intensas, com carência de identificações primárias, fragmentação, confusão e indiscriminação. Estes elementos dissociados ficam à margem do ego, e por isso pode matar compulsivamente o suposto perseguidor, sem perceber que destrói o self, o próprio individuo. O suicídio é uma trágica denúncia do individuo diante de uma crise coletiva. Quando ele se mata fracassa a proposta coletiva daquela sociedade. Entre os aspectos 86 de uma sociedade tóxica, afirma Kovács (ob. cit.), se encontram o armamento nuclear, a contaminação do planeta, a despersonificação e o elevado nível de agressividade, que as metrópoles produzem o rebaixamento do valor individual e da autoestima. Nas grandes cidades ocorre a solidão, a distância dos vizinhos, a falta de solidariedade, o desenraizamento e a quebra das tradições. A tecnologia não atende mais as necessidades básicas e pessoais do sujeito, e a morte surge como solução para o alívio da frustração. O suicídio é a derrota, o abandono da luta. Muitas pessoas morrem porque consideram que a vida não vale a pena ser vivida. Quinnet (2010) aponta para alguns sinais a serem observados na direção de um possível suicídio, como: a presença de um plano; a falta de esperança; depressão, fúria, raiva, sentimento de vingança; participação em atividades de alto risco, aparentemente sem pensar nas consequências; sentimento de estar encurralado, não vislumbrando saída; aumento do uso do álcool ou drogas; afastamento dos amigos, da familia e da sociedade; ansiedade, agitação, dificuldades para dormir ou dormir o tempo inteiro; alterações súbitas de humor e falta de sentido para viver. Cabe destacar ainda as tentativas prévias de suicídio como afirma Jamison (2010), pois “ainda assim, uma tentativa continua sendo o único e melhor previsor do suicídio,e esses números são motivo de preocupação grave”. A combinação de tentativas prévias com a presença de algum transtorno mental grave podem aumentar os riscos de suicídio. Conhecer os fatores de risco abarca somente uma parte de todo o trabalho com o suicídio, é importante perceber que prevenção não significa previsão, pois como afirmado, o suicídio e multifatorial. O suicídio pode ser interpretado como um gesto de desespero que mostra uma esperança e um desejo de que tudo poderia ser diferente. A projeção emerge quando a pessoa busca outra maneira de viver, talvez com menos sofrimento e coloque na fantasia de que sua vida seria diferente se morresse e, como afirma Fukumitsu (2011), “projeta na morte a possibilidade que não consegue em vida”. O suicídio representa um pedido interrompido de vida e não de morte. O sujeito investe sua energia em auto aniquilamento e a falha no processo de auto regulação se torna perceptível. Os adolescentes podem cometer atos suicidas, frente ao fenômeno do bullyng. O suicídio assim como o bullyng não envolve apenas a vítima, mas também os sujeitos que testemunham, presenciam, e muitas vezes, por medo ou por não saberem reagir, se calam diante da violência, que no caso do suicídio é autodirigida, ou seja, contra si memo. Frente à realidade, o contexto familiar é um espaço indisponível para a garantia 87 da sobrevivência, afirma Gomes e Pereira (2005), da proteção integral dos filhos e demais membros, independentemente do arranjo familiar ou da forma como este vem se estruturando. A familia é que propicia os aportes afetivos e, sobretudo, materiais necessários ao desenvolvimento e bem estar dos seus componentes. São no âmbito familiar que inicialmente são absorvidos os valores éticos e morais, onde se aprofundam os laços de solidariedade. Os pais e demais familiares podem contribuir para diminuir os atos suicidas entre os adolescentes, desde que haja uma atenção maior ao comportamento dos mesmos. Além das mudanças corporais que ocorrem na puberdade e as mudanças psicológicas que levam às novas relações e à independência, a adolescência se caracteriza por um período de contradições, ambivalências e conflitos que só podem ser solucionados quando os adolescentes elaborarem o “luto pelo corpo de criança, pela identidade infantil e pela relação dos pais de infância”, (ÁVILA< 2005). A adolescência, por ser um momento intenso de conflitos e mudanças, possibilita aos jovens recorrerem a comportamentos agressivos, impulsivos ou mesmo suicidas. É necessário ter clareza sobre os aspectos que podem ser patológicos nessa fase do desenvolvimento, estando muitas vezes relacionados com a intensidade, o grau e o desajuste com que aparecem as características próprias da adolescência, segundo Turecki (1999). O jovem que pensa, ameaça, tenta ou concretiza o suicídio está revelando, na verdade, um colapso em seus mecanismos adaptativos, segundo Borges e Werlag (2006), de modo que tal situação é percebida não somente na adolescência, mas como em qualquer idade, como tentativa de alívio de sua dor e seu sofrimento. 20. A psicanalise diante das perdas e do luto Na vida de cada um há uma sobre determinação que deriva de instâncias inconscientes. De repente a humanidade se viu sem comando de seus atos e comportamentos, o que provocou a abertura de “ferida narcísica” ainda não cicatrizada e que leva muitas pessoas a não aceitarem nesse conhecimento. A tomada de consciência da morte, da finitude do ser humano, por outro lado, provoca outra ferida narcísica ainda mais aterrorizante, segundo Kováscs (ob. cit.). A dinâmica do inconsciente é um entendimento da psicanálise, e através de seus conceitos explica a dinâmica do processo da perda, mas não explica a morte. O mais apavorante para o indivíduo, é o não saber, o que faz com que a capacidade de controle seja perdida, ficando a submissão a algo desconhecido, o que é desesperador. Para que esse terror se esvaia, vem a necessidade de criar “verdades” que podem estar sustentadas na fé. 88 A Psicanálise traz uma das grandes contribuições para a compreensão do processo de luto. O “objeto morto” instala-se no ego do enlutado, funcionando como um objeto ao mesmo tempo protetor e perseguidor, como afirma Freud em seus estudos, em especial em seu artigo “Luto e melancolia” (ob. cit.). Isso ocorre devido à ambivalência, à dualidade de fantasias inconscientes, derivadas de aspectos reativos à vida e morte dos seres humanos. As fantasias inconscientes decorrentes da perda reativam fantasias anteriores, e o objeto introjetado passa a funcionar num padrão decorrente daquelas fantasias somadas à situação particular com o objeto perdido no passado, segundo a teoria kleiniana, não muito diferente da proposta freudiana que enfatiza as pulsões. . As fantasias inconscientes sobre o que seria a morte não são muito abrangentes: o reencontro com as pessoas queridas mortas, e não raro algumas crianças tentam se matar para encontrar no céu, o papai, a mamãe ou o vovô que morreu; a chance de morrer após a morte de alguém querido, é maior quando do luto patológico; encontro com figuras idealizadas, como Deus ou algo similar que seria o complemento da fantasia anterior; ida para um mundo paradisíaco, regulado pelo principio de prazer, onde não existe sofrimento; à volta ao útero materno, numa espécie de parto ao contrário, onde não existem desejos e necessidades. Esta fantasia, entre outras, provém da ideia da “mãe terra”, onde o morto será sepultado. As fantasias não são apenas prazerosas, ao lado destas, existem as terroríficas, entre as quais aquelas relacionadas com o inferno, ou “locus”. Consiste em fantasias persecutórias que tem a ver com sentimentos de culpa e remorso. Na morte, as identificações com figuras diabólicas como um ser aterrorizante, que se apresenta com a face de caveira e um cajado, se interligam a pavores de aniquilamento, desintegração e dissolução. Soa fantasias que se confundem com a loucura, a psicose, e, por vezes, não podendo suporta-las pode levar ao suicídio. Esta cisão corresponde aos mecanismos de defesas da posição esquizoparanoides, no referencial teórico de Melanie Klein. A questão que fica é se, no inconsciente pode existir algum tipo de representação da morte? Entretanto, para Freud, por ser uma experiência nunca vivida, isso não existiria. Porém ele considerava como equivalentes os “terrores da castração”, da perda de amor, e do objeto. Por outro lado, para os kleinianos, o medo da morte já existiria e seria o equivalente ao “pavor de aniquilamento”, uma ansiedade extremamente primitiva, que teria a ver com o predomínio da pulsão de morte. 89 No artigo “Além do princípio de prazer” (1920), Freud introduz o conceito de “pulsão de morte” (Tânatos), na dualidade com a “pulsão de vida” (Eros) que veio mudar o conjunto de concepções construídas até então, enriquecendo as percepções dos fenômenos humanos. O que o autor postula é que o individuo vive constantemente num estado de conflito entre Eros e Tânatos, pulsões de vida as quais levam crescimento, desenvolvimento, integração, reprodução, manutenção da vida; e pulsões de morte que fazem o movimento inverso, de desintegração, tentando levar o individuo para um estado inorgânico, para a morte. Estas pulsões estão fundidas, funcionando sempre juntas, complementando-se e opondo-se, num processo dialético. A agressividade normal, deriva da pulsão de morte, fertilizada pela pulsão de vida que protege o individuo dos agravos e faz com que ele possa lutar para conquistar mais espaço vital. Melanie Klein e seus seguidores levam estas conjecturas até às ultimas consequências, utilizando essas formulações teóricas de forma produtiva na clínica. Quandoa pulsão de morte se encontra livre, predominantemente, surgem situações de sofrimento nas áreas somáticas, mental e social. No auge dessa predominância, pode levar o sujeito à morte emocional (na loucura) e à morte do corpo, através de somatizações graves ou atos suicidas, ou até mesmo mortes naturais precoces. Tânatos sempre triunfa com o tempo, por maior que seja a libido, que seria o resultado da pulsão. Na percepção inconsciente da impotência o sujeito se defende através da onipotência, podendo esse mecanismo dar a certeza de uma vida pós-morte. A certeza se essa vida existe ou não, decorre da necessidade de enfrentar a impotência do não saber. A vida e a morte constituem as faces de uma mesma e única moeda, ou seja, da pulsão, pois a morte faz parte da vida. Não há vida sem morte, nem morte sem vida, porque justamente ao confrontar com o horizonte da morte, finitude limitações é que o ser humano toma consciência da sua vida. As pessoas geralmente se ocupam consciente ou inconscientemente de coisas que acabam se tornando complicadas. Pensam sobre o que deixou de fazer, naquelas que fez de maneira errada, as brigas inúteis, os estragos desgastantes sem qualquer objetivo, as fantasias persecutórias, os lapsos auto condenatórios, os sentimentos de culpa absurdos, os ataques invejosos e destrutivos contra si mesmo e contra os outros que acabam por se tornar crises corriqueiras quando tudo poderia correr bem. A cultura, os mitos e os ditos populares ensinam a tomar cuidado com o “olho gordo”, a inveja dos deuses, que são projeções de aspectos invejosos internos em seres sobrenaturais, em rivais reais ou imaginários. A teoria da inveja proposta por Klein, cuja antítese é a 90 gratidão, auxilia na compreensão destas características humanas. Estes conceitos podem ajudar a compreender um pouco mais sobre as guerras, os morticínios, os esquadrões da morte, das torturas, da indignidade, dos sacrifícios que as pessoas impõem a seus semelhantes, e a si mesmo, passando pela fome, miséria, desumanização, etc.. O filicídio é um conceito extremamente rico, ajuda a compreender vários desses aspectos, incluindo o massacre de crianças e de “infantes”, que são a primeira linha de ataque em guerras e revoluções, pois são as principais vitimas devido a sua fragilidade diante de atitudes mortíferas dos adultos. Isso desde os agravos na gestação e nascimento, a destruição, a falta de condições dignas de vida, de escolaridade, de saúde, as explorações no campo de trabalho, o envolvimento com a criminalidade, as drogas, a violência, etc., onde sempre existem adultos responsáveis que se omitem ou estimulam estas práticas. A morte está sempre presente na vida do sujeito, das mais variadas maneiras. Porém, a morte física será a última das mortes. O sujeito muitas vezes se defronta com situações que trazem tanto sofrimento, com possibilidade de serem patológicas, constituindo o que poderia ser chamado de “micro mortes da vida cotidiana”. Os conflitos se manifestam de infinitas maneiras oportunizando o culminar em uma psicose. Esta surge em decorrência de ataques destrutivos derivados da pulsão de morte. Impedem a capacidade de pensar e simbolizar, desagregando e desintegrando o ego. Quando os conflitos são muito primitivos, se manifestam no mundo externo - a realidade física, através de uma somatização psicótica, segundo alguns autores, levando à morte ou chegando ao suicídio, devido à capacidade de simbolizar – não pensa, atua. Os recursos mentais da humanidade, afirma Kovács (1999) cada vez mais “estão disponíveis, e a despeito de vitórias eventuais do aspecto da morte, a força de vida ressurge, teimosa”. Não há possibilidade de passividade diante de Tânatos, afirma a autora, “devemos estar sempre alertas, denunciando seus mecanismos, comumente sutis, de insinuarem-se tanto no nível individual como social”. Diante da doença, da desconfiguração do corpo, o psicanalista se oferece com a possibilidade de uma escuta que não separa o sujeito da sua doença ou do seu sofrimento, pois o corpo se submete ao campo da linguagem e, portanto, aos efeitos da palavra. Dar voz a esse corpo e escuta a esse sofrimento não e tarefa fácil, já que se revela nele mesmo a finitude e o desamparo. CONSIDERAÇÕES FINAIS 91 A realização do ser humano em sua vida faz com que a morte seja vivida como algo natural, sem os terrores daqueles para quem a vida foi um fardo. Portanto, essa realização será um dos escopos de todo o tipo de ação, de profissionais de saúde, e da sociedade como um todo, numa luta pela dignidade e oportunidade de cada pessoa alcançar a felicidade em vida. O trabalho da psicanálise, ao desvendar as fantasias inconscientes em relação à morte, auxilia a compreender o fenômeno da morte, pois se esta faz parte da vida deve ser incluída nela, porém não é o que ocorre. É importante lidar com a morte, a morte física e as mortes parciais, as pequenas mortes do dia a dia, de uma forma produtiva, fazendo com que a vida possa ser vivida criativamente e a morte ser aceita como um fato da vida. Desde o nascimento ocorrem perdas e lutos, sofridas indistintamente pelas pessoas, não necessariamente ligadas à morte real, segundo a psicanálise. A criança vive o seu primeiro luto com o nascimento, a perda da vida intrauterina, da vida narcísica genuína, depois vem o desmame efetuado pela mãe. Posteriormente, surgem as ameaças de perdas, como “mamãe vai embora”, “você vai ficar de castigo”, e assim tantas outras. Há semelhança da ausência, da falta, com o final da vida. Ainda que o ser humano traga consigo a certeza de sua própria finitude, a morte não deixa de provocar um forte impacto na subjetividade daquele que se depara com uma perda significativa, demandando uma reorganização do ego por meio do processo de elaboração do luto. O fato do individuo, muitas vezes apresentar uma resistência para entrar em contato com a morte do outro e com a sua própria condição de ser mortal, deve-se ao medo de perder e não querer se desapegar daquele que já não existe mais. As causas da perda tem grande significância para o processo de desapego e, portanto, para o processo de luto. Todo o individuo ao receber a notícia de morte de um ente querido, se sente desamparado, mesmo que haja o aconchego de outras pessoas, sobrevém a angústia, a culpa e psicologicamente pode ficar desorganizado. No caso da perda de um ídolo, ou pessoa de expressão ocorre a intensificação do luto pela mídia. De outro lado a dor da perda do ídolo ou da pessoa ilustre é refletida na vida de cada um. Quando morre o ídolo choramos nossas perdas, pequenas e grandes. São perdas relacionadas ao orgulho de ser da “terra mãe”, como também aos fracassos de cada um. A perda de um ente querido que estava com a mesma idade deste ídolo, ou tinha a mesma profissão, ou até mesmo a expressividade. O choro não representa somente o choro pela perda pessoa que era querida de seu púbico, muitos choram, e em especial as mulheres, pelo ídolo, mas também pelos maridos inoperantes, traidores; por irmãos 92 desatentos ou desligados, não fraternos; jovens choram por pais omissos, abandonantes, inoperantes. Cada um desagua seus lutos quando um de seus ídolos se vai, e isso inconscientemente. A morte de um ser amado ocasiona rupturas difíceis e profundas de serem trabalhadas, porém cabe ao enlutado procurar ajuda profissional que o faça perceber a dor que carrega e ajustar-se no mundo frente aos acontecimentos buscando planos para continuar vivendo nele. É necessária muita paciência para a recuperação e superação da dor do luto. Trabalhar a dor é muito penoso, é algo que não é recomendado fazer sozinho. O suporte de um profissional da área “Psi”, dos familiares e amigos é importante, pois chorar sozinhopode trazer alívio instantâneo mais não chega ser eficaz. É importante reconhecer os significados das lágrimas, pois no decorrer do processo de luto acabam sofrendo modificações. As pessoas, de acordo com sua subjetividade, sentem de forma desigual o processo da dor, motivo pelo qual o enlutado poderá adaptar-se a diferentes reações e emoções frente à perda. Quando dado o direito de expressão ao enlutado é que ele começa a ter clareza de sua realidade. O acompanhamento de um profissional que possa ter uma “escuta” qualificada, sem apressar o processo de luto, respeitando o tempo e a dor, trará uma compreensão do sofrer e sem julgamento. O desespero dará lugar à reconstrução e ao prosseguimento da vida e das atividades, tomada a realidade a cada minuto. Novos relacionamentos surgirão, porém não substituirão a pessoa perdida, pois superar não significa esquecer. Ser capaz de buscar vivenciar novas história é seguir em frente e firmar uma nova identidade, amenizando a dor, e assim, a oportunidade de ser feliz. O trabalho do psicanalista não poderá ser realizado de forma onipotente ao lidar com Eros e Tânatos, sem a contribuição de todos os seres humanos, bem como em diferentes áreas. O trabalho da análise oportuniza conhecer e lidar com os objetos internos, e faz com que o sujeito entre na posição depressiva com mais frequência. Rever a própria vida, reconhecendo e aceitando seus limites, seus fracasso, e sua criatividade, fazem com que os indivíduos vivam de forma mais real e intensa a vida que lhes resta, e por fim, morrer em paz. Muitos são os relatos de mortes serenas. REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICA 1. ABERASTURY, Arminda. A percepção da morte na criança e outros escritos. Porto Alegre: Artes Médicas, 1984.a 2. _______. Abordagens à psicanálise de crianças. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996 3. _______. Adolescência normal. 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