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Relação de trabalho e realidade social

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26/04/23, 19:13 Relação de trabalho e realidade social
https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212hu/03284/index.html#imprimir 1/89
Relação de trabalho e realidade social
Prof. Dennis Novaes, Profª. Natânia Lopes
Descrição Relações de trabalho, especialmente nas sociedades capitalistas,
desigualdade social e atuação do assistente social.
Propósito Identificar os processos de exclusão a partir do entendimento da
estruturação da sociedade em hierarquias de poder a fim de perceber
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nuances da questão social.
Objetivos
Módulo 1
O Estado de bem-estar
social e a exploração do
trabalho
Identificar o panorama histórico e teórico
sobre a exploração humana e o Estado de
bem-estar social.
Módulo 2
Exclusão social,
pobreza e emprego
Analisar as correlações entre desemprego,
subemprego e exclusão social.
Módulo 3
Desigualdade social e
Módulo 4
Desigualdade social e
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questão social
Definir o conceito de questão social em
seus desdobramentos.
vulnerabilidade social
Reconhecer a desigualdade social como
produtora da vulnerabilidade social humana.
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É a partir do trabalho que a humanidade produz as condições materiais de
sua existência. As diferentes formas de divisão do trabalho que os seres
humanos estabelecem entre si impactam, consequentemente, todas as
esferas da vida em sociedade.
Nos últimos anos, as relações de trabalho têm passado por transformações
profundas que dão características muito peculiares à sociedade
contemporânea. A velocidade do fluxo de informações e a inovação
tecnológica sem precedentes têm sido contraditoriamente acompanhadas
por um crescimento profundo das desigualdades, de verdadeiros abismos
sociais entre os seres humanos. Neste material, investigaremos quais foram
as transformações mais recentes que impactaram as relações de trabalho e,
por consequência, toda a sociedade humana cada vez mais globalizada.
Introdução
26/04/23, 19:13 Relação de trabalho e realidade social
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1 - O Estado de bem-estar social e a exploração do
trabalho
Ao final deste módulo, você será capaz de identificar o panorama histórico e teórico
sobre a exploração humana e o Estado de bem-estar social.
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Panorama histórico
O Estado de Bem-estar Social
O professor Dennis Novaes apresenta o panorama histórico do processo de
exploração do trabalho no contexto do Estado de bem-estar social.
Compreendendo o panorama
histórico

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No início do século XX, os Estados Unidos da América se consolidaram como a
principal economia do mundo. O país viveu um grande crescimento econômico
após a Primeira Guerra Mundial, que teve fim em 1918. A doutrina que orientava
o Estado norte-americano era o liberalismo econômico, sistema baseado em
três pilares:

Livre
concorrência

Defesa da
propriedade
privada

Não
intervenção
do Estado na
economia
Por alguns anos, esse modelo parecia de fato ser a melhor receita para o
sucesso no capitalismo, ao menos para empresários e financistas. A produção
industrial crescia vertiginosamente, bem como os lucros dos proprietários de
indústrias e dos investidores da bolsa de valores.
Os Estados Unidos da América tornaram-se responsáveis por 42% de toda a
produção industrial do planeta, mas tudo veio abaixo com a queda da bolsa de
valores de Nova York em 1929. A imensa oferta de produtos não foi
acompanhada pela demanda, ou seja, embora a quantidade de bens
industrializados produzidos fosse enorme, não havia trabalhadores com dinheiro
suficiente para comprar todos esses produtos, gerando uma crise de
superprodução.
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Como bem resumiu o historiador Eric Hobsbawm:
O que acontecia, como muitas vezes
acontece nos booms de mercados livres,
era que, com os salários ficando para trás,
os lucros cresceram
desproporcionalmente, e os prósperos
obtiveram uma fatia maior do bolo
nacional. Mas como a demanda da massa
não podia acompanhar a produtividade em
rápido crescimento do sistema industrial
nos grandes dias de Henry Ford, o
resultado foi superprodução e
especulação. Isso, por sua vez, provocou o
colapso.
(HOBSBAWM, 2010, p. 104)
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Os anos que se seguiram ficaram
conhecidos como a Grande
Depressão. O desemprego se
espalhou de forma avassaladora por
todo o planeta e o PIB dos países foi
reduzido drasticamente. Para se ter
ideia das proporções da crise, 44%
dos trabalhadores na Alemanha
estavam desempregados em 1932
(HOBSBAWM, 2010, p.97).
Fila de desempregados em Chicago (EUA), na
época da Grande Depressão, aguardando a doação
de um prato de sopa (free soup).
Diante daquela situação, era evidente que a doutrina do liberalismo econômico
precisava ser revista. A solução encontrada para sair da crise veio por meio do
New Deal, um plano de recuperação econômica implementado pelo presidente
norte-americano Franklin Delano Roosevelt em 1933. Inspirado pelas teorias do
economista John Maynard Keynes, que defendia uma maior intervenção do
Estado na economia, o New Deal preconizava algumas medidas estruturais
como um grande pacote de investimentos em obras públicas, concessão de
empréstimos e fixação de preços de produtos.
As principais reformas trazidas por esse plano econômico, no entanto, estavam
ligadas às relações de trabalho. O New Deal, instituído naquele país, estabeleceu:
 
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O aumento
dos salários
A legalização
dos
sindicatos

O limite da
jornada de
trabalho de 8
horas diárias

A criação de
uma
previdência
social para os
aposentados

A instauração
do seguro-
desemprego
em caso de
demissão
Maior representante das ideias do liberalismo econômico, os Estados Unidos da
América até aquele momento não garantiam nenhum desses direitos aos
trabalhadores, uma vez que isso seria visto como uma intervenção do Estado na
economia (HOBSBAWM, 2010, p. 97). O fato de o maior representante do
liberalismo ter mudado os rumos de sua doutrina econômica acabou causando
mudanças em todos os Estados capitalistas do mundo, gerando um movimento
que o historiador Eric Hobsbawm chamou de “a queda do liberalismo”
(HOBSBAWM, 2010, p. 113).
Além da crise econômica de 1929, outro fator que influenciou a adoção dessas
medidas foi o receio de que os trabalhadores de países capitalistas se
organizassem de modo revolucionário, influenciados pelo bloco socialista da
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União Soviética, onde o acesso a direitos como emprego, saúde e educação já
era universalizado.
A partir dos anos 1930, a maioria dos países capitalistas passou a implementar
medidas que garantissem maiores direitos aos trabalhadores, um tipo de política
conhecida como Welfare State, ou Estado de bem-estar social. Nessa doutrina, o
Estado passa a ser visto como o organizador da economia e o garantidor de
direitos aos cidadãos, como acesso à saúde, educação,segurança e a
condições dignas de vida e trabalho. Em outras palavras, caberia ao Estado
reduzir as desigualdades sociais geradas pelo sistema capitalista, tendo como
foco uma preocupação humanitária com seus cidadãos. Essa atuação é
extremamente necessária, conforme afirma o historiador Hobsbawn:
O capital globalizado continuará
dependendo do Estado para a realização
de políticas sociais, pois esse seguirá
cumprindo o papel de realocar recursos
desigualmente distribuídos.
(HOBSBAWM, 2010, p. 250)
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Estado de bem-estar social
O Estado de bem-estar social e as
relações de trabalho
Embora o Brasil nunca tenha de fato experimentado um Estado de bem-estar
social, as políticas públicas pautadas nessa doutrina também tiveram alguma
repercussão em nosso país. Em 1930, por exemplo, Getúlio Vargas criou o
Ministério do Trabalho e promulgou em 1943 a Consolidação das Leis do
Trabalho (CLT), que determinava alguns direitos fundamentais dos
trabalhadores. Embora tenha passado por uma série de transformações ao
longo das décadas e esteja sendo profundamente enfraquecida pelas políticas
neoliberais das décadas mais recentes, a CLT atualmente ainda é um marco no
que se refere aos direitos trabalhistas no Brasil.
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Legislação sindical estabelecida pelo getulismo em 1931.
Os princípios do Estado de bem-estar social também orientam em grande parte
a Constituição Federal de 1988, conhecida como Constituição Cidadã, por ser
considerada a mais democrática das constituições brasileiras. Como observou o
jurista Nairo Lopes, “a Constituição de 1988 retoma o compromisso para com a
promoção da justiça social” (LOPES, 2014, p. 1). Estão previstas na Constituição
de 1988, por exemplo, a realização da reforma agrária, visando a uma
distribuição mais justa das terras no Brasil, bem como a criação do Sistema
Único de Saúde, o SUS, considerado uma referência mundial de sistema público
de saúde. Vários princípios básicos do Estado de bem-estar social estão
previstos na Constituição de 1988, por exemplo:
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[...] os incisos do art. 3º, que nitidamente
trazem como objetivos fundamentais da
República Federativa do Brasil erradicar a
pobreza e a marginalização, reduzir as
desigualdades sociais e regionais, bem
como promover o bem de todos.
(LOPES, 2014, p. 1)
Mas não há um único modelo de Estado de bem-estar social. O sociólogo
dinamarquês Esping-Andersen (1991) propõe que essa forma de governo se
manifestaria em ao menos três diferentes regimes ou sistemas: o conservador, o
liberal e o social-democrata.
Para diferenciar esses regimes de Estado de bem-estar social, o autor propõe o
conceito de desmercadorização, que seria “a liberdade dos cidadãos de, sem
perda potencial de trabalho, rendimentos ou benefícios sociais, pararem de
trabalhar quando acharem necessário” (ESPING-ANDERSEN, 1991, p. 103). Esse
conceito permite avaliar o grau de independência e autonomia conferido aos
cidadãos pelas políticas sociais para que eles consigam sobreviver para além
das relações de mercado. Além disso, as políticas sociais desmercadorizadoras
(ou desmercantilizadoras) fortalecem os trabalhadores, pois garantem que eles
possam recusar trabalhos considerados degradantes, pois teriam um padrão de
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sobrevivência assegurado, com alimentação e moradia adequadas, por exemplo
(ESPING-ANDERSEN, 1991).
Vamos ver agora as características de cada regime:
 Conservador
Os Estados de bem-estar social conservadores são
corporativistas e os direitos sociais estão ligados à classe e
ao status. Um elemento central nesse tipo de regime é a
família e “o Estado só interfere quando a capacidade da
família servir seus membros se exaure” (ESPING-
ANDERSEN, 1991, p. 109). Entre as nações caracterizadas
por esse regime estão a França e a Alemanha.
 Liberal
Nos Estados de bem-estar social liberais, predominam a
assistência aos comprovadamente pobres, reduzidas
transferências universais ou planos modestos de
previdência social. As regras para a habilitação aos
b fí i ã t t t it it
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benefícios são, portanto, restritas e muitas vezes
associadas ao estigma; os benefícios são tipicamente
modestos. O Estado, por sua vez, encoraja o mercado, tanto
passiva — ao garantir apenas o mínimo — quanto
ativamente — ao subsidiar esquemas privados de
previdência. A consequência é que esse tipo de regime
minimiza os efeitos da desmercadorização. Os exemplos
arquetípicos desse modelo são os Estados Unidos, o
Canadá e a Austrália (ESPING-ANDERSEN, 1991, p. 108).
 Social-democrata
Nos Estados de bem-estar social de regime social-
democrata, os princípios de universalismo e
desmercadorização dos direitos sociais estendem-se
também às novas classes médias. Os social-democratas
buscaram um Estado de bem-estar social que promovesse a
igualdade com os melhores padrões de qualidade. Isso
implicava, em primeiro lugar, que os serviços e benefícios
fossem elevados a níveis compatíveis até mesmo com o
gasto mais refinado das novas classes médias; e, em
segundo lugar, que a igualdade fosse concedida garantindo-
t b lh d l ti i ã lid d d
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Neoliberalismo: características
O neoliberalismo e a “uberização”
do trabalho
se aos trabalhadores plena participação na qualidade dos
direitos desfrutados pelos mais ricos (ESPING-ANDERSEN,
1991, p. 109). Além disso, nesse regime, cujos principais
países adotantes são os escandinavos, todas as camadas
são incorporadas a um sistema universal de seguros,
mesmo assim os benefícios são graduados de acordo com
os ganhos habituais. Esse modelo exclui o mercado e, em
consequência, constrói uma solidariedade essencialmente
universal em favor do Estado de bem-estar social (ESPING-
ANDERSEN, 1991, p. 109-110).
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Nos anos 1970, a economia global sofreu um novo baque, dessa vez motivado
em grande medida pela Crise do Petróleo. Naquela década, os cientistas
descobriram que o petróleo era um recurso natural não renovável, ou seja, que as
reservas em algum momento terminariam.
Um posto de gasolina americano fechado durante o
embargo ao petróleo em 1973.
Em poucos meses, de outubro de
1973 a março de 1974, o preço do
petróleo aumentou em 400%,
causando prejuízos imensos para
todas as economias do globo. Como
resumiu o historiador Eric Hobsbawm
(2010, p. 393): “a história dos vinte
anos após 1973 é a de um mundo que
perdeu suas referências e resvalou
para a instabilidade e a crise”.
Esse cenário desolador abriu espaço para uma série de correntes políticas e
ideológicas que questionavam o modelo de doutrina econômica do Estado de
bem-estar social. Diante da crise econômica e da dificuldade de encontrar
caminhos para sair dela, “a única alternativa oferecida era a propagada pela
minoria de teólogos econômicos ultraliberais. [...] O zelo ideológico dos velhos
defensores do individualismo era agora reforçado pela visível impotência e o
fracasso de políticas econômicas convencionais, sobretudo após 1973”
(HOBSBAWM, 2010, p. 398).
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Teóricos ultraliberais como Friederich von Hayek e Milton Friedman se tornaram
bastante influentes no pensamento econômico mundial, especialmente este
último, considerado um dos principais expoentes da Escola de Chicago — um
conjunto de professores da Universidade de Chicago que foi responsável pela
disseminação das ideias neoliberais. Buscando resgatar as bases do
pensamento liberal que havia fracassado décadas atrás, esses economistas
pregavam a ideia do Estado mínimo, ou seja, a mínima intervenção do Estado na
economia.
Um dos primeiros “laboratórios” para
essas teorias neoliberais foi o Chile,
que, após o golpe dado pelo ditador
Augusto Pinochet, passou a ser
administrado pelos “Chicago Boys”,
grupo de economistas chilenos que
haviam estudado em Chicago. As
consequências do golpe chileno
impactaram diretamente os
trabalhadores.
Como afirmou o economista Óscar Landerretche, em entrevista para a BBC, após
a adoção das políticas neoliberais de Pinochet "não havia seguro de saúde
universal, seguro-desemprego, gratuidade no ensino superior, nem pilares
solidários no sistema de previdência. No setor previdenciário, a mudança para
um regime de capitalização — no qual cada indivíduo faz sua própria poupança
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— também causou forte impacto social anos depois. Quando o novo modelo
começou a produzir os seus primeiros aposentados, o valor das aposentadorias
se mostrou baixo: 90,9% recebem menos de 149.435 pesos (cerca de R$694,08)”
(BBC, 2019).
O Chile acabou sendo pioneiro na adoção das políticas neoliberais, entretanto,
nos anos 1980, esse receituário econômico passou a se disseminar por
diversos países, especialmente a partir de 1989. Naquele ano, economistas
liberais, representantes do governo norte-americano, do Fundo Monetário
Internacional, do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e do Banco
Mundial, se reuniram em Washington para definir as diretrizes econômicas que
os países da América Latina deveriam adotar a fim de obterem crédito para
solucionarem suas respectivas crises econômicas. Essa reunião ficou conhecida
como Consenso de Washington e se tornou um marco na adoção de políticas
neoliberais pelos Estados latino-americanos, entre eles o Brasil.
O neoliberalismo no Brasil
O principal responsável pela implementação do receituário neoliberal em nosso
país foi o então presidente Fernando Henrique Cardoso. Algumas das principais
medidas neoliberais preconizadas pelo Consenso de Washington e aplicadas no
Brasil a partir dos anos 1990 foram:
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
Repressão às
organizações
sindicais e
movimentos
populares.

Abertura
comercial e
diminuição
das tarifas
alfandegárias.

Diminuição
das leis
trabalhistas
para reduzir
os custos dos
empresários
contratantes.

Diminuição
de impostos
para que as
grandes
empresas
aumentassem
seus lucros.

Diminuição
da presença
do Estado no
mercado,
com a
privatização
de empresas
estatais.
O neoliberalismo tem como característica a ideologia de que a ação individual
seria a única possibilidade emancipadora, enquanto a perspectiva coletiva seria
burocrática, autoritária e ultrapassada. Algumas consequências disso para os
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trabalhadores no Brasil foram a redução de empregos com carteira assinada e o
crescimento de vagas precárias, sem benefícios sociais como férias, 13º salário,
licença-maternidade, FGTS etc. A ideia de que os indivíduos podem negociar os
termos de seus contratos com os empregadores acabou enfraquecendo os
sindicatos, por exemplo, que teriam um poder maior de barganha com os donos
de empresa por representarem os trabalhadores coletivamente.
As políticas neoliberais têm impactado a vida dos trabalhadores ainda hoje com
a Reforma Trabalhista de 2017, aprovada no governo de Michel Temer, e a
Reforma da Previdência, aprovada em 2019 no governo de Jair Bolsonaro.
Curiosidade
Paulo Guedes, ministro da Economia no governo Bolsonaro, foi um economista
formado na Escola de Chicago, que chegou inclusive a atuar como professor de
economia em uma universidade chilena durante o governo Pinochet.
O economista José Dari Krein observa que a Reforma Trabalhista de 2017 marca
a mudança de uma regulação pública do trabalho para uma regulação privada.
Na regulação privada, é o empregador quem define, de forma discricionária, as
regras do contrato de trabalho no âmbito do mercado. A regulação pública, por
outro lado, compreende o processo de definição das regras com base na ação
dos trabalhadores, por meio de negociação coletiva ou regulamentação estatal,
que se traduz na colocação de limites sobre a forma como o capital utiliza a
força de trabalho. Ela compreende dois princípios básicos do direito do trabalho:
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Primeiro princípio
O trabalho não pode ser considerado
como uma mercadoria qualquer, pois
quem vende a força de trabalho é uma
pessoa humana e sua dignidade
precisa estar assegurada.
Segundo princípio
A relação entre capital e trabalho é
marcada por uma assimetria, sendo
fundamental assegurar a existência do
sindicato e da negociação ou a
intervenção do Estado para proteger o
elo mais frágil da relação
O autor considera que a regulação pública é fundamental, uma vez que a
racionalidade econômica não tem como foco proteger a dignidade do
trabalhador (KREIN, 2018, p. 80). Essa regulação se mostra cada vez mais
necessária para enfrentar os desafios da contemporaneidade e as
transformações mais recentes nas relações de trabalho.
Trabalhos mediados por plataformas digitais como aplicativos de entrega e de
transporte, a exemplo de empresas como Uber, 99 Taxi, Ifood, Rappi, entre
muitas outras, têm apresentado diversos dilemas no que se refere a direitos
trabalhistas e dignidade dos trabalhadores.
Para descrever o processo de surgimento dessas novas relações, têm sido
usados termos como uberização ou plataformização do trabalho. Nessas
atividades, os trabalhadores não têm necessariamente um vínculo com a
plataforma a partir das quais prestam serviços, o que muitas vezes os deixam
desamparados por direitos trabalhistas.
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Entregadores e motoristas de
aplicativo realizam o microtrabalho,
vocábulo utilizado pelos estudiosos
do tema para designar esse modelo de
trabalho no qual as tarefas se dão
numa escala micro e há pouca ou
nenhuma capacidade de organização
coletiva por parte dos trabalhadores,
já que eles nem mesmo têm contato
uns com os outros.
Trata-se, em última instância, de um exemplo extremo das relações trabalhistas
em um contexto neoliberal. A Lei 14.297, de 2022 trata exatamente sobre isso:
assegurar direitos trabalhistas aos trabalhadores por aplicativo, o que demonstra
a importância da regulação estatal para garantir condições dignas de trabalho
aos profissionais que atuam nesse setor.
Falta pouco para atingir seus objetivos.
Vamos praticar alguns conceitos?
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Questão 1
Os principais fatores para a adoção do Estado de bem-estar social por
diversos países nos anos 1930 foram
Parabéns! A alternativa B está correta.
A a Crise do Petróleo e o pleno emprego.
B a Crise de 1929 e o temor de novas revoluções comunistas.
C os golpes ditatoriais na América Latina e o ódio aos EUA.
D
a eleição de um operário para a presidênciae a Crise do
Petróleo.
E a ascensão do nazismo e a inspiração na Alemanha.
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A Crise de 1929 e o receio de que novas revoluções comunistas tomassem
os Estados Unidos e a Europa motivaram a adoção das políticas do Estado de
bem-estar social por diversos países.
Questão 2
Entre os economistas que são identificados com o neoliberalismo do século
XX estão
A Carl Menger e Friedrich Engels.
B David Ricardo e Schumpeter.
C Schumpeter e Werner Sombart.
D Milton Friedman e Friedrich Hayek.
E
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Parabéns! A alternativa D está correta.
Milton Friedman e Friedrich Hayek foram os principais teóricos do
neoliberalismo.
Adam Smith e Karl Marx.
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2 - Exclusão social, pobreza e emprego
Ao final deste módulo, você será capaz de analisar as correlações entre desemprego,
subemprego e exclusão social.
Contexto da pobreza no Brasil
Realidade social e pobreza no
Brasil
O Brasil é um país de extremos. A colonização portuguesa e o processo histórico
que resultou no país como hoje o conhecemos foram caracterizados pela
violência para com os povos indígenas que aqui habitavam, bem como pelo
tráfico e pela escravização de povos africanos. Esse padrão sócio-histórico
deixou marcas profundas que podem ser sentidas ainda hoje. De acordo com o
coeficiente de Gini, fórmula que permite a classificação da desigualdade social, o
Brasil está entre os dez países mais desiguais do mundo.
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De acordo com um relatório da Organização Mundial das Nações Unidas (ONU)
divulgado em 2019, ou seja, antes da pandemia, o 1% da população mais rica do
Brasil detinha 28,3% de toda a renda do país. Uma pesquisa recente do Centro de
Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades, da USP, demonstrou que os
705 mil homens brancos que fazem parte do 1% mais rico e representam 0,56%
da população adulta do país concentram uma renda maior do que a de todas as
mulheres negras adultas juntas, contingente este que representa 26% da
população adulta.
A verdade é que, embora as políticas econômicas neoliberais
tenham avançado no Brasil a partir dos anos 1990, nunca
houve em nosso país um Estado de bem-estar social.
É possível perceber que o processo de “penalização da miséria” que o sociólogo
francês Louïc Wacquant viu como uma novidade na Europa, com a adesão dos
países europeus ao neoliberalismo, já não era tão estranho ao Brasil. Segundo o
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autor, a penalização da miséria seria um conjunto de práticas estatais por meio
do qual “a ‘mão invisível’ do mercado de trabalho precarizado conseguiu seu
complemento institucional no ‘punho de ferro’ do Estado, que tem sido
empregado para controlar desordens geradas pela difusão da insegurança
social” (WACQUANT, 2008, p. 93-94).
Resumindo
Wacquant chama atenção para o fato de que, com o neoliberalismo e a
precarização do mercado de trabalho, criou-se uma série de instabilidades
sociais como aumento da violência, da pobreza e da fome, às quais o Estado
neoliberal responde não com políticas sociais, mas com a polícia e outros
mecanismos de coerção.
Exclusão social
Conceito de exclusão social
O professor Dennis Novaes apresenta estudo de caso para o melhor
entendimento do conceito de exclusão social, contextualizado à realidade
brasileira.

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É dentro desse cenário de uma desigualdade desoladora que surgem os
excluídos sociais. A expressão exclusão social ficou popular entre os estudiosos
justamente depois do advento do neoliberalismo, como observa a pesquisadora
Sarah Escorel:
Exclusão social passou a ser usado para
denominar o fenômeno integrante de uma
‘nova questão social’, problemática
específica do final de século XX, cujo
núcleo duro foi identificado na crise do
assalariamento como mecanismo de
inserção social. Essa crise, por sua vez, era
oriunda de mudanças no processo
produtivo e na dinâmica de acumulação
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capitalista gerando a diminuição de
empregos, inviabilizando essa via de
constituição de solidariedades e de
inserção social, constituindo os ‘inválidos
pela conjuntura’ e provocando fraturas na
coesão social. A exclusão foi então
percebida como uma marca profunda de
disfunção societal que assume uma
multiplicidade de formas. O conceito
expressa a existência de um fenômeno
diferente de uma ’nova pobreza’, e ao
mesmo tempo, tem a capacidade de
vocalizar a indignação com esse mundo
partido em dois.
(ESCOREL, 2009, p. 203)
A desigualdade e, por consequência, a exclusão social são problemas crônicos
no capitalismo, mas são severamente agravadas quando não há políticas sociais
voltadas para amenizar seus efeitos.
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Em seu livro O Capital no século XXI,
Thomas Piketty (2014) afirma que, na
sociedade contemporânea, estamos
vivendo de maneira semelhante ao
século XIX, quando havia um grande
papel da herança na concentração de
renda. Para esse autor, a desigualdade
de renda cresceu até o século XX, com
exceção de um curto período entre a
Primeira e a Segunda Guerra Mundiais,
quando as grandes fortunas foram
abaladas. Segundo Piketty (2014, p.
27), “a história da desigualdade é
moldada pela forma como os atores
políticos, sociais e econômicos
enxergam o que é justo e o que não é,
assim como pela influência relativa de
cada um desses atores e pelas
escolhas coletivas que disso
decorrem. Ou seja, ela é fruto da
combinação, do jogo de forças, de
todos os atores envolvidos”.
Piketty observou que a alta taxa de retorno do capital é um desafio para a
meritocracia e que atualmente há uma tendência forte de aumento da
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desigualdade. Como solução, ele propõe a progressiva taxação do capital e das
grandes fortunas e indica que as instituições reguladoras estejam articuladas
globalmente para que não haja evasões fiscais.
Outro autor que se debruçou sobre a desigualdade e a exclusão social foi Robert
Castel. Para Castel, a humanidade vivenciou uma transição de um sistema
baseado na comunidade para outro baseado na sociedade, processo por meio
do qual o indivíduo passa a ser mais importante que o coletivo. Trata-se de uma
“sociedade salarial”pautada pelo que o autor chama de “individualismo
negativo”. Na sociedade salarial, os indivíduos, “da liberdade, conhecem
sobretudo a falta de vínculos e, da autonomia, a ausência de suportes” (CASTEL,
1998, p. 598). Castel também argumenta que a crise da solidariedade material
amplia a vulnerabilidade de massa e o individualismo negativo ameaça a coesão
social. Segundo o autor:
[...] a contradição que atravessa o processo
atual de individualização é profunda.
Ameaça a sociedade de uma
fragmentação, que a tornaria ingovernável,
ou de uma polarização entre os que podem
associar individualismo e independência,
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porque sua posiçãosocial está
assegurada, e os que carregam sua
individualidade como uma cruz, porque
significa falta de vínculos e ausência de
proteções.
(CASTEL, 1998, p. 609-610)
Por esse motivo, Castel defende que o enfrentamento desse cenário de exclusão
social demanda uma ampliação da proteção social por parte do poder público,
que deve ser a única ponte entre os individualismos positivo e negativo.
Desemprego e subemprego no
Brasil
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) define a pessoa
desempregada da seguinte forma:
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Aquela com idade para trabalhar (acima de 14 anos) que,
embora não esteja trabalhando, está disponível e tenta
encontrar trabalho.
Em outras palavras, para alguém ser considerado desempregado não basta não
possuir um emprego, é preciso que essa pessoa procure uma ocupação e não
consiga.
De acordo com a última Pesquisa
Nacional por Amostra de Domicílios
Contínua, a PNAD Contínua, 12,6% da
população brasileira se encaixa nesse
perfil, o que representa cerca de 13,5
milhões de pessoas. Trata-se de uma
taxa elevada que retrata uma tragédia
social para muitas pessoas.
Em uma sociedade capitalista, na qual ter emprego é fundamental para o acesso
a uma cidadania plena e a condições dignas de existência, estar desempregado
pode despertar sentimentos de vergonha, ansiedade, insegurança, abandono e
angústia, especialmente em uma “sociedade marcada pela indiferença, pela
desconfiança e pela falta de compromisso mútuo entre as pessoas, que passam
a buscar soluções individuais para problemas produzidos socialmente”
(SANTOS, 2008, p. 155). A pesquisa “Impactos do Desemprego: saúde,
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relacionamentos e estado emocional”, conduzida pelo Serviço de Proteção ao
Crédito (SPC Brasil) e pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL),
publicada em 2017, demonstrou que 59% dos entrevistados se sentiam
deprimidos e 62% relatavam sofrer de angústia.
A pessoa desempregada muitas vezes se sente culpada, como se a situação
vivida por ela fosse sua responsabilidade, o que não é verdade. Karl Marx, um
dos maiores analistas do capitalismo, observou, já no século XIX, que o
desemprego era uma necessidade estruturante desse sistema econômico
(MARX, 2001). Segundo o autor, para que o capitalista continue aumentando
seus lucros, é necessário que haja uma “superpopulação relativa”, algo como
um exército de reserva. É justamente o fato de existir uma massa de
desempregados procurando emprego que permite aos capitalistas reduzirem os
salários ou ofertarem vagas precárias sem garantias de direitos básicos como
férias, 13º salário, FGTS etc. Afinal, um enorme contingente de pessoas
desesperadas implica dizer que há muita gente à procura de qualquer tipo de
emprego. A esse respeito, a socióloga Geórgia dos Santos observa:
O cerne do processo de racionalização
produtiva poupador de força de trabalho
está em produzir mais com um menor
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número de trabalhadores, mantendo
praticamente inalterado o tempo da
jornada de trabalho, mediante a
incorporação de inovações tanto
tecnológicas como organizacionais.
(SANTOS, 2008, p. 154)
Isso quer dizer que as empresas em geral procuram sempre modernizar seu
modo de produção com o objetivo de contratarem o mínimo possível de
empregados. Trata-se, mais uma vez, de um fenômeno observado por Karl Marx,
segundo o qual “a burguesia não pode existir sem revolucionar continuamente
os instrumentos de produção e, por conseguinte, as relações de produção”
(MARX; ENGELS, 2010, p. 48).
Embora a modernização dos meios de produção seja uma explicação importante
para as taxas de desemprego em países mais “desenvolvidos”, essa não é a
única razão que explica os elevados índices de desemprego em países em
desenvolvimento. Em regiões como a América Latina e a África, ocorre uma
profunda desigualdade no acesso aos postos de trabalho, o que resulta em um
tipo de desemprego estrutural, ou seja, um desemprego crônico, sempre
presente, mas que afeta as pessoas de modos distintos a partir de critérios
como cor, gênero e classe social (SANTOS, 2008, p. 154).
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O perfil dos desempregados no Brasil reflete em grande
medida as desigualdades que marcam toda a estrutura da
nossa sociedade.
Se vimos anteriormente que, em 2021, a taxa de desemprego no Brasil chegou a
mais de 12%, esse número é muito maior entre as mulheres: 54,4% delas se
encontram desempregadas nesse momento. Quando o critério passa a ser a cor
da pele, também há uma disparidade significativa. A taxa de desemprego entre
brancos é menor do que 10%, enquanto entre negros ultrapassa os 18%. A
conclusão trazida pela matéria da revista Istoé que levanta esses números
alarmantes é um importante recado para que o Brasil se torne um país menos
desigual.
Perspectivas de superação da
realidade atual
Como é possível alterar essa realidade? Se, como vimos, o emprego é
fundamental para a inclusão social e o pleno acesso à cidadania, mas não é uma
prioridade dos agentes econômicos, interessados exclusivamente no lucro, é
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importante que a garantia de acesso ao emprego seja objeto de políticas
públicas a fim de mitigar os efeitos do capitalismo.
Mais uma vez, podemos perceber as diferenças entre políticas econômicas
pautadas no ideário neoliberal para outras que se aproximam da noção de
Estado de bem-estar social. Em 1994, quando as políticas neoliberais ainda
estavam adentrando o cenário nacional, o índice de desemprego no Brasil era
menor que 5%. Esse percentual sofreu um crescimento considerável e passou a
impressionantes 19% ao fim do segundo mandato de Fernando Henrique
Cardoso. E não foi apenas o desemprego que cresceu nesse período, a
qualidade do emprego também se transformou drasticamente.
Como observou Georgia Santos, a
informalidade se tornou um traço
marcante do mercado de trabalho
brasileiro, de modo que uma
proporção muito significativa dos
empregados passou a não possuir
carteira assinada e,
consequentemente, se ver desprovida
de qualquer amparo por direitos
trabalhistas básicos.
Esse tipo de trabalho precarizado, que nos anos 1970 era descrito pelo nome
subemprego, passa a ser denominado informalidade a partir dos anos 1990,
com as transformações gerenciais e organizacionais da economia global,
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pautadas pelas mudanças neoliberais (SANTOS, 2008, p. 157). As
consequências desse processo de precarização do trabalho são trágicas, como
aponta a autora:
Desse modo, amplia-se o excedente
estrutural da força de trabalho e, assim, as
novas formas de ocupação têm absorvido
grande parte da população excluída do
mercado formal, por meio de diversas
estratégias de sobrevivência, incluindo:
práticas de contrabando, pirataria,
prostituição, tráfico de drogas, assaltos,
sequestros e outros crimes, presentes no
que hoje se poderia chamar de mercado
ilegal de trabalho, estabelecendo uma linha
muito tênue entre informalidade e
ilegalidade.
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(SANTOS, 2008, p. 156)
Outra característica marcante das políticas neoliberais é a terceirização e
subcontratação das empresas. Estabelecem-se redes de complementaridadeem
que empresas de menor porte prestam serviços para grandes empresas,
fornecendo insumos, embalagens, produtos intermediários e força de trabalho.
Nesse processo, os salários dos empregados são reduzidos consideravelmente,
tendo em vista que agora essas empresas de menor porte também passam a
lucrar em cima da mão de obra do trabalhador, que se vê cada vez menos
remunerado. Até mesmo departamentos vitais de grandes empresas, como o de
recursos humanos, atualmente são terceirizados. Santos também resume bem
esse processo, mostrando que “em 1995 havia 1,8 milhões de terceirizados
formais. Dez anos depois, eram 4,1 milhões – uma expansão de 127%” (SANTOS,
2008, p. 157).
Variável 2012 2013 2014
Ocupados 57,2 57,1 56,8
Desocupados 7,1 6,9 6,8
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Tabela: Taxa de ocupação e desocupação geral no Brasil (%) - período de referência: 3º trimestre de 2012 a 2020.
Ghiraldelli, 2021, p. 9.
A partir da tabela acima, podemos perceber que, embora o desemprego tenha
caído profundamente ao longo dos governos Lula (2003-2010) e Dilma (2011-
2016), chegando ao seu nível mais baixo em 2014, esses índices voltaram a
crescer ao longo dos governos Temer (2016-2018) e Bolsonaro (2019-). A
conjuntura tomou contornos ainda mais dramáticos durante a pandemia da
covid-19 que teve início em março de 2020.
Como observou o professor do Departamento de Serviço Social da Universidade
de Brasília, Paulo Ghiraldelli, “isso evidencia que as medidas de retirada de
direitos por meio das reformas aprovadas nos últimos anos (como é o caso da
reforma trabalhista e da previdência) como ‘salvação’ para a saída da crise
contribuíram para acentuar a pobreza e aprofundar as desigualdades sociais”
(GHIRALDELLI, 2021, p. 3).
Para criarmos uma sociedade mais justa, que reverta as desigualdades em vez
de aprofundá-las, é preciso investimento não só na criação de emprego, mas em
empregos de qualidade e que garantam direitos trabalhistas básicos à
população.
Bolsonaro (2019-)
No sentido de atualização das informações, o site do IBGE informa que a taxa de
desocupação 4º Trimestre 2021 foi de 11,1 %. Lembre-se que é no site dessa
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instituição que você conseguira dados oficiais e atualizados.
Falta pouco para atingir seus objetivos.
Vamos praticar alguns conceitos?
Questão 1
O Brasil é um país profundamente desigual. Uma pesquisa recente do Centro
de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades, da USP, demonstrou que
os 705 mil homens brancos que fazem parte do 1% mais rico e representam
0,56% da população adulta do país concentram uma renda maior do que a de
todas as mulheres negras adultas juntas, contingente este que representa
26% da população adulta.
A concentração de renda possui uma série de causas, no Brasil, entre as
principais estão
A
o passado colonial e escravocrata, os privilégios das grandes
empresas e do capital financeiro e a precarização do trabalho.
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Parabéns! A alternativa A está correta.
Como demonstrado no módulo 2, o processo colonial de conformação da
sociedade brasileira e as dinâmicas neoliberais de exploração do trabalho são
fundamentais para o aprofundamento das desigualdades no país.
Questão 2
B
a baixa circulação de capital, a retração do PIB e a crise
migratória.
C a falta de interesse da população em empreender.
D programas de distribuição de renda como o Bolsa Família.
E os desastres naturais que assolam o território nacional.
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As mudanças estruturais na economia impactam diretamente o mercado de
trabalho, gerando com frequência um quadro conhecido como “desemprego
estrutural”. É correto afirmar que essa modalidade de desemprego
A
tem como característica a sazonalidade, ou seja, perdura
apenas por alguns anos, geralmente em ciclos de recessão
econômica.
B
é um quadro crônico de desemprego, atrelado a diversos
fatores como a adoção de novas tecnologias e as
desigualdades de acesso ao emprego.
C
é mais presente em países desenvolvidos como os Estados
Unidos, Canadá e Suécia.
D
ocorreu nos países da América Latina apenas durante o
período em que seus Estados foram comandados por
ditaduras militares.
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Parabéns! A alternativa B está correta.
Como demonstrado no módulo 2, o desemprego estrutural é um quadro
crônico que assola principalmente os países em desenvolvimento e tem
como motivações fatores como a adoção de novas tecnologias e as
desigualdades de acesso ao emprego.
E é consequência das políticas de bem-estar social.
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3 - Desigualdade social e questão social
Ao final deste módulo, você será capaz de definir o conceito de questão social em seus
desdobramentos.
A questão social
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A questão social é um conceito utilizado para se referir ao fenômeno da pobreza
e das desigualdades nas sociedades capitalistas. Além da pobreza, o racismo, o
desemprego, a exclusão, a carência de serviços que deveriam ser oferecidos
pelo Estado e as desigualdades de gênero também integram o que se pensa
contemporaneamente como questão social.
A questão social surgiu no século XIX, na Europa, com a Revolução Industrial e o
surgimento das classes proletárias, cada vez mais pauperizadas, em contraste
com uma economia aquecida e com a ideia de progresso inspirada pelo
acrescente emprego da tecnologia no processo de produção. Karl Marx acabou
sendo, nesse contexto histórico específico, o pensador de maior destaque na
denúncia da questão social e da exploração das classes trabalhadoras pela
burguesia (MARX, 2010).
Pode-se dizer que o principal objeto de estudo e trabalho
do assistente social seja a questão social.
O assistente social atua justamente na dobra entre a questão social em suas
mais variadas expressões e a resistência contra ela e suas injustiças, bem como
contra os problemas humanos e éticos que ela representa.
O capitalismo, por ser um sistema produtor de desigualdades, é marcado por
uma questão social profunda, sobre a qual o assistente social se debruça, pensa
e atua, assim como outros profissionais. Não é exagero afirmar, aliás, que todo
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trabalho e todo trabalhador, em uma sociedade marcada por desigualdades
estruturais, precisará lidar com a questão social. O professor, o médico, o jurista,
por exemplo, também terão suas atuações o tempo todo atravessadas por essas
mazelas, tal é sua gravidade e importância na organização da sociedade.
Desigualdade social e concentração
de renda
A desigualdade social é um pressuposto das sociedades capitalistas. Uma vez
que a organização social desse sistema socioeconômico gira em torno do lucro
e do acúmulo de bens e riquezas, cria-se um sistema de divisão das populações
segundo classes sociais pautadas pela renda e poder que dela advém, o poder
aquisitivo. Vamos nos demorar nesta expressão conhecida de todos: “poder
aquisitivo”. É o poder de adquirir. Ganha relevo aqui o potencial dos indivíduos
para o consumo. É precisamente esse potencial que torna as pessoas mais ou
menos poderosas numasociedade capitalista.
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Contraste entre as moradias na favela de Paraisópolis e os prédios de luxo no bairro vizinho do Morumbi em
São Paulo.
As classes sociais se constituem na distribuição da população em uma régua de
pobreza-riqueza. As classes baixas sendo as mais pobres, a classe média, que
se costuma dividir em média baixa e média alta, sendo uma classe mediana de
pessoas em termos de poder aquisitivo e a classe alta sendo a elite, os que têm
maior poder econômico.
No caso brasileiro, historicamente, a classe média e a classe baixa têm
disputado em termos de tamanho, comportando, hora uma, hora outra, a maior
parte da população. É claro que a classe alta, chamada também de classe A,
sempre se manteve como o menor grupo, a classe mais seleta de pessoas,
posto que um sistema social e econômico que funciona mediante uma lógica
exclusivista sempre terá uma elite muito menor do que as outras classes.
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A desorganização da economia
mundial agravada pela pandemia
aumentou o número de pessoas
pobres, acirrando antigas mazelas
sociais como a pobreza extrema,
marcada pelo desemprego e pela
fome. A fome, um dos maiores
fantasmas da precariedade, sempre
fez parte da paisagem, em especial
em um país com a economia pautada
na ideia do latifúndio e da exportação.
No Brasil, dois romances clássicos abordam de forma paradigmática a
experiência da fome: O quinze, de Rachel de Queiroz, publicado em 1930, que
trata da seca de 1915 vivida pela escritora na sua infância; e A bagaceira, de
José Américo de Almeida, publicado em 1928, no qual o período compreendido
entre duas grandes secas no Nordeste brasileiro (a de 1898 e a de 1915)
ambientam e marcam a história e vida dos protagonistas do romance.
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Os retirantes, Cândido Portinari, 1944. Representa a migração nordestina em busca de melhores condições
de vida.
Globalmente, o debate sobre a desigualdade social por meio da percepção da
chaga da fome se dá a partir dos anos 1940, depois da Segunda Guerra Mundial.
Em 1948, foi criada a FAO, Organização de Alimentação e Agricultura das
Nações Unidas, assim como se criou o Fundo Internacional de Socorro à
Infância, a UNICEF, em 1945. Também na década de 1940, a Organização das
Nações Unidas criou um indicador chamado PoU (Prevalence of
Undernourishment, em inglês, que pode ser traduzido por “prevalência da
subnutrição”). E por meio desse indicador foi construído o Mapa da Fome no
mundo, indicando aquelas regiões onde se estimava que a porcentagem da
população cujo consumo alimentar era insuficiente para manter uma vida
saudável era alta.
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Classes sociais no Brasil
O professor Dennis Novaes apresenta elementos das estruturas das classes
sociais no país e como podem ser compreendidas na realidade nacional.
Desigualdade social e fome
Grandes fortunas versus fome
O Brasil, segundo é referendado por pesquisas e órgãos internacionais como a
FAO e a OMS, graças aos programas de redistribuição de renda, como era o caso
do Bolsa Família, e à dinamização de economias locais, saiu temporariamente

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do Mapa da Fome. Nos últimos anos, no entanto, a fome no país vem crescendo
e o Brasil voltou a figurar no Mapa da Fome, com 9% dos brasileiros
enquadrados no perfil desse problema social.
É imprescindível ressaltar, contudo, que o problema da fome, como termômetro
do acirramento das desigualdades sociais no Brasil e no mundo nos últimos
anos, não é episódico. Mesmo antes de a fome ser vista e pensada como um
problema social grave pelas pesquisas e instituições no mundo, nos anos 1940,
já havia parcelas significativas das populações do globo marcadas em sua
existência por essa condição precária de vida. O que se torna especialmente
escandaloso se observado ao lado do acúmulo de riquezas por uma ínfima parte
da população, a classe A, para quem os grilhões territoriais são inoperantes; para
quem as fronteiras regionais e nacionais são, via de regra, atenuadas,
“atravessáveis”, pois possuem um alto poder aquisitivo e o capital, como
sabemos, não tem pátria.
Exemplo
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Um viajante rico é bem-vindo em quase qualquer parte do mundo, situação
diametralmente oposta àquela experimentada por migrantes pobres,
clandestinos, que fogem de guerras e de condições degradantes de vida em
seus territórios de origem e são perseguidos pelos Estados. A situação de Chico
Bento, personagem do romance já citado de Rachel de Queiroz, que vai a pé com
sua família de Quixadá, município do Ceará, até a capital Fortaleza, fugindo da
seca, também se encontra em condição oposta à de tais viajantes da classe A.
No cenário mundial, considerando-se as grandes fortunas de indivíduos e
famílias bilionárias e, por outro lado, áreas de extrema pobreza em países
subdesenvolvidos, constata-se que uma elite mundial concentra, sozinha, a
maior parte das riquezas, ficando com uma riqueza ora similar, ora pouco maior
do que a riqueza distribuída entre todas as pessoas situadas nas classes médias
e baixas. Segundo o Relatório da Riqueza Global, publicado anualmente pelo
banco Credit Suiss, no Brasil, 1% da população mais rica detém 49,6% de toda a
riqueza nacional. Já segundo dados de 2018, que compuseram o relatório global
da organização não governamental Oxfam (OXFAM, 2018), o patrimônio das 26
pessoas mais ricas do mundo equivale ao da metade mais pobre.
O relatório da Oxfam, intitulado Bem Público ou Riqueza Privada?, propõe uma
solução que é recorrentemente aventada quando se discute desigualdade social
e concentração de renda: a taxação de grandes fortunas. Segundo a ONG, uma
taxação de 0,5% das fortunas da fatia da população mais rica do mundo, que
representa 1% da população mundial, renderia recursos suficientes aos governos
para atender a mais de 200 milhões de crianças que estão fora das escolas,
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proporcionando-lhes educação, e para salvar vidas de 3 milhões de pessoas
mediante investimentos em saúde pública.
É digno de nota que o ranking dos mais ricos do mundo é ocupado
exclusivamente por homens, em sua maioria brancos e da área de tecnologia.
Formas de desigualdade social
Para além das classes sociais:
outras formas de desigualdade
O sistema de castas é um sistema hereditário de estratificação do hinduísmo,
que foi, durante muitas décadas, chancelado pelo Estado indiano. É um sistema
fortemente pautado em raça que estrutura a sociedade segundo um modelo
piramidal em que, no topo, estão os brâmanes, considerados sábios e
sacerdotes, investidos de poderes cosmológicos na prática dos rituais religiosos,
seguidos dos xátrias, que são pensados como “guerreiros” (aqui estão juristas e
militares), passando pelos vaixás (comerciantes, artesãos e agricultores), os
sudras, trabalhadores braçais e, por último, os párias, considerados intocáveis
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porque estariam fora do sistema de castas e abaixo dele, ocupando trabalhos
considerados indignos, como coveiros e limpadores de fossassanitárias.
Segundo se acredita, enquanto os brâmanes teriam saído da boca do Deus
Brahma, o criador do universo, os xátrias teriam sido formados do seu braço
forte, os vaixás das coxas, os sudras dos pés e os párias não teriam nascido do
Deus Brahma.
Numa sociedade como a indiana, profundamente desigual, o sistema de castas
pode ser pensado comparativamente em relação ao sistema de classes sociais,
por diferentes caminhos: ambos os sistemas promovem a estratificação social e
organizam a política e a economia a partir de diferentes gradientes de poder
outorgados aos indivíduos.
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Como resultado desse sistema
hierárquico de castas (classes),
algumas pessoas e famílias vivem
bem, confortavelmente, se alimentam,
estudam, têm acesso à serviços e
gozam de prestígio, enquanto outras,
como vimos, a maior parte da
população, vivem em condições
difíceis ou até mesmo degradantes.
O antropólogo francês Louis Dumont é conhecido por suas proposições a
respeito do individualismo nas sociedades modernas, elaboradas a partir de
suas pesquisas sobre o sistema de castas na sociedade tradicional indiana.
Dumont concluiu, a partir de seus estudos, que o individualismo, que é a base do
sistema capitalista e que é indissociável da noção de igualdade, teve dois
momentos históricos importantes que marcam sua gênese e desenvolvimento
processual nas culturas ocidentais.
Cristianismo original
O indivíduo era pensado
como “indivíduo-fora-do-
mundo”, isto é, a igualdade
plena se estabeleceria
Cristianismo Reformado
Com a Reforma, e
especialmente com o
Calvinismo, a noção de
indivíduo passa a ganhar
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apenas em um plano
transcendente, no paraíso,
unicamente na presença de
Deus. Paradoxalmente, o
maior cuidado com os
"desiguais" vinha de
instituições religiosas.
uma dimensão imanente,
passa a ser pensada como
“indivíduo-no-mundo”. Se
por um lado a
"prosperidade" marca o
pensamento reformado, a
igualdade enquanto preceito
ético passa a habitar o
mundo social, a ser uma
prerrogativa ideal da
organização das
sociedades.
O indivíduo passa, então, a ser a célula do Estado. Na cultura ocidental, a noção
de individualismo vai se consolidando juntamente à ideia de igualdade. A
desigualdade social passa a ser questionada, então, como um problema; a má
distribuição de riquezas, como um desafio a ser enfrentado pelos Estados, e não
mais como ordem natural outorgada por Deus. Dumont avalia que provém dessa
evolução a nossa aversão à hierarquia e a partir dela a igualdade se torna uma
busca constante.
Para o autor, o problema não estaria na hierarquia em si, o que conclui a partir do
seu estudo do sistema de castas. O problema é, sim, o vigor de formas
patológicas e dissimuladas de hierarquia, como esta que se estabelece na

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divisão entre as classes sociais e seus diferentes poderes aquisitivos, em
sociedades que perseguem o preceito da igualdade.
No fim das contas, a noção de indivíduo e a cultura do individualismo moderno,
em vez de proporcionar uma ordem social igualitária, muito pelo contrário,
agravou as desigualdades, pois os sujeitos perderam a dimensão holista de
pertencimento e integração a um todo social. Para Louis Dumont, a hierarquia
constitui uma necessidade universal, que, de uma forma ou de outra, se
manifestará nas sociedades humanas. É o que ele chama de Homo hierarchicus.
Castas, estratificação e mobilidade
social
O que amplificou a relevância social das castas teria sido a ação colonial e os
discursos hegemônicos do ocidente. Habituados a pensar as sociedades nos
seus próprios termos, projetaram numa organização sociocultural religiosa e
laboral a sua perspectiva da exclusão, discriminação e racismo oriundas da
experiência dos países do tronco cristão e capitalista. Com isso, Dumont
representa um dos lados de um debate polarizado entre pesquisadores sobre o
tema das castas.
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Os estudos pós-coloniais sobre o sistema de castas afirmam que não se trata,
no final das contas, de valorar as castas e o seu papel na organização da
sociedade, não se trata de uma estruturação que perpetua a exclusão ou não.
Nas aldeias indianas, o funcionamento das castas é muito
mais fluido, e a Índia foi o país pioneiro no mundo na adoção
de medidas de ação afirmativa a favor das classes baixas.
No final das contas, a discussão aberta por esse debate nos convida a pensar
sobre a importância de situar as questões de que nos ocupamos na nossa
própria experiência social. Com efeito, no ocidente, a desigualdade social e seus
contornos de classe ganharam centralidade do nosso pensamento sobre como
as sociedades se organizam e sobre como a distribuição de bens e riquezas
pode ser mais justa e igualitária. Outras diferenças sociais acabam, assim,
também sendo revestidas do viés da desigualdade na nossa sociedade. E não
apenas através do olhar de pesquisadores e estudiosos do ocidente, mas como
instituições culturais imbuídas da lógica da exclusão e do individualismo. Desse
modo, os problemas de gênero/sexualidade e o racismo, por exemplo, tenderão
a seguir o modelo de distribuição de poder segundo o poder aquisitivo, valorando
ou desvalorizando as pessoas em função da orientação sexual, da sua
identificação de gênero e da sua raça.
Exemplo
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No mercado de trabalho brasileiro, mulheres que ocupam as mesmas funções
que homens ainda recebem salários inferiores; menor poder aquisitivo para as
mulheres, portanto. Mulheres transgênero e travestis ainda são pouco
incorporadas ao mercado de trabalho em função do preconceito, e pessoas
negras constituem a grande massa das classes baixas, enquanto a elite é
eminentemente branca.
Quando se fala em estratificação, considera-se ainda uma terceira pirâmide
social como modelo possível de estrutura social, além das classes sociais e das
castas: os estamentos. Na Idade Média, a sociedade feudal se dividia em quatro
estratos: rei, nobreza, clero e servos. Esse sistema é mais fechado do que o das
classes sociais e mais aberto do que o das castas, ou seja, o grau de mobilidade
social que ele é permite é intermediário em relação aos dois outros.
A partir do que estudamos até agora, podemos concluir que o fato de a
mobilidade social ser possível ou mais provável em uma sociedade de classes
como a brasileira não significa que os indivíduos, de um modo geral, tenderão a
ter mais oportunidades de alcançar uma vida melhor. Pelo contrário, a julgar pelo
crescente movimento dos últimos anos de concentração da renda não apenas
no Brasil, mas em todo o mundo, bem como pelo avanço da fatia de classe baixa
sobre as classes médias, entendemos que é mais provável, para o cidadão
comum, experimentar um movimento de descensão do que de ascensão. E aqui
a mobilidade social passa a funcionar antes como risco que como benesse.
Mobilidade social
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Mobilidade social é a capacidade que um indivíduo ou grupo tem, numa sociedade
hierárquica, de mudar de posição. Há a mobilidade horizontal, que é aquela em que
um indivíduo pode mudar de posição, geralmente por fatores profissionais ou
geracionais, mas isso não acarreta mudança significativa no estrato social que o
indivíduo ou grupo ocupa. E há tambéma mobilidade vertical, que implica uma
mudança efetiva de estrato. Aí podemos falar em ascensão (subida de camada) ou
descensão social (queda em relação ao estrato originalmente ocupado pela pessoa
ou grupo).
Falta pouco para atingir seus objetivos.
Vamos praticar alguns conceitos?
Questão 1
Considerando-se a estratificação da sociedade capitalista em classes sociais,
assinale a alternativa correta:
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A
As classes sociais traduzem a desigualdade social estrutural
no sistema capitalista de produção.
B
O sistema de classes por si mesmo nada tem a ver com as
desigualdades sociais, uma vez que a hierarquia faz parte da
natureza humana.
C
O capitalismo produz classes sociais na sociedade para que
haja justiça social, pois certas populações precisam mesmo
estar subalternizadas.
D
A única possibilidade de justiça social é taxação das classes
C e D.
E
Na pandemia, a classe média encolheu em prol do
alargamento da fatia mais rica da população.
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Parabéns! A alternativa A está correta.
As classes sociais são próprias do sistema econômico capitalista,
diferentemente das castas, que têm uma fundamentação religiosa, ou dos
estamentos, que eram a pirâmide social do feudalismo.
Questão 2
Assinale a alternativa que melhor completa a frase a seguir:
A mobilidade social traduz-se pela
A
possibilidade de um indivíduo ou grupo herdar privilégios
sociais.
B
possibilidade de um indivíduo ou grupo mudar de posição na
sociedade em sentido ascendente.
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Parabéns! A alternativa D está correta.
A mobilidade social diz respeito ao movimento que indivíduos, famílias ou
grupos fazem dentro da estrutura social, podendo melhorar suas condições
de vida ou decair.
C
alta probabilidade de um indivíduo ou grupo mudar de posição
numa sociedade estamental ou na sociedade capitalista.
D
possibilidade de um indivíduo ou grupo mudar de posição na
sociedade, podendo assumir uma trajetória de ascensão ou
descensão.
E
alta probabilidade de um indivíduo ou grupo mudar de posição
numa sociedade de castas em função da precarização de sua
vida.
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4 - Desigualdade social e vulnerabilidade social
Ao final deste módulo, você será capaz de reconhecer a desigualdade social como
produtora da vulnerabilidade social humana.
Estado de vulnerabilidade
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A desigualdade termina por gerar condições de vulnerabilidade social.
Vulneráveis são os indivíduos, grupos ou famílias que se encontram expostos
aos riscos de uma vida degradante. Falta ou dificuldade de acesso a serviços de
educação e saúde, precariedade de recursos, que não chegam a dar conta de
suprir os gastos com moradia, deslocamentos, consumo de gêneros de primeira
necessidade, como alimentos, remédio, itens de higiene etc., além da localização
geográfica em lugares nos quais o Estado não provê infraestrutura adequada
para ocupação humana digna, são elementos de circunscrevem os indivíduos ou
grupos em situações de vulnerabilidade.
A configuração da estrutura socioeconômica — seja ela a casta, as classes
sociais, os antigos estamentos ou estruturas mais laterais e igualitárias como
aquelas que organizam sociedades mais simples como povos originários
amazônicos, por exemplo — impacta diretamente as formas de vida das
populações. A vulnerabilidade constitui, portanto, um processo de exclusão em
que os indivíduos atingidos passam a enfrentar carências de diversas ordens,
não dependendo apenas do fator renda.
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Exemplo
Um indivíduo ou núcleo familiar que enfrenta dificuldades econômicas
temporárias, mas que conta com redes de apoio e colaboração da família
extensiva não necessariamente se enquadra na categoria de vulnerável. Neste
ponto, é importante notar como outros capitais influenciam a qualidade de vida
das pessoas para além do chamado capital econômico.
O conceito de capital pode ser usado para se referir a vários tipos de acúmulo
que posicionam pessoas em diversos níveis sociais:
 Capital econômico
Tem a ver com a renda propriamente dita.
 Capital cultural
Tem a ver com saberes e conhecimentos reconhecidos por
diplomas e títulos.
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 Capital social
Tem a ver com as relações sociais que a pessoa tem e que
podem ser revertidas em renda ou em condições mais
favoráveis de vida.
 Capital simbólico
Tem a ver com o poder outorgado por algum tipo de
pertencimento ou característica que valoriza o indivíduo,
como ser evangélico em certos ambientes como nas
favelas e periferias cariocas ou nos presídios, onde esse
tipo de pertencimento parece denotar honestidade, retidão,
dignidade aos olhos dos outros. Pesquisas em
penitenciárias relatam que os presos que frequentam cultos
pentecostais organizados no interior das instituições pelos
próprios internos tendem a ter benefícios e redução de pena
por bom comportamento.
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O indivíduo vulnerável, ao contrário, é aquele que se encontra destituído de
relações que possam projetá-lo ou melhorar sua inserção na sociedade, muito
menos colecionar contatos variados com figuras de contextos diversos
simultaneamente. Além disso, sem dinheiro e sem atributos que o valorizem, é
como se essa precariedade o mantivesse em uma espécie de buraco em que o
processo de marginalização se realiza pelo movimento de exclusão que
experimenta.
Assim, quando um indivíduo ou grupo, em função de determinado arranjo
sociocultural, é lançado nesse movimento centrífugo em relação ao
 Capital de rede
Semelhante ao capital social, refere-se às relações sociais
de que o indivíduo dispõe, porém, mais especificamente, à
capacidade que esse indivíduo tem de se conectar com
diferentes pessoas de diferentes meios ou nichos, tornando-
o potencialmente capaz de mediar encontros, digamos,
improváveis, entre figuras pertencentes a meios sociais
diversos e relativamente inacessíveis umas às outras.
Noutras palavras, o capital de rede pode ser pensado como
um poder de encurtar distâncias sociais.
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funcionamento da sociedade, sendo atirado para fora dos serviços comuns e
mesmo do atendimento do Estado, podemos dizer que a saída frequentemente
está na sua transformação em um sujeito político.
Nesse sentido, a Política Nacional de Assistência Social (PNAS), aprovada em
2004, apresenta as diretrizes para a efetivação da assistência social, como o
direito à cidadania e a responsabilidade do Estado. É na Constituição de 1988,
art. 204, que se encontra o fundamento jurídico da PNAS: descentralização
político-administrativa, participação da população e controle social. Entende-se,
então, que a assistência social deve concorrer para o bom funcionamento da
sociedade por meio da agência dos próprios cidadãos, dirimindo os movimentos
de exclusão e dialogando tanto com os indivíduos quanto com o Estado, tanto
com a força disruptiva da resistência quanto com a ordem.Representação de grupos
Representatividade
A representatividade pode ser pensada como a visibilidade de um grupo quando
suas questões passam a ser formuladas dentro de uma gramática de apelo pelo
reconhecimento de seus direitos. Isto é, quando certos dramas sociais de
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exclusão, precariedade, violência, perseguição, injustiça etc. são representados
por intermédio de uma instituição, pessoa ou grupo de pessoas e ganham
expressão e projeção social, é possível criar mecanismos para reverter ou frear a
situação de vulnerabilidade. Juntamente com a representatividade, fala-se muito
em protagonismo para se referir à ideia de que os indivíduos interessados nas
mudanças sociais devem ser as molas propulsoras do seu próprio processo de
integração, à medida que contestam o estado de coisas atual para melhor
acomodar suas próprias existências.
Manifestações de rua no ano de 2020 inspiradas
pelo movimento afro-americano Black lives matter
(vidas negras importam).
Exemplos da importância da
representatividade podem ser
encontrados na visibilidade e na
projeção das denúncias relacionadas
ao racismo no Brasil. O fato de a
população negra ser mais vulnerável à
violência do Estado e à discriminação,
graças às lutas do movimento negro
ao longo de muitos e muitos anos,
pode gerar uma importante
repercussão social.
Esse processo produziu efeitos como a criação de ações afirmativas, política de
cotas e a valorização ética e estética de atributos raciais relacionados às
culturas negras. Não é que o racismo e a exclusão da população negra tenham
deixado de ocorrer em diversos espaços e na cultura brasileira de um modo
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geral, mas o movimento antirracista tem se fortalecido e crescido cada vez mais
nos últimos anos, provocando um movimento centrípeto, de inclusão de pessoas
negras, que procura fazer frente ao racismo estrutural e à violência sistemática
contra os negros. Trata-se de uma verdadeira guerra simbólica. Uma disputa dos
sentidos culturais atribuídos à negritude.
Mas quando se fala em representatividade e na importância de um certo grupo
populacional ser representado politicamente e se fazer ouvir pelo Estado e pelo
restante da população, chamando atenção para a importância de suas questões,
surge pautas interessantes: quem pode ser chamado a representar esses grupos
e de que maneiras eles serão representados. Essa discussão está
intrinsecamente ligada ao conceito de lugar de fala, que veremos adiante.
Representatividade no cenário
nacional
O professor Dennis Novaes apresenta elementos que demonstram os impactos
da representatividade na realidade brasileira, quando exercida efetivamente.

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Lugar de fala
Com efeito, o que chamamos de “o dilema da representatividade” pode ser
ilustrado por um caso interessante, muito divulgado na mídia e nas redes sociais
no ano de 2018. O caso da blogueira Emma Hallberg, uma modelo sueca
acusada de “fingir ser negra” para ganhar seguidores, aproveitando-se do
movimento crescente de representatividade da estética negra no mundo.
Duas fotos da mesma modelo. A da esquerda foi registrada em processo de produção e a da direita, já
produzida e maquiada.
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Ainda que se possa argumentar que para os padrões suecos a modelo talvez
seja negra, ou “não branca”, o caso de Emma Hallberg levantou a importante
questão de quem pode representar uma determinada causa para ampliar as
vozes de combate às vulnerabilidades, ou de como essa representação é feita.
De fato, se o caso dissesse respeito a uma mulher que se identifica como branca
e finge ser negra para ganhar seguidores em redes sociais e visibilidade para sua
figura e carreira, a questão da representatividade passaria a ficar subordinada
aos interesses do mercado, esvaziando-se o seu conteúdo político.
Lugar de fala é um conceito que vem do feminismo dos 1960, do conceito de
standpoint, que pode ser traduzido por “ponto de vista”. Recentemente, a filósofa
Djamila Ribeiro organizou uma coleção de livros estruturados por temas e
escritos por autores negros. Chama-se Feminismos plurais, dos quais o mais
conhecido ficou sendo o seu O que é lugar de fala?, no qual a autora explicita a
gênese do conceito e a sua importância política:
Essas experiências comuns resultantes do lugar
social que ocupam impedem que a população negra
acesse certos espaços. É aqui que entendemos que é
possível falar de lugar de fala a partir do feminist
standpoint: não poder acessar certos espaços
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acarreta não se ter produções e epistemologias
desses grupos nesses espaços; não poder estar de
forma justa nas universidades, meios de
comunicação, política institucional, por exemplo,
impossibilita que as vozes dos indivíduos desses
grupos, sejam catalogadas, ouvidas, inclusive, até de
quem tem mais acesso à internet. O falar não se
restringe ao fato de emitir palavras, mas de poder
existir. Pensamos lugar de fala como refutar a
historiografia tradicional e hierarquização de saberes
consequente da hierarquia social. Quando falamos de
direito à existência digna, à voz, estamos falando de
locus social, de como esse lugar imposto dificulta a
possibilidade de transcendência.
(RIBEIRO, 2017, p. 64)
O lugar de fala, como voz que emana a partir de determinado ponto de vista,
propõe relacionar experiência e enunciação, uma vez que se entenda que falar
significa poder, inseridas em um sistema de poder-saber. O saber, assim
entendido, pode ser pensado como capital cultural. É, portanto, uma aposta
sobretudo política defender que o poder de falar sobre dada experiência
relacionada às injustiças sociais e à violação de direitos seja dado antes àquele
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que se encontra situado neste lugar usurpado na estrutura social. O lugar de fala
não é um lugar individual. É um lugar social, coletivo.
Racismo ambiental
Desigualdade social regional e o
racismo ambiental
Outra expressão do racismo pode ser compreendida por meio do conceito de
racismo ambiental. Racismo ambiental é o termo usado para se referir à
injustiça ambiental que se processa obedecendo à geografia social da
distribuição de populações não brancas no território.
Exemplo
Os lugares escolhidos para funcionarem como aterros sanitários nunca estão
localizados em bairros onde vivem as elites brancas. Áreas alagadas para a
construção de hidroelétricas afetam a vida de povos originários, populações
indígenas e ribeirinhas, não brancos.
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Durante muito tempo se pensou que os problemas ambientais fossem
distribuídos de forma equânime, digamos, como se toda a população do globo
fosse igualmente afetada por eles. Atualmente se sabe que os danos ambientais
afetam primeiro e de forma mais direta as populações menos favorecidas pela
estrutura social.
O conceito de racismo ambiental denuncia as desigualdades sociais regionais,
identificando que a vulnerabilidade está distribuída obedecendo a uma certa
geografia humana dos territórios. A precarização de territórios de favela é um
exemplo disso. Outras áreas que enfrentam uma política de abandono planejado
pelo Estado (CASTEL,

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