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TCC - LUIZA REVERS - VERSAO FINAL - 1

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NEM UNIVERSAIS, NEM RELATIVOS: UMA ANÁLISE CONTEXTUALISTA DOS 
DIREITOS HUMANOS 
 
NEITHER UNIVERSAL, NOR RELATIVE: A CONTEXTUALIST ANALYSIS OF 
HUMAN RIGHTS 
Luiza de Oliveira Revers 
 
RESUMO 
O Direito Internacional dos Direitos Humanos, tido por alguns teóricos como erga omnes enquanto inerente 
humanos seguem um conjunto de pressupostos pouco questionados no dia a dia prático de aplicação, 
quais sejam: (i) a existência de uma natureza humana universal; (ii) a dignidade humana absoluta e 
irredutível inerente a todos os indivíduos; (iii) a autonomia individual. Neste sentido, a afirmação de que 
todos são titulares do mínimo ético irredutível definido por inúmeros tratados internacionais sofre críticas 
no que tange justamente à sua dita universalidade; Como membros da sociedade internacional falham em 
garantir a efetividade destes, muitas vezes sob a escusa de estarem em desacordo com as regras do 
Direito Internacional dos Direitos Humanos? E quanto à sociedades que guardam ordem cultural diferente, 
impor uma série de normas a uma cultura diametralmente oposta não seria, em si, uma violação ao direito 
humano à autodeterminação e à autonomia individual? Pelo prisma do que caracteriza violações, não seria 
a nossa própria sociedade violadora de Direitos Humanos? A partir destes questionamentos, o trabalho 
visa analisar se estas normas realmente se configuram universais e evidentes como as declarações de 
direitos humanos tão amplamente e certamente trazem, ou se existe espaço para interpretação dentro do 
pluriverso dos Direitos Humanos. O trabalho se pauta pelo procedimento bibliográfico, a partir de análise 
crítica do tema como se encontra na literatura. 
Palavras-chave: direitos humanos; universalismo; relativismo; contextualismo. 
ABSTRACT 
International Human Rights Law, considered by some theorists as erga omnes and inherent to the human 
of assumptions little questioned in the practical day-to-day of its application, namely: (i) the existence of a 
universal human nature; (ii) the absolute and irreducible human dignity inherent in all individuals; (iii) 
individual autonomy. In this sense, the assertion that everyone is holder of the irreducible ethical minimum 
defined by numerous international treaties is criticized with regard to its so-called universality; How do 
members of international society fail to guarantee their effectiveness, often under the guise of being in 
violation of the rules of international human rights law? And as for societies that maintain a different cultural 
order, imposing a series of norms on a diametrically opposed culture would not be, in itself, a violation of 
the human right to self-determination and individual autonomy? From the perspective of what characterizes 
violations, would not our own society be a violator of Human Rights? Based on these questions, the work 
aims to analyze whether these norms really configure themselves as universal and evident as the 
declarations of human rights so widely and certainly bring, or if there is room for interpretation within the 
pluriverse of Human Rights. The work is guided by the bibliographic procedure, based on a critical analysis 
of the theme as found in the literature. 
Keywords: human rights, universalism; relativism; contextualism. 
 
 
 
INTRODUÇÃO 
Desde os primeiros agrupamentos humanos dos quais se tem registro escrito, a 
exemplo dos Estados Sumérios e Assírios na Mesopotâmia1, notam-se fatores de 
organização social por meio de regras ou conjuntos de normas estipuladas. Não 
obstante, nota-se o fato de que nem todo agrupamento se organiza conforme as mesmas 
regras, ou modelos idênticos de arranjo institucional. De fato, as ciências sociais mostram 
que assim como diversas sociedades podem existir, de mesmo modo, faz-se possível 
existir diversas modalidades de composição social; as possibilidades são inúmeras. 
No entanto, ainda que existam diversas possibilidades de organização e 
configuração social, há milhares de anos algumas destas sociedades conseguem 
concordar em certos padrões similares o suficiente para estabelecerem relações 
coordenadas. Assim, por mais diferentes que sejam, sociedades conseguem, por meio 
do diálogo, concordar quanto às normas que regem suas interações - inclusive com 
relação aos direitos humanos. Diferentemente do que se tem no ideário popular, os 
direitos humanos têm, então, uma história muito complexa e antiga, sendo mais de vinte 
e oito séculos de desenvolvimento social e teórico que culminam na Declaração Universal 
dos Direitos Humanos (DUDH), no ano de 19482. 
Exemplos de como agrupamentos humanos desenvolveram o ideal de direitos 
humanos atual ao longo dos séculos são as diversas outras declarações de mesmo 
cunho que surgiram nos séculos anteriores a esta última [a DUDH], como é o caso da Bill 
of Rights, em 1689, da Constituição norte americana de 1787, da Declaração do Bom 
Povo de Virgínia, em 1776, da Declaração da Independência dos Estados Unidos, em 
1776 e suas dez emendas que introduziam direitos, em 1791 , da Declaração 
Francesa dos Direitos do Homem e dos Povos, em 1789 reeditada outras vezes 
posteriormente para abranger novo rol de direitos , da Carta de São Francisco, que 
institui a Organização das Nações Unidas, em 1945, etc. 
 
1 ADAM, Watson. A evolução da sociedade internacional: uma análise histórica comparativa. Brasília: 
Editora UNB, 2004. 
2 RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 31. 
 
Contudo, o que se pode absorver do breve histórico da construção dos direitos 
humanos e seu rol normativo é que apenas parcela ínfima das sociedades mundiais teve 
efetiva participação na construção formal destes e das declarações que os positivam. 
Neste sentido, surgem questionamentos acerca da dita universalidade destes direitos 
proclamados. Os direitos humanos podem se configurar universais, quando representam 
essencialmente opiniões e interesses apenas de determinados grupos? Mais além, 
podem se dizer universais quando refletem a estrutura e os valores éticos e morais de 
apenas parcela concisa das sociedades mundiais? 
o caminho que as sociedades do norte global percorreram até o florescer das primeiras 
declarações de direitos humanos feitas. A autora tece, em meio à narrativa, seu principal 
argumento de que os direitos humanos, ao contrário de como usualmente defendidos por 
muitos como óbvios ou evidentes, foram, em realidade, fruto de mudanças 
desfaz. Para a autora, foi apenas com o desenvolvimento de novas formas de pensar e 
novos olhares sociais sobre os indivíduos, seus direitos e o mundo em que viviam, que o 
terreno fértil para a invenção dos direitos humanos pôde existir3. 
Desta maneira, em período anterior às Declarações, já eram discutidas as ideias 
empregado à época): 
 
Desde a primavera de 1789 isto é, mesmo antes da queda da Bastilha em 14 
de julho 
4 
 
Nota-se que as declarações não surgem do vazio, mas são reflexo de uma 
identidade prévia que sucede das relações sociais e ideias já discutidas por indivíduos a 
 
3 HUNT, Lynn. A invenção dos Direitos Humanos: uma história. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. 
4 HUNT, Lynn. A invenção dos Direitos Humanos: uma história. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. 
p. 23. 
 
partir de suas vivências5. Ainda, à época6, os direitos humanos eram um conceito recente 
e dependiam de interpretação para solidificar sua aplicação. Esta interpretação se 
encontrava ancorada a valores sociais pré-existentes e era distinta a depender do local 
e contexto social. Os direitos humanos configuram processos sociais, econômicos e 
políticos7, perpassam as diversas searas do meio social e são, de mesma maneira, fruto 
deste meio. 
documentos: baseiam-se numa disposição em relação às outras pessoas, um conjunto 
de convicções sobre como são as pessoas e como elas distinguem o certo e o errado 
8. Estes direitos mostram-se como produto de um determinadogrupo, de um 
determinado tempo, de uma determinada noção e leitura de contexto; são fruto de uma 
época e de valores estritamente intrínsecos a esta. 
 A fundação dos direitos humanos é também, em parte, a mudança nos valores 
sociais que permitiram o desenvolver de novos princípios com relação aos indivíduos9. A 
norma jurídica não tem existência por si só, mas em sociedade; e as normas não 
apar
estudadas e, então, aceitas e positivadas. As declarações de direitos não estavam 
prontas esperando o momento certo de emergir, e sim passaram por um longo processo 
de turbulência social, política e econômica que as consagrou na história. 
Assim, devemos questionar a natureza dita evidente do que chamamos hoje de 
direitos humanos e a narrativa histórica é capaz de mostrar com avidez que as 
proposições que temos atualmente não são axiomáticas, mas antes percorreram uma 
longa jornada até sua conformação atual. 
 
5 HUNT, Lynn. A invenção dos Direitos Humanos: uma história. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. 
p. 28, 33. 
6 Não apenas à época os direitos dependiam da interpretação e conformidade sociais, nos dias atuais sua 
aplicação funciona da mesma maneira. 
7 HERRERA FLORES, Joaquín. A reinvenção dos direitos humanos. Florianópolis: Fundação Boiteux, 
2009. p. 13. 
8 HUNT, Lynn. A invenção dos Direitos Humanos: uma história. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. 
p 25. 
9 HUNT, Lynn. A invenção dos Direitos Humanos: uma história. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. 
p. 25; 58. 
 
No entanto, a relatividade desses conceitos não deve implicar na exclusão do rol 
de direitos que a sociedade internacional construiu até então. Os direitos humanos não 
precisam ser descartados por suas incongruências históricas, mas devem ser revisitados 
de maneira a buscar sua efetividade e garantia a todos os indivíduos. O pilar de proteção 
humana que se desenvolveu ao longo das décadas tem seu prestígio e sua importância 
na luta pelo alcance da dignidade humana. 
Dito isso, o trabalho tem por objetivo colocar em pauta a discussão acerca da 
natureza universal dos direitos humanos e do relativismo social e cultural proposto por 
determinados autores. O embate entre estes pontos abre espaço para o objetivo principal 
e final da pesquisa: a proposição de uma terceira via possível, o contextualismo. É por 
meio desta última percepção que se defende poder ser executável a busca e luta pelo 
respeito aos direitos humanos. 
A investigação daí deflagrada segue o procedimento de revisão bibliográfica, 
para, mediante análise crítica do estado da questão na literatura, promover o 
debate apresentado. Ainda, em um segundo momento, para fins de embasamento de 
argumentação, breve análise histórica da gênese e desenrolar dos Direitos Humanos 
será feita, assim como a apresentação de alguns exemplos para discussão. O trabalho 
se subdivide em seções que se dedicam a analisar temas específicos que contribuem 
para a discussão proposta, quais sejam: a teoria crítica de direitos humanos, a 
perspectiva dos universalistas, a perspectiva dos relativistas e, por fim, a perspectiva 
contextualista. 
1. A PERSPECTIVA UNIVERSALISTA 
O Direito Internacional dos Direitos Humanos (DIDH) tem como marco inicial a 
Carta de São Francisco10 de 1945. Isto porque, foi após os eventos da Segunda Guerra 
Mundial que ocorreu o processo de internacionalização dos direitos humanos e 
humanização do Direito Internacional. Em 1948, adotada pela Assembleia Geral das 
Nações Unidas, a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) traz 
 
10 Tratado internacional que instituiu a Organização das Nações Unidas. 
 
explicitamente, em seu Artigo 1, a pretensão pela universalidade: Todos os seres 
humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e 
11. 
Percebe-se, então, que a busca era não apenas pela internacionalização dos direitos 
elencados, mas também pelo reconhecimento da sua natureza universal. 
Entretanto, a DUDH não é o primeiro documento a elencar série de direitos 
tomados como universais e inerentes a todos os seres humanos, a exemplo os já 
previamente citados na introdução deste trabalho: a Bill of Rights, de 1689, a Constituição 
norte americana de 1787, a Declaração do Bom Povo de Virgínia, de 1776, a Declaração 
da Independência dos Estados Unidos, de 1776 e suas emendas, a Declaração Francesa 
dos Direitos do Homem e dos Povos, de 1789, etc. Ainda, houveram acontecimentos 
antecedentes ao DIDH, como explicita Ramos: 
É claro que, antes de 1945, houve importantes antecedentes do atual Direito 
Internacional dos Direitos Humanos, como a proibição da escravidão; o regime 
de mandatos da vetusta Sociedade das Nações, que impôs obrigações de 
respeito aos direitos das populações de territórios sujeitos ao mandato; a 
proteção dos trabalhadores, com a criação da Organização Internacional do 
Trabalho em 1919; a proteção das minorias na Europa Ocidental no pós Primeira 
Guerra Mundial, entre outros.12 
A partir disso, pode-se atentar ao fato de que existia uma intenção de proclamar 
direitos comuns a todos os homens13 há séculos - ainda que a intenção se concentrasse 
geograficamente em locais como Estados Unidos da América e Europa. Ao passar dos 
anos, o rol pretendido foi abrangendo cada vez mais as especificidades de realidades 
distintas enfrentadas por pessoas e se estendendo a outros aspectos que permeiam a 
vida humana - inclusive, distinções foram criadas como os chamados direitos de primeira, 
segunda, terceira e quarta gerações.14 Assim, os direitos humanos passam a ser mais 
 
11 Organização das Nações Unidas. UN, 2020. Secretary-General's remarks to the UN Human Rights 
. 
12 RAMOS, André de Carvalho. Processo Internacional de Direitos Humanos. 4a ed. São Paulo: Saraiva, 
2015. p. 29. 
13 Aqui, 
a intenção era a de proclamar direitos, mas especificamente aos homens, apenas. Excluindo-se as 
mulheres e outros grupos como analfabetos, negros, deficientes etc. 
14 Este ideal de garantia de dignidade a todos os seres humanos tem uma de suas bases nos pensamentos 
ecumênico de Isaías, envolvendo-o na exigência de amor unive In: COMPARATO, Fábio Konder. A 
 
que a liberdade e propriedade, por exemplo, e englobam aspectos como o direito à 
alimentação, moradia, saúde, educação, saneamento básico, etc. Os direitos humanos 
se mostram na história em constante evolução, sempre reconhecendo, ano após ano, um 
novo aspecto merecedor de proteção internacional. 
Direitos, para Comparato15, é durante o período axial da História que a igualdade 
essencial entre indivíduos da espécie humana desponta. Dentro do argumento da 
universalidade, o autor explicita que o modelo de universalidade de direitos e a própria 
noção de garantia de um rol de direitos comuns a todas as pessoas têm base social: 
Ora, essa convicção de que todos os seres humanos têm direito a ser igualmente 
respeitados, pelo simples fato de sua humanidade, nasce vinculada a uma 
instituição social de capital importância: a lei escrita, como regra geral e uniforme, 
igualmente aplicável a todos os indivíduos que vivem numa sociedade 
organizada.16 
 De mesmo modo, Hunt aponta para a construção da noção de Direitos Humanos 
a partir da construção de um conceito do outro, tanto em sociedade como 
individualmente. Assim, dentro da coletividade, cada pessoa passa a enxergar a si 
mesma como um indivíduo autônomo que guarda características individuais, e, por 
conseguinte, passa a ver que seu vizinho também se caracteriza como um indivíduo. 
Então, os membros de uma sociedade passam a se enxergar - ao menos 
com relação à sua autonomia como indivíduos. 
 
Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. 12a ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019. p. 25. É 
importante ressaltar que outras declarações de direitos foram feitas embasando-se em crenças que não a 
cristã - como é o caso da Declaração Islâmica Universal dos Direitos Humanos, por exemplo. O que setraz 
aqui é, antes, um breve apontamento de como o pensamento religioso influenciou e influencia o que se 
entende como Direitos de uma sociedade e, no caso dos Direitos Humanos ocidentais na conformação 
atual, como o pensamento cristão serviu como terreno fértil para a positivação destes ideais de dignidade 
humana. Ainda, o trabalho não nega, tampouco ignora, o fato de que estas mesmas raízes religiosas foram 
utilizadas na história como pretexto para impetrar violações de direitos contra povos ameríndios, por 
exemplo, e que por grandes períodos da história as religiões ou negaram, ou deram de ombros para a 
questão dos Direitos Humanos. No entanto, em se considerando o escopo do presente trabalho, não cabe 
a discussão aprofundada de tais eventos e apontamentos. 
15 COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. 12a ed. São Paulo: 
Saraiva Educação, 2019. p. 26. 
16 COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. 12a ed. São Paulo: 
Saraiva Educação, 2019. p. 26. 
 
Os direitos humanos pressupõem a interpretação do outro como um sujeito de 
direitos, como indivíduo. No entanto, ainda se fazia necessária a empatia, que permite a 
um indivíduo observar o outro e se colocar em seu lugar, não desejando, então, que algo 
aconteça àquele. Para Hunt, a leitura de romances teve papel crucial na mudança social 
de que todas as pessoas são fundamentalmente semelhantes por causa de seus 
sentimentos íntimos, e muitos romances mostravam em particular o desejo de 
17. É a partir do reconhecimento do outro como indivíduo e sujeito de direito 
que, em sociedade, pode-se pensar como proteger esses direitos inerentes a cada 
parcela individual: 
O que sustentava essas noções de liberdade e direitos era um conjunto de 
pressuposições sobre a autonomia individual. Para ter direitos humanos, as 
pessoas deviam ser vistas como indivíduos separados que eram capazes de 
exercer um julgamento moral independente; (...) os direitos do homem 
acompanhavam o indivíduo (...) Mas, para que se tornassem membros de uma 
comunidade política baseada naqueles julgamentos morais independentes, 
esses indivíduos autônomos tinham de ser capazes de sentir empatia pelos 
outros. Todo mundo teria direitos somente se todo mundo pudesse ser visto, de 
modo essencial, como semelhante.18 
Neste sentido, foi a partir da desvinculação da pessoa humana da coletividade - 
para que fosse, então, vista como indivíduo - que os direitos individuais passaram a ser 
reconhecidos.19 É preciso primeiro compreender e edificar a concepção de corpos 
qua 20. 
Nota-se, neste sentido, uma contradição, qual seja, aquela da formação identitária 
individual se dar em comunidade; isto é, a individualidade pessoal não se constrói por si 
mesma, mas antes na comunidade em que os indivíduos participam. Em outras palavras, 
a noção de individualidade é, por fim, comunitária. Referindo-se à construção histórica 
 
17 HUNT, Lynn. A invenção dos Direitos Humanos: uma história. São Paulo: Companhia das Letras, 
2009. p. 39. 
18 HUNT, Lynn. A invenção dos Direitos Humanos: uma história. São Paulo: Companhia das Letras, 
2009. p. 25-26. 
19 HUNT, Lynn. A invenção dos Direitos Humanos: uma história. São Paulo: Companhia das Letras, 
2009. 
20 COPELLI, Giancarlo Montagner. Os Direitos Humanos e o Debate entre Universalistas e Relativistas: 
necessidades de superação. (Re)Pensando Direito. Ano 05, n. 09, jan/jun, 2015, p. 11-32. p. 02. 
 
condições sociais e quando o desenvolvimento técnico permite satisfazê-los"21. Assim, 
as sociedades que propuseram os direitos humanos só foram capazes de fazê-lo 
porquanto tinham o desenvolvimento técnico para isso - qual seja, começaram a 
reconhecer o outro como indivíduo. Então, novas necessidades por direitos surgiram ao 
passo que as condições sociais mudaram. 
Direitos humanos são, em suma, sociais, porquanto surgem entre indivíduos, não 
entre indivíduos e outros aspectos do mundo físico. Hunt atrela a relevância dos direitos 
direitos humanos em 
oposição aos direitos divinos, ou direitos humanos em oposição aos direitos animais: são 
os direitos de humanos vis-à-vis 22. 
Com isso, pode-se auferir que os Direitos, como um todo, têm raiz social; com os 
direitos humanos isso não é diferente. E, geralmente, é essa raiz social que impulsiona a 
maior parte das críticas à universalidade dos Direitos Humanos como defendida pelos 
discursos de órgãos internacionais (como a Organização das Nações Unidas), como se 
verá de maneira mais aprofundada nas próximas sessões. 
por que discutir a questão da universalidade de direitos é relevante, 
quando autores como Norberto Bobbio tão claramente proclamam a inexistência de valor 
teórico desta afirmação?23 A resposta se encontra no fato de que ainda existe um 
discurso sobre Direitos Humanos que é muito propagado e difundido como necessidade 
universal. Isto abre espaço para questionamentos e críticas às instituições que pregam, 
ainda, este ideal de unidade absoluta dos preceitos atuais de DH. Ainda, é preciso 
reavaliar os conceitos que giram em torno dos direitos humanos - inclusive o da 
universalidade - para que se possa trabalhar para uma aplicação mais efetiva destes e 
efetivar a garantia de dignidade humana. Assim, a discussão da universalidade tem valor 
prático nos dias atuais. 
 
21 BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Rio de Janeiro: LTC, 2020. p. 06. 
22 HUNT, Lynn. A invenção dos Direitos Humanos: uma história. São Paulo: Companhia das Letras, 
2009. P 19. 
23 BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Rio de Janeiro: LTC, 2020, 
 
2. A PERSPECTIVA RELATIVISTA E TEORIA CRÍTICA DE DIREITOS HUMANOS 
O relativismo cultural tem sua gênese na tentativa de antropólogos de garantir 
respeito às culturas que não seguem o padrão ocidental dominante, e encontra a temática 
dos direitos humanos ao levantar questionamentos acerca da dita universalidade destes 
preceitos estipulados, grosso modo, por homens brancos e europeus.24 O relativismo é 
humanizar a partir do Ocidente, de modo que tais instrumentos (...) não passam de 
ferrament 25. 
 Neste sentido, o relativismo cultural parte do pressuposto de que: sendo os 
Direitos produtos de diferentes culturas e meios sociais, e sendo os meios sociais 
existentes nas comunidades humanas divergentes entre si, torna-se impossível, então, 
defender a existência de um denominador comum capaz de conciliar todos os 
agrupamentos que partilham contextos idiossincráticos. O relativismo defende a ideia de 
26, sendo inviável a 
universalidade de direitos. 
 Assim, ainda que existam indícios de sociedades distintas que tenham tido intento 
- como exemplificamos na sessão anterior -, os valores 
de justiça, equidade, imparcialidade e humanidade eram diversos, já que são conceitos 
que variam no tempo e espaço a partir da construção social de cada grupo. Desta 
civilização ou cultura anterior ao século XVII teve uma prática confirmada, ou até mesmo 
27. 
 
24 BRENNAN, Katherine. The Influence of Cultural Relativism on International Human Rights Law: Female 
Circumcision as a Case Study. Minnesota journal of law & inequality. Mineápolis, vol. 7, n. 3, pp. 367-
398, dez., 1989. p 375. 
25 COPELLI, Giancarlo Montagner. Os Direitos Humanos e o Debate entre Universalistas e Relativistas: 
necessidades de superação. (Re)Pensando Direito. Ano 05, n. 09, jan/jun, 2015, p. 11-32. p. 13. 
26 COPELLI, Giancarlo Montagner. Os Direitos Humanos e o Debate entre Universalistas e Relativistas: 
necessidades de superação. (Re)Pensando Direito. Ano 05, n. 09, jan/jun, 2015, p. 11-32. p. 14. 
27 DONNELLY, Jack. The Relative Universality of Human Rights. Human Rights Quaterly, Michigan, vol. 
29, n. 2, pp. 281-306, mai., 2007. p. 285. 
 
 Sendo os padrões éticos e morais diferentes a depender do meio social, Copelli 
defende que, se o Direito é a expressão de conjuntos de valores de uma sociedade - o 
que os indivíduos desta sociedadeentendem como certo e errado, aceitável e inaceitável 
-, os questionamentos levantados pelos relativistas desestabilizam o discurso da 
s direitos humanos: 
(...) se conceitos como verdade e falsidade, bem e mal e certo e errado, por 
exemplo, estão ligados à comunidade, ao local, como unificar critérios, ou, ainda, 
juízos, buscando direitos que, ao passo que sejam humanos, sejam também 
universais? A resposta, mais uma vez, não encontra eco satisfatório em face à 
pretensão da universalidade dos Direitos Humanos, colocando, assim, em xeque 
não os próprios juízos ou as avaliações, mas, sim, a validade destes, de modo 
que o caminho rumo à dignidade humana passa, inexoravelmente, pelo 
reconhecimento dos valores de cada grupo.28 
Levanto novamente o exemplo utilizado na sessão anterior, o artigo primeiro da 
DUDH, adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948, 
seres humanos 29. Em uma análise 
inicial, a declaração pode transparecer uma ideia de solidariedade humana - pautada 
pelo fator tão necessário aos direitos humanos anteriormente apresentado: a empatia. 
No entanto, este movimento aparentemente inofensivo, de proclamar igualdade, para os 
relativistas, é fator gerador de desrespeito a individualidades existentes que não têm o 
dever de acatar o panorama cultural europeu base para a construção do ideal de 
direitos humanos como sendo a única resposta possível para se alcançar a dignidade 
humana. Para Herrera Flores, 
Não poderemos entender a força emancipadora dos direitos e muito menos 
explicá-los a quem não compartilha a visão ocidental do mundo se não somos 
capazes de introduzir em seu conceito e em sua prática a pluralidade e a 
diversidade de formas de abordar as lutas pela dignidade.30 
O que se depreende das raízes históricas atreladas ao documento é incongruente 
se vê que, tal qual os direitos 
 
28 COPELLI, Giancarlo Montagner. Os Direitos Humanos e o Debate entre Universalistas e Relativistas: 
necessidades de superação. (Re)Pensando Direito. Ano 05, n. 09, jan/jun, 2015, p. 11-32. p. 15. 
29 Fundo das Nações Unidas para as Crianças (UNICEF). Declaração Universal dos Direitos Humanos. 
[s.d] 
30 HERRERA FLORES, Joaquín. A reinvenção dos direitos humanos. Florianópolis: Fundação Boiteux, 
2009. p. 22. 
 
humanos se configuram como construto histórico, as violações desses direitos também 
o são. As desigualdades, exclusões e discriminações31 enfrentadas por grupos não 
pertencentes ao status quo social dominante acarretam no desencanto destes com 
discurso universalista. 
O Direito Internacional dos Direitos Humanos, assim como outras técnicas de 
direito, não se encontra desconexo dos valores daqueles que o perspectivaram. Esta 
proposição toma forma, por exemplo, ao percebermos o que se pretendia pelos próprios 
homens que idealizaram as primeiras declarações: suas intenções não eram inclusivas. 
Os artigos que declaravam liberdades e direitos a todos os homens sendo por muito 
aqui empregada aludia a toda 
a humanidade aplicavam-se somente a um seleto grupo de pessoas que tinha 
capacidade reconhecida como sujeito de direito32. 
Assim, para os relativistas, é impossível afirmar universalidade quando em frente 
à exclusão de deter
33. 
Nas palavras da autora: 
Essa afirmação de autoevidência, crucial para os direitos humanos mesmo nos 
dias de hoje, dá origem a um paradoxo: se a igualdade dos direitos é tão 
autoevidente, por que essa afirmação tinha de ser feita e por que só era feita em 
tempos e lugares específicos? Como podem os direitos humanos ser universais 
se não são universalmente reconhecidos?34 
Ao longo da história dos direitos humanos, como anteriormente revisitada, nota-se 
que diferentes sociedades e indivíduos partilhavam opiniões diversas quanto à natureza 
dos direitos e dos indivíduos que poderiam desfrutá-los. Assim, se vê na discrepância 
entre Sepúlveda e Las Casas: enquanto o primeiro não julgava coerente povos indígenas 
desfrutarem de direitos, porquanto não se tratavam de seres iguais, humanos, mas 
 
31 HERRERA FLORES, Joaquín. A reinvenção dos direitos humanos. Florianópolis: Fundação Boiteux, 
2009. p. 13. 
32 HUNT, Lynn. A invenção dos Direitos Humanos: uma história. São Paulo: Companhia das Letras, 
2009. p 25. 
33 HUNT, Lynn. A invenção dos Direitos Humanos: uma história. São Paulo: Companhia das Letras, 
2009. p. 16. 
34 HUNT, Lynn. A invenção dos Direitos Humanos: uma história. São Paulo: Companhia das Letras, 
2009. p. 18. 
 
indíg 35. Essa distinção denota a natureza conflituosa e impura dos direitos 
humanos, que não configuraram um consenso geral inquestionável. 
Ainda, a narrativa histórica clássica de que os direitos humanos passam a ter papel 
universal no plano internacional a partir da mudança de perspectiva gerada pelas 
atrocidades cometidas pelos Estados durante o período da Segunda Guerra Mundial 
(1939-1945) não é coerente. Isto porque até a atualidade os direitos humanos não eram 
aplicados de maneira universal e serviam a propósitos pré-determinados, claramente não 
universais. Para Boaventura de Sousa Santos: 
 
Se se observar a história dos direitos humanos no período imediatamente a 
seguir à Segunda Grande Guerra, não é difícil concluir que as políticas de direitos 
humanos estiveram em geral ao serviço dos interesses económicos e 
geopolíticos dos Estados capitalistas hegemônicos.36 
 
Indo além, conquanto fossem reais as intenções de aplicação total dos direitos 
humanos ainda que isso não seja possível enquanto concebidos como universais por 
conta dos choques culturais esta aplicação claramente nunca logrou sucesso, sendo 
37. 
Ademais, para os relativistas, a noção de que direitos são produtos sociais 
encontra-se diametralmente oposta à defesa da existência de certos direitos ditos 
universais na conformação em que se encontram atualmente. Ora, considerando ser o 
Direito vivo e mutável, se este se desenvolve conforme a sociedade se modifica em seus 
valores, é contraditório afirmar a existência de um rol de Direitos que se configurem unos, 
porquanto o globo é habitado por grupos sociais diversos, cada um com seus próprios 
valores e idiossincrasias intrínsecos. 
 
35 RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. p. 37. 
36 SANTOS, Boaventura de Sousa; SANTOS, Cecília MacDowell; MARTINS, Bruno Sena. Quem precisa 
dos direitos humanos?: precariedades, diferenças, interculturalidades. Coimbra: Almedina, 2019. P. 343. 
37 SANTOS, Boaventura de Sousa; SANTOS, Cecília MacDowell; MARTINS, Bruno Sena. Quem precisa 
dos direitos humanos?: precariedades, diferenças, interculturalidades. Coimbra: Almedina, 2019. P. 343. 
 
Assim, os relativistas acusam que a narrativa da universalidade de direitos afunda 
raízes colonizadoras - ao passo que visa simplesmente implementar de maneira 
inconsequente, e apartada das realidades vivenciadas, determinados padrões de vida e 
dignidade que têm gênese indiscutivelmente cultural. Como dito anteriormente, os 
direitos humanos se assentam na ideia de empatia pelo próximo, e essa empatia se dá 
de maneiras diferentes em cada agrupamento social. Nas palavras de Herrera Flores, 
(...) uma declaração que se apresenta como universal aceita desde o primeiro 
momento a realidade do colonialismo. (...) o colonialismo foi e segue sendo uma 
das maiores violações à ideia de direitos humanos, pois coloca uns, os 
colonizadores, no papel de superiores e civilizados e outros, os colonizados, no 
papel de inferiores e bárbaros.38 
 
A fim de ilustrar o argumento relativista, trago brevemente como exemplo uma 
prática que gerou diversas discussões no continente europeu e é capaz de demonstrar 
as nuances da discussão entre universalistas e relativistas: a prática da circuncisão 
feminina39. 
De acordo com Brennan, essa prática é antiga e existente em diversas sociedades. 
Quando o mundo ocidental teve contato com a notícia destas práticas, entrou em choque, 
prontificando-sea coibir estas práticas violadoras de direitos humanos e, pelo panorama 
ocidental, degradantes.40 
Alguns relativistas, frente a este tópico, defendem a impossibilidade de o direito 
internacional dos direitos humanos lograr qualquer tipo de ingerência em culturas que 
exercem estas práticas há séculos, ainda que sejam práticas consideradas como 
violações. Isto porque, de acordo com o pensamento relativista, essas práticas têm 
função legítima dentro de cada cultura e julgá-las a partir de um olhar ocidental, 
 
38 HERRERA FLORES, Joaquín. A reinvenção dos direitos humanos. Florianópolis: Fundação Boiteux, 
2009. P. 26. 
39 Não é o objetivo central do trabalho discorrer de maneira aprofundada sobre esta temática tão complexa, 
mas sim trazer brevemente o exemplo para demonstrar as incongruências do pensamento ocidental a partir 
da perspectiva relativista. 
40 BRENNAN, Katherine. The Influence of Cultural Relativism on International Human Rights Law: Female 
Circumcision as a Case Study. Minnesota journal of law & inequality. Mineápolis, vol. 7, n. 3, pp. 367-
398, dez., 1989. p 367. 
 
principalmente por meio da imposição do DIDH, seria infringir o direito cultural destes 
povos ao impetrar valores alienígenas a uma sociedade que guarda valores próprios.41 
Para os relativistas, os ideais destas sociedades são merecedores de tanto 
resguardo quanto nossos próprios rituais ocidentais que, vistos de fora, também podem 
ser considerados cruéis, como: (i) a imposição de valores estéticos absurdos à mulheres, 
que se submetem a procedimentos cirúrgicos de alta periculosidade para atender a um 
padrão inalcançável; (ii) o furo para brincos nas orelhas de recém nascidos, que 
configuram, para alguns, uma violação à autonomia da vontade; e até mesmo (iii) o 
procedimento de circuncisão em neonatos seguindo outros ritos religiosos. Todos estes 
fatores são apontados como práticas que configuram violações de direitos humanos - 
inclusive tendo ligação direta com a autonomia sobre o próprio corpo -, mas que são 
aceitas em nossa sociedade. 
Assim, a sociedade ocidental convive com costumes que infringem, igualmente, a 
dignidade humana e, de modo mais específico, corpos femininos. Dados estatísticos 
mostram que, em nossa sociedade com acesso às mídias sociais, entre os anos de 2012 
e 2015, os índices de depressão cresceram 50% em meninas. Outro estudo, feito em 
2017 com crianças do sexo feminino de idade entre 13 e 17 anos, aponta para o fato de 
sintomas depressivos dentro desse grupo terem sofrido um acréscimo de 33 pontos 
percentuais entre 2010 e 2015; ainda, a taxa de suicídio (dentro deste mesmo grupo) 
cresceu 65%. A variação mais alarmante se dá na taxa de suicídio infantil, que cresceu 
150%. Todos estes padrões apontam para o fato de que esses grupos de crianças eram 
expostos às mídias sociais.42 43 44 
 
41 BRENNAN, Katherine. The Influence of Cultural Relativism on International Human Rights Law: Female 
Circumcision as a Case Study. Minnesota journal of law & inequality. Mineápolis, vol. 7, n. 3, pp. 367-
398, dez., 1989. p 370. 
42 DENIS CAMPBELL. Depression in girls linked to higher use of social media: Research suggests link 
between social media use and depressive symptoms was stronger for girls compared with boys. The 
Guardian. 
43 40+ Frightening Social Media and Mental Health Statistics. ETACTICS. Hudson, 12 de nov. de 2020. 
44 De mesmo modo, o objetivo aqui não é discorrer de maneira aprofundada sobre o tema, mas antes 
levantar reflexão sobre o próprio ambiente destrutivo e violador que a sociedade ocidental proporciona e 
entende como natural. 
 
Quando se aponta para a questao estética, pode-se argumentar que a sociedade 
ocidental em que vivemos também pode ser considerada cruel com mulheres ao passo 
que os padrões impostos têm correlação direta com o aumento da taxa de jovens 
meninas que cometem suicídio, se automutilam, sofrem com depressão e disforia do 
corpo. Não seriam estas práticas igualmente violadoras da dignidade humana prevista 
pelos inúmeros tratados que compõem o DIDH? Não configuram estas práticas, de 
mesmo modo, tratamento cruel e degradante ou tortura? No entanto, estas condutas são 
normalizadas, ainda que, de alguma maneira, também cruéis e violentas - inclusive 
fisicamente - contra o corpo feminino.45 
culturais a partir do crivo de normas internacionais seria inapropriado de acordo com 
46. 
Desta maneira, o relativismo cultural aponta para o fato de que certos 
comportamentos normalizados em nossa sociedade, vistos por outro ângulo são, de 
mesma forma, dignos de indignação popular. Portanto, cada sociedade deveria ter a 
liberdade para se auto tutelar em seus próprios costumes sem a ingerência externa, já 
que os padrões de moralidade e eticidade mudam a depender do local. Assim, não faria 
sentido apontar no outro o que o ocidente julga cruel, sem perceber que a própria noção 
de crueldade é variável. Neste sentido, como previamente demonstrado, a nossa própria 
sociedade ocidental se caracteriza como violadora de DH. No entanto, como estamos já 
acostumados com nossos próprios padrões e hábitos culturais, isso não é tão 
comportamentos ou qualquer outra coisa são relativos à cultura 47. 
Ainda no tocante à percepção de uma cultura a partir de parâmetros externos, é 
importante ressaltar que as análises do outro são sempre maculadas pela bagagem 
cultural do observador. O modo como são narrados os rituais culturais também têm 
grande peso no julgamento do outro. Para ilustrar estes pontos, trago um experimento 
 
45 Não se ignora aqui o fato de estarmos, aos poucos, como sociedade, questionando estes costumes. 
No entanto, ainda vivenciamos este sistema. 
46 BRENNAN, Katherine. The Influence of Cultural Relativism on International Human Rights Law: Female 
Circumcision as a Case Study. Minnesota journal of law & inequality. Mineápolis, vol. 7, n. 3, pp. 367-
398, dez., 1989. p 371. 
47 HERSKOVITS, Melville. Cultural relativism: perspectives in cultural pluralism. Random House, 1972. [s.p] 
 
literário feito por Horace Miner, nos anos 70. Miner narra práticas culturais, mais 
especificamente os ritos corporais, dos Nacirema, um grupo norte americano qu
48. As 
práticas envolvem caixas de encantamentos, águas sagradas, ritos de limpeza, 
fascinação pela cavidade bucal entre outros procedimentos chocantes àqueles que se 
encontram fora da cultura narrada, como explicita o excerto: 
O ritual do corpo executado diariamente por cada Nacirema inclui um rito bucal. 
Apesar de serem tão cuidadosos no cuidado bucal, este rito envolve uma prática 
que choca o estrangeiro não iniciado, que só pode considerá-la revoltante. Foi-
me relatado que o ritual consiste na inserção de um pequeno feixe de cerdas 
de porco na boca juntamente com certos pós mágicos, e em movimentá-lo então 
numa série de gestos altamente formalizados. Além do ritual bucal privado, as 
pessoas procuram o mencionado sacerdote-da-boca uma ou duas vezes ao ano. 
Estes profissionais têm uma impressionante coleção de instrumentos, consistindo 
de brocas, furadores, sondas e aguilhões. O uso destes objetos no exorcismo 
dos demônios bucais envolve, para o cliente, uma tortura ritual quase 
inacreditável. O sacerdote-da-boca abre a boca do cliente e, usando os 
instrumentos acima citados, alarga todas as cavidades que a degeneração possa 
ter produzido nos dentes. Nestas cavidades são colocadas substâncias mágicas. 
Caso não existam cavidades naturais nos dentes, grandes seções de um ou mais 
dentes são extirpadas para que a substância sobrenatural possa ser aplicada. 
Foi a estas tendências que o Prof. Linton (1936) se referiu na discussão de uma 
parte específica dos ritos corporais que é desempenhada apenas por homens. 
Esta parte do rito envolve raspar e machucar a superfície da face com um 
instrumento afiado. Ritos especificamente femininos têm lugar apenas quatro 
vezes durante cada mês lunar, mas o quelhes falta em frequência é compensado 
em barbaridade. Como parte desta cerimônia, as mulheres costumam colocar 
suas cabeças em pequenos fornos por cerca de uma hora. O aspecto 
teoricamente interessante é que um povo que parece ser preponderantemente 
masoquista tenha desenvolvido especialistas sádicos. 
(...) 
Como conclusão, deve-se fazer referência a certas práticas que têm suas bases 
na estética nativa, mas que decorrem da aversão profunda ao corpo natural e 
suas funções. Existem jejuns rituais para tornar magras pessoas gordas, e 
banquetes cerimoniais para tornar gordas pessoas magras. Outros ritos são 
usados para tornar maiores os seios das mulheres que os têm pequenos e torná-
los menores quando são grandes. A insatisfação geral com o tamanho do seio é 
simbolizada no fato de a forma ideal estar virtualmente além da escala de 
variação humana. Umas poucas mulheres, dotadas de um desenvolvimento das 
mamas quase inumano, são tão idolatradas que podem levar uma boa vida 
simplesmente indo de cidade em cidade e permitindo aos embasbacados nativos, 
em troca de uma taxa, contemplarem-nos.49 
 
48 MINER, Horace. Ritos corporais entre os Nacirema. In: ROONEY, A. K; VORE, P. L. You and the Others: 
Readings in Introductory Anthropology. Cambridge, Winthrop Publishers, 1973. [s.p] 
49 MINER, Horace. Ritos corporais entre os Nacirema. In: ROONEY, A. K; VORE, P. L. You and the Others: 
Readings in Introductory Anthropology. Cambridge, Winthrop Publishers, 1973. [s.p] 
 
Por fim, com um olhar mais aguçado, percebe-se que o autor fala de nossa 
cabeça das mulheres em fornos nada mais é do que o narrar de procedimentos realizados 
em salões de beleza ao redor do globo; machucar a face com um instrumento afiado 
nada mais é que o ato de se barbear; o pequeno feixe de cerdas trata-se da escovação 
dos dentes, feita religiosamente por membros nossa sociedade ocidental diariamente, 
sem que achemos essa prática absurda; o sacerdote-da-boca? Trata-se do dentista, que, 
com sua impressionante coleção de instrumentos, consistindo de brocas, furadores, 
sondas e aguilhões, para nós não acusa mais que uma profissão rotineira. 
A partir deste experimento, podemos notar como a nossa percepção das 
sociedades é moldada a partir do discurso, e é por isso que os relativistas tão 
veementemente argumentam que não podemos decidir o certo e o errado - e 
principalmente impor estes valores no outro - baseando-nos por nossa perspectiva. Ora, 
a nossa própria cultura a depender da narrativa e ponto de observação pode parecer 
completamente inaceitável para o outro, e nossas práticas igualmente reprováveis e 
revoltantes. 
Basicamente, os relativistas afirmam que as sociedades deveriam ser livres para 
se autogerir sem ingerência externa: 
Se sociedades têm sistemas internos adequados para proteger seus próprios 
membros, os instrumentos de direitos humanos são desnecessários e 
irrelevantes. De fato, julgar práticas culturais a partir de normas internacionais 
seria inapropriado de acordo com relativistas culturais porque iria impor valores 
externos nestas culturas.50 
 
Por fim, os relativistas apontam para a impossibilidade de julgar costumes culturais 
a partir do DIDH por conta de sua natureza ocidental. Desta maneira,para os relativistas, 
os direitos humanos não apenas representam práxis essencialmente ocidentais, bem 
como foram construídos a partir da ética destas sociedades e, por este motivo, não 
 
50 BRENNAN, Katherine. The Influence of Cultural Relativism on International Human Rights Law: Female 
Circumcision as a Case Study. Minnesota journal of law & inequality. Mineápolis, vol. 7, n. 3, pp. 367-
398, dez., 1989. p 371. 
 
podem ser utilizados como padrão de julgamento dentro de culturas que têm valores 
distintos. 
3. A PERSPECTIVA CONTEXTUALISTA 
A partir da discussão apresentada, o que se depreende é que nem o universalismo, 
nem o relativismo são capazes de lidar com as questões levantadas; ambas as 
perspectivas se mostram insuficientes. O universalismo é incapaz de, de maneira 
satisfatória, não violar as particularidades intrínsecas de culturas diferentes sem ignorar 
seus traços, e o relativismo cultural não oferece opções para garantia de direitos comuns 
a todas as pessoas. Assim, é preciso superar ambas as visões e buscar satisfazer este 
propósito por uma terceira via: qual seja, o contextualismo. 
A problemática central do discurso embasado no conceito abstrato de 
universalidade de direitos se encontra na incapacidade de incluir grupos que não 
partilham da mesma visão de mundo que levou à construção normativa dos direitos 
humanos como se tem atualmente. Basicamente, isso implica dizer que a narrativa da 
universalidade desenfreada apaga idiossincrasias importantes e busca uniformizar a 
humanidade através das lentes ocidentais. Por este prisma, é preciso que a 
interculturalidade esteja presente para que a complexidade dos direitos humanos seja 
capaz de abarcar as diferentes concepções do que configura a dignidade humana.51 
Neste sentido, Boaventura de Sousa Santos explicita que nenhuma cultura é 
inteiramente completa. É por este motivo que, ao propor o método da hermenêutica 
diatópica para os direitos humanos, o professor consegue apontar um caminho 
alternativo que busque levar em consideração valores culturais diferentes e ponderá-los 
a fim de garantir a implementação dos direitos humanos sem incorrer em mera 
globalização de um localismo.52 
Por serem contextos distintos, pode-se defender que o discurso da universalidade 
já serviu a um propósito na história dos direitos humanos. No entanto, tal interpretação 
 
51 HERRERA FLORES, Joaquín. A reinvenção dos direitos humanos. Florianópolis: Fundação Boiteux, 
2009. p. 22. 
52 SANTOS, Boaventura de Sousa; SANTOS, Cecília MacDowell; MARTINS, Bruno Sena. Quem precisa 
dos direitos humanos?: precariedades, diferenças, interculturalidades. Coimbra: Almedina, 2019. P. 343. 
 
merece ser revisitada, principalmente ao aceitarmos a posição de que nenhum direito 
existe no vazio, mas tem embasamento nas relações sociais turbulentas que se 
desenvolvem a todo instante. Nenhum conceito jurídico configura-se imutável, a própria 
noção de direitos humanos atual pressupõe esta afirmação ao passo que configura rol 
aberto e meramente exemplificativo - não fechado e engessado; existe, portanto, a 
possibilidade de adição a este rol53. 
Assim como é possível calibrar o tertium comparationis dentro da disciplina de 
direito comparado para analisar diferentes sistemas jurídicos e encontrar semelhanças 
entre eles, o DIDH, de mesmo modo, pressupõe a possibilidade de existência de certo 
rol de regras que seriam comuns a todas as sociedades do mundo. Isso seria viável já 
que, ainda que diferentes entre si, as sociedades do mundo poderiam partilhar de um 
mínimo ético comum irredutível capaz de unificar as práticas com relação à pessoa 
humana e seus direitos inerentes à sua condição (de ser humano), e assim não existiria 
a problemática da imposição. 
Por este viés, a aplicação do DIDH pode ser feita de maneira a não configurar uma 
intrusão ou imposição de valores ocidentais à uma sociedade - ainda que ela não seja 
ocidental. Isto porque, em tese, todas as sociedades mundiais, independentemente de 
suas coordenadas geográficas, podem se influenciar e dialogar a fim de partilhar de 
certos padrões éticos comuns. 
Desta maneira, por meio do diálogo intercultural, padrões específicos de uma 
cultura, então, seriam possíveis de serem analisados por outra ao modelarmos o ponto 
de vista da análise. Para ilustrar, se olharmos de perto, a Declaração Universal dos 
Direitos Humanos (predominantemente ocidental) é demasiadamente diferente da 
Declaração Islâmica Universal dos Direitos Humanos. No entanto, se calibrarmos a 
distância da comparação e analisarmos de maneira mais distante, ambos são 
instrumentos que buscam defender os direitos humanos dentrode seu próprio padrão 
cultural. 
 
53 Faz-se importante ressaltar que isso se dá pela necessidade de permitir maleabilidade das normas aos 
contextos em que se aplicam. 
 
Assim, pode-se defender a possibilidade de diálogo entre as culturas que seriam 
utilizados como base para implementar o rol de DH definido pelas convenções atuais 
respeitando as realidades distintas de cada sociedade. 
ral é a 
54. Assim, não há como se falar em universalidade de 
direitos pela imposição de valores, considerando que estes são produtos de uma 
realidade cultural determinada. Portanto, não seria possível a existência de uma cultura 
global una, mas sim a existência de diálogo entre culturas distintas. Ainda, os direitos 
humanos ocidentais, como fruto cultural, não são o ápice indiscutível da proteção de 
direitos, tampouco são capazes de se blindar de falhas. Isto porque cada cultura entende 
a si mesma como completa, mas quando colocada em comparação com duas ou mais 
outras culturas, pode-se perceber sua incompletude.55 Assim, se analisados frente a 
outras práticas culturais, os direitos humanos ocidentais têm lacunas de proteção que 
devem ser examinadas. 
O questionar da universalidade permite comparar a percepção de direitos 
humanos entre culturas, e esta comparação permite o enriquecimento destes [os direitos 
humanos], ao passo que cada uma [cultura] tem a capacidade de contribuir para a 
identificação de falhas na aplicação efetiva de DH. Portanto, esse movimento de 
interpretação diatópica permite o enriquecimento da cultura dos direitos humanos. 
Desta maneira, a análise da universalidade reside essencialmente no interior do 
escopo de uma cultura específic
universalidade dos direitos humanos é uma questão cultural do Ocidente. Logo, os 
direitos humanos são universais apenas quando olhados de um ponto de vista 
56 
 
54 SANTOS, Boaventura de Sousa; SANTOS, Cecília MacDowell; MARTINS, Bruno Sena. Quem precisa 
dos direitos humanos?: precariedades, diferenças, interculturalidades. Coimbra: Almedina, 2019. P. 341. 
55 SANTOS, Boaventura de Sousa; SANTOS, Cecília MacDowell; MARTINS, Bruno Sena. Quem precisa 
dos direitos humanos?: precariedades, diferenças, interculturalidades. Coimbra: Almedina, 2019. P. 341. 
56 SANTOS, Boaventura de Sousa; SANTOS, Cecília MacDowell; MARTINS, Bruno Sena. Quem precisa 
dos direitos humanos?: precariedades, diferenças, interculturalidades. Coimbra: Almedina, 2019. P. 341. 
 
Para Santos, os direitos humanos funcionam como uma forma de fenômeno 
bivalente, que em seu enredamento assumem tanto a forma de localismo globalizado, 
quanto de cosmopolitismo subalterno57. Assim, a depender da aplicação e 
contextualização, bem como da forma como são encarados e descritos, os direitos 
humanos atuam de maneiras diversas em um mesmo eixo, podendo se revestir de uma 
roupagem nova e completamente oposta à anterior, tamanha sua complexidade. 
Assim, não é meramente sua gênese europeia que anularia a validade dos direitos 
humanos em outros lugares, mas a possibilidade de esses lugares partilharem ou não de 
seus valores e concordarem com suas premissas como padrão geral. Neste sentido, para 
o aut 58 das sociedades 
com os direitos humanos. 
Uma perspectiva mais positivista do tema se embasa no fato de que o processo 
 os Estados 
participantes das Nações Unidas e que, aqueles que não participaram do processo 
decisório, mais tardiamente puderam concordar com estes termos. No caso, a DUDH e 
outros inúmeros tratados que proclamam DH têm com pedra angular o consentimento 
livre e esclarecido de cada Estado (neste sentido, cada sociedade) e, por isso, o rol atual 
representa a vontade universal de reconhecer estes como os DH de todos. Neste sentido: 
A resposta positivista para o relativismo cultural é a de que, independentemente 
de ideologias conflitantes e valores culturais aos quais as nações aderem, as 
normas promulgadas das Nações Unidas representam acordos entre as nações 
participantes para que trabalhem em direção a um objetivo comum. Se 
determinados Estados-membros têm uma tradição de valorizar a dignidade 
individual ou não, é irrelevante. Se ratificaram instrumentos de direitos humanos 
que se baseiam nesta teoria de direitos individuais, estes Estados participaram 
voluntariamente no processo da ONU e se obrigaram a proteger estes direitos.59 
 Ainda, os direitos humanos não são aplicados de maneira uniforme. Existem 
variadas formulações distintas entre si a depender do instrumento, e cada região tem um 
 
57 SANTOS, Boaventura de Sousa; SANTOS, Cecília MacDowell; MARTINS, Bruno Sena. Quem precisa 
dos direitos humanos?: precariedades, diferenças, interculturalidades. Coimbra: Almedina, 2019. P. 
399. 
58 SANTOS, Boaventura de Sousa. p. 340. 
59 BRENNAN, Katherine. The Influence of Cultural Relativism on International Human Rights Law: Female 
Circumcision as a Case Study. Minnesota journal of law & inequality. Mineápolis, vol. 7, n. 3, pp. 367-
398, dez., 1989. p 372. 
 
sistema de proteção de direitos humanos para melhor atender aos interesses e 
necessidades culturais da origem. Sobre este assunto, Cançado Trindade: 
No processo de generalização da proteção dos direitos humanos, a unidade 
conceitual dos direitos humanos - todos inerentes à pessoa humana - veio a 
transcender as distintas formulações de direitos reconhecidos em diferentes 
instrumentos. Em nada surpreende que ao indivíduo seja concedida a liberdade 
de escolha do procedimento internacional a ser acionado (...). Tampouco em 
nada surpreende que se aplique o critério da primazia da norma mais favorável à 
suposta vítima de violação de direitos humanos (...). Tal complementaridade de 
instrumentos de direitos humanos em níveis global e regional reflete a 
especificidade e autonomia do Direito Internacional dos Direitos Humanos, 
caracterizado essencialmente como um direito de proteção.60 
É importante explicitar aqui que o mero transplante de certo rol ou princípios de 
direito para outros sistemas jurídicos é tido, para a disciplina de direito comparado, por 
exemplo, como prática legislativa que não leva em consideração as particularidades de 
outros sistemas. Neste prisma, a grande chance de inefetividade de ditas normas ou 
princípios - por serem alheios à tradição jurídica receptiva é capaz de encabeçar 
consequências desastrosas dentro destes contextos. 
No entanto, ainda que o rol atual dos direitos humanos tenha gênese em certas 
culturas específicas, isso não é impedimento para a possibilidade de aplicação desde rol 
respeitando particularidades inerentes à cada sociedade. Desta maneira, os direitos 
humanos atuais merecem ser revisitados, mas isso não implica no descarte das 
proposições que temos, tampouco na invalidade ou deslegitimidade dos sistemas 
jurídicos de proteção de direitos humanos. 
No que tange à universalidade dos direitos humanos pretendida, esta não pode 
ser levada a cabo pela mera imposição de princípios que derivam de valores culturais 
 sem antes se permitir adaptável ao cenário que os irão receber. Neste sentido, qualquer 
tipo de divisão de mundo a partir de linhas concretas mostra-se prejudicial para a análise 
dos Direitos Humanos. Isto porque as sociedades interagem entre si, sendo assim, as 
- que 
permite a passagem e troca de informação entre os meios -, do que à uma muralha que 
impede qualquer tipo de compartilhamento entre meios. Assim, o contexto real fica 
 
60 CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos. 
Vol. 1. Porto Alegre: SAFE, 1997. p. 28. 
 
esquecido no debate encabrestado entre universalismo e relativismo. Sobre isso, Melina 
Fachin: 
Os debates polarizados, entre um pretenso universalismo ou relativismo, não 
levam em conta, ao menos em um primeiro plano, esta dimensão política-social. 
Possuem, destarte, uma visão parcial, e portanto reduzida, do real (...)61 
O enfoque relativista acaba por inviabilizaro debate internacional e a consequente 
adaptação cultural de direitos. Assim, o diálogo configuraria como principal ponto de 
partida para abrir a porta da possibilidade de aplicação de direitos humanos e 
incorporação destes em diferentes culturas sem apagar traços inerentes a elas. 
Mas a crítica relativista denuncia a incapacidade do discurso da universalidade de 
efetivamente proteger a dignidade humana. Para Herrera Flores, a realidade vivida 
atualmente sob a égide do pensamento neoliberal, responsável, em grande parte, pelas 
ideias de superioridade de alguns Estados frente a outros e da crescente repúdia pelos 
62 
O relativismo, contudo, falha ao não considerar a possibilidade de diálogo 
intercultural. Ademais, a cultura não configura fator determinante do pensamento de uma 
63. Para Melina Fachin, aqui reside o grande equívoco do relativismo: 
64. 
As constantes denúncias de violações de direitos humanos que continuam a 
existir, o frequente descaso de Estados que se omitem para com a garantia efetiva dos 
 
61 FACHIN, Melina Girardi. Fundamentos dos Direitos Humanos: teoria e práxis na cultura da tolerância. 
Rio de Janeiro: Renovar, 2009. p. 234. 
62 HERRERA FLORES, Joaquín. A reinvenção dos direitos humanos. Florianópolis: Fundação Boiteux, 
2009. P. 20. 
63 FACHIN, Melina Girardi. Fundamentos dos Direitos Humanos: teoria e práxis na cultura da tolerância. 
Rio de Janeiro: Renovar, 2009. p. 236. 
64 FACHIN, Melina Girardi. Fundamentos dos Direitos Humanos: teoria e práxis na cultura da 
tolerância. Rio de Janeiro: Renovar, 2009. p. 236. 
 
direitos humanos, bem como a tomada de ações positivas, por parte destes, que 
explanam sua insubordinação a estas normas - não apenas em sua própria dimensão 
territorial ou pessoal, mas também fora dos limites de sua soberania -, e a aparente 
inexequibilidade de sanções aos capazes de violar os discursos e normas de direitos 
humanos são fatores que acusam a não total efetividade do sistema de direitos humanos 
atual. 
Faz-se importante entender que a mera normatividade ou positividade de direitos 
- sejam quais forem - não confere grau algum de respeito ou garantia. Existe um abismo 
surpreendente entre a norma jurídica e a sua efetividade e capacidade de proteção do 
ser humano. Não há como idolatrar a judicialização e abandonar a realidade social que 
escancara a falha do olhar puramente normativo dos direitos humanos. Há, por trás dos 
sistemas jurídicos, sistemas sociais que definem privilégios e desigualdades. Para 
Herrera Flores, 
 
Falamos de direitos e parece que tal reconhecimento jurídico já solucionou todo 
o problema que envolve as situações de desigualdade ou de injustiça que as 
normas devem regular. Somente devemos nos preocupar com as garantias 
judiciais dos direitos, desprezando absolutamente que, atrás de todo edifício 
jurídico, se escondem sistemas de valores e processos de divisão do fazer 
humano que privilegiam uns grupos e subordinam outros.65 
Como explicitado anteriormente, positivar direitos não implica assegurar estes 
direitos, tampouco universalizá-los. Por este motivo, a perspectiva contextualista que é 
capaz de estabelecer como denominador comum entre as sociedades globais o diálogo, 
mostra-se 
macular práticas culturais. 
CONSIDERAÇÕES FINAIS 
 O que se pode depreender do que foi trabalhado ao longo das sessões anteriores 
é o que o debate entre universalistas e relativistas precisa ser revisitado. A teoria crítica 
de direitos humanos e a perspectiva relativista são necessárias para que possamos 
revisitar fundamentos ultrapassados e discursos não inclusivos, marcados pelo 
 
65 HERRERA FLORES, Joaquín. A reinvenção dos direitos humanos. Florianópolis: Fundação Boiteux, 
2009. p. 21. 
 
preconceito e aversão ao outro. De mesmo modo, o argumento relativista não deve ser 
utilizado como preceito para deslegitimar o rol de direitos humanos ou os diversos 
sistemas de proteção atuais. 
As perspectivas universalista e relativista não se mostram capazes de trazer 
soluções efetivas quanto à garantia dos direitos humanos. A primeira, falha em atender 
as diferentes nuances culturais, e, a segunda, falha em compreender que sociedades, 
ainda que distintas, não existem de maneira isolada uma das outras, tampouco 
determinam a imutabilidade de um sistema. Assim, a possibilidade de diálogo entre 
diferentes culturas mostra-se como não apenas um caminho possível, mas também um 
caminho capaz de proporcionar enriquecimento à matéria de direitos humanos. 
É importante ressaltar, novamente, que em se considerando a gênese dos direitos 
humanos na conformação que se tem atualmente, estes podem ser tidos como produtos 
históricos de uma determinada cultura, um determinado local e um determinado tempo. 
No entanto, a raiz europeia ou norte americana desses direitos, mesmo com o possível 
espelhar de aspectos culturais, sociais e políticos destes lugares, não é fator impeditivo 
para que estes sejam aplicados de maneira a abranger ou se adaptar à diferentes 
culturas, tampouco é fator para o descarte de todo o sistema de DH vigente. 
Assim, a relatividade desses conceitos não deve implicar na exclusão do rol de 
direitos que a sociedade internacional construiu até então. Os direitos humanos não 
precisam ser descartados por suas incongruências históricas, mas devem ser revisitados 
de maneira a buscar sua efetividade e garantia a todos os indivíduos. O pilar de proteção 
humana que se desenvolveu ao longo das décadas tem seu prestígio e sua importância 
na luta pelo alcance da dignidade humana. 
O contextualismo se configura como terceira via capaz de proporcionar a aplicação 
bem-sucedida dos direitos humanos, porquanto é uma perspectiva que assume a 
possibilidade de diálogo intercultural, sem impor conceitos engessados às sociedades e 
suas práticas culturais - como faz tanto universalismo, como relativismo. 
 
Por fim, se os direitos humanos constituem a luta para ter desejos e necessidades 
humanas individuais e coletivas respeitados66, a depender do contexto em que se 
inserem, o método de análise de Boaventura de Sousa Santos se mostra ideal para a 
consecução destes: a visão contextualista se revela como um terceiro caminho possível 
para o implementar dessas lutas de maneira efetiva, sem descartar idiossincrasias 
culturais e sem desvalidar o sistema de direitos humanos atual. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
66 HERRERA FLORES, Joaquín. A reinvenção dos direitos humanos. Florianópolis: Fundação Boiteux, 
2009. p. 19. 
 
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