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Teoria dos Direitos Humanos Prof. Adriano Moura Descrição A teorização e a caracterização dos Direitos Humanos no tempo e no espaço e suas consequências na sociedade globalizada e na realidade contemporânea dos Estados. Propósito Compreender as origens da proteção normativa dos Direitos Humanos é essencial para a atuação profissional em relações sociais, econômicas e jurídicas, reconhecendo as possibilidades e limitações culturais e normativas em sua aplicação prática. Preparação Antes de iniciar a leitura deste conteúdo, consulte a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948. Objetivos Módulo 1 Teorias e classi�cações dos Direitos Humanos Reconhecer as teorias e classificações dos Direitos Humanos Módulo 2 Características dos Direitos Humanos Características dos Direitos Humanos Distinguir as características dos Direitos Humanos de forma contextualizada Por que estudamos Direitos Humanos? Para iniciar essa tradução e entendimento, Adriano Moura (doutor em Direito) e Rodrigo Rainha (doutor em História) se colocam frente a frente, provocando o olhar necessário ao debate sobre Direitos Humanos. A presença dos Direitos Humanos nos mais diversos espaços sociais da contemporaneidade não é uma novidade e muito menos uma estratégia limitada aos juristas e seu campo acadêmico profissional. Discursar, justificar, requerer ou tomar decisões importantes na gestão pública e nas relações sociais de natureza privada de maneira embasada tem sido uma prática recorrente desde a segunda metade do século XX, ecoando importantes documentos internacionais de prescrição dos Direitos Humanos, sem prejuízo de antecedentes mais restritos. Seja no campo político, executivo, legislativo ou até mesmo do espaço da Justiça, os Direitos Humanos têm lugar retórico de destaque nos debates e falas organizadas. Mas qual razão leva os Direitos Humanos a terem um alcance tão amplo na sociedade contemporânea, ao mesmo tempo em que geram debates muitas vezes tão polarizados que trazem a impressão de termos vitoriosos e derrotados pautados no mesmo conteúdo? Veremos que inconsistências terminológicas, falta de comunicação com a sociedade como um todo e uma seletividade em sua aplicação prática por parte do poder público são alguns dos fatores responsáveis por isso. Vamos, juntos, tratar das terminologias, teorias, dos modos de classificação e das características que levam os Direitos Humanos a serem tão presentes em nossas relações do cotidiano, ainda que não tenhamos tal percepção. Introdução Inconsistências terminológicas Interpretações genéricas ou erradas dos termos dos Direitos Humanos. Seletividade Falsa noção de que Direitos humanos são apenas para alguns. 1 - Teorias e classi�cações dos Direitos Humanos O objetivo deste módulo é reconhecer as teorias e classi�cações dos Direitos Humanos Expressões jurídicas e seu contexto na lid d i l realidade social Uma das grandes preocupações dos estudiosos da aplicação do Direito é justamente a terminologia (estudo dos termos, das palavras e seu sentido) utilizada ao longo do tempo nos mais diversos documentos jurídicos, tais como leis, códigos, decretos, constituições, entre outros. Uma não rara incompatibilidade entre discursos políticos e jurídicos, espécies normativas e o Direito que acaba sendo aplicado nem sempre é percebida pela sociedade civil e pelos atores da operação do Direito. Comentário O senso comum crê que os termos do Direito são incompreensíveis e entendidos quase como um código secreto. Ambos os lados precisam se esforçar, pois têm muito a contribuir entre si. Não estamos falando necessariamente da falta de conhecimento técnico das pessoas não letradas nas Ciências Jurídicas, mas sim de muitas inconsistências terminológicas criadas e/ou perpetuadas por fontes de reprodução de conteúdo “não muito científicas”, por assim dizer (sem metodologia aplicada às teorias e práticas da área do Direito e suas relações com o restante do mundo). Sim, o mundo jurídico tem seu próprio vocabulário escrito e falado, criado nem sempre à imagem e semelhança da melhor técnica. Pior do que não conhecer o vocabulário técnico, algo normal em qualquer área, é não conhecê-lo e, por ouvir dizer, passar a acreditar que ele significa algo que não tem sentido. Tropas austro-húngaras executando sérvios capturados, 1917. Também se agrava, em tese, com a realidade espacial do momento mais globalizado do mundo, com Também se agrava, em tese, com a realidade espacial do momento mais globalizado do mundo, com possibilidades de trocas intensas, principalmente nas comunicações, que incentiva ideias de maior amplitude de aplicação de normas jurídicas tidas; ou com traduções menos científicas ainda, potencialmente universais, que acabam sofrendo resistência quando aplicadas de fato em determinado território, povo e em realidades cultural e economicamente distintas. E ainda mais se o desafio for tratar de Direitos Humanos, que são entendidos como aplicáveis a todos os seres humanos. Vamos adentrar agora esse campo para conhecermos as divergências terminológicas, teorias e classificações dos Direitos Humanos que impactam as relações cotidianas, seja qual for a sua área de atuação profissional ou interesse pessoal. Em outras palavras, foi criado um conceito chamado pós-verdade, que pensa nossa sociedade. Segundo esse conceito, passamos a crer menos no exercício racional. Tendo em vista a fácil legitimidade de qualquer troca de pensamento nas redes de comunicação, passa a ser desnecessária a reflexão científica. Assim, se você acredita em algo e busca aquilo que reforça o seu olhar – independentemente do grau de absurdo –, isso é suficiente para que a crença se torne verdade. Veja um exemplo a seguir: Verdade e o Exercício racional Pós-verdade e o Reforço da crença Direitos Humanos ou Direitos Fundamentais: qual o começo e qual o nosso referencial? Os Direitos Humanos normalmente aparecem no mundo ao largo da história em momentos sequenciais de grandes tragédias humanas e ou humanitárias. O ser humano, sim, ele mesmo que é tão protegido e regulado pelo Direito protagoniza, não raro, atos e fatos sociais que mancham a linha cronológica de sua própria existência. Seja por valores e interesses materiais normalmente ligados ao direito de propriedade ou exploração comercial, incluindo dominação de povos e territórios, conceitos e ideologias de cunho filosófico ou religioso e até mesmo biológicos, a história relata um número exaustivo de ações de humanos contra humanos. Não são casos de disputas ou rixas individuais por culpa ou dolo dos protagonistas da cena em si, mas, sim, batalhas orquestradas e executadas com propósitos coletivos, normalmente associados a liderança de um povo, estado ou coletivo menor que intenta impor suas ideias a força para os demais; ou castiga, quando percebe que não conseguiu seu objetivo primário. Poderíamos citar muitos exemplos lidados na sociedade com tal naturalidade, mas optamos por ilustrar os seguintes: Largo As transformações da história impactam o Direito. Elas não ocorrem de forma direta, mas como o Direito é social, por consequência atingem em maior ou menor grau as concepções jurídicas. Por isso, se diz “ao largo”. Leopoldo rei da Bélgica na África A bomba atômica em Hiroshima e Nagasaki O Massacre dos judeus O Massacre de Armênios Para evitar lágrimas, queremos apenas que você perceba que fala-se em Direitos Humanos quando os sujeitos percebem o que suas ideias e verdades são capazes de fazer com o outro. Negar ou justificar qualquer tipo de massacre faz com que você esteja reproduzindo exatamente as ideias que nos levaram a tais massacres. Pense nisso! Vamos continuar... Resumindo Podemos conceber algumas ideias do Jusnaturalismo mais clássico que assimilava direitos ou ideias de Podemos conceber algumas ideias do Jusnaturalismo mais clássico que assimilava direitos ou ideias de princípios da natureza e do cosmos como sendo parte integrante tambémdo ser humano. Com divergências e segmentações diversas, os antigos filósofos foram pioneiros em agregar essas ideias de direitos e características. Cícero foi um desses filósofos, um dos grandes nomes de Roma. Segundo ele, o homem deve seguir a natureza, e então perceber como funciona a característica individual de cada grupo. A ideia de mudança social, por exemplo é algo visto com estranheza. Quem nasce para ser filósofo será filósofo, e ir contra sua natureza por qualquer interesse fará com que seu percurso seja antinatural. O mesmo vale para a justiça. Estamos aqui falando de um período que se estende de quatro a cinco séculos antes de Cristo e que encontra um importante marco temporal de nossa contagem histórica com a chegada do conceito de dignidade de cada uma das pessoas, baseando-se no judaísmo e na filosofia cristã, sem prejuízo do que a força religiosa da Igreja Católica iria proporcionar na Idade Média nos séculos seguintes. Igreja Católica A religião judaico-cristã, filosoficamente falando, tende a propor instrumentos de proteção da pessoa humana. Sim, o texto possui exceções e interpretações que foram utilizadas de outra forma ao longo do tempo. Se olharmos para o período do século X até a chegada ao entorno contemporâneo, perceberemos claramente a produção de legislações que procuraram proteger melhor os direitos inicialmente individuais (e depois coletivos) dos seres humanos. (MELLO, 2021) Fato é que, partindo do Jusnaturalismo, na poeira dos séculos, a fé, a filosofia cristã e o Direito travariam intensos debates e batalhas para atuar em direitos naturais, dignidade pessoal, liberdades individuais, propriedades e no contato e atuação com a população indígena e com os negros como pessoas escravizadas. Em outras palavras, ao longo do tempo tivemos uma oscilação entre a defesa da dominação do outro, justificada de formas diversas, e a obrigação moral de protegê-lo. Já imaginou o conflito? Para não irmos muito além, podemos aqui apontar duas atuações em especial: Anchieta e Nóbrega na cabana de Pindobuçu, Benedito, Calixto, 1927. Jesuítas e a atuação da Companhia de Jesus A ordem Jesuíta tinha a missão de catequizar e cuidar dos índios, mas foi acusada de exploração, escravidão e legitimação da escravidão. Uma família brasileira do século XIX sendo servida por escravos. O jantar. Passatempos depois do jantar, Jean-Baptiste Debret, 1830. Escravidão da população negra e a Lei do Ventre Livre O ordenamento jurídico no texto da lei fala em proteção da pessoa humana, mas continua permitindo a escravização da população negra como um todo. Eleanor Roosevelt segurando pôster da Declaração Universal dos Direitos Humanos,1949. Após a Segunda Guerra Mundial, foi criada a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, um marco universal do tema que ilumina, desde então, as reformas legislativas e a busca de um norte referencial para o comportamento humano social, ainda que com diferenciados níveis de aceitabilidade e aplicabilidade prática. comportamento humano social, ainda que com diferenciados níveis de aceitabilidade e aplicabilidade prática. Dica É aconselhável, caso você queira, ler a declaração na íntegra e usá-la para acompanhar o material daqui em diante. Veja listados a seguir alguns dos documentos mais importantes para a evolução desse pensamento: Essa é só uma amostra da variedade geográfica e temporal das declarações que podem ser encontradas ao longo da história defendendo interesses que passam ao longo dos séculos e são encorpados ou associados a uma ideia maior dos Direitos Humanos. Muitos dos documentos mencionados, bem como diversos acontecimentos contemporâneos a eles, ocorreram, principalmente, a reboque de tragédias ou grandes violações históricas dos direitos das pessoas. Não podemos esquecer que nem sempre “todos eram iguais perante a lei”, mesmo nos territórios atuais de importantes países e lideranças mundiais. Reside aí, talvez, a primeira e maior violação contra o ser humano, que afeta a própria ideia de um standard (padrão ou modelo) mínimo refletido em alguns países como o Brasil, no Princípio Fundamental da Dignidade da Pessoa Humana (CRFB 88, art. 1º, III). Não podemos esquecer que antigamente os costumes e tradições influenciavam o comportamento humano e os limites da atuação dos poderes, mais do que o Direito formal do que atualmente chamamos de Estados, que nem sempre foi assim. Aliás, o tema dos costumes e tradições é muito bem-tratado na obra A Invenção das Tradições (HOBSBAWN, 2012), quando o autor busca explicar o conceito de tradição inventada e sua diferenciação dos costumes, sendo mais um indicativo da dificuldade de termos, na prática, um rol hermético ou mais unificado de Direitos Humanos universais. 1888 Declarações de León 1215 Magna Carta Inglesa 1628 Petição de Direitos CRFB 88, art. 1o, III Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I. a soberania; II. a cidadania; III. a dignidade da pessoa humana; IV. os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V. o pluralismo político. Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição. Costumes Tradição inventada Comentário Nosso hábito de voltar muito no tempo para explicar uma sociedade é uma invenção. Os processos que se aportam no passado são de interesse de um grupo em afirmar que nós pertencemos a ele. Por isso, no Brasil vivemos com a ideia de ter um passado tão europeu. Nesse sentido, para além dos exemplos e documentos históricos citados e apresentados acima, os Direitos Nesse sentido, para além dos exemplos e documentos históricos citados e apresentados acima, os Direitos Humanos no século XX, principalmente desde o Pós-Guerra de 1945 até a chegada aos nosso dias, estão consolidados como direitos que visam a assegurar, no plano internacional e nos respectivos sistemas jurídicos nacionais, as condições mínimas para a sobrevivência das pessoas. Como exemplos, podemos citar o direito ao nascimento com vida e criação até a idade adulta, à integridade física e moral, ir e vir, saúde, educação, trabalho, direitos políticos, acesso à justiça e outros temas relevantes para uma vida digna. Abrangem também as medidas de prevenção e reparação das violações ocorridas. Vida digna não tem relação com “finanças”, mas, sim, com acesso e com impedir que as pessoas não tenham condições de dignidade humana. Comentário A memória da guerra e da violência do seu entorno é mais importante e busca trabalhar problemas mais próximos do que uma tradição histórica, que serve, de fato, para legitimar e naturalizar violências. Publicação das Consolidação das Leis do Trabalho no Diário Oficial, 1943. A própria evolução da legislação e justiça do trabalho no Brasil é um exemplo claro de como um documento jurídico interno protege Direitos Humanos. O maior expoente foi, sem dúvida, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) pelo Decreto nº 5452 de 1º de maio de 1943. Ela reuniu esforços criando uma legislação trabalhista antes espalhada em legislações diversas, e as demais legislações trabalhistas são referenciadas e aparecem na mesma CLT. Você já leu a CLT? Ela está disponível no site da Casa Civil do Governo Federal. Você percebeu que alcançamos o nosso conceito contemporâneo de Direitos Você percebeu que alcançamos o nosso conceito contemporâneo de Direitos Humanos? São direitos que visam a assegurar os Direitos Humanos no plano internacional e nos respectivos sistemas jurídicos nacionais. Abrangem também as medidas de prevenção e reparação das violações ocorridas. Terminologia dos Direitos Fundamentais Quando falamos da terminologia dos Direitos Fundamentais, a sensação é de que estamos falando de coisas muito parecidas até aqui, não é? Então por que falarmos ora DireitosHumanos, ora de Direitos Fundamentais? E mais: o que os profissionais atualmente precisam conhecer sobre cada um deles em suas respectivas áreas de atuação? Pois todos nós somos afetados em nossas atividades pelas proteções jurídicas e sanções possíveis de violações dos tais Direitos Humanos e dos Direitos Fundamentais. Recibo de venda da escrava nagô Francisca a Maria Antônia Teixeira, 1848. Vejamos agora que nem sempre basta um documento jurídico ter uma expressão técnica para garantir ações e resultados esperados. A Constituição Imperial do Brasil, de 1824, continha no seu Título 8º, ao final do texto constitucional, uma série de artigos destinados aos Direitos Fundamentais entendidos como essenciais à época, incluindo o direito à propriedade, utilizado também para o tráfico e escravização de pessoas de origem africana, principalmente nas atividades econômicas de então, como bem sabemos. Não será difícil você perceber o ponto de conexão entre as duas expressões. Partindo, inclusive de um conceito mais jurídico, é possível ver no detalhe como a conexão ocorre: Direitos Humanos na Contemporaneidade Constituição Imperial do Brasil de 1824 Para ler o documento jurídico na íntegra, acesse o site da Casa Civil. Os Direitos Fundamentais são conceituados como direitos subjetivos, assentes no direito objetivo, positivados no texto constitucional, ou não, com aplicação nas relações das pessoas com o Estado ou na sociedade. (MORAES, 2000) Repare que, quando conceituamos os Direitos Fundamentais na contemporaneidade, destacamos que os países os regulam nos sistemas jurídicos nacionais, isto é, em suas Constituições, Códigos e Leis diversas. E quando o fazem, buscam diferenciar ainda mais os Direitos Humanos (ou parte deles) como direitos que estariam acima de outros direitos nacionalmente protegidos. É uma maneira de dar maior destaque e normalmente aferir medidas de proteção e sanção diferenciadas. É o caso do Brasil, inclusive, que traz na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB 88), em seus artigos 5º a 17, o Título chamado Dos Direitos e Garantias Fundamentais. Sanção A parte da punição que cada ato deve conter. Como neste caso, são marcantes e diferentes das demais bases da legislação. Ulysses Guimarães segurando uma cópia da Constituição de 1988. Ora, já começamos a entender um pouco melhor a terminologia de Direitos Humanos e Direitos Fundamentais, uma vez que compreendemos que alguns países elevam em suas constituições tais direitos (e outros de seu interesse) à categoria de Direitos Fundamentais. Pense na palavra fundamental: ela transforma a concepção de Direitos Humanos, uma proposição histórica, em Direitos Fundamentais (que não podem ser abdicados). Vamos então ratificar nossas conceituações sobre o tema, para facilitar ainda mais a nossa compreensão: Vamos então ratificar nossas conceituações sobre o tema, para facilitar ainda mais a nossa compreensão: Visam a assegurar, no plano internacional e nos respectivos sistemas jurídicos nacionais, as condições mínimas para a sobrevivência das pessoas, tais como o direito ao nascimento com vida e criação até a idade adulta, à integridade física e moral, ir e vir, saúde, educação, trabalho, direitos políticos, acesso à justiça e outros temas relevantes para uma vida digna. Abrangem também as medidas de prevenção e reparação das violações ocorridas. Estão assegurados na ordem jurídica interna de cada país e integram o rol de temas entendidos como superiores em categoria aos demais direitos que regula. Se tal país é signatário de documentos jurídicos internacionais que declaram Direitos Humanos, terá, em seu rol de Direitos Fundamentais, os mesmos direitos, além, eventualmente, de outros mais explicitados e que reflitam realidades nacionais, nem sempre dimensionadas no macro. Os Direitos Fundamentais podem refletir realidades de bens e interesses materiais e imateriais. Com tais conceituações, é possível chegarmos à conclusão de que países como o Brasil, por exemplo, têm uma dupla proteção jurídica no tocante aos Direitos Humanos e que tais expressões não são excludentes, mas sim fortalecedoras de que os sistemas jurídicos internacional e nacional estão afinados, cada qual ao seu modo. Competências, decisões e força coerciva: esses países irão tomar todas as providências para proteger os direitos de uma vida digna para as pessoas. E mais: na esfera internacional, os atores jurídicos são os países e estados membros (no caso dos blocos) e há, portanto, um predomínio da linguagem de Direitos Humanos mais ampla, com expressões macro indefinidas no detalhamento de como deveriam ser integralmente respeitados os direitos nos espaços políticos e jurídicos dos países. Países As forças internacionais impõem os Direitos Humanos? Não. No entanto, podem restringir a participação nas relações internacionais. Um exemplo é o pleito dos turcos e da Sérvia à União Europeia, que foi durante muito tempo negado por entender que os países não observavam a questão dos Direitos Humanos. É justamente aí que temos um grande problema de execução pois há situações em que Direitos Humanos Direitos Fundamentais É justamente aí que temos um grande problema de execução, pois há situações em que os países não conseguem pôr em prática os Direitos Humanos consagrados internacionalmente, considerando fatores locais, inclusive de natureza cultural, ligados a tradições e costumes diversos. Entrada do Museu do Apartheid em Joanesburgo. Exemplo Casos históricos do Apartheid na África do Sul e a mutilação de partes do órgão sexual feminino da Nigéria são alguns exemplos de tradição de culturas que são consideradas, por princípios, contra os Direitos Humanos. Já na esfera dos sistemas jurídicos internos dos países, o acesso primário à justiça é das pessoas naturais e jurídicas, normalmente visando a esgotar o tema com as normas jurídicas mais próximas, entre particulares e particulares ou mesmo contra o poder público. Nesse espaço, para os países que fazem a diferenciação de Direitos Fundamentais, busca-se primeiro a proteção a essas normas, evoluindo-se, conforme o caso, instâncias e violações ao espaço de tutela e atuação de organismos internacionais. Público A forma de acesso à lei e sua aplicação são internas e seguem as normas de cada país. Exemplo É o caso da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, criada para observar casos de violação. Os procedimentos começam com uma denúncia e podem culminar com sanções econômicas aos países signatários (OEA, 2021). No caso do Brasil, há um ingrediente a mais logo como Princípio Fundamental de nossa CRFB 88, que é a Dignidade da Pessoa Humana. Essa é mais uma demonstração do Brasil enquanto país. Na Assembleia Constituinte de 1987, o país valorizou a vida humana, assim entendida como o direito ao nascimento, à alimentação, à moradia, ao meio ambiente saudável, à criação dos pais em uma família, ao acesso à educação, ao trabalho, à segurança pública; e o direito de ir e vir, de competir e crescer em igualdade de condições pela propriedade privada, entre outros. Tudo isso deve ser assegurado às pessoas durante todo o seu tempo de vida. Aliás, no caso dos bebês, até antes, pois nosso Código Civil põe a salvo os direitos do nascituro. Portanto, é possível afirmar que, em termos de documentos jurídicos, o Brasil é um país extremamente protetivo dos Direitos Humanos, do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e, claro, dos Direitos Fundamentais, não só na CRFB 88, mas também em sua legislação infraconstitucional. É também comum que os entes federativos do Brasil, isto é, a União, o Distrito Federal, os estados, territórios e municípios tenham em suas estruturas órgãos de tutela dos Direitos Humanos, como ministérios ou secretarias. Veja alguns exemplos: Assembleia Constituinte de 1987 A Constituição gerada por essa assembleia em 1988 foi chamada, por essas características, de Constituição Cidadã, e tinha como prioridaderomper com o passado ditatorial. Nascituro Passa a ser considerado protegido e com direitos mesmo durante a gestação. A imagem anterior reflete uma certa confusão conceitual não só entre Direitos Humanos e Direitos Fundamentais, mas com o sistema jurídico como um todo, pois, se o Direito está pautado para as relações das pessoas entre si e com o Estado, todas as áreas deveriam entender que os aspectos inerentes aos Direitos Humanos necessitariam estar presentes. A existência de órgãos e estruturas públicas quase que exclusivamente dedicadas a proteger e tutelar essa categoria de direitos demonstra o quão longe estamos do equilíbrio e da naturalização de sua aplicação nas relações da vida. Naturalização Fenômeno em que ocorre a compreensão coletiva de que algo é necessário e socialmente natural. Agora que conseguimos decifrar essas questões terminológicas e seus significados, vamos voltar aos Direitos Humanos, sua classificação e teorias, de modo a compreendermos como, de fato, podemos atuar preventiva e reativamente para a proteção de tais direitos. Isso sem esquecer da percepção do que devemos ou não praticar como profissionais de mercado, pois já vimos que, quando lidamos com pessoas, também lidamos com um ou mais de seus Direitos Humanos. Considerações sobre a teorização e classi�cação dos Direitos Humanos Após tratarmos da terminologia e dos espaços dos Direitos Humanos e Fundamentais, vamos trabalhar com a teorização e classificação dos Direitos Humanos, pois, dependendo do referencial de partida, a abrangência e aplicação prática deles pode variar muito. É preciso entender que base teórica e critério de classificação vamos seguir para o escopo de nossos objetivos. Partindo de um método mais tradicional, é possível buscar uma linha de raciocínio cronológico, tendo como referência maior a própria teorização e conceituação do Direito, partindo da ideia do Jusnaturalismo, que contempla ideias e bens jurídicos em tese sempre presentes na proteção a ser consagrada ao ser humano em sociedade. Tratam-se de princípios atrelados à existência do próprio homem, não necessariamente dependentes da ideia Tratam se de princípios atrelados à existência do próprio homem, não necessariamente dependentes da ideia posterior de humanidade, convívio coletivo e pactos sociais diversos. Teorização e classi�cação dos Direitos Humanos Dentro de um campo científico, é necessário compreender seus conceitos (disputas sobre seu olhar, conhecido como teorização) e classificações (pensar como são utilizados e as características que permitem seu reconhecimento). Estátua O Pensador, de Auguste Rodin, no Museu Rodin em Paris. Comentário Historicamente, nas sociedades patriarcais como a nossa, adotamos “homem” para designar humanidade ou o total das pessoas. Teremos que reproduzir alguns desses usos, mas se aproximando da contemporaneidade eles ganham formas mais igualitárias de tratamento. Sem prejuízo dos diversos momentos e correntes do Jusnaturalismo, obviamente ele tem uma sustentação muito favorável à defesa de Direitos Humanos, considerando sua própria ideia formadora como algo inerente à existência do homem. Se existe o homem, sua vida em existência (principalmente coletiva) depende de standards mínimos para a sua manutenção, ao menos em teorização primária. Seguindo, em dualidade à ordem jurídica do Direito Natural, encontramos já bem-sedimentada e aceita na doutrina a ordem jurídica do Direito Positivo, que, apesar de ser apresentada como uma sucessora mais segura – menos suscetível a vontades e divindades potencialmente variadas para a essencialidade de proteção do ser humano originado do divino –, fica à mercê do caráter temporal de sua criação normativa e vigência. O apontamento inicial serve para inserirmos os Direitos Humanos como conteúdo capaz de estar em espaços e fontes do Direito Natural e do Direito Positivo, bastando, para isso, que os alicerces de cada movimento de teorização do Direito os reconheçam como tal. Pela ótica do pensamento jusnaturalista e ético, a matriz orientadora da fundamentação dos Direitos Humanos prevalecentes tem um caráter mais: Dualidade Apresenta-se nas normas positivas (o que as pessoas fazem e está dando certo) em vigor, que devem ser Apresenta se nas normas positivas (o que as pessoas fazem e está dando certo) em vigor, que devem ser consideradas boas, válidas e legítimas (justas). Essa dualidade faz com que a doutrina do Direito Natural provoque um tensionamento constante na relação entre Direito e Justiça. Jusnaturalista Pela ótica do pensamento jusnaturalista e ético, a matriz orientadora da fundamentação dos Direitos Humanos prevalecentes tem um caráter mais objetivista, pautado nas ideias essenciais e universais, imutáveis ao tempo, espaço e respectiva história. Essa fundamentação tem maior relevância na base mais por sua razão de ser do que por seus efeitos. Positivismo Jurídico Pensamentos pautados em uma matriz mais subjetivista podem encontrar mais eco nos caminhos do Positivismo Jurídico e, apesar de formalmente assegurados no sistema, o são com base em realidades do tempo, espaço e culturas, não necessariamente refletindo algum padrão ligado à essência divina da criação do homem ou algo assim. Sendo assim, se em tal tempo e lugar a proteção jurídica ao corpo humano (material e imaterial) for algo extremamente valorizado, ela poderá, sim, figurar como parte integrante do rol dos Direitos Humanos da referida época e legislação. Tal proteção poderia, em um século seguinte, por exemplo, ser completamente rechaçada pelo ordenamento jurídico de um país, bloco ou mesmo por grandes organizações internacionais. Pensemos no caso de uma família que se dissolve. Caso 1 Um filho homem pode ter direito às posses do pai, e o compromisso de passar a manter toda a família poderia ser um Direito. Caso 2 Em uma sociedade como a nossa em que o direito das mulheres é visto de outra forma e a liberdade ganha um caráter de escolhas, o direito na relação seria aplicado em outro sentido. Dentro de tal realidade, a matriz de natureza mais subjetivista lista a dificuldade de sustentar a existência universal dos Direitos Humanos, considerando as próprias limitações globais entre povos e países. Parte do conteúdo de Direitos Humanos que estamos estudando aqui é considerado ato atentatório à dignidade da própria vida em alguns países do Oriente cuja formação e existência político-religiosa tem base no Islã, por exemplo. Malala Yousafzai, ativista paquistanesa ganhadora do Nobel da Paz em 2014. Não confunda: no caso Malala, a negação do direito aos estudos era contestável, inclusive internamente. Ela pleiteia esse direito e recebe uma violência marcante como forma de manter uma tradição que não dialoga com os direitos locais. Os costumes poderiam aceitar a negação de seu direito de estudar, mas um conjunto vinculado à proteção e tutela dos Direitos Humanos apontaria que seria necessária uma revisão da primeira, e uma completa inaceitação da violência sofrida por ela em consequência de pleitear tal direito. Tal realidade sustenta a tese de que a matriz orientadora dos Direitos Humanos tem natureza mais subjetivista, sendo que a maior prova disso é o que se coloca em parâmetros e compromissos em documentos internacionais (declarações, cartas, tratados ou convenções), e o mesmo vale para os sistemas jurídicos internos dos países, como vimos há pouco. E que fique claro que não temos aqui o propósito de convencer sobre qual alinhamento matricial é o certo ou errado. A ideia é apresentar as bases e, de certo modo, fazer você perceber que, no modelo dos Direitos Humanos da atualidade, matrizes mais subjetivas acabam por prevalecer nas democracias ocidentais, ainda que tenhamos um número cada vez maior de direitos assegurados. Tais matrizes vêm sustentando cada vez mais Direitos Humanos na sociedade contemporânea e, certamente, também dentro do Direito Positivo, que se pratica principalmentedesde a consagração do movimento constitucionalista do século XX e os importantes apontamentos feitos no período após a Segunda Guerra Mundial. Classi�cação dos Direitos Humanos: critérios diferenciados e Teoria do Status A classificação de um instituto em qualquer área da ciência pressupõe a eleição de um ou mais critérios que possam isolar quantitativa e qualitativamente partes ou o todo de um elemento já conceituado. Estamos falando sobre os Direitos Humanos que já tratamos nos itens anteriores. Sabemos já importantes questões terminológicas a seu respeito, juntamente com os chamados Direito Fundamentais, e conhecemos as matrizes orientadoras de sua origem e sustentação ao longo dos séculos até os dias atuais. Agora, aprenderemos a classificá-los e dividi-los para, na sequência, melhor entendê-los. Antes de iniciarmos, vamos deixar claro que já contamos com alguns modelos e critérios tradicionais de classificação. Podemos “classificar” os Direitos Humanos a partir de três importantes critérios e planos de identificação: I - Plano segundo a Teoria do Status (Georg Jellinek) II – Plano de Gerações ou Momentos III – Plano Internacional e Nacional Georg Jellinek (1851-1911) Importante filósofo e jurista, responsável por contribuições teóricas acerca do Estado, seu papel e sua relação com as pessoas e outros seres estatais. I - Plano segundo a Teoria do Status (Georg Jellinek) Os Direitos Humanos estariam vinculados e poderiam ser classificados de acordo com a interatividade e proteção jurídica dos indivíduos com o Estado (Poder Público). As quatro possibilidades jurídicas de se invocar Direitos Fundamentais seriam os Status de: Passivo Tendo o indivíduo como um sujeito em estado de submissão ao Poder Público e que tem uma série de comportamentos exigidos. Ativo-negativo Tendo o indivíduo o direito de resistir em face do Poder Público, pois existem garantias do não agir estatal. É um critério negativo para o Estado que não pode agir, sob pena de ferir os direitos do indivíduo. Positivo-pretensão Tendo o indivíduo um papel de demandar do Estado uma série de medidas em prol do respeito aos seus Direitos. Refere-se à liberdade de agir, muito associada à ideia de pretensão. Ativo-acessibilidade Tendo o indivíduo uma série de possibilidades de integrar a estrutura do Estado, do Poder. Na maioria das vezes, ocorre por atendimento a contratações públicas diversas, ou mesmo pleitos de candidaturas e processos de licitação vinculantes. II – Plano de Gerações ou Momentos Os Direitos Humanos são classificados de acordo com a linha temporal e o tipo de direitos protegidos em cada momento de surgimento normativo. Por tal critério de classificação, surgido no final dos anos 1970 e defendido por Karel Vasakos, os direitos são divididos em: Vasakos (1929-2015) Importante jurista tcheco-francês, com contribuições excepcionais a respeito dos Direitos Humanos, especialmente no tocante aos modos de classificação e categorização deles no tempo e no espaço. Primeira Geração (Liberdades dos Indivíduos) Aqueles ligados ao exercício de liberdades para cada indivíduo e limitações ao agir do poder público estatal. São os tradicionais direitos civis e políticos, como liberdade, isonomia e acesso à propriedade. Exemplo O Brasil sempre valorizou muito o direito de propriedade no âmbito de nosso ordenamento jurídico. Durante o século XIX, a regulação do direito e acesso à propriedade imobiliária, a aprovação das chamadas leis abolicionistas e, em especial, a Lei do Ventre Livre (lei n. 2040, de 1871) revelaram a preponderância da Propriedade versus a Dignidade da Pessoa Humana, ao até permitir que os filhos nascidos de pessoas escravizadas à época fossem libertos em dado momento da vida, mas com uma espécie de indenização ao “Sr. Proprietário”. Tal conceito e ideia viriam a ser equilibrados e elevados a conteúdo de Princípio Fundamental da CRFB 88, mais de 100 anos depois. (art. 1º, III da CRFB 88). Segunda Geração (Igualdade Social) Aqueles direcionados a possibilitar, de fato e de direito, um sentimento de igualdade de condições de competição. São os direitos ditos sociais, como educação, trabalho, assistência, saúde e moradia, entre outros. O Direito Fundamental de acesso a um trabalho seguro e saudável é ainda uma importante pauta internacional e nos sistemas internos dos países. A Organização Internacional do Trabalho (OIT), por exemplo, desenvolve desde 1919 uma atividade crescente na tutela dos interesses das pessoas em atividade laboral – ou seja, de todos nós! Saiba mais Se quiser saber mais sobre, a OIT está disponível nas redes. A Organização atua na lógica da proteção, mais uma vez marcada pelo tempo com a mudança nas formas de trabalho e a necessidade de regulação da superioridade do empregador diante do quadro desfavorável do trabalhador. Terceira Geração (Fraternidade) Aqueles destinados ao maior equilíbrio de vida social, tal como a paz pelo bem-estar social, meio ambiente saudável, solidariedade, diversidade, respeito às características étnicas, entre outros. Certamente você já ouvir falar das preocupações mundiais a respeito do meio ambiente em diversas partes do mundo, inclusive no Brasil. Seja pelas violações mais ordinárias, como falta de saneamento básico e destinação correta do lixo urbano, rural, residencial ou da produção econômica, o direito ao meio ambiente é um direito constitucionalmente protegido e de todos. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê- lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. (Art. 225 da CRFB 88) Ele é tido como coletivo, numa linguagem mais universal, e “difuso”, no Brasil. Segundo as nossas leis, ele pode e deve ser tutelado por qualquer um do povo e, em especial, pela figura do Ministério Público por todos os entes federativos em competência concorrente. Sendo assim, há campo de fiscalização e legislação para todos. Dessa forma, atualmente podemos afirmar que proteger nossa fauna e flora de um modo geral são atitudes que tutelam os Direitos Fundamentais e despertam discussões ferrenhas no campo social, econômico, político e até jurídico, na esfera nacional e internacional. Em compensação, há poucas décadas o ideal de progresso defendia ocupação, distribuição de terras e abertura de estradas como forma de proteção e de levar o melhor do mundo a todos. II – Plano Internacional e Nacional Os Direitos Humanos podem estar mais ou menos protegidos no plano internacional e no plano dos direitos nacionais dos países. Trata-se de um critério que busca identificar, reconhecer e separar, quando for o caso, tutelas diferenciadas de diversos níveis de Direitos Humanos, no sistema de proteção internacional e nacional desses direitos. Edifício das Nações Unidas em Genebra. Atenção! É importante destacar que os critérios ou planos de classificação não são necessariamente excludentes entre si, e visam apenas a uma abordagem temática diferenciada, de acordo com maior ou menor interesse, por um ou outro critério e seus resultados em determinado momento de uma região, país ou bloco de países. Países As nações ou países não são os únicos atores envolvidos. Setores públicos, privados e terceiro setor devem ser pensados nesse conjunto, sendo “países” uma maneira de se referir a todos. Mais do que decorar teorias e critérios de classificação dos Direitos Humanos, é importante saber reconhecê- los nas atividades profissionais do cotidiano e em todas as áreas do conhecimento. No plano internacional, tratados e convenções de Direitos Humanos têm exigido compromisso do Poder Público e de empresas privadas no cumprimento de metas e políticas públicas de medidas sanatórias das desigualdades sociais oriundas da falta de acesso a um ou outro direito, considerando-o como inerentee necessário à condição humana. Direitos Humanos x Direitos Fundamentais no Brasil Esperamos que você tenha curtido este módulo sobre as teorias e classificações dos Direitos Humanos. Para fixar os assuntos abordados, ouça a entrevista do professor Rodrigo Rainha com o professor Adriano Moura e, depois, faça as atividades. Falta pouco para atingir seus objetivos. Vamos praticar alguns conceitos? Questão 1 Considerando a necessidade de medidas públicas de enfrentamento da crise mundial de saúde desencadeada pela pandemia da covid-19, o Brasil, assim como outros países, adotou medidas restritivas de direitos, entre elas, as previstas no art. 3º da lei 13.979/2020, que prevê, entre outros pontos, que autoridades públicas no âmbito de suas competências podem determinar medidas de isolamento e quarentena com restrição do direito de ir e vir, vacinação, uso obrigatório de máscaras de proteção individual, entre outros. Partindo da ideia conceitual dos Direitos Humanos, bem como da questão terminológica envolvendo os Partindo da ideia conceitual dos Direitos Humanos, bem como da questão terminológica envolvendo os chamados Direitos Fundamentais, marque a opção correta: A Direitos Fundamentais não são Direitos Humanos e podem ser limitados pela Lei 13.979/2020, mesmo em caso de pandemia de covid-19. B Direitos Humanos não são Direitos Fundamentais e podem ser limitados, desde que no âmbito internacional, mas nunca pelas leis internas de um país, mesmo em caso de pandemia de covid-19. C Direitos Humanos e Direitos Fundamentais são expressões totalmente equivalentes e são assim utilizadas por questões de linguística típicas de traduções de importantes documentos jurídicos do inglês para o português. D Direitos Humanos e Direitos Fundamentais permitem restrições normativas e pontuais que visam a proteger as condições de dignidade da pessoa humana, sobretudo em meio a uma situação pandêmica, como ocorre no caso do Brasil. E Direitos Humanos são um dispositivo jurídico para conter os excessos do Estado e são baseados na ideia de Direitos Fundamentais (que o Estado deve prover minimamente a todos os seus cidadãos). Parabéns! A alternativa D está correta. Os Direitos Humanos no plano internacional e sua incorporação no sistema jurídico brasileiro não são violados por restrições normativas feitas em prol da saúde, da vida e da coletividade. Ao contrário, o eventual e fundamentado sacrifício de direitos individuais pode salvar milhares de vidas e milhões de reais de gastos públicos. No caso do Brasil, os Direitos Fundamentais ratificam e incorporam as ideias dos Direitos Humanos pactuados no cenário internacional (art. 1º, inciso III e art. 5º, parágrafos 1º e 2º da CRFB 88). Questão 2 “O conceito de ‘civilização’ refere-se a uma grande variedade de fatos: ao nível da tecnologia, ao tipo de maneiras ao desenvolvimento dos conhecimentos científicos, a ideias religiosas e aos costumes. Pode se referir aos tipos de habitação ou à maneira como homens e mulheres vivem juntos, à forma de punição determinada pelo sistema judiciário ou ao modo como são preparados os alimentos. Rigorosamente falando, determinada pelo sistema judiciário ou ao modo como são preparados os alimentos. Rigorosamente falando, nada há que não possa ser feito de forma ‘civilizada’ ou ‘incivilizada’. Daí, é difícil sumariar em algumas palavras tudo o que se pode descrever como civilização”. (ELIAS, 1994). O texto acima trata sobre o conceito de civilização que é abordado pelo autor em sua obra, demonstrando claramente que tal conceito é variável no tempo e no espaço. A respeito do trecho referido, assim como da classificação e teorização dos Direitos Humanos, é correto afirmar que: A Apesar de haver um decurso temporal considerável desde a Antiguidade Clássica, os Direitos Humanos não sofreram grandes alterações em sua classificação. B O processo civilizatório da sociedade não afeta a classificação e teorização dos Direitos Humanos, pois desde sempre eles foram considerados Direito Natural, embora nem sempre fossem respeitados. C O processo civilizatório da sociedade e seus costumes no tempo e no espaço afetam diretamente a classificação e teorização dos Direitos Humanos, e ainda trazem dificuldades acerca da ideia de Direitos Humanos realmente universais, assim entendidos, reconhecidos e aplicados em todos os países do mundo. D O processo de concentração de capital nas indústrias bélicas busca a manutenção da paz. E A civilidade ocidental histórica remete ao Império Romano e depois passa por processos contínuos de superação e evolução, até alcançar o capitalismo, em que o homem obtém equilíbrio e maturidade, entendendo que existem direitos universais. Parabéns! A alternativa C está correta. A primeira fase do capitalismo financeiro se deu por meio da independência dos setores empresariais dos interesses dos Estados Nacionais. Com o comércio internacional se tornando uma peça fundamental na balança de poder, cada vez mais os grandes investidores (haute finance) tiveram poder sobre as decisões dos Estados. 2 - Características dos Direitos Humanos O objetivo deste módulo é distinguir as características dos Direitos Humanos de forma contextualizada Os Direitos Humanos ocupam um lugar de destaque no cenário internacional e nos sistemas jurídicos de países e blocos de países ao redor do mundo, com especial destaque para os que se enquadram como Estados Democráticos de Direito, que adotam regimes políticos baseados na democracia (representação direta do povo), ainda que de maneiras diferentes, na escolha dos membros dos poderes, em especial legislativo e lideranças dos poderes executivos. Mas como reconhecer as características gerais dos Direitos Humanos? Como atentar para as especificidades de sua aplicação na diversificada realidade de cada país do mundo global? Soldados chilenos queimando livros durante a ditadura militar chilena de Pinochet, 1973. Regimes ditatoriais, regimes de exceção e outras formas de aristocracia adotam em via de regra o corpo legislativo de interesse do grupo, não da população. Logo, para eles, Direitos Humanos são desnecessários ou não existem. Podemos considerar uma única idealização, uma única visão dimensional teórica e prática dos Direitos Humanos? O que faz um direito ser um Direito Humano Neste módulo, responderemos a tal questionamento em meio à completa caracterização e abrangência dos Direitos Humanos. Para que você conheça esse olhar e provocação, começaremos conversando com o professor Davi José. Caracterização dos Direitos Humanos Apesar de contarmos com importantes documentos históricos no âmbito internacional com indicativos importantes a respeito do conteúdo jurídico dos Direitos Humanos, sabemos que, na prática, a doutrina e os tribunais vêm aplicando muito mais peso às características do que a nominata de direitos propriamente dita. Tal situação ocorre também pelo fato de cada vez mais Direitos Humanos estarem espalhados em legislações Tal situação ocorre também pelo fato de cada vez mais Direitos Humanos estarem espalhados em legislações infraconstitucionais dos variados ramos do Direito. Nominata Quer dizer que a literatura internacional e a maturidade dos Direitos Humanos impactam mais na sua aplicação do que aquilo que é referenciado na lei como direito humano. Nominata, ou seja, nomes atribuídos. Infraconstitucionais Apesar de os Direitos Humanos estarem previstos como fundamentais, a sua aplicação e leitura estão dipostas em leis dispersas abaixo da Constituição, como Estatuto do Idoso, ECA, entre outras. Congresso Nacional do Brasil, Brasília. Se o corpo legislativo não é um código específico encontrado em um “vade mecum” (um manual específico de leis), como podemos fazer para reconhecê-lo difuso nas leis de um país, ou mais especificamente nas leis brasileiras? Vamos conhecer algumas características do corpo legislativo e, em seguida, acompanhar comentários, conexões e exemplificaçõesde interesse: Universalidade O alcance dos Direitos Humanos não é excludente de qualquer ser humano por qualquer razão ligada à pessoa humana. Outros fatores locais e normativos podem fazê-los não chegar até o indivíduo, mas sendo possível chegar, toda pessoa humana é agraciada. É talvez uma característica mais desejada do que efetivamente alcançada, considerando a diversidade cultural dos países no mundo. Para além da tradicional divisão entre Oriente e Ocidente, dentro dos próprios continentes do chamado mundo ocidental são encontradas inclusões e exclusões. Temas como alimentação, caça aos animais, trabalhos forçados em sistemas prisionais, pena de morte, legislação do trabalho, seguridade social e educação são tratados de forma bem diferenciada. Veja alguns exemplos a seguir: exemplos a seguir: O direito e a prática da caça no Brasil e nos Estados Unidos da América A diferença entre a cultura de vida nos centros urbanos e no meio rural Observe quanta variação podemos ter. Entendeu a dificuldade da Universalidade? Soma-se a isso o maior número de relações sociais virtuais e presenciais entre pessoas e culturas diferentes em razão das atuais tecnologias de comunicação, bem como por consequência das facilidades para se viajar. Essencialidade Corolário da característica anterior, a essencialidade confirma a Universalidade e vice-versa. Só é universal pois é essencial à existência e sobrevivência de todo ser humano. Seguindo o comentário e a característica anteriores, resta saber o conteúdo essencial em cada país e sua Seguindo o comentário e a característica anteriores, resta saber o conteúdo essencial em cada país e sua interpretação jurídica interna de validar ou não o referido conteúdo. Para tal exemplo, podemos apontar a maior ou menor tolerância que os governos têm na execução de políticas públicas em torno da população carcerária e suas famílias. O Massacre do Carandiru, 1992 Certamente você já ouviu a expressão Direitos Humanos relacionada a temas de tratamento das pessoas apenadas preventivamente ou em caráter reativo (e possivelmente também já ouviu muitas críticas a esse respeito), mas o fato é que a essencialidade é discutível, por mais difícil que possa parecer para cada um de nós, a respeito da visão dos gestores públicos nacionais e internacionais. É também um tema de conflitos constantes entre autoridades de um país e organizações internacionais que realizam estudos e outras atividades relacionadas aos Direitos Humanos e Direitos Fundamentais das populações carcerárias. Vamos conhecer o debate sobre o direito ao uso de armas com o professor Adriano Moura. Imprescritibilidade A regra geral da segurança formal do Direito no tempo não atinge os Direitos Humanos. O bem jurídico tutelado supera o decurso temporal formal. Obviamente, deve ser o titular do direito violado ou ameaçado diligente em sua ação do Poder Judiciário, mas não há que se falar em prescrição. É uma característica de maior segurança jurídica, que pretende evitar que casos de violações de Direitos Fundamentais fiquem impunes. Como exemplo, temos as notícias sobre abusos da integridade física e moral de pessoas, rotulados de assédios, ou abusos majoritariamente com apelo sexual. A área do entretenimento e o campo das instituições religiosas vivem dramas constantes com situações do gênero. Já ouviu falar em Lei Maria da Penha? Seria ela um Direito Humano? Segundo o texto da lei, sim, mas segundo a decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) sobre ela, não. Vamos conhecer mais sobre a Lei Maria da Penha com o professor Adriano Moura. Imprescritibilidade A área do entretenimento e o campo das instituições religiosas vivem dramas constantes com situações do gênero. Já ouviu falar em Lei Maria da Penha? Seria ela um Direito Humano? Segundo o texto da lei, sim, mas segundo a decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) sobre ela, não. Inalienabilidade Ao contrário de outros direitos disponíveis, no caso dos Direitos Humanos a inalienabilidade visa a blindar direitos oriundos da própria condição do ser humano, evitando assim que abusos ou negócios provenientes da exploração de mercado e suas leis próprias afetem em especial os direitos das pessoas menos favorecidas socialmente. Antes Foto do Rana Plaza, um prédio de oito pisos que abrigava fábricas de vestuário prestadoras de serviço para grandes marcas e um centro comercial em Savar, Bangladesh, em 2012. O imóvel apresentava rachaduras e corria risco de desabamento. Depois O prédio continuou ocupado, até que em 2013 ocorreu o colapso, deixando cerca de mil trabalhadores mortos. A tragédia inflamou debates sobre Direitos Humanos e a importância de uma cadeia de produção mais sustentável para a moda. A pressão do capital e de outros possíveis direitos e interesses são históricos na vida humana, em especial nos espaços de maior liberalismo, fruto da contemporaneidade. Ocorre que, com o aumento formal de Direitos Fundamentais, foi necessário taxar de inalienável o rol de direitos que cada país traz como integrante de sua categoria diferenciada. Casos tradicionais colocados à prova diariamente, como os reiterados usos de pessoas com crescimento físico diferenciado, modelos de pele negra e comércio de órgãos são apenas alguns exemplos da necessidade de proteger a mercantilização de Direitos Fundamentais, esbarrando sempre nos limites morais das respectivas sociedades. Vamos pensar sobre o as crenças e os efeitos da intolerência religiosa com o professor Adriano Moura. Vamos pensar sobre o as crenças e os efeitos da intolerência religiosa com o professor Adriano Moura. Irrenunciabilidade Não se pode renunciar elemento ou parte integrante de seu todo, sob pena de esvaziamento do todo. É uma incoerência lógica e jurídica. Visa, em última análise, a evitar uma forma diversa da inalienabilidade negativa. Vamos pensar o direito ao trabalho sob a perspectiva dos Direitos Humanos com o professor Adriano Moura. Trata-se de característica também presente em grande parte dos sistemas jurídicos dos Estados Democráticos de Direito no mundo ocidental. Visa a evitar uma forma diferenciada de mercantilização às avessas e, na maioria das vezes, com base no próprio ordenamento legal. Está normalmente associada ao direito material e ao acesso à justiça pelas pessoas naturais. Inviolabilidade Os ordenamentos jurídicos dos países não podem violar os Direitos Humanos, mitigando seus valores de forma indireta em normas que possam burlar as proteções legais. Tais direitos são invioláveis. Uma meta a ser atingida: essa é maneira mais honesta e transparente de comentar e exemplificar a característica acima, pois, infelizmente, os Direitos Fundamentais são diariamente violados pelas pessoas e pelo poder público. Um dos exemplos mais marcantes na atualidade é o Direito Fundamental à Saúde. Refugiados esperam assistência de voluntários em um campo de refugiados na fronteira entre Grécia e Macedônia, 2016. Não é preciso se esforçar muito para constatar uma violação direta ou indireta. O fato é que, apesar de haver trocas de responsabilidade entre os juridicamente responsáveis, percebemos violações constantes há algum tempo. Isso necessita ser revisto, sob risco de termos um sistema eternamente tolerante às violações legais e constitucionais do tema. Vamos pensar sobre a hipótese da venda de órgãos sob a perspectiva dos Direitos Humanos com o professor Adriano Moura. Historicidade São construções históricas, derivadas de marcos importantes e normalmente associados a eventos com grandes perdas humanas e violações de outros direitos correlatos. A característica geral da historicidade ratifica a percepção a respeito das origens e possível caracterização de novos direitos na linha do tempo e do espaço. A historicidade é um elemento que dificulta a implementação da universalidade dos Direitos Fundamentais, pois costumes, tradições e outros movimentos fazem parte da vida e não de regras imutáveis. Além disso, não sãofruto de uma evolução linear melhor ou pior, mas sim resultados da realidade social. A historicidade vai, portanto, variar bastante nos continentes e realidades de cada país, além de gerar conflitos jurídicos supranacionais, principalmente no mundo atual. É preciso ficarmos atentos para não sermos complacentes e intolerantes com as diferenças, ainda que, na esfera internacional, elas estejam sob o mantra dos Direitos Fundamentais e Humanos. Mulher com a bandeira palestina em frente aos soldados das Forças de Defesa de Israel durante manifestações, 2010. Mas está no meu livro, na minha liberdade de culto, este povo sempre teve direito a esta terra: vamos debater sobre Israel e Palestina com o professor Adriano Moura. Interdependência Os Direitos Fundamentais estão interligados, conectados entre si nos importantes documentos jurídicos internacionais e na legislação interna de cada país. A interdependência dos Direitos Fundamentais é uma importante característica (mais prática do que teórica) e, por isso, falaremos dela. É pela via da interdependência que validamos nossos sistemas jurídicos, principalmente em países como o Brasil, com diferentes espaços de competência legislativa, judiciária e executiva. Tal característica é essencial para uma pretensa harmonização em busca de maiores níveis de eficiência da tutela dos Direitos Fundamentais. Um assunto relacionado ao Direito Fundamental é o acesso à justiça dos consumidores, categoria da qual dificilmente escapamos e que cada vez mais se envolve em situações jurídicas de prestação de serviços, compra e venda, restrição de crédito e outras violações, inclusive de seus dados. Os consumidores têm atualmente, à sua disposição, espaços diferenciados de consensualidade no âmbito federal, estadual e municipal. Vejamos o exemplo das opções de um consumidor residente no Rio de Janeiro: Âmbito Federal Âmbito Estadual Âmbito Municipal Agora que você distinguiu as características gerais e específicas dos Direitos Humanos está apto a seguir para a contextualização de tais direitos na visão dimensional, na teoria e na prática. Vamos lá? Visão Dimensional dos Direitos Humanos O estudo dos Direitos Humanos, sua terminologia, teorias, características e classificação ao longo dos séculos é base para a compreensão de como tais direitos são operados dos sistemas jurídicos atuais dos países e também nas possibilidades e limitações no campo de um direito supranacional que possa ser aplicado em relações jurídicas estatais e situações complexas envolvendo pessoas naturais, grandes corporações de atuação transnacional e outros fatos que podem afetar a vida das pessoas em partes diferentes do globo. Dentro da lógica desenvolvida e sedimentada, nos documentos históricos que tratam dos Direitos Humanos e, no caso do Brasil e de alguns países europeus, na linhagem dos Direitos Fundamentais, tais Direitos Fundamentais são entendidos como aqueles assegurados na ordem jurídica interna de cada um dos países. Eles integram o rol de temas que um país entende como mais importante em categoria aos demais direitos Eles integram o rol de temas que um país entende como mais importante em categoria aos demais direitos que regula. Ativistas em favor do voto feminino no Reino Unido, direito ainda tratado de acordo com regras nacionais em muitos países, 1908. Se tal país é signatário de documentos jurídicos internacionais que declaram Direitos Humanos, é comum ter, em seu rol de Direitos Fundamentais, os mesmos direitos, além de, eventualmente, outros direitos mais explicitados e que refletem realidades nacionais, nem sempre dimensionadas no macro. É possível reconhecer uma divisão ou classificação em gerações, etapas ou, como tem sido feito ultimamente, em dimensões diferenciadas no tempo e conteúdo. Assim, ao falarmos de como os Direitos Humanos são atualmente enquadrados pelos Estados de Direito (para além dos importantes referenciais históricos, já reconhecidos baluartes de iluminação global), é no campo dos Direitos Fundamentais que reconhecemos os efeitos da divisão geracional que pode refletir direitos materiais e instrumentais de acesso à justiça e outros atos de cidadania das pessoas em caráter individual ou coletivo. Portanto, os Direitos Humanos são valorizados e enquadrados em dimensões ou gerações, seguindo um encadeamento básico que vamos recapitular: São aqueles ligados ao exercício de liberdades para cada indivíduo e a limitações do agir do poder público estatal. São os tradicionais direitos civis e políticos: liberdade, isonomia e acesso à propriedade. Direitos de 1ª Geração – Liberdades dos Indivíduos Direitos de 2ª Geração – Igualdade Social São aqueles direcionados a possibilitar, de fato e de direito, um sentimento de igualdade de condições de competição. São os direitos ditos sociais, como educação, trabalho, assistência, saúde, moradia, entre outros. São aqueles destinados ao maior equilíbrio de vida social, tais como paz, bem-estar social, meio ambiente saudável, solidariedade, diversidade, respeito às características étnicas, entre outros. Essa geração, que não é consensual, ligada aos direitos de acesso à informação e comunicação digital em rede, ao regime mais democrático possível, e novos direitos da bioética. Seja como for, segundo Domenico de Masi, em sua ideia de Paradigma, vivemos atualmente as transformações mais intensas e rápidas desde o Renascimento, Iluminismo, Revolução Industrial e outros importantes movimentos, em um período que traduz os efeitos da ação e reação da sociedade civil, do mercado e dos poderes estatais em uma espiral intensa e com giros dentro de uma mesma geração. Não são mudanças simplesmente de uma sociedade líquida. Para além da liquidez, há a superação de teses, antíteses, tradições, costumes e outras variáveis de mudança de comportamento. Que Estado atenderá aos desejos e às necessidades da geração presente, que vive consideravelmente mais que as duas anteriores? Que educação será adequada? Será adequada apenas para a visão de mercado ou sob outras premissas sociais mais amplas? Não são questões enceradas, mas servem como fundamentação para defesa de revisitação dos Direitos Humanos e respectivos Direitos Fundamentais de maneira mais intensa. Este ponto evidencia uma das razões não para haver unanimidade na ideia de dimensões sequenciais e sem fim, mas sim uma revisitação e criação de novos direitos para novas realidades a serem incorporados ao conjunto da obra. Ocorre que essa visão geracional está muito ligada à noção predominante de período/tempo e a um Direitos de 3ª Geração – Fraternidade Direitos de 4ª Geração – Novos Direitos Ocorre que essa visão geracional está muito ligada à noção predominante de período/tempo e a um movimento mais positivista do Direito, tendente a regulações mais específicas, o que acaba gerando um “fatiamento” legislativo dos Direitos Humanos e criando barreiras práticas para sua aplicação. Refugiados venezuelanos buscando acesso a outros países da América Latina, fugindo da crise de segurança e liberdade em seu país de origem, 2018. Por outro lado, quando trabalhamos com a ideia Dimensional, estamos pensando em Direitos Humanos ou Fundamentais que podem ser analisados sem separação ou hierarquia nas seguintes dimensões: Não há, como na didática anterior geracional, a ideia de tanta fragmentação integrar uma única realidade dinâmica . Veja, por exemplo, o Direito Fundamental de Acesso à Justiça, previsto no art. 5º, inciso XXXV da CRFB 88, que traz sob o prisma da Igualdade a mensagem de que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”: Individual/Liberal Na medida que tal acesso pode ser realizado por qualquer um do povo, pessoa jurídica de direito privado ou público, interna ou estrangeira. Social Pode ter provocação e resposta de natureza coletiva, atingindo direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos. Fraterna Mundialmente, a Justiça podese dar cada vez mais por métodos adequados e consensuais de solução ou gestão de conflitos, como mediação, conciliação e justiça restaurativa, por exemplo. É o que chamam de Cultura da Paz, Bem-Estar Social, entre outros. Atenção! Um importante direito que está ligado a várias dimensões não é limitado ou hermético a um conceito, bem jurídico ou instituto específico; não está isolado em período “A” ou “B” e pode ser referenciado pelos documentos históricos mais antigos do século XIII, da Independência dos Estados Unidos e certamente da Revolução Francesa no século XVIII; e até mesmo estudos e referenciais teóricos mais modernos, como os trabalhos de Cappelletti e Garth do Projeto Florença e seu extrato mais conhecido, a obra Acesso à Justiça (1998). Atualmente, não se trabalha mais na prática com a clássica divisão Geracional e Temporal. Estamos todos em uma ambiência única, na mesma espiral. Atualmente, o que importa é garantir o não retrocesso, fazendo com que as pessoas tenham acesso ao exercício de seus direitos e com que os Estados sejam garantistas na forma preventiva e reativa. Sem nenhum passo atrás! Agora, vamos ver o que os professores Adriano e Rodrigo têm a nos dizer sobre esse panorama. Falta pouco para atingir seus objetivos. Vamos praticar alguns conceitos? Questão 1 Considerando as características dos Direitos Humanos e sua relação com os Direitos Fundamentais, marque a opção correta: A Os Direitos Humanos são todos imprescritíveis, enquanto os Direitos Fundamentais, não, pois são apenas leis internas dos países. B Direitos Humanos são imprescritíveis, assim como os Direitos Fundamentais no Brasil. A ideia da imprescritibilidade está relacionada à segurança jurídica para a suposta vítima exercer seus direitos em busca da Justiça. C A historicidade está ligada aos Direitos Fundamentais, mas não aos Direitos Humanos, pois eles estão na esfera da história mundial, e não local. D A interdependência está associada apenas aos direitos que não são relacionados aos Direitos Humanos. E Os Direitos Humanos devem ser pensados no contexto social de cada região, não podendo se sobrepor à cultura local. Quando signatários plenamente, aí sim podem ser cobrados pelos tribunais internacionais para seguirem o princípio. Parabéns! A alternativa B está correta. Imprescritibilidade: nem todos os Direitos Fundamentais são imprescritíveis, mas a regra geral da segurança formal do Direito no tempo não atinge os Direitos Humanos. O bem jurídico tutelado supera o decurso temporal formal. Obviamente, deve ser o titular do direito violado ou ameaçado diligente em sua ação do Poder Judiciário, mas não há que se falar em prescrição. Questão 2 De acordo com o sociólogo Domenico de Masi, vivemos um novo “paradigma”, girando em torno de uma De acordo com o sociólogo Domenico de Masi, vivemos um novo paradigma , girando em torno de uma sociedade desorientada no tempo e no espaço, diante da velocidade de incrementos tecnológicos iniciados por uma Revolução Pós-Industrial, com ênfase nos costumes e práticas sociais desde o final do século passado até os nossos dias. Segundo o estudioso, estaríamos avaliando e regulando novos tempos e ares com velhos direitos e paradigmas, sendo assim impossível normatizar, com precisão e segurança, codificações, constituições e outras formas de controle social. Considerando as características estudadas dos Direitos Humanos, marque a opção correta: A A percepção de Domenico de Masi não se coaduna com nenhuma das características dos Direitos Humanos. B A percepção de Domenico de Masi se coaduna à característica da imprescritibilidade dos Direitos Humanos, pois ratifica a valorização de velhos direitos no tempo. C O processo civilizatório da sociedade e seus costumes no tempo e no espaço estão passando por uma intensa onda de desorientação em que vários Direitos Humanos estão sendo redimensionados, reforçando a característica da historicidade. D O processo de concentração de capital nas indústrias bélicas busca a manutenção da paz. E A leitura do autor foca na inviolabilidade dos Direitos Humanos, sendo esse um valor universal e, por isso, indiscutível para todos os homens. Parabéns! A alternativa C está correta. A sociedade desorientada de Domenico de Masi está passando por um redimensionamento de direitos, do papel do Estado e das pessoas. O norteador desse processo deve ser a historicidade, compreendendo que os elementos citados são construções históricas ligadas a marcos importantes e/ou eventos com grandes perdas humanas e violações de outros direitos. Considerações �nais Neste conteúdo, conhecemos as divergências terminológicas, teorias e classificações que impactam as relações sociais e a compreensão da realidade dos Direitos Humanos na atualidade. A base teórica é importante, considerando que os sistemas jurídicos dos países não necessariamente utilizam a linguagem universal dos documentos e compromissos internacionais, gerando assim uma lacuna na racionalidade lógica para o Direito e áreas afins. Também distinguimos as características gerais e específicas dos Direitos Humanos, contextualizadas com a visão dimensional e suas práticas clássica e moderna, de modo a gerar percepções e reflexões múltiplas nas várias áreas profissionais. O conhecimento das características e classificações, a interlocução com o sistema constitucional dos Direitos Fundamentais no Brasil e a sociedade em construção e reconstrução diante dos câmbios sociais são apenas alguns dos ingredientes necessários à prática cotidiana dos Direitos Humanos, que devem estar cada vez mais inseridos no conteúdo normativo das normas jurídicas e comportamento das pessoas. Em outras palavras, os Direitos Humanos devem estar pulverizados, contidos nos mais diversos sistemas jurídicos, e ser tratados em caráter principiológico, intrínseco a qualquer norma, devendo vir antes do Direito, inclusive, quando possível, mas não deixando de estar nele, sob qualquer pretexto. Podcast Agora vamos revisitar alguns pontos importantes do debate sobre Direitos Humanos com os professores Adriano Moura e Rodrigo Rainha. Referências BBC BRASIL. Os sul-coreanos obrigados a trabalhar como escravos em minas de carvão da Coreia do Norte. Consultado na internet em: 10 mai. 2021. Seoul, 2021. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Centro Gráfico, 1988. CAPPELLETTI, M.; GARTH, B. Acesso à Justiça. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris, 1998. ELIAS, N. O processo civilizatório Volume 1: Uma História dos Costumes. Rio de Janeiro: Jorge Zarah, 1994. GÓMEZ, F. J. G. La Mediación como Vía al Bienestar y la Felicidade. Cidade do México: Tirant lo Blanch, 2020. HOBSBAWN, E.; RANGER, T. J. A Invenção das Tradições. São Paulo: Paz e Terra, 2012. MASI, D. Paradigma. Consultado na internet em: 10 mai. 2021. Roma, s.d. MELLO, C. M. Da Construção Histórica aos Dias Atuais. Rio de Janeiro: Processo, 2021. MORAES, G. P. 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Leia o artigo Harvey Weinstein pega 23 anos de prisãoem caso mais emblemático do MeToo, disponível no site do jornal Folha de S.Paulo. Leia o artigo Direitos Humanos: as Particularidades Africanas, de Marcolino José Carlos Moco, da Universidade de Angola, disponível na página da Associação Nacional de Direitos Humanos, Pesquisa e Pós- U e s dade de go a, d spo e a pág a da ssoc ação ac o a de e tos u a os, esqu sa e ós Graduação. No site do Supremo Tribunal Federal, leia a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 sob a ótica da instituição. Conheça o site ShareAmerica e leia o artigo Estas vozes identificaram nossos direitos humanos universais.
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