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Autoras: Profa. Lígia Regina Máximo Cavalari Menna Profa. Ana Lúcia Machado da Silva Colaboradoras: Profa. Cielo Griselda Festino Profa. Christiane Mazur Doi Literatura Comparada Professoras conteudistas: Lígia Regina Máximo Cavalari Menna / Ana Lúcia Machado da Silva © Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) M547l Menna, Lígia Regina Máximo Cavalari. Literatura Comparada / Lígia Regina Máximo Cavalari Menna, Ana Lúcia Machado da Silva. – São Paulo: Editora Sol, 2023. 132 p., il. Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, Série Didática, ISSN 1517-9230. 1. Literatura. 2. Linguagem. 3. Mídia. I. Menna, Lígia Regina Máximo Cavalari. II. Silva, Ana Lúcia Machado da. III. Título. CDU 869.0 U517.20 – 23 Lígia Regina Máximo Cavalari Menna É doutora em Letras na área de Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo (USP). Fez pós-doutorado na mesma área com o projeto Releituras do Maravilhoso: A Rainha da Neve, de Hans Christian Andersen, suas Figurações e Múltiplos Diálogos. É docente do curso de Letras da Universidade Paulista (UNIP) e do curso de pós-graduação lato sensu Língua Portuguesa e Literatura no Contexto Escolar (UNIP Interativa). É docente colaboradora do Programa de Pós-Graduação do curso de Letras da FFLCH-USP, autora dos livros A carnavalização na literatura infantil (2017) e A literatura infantil além do livro (2019), e coautora da coleção didática para Ensino Fundamental II intitulada Português: uma língua brasileira, com Regina Figueiredo (2014). Ana Lúcia Machado da Silva É mestre em Língua Portuguesa pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e especialista em Língua Portuguesa pela mesma instituição. Foi professora do Ensino Básico nas redes pública e privada, lecionando Língua Portuguesa por 20 anos. Entre outras disciplinas, ministra Análise do Discurso e Gêneros Textuais no curso de graduação em Letras da Universidade Paulista (UNIP), além de aulas em módulos para cursos lato sensu na mesma instituição. Produziu os livros-textos Literatura Brasileira: Poesia, Letras Integradas, Tópicos de Atuação Profissional, entre outros, e coproduziu o livro-texto Literatura Portuguesa: Poesia. Profa. Sandra Miessa Reitora Profa. Dra. Marilia Ancona Lopez Vice-Reitora de Graduação Profa. Dra. Marina Ancona Lopez Soligo Vice-Reitora de Pós-Graduação e Pesquisa Profa. Dra. Claudia Meucci Andreatini Vice-Reitora de Administração e Finanças Prof. Dr. Paschoal Laercio Armonia Vice-Reitor de Extensão Prof. Fábio Romeu de Carvalho Vice-Reitor de Planejamento Profa. Melânia Dalla Torre Vice-Reitora das Unidades Universitárias Profa. Silvia Gomes Miessa Vice-Reitora de Recursos Humanos e de Pessoal Profa. Laura Ancona Lee Vice-Reitora de Relações Internacionais Prof. Marcus Vinícius Mathias Vice-Reitor de Assuntos da Comunidade Universitária UNIP EaD Profa. Elisabete Brihy Profa. M. Isabel Cristina Satie Yoshida Tonetto Prof. M. Ivan Daliberto Frugoli Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar Material Didático Comissão editorial: Profa. Dra. Christiane Mazur Doi Profa. Dra. Ronilda Ribeiro Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista Profa. M. Deise Alcantara Carreiro Profa. Ana Paula Tôrres de Novaes Menezes Projeto gráfico: Prof. Alexandre Ponzetto Revisão: Andressa Picosque Jaci Albuquerque Sumário Literatura Comparada APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................7 INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................................8 Unidade I 1 TEXTOS FUNDADORES DE LITERATURA COMPARADA .........................................................................9 1.1 Conceitos e reflexões iniciais ..............................................................................................................9 1.2 Origens e breve histórico................................................................................................................... 11 1.3 Contexto histórico da LC no Brasil e na América Latina ...................................................... 17 2 QUESTÕES DE AUTORIA: CONCEITOS FUNDAMENTAIS .................................................................... 24 2.1 Intertextualidade .................................................................................................................................. 24 2.2 Influência, imitação e originalidade ............................................................................................. 30 3 LITERATURA CENTRAL-PERIFÉRICA E CIBERLITERATURA ................................................................ 33 3.1 O regional, o nacional e o transnacional .................................................................................... 33 3.2 O ciberespaço ......................................................................................................................................... 40 4 INTERCONEXÕES: LINGUAGENS, MÍDIAS E SABERES....................................................................... 48 4.1 Literatura e outras mídias ................................................................................................................. 48 4.2 Literatura e outras áreas do conhecimento .............................................................................. 59 Unidade II 5 O CLÁSSICO NA LITERATURA COMPARADA ......................................................................................... 72 5.1 A Bíblia na literatura ........................................................................................................................... 72 5.2 O mito na/da literatura ...................................................................................................................... 79 6 IDENTIDADE NACIONAL ................................................................................................................................ 85 6.1 Nação mitopoetizada ......................................................................................................................... 85 6.2 Nação indígena ..................................................................................................................................... 87 7 CERTOS TEMAS, CERTAS RELAÇÕES ......................................................................................................... 92 7.1 Diferentes concepções de infância ............................................................................................... 92 7.2 Os caminhos da floresta em contos tradicionais .................................................................... 98 8 LITERATURA E OUTRAS MÍDIAS E LINGUAGENS ..............................................................................102 8.1 Animação Morte e vida severina: uma prática intermidiática ........................................102 8.2 Experiências literárias no ciberespaço .......................................................................................114 7 APRESENTAÇÃO Literatura comparada (LC) é um dos campos mais prazerosos do nosso curso. Trata-se da leitura e comparação entre, no mínimo, dois textos literários, que podem ser de épocas e culturas diferentes. Imagine só: ler o Livro das mil e uma noites na tradução apurada e direta do árabe de Mamede Mustafa Jarouche e compará-lo com a obra A game of thrones, do escritor norte-americano George R. R. Martin, perguntando-se até que ponto ambas as obras seguema estrutura narrativa de engendrar várias histórias ao mesmo tempo; ou ainda desvendar dois pontos de vista opostos – o do colonizador português em terras brasileiras, na obra As minas de prata, de José de Alencar, e o do africano em estado de escravidão no mesmo território, na obra em quadrinhos Angola Janga, de Marcelo D’Salete, em um Brasil de 1609 e 1673, respectivamente. De acordo com Perrone-Moisés (1982, p. 199), qualquer estudo que incida sobre as relações entre duas ou mais literaturas nacionais pertence ao âmbito da literatura comparada. Essas relações podem ser estudadas sob vários enfoques: relações entre obra e obra; autor e autor; entre movimento e movimento; análise da fortuna crítica ou da fortuna de tradução de um autor em outro país que não o seu; estudo de um tema ou de uma personagem em várias literaturas; etc. Nessa perspectiva, as possibilidades de estudo comparado são muitas, incluindo as relações entre texto literário e outras mídias, tais como cinema, história em quadrinhos (HQ), música etc., como no exemplo entre o romance de Alencar e a HQ de D’Salete. Além disso, a LC abre caminho para estudos interdisciplinares, ou seja, com outras áreas do conhecimento: “literatura e artes, literatura e psicologia, literatura e folclore, literatura e história se tornaram objeto de estudos regulares que ampliaram os pontos de interesse e as formas de ‘pôr em relação’, características da literatura comparada” (CARVALHAL, 2006, p. 74). Esta disciplina nos dá a oportunidade de continuar a experiência leitora literária com discussões tanto teóricas quanto metodológicas. Nesse contexto, seus objetivos gerais são: • considerar a literatura como um fenômeno de linguagem, associado a uma experiência existencial e cultural, em constante diálogo com a sociedade; • conhecer os conceitos básicos da LC e como aplicá-los em suas pesquisas e prática docente. Seus objetivos específicos são: • realizar estudos comparados entre textos literários de mesma temática, considerando diferentes contextos (épocas, lugares e estéticas); • realizar estudos comparados entre textos literários e diferentes manifestações artísticas em linguagens diversas: artes plásticas, arte sequencial, cinema, ciberliteratura. 8 Para atender esses objetivos, nosso conteúdo programático abrange conceitos fundamentais como influência, imitação, originalidade e intertextualidade, estudos comparados na atualidade entre literatura e artes plásticas, cinema e arte sequencial (HQs, tiras, charges, cartuns), bem como estudos das literaturas de diferentes contextos (épocas, lugares e estéticas), além da ciberliteratura – literatura produzida para os ambientes virtuais. Os objetivos e o conteúdo programático desta disciplina respaldam a nossa formação profissional na área de Letras. Como leitores e formadores de leitores literários, o conhecimento de LC abre-nos um mundo rico, cheio de possibilidades de leituras e análises. INTRODUÇÃO A LC é considerada uma vertente de estudo crítico, com métodos próprios e que trata vários aspectos – de teorias e metodologias de estudos até exemplos de análises realizadas por especialistas. Esses aspectos serão tratados ao longo deste livro-texto. Na unidade I, apresentamos brevemente o histórico dos estudos iniciais, formadores da LC, estendemo-nos sobre os fundamentos teóricos e metodológicos dessa vertente de estudo e discutimos uma questão-problema acerca da originalidade e as relações intertextuais. Devido ao crescimento da área, tratamos também da atualidade da LC, em especial da relação entre literatura e outras linguagens e mídias. Na unidade II, por sua vez, focamos na aplicação dos estudos comparados. Avaliamos a relevância do clássico nesse campo, vista por meio da relação entre dois pilares do pensamento ocidental: a Bíblia e o mito. Discutimos também literatura brasileira, concentrando-nos especificamente na identidade nacional, e exemplificamos um estudo temático de obras literárias que abordam a criança ou a infância. Por fim, apresentamos um dos enfoques da LC – a relação entre literatura e outras mídias –, bem como o estudo na ciberliteratura. Para encerrar, deixamos um desafio em três etapas para você, caro(a) aluno(a). A primeira etapa considera que uma das maneiras de praticar estudos comparados se fundamenta no tema, e que existem temas mais recorrentes na história da literatura, os quais perpassam épocas, línguas e culturas diferentes, como o tema máquina do mundo. Procure na internet a expressão “máquina do mundo na literatura” e anote os dados obtidos – nome da obra, do autor, língua original do texto, época em que o texto foi produzido. Depois, leia um dos textos indicados e curta a leitura. Por fim, responda: afinal, o que é máquina do mundo na literatura? A segunda etapa se baseia em suas experiências em leituras literárias. Faça um levantamento de temas recorrentes nos textos lidos, independentemente da época, língua e cultura em que foram produzidos. Elenque, no mínimo, três temas. Na terceira etapa, selecione dois textos literários curtos (poema, conto, crônica) que abordem o mesmo tema – lembre-se que os textos podem ser de épocas e países diferentes – e analise brevemente como ambas as obras o abordam. Bons estudos! 9 LITERATURA COMPARADA Unidade I 1 TEXTOS FUNDADORES DE LITERATURA COMPARADA 1.1 Conceitos e reflexões iniciais Conceituar literatura comparada (LC) é uma árdua tarefa, principalmente se considerarmos que o termo foi interpretado e aplicado de diversas formas ao longo de sua história, conforme constataremos a seguir. De acordo com Sandra Nitrini (2000, p. 23), o debate sobre a especificidade do objeto e método da literatura comparada atravessa o século XX, sem que se chegue a um desfecho consensual. No final deste século, críticos e teóricos continuam interrogando-se sobre questões que já eram colocadas, há mais de cem anos, e que constituem o miolo de uma discussão ininterrupta: qual é o objeto da literatura comparada? A comparação pode ser objeto de uma disciplina? Se literaturas específicas têm seu cânon, o que seria um cânon comparativo? Como o comparatista seleciona o objeto da comparação? A literatura comparada constitui uma disciplina? Ou é um simples campo de estudo? Já se passaram mais de 20 anos desde que Nitrini lançou seus questionamentos. Vários já foram respondidos, como a consolidação da LC enquanto disciplina curricular comum a vários cursos de Letras, mas outras questões ainda se encontram em discussão. À primeira vista, podemos dizer que LC consiste, em sua definição mais básica, em uma forma de investigação que confronta duas ou mais literaturas. Contudo, pela variedade de pesquisas e objetos de análise na área do comparatismo, a LC tornou-se um vasto campo de atuação que vai muito além do simples cotejo de textos literários, incluindo atualmente diferentes linguagens e áreas do conhecimento. Para Tania Carvalhal (2006, p. 6), a LC não é sinônimo de comparação, uma vez que o sentido da expressão “literatura comparada” complica-se ainda mais ao constatarmos que não existe apenas uma orientação a ser seguida, que, por vezes, é adotado um certo ecletismo metodológico. Em estudos mais recentes, vemos que o método (ou métodos) não antecede à análise, como algo previamente fabricado, mas dela decorre. Aos poucos torna-se mais claro que literatura comparada não pode ser entendida apenas como sinônimo de “comparação”. 10 Unidade I Apesar de a autora se referir aos estudos comparados na década de 1990, podemos observar que esse ecletismo metodológico persiste em nossa atualidade. É importante que entendamos que isso não significa que em nossas análises trabalharemos com achismos ou meras impressões, ou que qualquer método ou teoria possa ser aplicado indistintamente. Os estudos comparados cada vez mais têm se pautado pelo rigor teórico e conceitual, com métodos específicos e adequados para cada objeto de análise e uma abordagem válida, sériae pertinente. O confronto entre um texto literário e uma narrativa fílmica, por exemplo, exigirá do pesquisador métodos específicos e diferentes dos utilizados quando analisa duas narrativas literárias. Há ainda de se considerar que outras disciplinas também utilizam a comparação em suas análises. Na crítica literária, por exemplo, essa ferramenta é utilizada ocasionalmente, mas não é essencial. Já na LC, é um recurso fundamental – não por si mesma, mas para se obter uma análise crítica, bem fundamentada. Segundo Carvalhal (2006, p. 7), pode-se dizer, então, que a literatura comparada compara não pelo procedimento em si, mas porque, como recurso analítico e interpretativo, a comparação possibilita a esse tipo de estudo literário uma exploração adequada de seus campos de trabalho e ao alcance dos objetivos a que se propõe. Em síntese, a comparação, mesmo nos estudos comparados, é um meio, não um fim. Nitrini (2000) aponta uma tendência entre as décadas de 1960 e 1970 de conciliar as escolas francesa e norte-americana, que veremos adiante, com a definição de Pichois e Rousseau (apud NITRINI, 2000, p. 30): A literatura comparada é a arte metódica, pela busca de ligações de analogia, de parentesco e de influência, de aproximar a literatura dos outros domínios da expressão ou do conhecimento, ou então os fatos e os textos literários entre eles, distantes ou não no tempo e no espaço, contanto que eles pertençam a várias línguas ou várias culturas participando de uma mesma tradição, a fim de melhor descrevê-los, compreendê-los e apreciá-los. Nessa definição podemos apontar um problema recorrente: o uso do termo influência, atualmente considerado indevido, pois implica um juízo de valor, uma hierarquização das obras, como se uma valesse mais do que a outra. Ainda outra questão é que hoje não é necessário que os textos literários pertençam a várias línguas: podemos estabelecer um estudo comparado entre obras de escritores angolanos, brasileiros, portugueses e moçambicanos, por exemplo – todos falantes de língua portuguesa, mas cujos contextos históricos e culturais se diferenciam. Entendemos a LC, em seus aspectos analíticos e críticos mais abrangentes, como uma forma específica de interrogar os textos literários na sua interação com outros textos, outras linguagens, ou seja, em um processo intertextual, em diferentes suportes, épocas e países, na mesma língua ou em línguas diversas, com o objetivo de entender melhor nosso próprio sistema literário e a formação da literatura em um contexto mais amplo, histórica e socialmente construído. 11 LITERATURA COMPARADA Nessa perspectiva, podemos citar Carvalhal (2006, p. 86), que resume nossa visão sobreo comparatismo: A investigação de um mesmo problema em diferentes contextos literários permite que se ampliem os horizontes do conhecimento estético, ao mesmo tempo que, pela análise contrastiva, favorece a visão crítica das literaturas nacionais. Essa visão crítica é fundamental. A comparação não deve ser superficial, não se deve comparar por comparar. Deve-se ter um objetivo específico a alcançar, delimitando-se um corpus de análise e lembrando-se que a literatura e o texto literário são os principais focos. Segundo Nitrini (2000), há uma pergunta que nunca envelhece: o que é LC? A resposta a tal pergunta, certamente, continuará escapando a afirmações seguras e definitivas, modificando-se de acordo com o tempo, o espaço e a ordem vigente na relação entre os vários países do mundo, e, também, de acordo com a circulação das novas teorias literárias, mas demandará sempre, para a compreensão de sua configuração momentânea, que se revisite sua história, tanto no plano internacional, quanto no local (NITRINI, 2000, p. 289-290). Com base na resposta de Nitrini (2000, p. 289) a um “objeto escorregadio” como a LC, em busca de sua “configuração momentânea”, vejamos um pouco de sua história na seção a seguir. 1.2 Origens e breve histórico É difícil constatar a origem da LC, o que torna um desafio estudá-la. Conforme aponta Nitrini (2000, p. 19), as origens da literatura comparada se confundem com as da própria literatura. Sua pré-história remonta às literaturas grega e romana. Bastou existirem duas literaturas para se começar a compará-las, com o intuito de se apreciar seus respectivos méritos, embora se estivesse ainda longe de um projeto de comparatismo elaborado, que fugisse a uma mera inclinação empírica. Ao longo dos séculos surgiram estudos de comparação de discursos, poemas, obras, artigos científicos, entre outros, mas somente em meados do século XIX o termo literatura comparada difundiu-se e propagou-se por toda a Europa, vinculado a um contexto neocolonial e cosmopolita, marcado pelo cientificismo, com destaque para o positivismo e o evolucionismo. Foi uma “época em que comparar estruturas ou fenômenos análogos, com a finalidade de extrair leis gerais, foi dominante nas ciências naturais” (CARVALHAL, 2006, p. 8). 12 Unidade I Carvalhal (2006) indica que na França, onde a expressão se firmou e se espalhou mais rapidamente, três nomes marcaram seu efetivo ingresso na teoria literária. Um deles foi Abel-François Villemain, professor da Sorbonne que empregou em sua obra sobre literatura do século XVIII os termos literatura comparada, panoramas comparados, estudos comparados e história comparada. Outro foi Jean-Jacques Ampère, que em seu Discurso sobre a história da poesia (1830) usou a expressão história comparativa das artes e da literatura, que reemprega no título da obra de 1841, História da literatura francesa na Idade Média comparada às literaturas estrangeiras. A expressão foi então aplicada por Charles Augustin Sainte-Beuve, que reconhece em Ampère o fundador da história literária comparada. Em 1887 surgiu a primeira cátedra de LC em Lyon, e outra em 1910, em Sorbonne, ambas na França, com destaque para os comparatistas Joseph Texte, Fernand Baldensperger e J. M. Carré. Apesar da expansão continuada do termo e do seu objeto de estudo, a denominação disseminada pelos precursores franceses muitas vezes foi confundida ou associada com literatura geral. Em meados do século XX, a LC foi reconhecida como disciplina e tornou-se modalidade de ensino regular nas universidades, sendo publicados estudos, manuais e materiais específicos e de alta qualidade na área. Conforme aponta Carvalhal (2006), podemos dividir a LC em duas vertentes, eventualmente chamadas de escolas francesa e norte-americana. Contudo, o termo escola causa polêmicas, pois dá a entender que há dois blocos radicalmente diferentes, e não é isso o que acontece. Há, por exemplo, comparativistas norte-americanos com orientação historicista, como os clássicos franceses, e há franceses que apresentam uma multiplicidade de orientações além da tradição. Assim, usaremos o termo escola com certo cuidado, considerando que essa terminologia se aplica muito mais às contribuições clássicas e postulações opostas de seus principais teóricos, Paul Van Tieghem e René Wellek. Tieghem, relevante comparativista francês, publicou em 1931 o livro La littérature comparée, apontando na época o que se considerava a diferença entre LC e literatura geral. Para ele, a LC “tem por objeto o estudo das relações entre duas ou mais literaturas”, enquanto a alçada da literatura geral são “os fatos de ordem literária que pertencem a várias literaturas” (TIEGHEM apud NITRINI, 2000, p. 25). Tieghem foi considerado o precursor do que se chamaria posteriormente de escola francesa. Seu livro tornou-se um manual para vários estudiosos, entre eles Tasso da Silveira (1964), no Brasil. Sua metodologia baseava-se em três elementos: o emissor (ponto de partida da influência), o receptor (ponto de chegada) e o transmissor (intermediário entre o emissor e o receptor). Sua preocupação primordial não era a estrutura interna do texto, mas o contexto que o envolvia, sendo, portanto, a LC uma subsidiária da historiografia literária. Acerca das orientaçõesbásicas do comparatismo clássico francês, podemos indicar que: • vinculava-se a validade das comparações literárias à existência do contato real entre autores, obras e países; • havia um forte impulso para o estudo das fontes e influências das obras; 13 LITERATURA COMPARADA • privilegiava-se a fortuna crítica de um autor, identificando a recepção de sua obra em outros países; • havia um forte viés nacionalista; • associavam-se os estudos literários a uma perspectiva histórica; • via-se a LC como um ramo da história da literatura. Assim, segundo Carvalhal (2006, p. 14), a escola francesa se configurava em uma linha mais historicista e determinista, privilegiando o confronto entre duas literaturas distintas e a busca pelas “relações causais entre obras ou entre autores, mantendo uma estreita vinculação com a historiografia literária”. A partir dessa visão mais clássica, os estudiosos se preocupavam demasiadamente em encontrar relações de causa e efeito em determinada obra, associadas principalmente a fatos não literários, o que levava a soluções simplistas – por exemplo, supor de forma superficial que um autor trataria de certos temas sensíveis e melancólicos porque provavelmente sofrera abandono e violência na infância, ou seja, relações de causa e efeito fora do texto literário. Havia também uma preocupação excessiva em se obter as fontes ou influências que levaram certo autor a escrever determinada obra, o que podia e ainda pode levar o estudioso a valorar uma obra em detrimento de outra, por motivos muitas vezes políticos, provocando questões como quem influenciou quem? Quem é melhor? Ressaltamos que as contribuições desses primeiros estudiosos da LC foram bastante significativas. Contudo, pautavam-se em uma visão neocolonial, eurocêntrica e cosmopolita. Para exemplificar o impacto dessa preocupação com fontes e influências, podemos observar as relações de intertextualidade entre Memórias póstumas de Brás Cubas (1881), de Machado de Assis, e A vida e as opiniões do cavalheiro Tristram Shandy (1759), do escritor irlandês Laurence Sterne. O próprio Machado cita esse autor irlandês na introdução dessa sua famosa obra, o que comprova seu conhecimento e inspiração. Contudo, se formos analisar a obra machadiana a partir de suas possíveis fontes e influências da obra irlandesa, estaríamos fazendo uma análise rasa, reduzindo em muito a grandiosidade do estilo desse autor. Ou seja, é muito importante conhecer as leituras feitas pelos escritores e poetas, a sua formação, mas não podemos reduzir nossas análises às suas fontes e influências. Além disso, por ser Machado de Assis um autor brasileiro e o outro europeu, um estudioso com uma visão cosmopolita e eurocêntrica poderia desvalorizar a obra machadiana pelo fato de o Brasil ser um país latino-americano. Exemplo de aplicação 1) As discussões sobre imitação e influência foram particularmente resgatadas no século XX por Harold Bloom, na obra A angústia da influência, publicada em 1973. Conforme o autor, imitação e influência são essenciais para o processo de criação, que começa pela imitação e passa pela influência na busca de uma expressão própria do artista. 14 Unidade I Com base nesse processo: a) Indique um autor literário – brasileiro, deste ou de outro século –, cuja(s) primeira(s) obra(s) possa(m) ser considerada(s) imitação de um estilo individual de um outro autor. Especifique uma obra e comente até que ponto se trata de imitação. b) Esse mesmo autor brasileiro desenvolveu, posteriormente, sua expressão própria, ou seja, seu estilo. Escolha uma de suas obras e faça um comentário analítico, com trechos de exemplo, desse estilo desenvolvido. 2) Caro(a) aluno(a), você é um(a) escritor(a) literário(a)? No mínimo, já rascunhou poemas, contos ou outro gênero que faça parte do mundo literário? Em uma autoavaliação, sua escrita artística (literária) baseia-se em qual(is) outro(s) autor(es)? Em que ponto sua escrita mostra a relação com o outro e em que ponto ela foge dessa relação? Comentários As questões 1 e 2 dependem da sua experiência leitora. É uma atividade interessante e rica para você perceber que os grandes escritores, aqueles canônicos, famosos, também passaram pelo processo de imitação e influência. Retomando a análise das diferentes vertentes da LC, a escola norte-americana, por sua vez, tem um dos estudiosos mais importantes, que se opôs aos métodos historicistas franceses e questionou as definições do objeto de estudo: o crítico tcheco naturalizado norte-americano René Wellek. Seu artigo “A crise da literatura comparada”, de 1958, publicado no II Congresso da Associação Internacional de Literatura Comparada, trouxe novos caminhos para a LC e expôs as “fragilidades teóricas da disciplina e sua incapacidade de estabelecer um objeto de estudo distinto e uma metodologia específica, até aquela época” (CARVALHAL, 2006, p. 33). Wellek censurava o estudo de fontes e influências por considerá-las exteriores ao texto e irrelevantes. Propunha, por outro lado, uma análise centrada no texto, sem deixar de lado a relação entre texto e contexto – segundo ele, um complemento fundamental. O estudioso também preferia não separar a LC da literatura em geral, fato criticado por Carvalhal (2006). Wellek ainda criticava fortemente a preocupação da vertente mais clássica de procurar relações de causa e efeito, principalmente com fatores não literários, visto que o texto, o real objeto de estudo da literatura, acabava muitas vezes abandonado. Por não concordar com o estudo de fontes e influências, Wellek tomou como base o formalismo russo e o new criticism, mas não se apoiava somente na postura imanentista dessas correntes, buscando um equilíbrio entre a análise crítica do texto, o que a ele está intrínseco, e o elemento histórico, o qual de maneira alguma pode prescindir àquele. Ou seja, há elementos inerentes ao texto, indissociáveis, muito importantes e que devem ser levados em conta nos estudos comparados; contudo, o elemento histórico, fora do texto, também precisa ser considerado. 15 LITERATURA COMPARADA Observação Imanentista tem sentido de imanente, intrínseco, inerente, indissociável. No início do século XX surgiram algumas correntes teóricas literárias anti-historicistas, como o formalismo eslavo ou russo e a nova crítica (new criticism) anglo-americana, que passaram a compreender a obra literária como um arranjo linguístico, e não se preocupavam com a vida pessoal dos escritores ou mesmo com seu contexto social. René Wellek conquistou muitos seguidores e transformou os estudos comparados em sua época, dando origem ao que conhecemos como a escola norte-americana, cujas principais características elencaremos a seguir: • comparada à escola francesa, apresentava uma visão mais eclética da LC e de seus objetos de análise, sem o viés nacionalista; • privilegiava a análise do texto literário; • aceitava os estudos comparados dentro das fronteiras de uma única literatura; • absorveu as questões teóricas do new criticism; • era eclética e não possuía um programa a ser seguido como os franceses. Segundo Carvalhal (2006, p. 38), Wellek, sem dúvida, atinge os pontos fracos das propostas clássicas: o exagerado determinismo causal das relações, a ênfase em fatores nãoliterários, a análise dos contatos sem atentar para os textos em si mesmos, o binarismo reducionista. Apesar das contribuições positivas de Wellek, Carvalhal (2006) aponta vários problemas em suas postulações, destacando principalmente a desconsideração do autor dos aspectos históricos que rodeiam o contexto de produção de uma obra literária, assim como o fato de não diferenciar a LC da literatura geral. Segundo Carvalhal (2006, p. 39), a literatura comparada, sendo uma atividade crítica não necessita excluir o histórico (sem cair no historicismo), mas ao lidar amplamente com dados literários e extraliterários ela fornece à crítica literária, à historiografia literária e à teoria literáriauma base fundamental. Todas essas disciplinas concorrem em conjunto para o estudo literário, resguardada a especificidade de cada uma. Devem conviver sem se confundirem. 16 Unidade I Ao longo da história da literatura e da crítica literária surgiram vertentes que valorizavam o contexto e outras que valorizavam o texto. Contudo, atualmente é possível afirmar que não há como dissociar esses importantes elementos para o estudo e a compreensão das obras literárias. Nesse sentido, referenciamos Antonio Candido (2000, p. 4): Hoje sabemos que a integridade da obra não permite adotar nenhuma dessas visões dissociadas [texto ou contexto]; e que só a podemos entender fundindo texto e contexto numa interpretação dialeticamente íntegra, em que tanto o velho ponto de vista que explicava pelos fatores externos, quanto o outro, norteado pela convicção de que a estrutura é virtualmente independente, se combinam como momentos necessários do processo interpretativo. Sabemos, ainda, que o externo (no caso, o social) importa não como causa, nem como significado, mas como elemento que desempenha um certo papel na constituição da estrutura, tornando-se, portanto, interno. Por muito tempo, o debate entre as duas principais vertentes permeou o campo de estudos da LC, originando uma série de conteúdos e artigos acerca do tema, com contribuições relevantes para o panorama geral. A concepção historicista francesa, por exemplo, foi questionada também pelo francês René Étiemble, o qual, segundo Nitrini (2000, p. 39), se opôs à limitação de relações de causa e efeito na literatura. Ele [Étiemble] admite a legitimidade da comparação mesmo quando não houver influências, reconhecendo a validade de se estabelecer paralelismos de pensamento, independentemente de qualquer influência historicamente discernível. Para o estudioso, a conciliação entre as duas escolas era uma medida razoável, sendo possível combinar ambas as orientações por meio de pesquisas minuciosas, contemplando a investigação histórica e, ao mesmo tempo, a análise crítica da obra, fazendo-se necessária uma terceira via. Conforme aponta Nitrini (2000, p. 40), para Étiemble, cabe à literatura comparada conhecer minuciosamente as “relações de fato” que numa determinada época explicam a ação de um determinado escritor, de uma determinada corrente, de uma outra cultura. No entanto, isto não é suficiente para resolver a questão das “influências”. Étiemble destacava que “a literatura comparada começa e se realiza quando estuda a obra como tal” (NITRINI, 2000, p. 40) e defendia um tratamento igualitário, militando para que as literaturas menores e marginalizadas também fossem vistas e valorizadas. Ademais, o autor rebatia “a distinção entre literatura comparada e literatura geral e [sustentava] um interesse que ignora divisões políticas e limites geográficos” (CARVALHAL, 2006, p. 31). De fato, a proposta teórica de René Étiemble aponta para uma abstração em grau tão elevado que, como consequência, pulveriza o próprio objeto motivador de sua reflexão, a obra de arte literária, e torna impossíveis quaisquer sugestões 17 LITERATURA COMPARADA metodológicas para um estudo concreto de literatura comparada. No entanto, é incontestável seu legado para a história da literatura comparada da segunda metade do século XX, como voz combativa e pioneira em prol do acesso das literaturas marginalizadas a este domínio de estudos literários, e por sua participação atuante no debate que se instaurou em torno de seus novos caminhos, no final dos anos [19]50 e [19]60 (NITRINI, 2000, p. 44). Além das duas já mencionadas, outra vertente relevante foi a escola soviética, que contava com a figura de Victor Zhirmunsky, cujo foco principal eram as questões de ordem social, adotando “como princípio básico, a compreensão da literatura como produto da sociedade” (CARVALHAL, 2006, p. 15). Nitrini (2000) discorre sobre a contribuição dos países do leste europeu entre as décadas de 1950 e 1960 na desconstrução da polaridade entre as vertentes francesa e americana, marcando uma renovação dos estudos de LC na União Soviética. Houve, então, diversos congressos e debates acerca do conceito teórico da LC e de suas contribuições, como o IV Congresso Internacional de Eslavistas em Moscou, que foi um marco no desenvolvimento comparatista. Nesse contexto, o tcheco Dionyz Durisin propôs um método comparatista que ficou conhecido como teoria estruturalista, focada em “prever explicações estruturais para os fenômenos literários, quando estudados de um ponto de vista comparativo” (CARVALHAL, 2006, p. 42). O estudioso objetivava investigar as relações entre sistemas e subsistemas literários, governados por normas e tendências estéticas, sociais e políticas, não se atendo apenas às relações entre autores e obras. Com essa abordagem, ele propiciou a eliminação do conceito de influência no sentido clássico, pois o substitui pelo conceito operacional de tipo (ou estratégia) de influência. Ao fazer isso, o autor tcheco distingue entre estratégias integradoras – que seriam a imitação, a adaptação, o empréstimo ou decalque – e estratégias diferenciadoras (a paródia, a sátira, a caricatura) (CARVALHAL, 2006, p. 42). Podemos dizer que a preocupação primordial de Durisin foi classificar os tipos das relações literárias. Observação Os estudos classificatórios chegam às relações possíveis entre as obras literárias com base em um fundo social ou psicológico, por exemplo. 1.3 Contexto histórico da LC no Brasil e na América Latina Segundo Nitrini (2018), a LC entrou no Brasil a partir dos estudos de 1950, nascendo como disciplina universitária e formando os primeiros mestres e doutores nas décadas de 1970 e 1980 sob as ideias de Roger Bastide e Antonio Candido. 18 Unidade I O sociólogo francês Roger Bastide (2006, p. 264) propôs “uma renovação da literatura comparada, ligando-a à sociologia das interpenetrações de civilizações”, e defendia que o campo de estudo dialogasse com a antropologia cultural, a fim de se colocar no terreno da globalidade social. Só então as razões das escolhas, a transformação das modas estrangeiras, os canais de passagem e os processos de metamorfoses realmente se esclarecem. A literatura não plana no vazio, ela é obra de homens que estão ligados entre si por estruturas sociais determinadas. A literatura comparada, bem como a crítica literária, simplesmente têm a obrigação de reencarnar a arte na carne viva das sociedades (BASTIDE, 2006, p. 269). Nitrini (2018, p. 13) delineia o surgimento da disciplina no Brasil: A disciplina LC foi criada em 1940, por Tasso da Silveira, na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Duas décadas depois surgiu em universidades públicas do Rio de Janeiro e de São Paulo nos cursos de Letras, por iniciativa, respectivamente, de La-Fayette Côrtes e de Antonio Candido. Mas seu grande impulso ocorre nos anos de 1970, com a produção universitária dos cursos de pós-graduação, tanto no âmbito da disciplina Teoria Literária e Literatura Comparada como no das literaturas estrangeiras da Universidade de São Paulo e de programas de outras universidades, como os da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Ressalte-se a publicação, nos anos de 1970, do artigo sucinto, porém esclarecedor, sobre o comparatismo: “Conceitos e vantagens da literatura comparada”, de Afrânio Coutinho. Tasso da Silveira era integralmente adepto de Tieghem (CARVALHAL, 2006), seguindo fielmente no Brasil a orientação dos manuais franceses. Para o estudioso, em literatura comparada procedem-se a comparações de caráter especial e com finalidade positiva. Com a finalidade, extremamente fecunda para a história do espírito, de verificar a filiação de uma obra ou de um autor a obras e autores estrangeiros, ou de um momentoliterário ou da literatura interna de um país a momentos literários ou a literaturas de outros países (SILVEIRA apud CARVALHAL, 2006, p. 20). Dessa forma, Tasso, de acordo com Carvalhal (2006, p. 21), se atinha a “um voo ainda muito restrito”, haja vista que apontava que a formação do comparatista exigia conhecimento enciclopédico, erudição e a habilidade de buscar indícios e “estabelecer filiações entre obras e autores de um país e obras e autores de outro ou de outros países” (SILVEIRA apud CARVALHAL, 2006, p. 21), não considerando como foco as técnicas de análise da estruturação das obras em si. No que concerne à abordagem, Carvalhal (2006, p. 21) destacou que 19 LITERATURA COMPARADA surpreende, na adesão de Tasso da Silveira aos autores franceses mencionados, o não aproveitamento das contribuições que alguns intelectuais brasileiros dispersavam em seus trabalhos de crítica literária, com forte inclinação comparativista. Se as tivesse considerado, é possível que, já na época, o manual brasileiro pudesse conter sugestões renovadoras, colhidas aqui mesmo, e não se tivesse deixado levar tanto pelo vezo sistematizador das orientações que acolheu. Nesse contexto de desenvolvimento da LC no Brasil, Nitrini (2018) destaca que os estudos e publicações universitárias referentes à língua e à literatura francesas estavam em ascensão, destacando-se o projeto Léry y-Assu, dirigido por Leyla Perrone-Moisés e implantado no programa de pós-graduação da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo (USP) em 1978. O projeto contou com diversos autores e teses, e seu objetivo era estudar as marcas da França na literatura brasileira, conjugando “a teoria da intertextualidade com a da antropofagia brasileira como um caminho para se estudar as relações culturais e literárias entre Brasil e França” (NITRINI, 2018, p. 13). Observação A FFLCH é muito conhecida no mundo acadêmico brasileiro, e foi fundada em 25 de janeiro de 1934 na USP. Conforme aponta Nitrini (2018, p. 14-15): Opondo-se, então, à LC tradicional que considerava as obras feitas, o alvo de Projeto “Léry y-Assu” era colocar ênfase no processo de transformação dos textos. Daí a adequação da intertextualidade como um dos seus pressupostos. Por outro lado, essa teoria permitia uma visão antropofágica da literatura brasileira. Àquela altura, segundo Leyla Perrone-Moisés, a antropofagia era “a única teoria estética vigente no Brasil”. Talvez, hoje, ela não seja a única vigente, mas com certeza mantém ainda seu prestígio e pertinência para a compreensão da realidade brasileira, uma vez adaptada aos nossos tempos. Tal iniciativa se transformou ao longo desses quase 40 anos e se mantém hoje como Grupo de Pesquisa Brasil-França (Grupebraf) do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da Universidade de São Paulo, com uma respeitável contribuição para os estudos das relações literárias e culturais entre Brasil e França, cultivados de modo sistemático pelos pesquisadores formados por Leyla Perrone-Moisés e por estudiosos por ela convidados, advindos das áreas de Literatura Francesa, Literatura Brasileira e de Teoria Literária e Literatura Comparada, para participarem desse projeto integrado de pesquisa, pioneiro nos estudos comparatistas brasileiros. 20 Unidade I Um marco importante para o avanço da LC no Brasil foi a fundação da Associação Brasileira de Literatura Comparada (Abralic) em 1986, durante o I Seminário Latino-Americano de Literatura Comparada, realizado na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. A Abralic é uma associação de cunho cultural que tem como objetivo fomentar os estudos comparatistas nos cursos de graduação e pós-graduação em Letras, promovendo diversos eventos acadêmicos. No I Congresso da Abralic, Antonio Candido fez uma contribuição relevante sobre a importância da Associação e seu intuito principal: Segundo ele, “faltava algo importante, e eu diria decisivo: a consciência profissional específica, que se adquire e fortalece sobretudo pelo intercâmbio, os periódicos especializados e a vida associativa, marcada por encontros, simpósios e congressos”. Nesses 30 anos, a Abralic cumpriu a contento sua missão institucional, com a realização periódica de congressos, simpósios, seminários e publicação de anais, livros e revistas e se expandiram programas de pós-graduação, nos quais os estudos de LC passam a constituir uma de suas linhas de pesquisa (NITRINI, 2018, p. 21). Candido é a personalidade que representa a realização do antigo projeto de busca da identidade nacional por meio da criação de um projeto de literatura nacional. O professor reconhece que as literaturas latino-americanas são ramificações das literaturas metropolitanas, representando sua dependência cultural. Ele prega a prática de análise de um texto, um movimento dialético entre o localismo e o cosmopolitismo e uma concepção de literatura como sistema que a relaciona com a sociedade. As propostas de Antonio Candido tornaram-se uma ferramenta de estudos comparatistas totalmente independentes de qualquer escola ou tendência de LC, distanciando-se, principalmente, da escola francesa. Figura 1 - Antonio Candido Disponível em: https://cutt.ly/0M1YiS7. Acesso em: 4 nov. 2022. 21 LITERATURA COMPARADA Dentre os vários estudiosos brasileiros no campo da LC, enfatizamos Tania Carvalhal e Sandra Nitrini, referências teóricas basilares neste livro-texto, além de Eduardo Coutinho, Roberto Schwarz e Benjamin Abdala Júnior. Na América Latina como um todo, um teórico de destaque foi o uruguaio Ángel Rama, que a partir dos anos 1960 propôs uma visão única e global de literatura por meio de um aparato crítico que unificasse todas as literaturas latino-americanas, a fim de substituir o método historiográfico europeu. Rama procurou compor uma história unificadora, apoiando-se em um comparativismo cultural, em vez de somente literário, que compreendesse as três raízes da América Latina – a espanhola, a portuguesa e a francesa –, além de também considerar as culturas que não pertenciam a uma tradição românica, como as indígenas. Nesse sentido, o cofundador da Abralic, Eduardo Coutinho, refletiu no II Congresso daquela instituição, em 1990, sobre o perfil do discurso crítico latino-americano, trazendo à luz as tendências europeias que contribuíram para o questionamento da própria visão eurocêntrica. Em sua comunicação, Coutinho (apud NITRINI, 2000, p. 287) esclarece: Defender a criação de um discurso crítico próprio não significa de modo algum rejeitar o forâneo numa atitude irracional de xenofobia. Trata-se, isto sim, de combater o seu monopólio […] em outras palavras, de construir um discurso alternativo que relativize a autoridade do primeiro (europeu ou norte-americano) e seja capaz de estabelecer um diálogo franco, plural e em pé de igualdade. Nesse sentido, destacamos como é importante valorizar um discurso crítico latino e brasileiro, pois nossa realidade é bem específica. Isso não significa que iremos rejeitar as críticas europeia e norte-americana, mas entender que elas não são as únicas. Saiba mais No site da Abralic você encontrará muitas publicações pertinentes à área, além de informações sobre os congressos e cursos que a entidade realiza anualmente: Disponível em: https://abralic.org.br/. Acesso em: 9 nov. 2022. No canal da Associação no YouTube você pode ainda conferir várias palestras e comunicações: Disponível em: https://cutt.ly/1M1YjRD. Acesso em: 9 nov. 2022. 22 Unidade I Outra entidade importante é a American Comparative Literature Association (Acla), fundada nos Estados Unidos em 1960 e atualmente reconhecida como a mais importante associação de pesquisadores no campo das abordagens transculturais de literaturas e culturas. Alós (2012) traça um interessante e rico percurso sobre a LC e suas fragilidades e cita a importância do relatório da Acla de 1993, efetuado pelo pesquisador Charles Bernheimer, que questionou o eurocentrismoe a formação dos cânones literários ocidentais. Houve muita repercussão e uma virada nos rumos epistemológicos da disciplina, com uma visão multiculturalista: O relatório redigido por Charles Bernheimer, bem como as discussões que se produziram em seu entorno, marcaram o ano de 1993 como o momento da virada multiculturalista nos estudos de literatura comparada. Como em todas as grandes viradas, esta reformulação dos rumos epistemológicos da disciplina resultou em ganhos e em perdas. Dos ganhos, o maior deles foi uma fertilização do campo comparatista, a partir da abertura institucionalizada para os estudos culturais, marcando uma tomada de consciência com relação ao papel político da literatura no campo mais amplo dos debates acadêmicos das ciências humanas. Das perdas, a maior delas foi uma fragilização ainda maior da identidade institucional da literatura comparada como campo de investigação, ao assumir seu interesse por objetos de estudo tradicionalmente restritos a outros campos disciplinares, tais como a antropologia e a sociologia (ALÓS, 2012, p. 8). Como podemos observar, Alós (2012) considera que o fato de a LC se aproximar dos estudos culturais a enfraquece enquanto campo de investigação. Contudo, “a interdisciplinaridade é uma das palavras de ordem do comparatismo contemporâneo” (CORREIA apud ARAUJO, 2015, p. 28), sendo preciso considerar as disciplinas afins e suas contribuições mútuas. Saiba mais Os estudos culturais surgiram a partir da necessidade de recuperar e analisar as produções da cultura popular, questionando-se, assim, a tradição canônica dos estudos literários. Um dos seus principais nomes foi Stuart Hall, sociólogo britânico-jamaicano. Para conhecer melhor o autor e suas principais ideias, leia: HALL, S. A centralidade da cultura: notas sobre as revoluções culturais do nosso tempo. Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 22, n. 2, p. 15-46, 1997. Disponível em: https://cutt.ly/vM1YnlR. Acesso em: 9 nov. 2022. MORAES, M. L. B. Stuart Hall: cultura, identidade e representação. Revista Educar Mais, Pelotas, v. 3, n. 2, p. 167-172, 2019. Disponível em: https://bityli.com/bbR3u. Acesso em: 9 nov. 2022. 23 LITERATURA COMPARADA Novamente enfatizamos como é importante que o estudioso tenha objetivos claros, e que a comparação não seja um fim em si mesma, ou seja, que não se compare apenas por comparar. É preciso aguçar nosso senso crítico em busca de uma melhor compreensão da literatura e de seus meandros, conforme nos aponta Bakhtin (2000, p. 363-364): Cumpre salientar que, sendo a literatura um fenômeno muito complexo e a pesquisa literária uma ciência muito jovem, não se pode valorizar uma metodologia qualquer que seja um remédio milagroso. A diversidade dos procedimentos é justificada, até mesmo indispensável, contanto que tais procedimentos deem provas de seriedade e descubram novos aspectos no fenômeno literário, contanto que contribuam para aprofundar sua compreensão. Assim, graças aos estudos culturais, conceitos polêmicos passam a ser cada vez mais criticados: Com o advento dos estudos culturais, uma série de conceitos-chave para a literatura passam a ser profundamente criticados e problematizados, tais como os de fontes/influências, originalidade/imitação e nacional/estrangeiro. Em cada um destes conjuntos binários de termos, o primeiro é sempre valorizado e considerado hierarquicamente superior ao segundo, instaurando assim um jogo de valorações no interior dos próprios conceitos (ALÓS, 2012, p. 10). Dessa forma, retomando o exemplo dado sobre as intertextualidades entre A vida e as opiniões do cavalheiro Tristram Shandy (1759), de Laurence Sterne, e Memórias póstumas de Brás Cubas (1881), de Machado de Assis, o romance irlandês seria a fonte, algo hierarquicamente superior ao romance brasileiro que dele recebeu influências, algo que designa grande preconceito, fundado numa visão cosmopolita e eurocêntrica, algo que percebemos por meio da atualização e renovação frequente dos conceitos e métodos da LC. Posto isso, verificamos que a LC é um ramo que vem se desenvolvendo ao longo dos séculos, pois apesar de ter se disseminado no século XIX e ter sido reconhecida como disciplina somente no século XX, sua origem é tão antiga e intrínseca à atividade humana e à própria literatura que não há uma data específica de surgimento do comparatismo literário. Esse domínio conta com vasta gama de estudiosos, investigações, análises, publicações, eventos, discordâncias acadêmicas e contribuições efetivas não só ao campo literário, mas também a outras áreas do conhecimento com as quais dialoga. Sendo assim, apesar dos conflitos e das críticas existentes, a LC é um campo em constante evolução. 24 Unidade I 2 QUESTÕES DE AUTORIA: CONCEITOS FUNDAMENTAIS 2.1 Intertextualidade Como já pudemos observar, várias disciplinas e áreas do conhecimento contribuíram e vêm contribuindo para o aprimoramento da LC, seus conceitos e métodos, sua estruturação e atuação. Dentre elas, destacamos a teoria literária e o importante conceito de intertextualidade, basilar para a LC a partir da segunda metade do século XX. Esse conceito foi elaborado por Julia Kristeva, que se embasou nas reflexões de Bakhtin em Problemas da poética de Dostoievski: Todo texto se constrói como mosaico de citações, todo texto é absorção e transformação de um outro texto. Em lugar da noção de intersubjetividade, instala-se o da intertextualidade e a linguagem poética lê-se pelo menos como dupla (KRISTEVA apud NITRINI, 2000, p. 161). É interessante destacar como o processo de escrita está ligado à leitura anterior de um corpus literário. Assim, por trás de um texto literário podemos vislumbrar outros que foram absorvidos e replicados, dando origem à nova composição: “intertextualidade designa o processo de produtividade do texto literário que se constrói como absorção ou transformação de outros textos” (CARVALHAL, 2006, p. 20). O teórico francês Gérard Genette considera que certos procedimentos permitem verificar a presença de outro texto e elucidar a intertextualidade, como a imitação, a cópia, a apropriação, a paródia, a tradução, entre outros. Para se referir aos textos gerados nesses processos, Genette (2005, p. 5) utiliza o termo palimpsesto em sentido figurado e explica: Um palimpsesto é um pergaminho cuja primeira inscrição foi raspada para se traçar outra, que não a esconde de fato, de modo que se pode lê-la por transparência, o antigo sob o novo. Assim, no sentido figurado, entenderemos por palimpsestos (mais literalmente hipertextos), todas as obras derivadas de uma obra anterior, por transformação ou por imitação. Dessa literatura de segunda mão, que se escreve através da leitura, o lugar e a ação no campo literário geralmente, e lamentavelmente, não são reconhecidos. Tentamos aqui explorar esse território. Um texto pode sempre ler um outro, e assim por diante, até o fim dos textos. Este meu texto não escapa à regra: ele a expõe e se expõe a ela. Quem ler por último lerá melhor. Como podemos observar, um texto literário traz consigo outros textos que não podem ser ignorados e que precisam ser elucidados, sendo o método comparativo, dentro das propostas da LC, um bom instrumento para tal tarefa. 25 LITERATURA COMPARADA Figura 2 – Exemplo de palimpsesto Disponível em: https://cutt.ly/1M1YBsh. Acesso em: 4 nov. 2022. Mais uma vez reforçamos como é preciso ficar atento aos conceitos de fonte e influência. A intertextualidade é, do ponto de vista da teoria do texto, conceito mais neutro, porque dá conta de que todo escritor é, antes de tudo, leitor, e seus textos emanam de outros textos. Kristeva renova o conceito de intertextualidade. Segundo Laurent Jenny (apud CARVALHAL, 2006, p. 51), “a intertextualidade designa não uma soma confusa e misteriosa de influências, mas o trabalho de transformação e assimilação de vários textos, operado por um texto centralizador, que detém o comando do sentido”. Anteriormente,considerava-se que havia uma relação de dependência entre um texto e outro, como se o segundo texto criado, o palimpsesto, fosse inferior, principalmente se considerarmos as relações de poder envolvidas, como já dissemos. Atualmente, isso não é mais aceito, pois compreendemos que a intertextualidade é um procedimento natural e contínuo de reescrita de textos. Há três principais processos pelos quais podemos observar a intertextualidade: • primeiramente, há a citação, que mostra explicitamente a relação discursiva entre os dois textos, revelando o texto que se encontra dentro do outro; • em segundo, a alusão, que mostra a relação discursiva, porém reproduzindo uma ideia de um texto em outro; • finalmente, a estilização, que mostra o discurso do outro já estilisticamente modificado. 26 Unidade I Como exemplo de citação, observe o título A pequena vendedora de fósforos em cordel. A autora, Nireuda Longobardi, demonstra explicitamente que seus versos foram inspirados no conto “A pequena vendedora de fósforos” (1845), de Hans Christian Andersen. Vejamos o início do conto: Estava terrivelmente frio. A neve caía sem parar e já começava a escurecer. Era a última noite de dezembro, véspera de Ano-Novo. Por entre o frio e a escuridão, caminhava uma garotinha. Tão pobre era ela, que trazia os pés descalços e a cabeça descoberta (ANDERSEN, 2019, p. 311). Veja os primeiros versos do cordel: Oh, divina mãe das fadas Dai-me senso criador, Para contar uma história Comovente e com ardor, De Hans Christian Andersen Com carinho e muito amor Na véspera de ano novo Nevava e fazia frio A menina ali estava Ao lado do grande rio, E suas águas congeladas Andando no meio fio (LONGOBARDI, 2022). Na primeira estrofe, a cordelista confirma que o autor dinamarquês é sua inspiração, evidenciando as relações intertextuais e antecipando o que leremos a seguir. Ao comparar os dois textos, constatamos que o segundo, o palimpsesto, dialoga com o primeiro em um processo de estilização, ou seja, a autora relê ou adapta o conto de fadas para versos de cordel, sendo o discurso andersiano estilisticamente modificado. Agora leia um trecho de uma notícia veiculada no Jornal de Notícias de Portugal, em 2015: Criança de três anos morre de frio em Toronto após noite ao relento Uma criança de três anos morreu, quinta-feira, em Toronto, no Canadá, depois de passar várias horas ao relento com temperaturas negativas. Elijah Marsh conseguiu sair da casa durante a noite, apenas vestido com uma camisola e uma fralda e calçado com umas botas. Um outro bebé de três anos foi encontrado a deambular, esta sexta-feira, também sozinho na rua e ao frio (CRIANÇA…, 2015). Aqueles que conhecem o conto “A pequena vendedora de fósforos” e sua ideia central, uma criança passando frio e fome que morre congelada, podem estabelecer intertextualidade entre a situação 27 LITERATURA COMPARADA da criança canadense, no mundo real, e a história do conto de fadas, no mundo ficcional, por meio da alusão, ou seja, a ideia de um texto em outro texto. É importante esclarecer que nos versos de cordel há a intenção da autora de estabelecer intertextualidade com o conto de Andersen, o que fica evidente desde o título. Já as relações de intertextualidade entre a situação relatada na notícia e o conto foram estabelecidas por nós e podem ser vislumbradas por aqueles que conhecem o conto e seu enredo. Vale acrescentar que muitos contos de fadas tomaram como base situações reais para transfigurá-las em fantasia. Infelizmente, histórias de crianças pobres, abandonadas e desamparadas eram comuns e continuam a ocorrer ainda hoje. Outro exemplo é o conto “João e Maria”, recolhido pelos irmãos Grimm. Além desses processos (de citação, alusão e estilização), podemos pensar nos conceitos de paródia e paráfrase, amplamente discutidos pelo escritor e estudioso Affonso Romano de Sant’Anna (1999) em seu livro Paródia, paráfrase & cia. A paródia existe desde a Antiguidade clássica, mas se tornou um efeito de linguagem muito frequente nas obras contemporâneas. Segundo Sant’Anna (1999, p. 7), a rigor, existe uma consonância entre paródia e modernidade. […] A frequência com que aparecem textos parodísticos testemunha que a arte contemporânea se compraz num exercício de linguagem onde a linguagem se dobra sobre si mesma num jogo de espelhos. Menna (2017) constata que os dicionários brasileiros trazem uma falsa definição para o que seria uma paródia, reduzindo-a a uma imitação ridicularizadora e muitas vezes confundindo-a com a sátira – mas são recursos diferentes, pois nem toda paródia é satírica. Há riqueza estilística na paródia, que pode ser uma simples inversão estrutural ou até uma homenagem: A paródia é, pois, repetição, mas repetição que inclui diferença; é imitação com distância crítica, cuja ironia pode beneficiar e prejudicar ao mesmo tempo. Versões irônicas de “transcontextualização” e inversão são os seus principais operadores formais, e o âmbito de éthos pragmático vai do ridículo desdenhoso à homenagem referencial (HUTCHEON, 1991, p. 54). Um dos poemas mais parodiados, parafraseados e estilizados na literatura brasileira é o “Canção do exílio”, do escritor romântico Gonçalves Dias (apud SANT’ANNA, 1999, p. 23): Minha terra tem palmeiras Onde canta o sabiá, As aves que aqui gorjeiam Não gorjeiam como lá. 28 Unidade I Observe as duas paródias a seguir, a primeira de Oswald de Andrade, em seu “Canto de regresso à pátria”, e a outra de Fernando Bonassi: Minha terra tem palmares Onde gorjeia o mar Os passarinhos daqui Não cantam como os de lá (ANDRADE apud SANT’ANNA, 1999, p. 24). Minha terra tem campos de futebol, onde cadáveres amanhecem emborcados pra atrapalhar os jogos. Tem uma pedrinha cor-de-bile que faz “tuim” na cabeça da gente. Tem também muros de bloco (sem pintura, é claro, que tinta e a maior frescura quanto falta mistura) onde pousam cacos de vidro pra espantar malandro. Minha terra tem HK, AR15, M21, 45 e 38 (minha terra, 32 é uma piada). As sirenes que aqui apitam, apitam de repente e sem hora marcada. Elas não são mais as das fábricas, que fecharam. São mesmo é dos camburões, que vêm fazer aleijados, trazer tranquilidade e aflição (BONASSI, 2000, p. 10). Podemos afirmar que as duas paródias apresentadas deformam o sentido original do poema de Gonçalves Dias, que trata das saudades e do amor à pátria e à sua natureza, temas recorrentes na primeira fase romântica, com uma boa dose de idealização. Já o poema do modernista Oswald de Andrade ironiza o do romântico em tom de crítica, substituindo, num processo de paronomásia (palavras com sons semelhantes, mas sentidos diferentes), o termo palmeiras por palmares, uma referência ao quilombo de Palmares e à escravidão, situação de vergonha e não de orgulho ou saudades, apresentando, portanto, uma crítica social importante. Além disso, o poeta subverte a lógica, técnica comum no Modernismo, ao dizer que o mar gorjeia, e não os pássaros. O texto em prosa de Bonassi (2000), por sua vez, expõe cruamente a dura realidade de muitos brasileiros, imersos na pobreza e cercados por violência e morte, confirmando que nem toda paródia apresenta humor. Como exemplo de paráfrase da “Canção do exílio”, Sant’Anna (1999) apresenta um trecho do poema “Europa, França e Bahia”, de Carlos Drummond de Andrade, que cita diretamente o poema de Gonçalves Dias sem que o sentido original, as saudades da pátria, seja modificado. Leia: Meus olhos brasileiros se fecham saudosos Minha boca procura a “Canção do exílio”. Como era mesmo a “Canção do exílio”? Eu tão esquecido da minha terra… Ai terra que tem palmeiras Onde canta o sabiá (SANT’ANNA, 1999, p. 23). Finalmente, como exemplo de estilização, Sant’Anna escolheu alguns versos de “Um dia depois do outro”, de Cassiano Ricardo, em que a ideia central do poema foi mantida, mas com mudanças na estrutura e estilo: 29 LITERATURA COMPARADA Esta saudade que fere Mais do que as outras quiçá, Sem exílio nempalmeira Onde cante o sabiá… (ANDRADE apud SANT’ANNA, 1999, p. 24). Sobre as distinções entre paródia, paráfrase e estilização, Sant’Anna (1999, p. 41) esclarece: Falar da paródia é falar de intertextualidade das diferenças. Falar de paráfrase é falar de intertextualidade das semelhanças […] a paráfrase é um discurso em repouso, e estilização é a movimentação do discurso, a paródia é um discurso em progresso […]. De outra maneira poderíamos dizer: a paródia deforma, a paráfrase conforma e a estilização reforma. Pudemos constatar essas distinções nos exemplos dados, sendo que a paródia e a paráfrase se encontram em pontos opostos: na paráfrase há um desvio mínimo do texto original e seu sentido é mantido, enquanto na paródia há um desvio total, em que o sentido original é deformado. A estilização se aproxima da paráfrase por meio de um desvio tolerável do texto primeiro. Saiba mais Sugerimos a leitura integral da obra de Sant’Anna (1999), que só tem a acrescentar a seu conhecimento do tema: SANT’ANNA, A. R. Paródia, paráfrase & cia. 7. ed. São Paulo: Ática, 1999. Como você deve ter percebido, o conceito de intertextualidade é bastante amplo e traz consigo processos vários que nem sempre são fáceis de identificar. Cabe ao comparativista examinar os recursos utilizados (paráfrase, paródia, estilização, alusão, citação, tradução…), reconhecer as formas de recriação, identificá-las e analisá-las. Não basta simplesmente constatar que houve intertextualidade, mas é preciso refletir criticamente, por exemplo, como o intertexto absorveu o texto anterior e se lhe atribuiu novos sentidos por meio de novos contextos. Nesse sentido, Carvalhal (2006, p. 53) enfatiza: Essa é uma atitude de crítica textual que passa a ser incorporada pelo comparativista, fazendo com que não estacione na simples identificação de relações, mas que as analise em profundidade, chegando às interpretações e motivos que geraram essas relações. Dito de outro modo, o comparativista não se ocuparia a constatar que um texto resgata outro texto anterior, apropriando-se dele de alguma forma (passiva ou corrosivamente, prolongando-o ou destruindo-o), mas examinaria essas formas, caracterizando os procedimentos efetuados. 30 Unidade I 2.2 Influência, imitação e originalidade Em um sentido geral, influência é entendida na LC como a ação exercida por obras ou personalidades literárias sobre outras. No senso comum, o termo adquire vários significados. Atualmente, por exemplo, está muito em evidência a palavra influencers (influenciadores) para designar pessoas de qualquer profissão ou área que influenciam outras, principalmente pela consolidação de um grande número de seguidores nas mídias sociais. Como os conceitos vão adquirindo novas acepções ao longo do tempo, Nitrini (2000) discute suas diferentes interpretações a partir das considerações de alguns estudiosos, como Alejandro Cionarescu, Owen Aldridge, Claudio Guillén e Paul Valéry. Notamos que a autora destaca aspectos positivos e negativos de cada teórico; por exemplo, Nitrini (2000, p. 127) indica que para Cionarescu há duas acepções diferentes para o termo: (1) “Influência indica a soma das relações de contato de qualquer espécie, que se pode estabelecer entre um emissor e um receptor.” […] (2) Influência é “o resultado artístico autônomo de uma relação de contato”, entendendo-se por contato o conhecimento direto ou indireto de uma fonte por um autor. Ou seja, ao lermos uma obra, podemos identificar, mesmo que intuitivamente, que o autor teve contato com outro autor, já que o texto traz indícios dessa influência. Note que a obra de arte não é um objeto vazio, é uma produção humana. Assim, é importante conhecer os antecedentes criativos de um autor, aquilo que subjaz sua obra, mas não devemos nos limitar a isso nem esquecer a essência de cada escritor. Baseando-se em Guillén, Nitrini (2000, p. 131) nos apresenta mais acepções de influência, uma delas voltada ao ato de criação e de seu criador: “Influências, desde que desenvolvidas estritamente no nível criativo, são experiências individuais de uma natureza particular, porque apresentam uma espécie de intrusão no ser do escritor ou uma modificação”. O poeta Paul Valéry contribuiu significativamente para o conceito, e praticamente o renovou. Os empréstimos de um autor deixaram de ser considerados uma dependência, uma simples imitação, e passaram a ser índices de originalidade, ou seja, a intrusão de algo novo na criação. Segundo Nitrini (2000, p. 133), Valéry apresenta quatro tipos de influência: A influência recebida, que consiste no contato misterioso de dois espíritos ou na dívida de um autor com outro, isto é, a influência propriamente dita, que ocupa o centro dos estudos comparatistas […], a influência existente sobre a posteridade […], a influência do autor sobre si mesmo, e, finalmente, a influência por reação, ou seja, a recusa da influência. 31 LITERATURA COMPARADA Para nossos estudos comparados, é importante considerar os dois planos paralelos que ocorrem no processo de influência segundo Valéry. Esses planos, de certa forma, exprimem uma postura paradoxal do escritor influenciado e demonstram seu grau de originalidade: “Primeiro, o choque recebido faz o autor influenciado voltar-se para a própria personalidade. Em seguida, provoca também uma ruptura de seus liames com ídolos dos quais se nutrira até então” (NITIRINI, 2000, p. 134). Assim, para o poeta, a influência recebida colabora significativamente para o grau de originalidade do autor. Trataremos de originalidade mais adiante. Como você já deve ter percebido, há muitas considerações a se fazer sobre influência, e não é nossa intenção esgotar o assunto. Com isso, seguimos para o o segundo tópico a ser abordado nesta seção. As novas noções de intertextualidade e o reconhecimento de diferentes processos de produção de textos literários acabam por abalar conceitos e concepções antigas do que seria a imitação ou mesmo originalidade. Segundo Carvalhal (2006), a tradição tem se constituído mais pelas rupturas e pelo desvio das diferenças do que pela continuidade, ou sua simples reprodução. Assim: Modernamente o conceito de imitação ou cópia perde seu caráter pejorativo, diluindo a noção de dívida antes firmada na identificação de influências. Além disso, sabemos que a repetição […] nunca é inocente. […] Toda repetição está carregada de uma intencionalidade certa: quer dar continuidade ou quer modificar, quer subverter, enfim, quer atuar com relação ao texto antecessor (CARVALHAL, 2006, p. 53-54). Em uma perspectiva histórica, podemos verificar que o termo imitação recebeu quatro sentidos distintos, que hoje não são aplicáveis, mas precisam ser considerados em seu contexto de produção. Nitrini (2000) aponta quais são esses sentidos, citando Cionarescu: • o primeiro é mimesis, que trata da imitação da natureza como fonte de arte, situando-se na tradição de Platão – ou seja, não representa uma ação específica, mas uma “idealização de uma experiência geral ou comum” (NITRINI, 2000, p. 128); • o segundo é a retórica do Renascimento, época em que os clássicos gregos e romanos eram exemplos de perfeição e deveriam ser imitados a partir de um novo espírito contemporâneo – é o que fez Camões, por exemplo, em relação às obras de Homero e Petrarca; • em seguida, o sentido de imitação como produto literário, obra literária, e não processo, atitude comum no método de adaptação renascentista; • por fim, o sentido de equivalência entre imitação e influência. Nitrini (2000) indica ainda a confusão das concepções de imitação a partir de uma mistura dos conceitos de Platão (mundo das ideiais) e Aristóteles (mais materialista, mas que valorizava a experiência 32 Unidade I da criação literária): “A noção de imitação de Platão, como cópia literal da realidade externa, levou os críticos renascentistas a darem mais importância ao objeto de imitação e ao grau de conformidade entre a obra e omodelo do que à estrutura artística da obra” (NITRINI, 2000, p. 129). Muitas vezes, influência pode ser confundida com imitação, mas são conceitos distintos. Segundo Nitrini (2000, p. 127, grifos nossos), a imitação é algo mais específico, mais fácil de identificar: A imitação refere-se a detalhes materiais, como traços de composição, a episódios, a procedimentos, ou tropos bem determinados, enquanto a influência denuncia a presença de uma transmissão menos material, mais difícil de apontar […] A imitação é um contato localizado e circunscrito, enquanto a influência é uma aquisição fundamental que modifica a própria personalidade artística do escritor. Contudo, distinguir imitação e influência nem sempre é tão simples. Cionarescu propõe um modo prático, mas nem sempre absoluto, para distinguir esses conceitos, acrescentando a eles o da tradução. Ele se baseia em cinco elementos da obra literária: tema, gênero, ideias, sentimentos e ressonância afetiva, ou seja, o registro da personalidade artística dos grandes escritores. Segundo Nitrini (2000, p. 130), para o autor, o fenômeno da influência limita-se à absorção de um ou outro desses aspectos. Quanto maior o número de elementos aproveitados da obra de um autor por outro, tanto mais ele vai se aproximando da imitação, da paráfrase, até chegar à tradução, quando todos os elementos são considerados. A grande dúvida é: como mensurar tais modificações quando os limites forem tênues e não tão facilmente identificados? Fica um ponto para reflexão. Outro fator importante é a noção de originalidade. Definir o que é original ou não é algo bem complexo, sendo que essa concepção também tem mudado ao longo da história da literatura. Durante o Romantismo, por exemplo, devido principalmente ao culto do eu, o conceito de original destacou-se consideravelmente. Desde o século XVI, porém, há uma acepção de originalidade ainda aceita. Vale aqui uma citação de Nitrini (2000, p. 141), baseando-se em Mourgues: A originalidade que percebemos numa obra literária, ou seja, sua marca própria, não é outra senão o gênio criador que levou um escritor a escolher um assunto, modificar uma técnica, nas suas relações complicadas e variáveis com a tradição, com as influências específicas que agiram sobre ele e com o gosto de sua época. É muito importante considerar algum cuidado às relações entre os dois elementos da originalidade relativa: o esforço criador e o condicionamento da época. 33 LITERATURA COMPARADA Dessa forma, o estilo do autor deve ser considerado, assim como o estilo de época e o contexto de produção. Muitas vezes, o que fez o autor ser original em seu tempo hoje já se encontra tão presente e constante em outras obras e autores que o sucederam que não parece ser mais original. Para entender melhor os conceitos aqui apresentados, com destaque para a originalidade, observe essa interessante imagem criada por Valéry (apud NITRINI, 2000, p. 134) a partir de metáforas digestivas: “Nada mais original, nada mais próprio do que nutrir-se dos outros. Mas é preciso digeri-los. O leão é feito de carneiro assimilado”. Podemos entender essa digestão como a própria intertextualidade e, seguindo a mesma metáfora, nos lembrar do Manifesto antropófago de 1928, idealizado por Oswald de Andrade, que marcou os rumos da literatura brasileira. Esse documento literário propunha que digeríssemos a cultura europeia para transformá-la em algo brasileiro de fato, passando de devorados a devoradores – nas palavras de Valéry (apud NITRINI, 2000, p. 134), os “leões”. A noção de originalidade apontada por Antonio Candido, por sua vez, leva em conta as relações das literaturas consideradas periféricas, a “cultura dominada”, como a brasileira em relação a outras europeias: Paradoxalmente, o texto descolonizado na cultura dominada acaba por ser mais rico (não do ponto de vista de uma estreita economia interna da obra) por conter em si uma representação do texto dominante e uma resposta a esta representação no próprio nível da fabulação, resposta esta que passa a ser um padrão de aferição cultural da universalidade tão eficaz quanto os já conhecidos e catalogados (CANDIDO apud CARVALHAL, 2006, p. 84). Como pudemos observar, ao longo de sua existência a LC tem apresentado diversos conceitos básicos para seu entendimento e aplicação, os quais têm sido abordados de diferentes maneiras, acompanhando também novas concepções de arte, em constante transformação. 3 LITERATURA CENTRAL-PERIFÉRICA E CIBERLITERATURA 3.1 O regional, o nacional e o transnacional Já deu para perceber que a área da LC envolve questões complexas e polêmicas sobre seu objeto de estudo e abordagem teórico-metodológica. A discussão sobre influência no mundo literário remete ao fato de a LC ser firmada em um determinado país, estabelecendo uma visão de primazia sobre outras nações, bem como uma ideia acentuada de literatura nacional. Essa visão é verificada na obra de Coutinho e Carvalhal. Segundo Euridice Figueiredo (2013), quando esses estudiosos publicaram Literatura comparada: textos fundadores (COUTINHO; CARVALHAL, 1994), os brasileiros foram beneficiados, visto que os autores reuniram artigos sobre LC publicados de 34 Unidade I 1886 até 1974 em várias línguas, até então dispersos em livros e revistas de difícil acesso. Sem negar a relevância dessa obra, Figueiredo (2013) ressalta, no entanto, suas limitações. Coutinho e Carvalhal (1994) dão ao assunto uma perspectiva hegemônica ao se concentrar na linha francesa. Eles afirmam que a LC surgiu na França em torno de 1830, configurou-se como disciplina no século XX, com a centralização da literatura francesa no ensino, e, principalmente, passou a trabalhar a literatura desse país conforme sua influência exercida sobre as demais. Em síntese: “O nacionalismo e a primazia da França eram os alicerces do pensamento que se delineava de maneira bastante inflexível” (FIGUEIREDO, 2013, p. 32). É preciso, porém, contrapor com a ideia de que a LC ultrapassa as fronteiras de um país. Nesse sentido, Jobim (2020, p. 16) traz-nos questões pontuais quanto às críticas à LC: a) ela se concentrava em autores e obras europeus; b) mesmo dentro da Europa, havia uma preferência por França, Inglaterra e Alemanha, seguidas de Itália e Espanha; c) os valores e parâmetros de comparação, por atenderem às mesmas preferências, de algum modo tendiam a ser apresentados como tendo validade universal, embora fossem basicamente europeus, quando não apenas “nacionais”; d) o eurocentrismo também passava pela questão das línguas, hierarquizadas explícita ou implicitamente, através de vários expedientes. É por isso que Wellek (1994) considera que a evolução da LC é paradoxal. Surgiu em reação contra o nacionalismo limitado e o isolacionismo, mas desembocou em uma competição entre países, “cada um querendo provar que mais exerceu influência sobre os demais ou que melhor assimilou um grande escritor estrangeiro” (WELLEK, 1994, p. 114). Enquanto a LC se desenvolvia na França, o termo literatura mundial foi criado pelo escritor alemão J. W. Goethe, para quem a coexistência de várias literaturas nacionais e/ou regionais era possível por meio da tradução. Para Figueiredo (2013), é significativo, então, que na França a ideia de LC fosse empregada e, na Alemanha, a noção de literatura mundial. Observação Ressaltamos que literatura comparada e literatura mundial não são sinônimas, apesar de ambas serem investigadas por autores do mundo todo. Outro aspecto da obra de Coutinho e Carvalhal (1994) é a manutenção de uma perspectiva eurocêntrica da LC, não marcando os países e continentes que passaram pelo processo de colonização. Dividem-se assim os países em centrais (europeus, os grandes impérios no período da colonização) e periféricos (que foram colonizados). No caso da América Latina, a obra de Coutinho e Carvalhal (1994) silencia tanto o papel de sujeito latino produtor de crítica, de análise, quanto o objeto, com somente
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