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- -1 Currículo como construção social Luciana Uhren Meira Silva Introdução Como podemos definir o que é currículo? De que modo sua construção está associada à realidade social na qual a escola se encontra? Como se articulam os documentos oficiais com o currículo? Os alunos, de todos os níveis de ensino, enquanto frequentam a escola, são expostos a diferentes conteúdos das disciplinas escolares, as quais são organizadas de modo que o aprendizado possa se tornar efetivo. Essa organização faz parte do currículo escolar. Ao final desta aula, você será capaz de: • definir o conceito de currículo, considerando-o como construção social. Definição Muitas são as discussões sobre o que vem a ser o currículo escolar e como deve ser construído. Para Moreira e Candau (2007), o é o conjunto de conhecimentos adquiridos em situações didáticas praticadas nacurrículo escola, com intencionalidade educativa. As experiências escolares que promovem o conhecimento dos estudantes é o que se considera currículo, assim como: · conteúdos a serem ensinados e aprendidos; · experiências de aprendizagem vivenciadas pelos alunos; · planos pedagógicos elaborados por escolas, professores e sistemas de ensino; · objetivos a serem alcançados com o processo de ensino-aprendizagem; · processos de avaliação nos diferentes níveis de escolarização (MOREIRA; CANDAU, 2007). O currículo é organizado de acordo com as intenções educativas de quem o elabora. Moreira e Candau (2007) também destacam a existência de um , relacionado aos comportamentos, relações hierárquicas,currículo oculto modelos sociais valorizados e práticas que são reforçadas a partir das atividades cotidianas da escola. • SAIBA MAIS Para saber mais sobre o que deve constar no currículo e sobre conteúdos a serem abordados nas salas de aula, leia “Por um currículo consistente”, em que Fernando José de Almeida comenta as contribuições dos pensadores António Nóvoa e Paulo Freire para a construção de um currículo que leve em conta as habilidades necessárias à construção da cidadania. - -2 Figura 1 - A organização escolar é reflexo do currículo Fonte: maroke, Shutterstock, 2018. Embora esses conceitos não estejam claramente definidos em um documento, podem ser percebidos no modo como as carteiras são arrumadas em sala de aula ou os conceitos a respeito de família e sociedade que são reforçados pelos livros didáticos. Tanto o currículo escolar como o oculto contribuem para a formação dos alunos e se baseiam nos modelos sociais determinantes do momento em que esse currículo é estabelecido. Construção social do currículo A questão da organização curricular tem sido debatida por diferentes estudiosos da área. Sobre esse assunto, estudaremos os pontos de vista de dois deles: os sociólogos britânicos (1924-2000) e Basil Bernard Bernstein (1915-2002).Michael Young Contexto educacional por Basil Bernard Bernstein Bernstein realizou seus estudos sobre educação na Grã-Bretanha, na década de 1960, momento em que se discutia a organização de uma escola mais aberta, cujo currículo fosse menos rígido e compartimentado. O sociólogo contribuiu para as reflexões acerca da fragmentação dos saberes escolares, divididos em disciplinas que pouco mantêm relação entre si (VALLE, 2014). Para Bernstein, o programa de ensino (currículo) e a maneira como são transmitidos os saberes escolares e realizadas as avaliações refletem a distribuição do poder na sociedade, procurando assegurar o controle social e determinar o comportamento dos indivíduos (VALLE, 2014). O sociólogo define dois tipos de organização dos saberes escolares, conheça-os. - -3 Figura 2 - Organização de saberes escolares Fonte: Elaborada pelo autor com base em VALLE, 2014. Os conhecimentos escolares podem ser organizados de maneira mais ou menos rígida, de acordo com a visão social que se tem da escola e das relações de hierarquia e poder. Quanto mais flexível for o currículo, maiores serão as chances de a construção de saberes acontecer de modo interdisciplinar. Contexto da nova sociologia da educação por Michael Young Young enfatizou, em seus estudos, a seleção, distribuição, organização e transmissão dos conhecimentos escolares. Para ele, o currículo é uma construção social que pode variar em dois extremos quanto a sua organização: · modelo de “casta” – valorização de determinados conteúdos de acordo com os modelos propostos pelos grupos que ocupam posições sociais dominantes; e · modelo de diferenciação não hierárquica – os conteúdos não estariam associados aos modelos dos grupos sociais superiores, o que provocaria uma ameaça às relações sociais de dominação (VALLE, 2014). Young também relata que o currículo é marcado por dois aspectos: o diz respeito às regras que osnormativo professores e demais profissionais da educação devem seguir ao elaborarem o currículo, já o se relacionacrítico aos valores morais e aos objetivos alcançados com o processo educativo. Esses aspectos são importantes, pois se apenas as regras forem obedecidas, apenas o aspecto técnico da elaboração do currículo ganhará destaque, e o papel crítico da educação ficará em segundo plano (YOUNG, 2014). Para Young (2014), a educação deve ter como foco capacitar as pessoas a adquirir conhecimento que as leve FIQUE ATENTO Embora tenha estudado o panorama educacional britânico, o ponto de vista de Michael Young colabora para a pesquisa educacional brasileira, já que temos uma sociedade marcada pela extrema diferença social que, por vezes, é reproduzida pelas relações escolares. - -4 Para Young (2014), a educação deve ter como foco capacitar as pessoas a adquirir conhecimento que as leve para além da experiência pessoal, e que elas provavelmente não poderiam adquirir se não fossem à escola. Significa que o currículo deve ser pensado e organizado de modo que o conhecimento especializado, trabalhado pela educação nas diferentes instituições, amplie as oportunidades de aprendizado (YOUNG, 2014). Articulações entre Estado, escola e currículo O Estado articula os conteúdos curriculares por meio de políticas públicas, leis e diretrizes. As escolas correspondem ao que foi proposto nos documentos oficiais da educação nacional e elaboram o seu próprio currículo com base nesses documentos. Para Durkheim (2011), o Estado deveria cuidar que a educação servisse aos interesses sociais da população, por isso, deve trabalhar para que a educação estabeleça uma articulação de ideias e sentimentos suficiente entre os cidadãos, sem a qual qualquer sociedade é impossível. Figura 3 - Estado e escola constroem o currículo Fonte: beeboys, Shutterstock, 2018. Nos documentos oficiais, encontramos posicionamentos em relação aos objetivos das políticas públicas. Os PCNs de Língua Portuguesa, por exemplo, afirmam que “a significativa ampliação da presença, na escola, dos filhos do analfabetismo — que hoje têm a garantia de acesso mas não de sucesso — deflagrou uma forte demanda por um ensino mais eficaz. Estes Parâmetros [...] pretendem contribuir nesse sentido” (BRASIL, 1997b, p. 21). Assim, o objetivo do estabelecimento dos PCNs é atender à demanda social por uma educação de qualidade que garanta não só o acesso, mas também o sucesso da escolarização. Portanto, é importante que os educadores e profissionais da educação conheçam os documentos oficiais para que identifiquem as demandas sociais que FIQUE ATENTO Os documentos oficiais que norteiam a elaboração dos currículos escolares são os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN, 1997), as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica (DCN, 2010) e, atualmente, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC, 2018). - -5 profissionais da educação conheçam os documentos oficiais para que identifiquem as demandas sociais que serão atendidas pelo Estado para que, de modo crítico e analítico, construam sua própria prática pedagógica. Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e os currículos A BNCC já era prevista na Constituição Federal de 1988, na Leide Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996 e no Plano Nacional de Educação de 2014. Depois da participação de profissionais do ensino das cinco regiões do país na sua elaboração, a BNCC, em 2017, alcançou a sua terceira e última versão, que foi encaminhada ao Conselho Nacional de Educação (BRASIL, 2018). Pode-se dizer que o objetivo da BNCC é promover nas redes de ensino e entre os professores, ao formularem seus currículos, “o compromisso de todos com a redução das desigualdades educacionais no Brasil e a promoção da equidade e da qualidade das aprendizagens dos estudantes brasileiros” (BRASIL, 2018, p. 5). A BNCC é documento de caráter normativo, que determina as aprendizagens essenciais a que todos os alunos das redes de ensino brasileiras devem ter acesso, devendo contribuir para a “construção de uma sociedade justa, democrática e inclusiva” (BRASIL, 2018, p. 7). EXEMPLO Ao elaborar o currículo das aulas de Língua Portuguesa para o Ensino Fundamental, um professor pode escolher se basear nos PCN para escolher os gêneros textuais com os quais irá trabalhar. Já em relação à BNCC, o professor deverá seguir de perto as especificações sobre as competências que deverão ser desenvolvidas nas suas aulas. - -6 Figura 4 - Formação do currículo Fonte: Elaborada pela autora, 2018. Já os PCNs não possuem esse mesmo caráter normativo, mas são um referencial de qualidade da educação, ou seja, esse documento apresenta caminhos possíveis de serem percorridos com o objetivo de melhorar a qualidade da educação nacional (BRASIL, 1997a). Saiba que os PCNs apresentam colaboração importante para a educação e para os educadores que se atentam à leitura do documento, pois seu objetivo maior é atuar no “processo de construção da cidadania, tendo como meta o ideal de uma crescente igualdade de direitos entre os cidadãos, baseado nos princípios democráticos” (BRASIL, 1997a, p. 13). Ambos os documentos colaboraram com a melhoria da educação nacional, porém, a BNCC é um documento de caráter obrigatório, enquanto os PCNs têm um caráter de aplicação flexível, de acordo com a escolha dos educadores. Fechamento Neste tema, estudamos sobre a construção do currículo e suas consequências para a sociedade; como os currículos podem ser organizados, de acordo com a visão dos sociólogos Bernstein e Young. Estudamos o papel do Estado como regulador da educação e organizador do currículo e vimos como os PCNs e a BNCC determinam e influenciam a construção dos currículos propostos pelas escolas e pelos educadores. Nesta aula, você teve a oportunidade de: • definir o conceito de currículo, considerando-o como construção social.• - -7 Referências ALMEIDA, F. J. Por um currículo consistente. , São Paulo, 01/06/2010. Disponível em:Revista Nova Escola <https://novaescola.org.br/conteudo/682/por-um-curriculo-consistente>. Acesso em: 06/09/2018. BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares : introdução. Brasília: MEC/SEF, 1997a.Nacionais ______. ______. : Língua Portuguesa. Brasília: MEC/SEF, 1997b.Parâmetros curriculares nacionais ______. ______. : educação é a base. Brasília: CONSED/MEC, 2018.Base Nacional Comum Curricular DURKHEIM, E. . Trad. Stephania Matousek. Petrópolis: Vozes, 2011.Educação e sociologia MOREIRA, A. F. B.; CANDAU, V. M. : currículo, conhecimento e cultura. Brasília: MECIndagações sobre currículo /SEB, 2007. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/Ensfund/indag3.pdf>. Acesso em: 06 /09/2018. VALLE, I. R. : currículo e saberes escolares. 2. ed. Florianópolis: Ed. da UFSC, 2014.Sociologia da educação YOUNG, M. Teoria do currículo: o que é e por que é importante. Trad. Leda Beck. , SãoCadernos de Pesquisa Paulo, v. 44, n. 151, p. 190-202, jan./mar. 2014. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/cp/v44n151/10. pdf>. Acesso em: 06/09/2018. Introdução Definição Construção social do currículo Contexto educacional por Basil Bernard Bernstein Contexto da nova sociologia da educação por Michael Young Articulações entre Estado, escola e currículo Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e os currículos Fechamento Referências