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D´Artagnan, o Filósofo, e as novas gerações / JULIANO MARTINZ / 1 COMMENT Estava indignada diante da complexidade da matéria. E mais indignada ainda diante do fato de ter prova no dia seguinte. Não havia mais o que fazer. Por isso, embirrada, cruzou os braços e anunciou, determinada: – Vou colar na prova, amanhã. Seu tio, D´Artagnan, a olhou de soslaio, entortando a boca em evidente desagrado. – Colar? Ora, ora – Ele assoviou. – Cinco letrinhas bastante perigosas, hein mocinha? O que está querendo dizer com isso? – Não complica, tio. Você me entendeu. D´Artagnan pigarreou. É preciso límpida cautela, supimpa prudência e incisiva argumentação ao lidar com as novas gerações. E também uma posição mais adequada, concluiu. Por isso, fechou o livro “Las Antiguas Culturas Mexicanas” de Walter Krickeberg, e cruzou as pernas. Juntando as mãos em frente seu rosto, de forma teatral, disse: – Isso lhe trará duras consequências, mocinha. Se colar, vai perder a possibilidade de extrair o máximo de seu universo intelectual. – Ele começou a mover as mãos como um maestro epiléptico. – Vai perder seu ímpeto individual… – Mas, tio… – Vai deixar seu id se confundir com a expressividade alheia e perderá toda sua identidade… – Tio… – E vai deixar toda sua incontestável criatividade escoar resolutamente… pelo ralo – encerrou, as mãos erguidas acima da cabeça como uma bailarina. – Que criatividade, tio D´Artagnan? Não viaja. A prova é de matemática. Como vou ser criativa numa prova de matemática? Ele voltou a olhá-la de soslaio, dessa vez mordendo o lábio inferior. – Ah, é? Matemática? – É. – Hum, deixe-me pensar. – Ele começou a roer a unha do polegar esquerdo. Quando chegou na carne do dedo e sentiu o gosto do sangue, perguntou: – Em que série você está, mesmo? A garota, impaciente, respondeu entre suspiros: – Segunda, tio! Segunda série! E não vou conseguir decorar esse monte de regras de divisão. – A garotinha de sete anos colocou a mão na cintura, determinada. – Por isso, eu vou colar na prova. D´Artagnan pigarreou de novo, descruzou as pernas e voltou a ler “Las Antiguas Culturas Mexicanas”. Definitivamente, concluiu ele, não há límpida cautela, supimpa prudência ou incisiva argumentação disponíveis na face terrestre para fazer frente às novas gerações.
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