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0 UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE ESCOLA DE ARQUITETURA E URBANISMO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA E URBANISMO ANA LUIZA MECA DE SOUZA TOFFANO POLÍTICA E GESTÃO DE RESÍDUOS SÓLIDOS URBANOS: DESAFIOS E POSSIBILIDADES ESTUDO DE CASO DE NITERÓI, RJ NITERÓI 2021 1 2 UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE ESCOLA DE ARQUITETURA E URBANISMO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA E URBANISMO POLÍTICA E GESTÃO DE RESÍDUOS SÓLIDOS URBANOS: DESAFIOS E POSSIBILIDADES ESTUDO DE CASO DE NITERÓI, RJ ANA LUIZA MECA DE SOUZA TOFFANO Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal Fluminense, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em Arquitetura e Urbanismo. Área de concentração: Projeto, Planejamento e Gestão da Arquitetura e da Cidade. Orientador: Prof. Dr. Glauco Bienenstein NITERÓI 2021 3 ANA LUIZA MECA DE SOUZA TOFFANO POLÍTICA E GESTÃO DE RESÍDUOS SÓLIDOS URBANOS: DESAFIOS E POSSIBILIDADES ESTUDO DE CASO DE NITERÓI, RJ Tese apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial para a obtenção de Grau de Doutor em Arquitetura e Urbanismo, Área de Concentração: Projeto, Planejamento e Gestão da Arquitetura e da Cidade. Aprovada em 16 de Março de 2021. BANCA EXAMINADORA Niterói 2021 4 AGRADECIMENTOS Primeiramente eu tenho a expressar meus agradecimentos ao meu orientador Prof. Dr. Glauco Bienenstein, pela segura orientação e rigor científico, paciência, incentivo e amizade, e que desde o início acreditou que eu seria capaz de enfrentar as dificuldades de uma pesquisa em um território novo. À Profa. Dra. Regina Bienenstein e Prof. Dr. Antônio Soares pelas importantes contribuições na banca de qualificação, fundamentais para o aprimoramento da pesquisa. Meus mais sinceros agradecimentos e reconhecimento a todas as portas que me foram abertas na Universidade de Antuérpia, especialmente ao Prof. Dr. Jan Cools,do Instituto do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, que me acolheu e aceitou me co-orientar e ao Prof. Dr. Maarten Van Acker, do Grupo de Pesquisa em Desenvolvimento Urbano, que também me co-orientou durante meu estágio doutoral desde o princípio, não me deixando esquecer e falar da importância do arquiteto e urbanista na gestão de resíduos sólidos, assunto pouco abordado por estes, porém cujo papel é de suma importância. Tenho muito a agradecer também as instituições que me acolheram tanto no Brasil como na Bélgica. Gostaria de agradecer especialmente a algumas delas. Ao PPGAU/UFF e todo o seu corpo docente, pela oportunidade de realização do curso de doutorado, pelo compartilhamento de reflexões e experiências, não deixando de incluir a querida Ângela Carvalho pela amizade e carinho com que acolhe a todos. Meus agradecimentos se direcionam também aos meus colegas de doutorado que, de uma forma ou de outra, contribuíram com essa tese, pelas experiências compartilhadas ou pela simples troca de ideias e inquietações que pudemos ter ao longo desses anos juntos. Ao Núcleo de Estudo e Projetos Habitacionais e Urbanos da Universidade Federal Fluminense (NEPHU/UFF), que me possibilitou participar de alguns encontros virtuais pela Luta por Moradia e Direito à Cidade de áreas populares precárias. Meu pensamento também aos moradores de algumas comunidades atendidas pelo NEPHU que pude entrevistar e que partilharam suas experiências e vivências me trazendo saberes impossíveis de serem obtidos nos livros. 5 Aos funcionários das prefeituras de Niterói que me abriram as portas para conversas e visita de campo, especialmente a engenheira ambiental e sanitarista Lélia Neves Lomardo, da CLIN, por sua disponibilidade em ajudar-me com a pesquisa de campo e pelos documentos disponibilizados e entrevistas realizadas. Em seguida, gostaria de reconhecer as pessoas e instituições que me abriram as portas para pesquisas de campo e documental ou ainda fornecendo apoio material na Bélgica: novamente a Universidade de Antuérpia, especialmente ao Prof. Dr. Karl Vrancken, membro da VITO (Instituto Flamengo de Pesquisa Tecnológica) que me acompanhou nas visitas às instalações de tratamento de resíduos sólidos; a OVAM (Agência de Resíduos Públicos da Flandres) em especial a Eddy Wille,Elmar Willems, Michaël Van Raemdonck, também ao Professor Paul Bardos, da r3 Environmental Technology Ltd./ University of Reading;Prefeitura de Antuérpia, especialmente a arquiteta Marlies Lenaerts e à Frédéric Cuypers e Alain Van Opstal. Os documentos disponibilizados e entrevistas realizadas junto a esses organismos me permitiram melhor compreender o funcionamento público na Bélgica, especificamente de Antuérpia, na região de Flandres. Gostaria também de agradecer a arquiteta Carmen Van Maercke, que me fez entender melhor como se deu a gestão de resíduos sólidos ao longo dos anos em Antuérpia, ao disponibilizar sua tese escrita em conjunto com Caterina Rosso. Não posso também deixar de mencionar algumas pessoas de empresas que trabalham com a gestão de resíduos sólidos em Flandres e que me receberam com muita consideração e responderam aos meus questionamentos, entre estes: Eric Goddaert/ INDAVER, Peter Magielse/ IGEAN, Jan Maddens/ RENEWI, Wim Ooms/ INDAVER. Por fim, essa tese não teria sido realizada sem o apoio fundamental daqueles que me são essenciais e que eu talvez por vezes tenha negligenciado ao longo desse trabalho: ao meu companheiro Fábio, meus filhos Gustavo e Vinícius, a quem busco lutar, nem que seja estudando, por um mundo melhor e mais justo. Sou igualmente grato aos meus pais, Solange e Antônio Fernando, por sempre me apoiarem em minhas escolhas e desafios. E a todos aqueles que, direta ou indiretamente, colaboraram para a realização dessa tese de doutorado. 6 RESUMO Há uma estreita relação entre o processo de urbanização da sociedade urbana capitalista e os resíduos sólidos, na qual a cultura do descartável, baseada no consumismo exacerbado, influencia a produção de resíduos. Por outro lado apesar dos avanços e modernização no trato dos resíduos sólidos, uma quantidade significativa de produtos descartados ainda é depositada a céu aberto, sem tratamento adequado. Quanto às tecnologias disponíveis, sabe-se que o tratamento de resíduos sólidos tem o objetivo reduzir a quantidade ou o potencial poluidor destes, impedindo o descarte em local inadequado e transformando-os em material inerte ou biologicamente estável, não havendo tecnologias melhores ou piores, mas sim mais adequadas, respeitando os aspectos sociais, ambientais e econômicos onde será implantada. A separação prévia dos resíduos, com base em coleta diferenciada, é indispensável para se se chegar a resultados efetivos, seja qual tipo de tratamento a ser utilizado, aliado a um modelo de gestão e arranjo institucional apoiados em políticas públicas e com um grande envolvimento da sociedade. Nesse sentido, é indiscutível a importância das instituições, em especial o Estado, na busca de um modelo de gestão que envolva toda a sociedade. Este trabalho pretende verificar a efetividade das atuais políticas e instrumentos disponíveis para a gestão de resíduos sólidos urbanos no Brasil, com especial foco na cidade de Niterói. Assim sendo, faz um estudo comparativo dos procedimentos que têm sido utilizados na gestão de RSU na cidade de Niterói, Região metropolitana do Rio de Janeiro (Brasil), e na cidade de Antuérpia, região de Flandres (Bélgica) e, por intermédio de tal iniciativa, verificar a possibilidade de incorporaçãode modelos exitosos vinculados à temática e sua aplicabilidade na cidade de Niterói. A Europa é considerada líder em gestão de resíduos sólidos. A Antuérpia, objeto de estudo, detém uma das maiores taxas de reciclagem. Iniciativas interessantes foram adotadas para se alcançar bons índices. No Brasil, por outro lado, em se tratando de reutilização e reciclagem, os índices, na maioria dos municípios brasileiros não chegam a 2%. Niterói atua apenas na coleta de resíduos e posterior descarte em aterro, não priorizando a não geração/ minimização e tratamento dos resíduos. Nesse sentido, as lições apreendidas de Antuérpia mostram a importância em investir em uma coleta seletiva compulsória e com maior separação na fonte geradora, em correlação às políticas de educação ambiental, a cobrança especifica pelos serviços prestados, além de fiscalização e aplicação do aparato legal existente. Palavras-chave: gestão de resíduos sólidos urbanos; legislação; coleta seletiva; reutilização e reciclagem; arquitetura e urbanismo. 7 ABSTRACT There is a close relationship between the urbanization process of urban capitalist society and solid waste, in which the culture of the disposable, based on exacerbated consumerism, influences the production of waste. On the other hand, despite ad- vances and modernization in solid waste treatments, a significant amount of discard- ed products is still deposited in the open spaces, without proper treatment. It is known that solid waste treatment has the objective of reducing the quantity or the potential polluting of garbage, preventing disposal in an inappropriate place and transforming it into an inert or biologically stable material, There are not better or worse technologies, but the more appropriate, respecting social, environmental and economic aspects where it will be implemented. The prior separation of residues, based on sorted collection, is essential to achieve effective results, regardless of the type of treatment to be used, combined with a management model and institutional arrangement supported by public policies and with a great involvement of society. In this sense, the institutions, especially the State, plays an important role in finding a waste management model that involves all the society. This work intends to verify the effectiveness of the current policies and instruments available for urban solid waste management in Brazil, with special focus on the city of Niterói. Therefore, it makes a comparative study of the procedures that have been used in the city of Niterói, met- ropolitan region of Rio de Janeiro (Brazil), and in the city of Antwerp, region of Flan- ders (Belgium) and, through this initiative, verify the possibility of importing successful models linked to the theme and their applicability in the city of Niterói. Europe is con- sidered a leader in solid waste management.Antwerp, object of study, has one of the highest recycling rates. Interesting initiatives have been taken to achieve good rates. In Brazil, on the other hand, in most Brazilian municipalities, reuse and recycling rates do not reach 2%. Niterói acts only in the collection of waste and later disposal in landfills, not prioritizing the non-generation/ minimization and treatment. In this sense, the lessons learned from Antwerp show the importance of investing in a com- pulsory selective collection and with better sorting in generating source, in correlation with environmental educational policies, specific rates for the services provided, in addition to inspection and application of the existing law. Keywords: urban solid waste management; legislation; sorted collection; reuse and recycling; architecture and urbanism. 8 LISTA DE FIGURAS Figura 1. Resíduos sólidos urbanos municipais coletados no Brasil 2017-2018 (kg/hab./dia) ............................................................................................. 19 Figura 2. Resíduos sólidos urbanos municipais da União Europeia 1995-2018 (kg/hab./ano) ............................................................................................ 20 Figura 3. Métodos de tratamento de resíduos sólidos urbanos municipais da União Europeia, 2018 (%) ................................................................................... 21 Figura 4. Métodos de tratamento de resíduos sólidos urbanos municipais no Brasil, 2018 (%) ................................................................................................... 22 Figura 5. Aterro sanitário Hooge Maey, Antuérpia, Bélgica ....................................... 51 Figura 6. Usina de Compostagem em Brecht, Bélgica .............................................. 54 Figura 7. Usina de incineração em Doel, Bélgica ...................................................... 56 Figura 8. Central de Triagem de embalagens em Willebroek, Bélgica ...................... 60 Figura 9. Divisão político administrativa/distritos de limpeza..................................... 86 Figura 10. Mapa com a localização das instalações de resíduos sólidos ................. 88 Figura 11. “Lixodutos” presentes em comunidades carentes e de difícil acesso ...... 89 Figura 12. Imagem ilustrativa da situação atual de Morro do Céu ............................ 91 Figura 13. Materiais prensados e bags para separação dos resíduos por tipos ....... 94 Figura 14. PEV Ecoclin/Ecoenel itinerante em Itaipu, Região Oceânica de Niterói ... 95 Figura 15. Fluxograma de gerenciamento de resíduos de Niterói ............................. 99 Figura 16. Hierarquia de resíduos ........................................................................... 105 Figura 17. Central de Triagem de papéis e papelões em Lokeren, Bélgica ............ 115 Figura 18. Parque Rivierenhof Deurne, Antuérpia ................................................... 117 Figura 19. Distritos de Antuérpia ............................................................................. 118 Figura 20. Mapa com a localização das instalações de resíduos sólidos ............... 121 Figura 21. Parque de contêineres com diferentes tipos de descarte de resíduos ... 123 9 Figura 22. Brechós com venda de objetos de reuso ............................................... 124 Figura 23. Lixeiras subterrâneas “inteligentes” e cartão “fidelidade” ....................... 125 Figura 24. Fluxograma de gestão de resíduos da Antuérpia. .................................. 127 Figura 25. Proposta para o manejo dos resíduos sólidos domiciliares .................... 142 Figura 26. Container para resíduos úmidos (orgânicos) e resíduos secos ............. 147 Figura 27. Sacolas e embalagens (papel e papelão) para coleta seletiva em Antuérpia. ............................................................................................... 148 Figura 28. Sacolas disponíveis atualmente à venda no Estado do Rio de Janeiro. 149 Figura 29. Container para restos, papel, orgânicos e embalagens, respectivamente ............................................................................................................... 151 Figura 30. Locação e Projeto básico do Biodigestor de Morro do Céu ................... 153 Figura 31. Compostagem nos arredores do centro de Antuérpia ............................ 154 Figura 32. Modelo de PEV (Ciclea) a ser instalado em supermercados. ................ 156 Figura 33. PEVs para descarte de vidro. ................................................................. 157 Figura 34. Máquina de venda reversa instalada em supermercados da rede LIDL.159 Figura 35. Máquina de venda reversa instalada em Istambul. ................................ 160 Figura 36. Parques de contêineres e principais tipos de resíduos recebidos .......... 161 Figura 37. PEVs em Antuérpia para pilhas e baterias, eletroeletrônicos, entre outros. ...............................................................................................................162 Figura 38. Croqui (corte transversal) de um espaço necessário para a instalação de máquina recicladora de papel e papelão. ............................................... 170 Figura 39. Estação de reciclagem da loja de departamentos IKEA, na Alemanha. . 170 Figura 40. Modelo de contêineres semi enterrados instalados nas comunidades .. 172 Figura 41. Lixeiras inteligentes nas cidades de Paulínea e Jundiaí, respectivamente. ............................................................................................................... 173 Figura 42. Caçambas metálicas com tampas.......................................................... 177 Figura 43. Departamento de Saneamento de Nova York ........................................ 217 10 Figura 44. Centro de Reciclagem Valdemingomez, Madri ...................................... 218 Figura 45. Centro de Reciclagem Sydhavns, Copenhagen ..................................... 218 Figura46. Play Landscape be-MINE, Beringen/Bélgica ........................................... 219 11 LISTA DE TABELAS Tabela 1. Tipos e percentual de resíduos sólidos urbanos coletados em Niterói ...... 97 Tabela 2. Tipos de resíduos e percentual de reciclagem ........................................ 109 Tabela 3. Tipos e percentual de resíduos sólidos urbanos coletados na Antuérpia 119 Tabela 4. Tipos e percentuais coletados em Niterói para o ano de 2018 ................ 132 Tabela 5. Questões internas para o Sistema de Limpeza Urbana e manejo dos Resíduos Sólidos do município de Niterói .............................................. 135 Tabela 6. Diretrizes e objetivos PMGIRS de Niterói ................................................ 140 Tabela 7. Objetivos, programas e ações propostos por PMSB. .............................. 143 Tabela 8. Composição Gravimétrica de Niterói, com base nos tipos de coleta ....... 145 Tabela 9. Composição Gravimétrica de Niterói com base em PMGIRS de Niterói . 146 Tabela 10. Quadro resumo avaliativo dos programas e ações de Niterói e Antuérpia ............................................................................................................... 189 Tabela 11. Custos unitários para cidades entre 250 mil a 01 milhão de habitantes 195 12 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS A3P - Agenda Ambiental na Administração Pública ABRELPE- Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais ANDA - Associação Nacional para Difusão de Adubos APP - Área de Preservação Permanente ATT - Área de Transbordo e Triagem ou Estação de Transferência BIG - Bjarke Ingles Group CAU - Conselho de Arquitetura e Urbanismo CCSF - Centro Comunitário de São Francisco CEDAE - Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro CEG - Companhia Estadual de Gás do Rio de Janeiro CEMPRE - Compromisso Empresarial Para a Reciclagem CH4 - Metano CLIN - Companhia de Limpeza Urbana de Niterói CLT - Consolidação das Leis do Trabalho CNM - Confederação Nacional de Municípios CO2 - Dióxido de carbono Comlurb - Companhia Municipal de Limpeza Urbana CONAMA - Conselho Nacional do Meio Ambiente CTR - Central Integrada de Tratamento de Resíduos DLU - Distritos de limpeza urbana ELFM - Enhanced Landfill Management & Mining Emlurb - Autarquia de Manutenção e Limpeza Urbana do Recife EPI - Equipamento de Proteção Individual ETE - Estação de Tratamento de Esgoto FED - Federal Reserve Bank FEEMA- Fundação Estadual de Engenharia de Meio Ambiente FIRJAN- Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro GDL- Gás de lixo GEE - Gases de Efeito Estufa H2 - Hidrogênio 13 H2S - Sulfeto de hidrogénio ou gás sulfídrico IBAMA- Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística ICMS - Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços INEA - Instituto Estadual do Ambiente IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada IPTU - Imposto Predial Territorial Urbano ISLU - Índice de Sustentabilidade na Limpeza Urbana ISWA - International Solid Waste Association JPOI - Plano de Implementação de Johanesburgo LCA - Ciclo de vida do material LFM - Landfill Mining ou mineração de aterros MDL - Mecanismo de Desenvolvimento Limpo MMA - Ministério do Meio Ambiente MNCR - Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis MPE - Ministério Público Estadual MTR - Manifesto de Transporte de Resíduos N2 - Nitrogênio NAMA - Mitigação Emergente Nacionalmente Apropriada Ações NEPHU-UFF Núcleo de Estudos e Projetos Habitacionais e Urbanos NH3 - Amônia NIMBY - Not in my backyard ou Não no meu quintal NIT HORTAS - Programa de Agricultura Urbana de Niterói O2 - Oxigênio OECD - Organization for Economic Co-operation and Development ONG - Organização não Governamental ONU - Organização das Nações Unidas OVAM - Public Waste Agency of Flanders PAYT - Pay As You Throw PCDDs - Dibenzeno-p-dioxinas Policloradas ou dioxinas PCDFs -Dibenzofuranos ou furanos PDUI - Plano Estratégico de Desenvolvimento Urbano Integrado PEGIRS – Plano Estadual de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos 14 PERS/RJ Plano Estadual de Resíduos Sólidos do Rio de Janeiro PET - Poli Tereftalato de Etileno PEV - Ponto de entrega voluntária PGR - Procuradoria Geral da República PGRS - Planos de Gerenciamento de Resíduos Sólidos PLANARES - Plano Nacional de Resíduos Sólidos PLANSAB - Plano Nacional de Saneamento Básico PMGIRS - Plano Municipal de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos PMN - Prefeitura Municipal de Niterói PMSB - Plano Municipal de Saneamento Básico PNMC - Política Nacional sobre Mudança do Clima PNRS - Política Nacional de Resíduos Sólidos PNSB - Pesquisa Nacional de Saneamento Básico PNUMA - Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente PROEX - Pró-reitoria de Extensão PwC - PricewaterhouseCoopers RCC - Resíduos de Construção Civil RCE - Redução Certificada de Emissões RCE - Reduções Certificadas de Emissões REP - Responsabilidade Estendida do Produtor RMRJ- Região Metropolitana do Rio de Janeiro RSS - Resíduos dos Serviços de Saúde RSU - Resíduos Sólidos Urbanos SEA/RJ - Secretaria de Estado e Ambiente do Rio de Janeiro SEFAZ RJ- Secretaria de Estado de Fazenda do Estado do Rio de Janeiro SELURB - Sindicato Nacional das Empresas de Limpeza Urbana SNIS- Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento SWOT - Strengths, Weaknesses, Opportunities, Threats TCDD - Tetraclorodibenzo-p-dioxina TCIL - Taxa de Coleta Imobiliária de Lixo TCU - Tribunal de Contas da União TR1 - Termo de Referência Geral UE - União Europeia 15 UNCRD - Comissão das Nações Unidas para o Desenvolvimento Regional UNFCCC - Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas VITO - Flemish Institute for Technological Research VLAREM- Flemish Regulamentation on Environmental Permit WWF - World Wildlife Fund ZWE - Zero Waste Europe 16 SUMÁRIO INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 18 PREÂMBULO: QUESTÕES PRELIMINARES .......................................................... 25 Problematização ........................................................................................................ 25 Objetivos ................................................................................................................... 28 Metodologia e estrutura do trabalho .......................................................................... 29 Possibilidade de contribuição .................................................................................... 31 1. Urbanização e resíduos sólidos: notas ........................................................... 33 1.1. Urbanizaçãoe resíduos sólidos ...................................................................... 33 1.2. Principais tecnologias utilizadas para o tratamento de resíduos sólidos urbanos: notas ................................................................................................ 47 1.2.1. Aterros sanitários ............................................................................................ 48 1.2.2. Compostagem ................................................................................................ 52 1.2.3. Incineração ..................................................................................................... 55 1.2.4. Os 7Rs ............................................................................................................ 57 2. INSTITUIÇÕES E GESTÃO DE RESÍDUOS SÓLIDOS: APONTAMENTOS CRÍTICOS ....................................................................................................... 62 2.1. O que são instituições..................................................................................... 62 2.2. Escalas, territórios e instituições: o papel do Estado ...................................... 65 3. NITERÓI E SEUS RESÍDUOS SÓLIDOS ....................................................... 71 3.1. Apontamentos sobre a situação brasileira ...................................................... 71 3.1.1. O Estado do Rio de Janeiro ............................................................................ 80 3.2. Niterói e seus resíduos sólidos: diagnóstico ................................................... 86 4. ANTUÉRPIA E SEUS RESÍDUOS SÓLIDOS ............................................... 103 4.1. Apontamentos sobre a situação europeia ..................................................... 103 4.1.1. A Região de Flandres ................................................................................... 110 4.2. Antuérpia e seus resíduos sólidos: diagnóstico ............................................ 116 5. ANTUÉRPIA E NITERÓI: CONTRAPONDO REALIDADES ......................... 129 5.1. O Plano Municipal de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos de Niterói: limites e possibilidades ................................................................................. 133 5.1.1. Análise / metodologia.................................................................................... 134 5.1.2. Diretrizes e modelo proposto ........................................................................ 139 5.1.3. Objetivos e projetos/programas ..................................................................... 142 17 5.1.3.1.Desvio dos Materiais Recicláveis do Aterro Sanitário ................................ 144 5.1.3.2.Universalização dos serviços ..................................................................... 171 5.1.3.3.Melhorias operacionais de qualidade dos serviços .................................... 174 5.1.3.4.Melhorias gerenciais ................................................................................... 184 5.2. Contribuições ao Plano Municipal de Resíduos Sólidos de Niterói: políticas de aplicação ....................................................................................................... 191 5.2.1. Base de dados e modelos ........................................................................... .193 5.2.2. Atores envolvidos (stakeholders) ................................................................. .200 5.3. Contribuições dos arquitetos e urbanistas .................................................... 213 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................... 222 Questionamentos para futura pesquisa ....................................................... 234 7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................. 235 18 INTRODUÇÃO Atualmente, uma das grandes questões enfrentadas nas sociedades urbanas e industriais é a relação entre crescimento/desenvolvimento e o meio ambiente. Vivemos um momento de crise ecológica e ambiental: de um lado, um inaudito consumo dos recursos naturais do planeta; de outro, a saturação da capacidade de recuperação do meio natural. Ao que tudo indica, as consequências ambientais e sociais oriundas do atual padrão de desenvolvimento adotado mundo afora, têm promovido grandes impactos no planeta. Neste contexto, a progressiva produção de lixo se apresenta como um problema de difícil solução, desafiando os diversos profissionais envolvidos com tal questão, não esquecendo de mencionar os administradores públicos dos diversos níveis de governo, aí incluído o local e/ou urbano. A coleta e o tratamento de resíduos sempre foram um desafio frente ao crescente grau de urbanização da humanidade. Verifica-se que desde o surgimento dos primeiros centros urbanos, a produção de lixo se apresenta como um problema, degradando o meio ambiente e comprometendo a qualidade de vida da população, sendo a relação entre crescimento/desenvolvimento e meio ambiente ainda uma questão a ser resolvida. Com relação à sua destinação, pode-se perceber que, na maioria das cidades brasileiras, os depósitos de lixo têm sido inadequados. Portanto, a questão do lixo é de extrema importância, demandando políticas públicas efetivas e ações imediatas. Os resíduos municipais, de forma geral, no mundo todo, representam apenas cerca de 10% da total de resíduos gerados, porém, a quantidade de resíduos sólidos urbanos (RSU) gerada tem estreita relação com os modos de produção, as características do consumo e o número de habitantes de uma sociedade. Sua composição varia em função da economia, dos hábitos alimentares, do nível de renda e da cultura da região. No Brasil, segundo dados da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais, ABRELPE, (2019)1, a média de lixo 1 A ABRELPE foi fundada em 1976 por um grupo de empresários das atividades de coleta e transporte de resíduos sólidos. Sua atuação é pautada nos princípios da preservação ambiental e do desenvolvimento sustentável, para representação e defesa do setor, com a missão de 19 produzido por habitante nas cidades mais populosas é de aproximadamente 1,04 kg/hab./dia e a geração total de RSU, no ano de 2018 foi de 216.629 toneladas/dia, aproximadamente 79 milhões de toneladas. Quanto à coleta, o índice de cobertura nacional é de 92%, também para o ano de 2018. Ou seja, cerca de 6,3 milhões de toneladas de resíduos não foram objeto de coleta e, consequentemente, tiveram destino impróprio. Figura 1. Resíduos sólidos urbanos municipais coletados no Brasil 2017-2018 (kg/hab./dia) Fonte: ABRELPE (2019) Estudos e pesquisas apontados pela EUROSTAT (2020)2 mostram que em matéria de coleta e gestão de resíduos sólidos, a Europa encontra-se num outro patamar, uma vez que mudou para modos mais sustentáveis o gerenciamento de seus resíduos e desde 2000, a taxa de reciclagem vem aumentando continuamente em quase 4% ao ano. Por outro lado, não reduziu sua geração de lixo municipal nos últimos 15 anos: promover o desenvolvimento técnico-operacional da gestão de resíduos sólidos no Brasil. Representa a ISWA – InternationalSolidWasteAssociation no Brasil e é sede da Secretaria Regional para a América do Sul da IPLA (Parceria Internacional para desenvolvimento da gestão de resíduos junto a autoridades locais), um programa reconhecido e mantido pela ONU através da UNCRD – Comissão das Nações Unidas para o Desenvolvimento Regional. (ABRELPE. Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais. Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil 2018/2019. Novembro, 2019. Disponível em: <http://www.abrelpe.org. br>. Acesso em: 04 Março 2020.) 2 Serviço de Estatística da União Europeia responsável pela publicação de estatísticase indicadores a nível europeu. 20 Figura 2. Resíduos sólidos urbanos municipais da União Europeia 1995-2018 (kg/hab./ano) Fonte: União Europeia (EUROSTAT, 2020)3 Verifica-se que, na Europa, o valor médio gerado nas cidades é da ordem de 490 kg/hab./ano. É interessante notar que a quantidade de resíduos urbanos gerados varia significativamente nos Estados-Membros da União Europeia, assim como os métodos de tratamento: 3 EUROSTAT. Disponível em: <https://ec.europa.eu/eurostat>. Acesso em: 18 Dezembro 2020. 21 Figura 3. Métodos de tratamento de resíduos sólidos urbanos municipais da União Europeia, 2018 (%) Fonte: Adaptado de União Europeia (EUROSTAT, 2020) 4 Por outro lado, no Brasil, verifica-se que os índices de disposição final de RSU continuam muito altos, mesmo que em depósitos adequados (59,5% do montante anual é disposto em aterros sanitários). E, apesar de os dados disponíveis na Abrelpe (2019) informarem que 73,1% dos municípios apresentam alguma iniciativa de coleta seletiva, cabe ressaltar que, em muitos deles, as atividades de coleta seletiva não abrangem a totalidade da área urbana e na maioria destes, as taxas não chegam nem a 2%. E, ainda, a ausência de iniciativas para aproveitamento e recuperação da fração orgânica dos RSU faz com que haja uma sobrecarga nos sistemas de destinação final, depositando 12,4 milhões de toneladas em lixões. (ABRELPE, 2019). 4 EUROSTAT. Disponível em: <https://ec.europa.eu/eurostat>. Acesso em: 18 Dezembro 2020. 22 Figura 4. Métodos de tratamento de resíduos sólidos urbanos municipais no Brasil, 2018 (%)5 Fonte: Adaptado de ABRELPE (2019) Portanto, a questão do lixo é de extrema importância, demandando políticas a ações efetivas. A não geração, a diminuição, a correta eliminação e o possível reaproveitamento do lixo ainda são desafios a serem vencidos no País. E, apesar da aprovação, ainda no ano de 2010, da Política Nacional de Resíduos Sólidos - PNRS (Lei 12.305 de 02 de Agosto de 2010), voltada para garantir a qualidade ambiental e a proteção à saúde pública e disponibilização de recursos para as gerações futuras, houve poucos avanços6. Além disso, avalia-se que a partilha das responsabilidades com relação à produção e destinação dos rejeitos e a adoção de medidas de proteção ambiental deveriam caber a todos os segmentos da sociedade. Porém, não é o que ocorre, pois, na maioria dos casos, se verifica que as áreas destinadas à disposição final 5 Os métodos de tratamento, na verdade se resumem a tipos de disposição final, uma vez que as taxas de incineração e reciclagem são ínfimas. 6 A PNRS, entre outras medidas, concedeu o prazo de 2 de agosto de 2014 para o fechamento definitivo dos referidos lixões (art., 54). Após revisão, o prazo para o fim dos lixões dos lixões passa a: 31 de dezembro de 2020 (municípios que não elaboraram planos); 02 de agosto de 2021 (municípios com planos elaborados); 02 de agosto de 2022 (capitais e regiões metropolitanas e cidades com mais de 100 mil habitantes); 02 de agosto 2023 (cidades entre 50 e 100 mil habitantes); e 02 de agosto de 2024 (cidades com menos de 50 mil habitantes). (cf. AGÊNCIA SENADO, 2020). 23 dos resíduos sólidos urbanos, sejam essas apropriadas, e até mesmo, em alguns casos, inapropriadas, acabam sendo deslocadas para áreas de populações pobres e/ou minorias étnicas, o que já ocorria desde a Antiguidade, sendo tal prática identificada e, na atualidade, justificada pelas “forças do mercado”, o chamado princípio NIMBY (Not In My Backyard ou não no meu quintal em tradução livre) 7. Outra questão apontada e, inclusive, incentivada por meio da Política Nacional de Resíduos Sólidos, é a defesa do tratamento regional do lixo, através da criação de consórcios com o objetivo de contribuir para a cooperação entre municípios na busca de alternativas para minimizar os problemas socioambientais. De acordo com Borja (2011), os problemas no setor existem porque os municípios, titulares da gestão dos resíduos sólidos urbanos, em geral, atuam de forma isolada, com baixa capacidade institucional de planejamento e gerenciamento e financiamento. Assim, a articulação intermunicipal por meio de instituições, como os consórcios intermunicipais, apresenta-se como uma possibilidade na forma de relação entre atores na construção de um novo modelo de gestão de serviços de saneamento. A esse respeito, vale indicar que a abordagem regionalizada da gestão já é largamente utilizada em outros países, tanto nos EUA quanto na Europa (EIGENHEER; RINDER; FERREIRA, 2008). Por outro lado, aterros regionais geram maiores pressões NIMBY. Porém, constatou-se que a PNRS deixa lacunas que nos permitem interpretações diversas. Especificamente com relação à gestão associada de serviços públicos, nada foi feito até o presente momento e seu sucesso depende do detalhamento e delimitação clara das obrigações de cada um dos atores envolvidos, e pouco se têm avançado na questão do tratamento do lixo, da coleta seletiva e posterior reutilização/reciclagem, sobrecarregando a destinação final, existindo, ainda, inclusive, depósitos de lixo a céu aberto. 7 Princípio NIMBY (Não no meu quintal) - Um movimento que começa na Califórnia em 1976, quando autoridades ambientais e residentes ao longo do rio Sacramento recusaram a construção da indústria petroquímica Dow Chemical na região. Cole & Foster (ACSELRAD; MELLO; BEZERRA, 2009) apontam que a distribuição espacial e social dos impactos ambientais negativos têm sistematicamente afetado em maior grau áreas de maior privação socioeconômica que apresentam carências, e muitas vezes ausências, de infraestrutura de saneamento, condições adequadas de moradias (em situação de risco, por exemplo) e população de menor renda e/ou minorias étnicas. 24 Assim, pretende-se nesta Tese verificar a efetividade das atuais políticas e instrumentos disponíveis para a gestão de resíduos sólidos urbanos no Brasil, com especial foco na cidade de Niterói. Para tanto será realizado um estudo comparativo dos procedimentos que têm sido utilizados para a supracitada gestão de RSU na cidade de Niterói, Região metropolitana do Rio de Janeiro (Brasil), e na cidade de Antuérpia, região de Flandres (Bélgica) e, por intermédio de tal iniciativa, verificar a possibilidade de incorporação de modelos exitosos vinculados à temática e sua aplicabilidade numa cidade brasileira, a saber, Niterói, RJ. A escolha da Bélgica deve-se ao fato de tratar-se de um país membro da União Europeia que registra um dos maiores índices de reciclagem daquele continente e, embora não lidere o ranking de menor produção per capita (410 kg/hab./ano), para o ano de 2018, está na média da EU (cf. figura 1) e próximo aos índices de produção per capita de Niterói (430 kg/hab./ano para o ano de 2018, tendo em vista a população total projetada pelo IBGE). A opção pela cidade da Antuérpia se deve ao fato de ser a maior região de Flandres e da Bélgica, e com uma população de aproximadamente 522 mil habitantes, ou seja, cidade também com população próxima à do município de Niterói, com população estimada para o ano de 2019 de 513.584 habitantes (IBGE, 2020). Portanto, estudar a gestão de resíduos sólidos de um país que apresenta um dos maiores índices de reciclagem (77,4%), baixo índice de incineração (3,58%), excluindo o reaproveitamento energético (11,23%), e no qual apenas 7,79% dos seus RSU vão para aterros sanitários, parece ser uma boa oportunidade para a atualização de conhecimentos e modelos de gestão, verificando, inclusive, a possibilidade e/ou viabilidade de aplicação de tais modelos no Brasil. Vale ainda destacar que, no caso do Brasil, a opção pela cidade de Niterói, deve-se ao fato de ser considerado um território 100% urbano, no qual a questão dos resíduossólidos urbanos vem se tornando cada vez mais problemática, por ser parte de uma importante região metropolitana brasileira, a saber, o Rio de Janeiro, além de ser considerada, pelo quarto ano consecutivo (cf. Plantão Enfoco, 2020), a cidade mais bem avaliada no Estado do Rio de Janeiro quanto ao Índice de Sustentabilidade na Limpeza Urbana (ISLU); porém, seus índices de reciclagem não chegam nem a 2%. 25 PREÂMBULO: QUESTÕES PRELIMINARES Problematização Hoje, 54% da população mundial vive em áreas urbanas e, em 2050, esse número deve aumentar para mais de 66% (cf. UNITED NATIONS, 2018). Atualmente, cerca de 2 bilhões de pessoas não têm acesso adequado aos serviços de coleta de lixo, e 3 bilhões acabam sendo depositados em locais inadequados. (ISWA, 2017). Lidar com esta questão tornou-se uma preocupação central na expansão das sociedades urbanas: Tendo reconhecido que o lixo mal administrado tem efeitos nocivos consideráveis na saúde, no meio ambiente local e global e na economia; a gestão de resíduos sólidos municipais se torna um dos serviços mais importantes que uma cidade oferece'. (COBAN et al., 2018, p. 159). Assim, a relação entre crescimento/desenvolvimento e meio ambiente ainda continua sendo um grande desafio a ser enfrentado pelas sociedades urbanas e industriais. Nesse sentido, desde o surgimento dos primeiros centros urbanos, a produção progressiva de lixo se apresenta como um problema de difícil solução. O inchaço das cidades, o volume diário de resíduos produzidos, seja do lixo doméstico seja do lixo industrial e dos serviços de saúde (hospitais, clínicas), vem aumentando e se tornando uma fonte de degradação ambiental, com o consequente comprometimento da qualidade de vida. Logo após os problemas de água potável, o lixo urbano deve ser uma das grandes preocupações sanitárias e ambientais de qualquer cidade brasileira. De acordo com a Agenda 21 Global (ECODESENVOLVIMENTO, 2011), nada menos que 5,2 milhões de pessoas, incluindo 4 milhões de crianças menores de 5 anos, morrem a cada ano devido a doenças relacionadas ao lixo, especialmente no caso da população mais pobre. A situação é ainda mais grave se tivermos em conta a falta de tratamento do gás metano libertado pelos resíduos, que é 21 vezes mais nocivo que o dióxido de carbono. 26 Ainda hoje, constata-se que em muitas áreas urbanas, os resíduos gerados são depositados de forma inadequada, constituindo uma grave ameaça à saúde pública e afetando a qualidade de vida de todos os seus habitantes. Soma-se a esse fator a falta de espaços para seu depósito, o crescimento das cidades em direção às periferias e a durabilidade dos materiais ditos "descartáveis", que aproximam cada vez mais o lixo das áreas mais densamente ocupadas. A quantidade de resíduos gerados tem estreita relação com os modos de produção e as características de consumo e com o número de habitantes. Sua composição varia de acordo com a economia, hábitos alimentares, nível de renda e cultura da região. Portanto, a questão do lixo é de extrema importância, exigindo políticas públicas eficazes. A não geração, a redução, a correta eliminação e o possível reaproveitamento do lixo ainda são desafios a serem superados pelas sociedades modernas. A questão, porém, não é quais instrumentos devem ser aplicados, mas sim como aplicar e combinar as ferramentas existentes necessárias para alcançar os melhores resultados. O tratamento e a eliminação devem combinar a melhor tecnologia disponível a custos acessíveis. AÀ guisa de simples menção, o Brasil é o quarto país do mundo que mais descarta lixo plástico – 11,3 milhões de toneladas em 2016 –, à frente de economias desenvolvidas como, por exemplo, o Japão. E, ainda, o volume de lixo plástico reciclado no Brasil (145 mil toneladas em 2016) é menos da metade do volume reciclado no Japão (405,8 mil toneladas). (MAZZA, 2019) E, ainda, poucas ações têm sido realizadas para uma melhor coleta seletiva e posterior reutilização/reciclagem, ou seja, pouco se têm avançado na questão do tratamento do lixo, sobrecarregando a destinação final. Por outro lado, as políticas de gestão de resíduos da União Europeia (UE) visam reduzir os impactos ambientais e sanitários dos resíduos e melhorar a eficiência dos recursos da Europa. O objetivo, a longo prazo, é transformar o continente em uma sociedade de reciclagem, evitando o desperdício e utilizando os resíduos, especialmente aqueles considerados inevitáveis, pelo menos até o presente momento, como recurso. Tal orientação resultou no aumento da quantidade de resíduos reciclados, de 25 milhões de toneladas (52 kg per capita) em 27 1995 para 71 milhões de toneladas (141 kg per capita) em 2016, ou seja, a parcela de resíduos urbanos reciclados como um todo aumentou de 11% para 29%. (cf. União Europeia, 2018). Nesse sentido, pretende-se verificar a efetividade das atuais políticas e instrumentos disponíveis para a gestão de resíduos sólidos urbanos no Brasil, com especial foco na cidade de Niterói. Para tanto, será realizado um estudo comparativo dos procedimentos que têm sido utilizados para a supracitada gestão de RSU na cidade de Niterói, Região metropolitana do Rio de Janeiro (Brasil), e na cidade de Antuérpia, região de Flandres (Bélgica) e, por intermédio de tal iniciativa, verificar a possibilidade de incorporação de modelos exitosos vinculados à temática e à possibilidade de sua aplicação em cidades brasileiras, tendo como estudo de caso a cidade de Niterói, RJ. Como dito anteriormente, a opção por estudar a cidade de Antuérpia se deveu ao fato de ser a maior cidade da região de Flandres, na Bélgica, que registra um dos maiores índices de reciclagem, sendo pioneira no campo de gerenciamento de materiais e tecnologia de materiais. Antuérpia segue uma hierarquia clara de gestão de resíduos (prevenção, preparação para reutilização, reciclagem, recuperação e eliminação) e recicla cerca de 40% de todos os resíduos que produz, incluindo resíduos orgânicos. Isso permite que o sistema de gestão de resíduos da Antuérpia, em sua maior parte, funcione de forma muito eficiente. A coleta seletiva é realizada desde 1986 e desde 2001, as taxas de reciclagem para embalagens e orgânicos são as mais elevadas da UE. Assim, o estudo avalia opções para a cidade de Niterói explorando tecnologias, política e legislação, e impactos espaciais e logísticos relacionados. Neste trabalho tenho a oportunidade de explicitar o que pude verificar no que concerne ao problema do lixo, por meio de um estágio doutoral realizado no período de setembro de 2018 a fevereiro de 2019, na Universidade de Antuérpia no Institute of Environment & Sustainable Development, que trabalha com projetos que integram ciências naturais/ engenharia com governança e ciências sociais/ econômicas, e no Research Group on Urban Development. A Universidade de Antuérpia desempenha um papel importante como prestadora de serviços na sociedade, pois trabalha com o envolvimento da comunidade trazendo mudanças 28 importantes para a sociedade, ou seja, traz importância à participação da população. Objetivos Um dos maiores desafios na gestão integrada de resíduos sólidos é a articulação entre os entes federados e os demais atores sociais envolvidos. Sabe-se que um programa de prevenção de resíduos deve integrar os interesses e preocupações de todas as partes afetadas. O poder público, em qualquer nível, ainda desempenha um papel central, e as relações hierárquicas continuam a determinar muitas das pré-condições e parâmetros para a tomada de decisão. Além disso, as instituições devem estar presentes neste sentido, para que novas premissas sejam estabelecidas. Desse modo, a vivência no país em que foi realizado o estágio doutoral possibilitou um conhecimento mais aprofundado da realidade local (observaçãoparticipante) e trouxe uma melhor compreensão do sistema de gestão de resíduos sólidos urbanos, fornecendo importantes subsídios para reflexão da nossa teoria e prática; permitiu um maior conhecimento da gestão de resíduos sólidos a nível local/ municipal, sua estrutura e funcionamento, por meio do conhecimento de instrumentos e estratégias adotadas em uma outra realidade, vislumbrando outros horizontes para a gestão. Lições podem ser aprendidas com a Antuérpia, que implementou uma ampla gama de instrumentos de política inovadores e sustentáveis e uma elaborada legislação de triagem de resíduos com orientação prática. Dessa forma, a partir desse cenário, esta tese busca responder a duas questões: (i)Seria possível transpor ou adaptar o modelo de gestão e operacionalização de resíduos de reciclagem da Antuérpia para o Brasil? e (ii) Caso seja possível, como se daria tal transposição ou adaptação para a cidade de Niterói? O objetivo geral desta tese é contribuir para o aprofundamento da discussão e da reflexão sobre a gestão dos resíduos sólidos gerados nas áreas urbanas, tendo como estudo de caso o município de Niterói, parte integrante da Região metropolitana do Rio de Janeiro, examinando, especialmente, a situação atual relativa ao tratamento/ reaproveitamento com foco na coleta seletiva, uma vez que 29 para haver uma reciclagem/ reutilização, é essencial haver uma coleta seletiva eficiente. De forma complementar, busca analisar a legislação pertinente ao tema, o papel do gestor público em suas diferentes escalas, avaliando alguns dos seus impactos socioespaciais. Como objetivos específicos temos: • Realizar um estudo comparativo entre as cidades de Niterói e a de Antuérpia, região dos Flandres, Bélgica, buscando verificar adaptações para o caso brasileiro, aqui representado pela cidade de Niterói; • Analisar e sugerir políticas e ações implementadas na cidade de Niterói, RJ, especialmente quanto ao recém-aprovado Plano Municipal de Resíduos Sólidos de Niterói. Metodologia e estrutura do trabalho Para alcançar os objetivos propostos, a análise compreendeu as seguintes etapas metodológicas: • Pesquisa quantitativa (dados, indicadores) e qualitativa/ participativa (observação participante); • Revisão bibliográfica sobre a temática dos resíduos sólidos urbanos , sobre sua relação com a urbanização e a produção desigual do espaço; • Revisão bibliográfica sobre as novas soluções adotadas na Bélgica/União Europeia relativas aos resíduos sólidos urbanos; • Pesquisa de campo (visitas técnicas, aplicação de questionário, verificação das metodologias de gestão); • Sistematização dos dados e das informações coletadas; • Análise das informações e construção de diretrizes/novos conceitos/proposições de modelos adaptáveis ao Brasil. 30 No que concerne à estrutura desta Tese, além desta introdução e das considerações finais, é composta pelos seguintes capítulos: O primeiro capítulo aborda a base teórica conceitual que propiciou problematizar a questão dos resíduos sólidos no mundo e no Brasil, e sua relação com a urbanização. Para tanto, apresenta a relação entre o processo de urbanização da sociedade urbana capitalista e os resíduos sólidos (cultura do descartável baseada num exacerbado consumismo), assim como a consequente degradação ambiental e a discriminação quanto aos resíduos sólidos urbanos. Aborda ainda, técnicas de tratamento e disposição final de resíduos sólidos urbanos utilizados, mostrando as principais convergências e divergências entre os mesmos. O segundo capítulo discute a efetividade das atuais políticas públicas e sobre o papel das instituições. A Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), aprovada em 2010 (Lei 12.305 de 02 de agosto de 2010), estabelece as diretrizes, obrigações e responsabilidades dos empresários, governos e cidadãos no que diz respeito aos resíduos sólidos gerados, desde sua produção até o descarte, buscando a cooperação entre as diferentes esferas do poder público, o setor empresarial e demais segmentos da sociedade. Para tanto, busca verificar o papel do Estado e dos principais atores e respectivas influências vinculadas à temática, em especial, no que se refere à determinação de políticas, implementação de infraestrutura, entre outras iniciativas. O terceiro e quarto capítulos têm como objetivo examinar a situação atual relativa ao tratamento/ reaproveitamento e as condições da destinação final dos resíduos sólidos urbanos, buscando verificar a efetividade dos atuais instrumentos disponíveis nos município de Niterói e na cidade de Antuérpia. Tal movimento tem como objetivo lançar as bases para a realização de um estudo comparativo entre tais cidades para verificar a viabilidade de implantação de métodos e/ ou técnicas a serem utilizadas em Niterói. Para tanto, realizou-se uma breve revisão bibliográfica e entrevistas com especialistas em gestão de resíduos nos níveis municipal, estadual e federal; visitas técnicas a estações de tratamento de resíduos e áreas de disposição final. A PNRS, entre outras medidas, concedeu o prazo até agosto de 2012 para os municípios apresentarem seus planos de gestão integrada de resíduos sólidos 31 (art. 55) e o prazo de 2 de agosto de 2014 para o fechamento definitivo dos referidos lixões (art., 54). Outro instrumento para atender à meta de destinação final ambientalmente adequada de resíduos é proporcionada pela implantação de sistemas de coleta seletiva que permitam a coleta de resíduos em pelo menos duas frações: seca e úmida. Esses planos devem conter o sistema declaratório anual de resíduos sólidos, promover a gestão integrada desses resíduos e o desenvolvimento de sistemas de gestão ambiental visando a melhoria dos processos produtivos e a reutilização dos resíduos sólidos, incluindo a sua valorização e aproveitamento energético, porém, na maioria dos municípios brasileiros isto não ocorre. Niterói acaba de aprovar seu Plano Municipal de Saneamento Básico, sendo o Plano Municipal de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos parte integrante do primeiro. Assim sendo, o quinto capítulo analisa criticamente o atual Plano Municipal de Resíduos Sólidos de Niterói, apontando os principais avanços e entraves, seus limites e possibilidades. Tal movimento é feito pela comparação dos planos de ação para a gestão de resíduos sólidos de cada uma das mencionadas cidades. A segunda parte deste capítulo busca apontar meios de chegar a uma gestão de resíduos sólidos urbanos adaptada à realidade local, trazendo sugestões sobre base de dados e modelos e formas de articulação e níveis de participação dos principais atores envolvidos, trazendo, dessa forma, contribuições ao Plano Municipal de Resíduos Sólidos de Niterói. Possibilidade de contribuição Ao longo do tempo, muitas técnicas de processamento e deposição de resíduos foram criadas e/ ou alteradas, mas do ponto de vista conceitual, houve poucas mudanças. As formas de disposição e tratamento dos resíduos sólidos urbanos são escolhidas de acordo com o custo, a área disponível e a necessidade de cada município. Sabe-se que a gestão dos resíduos sólidos deve levar em conta as reais dificuldades em garantir que o ciclo dos materiais seja alcançado no curto e médio prazo, embora a não geração, minimização e reciclagem dos resíduos deva ser uma meta a ser alcançada. 32 Uma gestão de resíduos sólidos eficiente depende da definição e delimitação claras das obrigações de cada um dos atores envolvidos e pouco se avançou na questão do tratamento dos resíduos, especificamente na sua destinação final, havendo ainda disposição do lixo a céu aberto. Portanto, esta Tese visa contribuir para a ideia da destinação e tratamento dos resíduos sólidos urbanos, tendo em vista a importância e urgência do tratamento adequado de tais resíduos, diantedos inúmeros problemas de saúde pública que podem acarretar, a partir, por exemplo, da contaminação de mananciais. Ou seja, difundir a visão do saneamento ambiental como promotor da saúde pública. 33 1. URBANIZAÇÃO E RESÍDUOS SÓLIDOS: NOTAS xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx Este capítulo tem como objetivo problematizar a questão dos resíduos sólidos no mundo e no Brasil e sua relação com a urbanização. Para tanto, pretende mostrar a relação entre o processo de urbanização da sociedade urbana capitalista e os resíduos sólidos (cultura do descartável baseada num exacerbado consumismo), as tecnologias disponíveis para o tratamento de resíduos sólidos, assim como a consequente degradação ambiental e a discriminação quanto aos resíduos sólidos urbanos. 1.1. Urbanização e resíduos sólidos A relação entre crescimento/desenvolvimento e serviços urbanos ainda continua como uma grande questão a ser enfrentada pelas sociedades urbanas e industriais. Temos nas cidades regiões (bairros) desenvolvidas e com farto acesso aos serviços urbanos convivendo ao lado de regiões de desenvolvimento informal com difícil, ou até mesmo inexistente, acesso a esses serviços. As grandes transformações nas cidades se iniciaram na França e Inglaterra no século XIX. Essas transformações de ordem técnica tinham como objetivos garantir maior produtividade, adensamento do solo urbano, ordenamento das cidades e estimular o consumo. Com o surgimento da fábrica moderna, houve mudanças na organização das cidades e nas formas de cooperação para o trabalho. Essas redes técnicas (energia e comunicação, por exemplo) foram de grande importância no desenvolvimento das cidades.8 Com o aparecimento da energia elétrica, por exemplo, novos hábitos de consumo foram criados, ou seja, a presença da técnica na cidade alterou as formas de circulação de pessoas, mercadorias, formas de comunicação, habitação, dentre outros, transformando e produzindo os espaços, e, também, ordenando e administrando o tempo, seja para produzir, circular, consumir ou acumular. (ARRAIS, 2017, p. 74-76). 8 TOFFANO, Ana Luiza Meca de Souza. Cidades inteligentes: para quê e para quem? In: Caderno de resumos e programação do XVIII Encontro Nacional da Associação Nacional de Pós- Graduação E Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional - ENANPUR, 2019. Natal: EDUFRN, 2019. 258 p. p. 126. Disponível em: http://anpur.org.br/xviiienanpur/anais. 34 Arrais (2017) aponta que uma das principais características da técnica é a “disseminação diferencial no espaço das cidades”, na qual o centro das cidades é dotado de maior densidade técnica, possibilitando uma melhor circulação de mercadorias, pessoas e ideias. É a fluidez do capital que torna isso possível, valorizando certas regiões da cidade em detrimento de outras. As transformações experimentadas pelo capitalismo ao longo da história apresentam três aspectos principais: a elevação crescente dos índices de urbanização em todos os continentes; o aparecimento de regiões com índices de urbanização próximos de 100% em diferentes países e; o surgimento do processo de urbanização dispersa, que pode ser considerada um tipo de metropolização extensiva, dispersa, descontínua e policêntrica. Nestor Goulart Reis Filho (2006) aponta que, já no período fordista, que ocorreu entre os anos de 1914 a 1970, deu- se o início da aceleração da urbanização, com uma intensa migração do campo para as cidades e grande concentração urbana. Em 1900, apenas 10% da população mundial era urbana (BUDETT; SUDJIC, 2011). Hoje, 54% vivem em áreas urbanas e, em 2050, mais de 66% morarão em uma cidade (cf. UNITED NATIONS, 2018). Como dito anteriormente, vivemos em uma “sociedade do descartável” 9, cujo padrão produtivo, orientado e/ou determinado pelo modo de produção capitalista, vem promovendo grandes desigualdades econômicas e sociais. Para Carlos (2010), a passagem do capital produtivo para o capital financeiro (com a desconcentração industrial e centralização financeira) agravou ainda mais tal situação. Assim, as atuais condições de produção e o interesse pelo consumo massivo criam um "aparente" poder por parte dos indivíduos consumidores, impactando as formas de consumo e afetando diretamente o meio ambiente. Um fato importante destacado por Santos (2001) é que a produção do consumidor, hoje, precede à produção dos bens e dos serviços. Primeiro organiza-se o consumo, para depois permitir a organização da produção. Ou seja, na cadeia causal, a chamada autonomia da produção cede lugar ao despotismo do consumo, se destacando, dessa forma, “o império da informação e da publicidade”. (SANTOS, 2001, p. 48). Tal constatação nos remete para o que Debord (1997) denomina de “sociedade do 9 Em alusão a Santos (2001) e Bauman (2001). 35 espetáculo”, na qual o sujeito não questiona o modelo escolhido (imposto) para ele, mas o aceita passivamente. Assim sendo, essas transformações no espaço urbano agora ocorrem em um ritmo bastante acelerado, sendo ocasionadas, segundo Reis (2006), pelo conjunto de elementos que compõe as formas mais complexas de capitalismo: a economia informacional e global; os novos estágios do comércio mundial (globalização10); as novas tecnologias e os modos de organização do processo produtivo (flexibilizado); a extensão dos modos de vida metropolitanos para outras áreas urbanas, de maneira a generalizar-se, principalmente, em relação ao consumo e à circulação – aqui entendida como mobilidade e conectividade às diversas redes – que acabam por gerar formas de urbanização concentradas e dispersas; novos processos e formas espaciais, que, entretanto, não anulam os processos e/ou formas urbanas anteriores, além de modificações nas inter-relações urbanas e regionais. A urbanização também configura novos arranjos institucionais, sistemas políticos e administrativos e hierarquias de poder e, por consequência, o dinamismo do capital escapa dos limites de formas fixas, tornando as qualidades reificadas do espaço urbano cronicamente instáveis, tornando também o conceito do urbano e das cidades, especialmente instáveis. Ou seja, a reprodução econômica realiza-se por meio da reprodução espacial, na qual o espaço produzido atualmente, apoiado na modernização, cria uma nova hierarquia de lugares, resultando na expansão espacial do centro das cidades a favor do capitalismo. (RIBEIRO, 2010) Corrêa (1993, p. 11) aponta que o espaço urbano capitalista é “[...] fragmentado, articulado, reflexo, condicionante social, cheio de símbolos e campo de lutas – é um produto social, resultado de ações acumuladas através do tempo, e engendradas por agentes que produzem e consomem espaço”. Para o mesmo autor, esses agentes sociais são concretos, e não processos aleatórios atuando sobre um espaço abstrato, cuja ação é complexa e deriva da dinâmica de 10 Para Anthony Giddens (1991), a globalização pode ser assim definida como “[…] a intensificação das relações sociais em escala mundial, que ligam localidades distantes de tal maneira que acontecimentos locais são modelados por eventos ocorrendo a muitas milhas de distância e vice- versa.” (GIDDENS, 1991, p. 76). Já para Milton Santos (2001), a globalização demarca um período claro do processo histórico, em que se funda um “novo mundo”, sendo ainda o motor único para ações hegemônicas, cujo objetivo é o lucro em escala global. 36 acumulação de capital, das necessidades mutáveis de reprodução das relações de produção, e dos conflitos de classe que dela emergem. “[...] as estruturas espaciais são reflexos de processos sociais mais amplos, embora sejam vistas também como elementos que interferem nesses processos”. (MARCONDES, 1999, p. 34). Assim, a urbanização deveria ser considerada um processo social que ocorre no espaço, no qual diferentesatores com objetivos distintos interagem através de uma configuração específica de práticas espaciais interligadas. Para Arrais (2017), a urbanização também deve ser considerada um processo social que ocorre no espaço, no qual diferentes atores com objetivos distintos interagem através de uma configuração específica de práticas espaciais interligadas. Doreen Massey em seu livro “Pelo espaço: uma nova política de espacialidade” nos mostra o quanto o espaço influencia a política e vice-versa. Para Carlos (FERREIRA, 2013), a urbanização revela-se como produção da mercadoria-espaço e assim, o próprio espaço é incorporado no momento do processo de valorização. Mas, como apontado por Lefebvre (apud COSTA, 1999), embora o espaço seja um produto11 para ser usado, para ser consumido, é também um meio de produção; redes de troca e fluxos de matéria-prima e energia moldam espaço e são determinadas por ele. Portanto, este meio de produção, esse espaço produzido, não pode ser separado das forças produtivas, incluindo tecnologia e conhecimento, ou divisão social do trabalho que lhe dá forma, ou estado e das superestruturas da sociedade. [...] os processos espaciais são as forças através das quais o movimento de transformação da estrutura social, o processo, se efetiva espacialmente, refazendo a espacialidade da sociedade. Neste sentido os processos espaciais são de natureza social, cunhados na própria sociedade. (CORRÊA, 1993, p. 36). 11 O espaço enquanto resultado de produção da sociedade, que vincula a questão urbana às praticas sociais, politicas e econômicas, inicia-se nos anos 60 – teoria de localização (teoria geral da organização social) estabelecida pela luta de classes e de necessidades do processo de acumulação (capitalismo) – Castells (1972), Lefebvre (1974), Lojkine (1979), Topalov (1979), Francis Godard e Edmond Preteccille (1980), Lipietz (1982) e Harvey (1980). (MARCONDES, 1999). 37 E ainda, a organização espacial é: [...] a natureza transformada pelo trabalho social, de acordo com as possibilidades concretas que cada sociedade tem de transformá-la e que derivam do desenvolvimento das forças produtivas e das relações sociais de produção. Cada sociedade organiza o seu espaço segundo uma lógica que lhe é inerente. Pode-se assim falar de organização espacial feudal e capitalista, como também daquelas vinculadas à agricultura, indústria, ao comercio varejista etc. (CORRÊA, 1993, p. 83). Assim sendo, Massey (2008) aponta que o espaço deve ser entendido como produto de inter-relações, através de interações (do global ao local); como a esfera da possibilidade da existência da multiplicidade – pluralidade contemporânea, coexistência da heterogeneidade positiva – e como um produto sempre em construção, mas também construção social, “[...] sempre no processo de fazer-se.” (id., 2008, p. 29). Bauman (2001) em seu livro “Modernidade Líquida” aponta que a sociedade está em constante modificação; buscando sempre "estímulos constantemente renovados", e que não é possível retornar à sua forma original. Portanto, a denominação do nome líquido, em mudança constante, de acordo com as tensões, ocasiões a que se expõe, produto de um padrão de desenvolvimento na escala global, o capitalismo. A metrópole deve permitir a continuidade da circulação, produção, distribuição e consumo de mercadorias produzidas, sejam materiais ou imateriais, pois o capital precisa fluir. Assim, o espaço é resultado de inter-relações, de várias identidades, com diversas repercussões políticas. O espaço é assim, múltiplo. E assim, sua interpretação/produção depende de quem a vive, de sua história, de sua tradição, ou seja, é por natureza, múltiplo, aberto. Porém, no processo de urbanização, a produção da cidade está a serviço da reprodução do capital financeiro e não reconhece a coexistência simultânea de outras histórias que não a que lhe interessa. Esse processo de subordinação ao mercado, segundo Debord (1993) anula a vida vivida (cultura) e leva a sociedade a consumir a experiência de segunda mão, o “espetáculo”. Também para Santos (2001) a globalização atual é perversa, 38 fundada na tirania da informação e do dinheiro, na competitividade, na confusão dos espíritos e na violência estrutural, acarretando o desfalecimento da política feita pelo Estado e a imposição de uma política comandada pelas empresas. Também Merenne-Schoumaker (1998 apud MOURA, 2011, não paginado), aponta que, após meados da década de 1980, a metrópole ganha novo destaque quando emergem funções metropolitanas que se relacionam muito mais aos serviços voltados às empresas do que àqueles voltados à população. Em muitos casos, as políticas de liberalização e desregulação significaram uma diminuição tanto da intervenção como da inversão pública, ao colocarem o capital privado como protagonista do desenvolvimento urbano e mudarem radicalmente as regras da gestão das cidades. (DE MATTOS 2002 apud MOURA, 2011, não paginado). E assim, as consequências econômicas desse padrão produtivo têm sido as mesmas em vários países do mundo: grandes desigualdades econômicas e sociais, aumento da pobreza absoluta entre as nações e povos menos desenvolvidos ao lado da elevação da riqueza de poucos, tendo como resultado uma economia global instável e o crescente aumento dos problemas ambientais mundo afora. No Brasil, a rápida urbanização gerou uma profunda crise com cidades marcadas pela segregação socioespacial, informalidade, pobreza, entre outras questões, produzindo impactos ambientais de várias ordens. Nesse sentido, uma das grandes questões a serem enfrentadas nas sociedades urbanas e industriais é a relação entre crescimento/desenvolvimento e o meio ambiente. Vivemos um momento de crise ecológica e ambiental: de um lado, a destruição da base de recursos naturais do planeta; de outro, a saturação da capacidade de recuperação do meio natural. Viu-se que, desde o século XIX, as transformações ocorridas tinham como objetivo garantir maior produtividade, adensamento do solo urbano, ordenamento das cidades e estimular o consumo. E, como resultado, em muitos casos, essas transformações criaram contradições, deterioração e desintegração de espaços. Por conseguinte, o espaço é resultado de inter-relações, de várias identidades, com diversas repercussões políticas. E assim, ao deteriorar espaços, estamos consequentemente deteriorando a vida de vários indivíduos que não fazem parte do 39 sistema, que não estão no jogo voraz do capitalismo. Também para Castells (1980 apud LEROY, 2002) a cidade deve ser analisada como um “espaço de consumo coletivo”, onde se desenvolvem as relações capitalistas de produção: Durante algum tempo, acreditava-se que as cidades se desenvolviam “naturalmente”, mas, na verdade, essa naturalidade encobria os verdadeiros manipuladores que por trás faziam o que queriam com o espaço e, consequentemente, com o futuro dos indivíduos habitantes das cidades. O processo intenso e rápido do crescimento urbano-industrial, incluindo a industrialização do espaço rural, desenvolveu-se a partir de dinâmicas sociais e econômicas que não ocorreram de forma espontânea, mas foram induzidas por políticas definidas em favor da implantação de uma sociedade capitalista "moderna" no Brasil, com seus diferentes ciclos e etapas. (LEROY, 2002, p. 111) Para Acselrad e Leroy (2003), as cidades se apresentam como ecossistemas socialmente construídos em que as partes se relacionam e se impactam mutuamente, por serem grandes consumidoras de recursos naturais e humanos. Assim, para aqueles, o aumento da concentração de população em alguns pontos do espaço geográfico traz, por si só, implicações ambientais. Porto-Gonçalves (2016) destaca o paradoxo de nunca termos visto tanto debate sobre a problemática ambiental e, ao mesmo tempo, sertão grande a devastação do planeta desde os anos 1970, na qual o discurso do ecodesenvolvimento tem sido diluído e se tem procurado ajustar as propostas ecologistas aos desígnios de uma racionalidade econômica de acumulação. De acordo com Acselrad et al.(2009), a característica das cidades contemporâneas, sob os efeitos da globalização, é a profunda desigualdade social na exposição aos riscos ambientais. E, ainda, ainda segundo Gonçalves (2016), os fluxos de recursos financeiros no mundo indicam que os países mais pobres continuam a enviar mais recursos para os mais ricos, o que se torna extremamente eficiente para os interesses do capitalismo, em contrapartida, porém, os países ricos transferem suas indústrias/tecnologias poluentes e lixo para os países mais pobres. Assim, a globalização também serve de desculpa para que haja a transferência de matérias- primas importantes aos países do norte que não as têm mais em abundância, 40 apesar da evolução da tecnologia, além de deixar os “restos” (rejeitos, poluição, devastação, etc.) nos locais de produção, ou seja, nos países do Sul. Para Funtowicz et al. (2000 apud FREITAS, 2004), a crescente cientificação e tecnificação de nossas sociedades não têm sido eficientes e, ainda, por outro lado, têm apresentando efeitos colaterais irreversíveis a longo prazo, e de difícil gestão, ameaçando as gerações presentes e também as gerações futuras. E, para Bullard (2001 apud FREITAS, 2004) o alvo principal deste processo são grupos populacionais específicos, que por razões raciais, étnicas e socioeconômicas têm arcado com um compartilhamento desproporcional de consequências ambientais negativas. Tendo em vista que a coleta e o tratamento de resíduos sempre foram um desafio frente ao crescente grau de urbanização da humanidade, é importante mostrar a relação entre o processo de urbanização e a coleta e o tratamento de resíduos sólidos urbanos e seus desdobramentos no meio ambiente; ou seja, os aspectos relacionados à degradação ambiental. Dessa forma, não há como separar o conceito de resíduos sólidos do conceito de urbanização, assim como a relação entre àqueles e a degradação ambiental. Já não podemos pensar na gestão de resíduos como um processo isolado que é removido dos outros sistemas que trabalham juntos para suportar as necessidades de uma cidade. Esses sistemas devem ser planejados e projetados de forma integrada para funcionar da forma mais eficiente e sustentável possível, à medida que as cidades se tornam cada vez mais complexas. (MULLER, 2018, p. 37). Aliado ao comprometimento ambiental resultante da ausência de saneamento adequado devem ser consideradas as perdas econômicas e sociais causadas pela morbidade e mortalidade que atingem a população, principalmente as crianças. Do ponto de vista sanitário, não se tem comprovação do lixo como causa direta de doenças. Porém, como fator indireto, tem grande importância na transmissão de doenças através de vetores (moscas, mosquitos, baratas, roedores e porcos) ou de sua presença no meio ambiente. Através do ar, provocando distúrbios respiratórios, por exemplo; da água, veiculando microrganismos que provocam doenças, como hepatite, verminoses, entre outros; e do solo, uma vez que a 41 decomposição do lixo em locais inadequados contamina o solo e pode atingir rios, córregos, cisternas, poços, etc. (BVSMS, 2018). Assim, a ausência ou inadequação dos serviços de saneamento também constitui um risco à saúde pública. Assim, não é difícil perceber que os resíduos estão se tornando - em ritmo acelerado - um dos principais problemas das sociedades urbanas, considerando o volume, a escala e a mudança da composição urbana e industrial dos resíduos ultimamente na sociedade capitalista. Como a ISWA (Associação Internacional de Resíduos Sólidos) e o PNUMA (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente) destacam (ISWA, 2017), cerca de 2 bilhões de pessoas não têm acesso a serviços de coleta de lixo, enquanto o “desperdício" de 3 bilhões de pessoas não é ambientalmente gerenciado. Embora os resíduos sólidos urbanos representem apenas 5% da produção global de lixo, são um dos problemas mais prementes para as cidades em todo o mundo, uma vez que consome grandes áreas para gerenciá- lo, especialmente considerando a deposição em aterros e a compostagem. Para Coban et al. (2018), ao reconhecer que os resíduos mal geridos têm efeitos consideráveis sobre a saúde, o ambiente local e global e a economia; a gestão municipal de resíduos sólidos torna-se um dos serviços mais importantes que uma cidade oferece. Vale destacar que no caso brasileiro o crescimento das cidades não foi acompanhado pela provisão de infraestrutura e de serviços urbanos, entre eles o manejo dos resíduos sólidos. Os levantamentos informam que, no Brasil, os índices de disposição final de resíduos sólidos urbanos (RSU) continuam muito altos, mesmo que em depósitos adequados (59,5% do montante anual é disposto em aterros sanitários). E, apesar de dados indicarem que 73,1% dos municípios apresentam alguma iniciativa de coleta seletiva, cabe ressaltar, que em muitos municípios essas atividades não abrangem a totalidade de sua área urbana. Ainda, segundo dados do IPEA (2018), apenas 13% dos resíduos sólidos urbanos no país vão para reciclagem. A maioria dos municípios não chega a taxas de 2%. Além disso, a ausência de iniciativas para aproveitamento e recuperação da fração orgânica dos RSU faz com que haja uma sobrecarga nos sistemas de destinação final. (ABRELPE, 2019). 42 A grande maioria das cidades brasileiras padece dos males de falta de planejamento urbano, carência de serviços essências em saneamento e incompetência gerencial [...] crises financeiras, problemas de habitação, saneamento, saúde, educação, transporte, violência [...] a intensificação no crescimento populacional não correspondeu à instalação de uma infraestrutura adequada, causando impactos de várias ordens [...] tal melhora não ocorreria somente com um processo de reordenamento, mas implicaria também em mudança no metabolismo urbano [...] modificações radicais nos estilos de vida da população urbana, ligadas à estrutura do consumo [...] e hábitos domésticos profundamente arraigados (BURSZTYN, 1993). Para Leroy (2002), o processo de urbanização mostra claramente o fato de, em algumas décadas, dezenas de milhões de pessoas migraram do campo para a cidade sem que os governos locais investissem no atendimento das necessidades mínimas, tanto em saneamento quanto em moradia. Este aponta ainda a tradicional mentalidade elitista que dirige os investimentos para as áreas habitadas pelas classes média e alta com limitação orçamentária produzida por um sistema fiscal injusto e ineficiente, cujo resultado é a precariedade e a exclusão social que caracteriza o espaço urbano das grandes cidades do país: Essa precariedade não deve ser considerada uma aberração, mas sim o resultado lógico do modelo que não deixou outra opção de ocupação de espaço para as populações migrantes e barra ou marginalizados o modelo de desenvolvimento implantado no Brasil favoreceu explicitamente a urbanização da população e a industrialização do trabalho até mesmo nos espaços agrícolas. (LEROY, 2002, p. 112) Também Acselrad et al. (2009) aponta que a modernização ecológica associada ao urbanismo competitivo, na América Latina, beneficia com inovações econômicas, tecnológicas, socioculturais e ecológicas somente as minorias, com uma profunda desigualdade social, inclusive na exposição aos riscos ambientais (moradias insalubres, em encostas, por exemplo). Na ECO-92, ficou registrado que para os países periféricos a degradação ambiental está indissoluvelmente associada à pobreza e à escassez de oportunidades, sendo reaberta a discussão do desenvolvimento, agora, sustentável.
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