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APG - ENDÓCRINO DIABETES TIPO 1 Magny Emanuele Lima – Medicina Objetivos 1. Compreender a classificação geral do diabetes. 2. Compreender a etiologia, epidemiologia, fisiopatologia, manifestações clínicas, diagnóstico, tratamento e complicações do diabetes tipo 1. Classificação do diabetes O diabetes melito (DM) representa um grupo de doenças metabólicas com etiologias diversas, caracterizado por hiperglicemia, que resulta de uma secreção deficiente de insulina pelas células beta, resistência periférica à ação da insulina ou ambas. As duas principais etiologias são o DM tipo 2 (DM2), que corresponde por 90 a 95% dos casos, e o DM tipo 1 (DM1), que corresponde a 5 a 10%. A hiperglicemia crônica do diabetes frequentemente está associada a dano, disfunção e insuficiência de vários órgãos, principalmente olhos, rins, coração e vasos sanguíneos. A Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD) recomenda a classificação baseada na etiopatogenia do diabetes, que compreende o diabetes tipo 1 (DM1), o diabetes tipo 2 (DM2), o diabetes gestacional (DMG) e os outros tipos de diabetes. Outras classificações têm sido propostas, incluindo classificação em subtipos de DM levando em conta características clínicas como o momento do início do diabetes, a história familiar, a função residual das células beta, os índices de resistência à insulina, o risco de complicações crônicas, o grau de obesidade, a presença de autoanticorpos e eventuais características sindrômicas. A classificação do DM proposta pela American Diabetes Association (ADA) se baseia na etiologia e pode ser dividida nas seguintes categorias gerais: DM1: pode ser autoimune ou, mais raramente, idiopático. Há destruição das células beta pancreáticas, resultando em deficiência absoluta de insulina. Adultos que apresentam destruição das células beta pancreáticas devido a processo autoimune têm o diagnóstico de diabete melito autoimune do adulto (LADA). O DM1 tipo LADA pode ter desenvolvimento lento e progressivo de acordo com a deficiência de insulina, causando dificuldades para o diagnóstico e tratamento; DM2: é um grupo heterogêneo de distúrbios, caracterizados por graus variáveis de resistência à insulina, comprometimento da secreção de insulina e aumento na produção hepática de glicose DMG: Refere-se a intolerância à glicose que se desenvolve durante o segundo ou terceiro trimestre da gravidez. A resistência à insulina está relacionada com as alterações metabólicas da gestação, durante a qual o aumento das demandas de insulina pode levar à TGD ou ao diabetes. A Associação Americana de Diabetes recomenda que o diabetes diagnosticado no primeiro trimestre seja classificado como diabetes pré-gestacional preexistente. Na maioria das mulheres com DMG, ocorre normalização da tolerância à glicose no pós-parto, porém essas pacientes correm risco substancial (35-60%) de desenvolver DM nos próximos 10 a 20 anos. Além disso, as crianças nascidas de uma mãe com DMG também correm risco aumentado de desenvolver síndrome metabólica e DM tipo 2 posteriormente durante a vida; Outros tipos: O diabetes de início na maturidade do jovem (MODY) e o diabetes monogênico constituem subtipos de DM que se caracterizam por herança autossômica dominante, início precoce de hiperglicemia (em geral, com < 25 anos de idade; algumas vezes no período neonatal) e comprometimento da secreção de insulina. O DM também pode se desenvolver em consequência de fibrose cística ou pancreatite crônica, em que as ilhotas são danificadas, devido a um processo patológico primário que se origina no tecido do pâncreas exócrino. Os hormônios que antagonizam a ação da insulina podem levar ao DM. Assim, com bastante frequência, o DM é uma característica de endocrinopatias como a acromegalia e a doença de Cushing. DM induzido APG - ENDÓCRINO DIABETES TIPO 1 Magny Emanuele Lima – Medicina por fármacos (ex., glicocorticoides, antipsicóticos atípicos, estatinas) ou produtos químicos. Epidemiologia do diabetes Segundo a International Diabetes Federation (IDF), atualmente, 9,3% dos adultos entre 20 e 79 anos de idade – 463 milhões de pessoas – vivem com diabetes (1 em cada 11 adultos). Na faixa etária acima de 65 anos, 136 milhões de indivíduos teriam DM. Um em cada dois adultos com diabetes não é diagnosticado. Um milhão e cem mil crianças e jovens menores de 20 anos de idade têm DM1, com cerca de 130 mil casos novos a cada ano. O DM e suas complicações também implicam redução da expectativa de vida e elevada mortalidade, resultando em 4 milhões de mortes em 2019. Isso corresponderia a uma morte a cada 8 segundos. Mantidas as tendências atuais, a IDF estima para 2030 a presença de 578 milhões de adultos com DM, e a projeção para 2045 é de 700 milhões de indivíduos com DM. A crescente prevalência de diabetes em todo o mundo é motivada por uma complexa interação de fatores socioeconômicos, demográficos, ambientais e genéticos. O aumento contínuo deve-se, em grande parte, a um aumento no DM2 e fatores de risco relacionados, que incluem crescente urbanização e mudanças de hábitos de vida (com maior ingestão calórica, aumento do consumo de alimentos processados, estilos de vida sedentários, níveis crescentes de obesidade). Enquanto a prevalência global de diabetes nas áreas urbanas é de 10,8%, nas áreas rurais, é menor, de 7,2%. No entanto, esses valores estão se aproximando. A prevalência de DM no mundo varia muito, mas tem se elevado em todos os países, com maior intensidade naqueles em desenvolvimento. No Brasil, há 16,8 milhões de pessoas com DM, sendo 1 em cada 8 adultos e 30.900 crianças. A projeção para 2030 e 2045 é de 21,5 e 26 milhões de casos, respectivamente. O Brasil ocupa o quinto lugar na lista de países com maior número de diabéticos, após China, Índia, EUA e Paquistão. A prevalência do DM2 aumenta com a idade e, na maioria dos países, a estimativa é que em torno de 20% dos indivíduos com idade ≥ 65 anos tenham DM. Diabetes tipo 1 Denominado inicialmente diabetes insulinodependente ou diabetes juvenil, o DM1 é responsável por 5 a 10% do diabetes e é causado por deficiência absoluta de insulina, consequente à destruição autoimune ou, bem mais raramente, idiopática das células beta pancreáticas. Tipicamente, pacientes com DM1 têm IMC normal, mas a presença de sobrepeso ou obesidade não exclui o diagnóstico. Uma característica marcante dos diabéticos tipo 1 é a tendência à cetose e a invariável necessidade de insulinoterapia como tratamento. A CAD pode ser a manifestação inicial da doença em até um terço dos adultos e até dois terços das crianças. Quanto menor a idade, maior o risco. Epidemiologia A doença predomina em crianças e adolescentes (pico entre 10 e 14 anos), mas pode surgir em qualquer idade. Estima-se que o DM1 acometa 0,3% da população geral com idade igual ou inferior a 20 anos, e 0,5 a 1% se considerarmos todas as faixas etárias. No mundo inteiro, a incidência de diabetes tipo 1 varia de 50 a 100 vezes, com taxas mais elevadas em indivíduos de ascendência do norte da Europa. Ambos os sexos são igualmente afetados na infância, porém os homens são mais comumente afetados no início da vida adulta. Fator genético O DM1 caracteriza-se por deficiência absoluta na produção de insulina, decorrente, na maioria dos casos, de uma destruição autoimune indolente das células beta (DM1A). Acredita-se que o processo seja desencadeado pela agressão das células beta por fator ambiental (sobretudo, infecções virais) em indivíduos geneticamente suscetíveis. Polimorfismos no complexo antígeno leucocitário humano (HLA), localizado no cromossomo 6, são APG - ENDÓCRINO DIABETES TIPO 1 Magny Emanuele Lima – Medicina os principais responsáveispela maior suscetibilidade genética para o DM1, seguidos de polimorfismos do gene da insulina e, em terceiro lugar, por polimorfismos no gene de uma fosfatase específica dos linfócitos. Dois haplótipos HLA da classe II, DR4-DQ8 e DR3-DQ2, estão presentes em cerca de 90% das crianças com diabetes tipo 1. O genótipo que contém os dois haplótipos está associado ao maior risco de diabetes (cerca de 5%) e é mais comumente observado na doença de início precoce. Em contrapartida, o haplótipo DR15-DQ6 é altamente protetor e é encontrado em apenas 1% das crianças com diabetes tipo 1, em comparação com 20% na população geral. Alguns autoanticorpos foram identificados como marcadores da destruição autoimune da célula beta. Os principais são os autoanticorpos anti- ilhotas (ICA) e anti-insulina (IAA), antidescarboxilase do ácido glutâmico (anti- GAD), antitirosinofosfatases IA-2 e IA-2b e antitransportador de zinco 8 (anti-Znt8). Eles geralmente precedem a hiperglicemia por meses a anos (estágio pré-diabético), e um ou mais deles estão presentes em 85 a 90% dos pacientes na ocasião do diagnóstico. Na predição do desenvolvimento da doença em jovens, o número de anticorpos positivos parece ser mais importante que os títulos dos anticorpos. Fatores de risco Fatores ambientais: Deficiência de vitamina D Exposição precoce ao leite bovino e ao trigo Historicamente, as causas ambientais do diabetes tipo 1 concentraram-se nos vírus, devido a associações com pandemias sazonais de infecções e, raramente, devido ao isolamento de um patógeno específico. As epidemias de caxumba, rubéola e infecção pelo vírus Coxsackie foram associadas a um aumento da frequência do diabetes tipo 1. Entretanto, acredita-se que a lesão das células β mediada por vírus não seja responsável pela destruição maciça das células β, mas que possa desencadear uma resposta autoimune em indivíduos geneticamente predispostos. O diabetes de início precoce apresenta maior risco familiar, e os pais afetados têm mais tendência a transmitir diabetes tipo 1 do que as mães afetadas, com risco de 6 a 9% e de 1 a 3%, respectivamente. O IMC elevado está associado a uma idade mais jovem do diagnóstico de DM1 em crianças que já apresentam comprometimento da função das células β. Além disso, o baixo peso ao nascer pode constituir um fator na aceleração do início do DM1, sugerindo que o ambiente intrauterino pode representar um importante determinante da idade no início da doença. Fisiopatologia A destruição das células β é mediada, em grande parte, por uma variedade de citocinas ou pela atividade direta dos linfócitos T, provocando apoptose ou destruição celular, embora as evidências tenham sugerido que os anticorpos dirigidos contra as ilhotas também podem atuar nesse processo. Os estudos patológicos realizados estabeleceram que os infiltrados de células inflamatórias nas ilhotas (denominados insulite), que são compostos de células T CD8+ e CD4+, macrófagos e células B, estão ligados ao aparecimento do diabetes. Com o passar do tempo, as ilhotas tornam-se totalmente desprovidas de células β e infiltrados inflamatórios; as células α, δ e do polipeptídio pancreático são mantidas intactas, ilustrando, assim, a especificidade do ataque autoimune contra as células β. O DM1 idiopático ou DM1B representa 4 a 7% dos pacientes com DM1 recém-diagnosticado e inclui casos de deficiência absoluta de insulina que não são imunomediados. Essa forma de diabetes é fortemente herdada e não está associada ao HLA. Indivíduos com esse tipo de diabetes cursam com cetoacidose episódica e apresentam diferentes graus de deficiência de insulina entre os episódios. A maioria dos pacientes descritos é de ascendência africana ou asiática. A patogênese APG - ENDÓCRINO DIABETES TIPO 1 Magny Emanuele Lima – Medicina de deficiência insulínica no DM1B não é conhecida, porém já foi relatado que mutações no gene da insulina podem, ocasionalmente, ser encontradas em crianças e jovens com DM1B. As características do diabetes só se tornam evidentes após a ocorrência de uma perda limiar da secreção de insulina e da massa de células beta. Estudos de necrópsia sugerem que o grau de perda da massa de células beta é variável por ocasião da apresentação da doença, mas pode alcançar 70 a 80%. Nesse ponto, existem células beta funcionantes residuais, porém o seu número e qualidade são insuficientes para manter a tolerância à glicose. Os eventos que induzem a transição da intolerância à glicose para o diabetes franco estão associados, com frequência, a maiores demandas de insulina, como poderia ocorrer durante infecções ou na puberdade. Após a manifestação clínica inicial do DM1, pode seguir-se uma fase de “lua de mel”, durante a qual o controle glicêmico é conseguido com doses moderadas de insulina ou, raramente, a insulina não é necessária. Entretanto, essa fase transitória de produção endógena de insulina pelas células beta residuais desaparece, e o indivíduo torna-se deficiente em insulina. Diabetes autoimune latente em adultos (LADA) É uma forma de diabetes autoimune em que a velocidade da destruição das células beta pancreáticas é mais lenta do que a observada no DM1. Em geral, o diagnóstico de LADA ocorre entre 30 e 50 anos de idade, independentemente do uso de insulina, e apresenta características clínicas mais semelhantes aos indivíduos com DM2. Trata-se, portanto, de uma forma híbrida de DM que compartilha características tanto do DM1 como do DM2. Estima-se que responda por 3 a 12% dos casos de diabetes em adultos, sendo mais frequente na Europa. A Sociedade de Imunologia do Diabetes (IDS) define LADA pelo início de diabetes na idade adulta (> 30 anos), independência de insulina por pelo menos 6 meses após o diagnóstico e presença de pelo menos um autoanticorpo contra células beta positivo. O anti-GAD é marcador mais sensível no LADA, estando positivo em cerca de 90% dos casos ao diagnóstico. Manifestações clínicas Foi claramente estabelecido que o DM1 apresenta uma longa fase pré-clínica. Na maioria dos casos, a hiperglicemia (e a cetose, se estiver presente) pode ser precipitada por uma doença clínica não relacionada ou por estresse imposto a uma reserva das ilhotas já limitada, desencadeando, assim, as manifestações clínicas diagnósticas. Normalmente, a hiperglicemia sintomática, manifestada por poliúria, polidipsia, polifagia, perda de peso e fadiga, ocorre de maneira abrupta na criança ou no adulto jovem saudáveis nos demais aspectos. Em minoria dos pacientes, a apresentação inicial pode consistir em cetoacidose diabética (CAD). A doença tem uma incidência aumentada nos meses de inverno, classicamente atribuída a infecções virais respiratórias. De modo semelhante, a coincidência do diabetes tipo 1 com a puberdade foi atribuída à resistência à insulina associada a aumentos na secreção dos hormônios sexuais e do crescimento. Diagnóstico Glicemia de jejum: representa o meio mais prático de avaliar o status glicêmico, e dois valores > ou = 126 mg/dℓ, obtidos em dias diferentes, são suficientes para estabelecer o diagnóstico. Níveis entre 100 e 125 mg/dℓ caracterizam a pré- diabetes. Nessa situação, os pacientes devem ser submetidos a um TOTG. A hiperglicemia inequívoca (GJ > 250 a 300 mg/dℓ) com descompensação metabólica aguda ou sintomas óbvios de DM torna desnecessária a repetição do exame em um outro dia para confirmação do diagnóstico da doença. Teste oral de tolerância à glicose (TOTG): coleta- se amostra de sangue para a dosagem da GJ, administram-se 75 g de glicose (Dextrosol), dissolvidos em 250 a 300 mℓ de água. Após 2 horas, obtém-se uma nova amostra para medir a glicemia. Em crianças, a sobrecarga de glicose deve ser de 1,75g/kg, até um máximo de 75 g. O APG - ENDÓCRINO DIABETES TIPO 1 Magny Emanuele Lima – Medicina TOTG deve ser realizado pela manhã, após 8 a 14 horas de jejum e pelo menos 3 dias de dieta sem restrição de carboidratos (ingestão superior a 150 g/dia). Níveis de glicemia de 2 horas < 140 mg/dℓ, entre 140 e 199 mg/dℓ e ≥ 200 mg/dℓ são considerados como tolerância normal à glicose, pré-diabetes e DM, respectivamente. O TOTG é raramente utilizado, pois pode oferecer riscos para pacientes com índices glicêmicos já elevados. Hemoglobina Glicada (HbA1c): Os valores da HbA1c refletem a média das glicemias durante os últimos 2 a 3 meses, que é o tempo de sobrevida das hemácias. Quanto maior a concentração de glicose plasmática e maior o período de contato, maior a porcentagem da HbA1c. O diagnóstico de DM é feito com HbA1c maior ou igual a 6,5% em duas ocasiões diferentes. O uso da HbA1c para fins diagnósticos deve ser restrito a situações em que o método utilizado pelo laboratório seja certificado pelo National Glycohemoglobin Standardization Program. É considerada o padrão-ouro na avaliação do controle glicêmico, devendo ser realizada a cada 3 a 4 meses. Na avaliação do tratamento, a dosagem da HbA1c deve ser realizada duas vezes por ano em pacientes com controle glicêmico estável e dentro dos objetivos do tratamento. Uma avaliação mais frequente (a cada 3 a 4 meses) está indicada quando o controle glicêmico ideal ainda não tiver sido alcançado. Em pacientes assintomáticos, devem ser realizados 2 testes para confirmação diagnóstica. Em pacientes com sintomas clássicos de hiperglicemia (perda ponderal, poliúria, polidipsia), é necessário apenas 1 teste alterado ou glicemia aleatória maior ou igual a 200 mg/Dl para diagnóstico de DM. Exame de escolha para rastreamento da DM: glicemia em jejum. HbA1c: média glicada dos últimos 90-120 dias. Exames para acompanhamento dos pacientes com DM Frutosamina: é uma proteína glicada, constituída principalmente de albumina, que reflete o controle glicêmico nos últimos 7 a 14 dias. A medida da frutosamina pode ser um método alternativo para avaliar o controle glicêmico dos pacientes que tenham condições que alterem os valores da HbA1c (como hemoglobinopatias) ou quando se queira avaliar mudanças a curto prazo no controle glicêmico (p. ex., durante a gravidez). Glicosúria: pesquisa de glicose na urina tem baixa sensibilidade diagnóstica, uma vez que glicosúria APG - ENDÓCRINO DIABETES TIPO 1 Magny Emanuele Lima – Medicina costuma surgir apenas com glicemias > 180 mg/dℓ. Além disso, pode ocorrer glicosúria na ausência de DM: gravidez (em até 50%), tubulopatias renais, insuficiência renal crônica e glicosúria renal familiar. Pesquisa de corpos cetônicos: Em pacientes com DM e hiperglicemia, o achado de cetonemia e cetonúria é característico de CAD, uma situação potencialmente grave que requer intervenção imediata. O diagnóstico da CAD e durante seu tratamento, o ideal é a dosagem no β-OHB no sangue capilar, obtida com glicosímetros mais recentes. Níveis de β-OHB < 0,6 mmol/ℓ são considerados normais, enquanto valores > 1 mmol/ℓ representam hipercetonemia e níveis > 3 mmol/ℓ indicam CAD. Deve ser lembrado de que corpos cetônicos na urina durante o jejum ocorrem em mais de 30% dos indivíduos normais na primeira urina da manhã e que resultados falsamente positivos podem ocorrer com o uso de medicamentos que contenham o grupo sulfidrila (captopril). Resultados falso-negativos podem ocorrer quando a urina ficar exposta ao ar por longo período ou quando for muito ácida, como ocorre após ingestão de grandes quantidades de vitamina C. Dosagem do peptídeo C: A capacidade secretória do pâncreas pode ser analisada por meio da dosagem no plasma do peptídeo C, que é secretado na circulação porta em concentrações equimolares com a insulina, sendo ambos originados da clivagem da proinsulina. O método mais utilizado é a determinação do peptídeo C basal e 6 minutos após a injeção intravenosa de 1 mg de glucagon. Os pacientes com DM1 têm valores médios de peptídeo C de 0,35 ng/mℓ no basal e de 0,5 ng/mℓ após estímulo. Dosagem dos autoanticorpos contra a célula beta: Autoanticorpos contra a célula beta são encontrados no DM1A e no LADA. Sua dosagem permite a distinção dessas condições com o DM2. O autoanticorpo de maior utilidade é o anti- GAD65. Ele está presente em cerca de 80% dos casos de DM1 de instalação recente e ainda é detectado em 50% dos pacientes após 10 anos de diagnóstico. O ant ZnT8 é o mais sensível e auxilia no diagnóstico de DM1A quando os demais estão negativos. Tratamento Inclui cinco componentes principais: educação sobre DM, insulinoterapia, automonitorização glicêmica, orientação nutricional e prática monitorada de exercício físico. É um tratamento complexo em sua prescrição e execução e exige a participação intensiva do paciente, que precisa ser capacitado para tal. Tratamento não farmacológico Dieta: o foco do planejamento dietético concentra-se na estimativa de carboidratos da refeição, de modo a possibilitar a dosagem adequada da insulina prandial. Uma conduta flexível consiste em o paciente aprender a “contagem de carboidratos”, que especifica uma dose de insulina por quantidade de carboidratos na refeição. Evitar doces concentrados e outras refeições ricas em carboidratos, incluindo aquelas com elevado “índice glicêmico”, tende a facilitar a dosagem acurada da insulina e a minimizar as variações glicêmicas pós-prandiais. Diferentemente do DM2, a maioria dos pacientes com DM1 não apresenta sobrepeso nem obesidade e a restrição calórica não é necessária nem útil. Diversos padrões de alimentação são considerados aceitáveis, e as recomendações para uma dieta com baixo teor de gorduras saturadas e colesterol são as mesmas que aquelas para a população em geral. Atividade física: Está relacionada a melhora no condicionamento físico, na força muscular e na sensibilidade à insulina. Crianças com DM1 devem ser encorajadas a realizar, pelo menos, 60 minutos de atividade física todos os dias. Adultos devem ser aconselhados a realizar, pelo menos, 150 minutos semanais de atividade física aeróbica no mínimo três vezes por semana. APG - ENDÓCRINO DIABETES TIPO 1 Magny Emanuele Lima – Medicina Automonitoramento da glicose: Os medidores portáteis pequenos com tiras descartáveis são fáceis de usar e razoavelmente acurados. Pacientes insulinizados: é recomendado a realização de 7 medições (antes e 2 horas após café, almoço e jantar, mais medição antes de dormir), por 14 dias. Pacientes não insulinizados: deve-se realizar a medição da glicemia capilar 2-3 vezes por dia (escolhendo um dos horários preconizados para os pacientes insulinizados). Sistemas de monitorização continua de glicose (SMCG): medem a glicemia presente no interstcio através de dispositvo colocado no subcutâneo. A grande vantagem desses aparelhos é permitr várias medições ao dia e identificação mais precoce de eventos de risco, como hipoglicemias. Além disso, por trazerem maiores informações sobre o controle, é possível realizar mais intervenções e ajustes terapêuticos em períodos menores. No mercado brasileiro, há o sistema fash (Freestyle libre), com o qual o paciente precisa passar o leitor (ou celular) no dispositvo instalado no braço para obter a leitura da glicemia, e os SMCG clássicos, em que o dispositvo fica instalado preferencialmente no abdome, mandando informações o tempo todo para o celular. Os pacientes também devem ser instruídos para testar as cetonas urinárias (com tira reagente) em situações nas quais a concentração de glicose no sangue esteja inesperada ou persistentemente elevada, em particularse for acompanhada de sintomas sugestivos de CAD. A presença de quantidades moderadas ou grandes pode indicar o início de CAD e deve levar o paciente a procurar assistência médica urgente. Tratamento Farmacológico Deve-se procurar mimetizar os padrões fisiológicos de secreção de insulina observados nos indivíduos saudáveis. A insulina é secretada continuamente em pequenas quantidades (insulinemia basal). Todas as vezes que nos alimentamos, eleva-se a glicemia e as células beta secretam agudamente insulina, com o intuito de manter a normoglicemia. Os pacientes com DM1 são tratados com uma insulina “basal” de ação longa e uma insulina “prandial” de ação mais curta na hora das refeições, por um esquema de múltiplas injeções diárias de insulina ou por uma bomba de infusão contínua de insulina subcutânea. Tradicionalmente, assume-se 50% da secreção como componente basal, ao longo de todo o dia, e os 50% restantes como componente prandial, em resposta às refeições. As doses de insulina prandial são determinadas pelo conteúdo de carboidratos da refeição, juntamente com um “fator de correção” se a glicose estiver elevada antes da refeição. Por exemplo, uma conduta comum consiste em administrar 1 unidade para cada 10 a 15 g de carboidrato na refeição, somada a um fator de correção de 1 unidade para diminuir a concentração plasmática de glicose em 20 a 50 mg/dℓ. Entretanto, as necessidades de insulina são influenciadas por diversos fatores (idade, tamanho corporal, sensibilidade à insulina). Habitualmente, o componente prandial é dividido em três a quatro bolus pré-prandiais por dia, com aplicação 30 minutos antes do início da refeição para a insulina humana regular, 20 min antes do início da refeição para os análogos rápidos e imediatamente antes da refeição para os análogos ultrarrápidos. Prescrição: o esquema basal-bolus é a forma mais fisiológica de se tratar o paciente com DM1. Pode- se prescrever a NPH em 2 a 3 vezes/dia ou, preferencialmente, análogos de longa ação 1 vez/dia. Glargina frequentemente é administrada 1 vez/dia, mas até 1/3 das crianças podem necessitar de duas aplicações diárias. Detemir pode ser aplicada 1 vez/dia, mas até 70% das crianças e adolescentes precisam de duas aplicações diárias para obterem um adequado controle glicêmico. Degludeca e Glargina U30047 necessitam apenas de única aplicação diária. APG - ENDÓCRINO DIABETES TIPO 1 Magny Emanuele Lima – Medicina O complemento dessa dose deve ser feito com o uso de insulina Regular ou, de preferência, com Lispro, Aspart ou Glulisina, sendo divididos em 3 a 4 vezes/dia, antes de cada refeição. Referências: Diretriz da Sociedade Brasileira de Diabetes - Ed. 2023. GOLDMAN, Lee; SCHAFER, Andrew I. Goldman- Cecil Medicina. Rio de Janeiro: Grupo GEN, 2022. JAMESON, J L.; FAUCI, Anthony S.; KASPER, Dennis L.; et al. Medicina interna de Harrison - 2 volumes. Porto Alegre: Grupo A, 2019. VILAR, Lucio. Endocrinologia Clínica. Rio de Janeiro: Grupo GEN, 2020.
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