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S943c Sudak, Donna M. Combinando terapia cognitivo-comportamental e medicamentos [recurso eletrônico] : uma abordagem baseada em evidencias / Donna M. Sudak ; tradução: Magda França Lopes ; revisão técnica: Carmcm Beatriz Neufcld. - Dados eletrônicos. — Porto Alegre : Artmed, 2012. Editado também como livro impresso em 2012. ISBN 978-85-363-2790-7 1. Psicologia cognitiva. 2. Terapia cognitivo- comportamental - Medicamentos. I. Título. CDU 159.92:615.85 Donna M. Sudak Diretora do treinamento de residência em psiquiatria da Drexel University College of Medicine (DUCOM). Membro do Speakers Bureau do Beck Institute for Cognitive Therapy and Research. Presidente da Academy of Cognitive Therapy editora do exame PIPE. Combinando terapia cognitivo-comportamental e medicamentos Uma abordagem baseada em evidências Tradução; Mugdu França Lopes Consultoria, supervisão e revisão técnica desta obra: Carmem Beatriz Neufeld Doutora em Psicologia pela PUC RS. Coordenadora do Laboratório de Pesquisa e Intervenção Cognitivo-Comportamental (LaPICC)* Docente Orientadora do Programa de Pós-Graduação cm Psicologia da Universidade de São Paulo/Ribeirão Preto. Presidente da FBTC/Gestão 2G11-2G13. Versão impressa desta obra: 2012 2012 Obra originalmente publicada sob o título Combining CBT and medication - an evidence-based approach, 1st Edition ISBN 978-0-470-44844-1 / 047044844X ©2011, John Wiley & Sons, Inc. All Rights Reserved. This translation published under license with the original publisher John Wiley & Sons, Inc. Capa: Gustavo Macri Preparação de originais: Amanda Munari Leitura final: Amanda G Zampieri Coordenadora editorial: Monica Ballejo Canto Gerente editorial: Leticia Bispo de Lima Editoração eletrônica: Formato Artes Gráficas Reservados todos os direitos de publicação, em língua portuguesa, à ARTMED EDITORA LTDA., uma empresa do GRUPO A EDUCAÇÃO S.A. Av. Jerônimo de Ornelas, 670 - Santana 90040-340 Porto Alegre RS Fone (51) 3027-7000 Fax (51) 3027-7070 É proibida a duplicação ou reprodução deste volume, no todo ou em parte, sob quaisquer formas ou por quaisquer meios (eletrônico, mecânico, gravação, fotocópia, distribuição na Web e outros), sem permissão expressa da Editora. SÃO PAULO Av. Embaixador Macedo Soares, 10.735 - Pavilhão 5 - Cond. Espace Center Vila Anastácio - 05095-035 - São Paulo SP Fone (11) 3665-1100 Fax (11) 3667-1333 SAC 0800 703-3444-www.grupoa.com.br IMPRESSO NO BRASIL PRINTED IN BRAZIL http://www.grupoa.com.br Poucos profissionais da área de saúde mental acumulam a habilidade de prescrever e, simultaneamente, conduzir a psicoterapia de seus pacientes. Não é incomum, nas supervisões de meus estudantes de ambos os campos de conhecimento, que os psicoterapeutas, geralmente psicólogos, men cionem suas dificuldades no contato com os médicos responsáveis pelo trata mento farmacológico ou, vice-versa, que estes falem de suas dificuldades com os psicoterapeutas. A diferença de formação e experiência parece indicar que esses dois grupos profissionais falam linguagens incompatíveis. Não há dúvida de que este livro nos chega às mãos em boa hora. Ele traz regras aparentemen te nunca antes sistematizadas para ajudar médicos e psicoterapeutas a falarem a mesma língua e trabalharem em colaboração em prol de seus pacientes. A evolução da indústria farmacêutica ocorreu em ondas após o lança mento do primeiro medicamento usado para tratar esquizofrenia, no início da década de 1950. Em seguida, no final da mesma década, vieram os anti- depressivos tricíclicos e os inibidores da MAO, para então, nos anos de 1960, surgirem os benzodiazepínicos e a consolidação do lítio como estabilizador do humor, na década de 1970. A revolução psicofarmacológica veio grande mente alavancada pelo poder econômico da indústria farmacêutica. Na déca da de 1990, assistimos ao advento de uma nova geração de fármacos, repre sentada pelos antidepressivos inibidores seletivos de receptação da serotoni na e, a seguir, pelos antidepressivos com mecanismo de ação dual, bem como pelos antipsicóticos de nova geração, denominados atípicos. Embora tais avanços tenham nos proporcionado fármacos muito melhores e mais bem tolerados, seu potencial de ajuda aos pacientes parece ter sido hiperdimen- vi Apresentação à edição brasileira sionado, em especial nos casos mais difíceis envolvendo comorbidade ou pacientes complexos excluídos dos ensaios clínicos. Por outro lado, o grande peso da psicoterapia, representado pela visão psicanalítica predominante que reinou durante décadas, passou a ser uma prá tica independente e grandemente dissociada da medicina, com formação e divulgação à parte, em congressos e publicações próprios. Entretanto, novas abordagens psicoterápicas representadas por diferentes referenciais teóricos, rápidas e eficazes, surgiram e cresceram ao longo das últimas décadas, princi- palmcnte fundamentadas em evidências científicas mais sólidas. Dentre as abordagens psicoterápicas que mais cresceram, amparadas pela explosão recente das neurociências, está a terapia cognitiva desenvol vida por Aaron Beck, aquela que mais dados empíricos conseguiu acumular ao longo de quatro décadas de existência. Atualmente, encontramo-nos em uma encruzilhada histórica impor tante. Se, por um lado, a indústria farmacêutica em crise encontra-se em um platô, sem lançamentos importantes previstos nesta década para os princi pais transtornos psiquiátricos (exceto, talvez, relacionados às demências), e tendo em grande parte falhado em suas promessas quanto à intensidade do efeito das substâncias, por outro lado, as terapias baseadas em evidências atingiram sua maioridade, fazendo-se notar mais claramente. Portanto, estamos em um momento de integração, em que o melhor efeito dos fármacos deve ser associado ao que de melhor se conseguiu nas psicoterapias, em tratamentos combinados. Este livro ensina como fazê-lo, em detalhes, e com amplo amparo nas evidências recentes da literatura. Ter Donna Sudak como parceira de vários projetos, e tendo colaborado com sugestões durante a elaboração deste livro, deu-me o privilégio de estar na lista de agradecimentos da autora. Entretanto, muito mais do que isto, sua leitura mostrou-me a importância e a amplitude do tema, o que me levou a entrar em um recente e amplo movimento internacional de integração envol vendo psicoterapeutas e psicofarmacologistas; esse projeto produzirá em breve um livro sob minha coordenação, envolvendo autores de vários países e com diferentes formações, dentre os quais Donna Sudak. Assim, foi com grande prazer que aceitei fazer a apresentação da edição brasileira deste livro, tendo certeza de que fará grande diferença na prática conjunta de médicos e psicólogos, bem como de outros profissionais que traba lham em equipes multidisciplinares e que precisam de uma visão integrada. Irismar de Professor de Psiquiatria no Departamento de Neurociências e Saúde Mental da Universidade Federal da Bahia. Founding Fellow, Academy of Cognitive Therapy. Sumário Apresentação à edição brasileira..................................................................... v Irismar Reis de Oliveira Apresentação.................................................................................................. 9 1 Medicamentos versus TCC: como isso aconteceu?.............................. 15 2 Evidências neurobiológicas e tratamento combinado........................... 24 3 Tratamento com responsabilidade dual: princípios que facilitam o cuidado colaborativo do paciente...................................... 35 4 Combinação das intervenções da TCC com medicamentos para melhorar a adesão ao tratamento medicamentoso....................... 53 Tratamento combinado para depressão maior..................................... 74 6 Tratamento combinado para transtorno bipolar.................................... 102 Tratamento combinado para transtornos de ansiedade........................126 8 Tratamento combinado para transtornos alimentares.......................... 144 9 Tratamento combinado para esquizofrenia......................................... 166 5 10 Tratamentoocombinadooparaotranstornoode personalidade borderline..................................................................... 187 11 Tratamentoocombinadoonaogravidez....................................................o 212 12 Tratamentoocombinadooparaoabusooeodependência de substâncias - escrito com Samson Gurmu...................................... 225 Referências.................................................................................................. 243 índice de autores.......................................................................................... 260 índice remissivo.......................................................................................... 268 Existem inúmeros tratamentos para os transtornos psiquiátricos mais comuns disponíveis aos profissionais. Infelizmente, há poucas evidências claras para ajudar na escolha entre tratar com medica mentos, psicoterapia ou ambos. Pesquisadores descobriram que a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) e os tratamentos farmacológicos para transtornos psiquiátricos são eficazes para vários diagnósticos, mas não há tantas evidências sobre o modo como identificar qual sequência ou combi nação de tratamentos seria melhor para ajudar ura determinado paciente a se recuperar e a permanecer bem. Os transtornos mentais estão dissemi nados, causam sofrimento e são caros de tratar. O bem-estar de um pa ciente depende de uma recuperação durável e completa. Uma vez que o tratamento é iniciado e o paciente é estabilizado, é ainda mais complicado decidir quando, como e em que sequência interromper o tratamento. Também é responsabilidade dos profissionais oferecer cuidados eficazes e que apresentem o melhor custo-benefício. O ideal, quando co nhecidas as informações, é que os profissionais de saúde mental abor dem sistematicamente os problemas no cuidado clínico e recomendem uma sequência ou uma combinação de tratamentos que seja segura, efi caz, eficiente e de longa duração. Os custos do cuidado da saúde e o so frimento humano tornam essa uma parte imperativa do trabalho clínico. Na prática, geralmente as decisões de tratamento são determinadas por uma combinação de fatores que incluem a preferência e o diagnóstico do paciente, o conforto do terapeuta, o acesso a quem prescreveu o tra- tamento e/ou a psicoterapeutas qualificados, a acuidade e a gravidade dos sintomas, e os recursos financeiros. Muitos pacientes que iniciam a terapia já receberam a prescrição de medicamentos de um outro médi co. Na verdade, um estudo indicou que 95% dos pacientes com trans torno de pânico nos Estados Unidos buscam tratamento com seu médico antes de obter um encaminhamento para um psiquiatra (Craske e Ro driguez, 1994). Entre 55 e 95% dos pacientes com transtornos de ansie dade já estão tomando medicamentos quando buscam terapia (Wardle, 1990). Waikar e colaboradores (Waikar, Bystritsky, Craske e Murphy, 1994) estudaram as atitudes e as crenças dos pacientes sobre medica mentos e concluíram que os pacientes preferem receber um tratamento combinado. Os programas de residência em psiquiatria e, em menor grau, as especializações em geral têm aumentado as exigências para os residentes serem treinados nas duas modalidades. Portanto, o tratamen to combinado é com frequência a regra, não a exceção. Outra razão para considerar a combinação de medicamentos e psicoterapia é o fato de pacientes medicados frequentemente continua rem a apresentar sintomas residuais ou terem uma recaída mesmo com a continuação do uso de medicamento ou da terapia. Existem dados sobre sintomas residuais em transtornos do humor que indicam que os pacientes que têm sintomas residuais apresentam maior vulnerabilida de à recaída. A adição de um segundo tratamento pode aumentar a probabilidade de uma recuperação plena. O tratamento combinado po- deria reduzir os custos devido à ampliação do escopo dos efeitos do tratamento e ao aumento do índice de resposta. Alguns pacientes que estão em tratamento único e que poderiam se beneficiar de uma com binação de tratamentos não estão inclinados a buscar tratamento far- macológico devido à resistência em relação aos médicos ou à medica ção. A terapia podería ser útil para esses pacientes no intuito de ajudá- los a analisar as atitudes que adotam e talvez tornar a medicação uma opção aceitável. Finalmente, os pacientes em psicoterapia têm maior consciência das opções da farmacoterapia devido ao impacto da propa ganda e da internet. A qualidade das informações obtidas pode influen ciar a possibilidade de aceitarem o tratamento combinado; por isso, um terapeuta bem informado é essencial. O objetivo deste livro é proporcionar uma revisão das evidências atualmente disponíveis sobre a combinação do uso de medicamentos com a TCC. Ele começa com uma visão geral dos métodos de pesquisa 10 DonnaM.Sudak nos estudos existentes do tratamento combinado no Capítulo 1, e uma revisão dos estudos atuais de neuroimagens e neurobiológicos que po dem influenciar nosso entendimento de como a combinação dos trata mentos funciona no Capítulo 2. O tratamento combinado pode ser presta do por um único profissional ou por um terapeuta para a psicoterapia e um médico para o medicamento. O Capítulo 3 descreve as vantagens e ar madilhas potenciais da provisão de um “tratamento colaborativo”, um ter mo cunhado por Riba e Balon (1999) - ou seja, o tratamento proporciona do por um psicoterapeuta e por um médico. A definição original que eles propunham indicava um psiquiatra como o médico, mas o termo podería se aplicar a um médico de qualquer especialidade, assim como a um enfer meiro da atenção primária1. As vinhetas clínicas ilustram estratégias para aumentar a colaboração e para evitar os dilemas éticos que podem surgir no tratamento colaborativo. Esse capítulo também discute como explorar as vantagens de se ter dois cuidadores. Além disso, como a implementação criteriosa e deliberada do tratamento combinado pode ser um desafio em pacientes complexos, o Capítulo 4 apresenta um modelo para integrar a farmacologia e a TCC que aumenta a adesão às duas abordagens caso a terapia seja realizada por um ou por múltiplos profissionais. O restante do livro detalha as evidências específicas de prós e con tras da combinação do tratamento em determinados transtornos e, no caso do Capítulo 11, durante a gravidez. O livro não objetiva analisar to dos os diagnósticos encontrados na prática clínica, mas concentra a aten ção nas apresentações clínicas mais comuns para as quais há evidências de como proceder com os dois tratamentos. Os capítulos se destinam a examinar as evidências e a discutir os desafios específicos no tratamento combinado para um transtorno específico. O Capítulo 5 e o Capítulo 6 apresentam evidências para o tratamento combinado em dois transtor nos de humor debilitantes - a depressão maior e o transtorno bipolar. Cada um desses capítulos se concentra nas características clínicas especí ficas que podem se beneficiar do cuidado colaborativo, assim como nas evidências de melhores resultados quando a TCC é combinada com me dicamentos. Esses capítulos, juntamente ao Capítulo 8, que trata da es- Combinando terapia cognitivo-comportamental e medicamentos 11 1 N, de R.X: No Brasil, exduem-se os enfermeiros, pois esses profissionais não prescrevem medi camentos. Apesar de a autora limitar a função de prescrição aos médicos da atenção primária no texto original, optamos por ampliar esse grupo de profissionais, pois entendemos que, no Brasil, essa primeira prescrição é realizada pelo médico que faz o primeiro atendimento ao paciente, independentemente de sua especialidade. quizofrenia, oferecera atenção especial ao comportamento suicida e ao manejo desse problema clínico complicado quandohá dois provedores de tratamento. O Capítulo 7 explora as evidências disponíveis para a combinação da TCC com vários medicamentos nos transtornos de ansie dade. São apresentados princípios que facilitam a comunicação consis tente com pacientes ansiosos em um tratamento com responsabilidade dual, juntamente a vinhetas clínicas que ilustram os principais conceitos. Os três capítulos seguintes compartilham um grupo demográfico comum - as mulheres nos anos de procriação. O Capítulo 9 aborda o cui dado colaborativo nos transtornos alimentares. Esse grupo de pacientes requer cuidado colaborativo, mesmo que não sejam prescritos medicamen tos psicotrópicos, devido à necessidade de uma responsabilidade dual em cooperação com um outro médico, até mesmo um pediatra. Uma discus são similar aparece no Capítulo 11, Tratamento Combinado na Gravidez. A gravidez não protege as mulheres de enfermidades psiquiátricas, e os princípios do cuidado colaborativo são essenciais no cuidado das mulheres que desejam engravidar e precisam lidar com uma enfermidade mental crônica. O Capítulo 10 discute o tratamento combinado para pacientes com Transtorno da Personalidade Borderline, condição que é frequente mente desafiadora no tratamento com múltiplos profissionais. O capítulo final, Tratamento Combinado para Abuso e Dependência de Substâncias, é um pouco diferente dos capítulos anteriores. Inclui infor mações mais detalhadas sobre os medicamentos disponíveis para o uso em combinação com intervenções cognitivo-comportamentais. Muitos profis sionais não estão familiarizados com os medicamentos disponibilizados mais recentemente; eles podem ser adjuntos úteis nessas condições co muns e debilitantes. Este capítulo teve Samson Gurmu, M.D. como coau- tor, um talentoso residente chefe da Drexel University College of Medicine o qual tive o prazer de supervisionar. Sua paixão pelo estudo e pelo trata mento dos transtornos causados pelo uso de substâncias foi um estímulo para a inclusão deste capítulo. Agradeço sua participação e espero ver seu nome impresso com grande frequência nos próximos anos. Embora várias formas de terapia baseadas em evidências sejam classificadas como TCC (p. ex., terapia para a resolução de problemas, terapia cognitiva), a TCC referida no texto é a versão elaborada por Aa ron T. Beck. Além disso, os casos clínicos apresentados são fictícios e re presentam exemplos de situações clínicas comuns. Destinam-se a ilustrar as oportunidades e desafios apresentados à maioria dos clínicos. Tam- 12 Dorma M.Sudak bém usei a convenção de alternar os pronomes (ele e ela) para facilitar a leitura. Usei os termos paciente, terapeuta e prescritor,2 ciente de que ou tros profissionais têm convenções e filosofias diferentes sobre esses ter mos. Estou consciente de que o papel do prescritor com frequência en volve muito mais do que conhecimento farmacológico e de que paciente geralmente é um termo encarado como menos apropriado para indivídu os em tratamento de saúde mental. Muitas pessoas ajudaram na confecção deste livro. Devo muito a Cheryl Carmin, Irismar Reis de Oliveira, Wei Du, Kelly Koerner, Joan Ro mano e Deborah Gross Scott por suas proveitosas sugestões. Meus resi dentes, supervisionandos e pacientes inspiram e motivam todos os dias o meu trabalho. Patricia Rossi foi uma editora incessantemente persistente e paciente. Finalmente, sou imensamente grata pelo amor, pelo apoio e pelo feedback preciso do meu marido e mais respeitado colega, Howard Sudak, e pelo bom humor inabalável, confiança e dedos rápidos da mi nha filha e fantástica digitadora, Laura Ferguson. Combinando terapia cognítivo-comportamenta! e medicamentos 13 2 N. de R.T: A autora utiliza o termo pre&criber (em uma tradução literal, “prescritor”) para se referir ao profissional que prescreve os medicamentos ao paciente, Na tradução, optamos por referir esse profissional apenas como “médico”, considerando que, no Brasil, são os médicos, independentemente da especialidade, que realizam essa prescrição. Mary é uma mulher de 40 anos, em terapia há seis meses para uma depressão grave desenvol vida depois que seu marido, após 15 anos de casamento, a deixou por outra mulher. Infelizmente, seus sintomas depressivos incluem insônia significativa e rotineira - ela se acor da às quatro horas da manhã quase todas as noites. Seu distúrbio de sono respondeu às sugestões do seu terapeuta de estabelecer uma rotina diária para sua hora de dormir e acordar, além de empregar outras medidas de controle do sono. Mary é farmacêutica em uma cadeia de farmácias. Corre o risco de ser demitida porque seu desempenho no trabalho tem sido pre judicado por fadiga e dificuldade de concentração. Sua terapeuta resiste a encaminhá-la para uma avaliação médica por acreditar que a depressão de Mary tem um precipitante psicológico nítido. John é um homem de 60 anos recentemente diagnosticado com câncer de pulmão. Ele desenvolveu uma ansiedade significativa em rela ção a um iminente procedimento cirúrgico para remover o lobo do seu pulmão que apresenta a lesão primária. Tem sofrido muitos episódios de pânico e, nos últimos meses, começou a evitar sair de casa para fazer com pras ou assistir a jogos de futebol. Seu médico prescreveu-lhe Clonazepam 0,5mg duas vezes ao dia, e disse a John que “faz sentido” ele estar ansioso devido as suas circunstâncias e não o encaminhou à terapia. Mary e John estão em tratamento com profissionais que têm pos turas estabelecidas sobre as origens das enfermidades de seus pacientes que influenciam o tratamento que eles prescrevem. As decisões que to mamos como clínicos informam sobre nosso conhecimento da natureza e do melhor tratamento disponível para determinados problemas psicoló gicos. A maioria de nós tem uma visão do tratamento combinado com medicamentos e TCC que é influenciada pela maneira como os estudos de pesquisas de tratamento combinado foram conduzidos em interações anteriores. Avaliar a qualidade dos dados que usamos para tomar deci sões clínicas ajuda para rever parte desse histórico. 16 DonnaM.Sudak ESTUDOS SOBRE TRATAMENTO COMBINADO Estudos sobre tratamento combinado de medicamentos e TCC fo ram desenvolvidos com o objetivo de estabelecer eficácia comparativa. Nas décadas de 1960 e 1970, ocorreu um enorme aumento nos novos medica mentos eficazes para depressão e ansiedade. Embora seja um sistema im perfeito, o desenvolvimento do Diagnostic and Statistical Manual of Men tal Disorders (DSM)' significa que os pesquisadores foram capazes de fazer distinções mais claras entre os grupos de pacientes e identificar quais tra tamentos funcionavam em determinados transtornos. Tornaram-se dispo níveis entrevistas estruturadas que aumentavam a consistência de diagnós ticos em pacientes - de tal forma que grupos de pacientes mais homogê neos e diagnosticados com mais precisão poderíam ser estudados em ex perimentos de tratamento com medicamentos ou psicoterapia. Esse foi um avanço importante no campo e aumentou a capacidade de se desenvolver e testar novos tratamentos. Uma vez feito um diagnóstico preciso, os clíni cos poderíam tratar os pacientes com maior eficácia. A explosão previamente mencionada nos tratamentos biológicos ocorreu em paralelo a um novo conhecimento substancial sobre os trata mentos psicoterapêuticos baseados em manuais - como a TCC e a tera pia interpessoal (TIP) - que poderíam, de maneira rápida e eficaz, fun cionar para tratar depressão maior, transtornos de pânico e fobias. Os medicamentos eram considerados o “padrão ouro” como abordagem de tratamento; a psicoterapia era avaliada em relação à eficácia comparati va. A maior parte das experiências de pesquisa era conduzida para deter minar se os tratamentos individuais funcionavam. Infelizmente, os pes quisadores que avaliavam a questão de esses tratamentos serem ou não eficazes em geral estavam muito comprometidos com as abordagens ava liadas. Portanto, com frequênciaestruturavam questões inadvertidamen- * * N« dc FLT.: Em português: Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. 4, ed. Porto Alegre: Artmed, 2002. te inclinadas a favorecer a forma de tratamento que defendiam. Por exemplo, muitos dos estudos que comparavam a eficácia dos medica mentos à eficácia da TCC para o tratamento de transtorno do pânico eram realizados com pacientes que não exibiam evitação agorafóbica. Isso naturalmente diluir ia a eficácia de procedimentos baseados na expo sição aplicados na TCC. Certamente, as medidas de resultado escolhidas para avaliar o que constituía a resposta em qualquer estudo de tratamen to combinado influenciariam a visão que eles tinham sobre a utilidade de cada uma das abordagens e para quais grupos de pacientes. Pesquisas sobre os efeitos positivos e negativos do tratamento combinado raramen te eram realizadas nestes estudos comparativos iniciais. A pesquisa do processo que podería nos informar sobre quaisquer efeitos diferenciais da medicação ou da terapia, ou sobre sua combinação em tipos específi cos de pacientes, ainda é um território em grande parte desconhecido. Os dados pesquisados que foram avaliados no fim do tratamento não nos permitem determinar as diferenças individuais em resposta ao tratamen to combinado no decorrer do tempo. Esses estudos seriam caros e com plexos. Estudos anteriores analisaram os resultados ao final da terapia sem qualquer esforço para observar as questões do processo, as intera ções entre os tratamentos ou as variáveis específicas dos pacientes que determinariam que alguns pacientes se adaptariam melhor para uma abordagem ou comunicação particular. À medida que os tratamentos tornavam-se mais eficazes, ficava mais difícil determinar se a combinação de dois tratamentos seria ainda mais poderosa do que um único tratamento. Tratamentos altamente efi cazes requerem estudos muito grandes para determinar se algum benefí cio é derivado de sua combinação. O custo e a complexidade desses estu dos limitam a frequência em que ocorrem. Como a medicação e a terapia realizadas isoladamente têm um impacto substancial em relação ao pla cebo na depressão e na ansiedade, há menos incentivo para conduzir avaliações complexas e dispendiosas dos efeitos benéficos ou deletérios da combinação. Os primeiros estudos do tratamento combinado para a depressão eram pequenos, mas apresentavam tendências não significati vas em relação ao alto índice de resposta daqueles pacientes que haviam recebido tratamento combinado. Pelo menos um estudo clínico de larga escala (Keller et al., 2000) indica um benefício substancial da combina ção de uma forma de TCC com o uso de medicamentos versus cada trata mento isolado em um grupo de pacientes cronicamente deprimidos que tiveram uma resposta limitada ao tratamento anterior. Combinando terapia cognitivo-comportamental e medicamentos 17 18 Donna M.Sudak Em condições ideais, um grupo heterogêneo de pesquisadores de veria desenvolver e executar a pesquisa do tratamento combinado, com partilhando conhecimentos, para que as variáveis do processo pudessem ser medidas da maneira mais ampla possível. Gorman e colaboradores (Gorman, Barlow, Ray, Shear e Woods, 2001) detalham a complexidade desse compartilhamento em um artigo que descreve o trabalho que reali zaram na avaliação da eficácia diferencial da TCC, da imipramina e da TCC combinada com imipramina para o transtorno do pânico. Vários es tudos recentes, como o Treatment for Adolescents with Depression (TADS) (March et al., 2009), foram similarmente bem planejados. De senvolvidos por uma equipe multidisciplinar de pesquisadores, provavel mente aumentarão o nosso conhecimento sobre as variáveis que influen ciam o resultado positivo para o paciente. No contexto do modelo inicial da “corrida a cavalo”, destinado a avaliar a eficácia diferencial dos medicamentos, da terapia ou de ambos, muitos dos estudos finalizados e publicados avaliam o tratamento com binado com medicamentos que atualmente não são as de uso comum. Por exemplo, grande parte dos estudos sobre depressão e ansiedade in vestiga a eficácia dos antidepressivos tricíclicos usados isoladamente, comparados à TCC e em combinação com ela. Infelizmente, os dados que temos destes estudos têm aplicabilidade limitada na prática atual. A maioria dos pacientes não toma esses medicamentos para depressão e ansiedade devido aos efeitos colaterais debilitantes e ao risco de suicídio inerente em seu uso. Há menos incentivo para a realização de pesquisa do tratamento combinado ao uso de medicamentos mais recentes porque a TCC tem se estabelecido como um tratamento eficaz para a depressão e para a ansiedade, e os antidepressivos mais recentes não se mostram mais eficazes do que os antidepressivos tricíclicos, de modo que testá-los de igual para igual com a TCC e avaliar sua combinação tem menos va lor para os pesquisadores. Outra limitação para a generalização dos dados de pesquisa dispo níveis sobre o tratamento combinado para a prática clínica é que os estu dos de pesquisa não empregam padrões de cuidado ideais ou aceitáveis. Clínicos distintos usam cada tratamento nos estudos de pesquisa com uma comunicação mínima, se não ausente, entre os tratamentos. Os me dicamentos, na maioria dos estudos clínicos, são prescritos com ajustes limitados de dosagem, quando existem. Se não há resposta, os protoco los de pesquisa proíbem mudar ou aumentar a dosagem dos medicamen tos. Os pacientes em geral continuam sendo tratados com o mesmo me- dicamento durante todo o tempo do estudo, independentemente da sua resposta, quando, na prática clínica, outro método de tratamento seria adotado caso o medicamento fosse ineficaz. Os protocolos da farmacote- rapia nos estudos de pesquisa em geral não permitem qualquer adição de tratamentos farmacológicos para sintomas debilitantes e comuns quando esses são tratados de maneira incompleta pelo medicamento prescrito. Insônia ou ansiedade severa seria tipicamente tratada com me dicamentos adicionais no tratamento agudo de um paciente severamente doente. Os profissionais que prescrevem nos estudos de pesquisa são em geral instruídos a limitar as interações interpessoais que têm com os pa cientes para reduzir qualquer erro no estudo causado pela variação no tempo de terapia. Murphy e colaboradores (Murphy, Carney, Knesevich, Wetzel e Whitworth, 1955) mostraram que os medicamentos antidepres- sivos são bem menos eficazes quando os profissionais são instruídos a não interagir com os pacientes de uma maneira positiva e engajada - em gran de parte devido a questões de adesão. Em uma metanálise, Pampallona e colaboradores (Pampallona, Bollini, Tibaldi, Kupelnick e Munizza, 2004) determinaram que 33% dos pacientes em tratamento com antidepressi- vos aos quais não foi oferecida terapia desistiram do tratamento e não usaram medicamentos. Gorman e colaboradores (2001) descrevem uma situação de estudo do tratamento combinado de TCC e imípramina em transtorno do pânico, em que um profissional teve um índice de resposta incomumente baixo ao uso de medicamentos. Na análise, verificou-se que esse profissional estava interagindo minimamente com os pacientes devido à sua preocupação de que pudesse confundir os resultados do es tudo realizando terapia adicional. Por isso, o tratamento com medica mentos realizado com interação mínima com os provedores de cuidado pode não reproduzir com precisão resultados clínicos com cuidados ideais. Os terapeutas com uma atitude positiva em relação ao uso de medica mentos podem aumentar a resposta do placebo às substâncias (Barrett e Wright, 1984). Esse efeito potencializador está ausente nos estudos ce gos de tratamento combinado. No ramo dos projetos de pesquisa em psicoterapia, a terapia é com frequência diferente da prática clínica. É geralmente baseada em manual, com menos ênfase na conceituação individual do paciente. Os pacientes são avaliados commedidas múltiplas durante todo o tratamento - o que pode alterar suas expectativas e sua motivação de uma maneira positiva ou negativa. Se os pacientes tiverem uma psicopatologia comórbida do Eixo II, raramente há a flexibilidade para desacelerar o processo terapêu- Combinando terapia cognítivo-comportamenta! e medicamentos 19 tico para permitir o tipo de construção de aliança que é necessário para se empregar com eficácia a TCC. Outra dificuldade que enfrentamos na determinação da melhor opção baseada em evidências a ser recomendada é que os pacientes que são elegí- veis para participar de estudos clínicos representam um espectro muito restri to dos indivíduos afligidos por um determinado diagnóstico. Cerca de 80% dos candidatos a um estudo de antidepressivos são excluídos (Postemak, Zimmerman, Keitner e Miller, 2002). Zimmerman e colaboradores (Zimmer man, Mattia e Postemak, 2002) estudaram os registros médicos de pacientes vistos em uma grande clínica de psiquiatria geral para verificar quantos de les seriam elegíveis para um estudo clínico de medicamentos antidepressi vos. De 803 pacientes, 346 tinham depressão maior. Desses pacientes, 86% - todos menos 41 - estariam excluídos de um estudo de eficácia típico devi do a comorbidade, doença crônica, severidade ou pensamentos suicidas. Os pacientes vistos por terapeutas e médicos na prática clínica rotineira são com frequência bem mais complicados e têm mais condições crônicas do que aqueles que participam de estudos clínicos. Bockting e colaboradores (2008) determinaram que os pacientes com maiores números de episódios de doença mental obtêm mais benefício do tratamento combinado - mais uma vez, esses pacientes foram com frequência excluídos dos estudos ini ciais de eficácia. A complexidade do paciente típico que busca cuidado de saúde mental dificulta determinar qual tratamento faz sentido; estudos de pacientes apresentando transtornos concomitantes são ainda mais raros. Os pacientes que respondem ao tratamento em estudos de eficácia típicos po dem ser muito diferentes do paciente típico que busca tratamento, aceita-o e adere a ele, recupera-se e permanece bem. Em resumo, as evidências das pesquisas que temos disponíveis so bre quando o tratamento combinado pode ser útil são limitadas para a aplicabilidade clínica e podem não refletir os potenciais benefícios ou desvantagens do tratamento combinado em um determinado paciente. O que mais pode nos ajudar é considerar a combinação de fatores de risco genéticos/biológicos, interpessoais/desenvolvimentais e temperamentais que qualquer paciente tenha para determinar quem pode se beneficiar do tratamento combinado ou sequencial até termos dados melhores para nos ajudar a fazer determinações sobre o que constituiría um cuidado adequado. Espera-se que estudos clínicos práticos mais recentes nos aju dem a determinar as melhores intervenções para ajudar um paciente a obter e sustentar uma recuperação plena. 20 Dorma M.Sudak Combinando terapia cognitivo-comportamental e medicamentos 21 QUE MECANISMOS PODERÍAM INFLUENCIAR OS EFEITOS DO TRATAMENTO COMBINADO? Podemos gerar hipóteses sobre os possíveis efeitos do tratamento combinado considerando os mecanismos de ação dos efeitos individuais dos medicamentos e da psicoterapia. Para se beneficiar da psicoterapia, os pacientes devem ser capazes de aprender. Wright (2003) detalha as maneiras em que os medicamentos ou a doença psiquiátrica poderíam alterar a atenção, a memória e a capacidade para integrar novas infor mações. Sabemos que um número substancial de transtornos psiquiátri cos interfere na aquisição e na retenção de informações. Ansiedade seve ra, depressão, mania e psicose, por exemplo, podem prejudicar a apren dizagem normal. Problemas de sono são comuns em transtornos psiquiá tricos importantes, e a insônia pode reduzir a capacidade de aprender e de lembrar. A distração é comum a muitos transtornos do Eixo I - rumi nação, alucinações, fuga de idéias e atenção à ameaça podem interferir com a capacidade de concentração do paciente. A velocidade do pensa mento pode ser acelerada ou reduzida por transtornos do humor, atrapa lhando a atenção e a recordação. A terapia pode ocorrer mais efetiva mente se esses impedimentos à aprendizagem forem tratados por farma- coterapia. A TCC, em particular, é principalmente um tratamento que se baseia na capacidade do paciente de aprender novas habilidades e, por isso, uma exigência fundamental é que os pacientes devam ter capacida de de aprender e de recordar. O lado negativo também pode ocorrer - o tratamento combinado tem potencial para prejudicar a aprendizagem e a memória. Os médicos devem ter conhecimento dos medicamentos que podem sedar os pacien tes e interferir na aprendizagem. Os efeitos colaterais dos anticolinérgi- cos eram antigamente uma característica predominante dos medicamen tos utilizados para depressão e psicose. Esse efeito colateral em particu lar pode interferir na nova aprendizagem e nas funções da memória em todos os pacientes. Os perfis específicos de efeitos colaterais de muitos antidepressivos tricíclicos listavam possíveis alterações na memória, in cluindo problemas em encontrar palavras para se expressar. Esse tipo de alteração na memória pode tornar o progresso terapêutico mais lento. Os benzodiazepínicos podem também prejudicar a aprendizagem e a me mória; portanto, quando são usados para ansiedade, podem interferir na exposição ao tratamento, impedindo a nova aprendizagem e também a habituação. Então, um profissional pode perguntar “Por que isto é importante? Se o uso de medicamentos e a terapia são tão eficazes, que diferença isso faz?” E a resposta - óbvia para qualquer um há muito tempo na prática clínica - é que os nossos tratamentos, embora melhores do que nunca, ainda não são tão bons. Nas melhores mãos, a resposta a um tratamento de modalidade única para a depressão na população circunscrita e não complicada analisada em muitos dos estudos clínicos é pouco maior do que 50%. Nossos tratamentos são melhores que o placebo, mas muitos pacientes não respondem a eles. A doença mental é perigosa, debilitante e dolorosa. Precisamos considerar os custos do tratamento e ofertá-lo da maneira mais eficaz possível nos ambientes do mundo real. Na prática clínica padrão, um bom clínico confrontado com um paciente que não esteja respondendo ao tratamento tentaria obter me lhores resultados mudando os medicamentos, o tipo de terapia ou com binando os tratamentos. Os resultados da farmacoterapia do STAR*D (Sequenced Treatment Alternatives to Relieve Depression)’ estão relacio nados à resposta inicial ao tratamento. O estudo STAR*D (Gaynes et al., 2009) foi um grande estudo clínico prático em que os critérios de entra da foram amplamente definidos e inclusivos, e os pacientes foram enca minhados de clínicas psiquiátricas e de atenção primária. Os resultados desse estudo enfatizam que é improvável que o tratamento antidepressi- vo seja eficaz se um paciente não responder ao medicamento inicial pres crito. No “mundo real”, os pacientes que não respondem após duas expe riências com medicamentos apresentam uma probabilidade muito pe quena de se recuperarem da depressão. Os pacientes que não atingem uma remissão da depressão com medicamentos típicos provavelmente requerem regimes de medicação mais complexos com efeitos colaterais severos. Esses tratamentos complicados têm menor garantia de sucesso. Se for possível melhorar a probabilidade de uma resposta inicial ao me dicamento acrescentando-se a TCC, pode-se alcançar um impacto subs tancial no curso da doença. Além disso, o estudo S!AR*D mostrou que 67% desses pacientes que respondiam ao medicamento também tinham sintomas residuais de depressão (Trivedi et al., 2006), e esses sintomas continuados podem representar uma carga importante para o paciente, um fator de risco para a recaída e podem ser uma indicação adicional para o tratamentocombinado e para o benefício dele derivado. 22 Dorma M.Sudak * N. de R.T.: Alternativas do Tratamento Sequenciado para Aliviar a Depressão. Combinando terapia cognitivo-comportamental e medicamentos 23 Outra razão para considerar o tratamento combinado é que os tra tamentos farmacológicos existentes para depressão e para ansiedade não produzem uma recuperação durável no decorrer do tempo, tanto quando se toma medicamento quanto uma vez que ele é retirado. A recaída na doença psiquiátrica é mais comumente a regra do que a exceção. As hi póteses iniciais oferecidas como responsáveis para a recaída frequente muitas vezes incluíam a não adesão ao tratamento medicamentoso, em particular naqueles pacientes que eram tratados inicialmente com medi camentos que produziam efeitos colaterais indesejáveis. Paykel (2007) realizou um estudo prospectivo de pacientes que foram hospitalizados por depressão e que se recuperaram. Em um período de dez anos, dois terços dos pacientes apresentaram recorrência, metade deles nos primei ros 24 meses após a recuperação. Os dados de acompanhamento obtidos pelo estudo incluíam entrevistas com o paciente, registros de prescrição e níveis sanguíneos do antidepressivo. As informações obtidas indicavam que os pacientes do estudo haviam apresentado boa adesão e ainda as sim recaíram. O tratamento combinado pode ter o potencial de melhorar as habilidades de enfrentamento em um paciente com uma diátese gené tica importante para a depressão, de forma que eles são mais capazes de manter uma recuperação durável. Os clínicos enfrentam vários outros desafios no “mundo real”. De vemos proporcionar uma justificativa convincente para a nossa recomen dação de diferentes tratamentos aos pacientes. Nossas intervenções de vem ser aceitáveis e compreensíveis ao paciente para garantir sua ade são. O objetivo do tratamento deve ser, sempre que possível, uma recu peração durável (não apenas a melhora). No presente momento, não atingimos esse objetivo para um número muito alto de nossos pacientes. A resistência ao tratamento é comum e a resposta parcial é mais comum ainda. Os pacientes com transtornos comórbidos e doença crônica são também aqueles que menos apresentam melhora com um único método de tratamento. São os pacientes que, íntuitivamente, responderíam me lhor ao tratamento combinado. maioria dos profissionais têm a experiência importante de ver a ocorrência de mudanças profundas quando pacientes com transtor nos mentais graves, que geralmente causam ameaça à vida, são tra tados com medicamentos ou psicoterapia. Cada modalidade tem seu po tencial de aliviar estados emocionais que geram sofrimento, reduzir pa drões disfuncionais de pensamento e modificar crenças e comportamen tos disfundonais duradouros. Elas podem modificar as respostas fisioló gicas que desgastam o enfrentamento e a ação eficazes. Os mecanismos pelos quais os medicamentos psicotrópicos e a psicoterapia produzem es sas ações poderosas só começaram a ser entendidos recentemente. Os transtornos psiquiátricos não produzem falhas de grande magnitude no cérebro e, por isso, são difíceis de estudar com as técnicas de neuroima- gem convencionais como a ressonância magnética ou a tomografia com putadorizada. Grande parte do que sabemos sobre as ações dos medica mentos e da terapia no cérebro deriva de meios não invasivos de se estu dar a função cerebral e os circuitos neurais. Só temos uma pequena quantidade de dados provenientes dessas técnicas de imagens relativa mente novas porque elas são caras e complexas para se administrar. En tretanto, estudos preliminares usando estas tecnologias nos dão alguns indícios sobre os efeitos biológicos da psicoterapia e dos medicamentos psicotrópicos e podem nos informar sobre o uso de tratamento combina do em pacientes com doenças mentais. Um benefício adicional destas in formações é que podem nos ajudar a explicar melhor aos pacientes como os medicamentos e a terapia atuam de maneira mais persuasiva do que A “nós realmente não sabemos”. É difícil estudar os cérebros de pessoas vi vas e mantê-las vivas - e quando estudamos os cérebros de pacientes vi vos, ele é um sistema dinâmico, não estático, mudando constantemente em resposta às exigências internas e externas impostas à pessoa que está sendo estudada. O objetivo deste capítulo é tentar resumir algumas das evidências neurobiológicas que existem sobre medicação e psicoterapia e aplicá-las à questão do tratamento combinado. Combinando terapia cognítivo-comportamenta! e medicamentos 25 COMO OS MEDICAMENTOS E A PSICOTERAPIA MUDAM CÉREBROS As evidências neurobiológicas começaram a nos proporcionar um me lhor entendimento de como a psicoterapia e os medicamentos podem afetar diferencialmente o cérebro. Ambos têm mecanismos de ação individuais que podem alterar a estrutura e a função cerebrais e produzir uma mudança du radoura nos sintomas dos pacientes. Kandel (2001) descreveu evidências de novos caminhos neuronais que se desenvolveram no sistema nervoso central (de lesmas marinhas, mas se assumiría que os humanos seriam pelo menos tão inteligentes quanto elas) quando ocorria nova aprendizagem. Presumi velmente, a psicoterapia cognitivo-comportamental, pelo fato de ser basea da na aprendizagem de novas habilidades e ferramentas, produziría mudan ças nos caminhos neuronais. Essas mudanças seriam mediadas pela expres são dos genes e induziríam mudanças na força sináptica e nos números que poderíam facilitar de forma durável a recuperação. Supõe-se que o medica mento estimule a expressão dos genes no cérebro pelo bloqueio do receptor sináptico e pela ativação de um segundo mensageiro e, desse modo, facilite a neuropiasticidade e os novos caminhos neurais (Li et al., 2008). Nosso en tendimento sobre a maneira como esses mecanismos produzem a recupera ção é precário. Estudos de neuroimagem mais recentes mostram padrões de mudança particulares e distintos na função cerebral que ocorrem após a re cuperação bem-sucedida decorrente de tratamento com medicamentos ou psicoterapia. Essas mudanças cerebrais acontecem em padrões similares em alguns diagnósticos; e em padrões diferentes em outros diagnósticos. Os es tudos de neuroimagem podem nos ajudar a escolher estudar o tratamento combinado se descobrirem que cada tratamento individual tem um meca nismo de ação diferente em um determinado diagnóstico e pode potencial mente atuar de forma sinérgica. Nosso entusiasmo em relação às evidências neurobiológicas de mudanças cerebrais que ocorrem após tratamento psicológico e biológico eficaz deve ser moderado; são medições iniciais e grosseiras do que está ocorrendo no cérebro. Daqui a cem anos, os cientistas podem rir das teo rias que tínhamos sobre o que estes achados significam e das tecnologias que usávamos. Podem considerar nossos tratamentos atuais tão grossei ros como a trepanação parece hoje aos neurocirurgiões. 26 DonnaM.Sudak NEUROIMAGENS: 0 BOM, 0 MAU E O FEIO Apesar dos notáveis avanços na avaliação da função cerebral com técnicas de neuroimagem, há várias limitações na análise dessas evidên cias. Em primeiro lugar, o número de pacientes examinados com esta tec nologia é pequeno. Em segundo lugar, há um número de estudos reduzi do. Os estudos raramente incluem controles normais, e os protocolos de imagens não são padronizados. Além disso, esses estudos de imagens nor malmente medem o fluxo sanguíneo ou o metabolismo cerebral, mas não são corrigidos para o volume do tecido cerebral (Drevets, 1998; linden, 2006), não quantificam de fato a mudança no fluxo sanguíneo e não cal culam a quantidade real de diferença no metabolismo cerebral. Sabemos também que a farmacoterapia anterior pode alterar o fluxo sanguíneo para determinadas regiões do cérebro. Sem um mapeamento cerebral an terior ao tratamento (sem a influência de fármacos) para comparação, o tratamento subsequente com agentes antidepressivos, ansiolíticos e antip- sicóticospoderia confundir os resultados (Drevets, 1998). Como é realizada a neuroimagem As duas principais mudanças fisiológicas atualmente mensuradas para indicar mudanças na função e na atividade cerebrais são as altera ções na utilização da glicose sanguínea e no fluxo sanguíneo que ocor rem antes e depois do tratamento. Essas alterações fisiológicas são medi das com três diferentes tipos de tecnologia de imagem: PET (tomografia computadorizada por emissão de positrons) e SPECT (tomografia com putadorizada por emissão de fóton único) e RMf (imagem por ressonân cia magnética funcional). Segue uma descrição breve da tecnologia en volvida; os leitores já familiarizados com as técnicas podem pular esta parte e ir direto para a revisão dos estudos disponíveis. Os leitores mais interessados nos aspectos técnicos dos procedimentos de mapeamento Combinando terapia cognitivo-comportamental e medicamentos 27 de uso corrente podem ter como referência um resumo excelente apre sentado por Seibyl, Scanley, Krystal e Innis (2004). 0 PET e o SPECT são tipos similares de mapeamentos radiológi- cos. O PET e o SPECT são obtidos substituindo-se um elemento contido em uma molécula biologicamente ativa por um marcador radioativo. As áreas de maior ou menor atividade metabólica ficam então diferencial- mente visíveis pelo escâner quando a molécula marcada é captada em maiores concentrações nas células mais ativas. Uma característica especí fica das células nervosas é que elas não armazenam ou produzem ener gia na forma de glicose. Isso significa que, quando a atividade metabóli ca aumenta na área cerebral, os neurônios dependem quase inteiramente do transporte de glicose do fluxo sanguíneo dos capilares vizinhos. Desse modo, a atividade aumentada da célula nervosa produz um aumento do metabolismo e da exigência de glicose nas células nervosas. O corpo rea ge modificando significativamente o fluxo sanguíneo para que mais mo léculas de glicose sejam transportadas para essa área cerebral. Os mape amentos por PET e SPECT medem estas mudanças tanto do fluxo sanguí neo quanto da ingestão de glicose. Em um mapeamento por SPECT ou PET, a parte invasiva do pro cesso é o fato de o paciente ser injetado com uma molécula radioativa mente marcada. A oxima de hexametil propileneamina marcada por tec- nécio radioativo é usada nos mapeamentos por SPECT e a fluorodeoxi- glicose radioativa é usada nos mapeamentos por PET. Enquanto o cére bro do paciente é escaneado, o isótipo radioativo emite fótons quando é desintegrado no corpo. Uma câmera de tomografia computadorizada é usada para obtermos imagens da atividade cerebral radiograficamente marcada, mas, diferentemente dos raios X da TC, essas câmeras medem os fótons emitidos pelos radioisótopos desintegrados no paciente. Basica mente, as câmeras da tomografia computadorizada atuam realizando múltiplas imagens de raio X de um órgão em distâncias regulares. Os es câneres então reconstroem as imagens com tecnologia computadorizada para formar imagens da parte do corpo escaneada. Dados quantitativos sobre a intensidade do sinal do fóton são também usados para gerar da dos sobre a atividade da região do cérebro. Os mapeamentos por PET e SCAN apresentam algumas diferenças importantes. Há limites para os dados anatômicos visíveis nos escâner es do PET. Os escâneres do PET podem ser combinados com os escâneres da RM para relacionar quadros metabólicos e anatômicos simultâneos e, por isso, apontam quais estruturas no cérebro estão mais metabólica- mente ativas. Outra limitação importante para o mapeamento do PET é que os radioisótopos requeridos para a visualização do metabolismo do cérebro têm muitas meias-vidas. A vantagem é restringir a dose de ra diação recebida pelo paciente (e, como a medição desta maneira da ati vidade cerebral envolve visar a uma molécula - glicose - usada por toda célula do corpo, a exposição às emissões de próton é disseminada nos mapeamentos por PET). A desvantagem da meia-vida curta é que a ra dioatividade da molécula de glicose marcada se desintegra tão rapida mente que a testagem dos aparelhos deve ter um cidotrão próximo para produzir o isótopo. Isso é muito caro e limita a disponibilidade da tecno logia para experiências de pesquisa mais amplas. As imagens por SPECT, por outro lado, empregam uma câmera gama para escanear um paciente. Os radioisótopos que são injetados emitem raios gama, e as imagens são obtidas. Os escâneres do SPECT usam isótopos mais facilmente obtidos, que são captados pelo tecido pro porcional ao fluxo sanguíneo cerebral. Os escâneres do SPECT são, por tanto, um pouco menos precisos, mas menos caros. Uma desvantagem adicional das imagens por SPECT é que os pacientes não devem se mo ver enquanto o mapeamento é feito (em geral por mais de 30 minutos). As imagens funcionais por ressonância magnética (RMf), o tercei ro tipo mais popular de mapeamento, medem as mudanças no fluxo san guíneo e no volume de sangue. A maior parte da pesquisa de RMf dispo nível foi designada para observar as áreas de fluxo sanguíneo cerebral aumentado que ocorrem quando o paciente realiza uma determinada ta refa (Linden, 2006). Os mapeamentos por RMf são imagens produzidas quando um campo magnético é criado nas moléculas de água do corpo. Primeiro, um ímã potente alinha os átomos de hidrogênio no corpo. De pois, são usadas frequências de rádio para mudar o alinhamento dos áto mos de hidrogênio nas moléculas de água. Esse processo cria um campo magnético que é detectado pela máquina. Não é usada radiação. Os teci dos produzem frequências detectáveis e diferentes, dependendo do esta do magnético de seus prótons. Os mapeamentos por RMf também po dem ser realizados com material de contraste injetável. Várias imagens (em geral uma por segundo) são captadas e reconstruídas em uma ima gem tridimensional do cérebro. Desse modo, a RMf escaneia rápida e re petidamente o cérebro para medir os aumentos no fluxo sanguíneo antes e depois de uma tarefa específica. Um tipo particular de RMf é destinado a observar a ativação cerebral sem a necessidade de material de contras te, avaliando a oxigenação do sangue no mapeamento (BOLD: imagens 28 Dorma M.Sudak dependentes da oxigenação sanguínea)." Mais uma vez, supomos que as alterações no fluxo sanguíneo e na oxigenação do sangue correspondem a aumentos e reduções na atividade neural e na função cerebral. A des vantagem da RMf é que o paciente deve ficar imóvel por um longo perío do (em geral, pelo menos uma hora) enquanto realiza tarefas cognitivas específicas ou enquanto está em repouso. Agora que examinamos como os mapeamentos são realizados, apresentamos uma breve revisão de dados de neuroimagens atuais sobre os efeitos neurobiológicos dos medicamentos e da terapia entre tipos de transtorno. Combinando terapia cognítivo-comportamenta! e medicamentos 29 Resultados de neuroimagem em transtornos psiquiátricos Transtornos de ansiedade Etkin e Wager (2007), em uma revisão da literatura existente sobre as neuroimagens funcionais nos transtornos de ansiedade, descrevem que, no estado não tratado, os indivíduos com transtorno do estresse pós-traumático (TEPT), transtorno de ansiedade social (TAS) e fobia específica (FE) apresen tam maior atividade metabólica na amígdala e na insula. Esse padrão de ati vidade aumentada na amígdala também ocorre em indivíduos normais após exposição ao medo. Além disso, descrevem padrões singulares no TEPT que envolvem hipoativação no córtex cingulado anterior e no córtex pré-ffontal ventromedial. Uma teoria atual sustenta que uma das manifestações clínicas desta hipoperfusão é um problema com a regulação da emoção em pacientes com TEPT. A revisão de Etkin e Wager foi uma metanálise dos estudos exis tentes para tentar compensar a falta de poder estatístico consequente do ta manho reduzido das amostras. A revisão destaca os problemas anteriormente citados - muitos dos estudos realizados têm característicasde planejamento inconsistentes e variáveis, e todos abrangem números muito pequenos de pa cientes. Apesar dos problemas metodológicos, um padrão de ativação bastan te consistente ocorre na ansiedade não tratada no TEPT, no TAS e na FE, que se correlaciona muito bem com os estudos de tratamento existentes que indi cam uma normalização do fluxo sanguíneo na recuperação. Estudos das alterações metabólicas no cérebro em pacientes com transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) e fobias específicas tratadas com * * N. de R.T.: BOLD: blood oxigen imaging. TCC ou com inibidores seletivos de recaptação de serotonina (ISRS) tam bém produzem resultados bastante consistentes. Os caminhos neurais se alteram similarmente com a resposta bem-sucedida a cada tratamento. No TOC, a hiperatividade do caudado direito ocorre com provocação de sintoma ou quando a imagem ocorre no estado não tratado. Em pacien tes tratados de forma bem-sucedida com exposição e prevenção da res posta ou ISRS, o caudado direito e o fluxo sanguíneo talâmico diminuem naqueles que respondem ao tratamento (Baxter et al., 1992; Schwartz, Stossel, Baxter, Martin e Phelps, 1996). Na verdade, a percentagem que normaliza o metabolismo do córtex orbitofrontal prevê a resposta tanto à exposição quanto à prevenção e à medicação (Brody et al., 1998). No TAS, a amígdala e a ativação do hipocampo em um mapeamento por PET ocorrem com a provocação do sintoma, e este hipermetabolismo ter mina depois do tratamento com ISRS ou TCC (Furmark et al., 2002). Um uso interessante da RMf foi realizado na avaliação da função cerebral em pacientes fóbicos (Paquette et al., 2003). Quando o cérebro de um paciente com fobia foi exposto a um sinal temido, um estímulo discreto ocorreu com uma reação cerebral mensurável. A ativação ocorre no córtex pré-frontal dorsolateral direito e no para-hipocampo quando o sinal é apresentado antes do tratamento, e essa ativação desaparece após o tratamento bem-sucedido. Depressão maior Além dos estudos de SPECT, PET e RMf, há alguns estudos que indi cam que vários outros marcadores biológicos se alteram nos pacientes depri midos que se recuperam após tratamento com TCC comparados a pacientes que não respondem ao tratamento. Esses estudos aumentam nossa confiança de que os pacientes que recebem psicoterapia foram submetidos a um proce dimento que altera os processos biológicos que ocorrem na depressão maior. Thase e colaboradores (Thase, Fasiczka, Berman, Simons e Reynolds, 1994) observaram que os pacientes com depressão que tiveram uma recuperação bem-sucedida com a TCC apresentaram uma renormalização da densidade do sono REM paralela à alteração em pacientes tratados com medicamentos. Joffe, Segal e Singer (1996) concluíram que o hormônio de estimulação da tiroide diminuiu depois que os pacientes com depressão responderam à TCC, mas aumentou nos pacientes que não responderam. A neuroimagem básica na depressão mostra alguns achados bas tante consistentes. Os pacientes que são deprimidos tiveram uma ativi 30 DonnaM.Sudak Combinando terapia cognitivo-comportamental e medicamentos 31 dade reduzida nos mapeamentos por PET e SPECT no córtex pré-frontal dorsolateral. Essas alterações estão correlacionadas à severidade dos sin tomas (Sackheim, 2001). Após tratamento* os resultados do mapeamen to foram mais variáveis. As explicações deste fenômeno incluem a varia bilidade da amostra e do tamanho, a falta de dados quantitativos e a di versidade dos padrões dos sintomas na depressão (Linden, 2006; Sa ckheim, 2001). Na verdade, também não temos certeza sobre o que re presentam as alterações na atividade cerebral em pacientes deprimidos em recuperação - elas podem indicar uma predisposição à depressão fu tura no estado recuperado, ou podem representar o resultado da melho ra de um transtorno de humor. Dois estudos de pacientes deprimidos tratados com medicamentos ou psicoterapia (Brody et al, 2001; Martin, Martin, Rai, Richardson e Royall, 2001) mostraram que a hipoperfusão pré-frontal em repouso foi renormalizada depois da remissão da depressão com paroxetina e TCC (Brody et al., 2001) e com venlafaxina e terapia interpessoal (TIP) (Mar tin et al., 2001). Entretanto, houve diferenças importantes entre estes estudos, com um grupo indicando um aumento na atividade ganglionar basal (Brody et al., 2001) e o outro grupo indicando uma redução nesta atividade após tratamento bem-sucedido (Martin et al., 2001). A severi dade da depressão nos grupos foi diferente, o que pode ser uma razão responsável pelas diferenças; além disso, medicamentos diferentes foram utilizados e formas diferentes de psicoterapia empregadas. Esses resulta dos inconsistentes podem ser também uma indicação de que estamos nos estágios iniciais de sermos capazes de reconhecer que os padrões exis tem e o que eles significam. Goldapple e colaboradores (2004) também descobriram que a res posta ao tratamento farmacológico e à TCC teve padrões perceptíveis e diferentes de alteração regional - um estudo pequeno de 17 pacientes que responderam à farmacoterapia com paroxetina apresentou aumen tos no metabolismo no córtex pré-frontal dorsolateral esquerdo e redu ção no metabolismo no hipocampo, enquanto pacientes não medicados que responderam à TCC tiveram um padrão oposto (Goldapple et al., 2004). E interessante notar que seis dos pacientes deste estudo estavam isentos de substâncias por ocasião do mapeamento. Este padrão condu ziu à proposta da teoria t o p - d o w n , b o t - ou seja, que as alterações do tronco cerebral e talâmicas ocorrem com medicamentos, e as altera ções corticais ocorrem com TCC, cada uma remediando de maneira sin gular os déficits que ocorrem na depressão. A importância disso em rela ção ao tratamento combinado é que pode haver subgrupos específicos de pacientes que respondem melhor a uma única abordagem ou que reque rem os dois tipos de tratamento para manter uma remissão. Kennedy e colaboradores (2007) apresentaram ainda um conjunto diferente de achados em um estudo aleatório da venlafaxina e da TCC. Os dois gru pos de pacientes tiveram uma redução no metabolismo no córtex pré- frontal dorsolateral, mas efeitos diferentes naqueles que responderam à medicação ou à TCC nos gânglios basais e no córtex cingulado. Frewen, Dozois e Lanius (2008) estudaram a literatura existente sobre neuroimagem em psicoterapia com o objetivo de vincular a intera ção psicoterapêutica e o mecanismo de mudança a correlatos neurais es pecíficos. Por exemplo, eles vinculam a função do treinamento de habili dades da TCC e da TIP que é destinado a melhorar o enfrentamento, a resolução de problemas e o funcionamento interpessoal a um funciona mento melhorado do córtex pré-frontal dorsolateral, um mediador im portante da memória de trabalho e do funcionamento cognitivo. Suge rem que, como foram identificados determinados caminhos neurais que podem impactar nos transtornos do humor e de ansiedade, a neuroima gem pode ser uma ferramenta investigativa empregada de um modo di recionado à hipótese para nos proporcionar mais informações sobre de que maneira a terapia e os medicamentos alteram a função em determi nados caminhos. Esta revisão observa que, apesar da tendência positiva no delineamento das alterações cerebrais produzidas pela terapia, a limi tação de tamanhos muito pequenos de amostras é clara, e a inclusão de grupos controle não psiquiátricos e de lista de espera precisa ser realiza da para remover quaisquer alterações da neuroimagem produzidas pelos efeitos terapêuticos não específicos do relacionamento no tratamento. Além disso, a correlação da regulação da emoção e da neuroimagem em relação à mudança positiva produzida pelo tratamento de transtornos psiquiátricos poderia ocorrer por outros mecanismos e caminhos neurais, como foi postulado por Taylor e liberzon (2007). Outros sistemas psico- terapêuticos efetivos podem impactar nos diferentes circuitos neurais parainduzir a mudança. Dichter e colaboradores (2009), por exemplo, usaram a RMf para estudar um grupo de pacientes com depressão maior tratados com ativação comportamental comparado a controles normais. Houve melhorias significativas no pós-tratamento dos pacientes em rela ção à resposta aprimorada nos centros de recompensa no cérebro, parti cularmente na antecipação das recompensas. 32 Dorma M.Sudak Direcionamentos futuros Como os transtornos psiquiátricos não são doenças que se origi nam de um único gene, de anormalidade neuroclínica ou da localização no cérebro (Mayberg, 2006), é possível postular que diferentes modos de tratamento podem alterar diferentes partes do cérebro. À medida que nos tomamos mais sofisticados no entendimento de como determinadas doenças afetam o neurocircuito e como determinadas formas de trata mento impactam nas respostas anormais que ocorrem quando alguém está doente, seremos mais eficazes produzindo combinações de trata mento que sejam eficazes e econômicas. É muito importante manter em mente que estamos no estágio inicial do entendimento do significado das informações colhidas destes mapeamentos. A medida que progredirmos mais, padrões mais consistentes irão emergir e nos guiar para um melhor entendimento da psicopatologia e para um uso mais consistente e efi ciente dos tratamentos disponíveis. Um conjunto interessante de estudos recentes realizados por Har- ner, O’Sullivan e colaboradores (2009) nos proporciona sinais dos efeitos psicológicos da administração de antidepressivos em pacientes aguda mente deprimidos versus pacientes não deprimidos. Um estudo (Harner, Goodwin e Cowen, 2009) demonstrou que uma dose única de antide- pressivo melhora o reconhecimento de informações positivas sobre as in formações sociais (reconhecimento facial) e a memória para as caracte rísticas pessoais positivas em voluntários saudáveis. Sabemos que as mu danças biológicas que ocorrem com os antidepressivos envolvem a pro moção de plasticidade sináptica e de aprendizagem por um aumento na disponibilidade do neurotransmissor na sinapse. Este aumento da dispo nibilidade do neurotransmissor ocorre imediatamente, mas a melhoria não. Harner, Goodwin e Cowen (2009) postulam que a teoria de “regula ção decrescente” dos receptores, segundos mensageiros, e expressão dos genes que ocorre secundariamente à administração de antidepressivo (Frazer e Benmansour, 2002) é menos relevante para a neurogênese e para a alteração na depressão - o que realmente pode ocorrer é a reme- diação precoce de vieses afetivos negativos. Essa alteração pode fazer os pacientes interagirem diferentemente no mundo, e a nova aprendizagem que ocorre altera a estrutura e a função cerebrais. A revisão de Harner, Goodwin e Cowen citam muitos estudos indicando que os antidepressi vos alteram o processamento da emoção sem mudança do humor. Outro estudo publicado pelo grupo de Harner (Harner, O’Sullivan et al., 2009) Combinando terapia cognítivo-comportamenta! e medicamentos 33 mostrou que uma dose de medicamento antidepressivo normalizou três medidas de testagens psicológicas que são anormais em pacientes de pressivos em relação ao placebo - incluindo aumento no reconhecimento de expressões faciais positivas, reação mais rápida a autodescritores po sitivos e memória aumentada para informações positivas. Isso ocorreu sem mudança do humor. Se estudos posteriores confirmarem este efeito, isso poderá explicar o atraso na alteração do humor produzida pelos an- tidepressivos e reforçará as evidências para a teoria cognitiva do trata mento da depressão, segundo a qual a alteração dos vieses no processa mento das informações pode produzir mudanças na emoção e no com portamento que finalmente revertem a depressão. Os dados apresentados neste capítulo geram tanto perguntas quanto respostas. Precisamos ser cautelosos na extrapolação destas in formações preliminares e ser pacientes à medida que a ciência se desen volve. Um conjunto recente de estudos descrevendo uma variação sobre um cromossomo parecia particularmente promissor como um fator de risco para a depressão - duas cópias pareciam conduzir a um risco inde pendente, uma única cópia aumentava o risco quando combinada a situ ações estressantes (Gotlib, Joormann, Minor e Hallmayer, 2008). Infeliz mente, com dados adicionais, descobriu-se que este biomarcador promis sor não é um fator significante (Rísch et al., 2009). Finalmente, os estu dos de neuroimagem que nos ajudam a observar as diferenças entre as respostas do cérebro ao medicamento e à terapia podem nos ajudar a compreender como os tratamentos combinados podem ajudar com cer tos pacientes. Determinados fatores de risco podem exigir que o paciente seja submetido aos dois tratamentos, tais como padrões crônicos de má atribuição que podem ocorrer em pacientes que têm transtornos do Eixo II. Com o tempo, vamos ter alguns estudos para nos guiar no uso de tra tamentos individuais ou múltiplos para ajudar os pacientes. Evidente mente, os achados de neuroimagem na ansiedade parecem mais nítidos do que na depressão - os medicamentos e a terapia parecem ter ações bem mais similares na ansiedade do que na depressão. Isso pode nos aju dar a exemplificar as informações apresentadas nos capítulos seguintes, que abordam de especificamente cada transtorno. 34 Dorma M.Sudak 0objetivo deste capítulo é descrever os problemas comuns que podem ocorrer quando dois profissionais estão prestando tratamento de saúde e apresentar um roteiro para a provisão de cuidado de qualidade integrando uma abordagem da TCC tanto nas sessões de tera pia quanto no manejo farmacológico. Há muitos livros, artigos e revisões que detalham as possibilidades e os perigos do tratamento separado, um termo usado para descrever o cuidado psiquiátrico em que mais de um provedor é responsável pelo tratamento da doença psiquiátrica (Dowd e Janicak, 2009; Gabbard e Kaye, 2001; Riba e Balon, 1999). Embora as primeiras publicações se refiram ao cuidado proporcionado por um psi quiatra que prescreve medicação e por um terapeuta não psiquiatra que proporciona psicoterapia, atualmente a versão mais comum é aquela composta de um médico que prescreve o medicamento e um terapeuta não psiquiatra. Gabbard (2006) escreveu muito sobre o tratamento sepa rado. O autor descreve resumidamente o processo de comunicação entre os provedores de cuidado. Recomenda que, como um primeiro passo, é necessário se certificar de que o paciente tem conhecimento disso e de que dá o consentimento informado para a comunicação aberta entre os dois provedores de cuidado. Isso é importante para manter a confiança do paciente. Esta comunicação aberta entre todas as partes é também es sencial para o processo do tratamento integrado. Deve ficar claro para o paciente que não há segredos entre os provedores e que o tratamento é um esforço cooperativo em que todos os provedores agem no melhor in teresse do paciente. Gabbard detalha momentos específicos que reque- rem a comunicação direta entre os provedores de cuidado. Estes incluem as emergências, qualquer alteração substancial no plano para a terapia e o término do tratamento (ou contemplação do término). Pode ser preferível rotular o tratamento separado como responsabili dade dual ou tratamento colaborativo, como é chamado por Riba e Balon (1999). Estes termos alternativos descrevem com mais precisão a aborda gem mútua e colaborativa da equipe que incorpora a melhor forma de cui dado. Os profissionais que praticam a TCC estão acostumados a desenvolver uma aliança terapêutica com os pacientes que enfatiza uma responsabilida de compartilhada para as tarefas da terapia e estabelece objetivos para a re solução ativa dos problemas e para o alívio dos sintomas do paciente. Esta postura terapêutica facilita a incorporação de um relacionamento com outro provedor de cuidado que tem os mesmos objetivos de tratamento. O tratamento com responsabilidade dualé uma realidade para mui tos pacientes devido ao acesso a profissionais qualificados, às exigências do planos de saúde ou às prescrições realizadas por um outro médico an tes do encaminhamento à terapia. Por isso, é fundamental que os provedo res de cuidado tenham um entendimento claro das maneiras de evitar as dificuldades que podem surgir quando duas pessoas cuidam de um pacien te e de melhorar o tratamento, sempre que possível, com a integração. 36 DonnaM.Sudak ESTABELECIMENTO DE UM RELACIONAMENTO COLABORATIVO O ideal é que a comunicação entre colegas ocorra antes de os pa cientes entrarem em cena - quando um profissional se estabelece em uma prática, ele deve começar a buscar coprovedores que sejam responsáveis e compatíveis para os quais ele possa encaminhar pacientes para medicação ou para terapia. O tempo despendido na busca dessas fontes para encami nhamento, nas entrevistas e no compartilhamento das filosofias de cuida do do paciente economiza um esforço posterior enorme. O momento de encontrar uma fonte para encaminhamento não é quando um paciente suicida e deprimido está no seu consultório necessitando de intervenção urgente. É uma grande vantagem levar um colega para almoçar e estabe lecer um relacionamento para que, quando o encaminhamento urgente de um paciente for necessário, você possa informá-lo com confiança sobre o provedor que você recomendaria e explicar como ele realiza a sua prática. Essa informação pavimenta o caminho para o paciente enxergar o encami- Combinando terapia cognitivo-comportamental e medicamentos 37 nhamento em uma luz mais positiva e, desse modo, fazê-lo ficar mais en tusiasmado e interessado em participar. Se você está na prática privada, provavelmente abordou o “negócio” de estabelecer a atividade consultando vários profissionais - advogados, contadores, seguradoras etc. - para que a sua vida profissional transcorra tranquilamente. O encontro de fontes para encaminhamento excelentes para seus pacientes é um processo similarmente importante. Quando você é novo em uma comunidade, é de grande utilidade criar relações com ou tros colegas para indagar sobre suas experiências com outros profissionais e sobre suas recomendações para fontes para encaminhamento. As organi zações profissionais com frequência podem fornecer listas de profissionais (nos EUA, os ramos distritais da American Psychiatric Association); outras organizações de especialidades (p. ex., a Academy of Cognitive Therapy, www.academyofct.org; a Association of Behavioral and Cognitive Therapy, www.abct.org) podem lhe dar acesso a listas geográficas para encontrar provedores de terapia qualificados e treinados que tenham credenciais es peciais. * Se você tiver a sorte de trabalhar dentro de um centro acadêmico, a supervisão de residentes e estagiários de psicologia pode facilitar o seu encontro com profissionais jovens que estejam estabelecendo novas práti cas privadas. Os recém-formados às vezes serão os profissionais cujo tra balho você conhece por experiência direta, e você também conhecerá a qualidade do seu treinamento. Em outros locais, como centros de saúde mental comunitários, um grupo de profissionais pode trabalhar em parce ria para proverem o cuidado do paciente. Nessa circunstância, os encami nhamentos podem ocorrer de acordo com uma política da agência. Uma combinação desse tipo não deve substituir a mesma colaboração profissio nal que produz o cuidado ideal. Uma abordagem de equipe para os pa cientes pode ocorrer mais facilmente quando os profissionais comparti lham filosofias de tratamento e trabalham juntos com frequência. Quando o cuidado ocorre no mesmo local, pode existir a supervisão dos pares e os grupos de discussão de caso que permitem a troca de informações e a ge ração colaborativa da formulação e do plano de tratamento. A Tabela 3.1 lista importantes questões a serem discutidas com o provedor de cuidado concomitante quando se inicia o cuidado colabora- tivo. Essas questões serão aprofundadas no texto que se segue. * N* de R*T+: No Brasil, c possível localizar terapeutas pelo site da Federação Brasileira de Terapias Cognitivas (FBTC): www*fbtc+org,bn http://www.academyofct.org http://www.abct.org 38 DonnaM.Sudak Filosofia do cuidado do paciente e modelos explanatórios para os transtornos psiquiátricos Dois itens fundamentais no manejo do tratamento com responsa bilidade dual são a comunicação e o respeito. Uma boa maneira de co meçar a desenvolver um relacionamento respeitoso é aprender sobre o modelo para o cuidado do paciente praticado por seu coprovedor. Uma vez determinadas as possíveis fontes de encaminhamento, o próximo passo é combinar um encontro face a face ou uma conversa telefônica para discutir a possibilidade de trabalharem juntos. O objetivo dessa conversa é entender a filosofia de tratamento um do outro e os detalhes da prestação de serviço dentro de cada prática. E preciso saber se o ou tro provedor tem um modelo radicalmente diferente sobre o que ajuda para a recuperação do paciente. Essa informação é essencial à decisão de compartilhar a responsabilidade pelos pacientes. As vezes, os profissio nais empregam métodos não ortodoxos, sem evidência clara sobre sua eficácia, e que podem ser contraindicados tendo-se por base os padrões de cuidado atualmente aceitos (isto é, o uso de formas de terapia com alta geração de emoção com pacientes psicóticos, ou a prescrição rotinei ra não ortodoxa de substâncias ainda não licenciadas para os pacientes). Também é possível que seu coprovedor tenha idéias sobre manter rela cionamentos pessoais com os pacientes que sejam inaceitáveis para você. Os profissionais podem também aceitar métodos não ortodoxos para re ceber pagamento (p. ex., permuta) que não estejam de acordo com seus valores ou com os padrões éticos da sua profissão, o que tornaria o rela cionamento “inadequado”. Essas são questões importantes a serem in vestigadas ao estabelecer este relacionamento. A conversa introdutória inicial também é um bom momento para discutir vieses específicos sobre o cuidado e o manejo do paciente. Por exemplo, os terapeutas podem encontrar médicos que saibam muito pou co sobre a terapia cognitivo-comportamental e que façam comentários com os pacientes que possam interferir no tratamento oferecido (isto é, “Esta coisa de ‘pensar positivo’ significa simplesmente tratar os sintomas do problema - não significa chegar à sua causa real”). Os médicos po dem também identificar atitudes do terapeuta que sejam problemáticas (isto é, “É claro que ele mudou seu medicamento; é isso que acontece quando os médicos não sabem mais o que fazer”). Estas são diferenças que precisam ser resolvidas para se proporcionar uma direção consisten te e confiável para o paciente. A abertura para outros pontos de vista e a dedicação à provisão do melhor cuidado possível são traços inestimáveis em seu coprovedor. Sem uma reunião para discutir estes pontos básicos, você pode fazer suposições incorretas - por exemplo, que a pessoa com quem você está trabalhando sabe como fazer um diagnóstico, proporcio nar um tipo particular de terapia ou empregar medicamentos específicas - que não são verdadeiras. Combinando terapia cognítivo-comportamenta! e medicamentos 39 Treinamento e experiência anteriores Uma discussão trivial do treinamento e da experiência é uma boa ma neira de começar a ter informações sobre alguém com quem você vai com partilhar as responsabilidades do cuidado de um paciente. Normalmente, dis ponibilizo essas informações sobre mim mesma como uma maneira de abrir caminho para a conversa. Parte do meu planejamento é determinar se eu me sinto confortável em compartilhar a responsabilidade pelos pacientes com este provedor. Em alguns Estados norte-americanos, os terapeutas podem ser licenciados obtendo apenas uma licença para o exercício da sua atividade e têm pouco treinamento formal sobre tratamentos padrão. Preciso manter o respeito,mas indagar se o indivíduo está credenciado e por quais entidades. Independentemente da questão de qual pessoa detém a responsabilidade le gal fundamental quando se compartilha a responsabilidade por um paciente, os provedores assumem um risco substancial no cuidado de um paciente ao qual está sendo oferecido um tratamento cujo funcionamento não é conheci do, ou por alguém que não está adequadamente treinado para ajudá-lo. Se não se respeitar ou confiar nas intervenções feitas por seu coprovedor, a tera pia está fadada a falhar. O respeito deve ser desenvolvido com o tempo no relacionamento, quando os dois provedores de cuidado desenvolvem um en tendimento mútuo das potencialidades, do conhecimento e da competência clínica um do outro. Finalmente, a maneira como seu potencial coprovedor se comporta em relação a você é uma boa indicação de como ele conduz os relacionamentos com os pacientes. Qualidades pessoais como cordialidade, responsabilidade e humor podem ser avaliadas em um breve encontro. Se in dicaria esse profissional a amigos pessoais, sei que será adequado. 40 DonnaM.Sudak Frequência típica de contato com o paciente Depois de discutir com seu colega a filosofia do cuidado, o treina mento e a experiência, e determinar que este é um relacionamento que provavelmente funcionará bem, o próximo passo é acompanhar a expe riência de um paciente que é encaminhado a ele. É importante que essas preocupações práticas sejam discutidas com o paciente. Quantas sessões de avaliação irão acontecer? Com que frequência os pacientes são geral mente vistos depois das sessões iniciais de avaliação e qual será a dura ção das sessões? Durante quanto tempo um paciente é em geral tratado de um determinado problema? Qual é o tempo típico transcorrido entre o telefonema de um paciente e sua primeira consulta? Um item específico a ser enfatizado para o paciente no momento do encaminhamento é que cada provedor precisará realizar uma avaliação inde pendente, explicando a justificativa para este procedimento. Com frequência, a necessidade de ser reavaliado é vista como uma duplicação do esforço e um desperdício de tempo e dinheiro por parte do paciente. Na verdade, duas avaliações são necessárias e importantes - cada provedor tem uma lente dife rente através da qual ele filtra a informação. O melhor tratamento resulta quando cada provedor conhece a história diretamente do paciente. Para evi tar mal-entendidos, os pacientes também devem ser informados de que, pelo simples fato de eles terem uma avaliação para o uso de medicamentos, isso não significa necessariamente que eles serão prescritos. Custo do tratamento Embora o custo atual de uma sessão possa ou não ser algo que você discuta com seu colega - alguns clínicos preferem que o paciente o faça diretamente - há aspectos importantes de como as questões finan ceiras são tratadas que seu paciente pode querer saber. Como as ques tões de cobrança e de plano de saúde são tratadas? O provedor aceita algum plano de saúde? Ele pertence a algum painel de cuidado adminis trado? Há uma escala móvel disponível? Combinando terapia cognítivo-comportamenta! e medicamentos 41 Provisão de cuidado hospitalar Quando você e um colega estão compartilhando a responsabilida de por um paciente que tem uma doença mental severa, existe a possibi lidade de o paciente poder requerer hospitalização em algum momento do seu trabalho conjunto. Nem todo o psiquiatra tem privilégios hospita lares, e nem todo o psiquiatra admite pacientes em um hospital como parte da sua prática. Em muitas comunidades, os psiquiatras encami nham os pacientes para “hospitalistas” ou para instalações universitárias para serem observados. E importante saber como seu coprovedor lida com isso e discutir o assunto previamente com os pacientes propensos a requerer hospitalização. Cobertura durante ausências Você e seu paciente precisam saber como seu coprovedor se orga niza para cobrir a sua prática durante as férias e outras ausências. Um problema frequente no tratamento com responsabilidade dual ocorre quando um dos profissionais supõe que o outro irá proporcionar cober tura para seus pacientes mútuos quando ele estiver fora do consultório. Esta falta de clareza não é apenas uma fonte potencial de ressentimento. Sem um acordo explícito, esta suposição pode ser perigosa - às vezes, o outro provedor não está qualificado para proporcionar essa cobertura. Além disso, se não ocorrerem as devidas “atualizações”, o profissional que está realizando a cobertura pode não ter informações fundamentais sobre o paciente no caso de uma emergência. Comunicação entre os provedores e com o paciente 0 cuidado com responsabilidade dual deve estar em conformidade com um método de comunicação - tanto em relação à frequência (isto é, semanalmente, no momento da avaliação e, no caso de alguma mudança importante, mensalmente) quanto em relação aos meios (isto é, por tele fone, mensagem telefônica, comunicação por e-mail seguro). Essa comu nicação deve ocorrer regularmente, mesmo quando o paciente está está vel. Naturalmente, a frequência da comunicação deve mudar em respos ta à acuidade do paciente. Identificar o método que o outro profissional utiliza para se comunicar com os pacientes entre as sessões ou fora das sessões também é importante. Uma das queixas mais frequentes dos pa cientes é que os profissionais para os quais eles telefonam não retornam suas ligações em tempo hábil. Saber como seu coprovedor realiza isso também ajuda. Os clínicos que deixam mensagens de voz ou por e-mail para o paciente sem sua permissão prévia podem chateá-lo e inadverti- damente romper a confidencialidade. Uma regra fundamental quando você discute estas questões é se colocar na posição do paciente que será encaminhado e determinar a experiência que ele terá ao ser cuidado por seu coprovedor. O exemplo que segue é uma comunicação escrita entre dois provedores que cuidam de uma paciente bipolar. Exemplo de Comunicação Escrita Entre Provedores Caro Dr. Green: Vi Carol esta manhã. Ela implementou o plano comportamental que o se nhor sugeriu em relação aos seus hábitos de sono. Neste momento, está usando o zolpidem duas vezes por semana. Está bem menos irritada e en xerga uma diferença positiva em sua impulsividade. Mantenha-me infor mado se o seu uso do zolpidem aumenta ou se seus hábitos de gastos se alteram. Eu a verei daqui a quatro semanas. 42 Dorma M.Sudak Métodos preferidos para fazer contato em emergências A comunicação é fundamental durante as emergências no cuidado do paciente. É de substancial importância que se tenha um meio confiá vel para entrar em contato com qualquer provedor com quem esteja compartilhando as responsabilidades do cuidado do paciente no caso de ocorrer alguma emergência. Também é importante que os provedores de tratamento atualizem quaisquer alterações nas informações de contato um com o outro, Muitos provedores têm uma preferência sobre a manei ra como querem receber os chamados de emergência. Identifique isso no primeiro encontro. Métodos preferidos para lidar com as emergências no cuidado do paciente Uma das questões mais difíceis que pode surgir no tratamento com responsabilidade dual é quando ocorre uma situação clínica urgente e os dois provedores discordam sobre o que deve ser feito para o paciente. As diferenças clínicas já são suficientemente difíceis de lidar quando não há uma emergência - por exemplo, se o provedor da medicação acha que um benzodiazepínico é justificado para a ansiedade e o psicoterapeuta discorda. Quando um paciente é suicida ou psicótico e há um desacordo sobre o manejo adequado do paciente, o problema torna-se ainda maior. Verificar o que pode acontecer ajuda. Algumas formas de TCC Cp. ex., a Terapia Comportamental Dialética) têm protocolos específicos para lidar com o comportamento suicida que podem diferir da maneira usual como o provedor da medicação lida com a situação (detalhesno Capítulo 10). É extremamente benéfico discutir estas questões no início de qualquer colaboração de tratamento. Quando ocorrem diferenças em uma situa ção clínica urgente, use todas as suas habilidades clínicas para expressar deliberada e cuidadosamente o problema quando você o perceber, e peça ao seu coprovedor para fazer o mesmo. Considere de maneira respeitosa o que está sendo dito. Se não parece haver uma “postura intermediária” com a qual você possa concordar, considere obter uma consulta com ou tro provedor. Finalmente, use uma abordagem conservadora que ofereça maior probabilidade de proteger o paciente quando houver desacordos que não possam ser imediatamente resolvidos. Combinando terapia cognítivo-comportamenta! e medicamentos 43 VANTAGENS DO TRATAMENTO COM RESPONSABILIDADE DUAL Um paciente para o qual eu estava provendo farmacoterapia em um tratamento colaborativo certa vez me disse “Agora eu sei como é ter dois pais consistentes”. Apesar da complexidade envolvida no tratamen to com dois provedores, há algumas vantagens reais na abordagem; quando os pacientes recebem um tratamento verdadeiramente integra do, podem ter um entendimento reforçado da terapia que estão receben do e uma estrutura para reforçar a adesão à medicação de ambos os la dos. O tratamento com responsabilidade dual proporciona uma “rede mais ampla” de apoio para o paciente. A cobertura de férias para um te rapeuta ausente pode ser proporcionada por um farmacoterapeuta que também tenha habilidades como psicoterapeuta, e que seja conhecido e de confiança do paciente. No caso de pacientes extremamente comple xos, isto pode ser bastante útil, particularmente quando a ausência do terapeuta pode causar desestabilização ou se o paciente tem uma crise quando o terapeuta está afastado. Uma vantagem para um profissional que não está provendo psicoterapia é que, quando um terapeuta propor ciona um cuidado concomitante, ele verá o paciente com mais frequên cia e poderá encorajá-lo a relatar efeitos colaterais e informações sobre a eficácia da medicação no decorrer do tempo. Outra vantagem de dois provedores está nos locais de atendimen to nos quais os terapeutas ou residentes e estagiários frequentemente mudam as tarefas e, por isso, têm relacionamentos de relativo curto pra zo com os pacientes. Um relacionamento de cuidado consistente com a outra parte que o está tratando pode proporcionar uma sensação de con tinuidade e segurança que é valiosa para um paciente cujo tratamento é periodicamente interrompido. Os pacientes nesses locais de atendimento são com frequência afligidos com doenças mais graves e crônicas e, por isso, o apoio de um cuidador contínuo e de confiança pode ser vital para ajudá-los a manter uma sensação de ligação com o tratamento quando ocorrerem essas interrupções administrativas. Este relacionamento contí nuo pode também proporcionar um porto seguro em que as reações com tal interrupção do cuidado sejam discutidas. 44 Dorma M. Sudak MODELOS PARA O TRATAMENTO COM RESPONSABILIDADE DUAL Jesse Wright e colaboradores (2006) descreveram um modelo para conceitualizar pacientes que funciona como um projeto para o tratamento colaborativo com TCC e medicamentos. A abordagem é também valiosa para um psiquiatra que proporciona ao mesmo tempo medicação e trata mento psicoterápico. Um conjunto de suposições neste modelo é a suposi ção básica do modelo cognitivo-comportamental dos transtornos emocionais - ou seja, que as perturbações psicológicas são caracterizadas por perturba ções no pensamento, abrangendo a influência das crenças, pensamentos, atitudes e estilo de processamento das informações do paciente. As pertur bações comportamentais, incluindo estratégias de enfrentamento mal-adap- tativas, também influenciam a aprendizagem e a cognição. Essas perturba ções no pensamento influenciam os processos do SNC. O modelo vai além e elabora as influências biológicas que podem operar nos processos do SNC Combinando terapia cognitivo-comportamental e medicamentos 45 (como genética, substâncias e doenças). Também considera os efeitos que os processos interpessoais e socioculturais têm no desenvolvimento e nas cir cunstâncias atuais do paciente. Este modelo para a formulação do paciente leva em conta uma ampla série de influências sobre o desenvolvimento dos sintomas e, além disso, sobre os potenciais caminhos para o seu tratamento. Quando este modelo é compartilhado por dois clínicos que cooperam no cuidado do paciente, uma ferramenta extremamente valiosa é verificar como a integração das abordagens farmacológicas e psicoterapêuticas po dem beneficiar o paciente. Quando ambos os clínicos concordam sobre o que funciona para ajudar os pacientes, eles podem evitar muitas das impor tantes armadilhas do tratamento separado. Os psiquiatras que estão empregando tanto a TCC quanto o uso de medicamentos no mesmo paciente podem integrar aspectos do tratamento medicamentoso na sessão como parte da consulta. A quantidade de tempo gasto se concentrando no manejo farmacológico varia dependendo do pa ciente, do estágio do tratamento e da estabilidade da medicação do pacien te. Quando os pacientes estão começando, mudando ou interrompendo a medicação, a psicoeducação e a monitoração dos sintomas constituirão uma parte mais substancial da consulta. Os problemas que os pacientes desenvol vem além do seu transtorno psiquiátrico podem requerer mudanças na do sagem ou no tipo de medicamento e se tomam parte da pauta da sessão. O uso flexível do tempo disponível pode permitir que isto ocorra facilmente. A integração do tratamento com medicamentos e terapia em um modelo com responsabilidade dual permite a cada provedor a oportuni dade de apresentar uma justificativa compartilhada sobre os benefícios do tratamento para o paciente. Cada provedor pode reforçar o trabalho do outro. Os terapeutas podem proporcionar aos médicos folhetos carac terísticos que usam nas sessões de psicoterapia (como horários de ativi dades ou registros de pensamento) para que eles estejam familiarizados com as ferramentas e as atribuições específicas que o paciente irá empre gar. O ideal é que o médico indague sobre a frequência à terapia, a ade são à tarefa de casa e ao uso por parte do paciente das habilidades da te rapia fora da sessão. O médico pode proporcionar ao terapeuta folhetos sobre as medicações mais comumente prescritas e também informações sobre efeitos colaterais típicos e como lidar com eles. Os terapeutas não médicos com uma base de conhecimento melhor sobre as medicações mais frequentemente usadas para os transtornos psiquiátricos comuns são mais capazes de proporcionar educação ao paciente sobre questões de medicação, reforçar a adesão e facilitar mais a comunicação do pa- ciente com o médico. A estrutura das sessões de TCC é ideal para as visitas de “checagem de medicação” e, se empregadas pelo médico, essas checagens podem reforçar ainda mais o modelo para o tratamento psicoterápico. O es tabelecimento da agenda, a obtenção de feedback do paciente, o emprego de psicoeducação e um reforço adicional para o que é aprendido na sessão com atividades extras são técnicas que podem ser úteis no manejo da medicação e também da terapia. O respeito pelo provedor colaborativo se manifesta quan do você faz ao paciente perguntas que demonstram informação e interesse genuíno sobre os outros aspectos do seu cuidado. As ferramentas usadas para a auto-observação nas sessões de TCC também são úteis para rastrear os efeitos da medicação e os efeitos colate rais. Quando Carol, uma paciente com transtorno bipolar, estava preocupada com os efeitos colaterais do ácido valproico, seu mais recente estabilizador do humor, o psiquiatra que estava trabalhando com ela pediu que empregas se um programa de atividade para registrar qualquer momento de efeitos co laterais e também para monitorar as mudanças positivas que ela apresentava em seu estado de humor. O programade atividade foi um formato que seu terapeuta havia lhe ensinado a usar durante episódios de depressão e pro porcionou a Carol uma perspectiva precisa sobre os efeitos benéficos e nega tivos da nova substância. Detalhes na Tabela 3.2. 46 DonnaM.Sudak Combinando terapia cognitivo-comportamental e medicamentos 47 0 TRATAMENTO INTEGRADO RESOLVE MUITOS PROBLEMAS QUE PODEM OCORRER ENTRE DOIS PROVEDORES DE CUIDADO 0 tratamento realmente integrado pode evitar as frequentes arma dilhas de se ter dois provedores. Um exemplo de um desses problemas é quando os pacientes que estão em TCC para ansiedade são rapidamente medicados por um psiquiatra ou outro médico antes de terem tido a opor tunidade de usar as ferramentas da TCC. 0 processo da terapia pode de morar dias ou semanas para produzir a recuperação dos sintomas e, às ve zes, sabe-se que uma breve exacerbação dos sintomas (p. ex., como duran te o tratamento de exposição) é uma parte do processo. Se um paciente descreve um período de sintomas aumentados e os provedores de cuidado não se comunicam, ou se um deles não entende a justificativa para esse tratamento, os medicmentos podem ser usados prematuramente. Quando o tratamento é integrado, este problema pode ser evitado. O médico en tenderá algo sobre a natureza da intervenção; pode perguntar ao paciente o que ele está trabalhando com o terapeuta para combater a exacerbação dos sintomas; e pode indagar sobre qual tarefa de casa foi designada e realizada. A discussão direta com o terapeuta pode retificar quaisquer mal -entendidos. Tanto o terapeuta quanto o médico precisam discutir a dura ção de tempo em que a terapia será o tratamento de “primeira linha” para os sintomas e concordar mutuamente, em colaboração com o paciente, so bre qual sequência de tratamentos faz sentido. Conceitualizar os proble mas do paciente e avaliar cuidadosamente o grau de incapacidade que um determinado sintoma está causando conduzem à formação de um plano de tratamento lógico. Respeito mútuo e tempo para a comunicação são in gredientes necessários aqui - em muitos tipos de pacientes não haverá res posta “certa”, e o julgamento clínico e a boa comunicação ajudam a equipe a encontrar um equilíbrio flexível do uso da TCC e dos medicamentos que é moldado para as necessidades do paciente. Os pacientes com transtorno bipolar, esquizofrenia e depressão maior severa em geral requerem uma comunicação frequente entre os provedores de cuidado quando os sinto mas se tomam mais severos. O manejo mais agressivo da avaliação e o apoio aumentado do paciente podem ajudar a prevenir eventos adversos. Discussões conjuntas facilitam as decisões sobre qual nível de cuidado é apropriado para o paciente. Os sintomas que representam uma exacerba ção da doença podem ser tratados agressivamente pelos dois profissionais. A descrição que se segue é um exemplo de cuidado colaborativo que ilus tra uma abordagem de equipe à redução dos sintomas. 48 DonnaM.Sudak Carol é uma mulher de 45 anos com um transtorno bipolar de ciclo rápido. Ela já foi hospitalizada várias vezes e já teve problemas severos com mania, embora esteja relativamente estável nos últimos cinco anos, fazendo uso de uma combinação de estabilizadores do humor e medicação ansiolítica. Carol também teve uma história de desenvolvimento de hipo- mania quando não dormia o suficiente - nove horas ou mais - à noite. In felizmente, ela lidava muito mal com o seu sono - com frequência ficava entusiasmada com o filme que estava assistindo ou com o livro que estava lendo e ficava acordada até tarde, o que deixava o seu horário desregula- do e provocava sintomas de mania. O terapeuta e o psiquiatra de Carol enfatizaram conjuntamente a necessidade de ela manter horas de sono re gulares. Eles colaboraram e discutiram com Carol um plano para fazê-la manter um diário de sono e trabalhar na terapia para desenvolver uma melhor rotina na hora de dormir - começando por diminuir suas ativida des às 22h e apagar as luzes às 23h. Carol também concordou que tomaria zolpidem à meia-noite se o plano comportamental não tivesse sido bem -sucedido na indução do sono. Durante um período de meses, trabalhando diligentemente com os dois provedores de cuidado, Carol conseguiu tomar zolpidem apenas uma ou duas vezes por mês e conseguir dormir um nú mero razoável de horas na maioria das noites. PROBLEMAS NO TRATAMENTO COM RESPONSABILIDADE DUAL Um problema frequente no tratamento com responsabilidade dual é quando a razão para o encaminhamento não é clara. Os encaminha mentos a outro profissional podem se dever a muitas razões - esclarecer as preocupações diagnosticas, obter uma segunda opinião, obter uma consulta sobre o plano de tratamento ou prover assistência em uma si tuação clínica particularmente difícil. Certifique-se de que a fonte para encaminhamento e o paciente estejam esclarecidos sobre o objetivo do encaminhamento. Outra situação problemática é quando o paciente que está em tra tamento colabora ti vo crítica o outro provedor em uma sessão com você. Um primeiro passo crítico para abordar esta circunstância é escutar. Ob ter de uma forma não julgadora informações sobre as preocupações do paciente. O paciente pode estar descrevendo uma situação com completa acurácia, pode estar descrevendo suas próprias reações sobre um evento que ocorreu entre ele e o outro provedor, ou pode estar lutando com Combinando terapia cognitivo-comportamental e medicamentos 49 suas próprias dificuldades com padrões interpessoais que interferem em seu relacionamento com o outro provedor. A tarefa seguinte é avaliar a comunicação do paciente e decidir qual é a ação necessária. Esta é uma situação em que o conhecimento sobre o coprovedor e seus valores, os padrões de prática e a filosofia de tratamento são de fundamental impor tância. Por exemplo, um médico que não sabe nada sobre TCD pode rea gir negativamente se o paciente comenta sobre o terapeuta “E ela disse que, se eu tentar me matar, ela não vai mais falar comigo!”. Comunicar interesse na situação e então abordá-la como um problema a ser resolvi do sempre ajuda - as duas coisas fazendo o paciente se esforçar para es clarecer mal-entendidos e impasses terapêuticos, e obtendo mais infor mações sobre a percepção do seu coprovedor sobre a situação. Há raras circunstâncias em que o outro provedor está cuidando do paciente de uma maneira que você acredite ser antiética ou perigosa. Quando isto ocorre, várias medidas são fundamentais. Acima de tudo, você deve fazer as melhores recomendações ao paciente sobre o seu cui dado. Obter consulta quando indicado - particularmente de seu advoga do. Se você recomendar que o paciente deixe de se consultar com o ou tro terapeuta, deve ter alternativas disponíveis e deve reagir à situação com a empatia e a preocupação apropriadas. Caso tenha sido você quem encaminhou o paciente para o provedor, também vai precisar restaurar seu próprio relacionamento com o paciente. Também há ocasiões em que você não concorda com seu coprove dor. Neste caso, é indicada uma discussão franca, respeitosa e aberta. Demonstre interesse em entender o ponto de vista da outra pessoa, as sim como em defender o seu próprio. Esforcem-se para entender a fonte do desacordo e procurem concordar mutuamente com um plano que me lhor irá tratar o paciente. Os desacordos não articulados podem colocar impedimentos importantes ao progresso do paciente e podem destruir o relacionamento que você tem com seu coprovedor. Estes desacordos são particularmente tóxicos quando o paciente está gravemente doente e a ansiedade em relação ao seu paciente é alta. Se os desacordos persisti rem ou comentários negativos forem feitos ao paciente sobre o provedor do outro tratamento, isso poderá ser extremamente destrutivo e prejudi cial à recuperação do paciente. Os pacientes podem ter crenças sobre ter dois provedores que po dem causar problemas no tratamento com responsabilidade dual.Uma boa maneira de corrigir isso é se certificar de como o paciente se sente sobre ser encaminhado para um cuidado adicional e que experiências ou preocupações ele tem sobre ser cuidado por dois profissionais. Um tera peuta não médico que encaminha um paciente para medicação deve ex plorar suas idéias sobre o encaminhamento que podem ser potencial mente problemáticas para a transferência do cuidado. Por exemplo, o paciente pode ter crenças ou pensamentos sobre o encaminhamento que podem interferir na adesão ao medicamento prescrito ou prejudicar um engajamento maior na psicoterapia (p. ex., “Meu terapeuta desistiu de mim”; “Esta terapia não está funcionando”; “Eu sou um fracasso”; “Agora que eu estou tomando medicação, isso deve resolver todos os meus pro blemas”). Os pacientes também podem ter dificuldades devido a crenças particulares que têm sobre medicação psicotrópica, médicos ou psiquia tras (p. ex., “Qualquer um que vai a um psiquiatra é louco”); se estas idéias não forem trazidas à tona e analisadas, o encaminhamento pode ficar comprometido. Comunicar claramente a justificativa para o encami nhamento e conseguir o feedback do paciente pode evitar várias armadi lhas iniciais e a má conexão com o outro provedor. E inquestionavelmen te responsabilidade do terapeuta que encaminha informar e avaliar o processo de pensamento do paciente para facilitar a adesão ao encami nhamento e ao plano de tratamento. O momento do encaminhamento também pode influenciar estes pensamentos. Mesmo quando os pacientes estão trabalhando com um único pro fissional, a decisão de acrescentar ou interromper uma forma de tratamen to pode ter um significado para o paciente que influencie a aliança tera pêutica, a adesão e o resultado. Por exemplo, a aliança terapêutica pode se beneficiar quando o paciente obtém um rápido alívio do sintoma com a farmacoterapia. A essência do bom cuidado é cuidar do paciente como uma pessoa. A combinação do tratamento pode ocorrer após um período de psicoterapia que ajude o paciente a avaliar suficientemente seus pensa mentos sobre a medicação para tomá-la uma alternativa aceitável. A tera pia pode ser acrescentada como uma segunda modalidade depois que o paciente se torna mais estável e capaz de pensar com mais clareza. Os dois métodos podem ser usados no início do tratamento. A terapia pode ser in cluída após o paciente adaptar-se ao medicamento no tratamento continu ado. 0 paciente deve ser informado da justificativa para estes caminhos para a recuperação e conquista dos melhores resultados. Os pacientes também podem ter problemas com os relacionamen tos interpessoais que podem ser desafiadores no tratamento com respon sabilidade dual. Alguns pacientes têm tanta dificuldade para criar um re lacionamento de confiança que ter dois provedores de cuidado não é 50 DonnaM.Sudak possível. As interações interpessoais benignas são consistentemente mal interpretadas por alguns pacientes com transtornos do Eixo II, e estas más interpretações podem conduzir a mal-entendidos entre os provedo res. Estes pacientes podem se engajar em interações negativas com um provedor e esperar ser resgatado pelo outro. Embora não tenhamos uma boa base de dados sobre quais pacientes não conseguem tolerar o trata mento com responsabilidade dual, é lógico que os pacientes altamente paranóicos ou desorganizados podem achar demasiado estressante de senvolver um relacionamento com mais de um provedor. Os terapeutas não médicos devem ter um conhecimento geral das ações, indicações e efeitos colaterais da medicação para evitar proporcio nar informações inadequadas aos pacientes e para avaliar as possíveis razoes para uma reação inadequada ao tratamento. Nos EUA, o mais provável é que um médico da atenção primária realize a prescrição, pois esses profissionais são responsáveis pelo maior número de prescrições de medicamentos psicotrópicos naquele país (Mark, Levit e Buck, 2009). A comunicação com médicos não psiquiatras pode ser um desafio devido às substanciais restrições de tempo nas práticas da atenção primária. E essencial que os terapeutas que estão nesses arranjos com responsabili dade dual estejam bem informados sobre as medicações e encorajem particularmente os pacientes a relatar os efeitos colaterais. Se existe uma não resposta ou uma resposta parcial ao tratamento medicamentoso, a consulta psiquiátrica pode ser útil, mesmo que o manejo continuado do medicamento do paciente permaneça na prática do cuidado primário. O exemplo de caso que segue, de Gene, um paciente com depressão, é uma boa ilustração dos problemas que podem ocorrer quando os terapeutas não estão tão bem informados. Gene, um homem divorciado com dois filhos, cuja ex-esposa tem a custódia primária, esteve em terapia para depressão. Foi-lhe prescrito sertralina por seu médico da atenção primária. Ele estava indo extrema mente bem na terapia e não tinha mais problemas de sono ou pensa mento suicida - problemas que o atormentaram durante muitos meses. Logo após o Natal e o retorno de seus filhos para a casa da mãe, Gene voltou a desenvolver sintomas severos. Sua terapeuta, Dra. White, estava muito preocupada com eles. Ela havia determinado que ele interrompes se a medicação cerca de três semanas antes e não havia dito isso ao seu médico. A Dra. White disse a Gene que tinha certeza de que ele estava sofrendo uma abstinência da substância e que por isso estava tendo esses sintomas. Gene estava realmente assustado. Ele não queria ficar "vicia- Combinando terapia cognitivo-comportamental e medicamentos 51 do” em antidepressivos. Quando, por solicitação da Dra. White, ele voltou a se consultar com seu médico da atenção primária, ficou muito relutante em considerar o reinicio da medicação e não estava convencido de que seus sin tomas realmente representassem um retomo da sua depressão. O caso ilustra de forma clara como a má informação pode ser pre judicial à adesão de um paciente à medicação. Problemas similares po dem ocorrer quando os médicos menosprezam os esforços dos terapeu tas ou comunicam idéias que prejudicam a terapia (p. ex., “você real mente precisa responder à medicação que está tomando para se benefi ciar de qualquer psicoterapia”). A não comunicação dessas preocupações diretamente ao seu coprovedor pode destruir os esforços de tratamento, como indica o exemplo de caso que segue. Irene, lutando contra sintomas de transtorno do pânico, foi consul tar o psiquiatra que havia sido recomendado por seu terapeuta. Ele inda gou sobre a maneira como a terapia estava lidando com seus sintomas. Quando Irene descreveu a exposição interoceptiva que seu terapeuta a recomendou, ele ficou chocado. O psiquiatra disse que nunca havia ouvi do falar de tal intervenção e que estava preocupado de que alguém con siderasse realizar tal tratamento. Irene ficou compreensivelmente pertur bada com isso. Conseguiu realizar alguma exposição a situações temidas fora do consultório do seu terapeuta, mas desistiu da terapia antes de iniciar o tratamento interoceptivo para os ataques de pânico. Uma regra fundamental para o trabalho no tratamento com res ponsabilidade dual é manter uma atitude de respeito em relação ao ou tro profissional e uma abordagem aberta para aprender novas técnicas e métodos que estão fundamentados em evidências. Esses relacionamentos podem estimular o crescimento profissional e ser altamente benéficos ao cuidado do paciente. 52 DonnaM.Sudak Podemos subestimar a ansiedade e a confusão que ocorrem em consequência do recebimento de um novo diagnóstico, particularmente um diagnóstico psiquiátrico. Há uma mudança importante na autopercep- ção quando uma pessoa vai do ‘bem” para o “doente”. As ramificações de ser portador de um transtorno metal severo são substanciais. A ansiedade rela cionada aos eventos futuros (casamento, emprego, criação de filhos e obten ção de plano de saúde) pouco a pouco vai aumentando quando os pacientes começama pensar sobre o que ter uma tal doença pode significar em termos de futuro. Como provedores de cuidado, devemos entender os significados pessoais específicos que os pacientes atribuem a um diagnóstico se quisermos facilitar sua adesão à medicação e à terapia. As melhores práticas no cuidado da saúde mental e física devem ajudar os pacientes a atingir o objetivo de in corporar o conceito de ser uma pessoa que vive bem e tem uma doença espe cífica. O ponto final ideal é ajudar os pacientes não apenas a serem “bons pa cientes”, mas a viverem da melhor forma possível com um determinado transtorno. Como terapeuta, médico ou ambos, um entendimento empático da perspectiva do paciente começa pela normalização das questões e preocu pações iniciais dos pacientes sobre um diagnóstico ou um determinado medi camento. A adesão ao tratamento é facilitada pelo entendimento do signifi cado que o diagnóstico e o tratamento têm para o paciente. Este capítulo destina-se a buscar ferramentas poderosas que a TCC nos proporciona em combinação ao uso de medicamentos para facilitar a adesão. Os princípios deste capítulo podem ser usados no tratamento isolado ou no tratamento com responsabilidade dual. 54 Donna M.Sudak Até que ponto a não adesão ao medicamento é um problema? A maior parte dos clínicos experientes não necessita de um resumo dos dados para convencê-los da natureza disseminada deste problema. Um estudo re cente indicou que entre 50 e 83% dos pacientes interrompem prematura mente o uso de medicamentos antidepressivos ou os utilizam de modo in consistente (Afkens, Nease e KÜnkman, 2008). Na atenção primária, um es tudo mostrou que aproximadamente 40% dos pacientes nunca pedem uma segunda prescrição de antidepressivos (Simon, 1992). Até 50% dos pacien tes que usa profílaxia de líüo para transtorno bipolar não usa o medicamen to de maneira consistente (Scott e Pope, 2002). Os pacientes com esquizo frenia têm um índice de não adesão substancial e bem documentado (Le- compte e Pele, 1996). Como a não adesão está tão disseminada, podemos melhorar os resultados visando-a sistematicamente em todos os pacientes que tratamos para os quais são prescritos medicamentos psicotrópicos. EVIDÊNCIAS QUE APOIAM A COMBINAÇÃO DA TCC COM MEDICAMENTOS PARA MELHORAR A ADESÃO Existem vários estudos que indicam que a TCC empregada para melhorar a adesão ao uso dos medicamentos é extremamente eficaz, tan to na doença médica quanto na psiquiátrica. Além dos estudos destaca dos nos capítulos subsequentes, segue um breve resumo do uso da TCC para a adesão em transtorno bipolar e esquizofrenia, duas doenças bem conhecidas por seus altos índices de não adesão. Transtorno bipolar Os pacientes bipolares têm uma dificuldade considerável para ade rir ao tratamento, com frequência com resultados devastadores. Os pa cientes que não usam os medicamentos como eles são prescritos correm o risco de desenvolver episódios maníacos ou depressivos. Esses episó dios têm riscos físicos inerentes (resultantes do comportamento impulsi vo e do risco de suicídio) e consequências psicossociais desastrosas (isto é, falência, perda de emprego e rompimento de relacionamentos). Os pa cientes não aderentes também correm um risco maior de indução a uma ciclagem rápida, uma forma muito mais maligna da doença. Consequen temente, a adesão é ainda mais fundamental. Cochran (1984) combinou uma intervenção breve (dez semanas), ba seada na TCC, com tratamento medicamentoso para pacientes bipolares com a sua anuência. Os pacientes que receberam a intervenção eram signifi cativamente mais propensos a tomar a medicação de acordo com a prescri ção. Ele apresentaram menos episódios de descontinuação do lítio contra o aconselhamento médico, menos re-hospitalizações e menos episódios da do ença em comparação aos pacientes com o manejo clínico padrão. Todas as psicoterapias consideradas tratamento adjunto eficaz para o transtorno bipolar têm um foco substancial na psicoeducação e na adesão, incluindo a TCC para o transtorno bipolar. A TCC para o trans torno bipolar tem um benefício claro no aumento da adesão e na redu ção de recaídas e re-hospitalização, conforme foi estudado por Lam e co laboradores (Lam, Burbeck, Wright e Pilling, 2009). Combinando terapia cognítivo-comportamenta! e medicamentos 55 Esquizofrenia A adesão na esquizofrenia é fundamentalmente importante para a saúde e para a segurança do paciente. Os sintomas psicóticos são devasta dores para o paciente e para sua família. Esses sintomas podem ter conse quências que ameaçam a vida. Muitos pacientes com psicose têm idéias distorcidas sobre as causas de seus sintomas e a necessidade de medica ção. Eles podem acreditar, por exemplo, que os sintomas são causados pelo demônio ou por alienígenas. As intervenções da TCC têm se mostrado extremamente eficazes na ajuda a pacientes com esquizofrenia para atin girem resultados melhores, consequentes do aumento na adesão. Perris e Skagerlind (1994) conseguiram obter uma melhora na adesão utilizando a TCC com pacientes que estão em lares coletivos. Lecompte (1995), tanto sozinho quanto com colaboradores (Lecompte e Pele, 1996), descobriu que os pacientes esquizofrênicos que tinham sessões concomitantes de TCC para promover a adesão apresentavam um número significativamente menor de hospitalizações. Kemp e colaboradores (Kemp, Hayward, Ap- plewhaite, Everitt e David, 1996) realizaram um estudo controlado rando- mizado de uma intervenção de TCC breve (quatro a seis sessões) baseada na adesão em pacientes internados. Um acompanhamento de 74 desses pacientes tratados dois anos depois da intervenção (Kemp, Kirov, Everitt, Hayward e David, 1998) mostrou que os pacientes tratados apresentavam adesão significativamente maior, melhor função social global e número menor de hospitalizações em comparação aos pacientes não tratados. 56 DonnaM.SucJak CONCEITUALIZAÇAO DAS DIFICULDADES COM A ADESAO Devido aos importantes índices de não adesão em muitos transtor nos psiquiátricos - e também em outras doenças crônicas - é de grande importância para os pacientes que seus cuidadores percebam que tomar a medicação será um desafio. Se conceitualizarmos a dificuldade de um determinado paciente em relação à ingestão de medicação, poderemos lidar melhor com a complexidade das questões subjacentes à não adesão e das intervenções sob medida. Uma ferramenta útil a ser usada na previsão de problemas com a adesão é a consideração dos possíveis obstáculos em um contínuo mul tiaxial do DSM-IV. No Eixo I, o próprio diagnóstico pode produzir proble mas com a adesão - a depressão maior, por exemplo, é caracterizada pela desesperança e essa desesperança pode se ampliar e interferir no engajamento do paciente com o tratamento medicamentoso. O abuso de substâncias comórbido pode fazer os pacientes negligenciarem o uso dos medicamentos porque o abuso interfere na memória e no autocuidado, e pode também produzir interações desfavoráveis de substâncias. Os trans tornos do Eixo II, coexistentes com problemas que requerem medicação, são caracterizados por sistemas de crença que aumentam a probabilida de de os pacientes interpretarem interações e eventos interpessoais posi tivos de maneira idiossincrática e imprecisa. Quando existem estes siste mas de crenças sobre os medicamentos ou os relacionamentos com os médicos, os pacientes estão propensos a produzir problemas com a ade são. O Eixo III - problemas médicos - pode produzir problemas de ade são com o aumento do estresse e da complexidade do regime de medica ção que o paciente deve administrar. Além de usar as ferramentas da TCC para a adesão aos medicamentos psicotrópicos, essas ferramentas também facilitam a adesão ao regime de medicação em pacientes com problemas médicos crônicos (Sensky, 2004). O Eixo IV nos prepara para considerar os fatores de estresse psicossociais. Qualquer dificuldade psi- cossocial pode interferir na adesão - problemasfinanceiros, falta de apoios sociais adequados (ou pior, uma rede de relacionamento que co loca em risco a adesão) e falta de acesso ao tratamento, todos podem constituir-se como problemas. Imagine o obstáculo que é a falta de um lugar para morar para os hábitos de vida que facilitam o uso regular da medicação. Finalmente, o atual nível de funcionamento global do pa ciente, o Eixo y é um indicador de quanto apoio externo pode ser necessá rio para ajudar o paciente a tomar os medicamentos regularmente. Por isso, a estrutura multidimensional proporcionada pelo DSM-IV pode ajudar os clí nicos a organizar o pensamento e solucionar os problemas de adesão. Quando o paciente concorda em tomar a medicação, um bom mé todo a ser usado para descobrir os obstáculos à adesão é planejar com o paciente como será o processo diário de ingestão do medicamento. Faça perguntas sobre como e quando o paciente irá se medicar. Uma discus são mais honesta pode ocorrer se for reconhecido que é difícil para qual quer um tomar os medicamentos todos os dias. A disposição de revelar informações sobre si mesmo pode facilitar o processo, se o clínico se sen tir à vontade para fazê-lo. A maioria de nós já teve a experiência de não seguir os regimes de medicação exatamente como foram prescritos. A re velação dessas informações pode permitir que um paciente seja honesto em relação às suas próprias dificuldades com o uso regular dos medica mentos. É natural que os pacientes fiquem constrangidos por não segui rem com regularidade o regime de medicação, então apresentarão rela tos minimizados de seus lapsos. Uma vez que o problema é abordado, colaborem e discutam. A ingestão regular dos medicamentos é tão im portante para a recuperação que um dos objetivos do tratamento deve ser o trabalho conjunto para encontrar formas de ajudar o paciente a se medicar da maneira mais precisa possível. Beck (2001) classifica os problemas na adesão como práticos, psico lógicos ou uma combinação dos dois. Essa classificação rapidamente per mite que os clínicos busquem na TCC as ferramentas mais bem planejadas para ajudar na solução problema. A avaliação inicial deve considerar a vida cotidiana, com atenção especial às preocupações práticas que podem constituir problemas. Este é um momento em que é preciso ser criativo. Coloque-se no lugar do paciente. Ajude-o a pensar em obstáculos reais que poderíam surgir ao longo do caminho. Os medicamentos psicotrópicos são com frequência necessários durante meses, anos ou toda a vida. Isto signi fica que os obstáculos à adesão geralmente mudam no decorrer do tempo. As discussões sobre a adesão precisam ser contínuas e atualizadas à medi da que a vida do paciente se modifica. Por exemplo, a situação financeira, a cobertura do plano de saúde, as exigências de tempo, as necessidades interpessoais e a situação de saúde do paciente podem mudar - e cada uma dessas variáveis pode produzir preocupações práticas que podem difi cultar mais a ingestão dos medicamentos psicotrópicos. Mulheres que es tejam seguindo um regime de medicação psicotrópica podem desejar ter filhos, com a necessidade de reavaliar as prescrições e rever as opções (de talhes no Capítulo 11). 0 bom tratamento ocorre quando cada provedor Combinando terapia cognitivo-comportamental e medicamentos 57 da equipe continuamente visa aos problemas que o paciente percebe na ingestão dos medicamentos e os soluciona, além de antecipar e minimizar problemas que possam ocorrer no futuro. 58 DonnaM.Sudak TÉCNICAS QUE FACILITAM A ADESÃO À MEDICAÇÃO Medicar-se de maneira precisa é difícil até mesmo por um curto pe ríodo de tempo. Pense em suas próprias experiências com a ingestão de medicamentos. Melhor ainda, se você tem filhos, pense em tentar medicá -los conforme prescrito. É provável que, mesmo quando você pretendia se guir as instruções do médico da melhor forma, não o tenha feito correta mente sempre. Provavelmente, empregou intervenções comportamentais para ajudá-lo a se lembrar de tomar o medicamento prescrito. As interven ções comportamentais podem ser ferramentas extremamente eficazes para ajudar os pacientes a seguir o regime de medicação de maneira regular e correta. Alguma forma de intervenção comportamental quase sempre é necessária para nos ajudar a elaborar novos hábitos, mesmo quando nos sas atitudes e crenças sobre a medicação são positivas. As técnicas com portamentais mais comumente utilizadas para aumentar a adesão estão apresentadas na Tabela 4, seguidas pela descrição de cada uma. Automonitoramento 0 automonitoramento é uma ferramenta incrível para ajudar os pacientes a tomar seus medicamentos de um modo mais efetivo. Uma ta bela que o paciente mantém atualizada a cada dose ingerida pode lem brá-lo de tomar o medicamento e proporcionar um registro da frequên cia em que a adesão foi problemática. Um programa de atividades, pare cido com aqueles usados para a ativação comportamental para a depres são, pode ser usado como um dispositivo de manutenção do registro. Os pacientes podem registrar as vezes em que tomaram seu medicamento e também podem anotar os efeitos benéficos ou negativos que ele causou ao longo do dia. O automonitoramento pode ser unido ao reforço - de pois que o paciente anota que tomou o medicamento, ele pode também mapear os itens que ele escolhe de um “menu” e usá-los para recompen sar um trabalho bem feito. (Detalhes na seção sobre reforço positivo.) Um benefício particular do automonitoramento com um registro da medicação é poder reforçar os benefícios positivos da medicação para o paciente e, por isso, ele não irá observar desproporcionalmente os efeitos colaterais. Com frequência, quando monitoramos os pacientes na ingestão do medicamento, pesamos nossas discussões para identificar e resolver os problemas com os efeitos colaterais, sem um equilíbrio equivalente a ques tioná-los sobre os efeitos benéficos. Essa prática é ainda mais frequente depois que o paciente apresenta uma melhora sintomática inicial. Embora eficaz, ela tem a consequência não intencional de lembrar os pacientes dos efeitos indesejados sem reforçar os benefícios. Muitos pacientes que to mam medicamentos psicotrópicos precisarão continuar tomando-as duran te longos períodos quando estão assintomáticos. Durante esses períodos, é fundamental reforçar o valor positivo da medicação. Outra fonte de refor ço pode ocorrer quando os clínicos lembram os pacientes dos efeitos tera pêuticos dos medicamentos na sessão, como ilustra este exemplo de Carol, a paciente com transtorno bipolar que conhecemos no Capítulo 3. Combinando terapia cognítivo-comportamenta! e medicamentos 59 Clínico: Carol: Clínico: Carol: Clínico: Carol: Clínico: Carol: Gostaria de checar como esteve o seu humor nesta semana. Com altos e baixos, mas nada anormal. Tive alguns problemas no trabalho que realmente me afetaram. Devemos colocar esses problemas em pauta? Sim. É sobre isso que eu gostaria de falar. Acho ótimo. Mas antes de começarmos deixe-me perguntar com que frequência você teve dificuldade para se lembrar de tomar sua medicação. Tive um ótimo desempenho bem esta semana. Esta caixa de comprimidos realmente ajuda. Muito bem. Acho que a medicação realmente tem te ajudado a atingir os objetivos e manter uma quantidade normal de mu dança de humor quando ocorrem situações difíceis na sua vida, sem deixar as coisas saírem do controle. Eu também acho isso. 60 Donna M.Sudak Sistemas de lembretes Os sistemas de lembretes são outra ferramenta poderosa para esti mular o manejo de bons hábitos de medicação. Primeiro, eles ajudam a rotular a adesão à medicação como um hábito - e perguntar aos pacientes o que os ajudou a desenvolver bons hábitos no passado. Depois vocês po dem discutir juntos idéias que possam ser adequadas para aquele paciente em particular. Os sistemas de lembretes podem envolver pouca tecnologia (como um cartão de lembrete no espelho do banheiro ou uma caixade comprimidos marcada com os dias da semana, que o paciente torna a en cher no momento determinado) ou muita tecnologia (como programar alarmes no celular ou no computador que lembrem que está na hora de tomar o medicamento). O mais importante a ser lembrado sobre qualquer sistema de lembrete é que ele só funcionará se for utilizado. Uma caixa de comprimidos não será útil se estiver vazia, e um cartão de três por cinco centímetros não ajudará ninguém se for guardado dentro de uma gaveta e nunca lido, ou se for grudado no espelho e ignorado. Discuta os obstáculos ao uso destes sistemas e identifique os problemas potenciais na sessão. Um obstáculo frequente que os pacientes desenvolvem ao uso des tas ferramentas é a ideia de que eles “não precisariam” usar lembretes. Os pacientes geralmente acreditam que, já que a medicação é “boa para eles”, se eles “realmente querem melhorar”, devem tomá-la sem dificul dade. É fácil esquecermos de que somos humanos. A vergonha é um obs táculo frequente à boa adesão. Os pacientes são relutantes para discutir as dificuldades para tomar os medicamentos porque estão preocupados que os provedores de cuidado os vejam sob uma luz negativa. A vergo nha é mais prevalente em pacientes com altos padrões. Os pacientes que têm vergonha de tomar medicamentos psicotrópicos em particular fre quentemente evitarão o uso de sistemas de lembretes porque não que rem que outras pessoas saibam que eles estão sendo medicados. É neces sário ser criativo no trabalho para encontrar uma solução que se ajuste às necessidades e às circunstâncias de vida do paciente. Um método maravilhoso e comumente utilizado dos sistemas de lem bretes é associar as doses de medicação às atividades rotineiras. Você mes mo provavelmente já usou esta estratégia comportamental. Ela funciona melhor quando a atividade associada é uma que ocorre diariamente, no mesmo horário todos os dias e não está sujeita a variar quando outras roti nas variam - como escovar os dentes, seja de manhã ou na hora de dormir. Essa não é uma boa estratégia quando os pacientes têm rotinas ou hábitos pessoais irregulares. Reforço positivo para tomar o medicamento corretamente 0 reforço positivo ajuda todos a aprenderem hábitos novos. Infe lizmente, muitos pacientes dirão que eles “não merecem” reforço positi vo por fazerem algo que “deveríam” estar fazendo, como tomar o medi camento. É de grande utilidade explicar de forma hábil que o objetivo é chegar a um resultado que beneficie a saúde do paciente de um modo rápido e bem-sucedido e que as recompensas funcionarão. Os pacientes se beneficiam quando sabem que elas são eficazes para recompensar o comportamento que promove a saúde e o bem-estar. Por exemplo, vários estudos recentes mostram que os pacientes perdem peso com muito mais sucesso com a perspectiva de recompensas tangíveis em dinheiro do que se não houvesse nenhuma recompensa (Volpp, John, Troxel, Norton, Fas- sbender e Loewenstein, 2008). Identifique com criatividade junto ao pa ciente pequenas recompensas comportamentais tangíveis (ler o livro fa vorito por 15 minutos, comprar a revista favorita) e recompensas cogni tivas (elogiar-se mentalmente - por exemplo “Você está se comportando muito bem no manejo da sua doença”). Designe ao paciente a tarefa de empregá-las cada vez que ele se medicar de acordo com a prescrição. Combinando terapia cognítivo-comportamenta! e medicamentos 61 Regimes de medicação simples Nenhuma discussão de métodos comportamentais que promovam a adesão deve omitir o comportamento dos médicos que prescrevem o me dicamento. Uma medida muito óbvia que os médicos podem adotar para melhorar a adesão é indicar a prescrição com o regime de dosagem mais simples possível. O número mínimo de medicamentos no menor número de doses funciona melhor. Os médicos também precisam cuidar da aliança terapêutica de uma maneira deliberada e cautelosa, porque a qualidade do relacionamento deles com o paciente tem um impacto substancial na adesão do paciente. Psicoeducação A educação é outro componente importante que facilita bons hábitos na ingestão dos medicamentos. Uma diretriz importante é “adequar” a edu cação ao paciente como pessoa; para um médico, é mais do que explicar a razão para a prescrição e os riscos versus os benefícios de um determinado tratamento. Alguns pacientes necessitam de mais informações do que ou tros e} para alguns, as fontes que eles usam para obter informações podem tornar a adesão mais ou menos provável. A internet, por exemplo, é ao mesmo tempo uma bênção e uma maldição como uma fonte de informa ções sobre questões de saúde. Uma ótima maneira de começar é perguntar aos pacientes o que eles sabem sobre uma determinada doença ou trata mento e sobre a fonte de suas informações sobre o medicamento e o diag nóstico (p. ex., “O que você sabe sobre a depressão? Alguém próximo de você já tomou uma medicação como esta? Como você costuma obter in formações sobre os remédios que toma?”). Esta linha de investigação lhe permitirá conceituar e adequar melhor as informações necessárias para um determinado paciente. A medida que explicar o tratamento disponível, continue a obter feedbacke a incentivar o questionamento. Lembre-se de que é provável que a doença do paciente altere sua capacidade de apren der e de se lembrar, por isso pode ser necessário educá-lo repetidas vezes e em pequenas doses. Quando você já tiver explicado os tratamentos disponíveis, o próxi mo passo é perguntar ao paciente como ele quer proceder. Se recusar a medicação, a tarefa imediata é perguntar ao paciente se ele quer mais in formações ou mais tempo para tomar a decisão. Se a resposta ainda for “não”, as técnicas cognitivas podem ser indicadas (a seção mais adiante examina os prós e contras). É particularmente importante proporcionar apenas a quantidade certa de informações sobre os efeitos colaterais do medicamento. Não é raro que, quando os médicos discutem os efeitos co laterais, não deixem claro como é pouco frequente a ocorrência destes efeitos. Os pacientes ansiosos podem se tomar hipervigilantes para rea ções adversas ou até mesmo se recusar a tomar o medicamento se recebe rem muitas informações sobre resultados negativos. Convém estruturar os efeitos colaterais como um resultado de a medicação ter “efeitos que dese jamos e efeitos que não desejamos” e indicar que o equilíbrio no uso de medicamentos adequados tende bem mais para os efeitos benéficos. Qualquer discussão sobre o tratamento medicamentoso deve ser acompanhada de informações por escrito e de instruções para o padente fa zer anotações e escrever perguntas entre as sessões. O interesse genuíno no ponto de vista e no feedback do padente sobre a sua experiência melhora to dos os aspectos da aliança terapêutica e reforça a ideia de que o terapeuta, o médico e o paciente são uma equipe. As informações por escrito e as repeti das instruções são extremamente importantes, porque a ansiedade, a depres 62 DonnaM.Sudak são e a psicose alteram a capacidade de aprender e de lembrar. Os pacientes que acreditam que sua equipe de cuidado irá considerar seriamente suas pre ocupações e trabalhá-las para resolver os problemas terão uma maior proba bilidade de seguir o regime de medicação conforme prescrito. Combinando terapia cognítivo-comportamenta! e medicamentos 63 TÉCNICAS A SEREM UTILIZADAS QUANDO A ADESÃO À MEDICAÇÃO É UM PROBLEMA As técnicas cognitivas e comportamentais podem ser úteis quando surgirem problemas na administração da medicação. Uma análise com- portamental cuidadosa pode revelar os “pontos de impasse” que interfe rem no hábito de tomar o medicamento. Experimentos comportamentais podem ajudar os pacientes a testar suposições disfuncionais sobre os me dicamentos. As técnicas cognitivas são em geral mais úteis quando as crenças, as atitudes e os pensamentos que o paciente tem são os impedi mentos à adesão. Essas idéias mal-adaptativas são causasmuito comuns de não adesão. Um estudo mostrou que as crenças do paciente sobre me dicação e a etiologia da depressão são razões cruciais da falta de adesão ao tratamento com antidepressivos (Aikens et al., 2008). Beck (2001) classifica as categorias de cogniçÕes interferentes como pensamentos so bre self, pensamentos sobre medicação, pensamentos sobre médicos ou psiquiatras e pensamentos sobre doença mental. Uma lista de técnicas que podem ser úteis aos pacientes que têm problemas com a adesão pode ser encontrada na Tabela 4.2. Estas técnicas são familiares aos tera peutas cognitivo-comportamentais. Estão descritas aqui para ilustrar o uso com os pacientes na conquista de uma boa adesão à medicação. 64 Donna M.Sudak Análise comportamental da dificuldade com a adesão A análise comportamental é uma ferramenta potente que pode ser aplicada a problemas apresentados pelos pacientes em relação à adesão. Essa técnica familiar envolve a obtenção de uma descrição detalhada de pensamentos, emoções e comportamentos que ocorrem na sequência an terior e posterior a um determinado comportamento - neste caso, a não adesão. Esta visão cuidadosa e sequencial de cada um dos antecedentes e de cada uma das consequências da não adesão pode ajudar o clínico e o paciente na identificação de alvos para a intervenção. O exemplo de caso que segue ilustra esse processo. Raquel, uma estudante universitária de 20 anos, tinha dificuldades para se lembrar de tomar seus antidepressivos e também, como resulta do, de obter um alívio consistente dos sintomas. Apresentou vários epi sódios de irrupção de sintomas que interferiram no seu desempenho nas provas. Seu terapeuta, Dr. Black, em suas checagens semanais sobre a medicação, identificou a adesão como um problema. Ele verificou com o psiquiatra do departamento de saúde dos alunos que Rachel tomava uma única dose de um antidepressivo na hora de dormir e que respondia bem quando tomava a medicação regularmente. Raquel consultava-se com o psiquiatra a cada três meses. O terapeuta abordou a questão da adesão à medicação durante o estabelecimento do assunto da terapia, depois de Rachel tê-lo informado de que tivera um mau desempenho em uma pro va, na semana anterior, devido a problemas de concentração e de sono. Dr. Black: Rachel, eu esperava que pudéssemos colocar em pauta o pro blema que você está tendo para tomar o seu remédio regular mente. Sei que você ficou realmente chateada devido ao de sempenho na prova de história, e você disse que estava daro que havia se saído mal porque estava com problemas de con centração e de sono. Rachel: Sabe, fiz tudo errado. Sei que, se eu não tomar os comprimidos, vou ter problemas, mas simplesmente não consigo me lembrar. Dr. Black: Talvez possamos examinar juntos o que os momentos em que você esquece de tomá-los têm em comum. Pode ser? Rachel: E claro. Dr. Black: Quando foi a última vez em que você não tomou seu remédio? Rachel: Esta semana, me esqueci na segunda-feira e na terça-feira. Percebi isso na quarta-feira, quando não estava dormindo bem. Combinando terapia cognitivo-comportamental e medicamentos 65 Dr. Black: Rachel: Dr. Black: Rachel: Dr. Black: Rachel: Dr. Black: Rachel: Dr. Black: Muito bem. Como este foi o momento mais recente, vamos ver passo a passo o que aconteceu. Acho que isso ajudaria. Sei que você toma os comprimidos na hora de dormir, então vamos começar pelo jantar na segunda-feira. Se você tivesse que “co locar um DVD” para mim do que aconteceu desde o jantar, o que eu veria? Você pode descrever isso detalhadamente? E claro. Jantei na casa de Charley (Charley é o namorado de Rachel). Cheguei lá depois que ele saído do trabalho, às oito horas. Nós jantamos e eu estudei enquanto ele lavava a louça. Foi realmente uma noite ótima. Decidimos assistir a um filme depois que eu terminasse minha lição de casa. Então, quando era meia-noite, eu estava com sono e dormi lá. Teria tomado o remédio - pensei nisso - mas não o tinha comigo e não queria ir para casa. Então, simplesmente pulei aquela dose. Isto é raro? Puxa, não. Provavelmente deixo acontecer uma ou duas vezes por semana. Nossa, é muito frequente. Ficar sem tomar seu medicamento uma ou duas vezes por semana pode realmente ser a causa do aparecimento de muitos sintomas. Por acaso você já pensou em algumas maneiras de resolver o problema? Bom, o problema é que eu tenho de tomá-lo na hora de dor mir porque ele me deixa sonolenta. Nunca esqueço de tomar meu anticoncepcional porque posso tomá-lo a qualquer hora do dia e, então, quando volto ao meu apartamento, eu tomo. Mas não consigo fazer isso com os antidepressivos. Faz sentido. Você consegue ver alguma solução para este pro blema? Não sei. Sei que você me disse para deixar alguns comprimi dos na casa do Charley. Pensei nisso. Mas Charley não sabe que eu estou tomando antidepressivos e fico constrangida de mais em lhe dizer. Não sei o que ele diria. Bom, esse dilema em si pode detê-la no caminho. Vamos ver como podemos resolver. Parece que podemos lidar com isso de duas maneiras - uma seria ver se conseguimos descobrir uma maneira de garantir que você tenha o tempo todo o medicamento com você, e outra seria analisar os pensamentos que você tem sobre o que Charley faria se descobrisse sobre a medicação. Qual você acha que é o maior problema para tomar os comprimidos? Rachel: Levá-los para lá. Quando Charley está no meu apartamento, eu os tomo. Eu os guardo em um antigo vidro de vitaminas e resolvo isso assim. Dr. Black: Certo, isso facilita tudo. O que você acha que lhe permitiría ter sempre seus medicamentos disponíveis? Rachel: Colocar alguns comprimidos na minha bolsa? Não acredito que eu não tenha pensado nisso. Dr. Black: Bom, talvez você não tenha percebido que isso era um grande problema - é fácil pensar “tudo bem se eu esquecer de tomar de vez em quando”. Mas cada uma dessas vezes realmente vai se somando. E precisamos ser realmente práticos a respeito disso - o que você carrega com você o tempo todo? Rachel: Isso não é problema - eu sempre levo na minha bolsa as cha ves do meu apartamento e o meu celular. Dr. Black: Então, o que precisamos é que você tenha um recipiente nessa bolsa e um lembrete para encher o recipiente toda semana. Você pode programar isso no seu telefone? Rachel: Isso é bem fácil. Posso fazer. E tenho um vidrinho minúsculo de ibuprofeno que eu guardo comigo e que posso usar. Dr. Black: Certo, então você vai colocar alguns dos seus comprimidos nesse vidrinho e terá um lembrete no seu telefone para verifi car o vidrinho dos comprimidos uma vez por semana. Esse é um plano excelente. Vamos ver como funciona nas próximas duas semanas. Agora podemos falar sobre o que aconteceu na terça-feira - foi o mesmo problema? Dr. Black e Raquel fazem outra análise comportamental dos pro blemas da medicação na terça-feira. Eles identificam que a questão na terça-feira foi que Raquel queria estudar até bem tarde - até as quatro da manhã - e que ela teria ficado sonolenta demais se tomasse o compri mido. Eles trabalharam os prós e contras de ficar acordada versus tomar o medicamento, e Rachel concordou em tentar fazer uma parada às duas horas da manhã para se deitar e poder sempre tomar seu medicamento. Estas vinhetas ilustram o valor de uma análise comportamental detalhada quando a adesão é um problema crônico. O Dr. Black conse guiu identificar muitos obstáculos comportamentais e cognitivos à boa adesão neste momento e empregar várias estratégias cognitivas e com portamentais de uma maneira eficaz e adaptada à paciente. O caso tam bém ilustra o valor substancial de coordenar o cuidado no tratamento 66 Dorma M.Sudak com responsabilidade dual. É bem típico para os pacientes que estão to mando uma dose estável de medicação consultar o médico em intervalos de 6,12 e 24 semanas. Estas visitas pouco frequentes tomam obrigatório para o terapeuta avaliar e resolver os problemas de adesão paraque ocorra o manejo ideal do paciente. Uma observação final sobre esse caso é que é sempre importante o médico pensar na pessoa que está receben do a prescrição e conceitualizar as questões específicas de adesão que esta pessoa pode ter. É provável que uma jovem estudante universitária tenha problemas muito diferentes em relação à adesão se comparada a um paciente idoso com múltiplos problemas médicos. Combinando terapia cognítivo-comportamenta! e medicamentos 67 EXPERIMENTOS COMPORTAMENTAIS PARA TESTARAS CRENÇAS SOBRE MEDICAÇÃO Os experimentos comportamentais são outra ferramenta valiosa que os clínicos podem usar para aumentar a probabilidade de seus pacientes to marem seus medicamentos. Esta técnica pode ajudar o paciente que está an sioso em relação a ser medicado pela primeira vez. Em geral, esses são pa cientes muito preocupados sobre a ocorrência de um efeito colateral que pos sa ser perigoso. A conversa clínica que segue mostra a técnica na prática: Dra. Scott: Alex, parece que percebemos que sua relutância em começar a tomar o antidepressivo se origina da sua preocupação de poder ter um efeito colateral ruim. Alex: Sim, isso é verdade. Já li muito sobre os antidepressivos IS RS tornarem as pessoas agitadas e suicidas. As coisas já andam tão mal para mim. Fico preocupado porque, se eu me sentir ainda pior, vou simplesmente desmoronar. Dra. Scott: Entendo que esse pensamento realmente deixaria você relutante. Já tive bons resultados com pacientes que tinham estas preocupa ções convencendo-os a tomar o comprimido no meu consultório e a permanecer quanto tempo quisessem na sala de espera depois de tomarem o comprimido. Entro e saio da sala de espera duran te o dia todo; portanto, se você sentisse qualquer reação ruim, poderiamos lidar com isso juntos. Você acha que funcionaria? Alex: Bom, acho que eu me sentiría bem menos ansioso. Posso fazer isso nesta sexta-feira, por causa do meu horário. Pode ser? Dra. Scott: Por mim, tudo bem. 68 DonnaM.Sudak Outro grande uso do conceito dos experimentos comportamentais é estruturar a ideia de tomar o medicamento como uma experiência - algo que pode ou não ser útil para o paciente - e especificar um período de tempo após o qual você e o paciente reavaliariam os sintomas e discuti ríam se dariam continuidade ou não à medicação com o médico (ou com você, se o paciente estiver em tratamento com um único provedor), O exemplo que segue ilustra este tipo de experimento comportamental em um paciente atendido por dois provedores. Sra. Green: Jean, parece que você realmente pensa nos medicamentos de um modo bastante negativo e não está muito confiante de que eles serão úteis. Jean: E verdade, realmente não acredito muito neles. Tive aquela experiência ruim quando tinha com vinte e poucos anos e to mei antidepressivos. Quase terminei no hospital com proble mas de pressão arterial. E realmente cheguei à conclusão de que ninguém de fato sabia como estes remédios funcionam. Sra. Green: Bom, essa experiência ficou na sua cabeça. Você já conversou com a Dra. Scott sobre a medicação, como discutimos? Jean: Não, ainda não. Sra. Green: Sabe, nós já realizamos a experiência de como a própria te rapia tem conseguido ajudá-lo com sua depressão. Como você avaliaria isso? Jean: Ainda estou bastante letárgico e, embora a minha ansiedade e o meu sono estejam melhores, ainda não estão ótimos. E eu me sinto como se estivesse trabalhando demais. Sra. Green: Concordo com isso. Eu diria que você tem feito um belo es forço para fazer as coisas sobre as quais conversamos que o ajudariam com seus sintomas. Jean: E verdade. Sra. Green: 0 que você acharia de tentar a combinação da TCC e da me dicação como uma experiência? Se você desenvolver efeitos colaterais que realmente não goste e se não conseguirmos ajudá-lo a lidar com eles, podería conversar com a Dra. Scott e interromper a medicação da maneira que ela sugerir. E se, depois de oito semanas, você concluir que o medicamento não o ajudou, conversamos com a Dra. Scott sobre o que deve acontecer em seguida. Você manterá um registro objeti vo dos seus sintomas para que saibamos com certeza que di ferença a medicação fez, se fizer alguma. Não quero que você se sinta obrigado, mas também não quero perder a oportuni dade de ajudá-lo mais, se for possível. O que você acha? O tipo de relacionamento colaborativo é característico da prática da TCC. A busca contínua por dados objetivos para avaliar os resultados das intervenções é um paradigma para o tipo de trabalho que o paciente fará na terapia. Combinando terapia cognítivo-comportamenta! e medicamentos 69 Investigação dos prós e contras de tomar o medicamento Se um paciente não está disposto a tomar o medicamento, é de grande utilidade desenvolver uma lista de prós e contras a respeito. Cer tifique-se de se manter empático e preservar a aliança terapêutica en quanto explora estas idéias. Este processo funciona melhor quando o pa ciente busca ao máximo os benefícios e avalia cuidadosamente quaisquer efeitos negativos percebidos do medicamento. Lembre-se de que quais quer idéias sobre efeitos negativos da lista dos pacientes devem ser sus tentadas por evidências. Uma exploração dessas idéias com frequência conduz a um entendimento das crenças que interferem na adesão do pa ciente - seja sobre o medicamento, a doença ou as pessoas que tomam medicamentos psicotrópicos. A vinheta que segue ilustra este processo. Gene, um homem de 46 anos com depressão maior, estava muito re lutante em tomar a medicação, apesar de enfrentar insônia severa e anedo- nia. Seu desempenho no trabalho piorou significativamente. Quando discu tiu sua relutância com a Dra. White, sua terapeuta, ela lhe pediu para fazer uma lista dos prós e dos contras de tomar a medicação como uma atividade a ser realizada entre as sessões. Gene retomou com apenas um “contra” na sua lista: “Se eu tomar a medicação, significa que sou uma pessoa fraca”. Identificar esta regra permitiu que eles avaliassem como ela era precisa e ajudou Gene a concordar em experimentar um antidepressivo. Avaliação dos pensamentos que interferem na adesão à medicação Pensamentos mal-adaptativos sobre medicação, doença e médicos são problemas comuns encontrados em pacientes que tomam medica mentos psicotrópicos. Os médicos e os terapeutas podem investigar essas idéias no processo de encaminhamento e avaliação. Perguntas sobre ex periências anteriores com medicação, crenças sobre determinados tipos de medicamentos ou experiências de outras pessoas importantes com de terminadas substâncias podem ser muito úteis para extrair idéias que possam interferir em um bom resultado. Não é raro que pensamentos es pecíficos sobre um determinado tipo de doença ou de medicamento in terferiram na adesão. Exemplos desses pensamentos incluem “os antide- pressivos são viciantes” ou “tomar remédio porque você está ansioso é apenas uma muleta”. Estes pensamentos são com frequência facilmente corrigidos educando o paciente ou pedindo para que ele obtenha evidên cias sobre essas suposições. Idéias mal-adaptativas sobre as medicamen tos psicotrópicos são extremamente comuns e altamente influenciadas pela família e pela cultura. Se você participar de bate-papos na internet sobre qualquer tipo de medicamento, verá como eles são extensos e dis torcidos. Muitas doenças, particuiarmente as doenças psiquiátricas, têm um legado de estigma cultural. Há apenas algumas décadas, um diag nóstico de câncer ou tuberculose era considerado uma vergonha. Minha mãe achava que o câncer era uniformemente fatal e que o processo de remoção do câncer o faria se disseminar por todo o corpo. Concepções equivocadas similares existem hoje a respeito da doença psiquiátrica e dos medicamentos psicotrópicos. Corrigi-las é fundamental para se con seguir uma boa adesão. 70 DonnaM.Sudak Desenvolvimento de novas regras e crenças sobre medicação Beck (2001) apontou que crenças específicas sobreuma doença (como foi referenciado acima) são mais facilmente avaliadas e modifica das do que crenças mais gerais sobre os provedores do cuidado da saúde (como “Os médicos na verdade não sabem o que estão fazendo”) ou en tão sistemas de crença específicos que os pacientes têm sobre si mesmos. Estas crenças mais gerais podem precisar ser submetidas a experiências e coleta de evidências, como no exemplo que segue. Gina era hipervigilante para efeitos adversos dos medicamentos porque acreditava que “Se alguém vai ter um efeito lateral, serei eu” como uma proposição fundamental para sua crença básica de que “Coi sas ruins sempre acontecem comigo”. Esse pensamento foi o primeiro que lhe veio à mente quando ela recebeu uma nova prescrição de antide- pressivos. Ela tomou o primeiro comprimido com uma grande apreen Combinando terapia cognitivo-comportamental e medicamentos 71 são. Durante várias horas, ficou observando seu corpo era busca de ton tura, azia e palpitações. Obviamente, sentiu-se desconfortável e no limite durante todo o tempo. Parou de tomar os comprimidos após uma dose. Na consulta seguinte, ela discutiu sua “experiência ruim” com o medicamento. Seu terapeuta, Dr. Wolfe, questionou-a sobre os pensa mentos que ela tinha sobre tomar os comprimidos e a experiência real que havia tido após tomar o antidepressivo. Gina: Eu simplesmente não consegui relaxar depois de tomá-lo - es tava totalmente certa de que teria uma reação ruim. Isso faria parte da minha má sorte. Dr. Wolfe: Bom, talvez seja possível que você seja uma pessoa que sem pre teve reações ruins à medicação. Mas o que aconteceu com você foi uma reação ao medicamento ou uma reação a como você estava nervosa temendo ter uma reação ruim? Gina: A segunda hipótese, eu acho. Mas, como só tomei o comprimi do uma vez, não tive muita chance de experimentar um efeito colateral ruim. Isso ainda podia ter acontecido. Dr. Wolfe: Bom, isso é possível. Mas talvez pudéssemos analisar juntos a ideia de você sempre ter efeitos colaterais dos medicamentos para verificarmos até que ponto ela é precisa. Gina: Acho que poderiamos. Dr. Wolfe e Gina elaboraram uma tabela listando todos os medica mentos prescritos, os comprimidos vendidos sem receita médica e as vi taminas que Gina conseguisse lembrar de ter tomado durante a sua vida. Do lado direito da tabela, pediu para ela anotar qualquer efeito colateral de que lembrasse. Exceto pela urticária que teve quando tomou penicili na e náusea quando tomou codeína, Gina não conseguiu se lembrar de nenhum efeito colateral significativo das 18 diferentes medicações lista das. Esta informação a ajudou a chegar a uma conclusão diferente sobre qual seria a probabilidade de ter uma reação ruim, e ela conseguiu de tomar as medicações antidepressivas prescritas. Nem toda distorção cognitiva que os pacientes têm sobre os medi camentos é negativa. Crenças positivas e não verdadeiras sobre também podem ser um impedimento à terapia. Por exemplo, os pacientes podem acreditar que a medicação vai resolver todos os seus problemas, ou que eles não precisarão mais se esforçar para mudar os comportamentos pro blemáticos se forem medicados. Essas atitudes geralmente são reforçadas pela propaganda persuasiva de medicamentos psicotrópicos, que explora claramente as idéias mais positivas sobre seu uso. Os pacientes podem ter uma perspectiva distorcida de que a medicação vai também “curar” seu transtorno psiquiátrico, o que raramente acontece. Finalmente, crenças mais globais que os pacientes podem ter sobre as motivações e a confiabilidade de outras pessoas, como aquelas que aparecem nos transtornos do Eixo II, podem necessitar de atenção especial. Idéias como “Não se pode confiar nas pessoas”, “Eu sempre preciso estar na defensiva porque as pessoas podem me magoar” ou “Eu nunca vou conseguir cuidar de mim” vão compreensivelmente interferir na adesão à medicação. Atitudes como essas podem requerer uma abordagem de longo prazo: construir lenta mente um relacionamento de confiança com o paciente e aceitar as mais bem-sucedidas aproximações possíveis da adesão à medicação. 72 Dorma M.Sudak Resolução de problemas e planejamento antecipatório Um bom exemplo de resolução de problemas e planejamento ante cipatório é visto no caso de Rachel, anteriormente descrito. Rachel e seu terapeuta determinaram que ela tinha problemas específicos para tomar sua medicação quando passava a noite fora do seu apartamento. Ela con seguiu identificar o problema, gerar soluções e executar um plano que ti nha uma boa probabilidade de sucesso. Quando a situação de vida de um paciente muda por qualquer razão, a adesão à medicação pode ser afetada. Enfrentar os desafios para tomar o medicamento conforme pres crito de uma maneira prática pode ensinar o paciente a antecipar e a so lucionar problemas para tomar os medicamentos no mundo real. Cartões de enfrentamento A instrutora de esqui mais talentosa que tive certa vez me orientou a escrever as duas coisas mais importantes que eu havia aprendido de pois de uma aula particularmente boa. Disse-me para colocar esse cartão na minha mochila de esqui, levá-lo comigo e lê-lo antes de sair para es quiar novamente. Este é um exemplo excelente de um cartão de enfren tamento em ação. Os cartões de enfrentamento são breves, uma lista de lembretes dos pontos importantes aprendidos nas sessões de terapia. O paciente deve usá-los quando se deparar com situações semelhantes ou com aspectos problemáticos na semana seguinte. Gina e seu terapeuta criaram um cartão de enfrentamento na ses são descrita acima. Ela foi orientada a lê-lo antes de tomar o medica mento ou sempre que se sentisse ansiosa em relação a tomá-lo. Quando penso que “todo efeito colateral ruim sempre acontece co migo” devo lembrar que: * Já tomei 18 tipos diferentes de medicamentos e apenas um pro vocou efeitos colaterais duas vezes. * Insistir na possibilidade de ter um efeito colateral ruim não irá tor ná-lo menos provável e fará com que eu me sinta desconfortável. * Tomei uma dose de antidepressivo e fíquei bem. Combinando terapia cognítivo-comportamenta! e medicamentos 73 Ensaio cognitivo 0 uso da prática mental é uma maravilhosa ferramenta da TCC para ajudar a descobrir obstáculos à boa adesão. Os obstáculos compor- tamentais, cognitivos e interpessoais à adesão à medicação normalmente surgem quando o paciente cria uma imagem de si saindo do consultório com a prescrição, comprando o medicamento, indo para casa com ele, lembrando-se de tomá-lo (ou não) e antecipando os efeitos colaterais, benefícios e reações de outras pessoas à medicação. Isso pode conduzir a uma discussão ativa das barreiras e das soluções, que pode então ser pra ticada na sessão ou como um ensaio cognitivo para tarefa de casa. Integrar as estratégias de tratamento da TCC à administração do medicamento tem efeitos positivos definidos em relação à adesão à me dicação. Os terapeutas e médicos, ou os médicos que utilizam tanto me dicação quanto terapia, podem proceder com confiança nas evidências substanciais de que o uso dos dois métodos faz uma diferença real para o paciente no uso de medicamentos para depressão, esquizofrenia, trans torno bipolar e transtorno do pânico. No tratamento colaborativo, os es forços de ambos os provedores promovem a adesão de forma mais eficaz quando o tratamento é integrado. Cada provedor deve questionar sobre a adesão a outra modalidade de tratamento e determinar atividades fora da sessão que a promovam. Essas atividades reforçam a importância das duas formas de tratamento e aumentam a probabilidade de sucesso. VISÃO GERAL A depressão é um importante problema de saúde pública e uma das principais causas incapacitates nos Estados Unidos, afetando cerca de 15 milhões de adultos norte-americanos (Kessler, Chiu, Dern ier e Walters, 2004). Os pacientes com depressão apresentam níveis mais elevados de enfermidade médica comórbida e sofrem importantesconse quências interpessoais e psicossociais, com profundo impacto adverso em suas vidas. O suicídio é um risco substancial em pacientes deprimi dos. A depressão é extremamente recorrente e com frequência tratada de forma incompleta. O STAR*D (Sequenced Treatment Alternatives to Relieve Depres sion) foi um ensaio clínico destinado a demonstrar a eficácia dos anti- depressivos no “mundo real”. Seus resultados indicaram que, apesar dos avanços nos tratamentos farmacológicos para a depressão, a reali dade da eficácia do tratamento antidepressivo mostra que apenas um terço dos pacientes com depressão apresenta redução dos sintomas após um único estudo com um ISRS (Warden, Rush, Trivedi, Fava e Wisniewski, 2007). Além disso, a probabilidade de remissão se torna menor a cada experiência sucessiva de medicação, e a ausência de res posta representa um aumento no risco de recaída. Os sintomas resi duais, mesmo em pacientes que mantêm uma remissão, são uma carga substancial e desempenham um papel importante no aumento desse risco (Nierenberg et al., 1999). Combinando terapia cognitivo-comportamental e medicamentos 75 Outro problema importante que impacta a eficácia do tratamento em pacientes com depressão é a não adesão à medicação. A não adesão aos antidepressivos é extremamente comum, tanto no cuidado primário quanto no tratamento psiquiátrico. Na atenção primária, 40% dos pa cientes interrompem as medicações nos seis primeiros meses, indepen dentemente de qual antidepressivo tenha sido prescrito (Simon et al., 1999). Esse índice é um pouco melhor no tratamento psiquiátrico. No estudo STAR*D, 28% dos pacientes interromperam o tratamento inicial com citalopram. No grupo não aderente, 92% interromperam a medica ção por razões não médicas, 66% durante a primeira semana de prescri ção. Além disso, quanto mais deprimidos os pacientes estavam, maior o risco de desgaste (Warden, Trivedi, Wisniewski et al., 2007). O tratamento combinado de medicamentos com terapia cognitivo- -comportamental (TCC) pode ser uma opção mais eficaz na depressão, tanto aumentando a porcentagem de pacientes com depressão que man têm uma remissão quanto reduzindo o risco de recorrência. Este capítulo apresenta evidências que justificam a combinação de medicação e TCC. Também discute armadilhas específicas no manejo dos pacientes no tra tamento com responsabilidade dual, incluindo o manejo de pacientes suicidas, o trabalho no tratamento com responsabilidade dual quando o paciente está recebendo farmacoterapia na atenção primária, o aumento a adesão à ativação comportamental no cuidado de ambos os provedores e a administração da combinação de ansiedade e depressão. Uma observação necessária é que este capítulo é uma visão geral do tratamento para depressão unipolar. O uso da TCC combinada à me dicação para a depressão bipolar encontra-se no Capítulo 6. EVIDÊNCIAS PARA SE COMBINAR MEDICAÇÃO E TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL NA DEPRESSÃO A avaliação da pesquisa sobre depressão é dificultada pelas dife renças nos critérios de inclusão dos estudos e da duração do tratamento proporcionado. Um problema adicional é que os estudos variam nas defi nições usadas para a recaída e a recorrência. Até que existam padrões uniformes para a pesquisa, será difícil comparar com precisão os trata mentos. Devido a essa falta de uniformidade, é de grande importância dividir os resultados de pesquisa em evidências para o tratamento com medicação e TCC na depressão aguda, na depressão crônica e na depres são recorrente (p. ex., avaliação da duração da resposta). Os estudos analisados para este capítulo são estudos sobre depressão maior. A disti- mia é outra situação clínica prevalente e difícil de tratai mas não faz parte desta revisão. 76 DonnaM.Sudak Depressão aguda Na depressão aguda, ou seja, nos estudos que avaliam o tratamento inicial proporcionado à depressão, a TCC é tão eficaz quanto o uso de me dicamentos na depressão leve, moderada e severa em experimentos con trolados por placebo (Hollon, Jarret et al., 2005). Esta eficácia é compro vada em muitos estudos bem planejados. É importante notar que muitos estudos, particularmente os iniciais, não consideram ou enumeram o nú mero de episódios anteriores de depressão de seus participantes. Muitos dos estudos iniciais que compararam a TCC, a medicação isoladamente e a combinação de ambos mostraram tendências pequenas e sem importância estatística para a superioridade da combinação de ambos os tratamentos (Hollon, DeRubeis et al., 2005). Os altos índices de res posta para cada tratamento isoladamente tomou estes estudos menores menos capazes de demonstrar uma diferença significativa para a eficácia da combinação dos tratamentos. Para avaliar se a combinação era significa tivamente melhor, vários autores realizaram análises estatísticas, cujos acha dos indicam que a combinação de TCC e medicação é um tratamento signi ficativamente superior para a depressão aguda em comparação ao tratamen to com apenas um dos agentes. Friedman e colaboradores (Friedman, Wri ght, Jarret e Thase, 2006) usaram os dados de 685 pacientes em 5 estudos e concluíram que, para cada 5 pacientes tratados com a combinação de antidepressivos e TCC, 1 paciente a mais respondería. Cuijpers e colabora dores (Cuijpers, van Straten, Hollon e Anderson, 2010) avaliaram 16 estu dos com um total combinado de 852 pacientes e indicaram que a combi nação de medicamentos ativos e TCC foi superior à combinação de place bo e TCC, com um número necessário para tratar de 7,14. Um estudo em larga escala que indicou uma maior eficácia da combinação de TCC e medicação foi o estudo de Keller et al. (2000) comparando o CBASP * uma forma de TCC, a nefazodona e a combina ção de ambos. Este estudo envolveu pacientes suficientes para que exis * N. de R.T: Cognitive Behavioural Analysis System of Psychotcrapy Em português, SPACC (Sis tema de Psicoterapia da Análise Cognitivo-Comportamental). Combinando terapia cognitivo-comportamental e medicamentos 77 tisse um potencial estatístico capaz de mostrar as diferenças entre os grupos. Além disso, envolveu pacientes difíceis e cronicamente deprimi dos que tinham uma probabilidade muito menor de responderem facil mente a qualquer tratamento. Uma conclusão importante desse estudo foi a descoberta de que os pacientes tinham sintomas característicos e/ ou histórico psicos social que previam uma resposta a um determinado tratamento em relação a outro. Por exemplo, os pacientes que tinham in sônia eram menos propensos a apresentar bons resultados se estivessem no grupo que não recebeu medicamentos junto à psicoterapia em com paração ao grupo que recebeu apenas psicoterapia (Thase et al., 2002). A ansiedade foi outro sintoma que antecipou a necessidade de combinar medicação e psicoterapia em comparação à psicoterapia apenas (Ninan et al., 2002). Por outro lado, pacientes que sofreram abuso na infância apresentaram melhora mais significativa se o tratamento incluía psicote rapia (Nemeroff et al., 2003). Fournier e colaboradores (2009), analisan do os dados de outro estudo que comparava TCC e medicação em pa cientes moderada a severamente deprimidos, concluíram que a depres são crônica, a idade avançada e um baixo índice de inteligência eram in dicadores de mau resultado em qualquer dos tratamentos, e que o casa mento, o desemprego e os acontecimentos estressantes recentes da vida antecipavam uma resposta melhor à TCC em relação aos antidepressivos. Portanto, pode haver variáveis específicas do paciente para nos ajudar na identificação do curso de ação mais eficaz. Depressão crônica No grupo de pacientes que varia de 15 a 20% que apresenta de pressão crônica, aquela que persiste há mais de dois anos sem remissão, a recuperação é bem menos garantida. A TCC e a medicação combinadas nesses pacientes podem ser extremamente úteis. Vários estudos (Keller et al., 2000; Paykel et al., 1999) indicam que os resultadosdo tratamen to combinado em pacientes que são mais resistentes ao tratamento ou que têm sintomas residuais são superiores aos da medicação ou da TCC isoladamente. Os pacientes com depressão persistente podem desenvol ver crenças sobre a depressão e o futuro baseadas na experiência de vida de terem sintomas não aliviados, prolongados e debilitantes. Esses pa cientes exigem reabilitação e reestruturação cognitiva. Os pacientes com depressão crônica com frequência desenvolvem uma visão de si mesmos como “pessoas deprimidas”. Esta autoimagem requer um trabalho con sistente e contínuo no tratamento para desfazê-la. Os pacientes com de pressão crônica necessitam de orientações específicas em relação a quais comportamentos devem ativar para aumentar uma sensação de prazer e realização. Esses pacientes se beneficiam de uma abordagem metacogni- tiva que os direciona à proteção contra os “hábitos da mente” depresso- gênicos, aos quais facilmente retornarão sem tratamento. Na maior parte dos casos, uma explicação puramente biológica não funciona com pa cientes cuja experiência de vida os ensinou a se enxergar como inefica zes e a limitar suas escolhas sociais e profissionais. Os pacientes com este tipo de depressão frequentemente têm memória limitada sobre os even tos passados devido ao transtorno do humor e precisam ser lembrados de situações anteriores de enfrentamento efetivo e sucesso interpessoal. 78 DonnaM.Sudak Durabilidade: o desafio de lidar com a depressão recorrente A depressão é uma condição incapacitante recorrente. A recorrên cia acontece com tanta frequência que se recomenda aos pacientes com mais de três episódios de depressão em um período de cinco anos o uso de tratamento antidepressívo indefinidamente (Frank et al., 1990). Uma vantagem do uso da TCC para depressão aguda é que parece proporcio nar uma proteção contra a recaída muito mais significativa nos pacientes que a ela respondem se comparada ao tratamento farmacológico - o ín dice de redução aproxima-se de 50% em pacientes remitentes com a TCC (Hollon, Stewart e Strunk, 2006). A TCC continuada, em formatos de grupo e individual, espaçada com intervalos, previne melhor a recaída do que a medicação. Os pacientes também têm recorrência após trata mento com TCC, mas em um índice bem menor - estimado em aproxi madamente 54% dentro de dois anos (Vittengl, Clark, Dunn e Jarrett, 2007). Uma metanálise recente confirmou que a resposta aguda ao tra tamento com TCC indica uma chance de 61% de não recidiva em relação à farmacoterapia (Vittengl et al., 2007). Além destes dados estatísticos indicando a vantagem importante da TCC na condução da depressão persistente, estudos individuais nos proporcionam informações sobre o que podemos fazer na prática para evitar problemas que podem frustrar a recuperação do paciente. Uma razão de o tratamento com antidepressivos não produzir de forma consistente uma recuperação durável da depressão é a não ade Combinando terapia cognitivo-comportamental e medicamentos 79 são. O uso crônico de antidepressivos pode não ser aceitável para muitos pacientes. Uma revisão de estudos controlados randomizados de pacien tes que usam antidepressivos com e sem psicoterapia mostrou que os pa cientes permaneceram no tratamento e tiveram uma recuperação mais substancial quando a terapia foi combinada à medicação; esse fato foi particularmente comprovado em estudos com uma duração de mais de 12 semanas (Pampallona, Bollini, Tibaldi, Kupelnick e Munizza, 2004). Bockting e colaboradores (2008) descobriram que menos da metade de um grupo de pacientes com depressão recorrente usava os antidepressi vos prescritos e apenas 26% deles tomava uma dosagem adequada. En tretanto, mesmo com as doses adequadas de medicação, os pacientes apresentaram um índice de 60% de recaída em dois anos. Esse grupo também estudou pacientes com episódios repetidos de depressão que in terromperam o uso de antidepressivos após uma remissão e depois fize ram oito sessões de duas horas de TCC em grupo. Os pacientes que rece beram TCC apresentaram um índice de recorrência de 8% comparados a 46% do grupo controle. Houve um efeito protetor significativo cinco anos mais tarde, embora os dois grupos tenham tido altos índices de re corrência (75 versus 95%) (Bockting, Spinhoven, Wouters, Koeter e Sche- ne, 2009). Vários estudos com TCC que previnem com sucesso a recor rência aplicam o tratamento sequencial - isto é, a TCC proporcionada após a medicação ter sido inteira ou parcialmente eficaz. Esta sequência permite aos pacientes aprenderem a prevenir a recaída com os métodos da TCC em quando não estão aguda ou severamente deprimidos. Um estudo prospectivo de pacientes internados deprimidos mos trou que, embora os pacientes tenham tido uma boa recuperação de cur to prazo, 40% apresentaram recidiva em 15 meses e 67% em 10 anos (Kennedy, Abbot e Paykel, 2003). Os sintomas residuais foram fortes in dicadores de recidiva neste grupo (Paykel et al., 1995). O tratamento após a recuperação foi cuidadosamente monitorado neste estudo, e tanto o autorrelato sobre a adesão quanto os níveis de medicação presentes no sangue indicaram que a não adesão não foi responsável pela recidiva (Ramana et al., 1995). Paykel (2007) revisou sete estudos que avaliaram os efeitos do tra tamento com TCC na recaída e na recorrência de depressão maior após tratamento com antidepressivos. Todos os estudos mostraram um benefí cio estatisticamente significativo da adição da TCC, durando mais tempo após a descontinuação da terapia, independentemente de os pacientes es tarem ou não tomando medicamentos. Estes sete estudos variaram depen dendo do tempo da TCC proporcionada, do tipo de TCC (algumas em gru po e outras individuais), da presença de sintomas residuais nos grupos de pacientes e do histórico anterior da natureza recorrente da depressão. Fava e seu grupo (Fava, Grandi, Zielezny, Canestrari e Morphy, 1994; Fava, Grandi, Zielezny, Rafanelli e Canestrari, 1996; Fava, Rafa- nelli, Grandi, Conti e Belluardo, 1998; Fava et al., 2004) estudaram pa cientes com múltiplos episódios depressivos severos e recorrentes que responderam à medicação, mas não conseguiram manter a remissão quando o tratamento medicamentoso foi interrompido. Ele tratou os pa cientes após a remissão de seus sintomas reduzindo a medicação e atacan do agressivamente os sintomas residuais com TCC. Os pacientes que rece beram o tratamento combinado apresentaram um índice menor de recaída (15 versus 35%) dois anos depois. Um segundo grupo de 40 pacientes foi inscrito, similarmente teve sua medicação interrompida e realizou TCC durante 20 semanas para quaisquer sintomas residuais além de “terapia do bem-estar” - uma forma de terapia que visava agressivamente à anedo- nia e à ansiedade. Esse grupo foi comparado a um grupo que recebeu ape nas manejo clínico. O grupo da TCC teve índices menores de recidiva em comparação ao grupo controle após dois anos (25 versus 80%), quatro anos (35 versus 70%) e seis anos (40 versus 90%). Este pequeno estudo indica princípios fundamentais para o tratamento combinado em pacien tes com depressão recorrente, ou seja: sintomas residuais agressivamente visados com psicoterapia e medicamentos, aumento da atividade e amplia ção da extensão das atividades das quais os pacientes participam, uso de exposição gradual à ansiedade residual, e introdução de boas práticas de “higiene psicológica” (Fava et al., 1994; Fava et al., 1996; Fava et al., 1998; Fava et al., 2004). Esses procedimentos podem ajudar os pacientes com depressão recorrente a atingir e manter a remissão. Um estudo recente também aponta para a velocidade da desconti- nuação da medicação como um fator potencial para a recorrência da de pressão maior. A descontinuação rápida está associada a um intervalo muito mais curto na recorrência da depressão (Balde ssarini, Tondo, Ghiani e Lepri, 2010). Os provedores devem gradualmente reduziros antidepressivos para obter o resultado mais favorável. A TCC para a depressão parece influenciar a durabilidade em uma doença altamente recorrente. Em primeiro lugar, a TCC aplicada à fase aguda da depressão é mais durável do que a medicação isoladamente, tanto para a depressão leve a moderada quanto para a depressão severa (Hollon, DeRubeis et al., 2005). Em segundo lugar, uma abordagem se- 80 DonnaM.Sudak Combinando terapia cognitivo-comportamental e medicamentos 81 quenciada em que a TCC é aplicada a sintomas residuais após o trata mento antidepressivo produz uma recuperação mais durável. Quando se realiza TCC com pacientes deprimidos} é fundamental lembrar que a mu dança na crença básica está mais correlacionada aos efeitos duradouros da TCC do que qualquer outro componente (Hollon, Evans e DeRubeis, 1990). Os pacientes que têm estilos cognitivos negativos correm alto ris co de depressão (Alloy et al., 2004). Os pacientes cuja depressão é trata da com farmacoterapia são mais propensos ter recorrência de atitudes disfuncionais quando há indução de humor triste após a recuperação. Tal ocorrência prevê a recidiva anos mais tarde (Segai et al., 2006). Os pa cientes cujos terapeutas atentam a estas atitudes e crenças disfuncionais no início do tratamento têm maior probabilidade de apresentar melhora em seus sintomas e na recuperação prolongada (DeRubeis e Feeley, 1990). Os pacientes que continuam a usar as habilidades de enfrenta- mento da TCC independentemente têm menor probabilidade de apresen tar recaída após o término do tratamento, destacando a importância da prática fora da sessão (isto é, a tarefa de casa) (Strunk, DeRubeis, Chiu e Alvarez, 2007). Como a recidiva é tão comum no tratamento da depres são, os terapeutas devem enfatizar a necessidade de, no futuro, empre gar de maneira consistente as estratégias aprendidas. O tratamento medicamentoso com resultados duráveis, após seu término, pode acontecer porque o paciente tem uma mudança duradou ra em sua experiência no mundo. Recentemente, Tang e colaboradores (2009) mostraram que alguns pacientes que responderam aos antide- pressivos também relataram mudanças substanciais no neuroticismo e na extroversão. Estes traços de personalidade mudaram de uma maneira que permaneceu depois que a medicação foi retirada. Estas mudanças podem significar um efeito protetor em relação à recidiva. Os pacientes que responderam ao tratamento podem ter tido novas experiências no mundo enquanto estavam usando medicamentos que lhes ensinaram no vas habilidades, fizeram rever velhas regras e suposições, proporcionan do uma “proteção” subsequente contra futuros episódios de depressão. ATÉ QUE PONTO OS ANTIDEPRESSIVOS SÃO EFICAZES? Recentemente, vários artigos questionaram a eficácia dos antide- pressivos em relação ao placebo para depressão leve a moderada. Os re sultados de uma metanálise de seis estudos controlados por placebo con- duzidos entre 1980 e 2009 (Fournier et al., 2010) indicaram que os pa cientes que estavam severamente deprimidos tiveram uma probabilidade muito maior para se beneficiar dos antidepressivos do que do placebo (pontuações de 25 ou mais na Escala de Avaliação de Hamilton) quando comparados aos pacientes com depressão leve a moderada. Este estudo teve algumas limitações porque só foram consideradas na análise duas medicações diferentes (imipramina e paroxetina), e alguns estudos com metodologias diferentes foram incluídos. Além disso, na depressão leve a moderada, pode ser razoável considerar um estudo de psicoterapia como o primeiro método de tratamento. Muitos experimentos com substân cias excluem a depressão mais leve dos estudos (Postemak, Zimmerman, Keitner e Miller, 2002), de forma que os pacientes com sintomas mais le ves, que não se beneficiarão dos antidepressivos clinicamente prescritos, estão excluídos do grupo de estudo. Portanto, podemos ter uma percep ção exagerada da eficácia da medicação. O estudo STAR*D certamente confirma que, na prática clínica, os índices de resposta à medicação não se aproximam daqueles encontrados nos estudos de eficácia. Além do estudo de Fournier, Kirsch e colaboradores (2008) anali saram dados submetidos ao FDA sobre a fluoxetina, a venlafaxina, a ne- fazodona e a paroxetina usando tanto informações publicadas quanto não publicadas. Os autores relataram que a severidade inicial está corre lacionada à resposta à medicação (Kirsch et al., 2008). Uma outra análi se mostrou que 31% dos estudos recebidos pelo FDA sobre 12 antide pressivos não foram publicados. Desses estudos que não foram publica dos, apenas três não tiveram resultados negativos ou questionáveis (l\ir- ner, Matthews, Linardatos, Tell e Rosenthal, 2008). Os autores desta re visão afirmam que “a eficácia desta classe de substância é menor do que a que seria reunida de uma análise apenas da literatura publicada”. Além disso, alguns autores observaram que, quando os pacientes tinham episódios numerosos do uso de antidepressivos, tornavam-se me nos propensos a reagir a eles no futuro. Leykín e colaboradores (2007) descobriram que um número mais elevado de exposições prévias do pa ciente ao uso de antidepressivo prognosticava uma resposta menor aos medicamentos, mas não à TCC. Dados os resultados recentes do grupo de Harner (Hamer, O’Sullivan et al., 2009), este grupo não responsivo pode representar um subconjunto de pacientes que não desenvolvem uma mudança inicial na percepção e não observam um alto índice de eventos positivos quando são tratados com antidepressivos. 82 Dorma M.Sudak Combinando terapia cognitivo-comportamental e medicamentos 83 0 que vamos fazer com estes resultados? Em primeiro lugar, a maioria de nós, na prática clínica, tem visto os efeitos significativos e o potencial de salvar vidas que os antidepressivos podem ter em alguns pacientes. Também temos a experiência de tratar pa cientes que extraem pouco ou nenhum benefício de várias experiências com diversos agentes. Inicialmente, podemos atribuir esse fato à não ade são, ou à comorbidade, mas dadas as informações anteriormente apresen tadas, podemos também concluir que, embora os medicamentos antide pressivos sejam de vital importância e possam salvar vidas para pacientes que respondem bem a eles, há limites para a sua eficácia. Além disso, a durabilidade da resposta aos antidepressivos é limitada. Vale a pena men cionar que há também limites para a eficácia da TCC. Se os pacientes não estão respondendo, precisamos considerar ostros tratamentos baseados em evidências para a depressão, como a terapia interpessoal (TI). QUESTÕES ESPECIAIS NO TRATAMENTO COMBINADO PARA A DEPRESSÃO Quando consideramos qual tratamento recomendar para pacientes deprimidos, precisamos também avaliar as características particulares do paciente. As questões seguintes devem ser avaliadas por todos os prove dores de tratamento do paciente: 1. O paciente é suicida? Pacientes com idéias suicidas requerem uma avaliação de risco mais detalhada e a consideração de um ambiente de tratamento mais protegido. 2. Há evidências de que o paciente é bipolar? Lembre-se de que um número substancial de pacientes que apresentam depressão maior tem transtorno bipolar. Esses pacientes requerem trata mento combinado para se obter os melhores resultados. 3. A depressão é recorrente? Se o paciente apresentou mais de um epi sódio discreto de depressão, com manejo farmacológico adequado dos episódios depressivos, a adição de TCC depois que o paciente melhora pode proporcionar uma recuperação mais durável. 4. A depressão é crônica? Pacientes que têm transtornos depressi vos prolongados e não respondem ou só respondem parcialmen te ao tratamento podem precisar receber tanto psicoterapia quanto farmacoterapia para serem tratados e reabilitados. 84 DonnaM.Sudak 5. Qual é a severidade da depressão? Pacientes com depressão leve a moderada podem alcançar melhores resultados quando tratados somentecom TCC. Pacientes com agitação severa, insônia e ane- donia podem requerer tratamento combinado para evitar as con sequências psicossociais e o sofrimento que ocorrem com a doen ça depressiva. Além disso, a presença de psicose justifica a farma- coterapia com antidepressivos e um agente antipsicótico (um an- tipsicótico de segunda geração único ou combinado a antidepres sivos), pois há evidências de que a depressão psicótica responde menos à psicoterapia ou aos antidepressivos isoladamente. 6. Há um transtorno coexistente do Eixo II? A ativação comporta- mental e o tratamento antidepressivo podem ser superiores à TCC isoladamente quando os pacientes têm transtornos do Eixo II e depressão maior secundária e não conseguem manter a TCC por um longo período. Em um estudo amplo sobre depressão severa, os pacientes com transtorno da personalidade comórbi- do responderam melhor à medicação do que à TCC e mantive ram sua resposta à medicação (Fournier, DeRubeis, Shelton, Amsterdam e Hollon, 2008). Em um estudo que compara a ati vação comportamental à TCC e à medicação, um subconjunto de pacientes com não resposta extrema não responderam tão bem à TCC quanto à ativação comportamental (Coffman, Mar- tell, Dimidjian, Gallop e Hollon, 2007). O processo de constru ção de relacionamento em pacientes com transtornos comórbi- dos do Eixo II demora mais tempo e esses pacientes podem ex perimentar a ênfase nos pensamentos automáticos em TCC como invalidantes das lutas reais que ocorrem em suas vidas. Por isso, a TCC “padrão” pode precisar ser prolongada nesses pacientes para a obtenção de resultados bem-sucedidos. Além destas questões mais gerais, os problemas específicos rela cionados ao tratamento com responsabilidade dual de pacientes deprimi dos se beneficiam da observação de alguns aspectos, como: • • • Trabalhar em cuidado colaborativo com os médicos. • Tomar a ativação comportamental mais eficaz. • Enfrentar o desafio de pacientes suicidas. • Lidar com a depressão na presença de ansiedade comórbida. Combinando terapia cognitivo-comportamental e medicamentos 85 Cuidado colaborativo com médicos da atenção primária A vasta maioria dos pacientes diagnosticados e tratados para de pressão é atendida em ambientes de atenção primária. Olfson e Marcus (2009) estudaram a prescrição de antidepressivos em 2005 e identifica ram que essa foi a classe de substância mais comumente prescrita nos Estados Unidos, mas que apenas 19% dos pacientes tratados com estes medicamentos foram vistos por um psiquiatra. Além disso, descobriram que 13% dos pacientes que recebem prescrição de estabilizadores do hu mor e antipsicóticos a recebem de seus médicos. Como tornou-se mais seguro prescrever medicamentos psicotrópicos, os pacientes obtêm essa prescrição de médicos não psiquiatras. Gene, que citamos no Capítulo 3, é um desses pacientes típicos. Gene tem 46 anos e uma história de 20 anos de abuso de álcool. Ele parou de beber há dois anos, depois do seu divórcio. Frequenta as reuniões dos AA regularmente. Quando Gene foi demitido do seu empre go, há seis meses, ficou profundamente deprimido. Iniciou a terapia e fi nalmente aceitou tomar antidepressivos. Seu médico prescreveu-lhe ser- tralina. Gene iniciou a medicação e conseguiu bons resultados, particu larmente em relação ao alívio da insônia e dos pensamentos suicidas. Não retornou ao seu médico para uma consulta de acompanhamento. Gene tem sido muito ambivalente sobre o uso de medicação, mas não discutiu isso na terapia. Muitos dos seus amigos nos AA são muito nega tivos sobre o uso de medicamentos psicotrópicos, embora seu “padrinho” lhe apoie bastante. Gene parou abruptamente de usar a sertralina depois que sua primeira prescrição terminou e desenvolveu sintomas severos, conforme descrito no Capítulo 3. Um estudo recente realizado com pacientes geriátricos deprimidos, nas práticas de atenção primária, aos quais foi proporcionada uma inter venção de quatro meses de TCC na atenção primária, com ou sem anti depressivos, mostrou uma melhora importante dos pacientes com a adi ção da TCC (Serfaty et al., 2009). A prescrição de antidepressivos não alterou o resultado no grupo que melhorou, mas a um quinto dos pa cientes foi prescrita uma dose terapêutica. O tratamento foi realista e não controlado. Estes dados atentam para um problema específico no tratamento médico da depressão: deve-se ter certeza de que o paciente esteja recebendo uma farmacoterapia adequada e de que a não resposta seja levada em consideração quando o paciente é tratado na atenção pri mária. Esses pacientes frequentemente recebem doses subótimas de me- dicação e não recebera uma monitoração precisa para os efeitos colate rais e a resposta ao tratamento. A duração de uma consulta típica não se presta a uma exploração de problemas de adesão. Além disso, o manejo psicofarmacológico da depressão maior tornou-se bem mais complexo. Existem muitas novas medicações, e novas estratégias para o avanço no tratamento têm sido desenvolvidas. No treinamento generalizado, há li mites para a profundidade da experiência em qualquer subespecialidade isolada. Os pacientes mais complexos podem requerer consulta com es pecialista para obter o melhor resultado. Katon e seu grupo (1996) analisaram um programa de tratamento estruturado baseado em manual, prestado por psicólogos em colabora ção com as práticas de atenção primária. O programa incluía de quatro a seis contatos, proporcionando treinamento das habilidades cognitivo- comportamentais para lidar com a depressão e promover a adesão, com binados a sessões de incentivo por telefone. Os pacientes melhoraram significativamente a adesão e a redução dos sintomas. Esta foi uma in tervenção feita no local de atendimento, destinada a integrar psiquiatras e psicólogos em uma prática de atenção primária. Este programa tam bém continha sessões didáticas orientadas por psiquiatras para os médi cos da atenção primária sobre a prescrição de medicação antidepressiva. Apesar da eficácia de programas como estes para proporcionar um melhor manejo da depressão na atenção primária, a disseminação desses programas é limitada. Isto significa que os terapeutas individuais preci sam trabalhar colaborativamente para educar médicos que prescrevem medicação para seus pacientes sobre a importância das intervenções da TCC. Esta colaboração pode melhorar a educação médica básica sobre depressão e medicação, melhorar a comunicação sobre a importância da adesão cuidadosa e proporcionar reforço para engajá-lo nas atividades da terapia. Quando os pacientes recebem informações similares sobre o que é a depressão e como ela é tratada de modo eficaz, tanto no consul tório do seu médico quanto nas visitas ao terapeuta, a recuperação é mais provável. Os pacientes que recebem prescrição de seus médicos re querem um trabalho extra em relação à adesão à medicação na psicote- rapia, pois o tempo é muito limitado nas consultas médicas. Os médicos podem desconhecer o risco da recorrência depressiva associada à des- continuação rápida da medicação antidepressiva, e os terapeutas podem ajudar a disseminar esta informação com um trabalho colaborativo. Um bom conhecimento do funcionamento dos elementos da far- macoterapia adequada para a depressão e um relacionamento com o mé 86 Dorma M.Sudak Combinando terapia cognitivo-comportamental e medicamentos 87 dico do paciente são extremamente importantes quando os pacientes estão restabelecendo a farmacoterapia na atenção primária. Quando médicos experientes em prover farmacoterapia solicitam que seus pacientes resis tentes ao tratamento busquem consulta psiquiátrica, é comum que os pa cientes relutem. 0 custo e o esforço extras, o estigma e, às vezes, a dificul dade de encontrar um psiquiatra que tenha disponibilidade são desestimu- lantes para o paciente deprimido. Quando os pacientes nessa situação ex pressam ambivalência, os terapeutas devem ser proativos eusar as estraté gias da TCC para ajudá-los a obter a ajuda que necessitam. Outro desafio importante no tratamento dos pacientes que rece bem administração de medicamentos é a comunicação com a equipe de atenção primária. Os médicos estão frequentemente sobrecarregados e têm pouco tempo para falar com outros provedores. A paciência e a per sistência devem fazer parte da “caixa de ferramentas” dos terapeutas que buscam o melhor cuidado possível para seus pacientes. Com frequência, marcar um horário com o médico para uma consulta por telefone pode diminuir a frustração e aumentar o sucesso. Tornando a ativação comportamental mais eficaz A ativação comportamental é um componente fundamental da TCC para a depressão, e pode ser um tratamento específico para a depressão maior aguda, com eficácia similar ou superior à da TCC e à dos antidepressi- vos (Dimidjian et al., 2006). A TCC padrão incorpora os princípios funda mentais da ativação comportamental designando experimentos comporta- mentais aos pacientes deprimidos para testar as crenças sobre fadiga e autoe- ficácia e programando atividades prazerosas. Quando a mudança comporta mental produz resultados, a mudança cognitiva é consequência. A ativação comportamental é particularmente importante em pa cientes que têm anedonia proeminente, energia reduzida e inatividade, como é característico na depressão mais severa. A ativação comporta mental é a parte mais importante do tratamento inicial nestes pacientes. Seu objetivo é ajudar os pacientes a romperem o ciclo da inércia e da evitação que perpetua o estado de humor deprimido. Os pacientes com depressão evitam a atividade. Nossos valores culturais frequentemente introduzem nas pessoas a crença de que elas devem “se sentir motiva das” para começar a se engajar na atividade. É claro que isto não é ver dade, e tal crença é mortal na depressão. A ativação comportamental en volve dar início a uma ação de acordo com um planejamento em vez de esperar a instigação da “motivação”. Os terapeutas ajudam o paciente a escolher uma atividade que tem valor para ele, a fragmentá-la em partes componentes e então a guiar o paciente para a conclusão da tarefa, vi sando particularmente aos pensamentos e aos comportamentos que con duzem à evitação da atividade. O processo envolve identificar o nível atual de atividade do paciente, avaliar o que o paciente quer fazer ou não faz mais e desenvolver uma lista de atividades das menos às mais desafiadoras de realizar. A ativação comportamental está relacionada à exposição à atividade. Quando o paciente faz esforços, o terapeuta iden tifica as barreiras existentes ao progresso e as elimina junto ao paciente. O terapeuta e o paciente devem fazer um plano para o paciente iniciar a ação, mesmo quando o paciente tem pensamentos e sentimentos negati vos. Uma explicação das “tendências da ação” dos estados emocionais e da necessidade de ir contra elas pode com frequência ajudar os pacientes a participar mais prontamente da atividade instigante. O paciente com depressão severa requer um terapeuta mais persis tente e flexível, que não abandone o esforço para aumentar a atividade do paciente e reduzir logo a evitação. Os pacientes podem precisar tra balhar na ativação comportamental durante um período de tempo pro longado até a inércia e a anedonia serem derrotadas. A tarefa de casa, incluindo a atribuição e a conclusão das tarefas e a participação em ati vidades prazerosas, é ainda mais fundamental no paciente que não está funcionando tão bem. Este é um momento crucial para explorar as van tagens de dois provedores quando o paciente os tem - cada um deve in dagar sobre as atividades atribuídas em relação ao domínio e ao prazer, à correção, ao estímulo, e reforçar cada esforço realizado pelo paciente. Ter dois provedores aumenta a oportunidade de motivar o paciente para se engajar na atividade evitada. O tratamento bem-sucedido é mais pro vável quando o paciente recebe instruções consistentes e claras sobre a importância dos seus esforços. Um bom exemplo do uso da ativação comportamental é o de Alice, uma paciente que tem obtido uma resposta parcial à medicação a ela prescrita por seu médico de família. Alice é uma mulher de 52 anos, mãe de dois filhos de 32 e 27 anos. Ela se divorciou do pai deles quando os meninos eram ainda bem pequenos e conseguiu criar seus dois filhos sozinha, com muito pouco auxílio. Apesar de suas habilidades no cuidado de seus filhos e na manu tenção da casa, Alice sempre se sentiu um fracasso - incapaz de manter um casamento e o que ela vê como sendo uma vida familiar “normal”. A 88 Dorma M.Sudak Combinando terapia cognitivo-comportamental e medicamentos 89 mãe de Alice era deprimida e Alice desde criança foi responsável pelo cuidado de seus quatro irmãos. Ela teve um casamento tumultuado. Seu marido era alcoolista e verbalmente abusivo, e ela finalmente o deixou porque achava que seus filhos não estavam seguros em casa. Considera -se responsável pela incapacidade de consertar seu casamento. Alice foi deprimida “a vida toda”. Nunca recebeu tratamento porque achava que ir a um psiquiatra ou terapeuta faria dela uma “pessoa fraca". Trabalhou regularmente durante a infância de seus filhos, mas chegava em casa à noite e ia direto se deitar em seu quarto depois de alimentar os meninos. Depois que os meninos terminaram o ensino médio e saíram de casa, a vida de Alice ficou progressivamente mais empobrecida. Ela ainda traba lha na área administrativa, mas não tem interesses recreativos, sentindo -se incapaz de ter “a energia” para qualquer outra coisa. Seu filho mais velho foi recentemente diagnosticado com melanoma e lhe pediu ajuda para cuidar de seus três filhos. Falou que queria que ela “fizesse coisas" com eles e não apenas “ficasse em casa”. Alice está em pânico por ser in capaz de administrar a situação com seu nível atual de energia e acha que não conseguirá ser “divertida”. Pensa que qualquer atividade exige um “esforço demasiado”. Apesar do fato de o sono de Alice ser razoavel mente bom, ela tem um baixo nível de concentração, interesse, motiva ção, energia e divertimento. Sente-se sempre culpada e vazia. Alice queria ser capaz de estar disponível para seus netos e seu fi lho, por isso buscou tratamento. Seu médico de família lhe prescreveu sertralina, que ela tomou durante dez semanas. Ficou surpresa em ver sua concentração melhorar no trabalho. Porém, seu interesse e sua ener gia ainda deixavam a desejar. Por sugestão do seu médico, ela marcou uma consulta com Dr. Peters, um psicólogo. Em sua primeira sessão de terapia, Alice disse que era incapaz de pensar em “qualquer coisa” que conseguisse fazer por prazer. Disse que “tudo o que eu consigo fazer é enfrentar o dia”. Dr. Peter perguntou se ela estaria disposta a ler uma lista de atividades prazerosas na sessão, apenas para ver se alguma delas soava como algo que podería ser diver tido. Alice ficou surpresa por saber da existência de tal lista e ainda mais surpresa por ver como ela era longa. Dr. Peters pediu que escolhesse cin co coisas na lista que lhe parecessem divertidas e que ela pudesse de fato tentar fazer durante a semana. Eles as programaram e fizeram um plane jamento específico para Alice experimentá-las, com alguns lembretes in corporados. O primeiro passo era verificar se fazer estas atividades dei xaria Alice mais ou menos cansada. 90 DonnaM.Sudak Alice voltou na semana seguinte, depois de tentar três das cinco atividades programadas. Jogou paciência, fez palavras-cruzadas no jor nal de domingo e deu uma caminhada. Cada atividade lhe foi agradável e não esgotou sua energia. No entanto, não telefonou para seu filho ca çula e não almoçou como seus colegas de trabalho como havia planeja do. Examinar mais de perto estas duas atividades foi muito útil pois identificou que Alice estava preocupada porque estar com outras pessoas poderia “exigir muito dela”. Ela recebeu uma atribuiçãoespecífica de avaliar sua energia em uma escala de 1 a 10 após cada interação inter pessoal que tivesse na semana seguinte para verificar se isto era verdade. Dr. Peters esperava que Alice aumentasse sua socialização realizando esta experiência comportamental. Alice é um exemplo típico dos pacientes com depressão crônica; ela enfrenta evitando a atividade para lidar com seu estresse e de acordo com as crenças de que a atividade pioraria sua condição. Esta evitação e falta de engajamento confirmam suas crenças sobre seu desamparo e sua deses perança e lhe impõem mais perdas nos domínios social e interpessoal. Os terapeutas devem aumentar a atividade nos pacientes cronicamente depri midos e estimular com persistência o paciente para experimentar mais coi sas, sempre tentando ajustar o tamanho da intervenção à capacidade do paciente. A ativação comportamental é bem mais eficaz quando as sessões incluem escrever os elementos fundamentais da sessão e a atribuição da tarefa de casa - instruções escritas em relação às atividades que devem ocorrer no consultório de cada provedor quando o paciente está no trata mento com responsabilidade dual, para o devido reforço. Os terapeutas podem também precisar ser criativos na prescrição de novas atividades para o paciente. O Pleasant Events Schedule [Programa de Eventos Agra dáveis] (MacPhillamy e Lewinsohn, 1982) é uma ferramenta maravilhosa de se usar na sessão para ajudar o paciente deprimido a se lembrar de ati vidades previamente valorizadas ou a aumentar o repertório de atividades prazerosas. Outro recurso importante é manter jornais e revistas gratuitas, ou assinar algumas publicações para manter no consultório para estimular o interesse em possíveis atividades prazerosas que o paciente pode experi mentar. É importante considerar as limitações econômicas do paciente ao atribuir eventos agradáveis - um bom exercício para a práticar do aumen to do repertório de opções de baixo custo é listar 50 atividades agradáveis, cada uma delas disponíveis por menos de 5 dólares. Cada provedor deve ativamente eliminar os obstáculos à atividade na sessão com o paciente que está em cuidado colaborativo. O que irá interfe rir? É necessário dar atenção persistente à sensação de inércia e de “não es tar com vontade”, que é tão comum em pacientes com depressão severa ou crônica. O trabalho de adesão às tarefas de ativação comportamental pode ser proporcionado nas sessões de farmacoterapia, assim como a adesão à medicação pode ser um foco das sessões de psicoterapia quando existem dois provedores. Os membros da família ou outras pessoas importantes para o paciente podem ser apoios auxiliares para ajudar a incentivar o paciente a ser mais ativo e estimular a eficácia da ativação comportamental. Combinando terapia cognítivo-comportamenta! e medicamentos 91 Pacientes suicidas 0 suicídio é uma preocupação óbvia quando se trata um paciente com depressão maior. O índice de mortalidade do suicídio é estimado em apro ximadamente 10% em pacientes que são afligidos por depressão maior (Wilson, Valliant e Wells, 1999). Além disso, há armadilhas específicas a se rem evitadas quando os pacientes suicidas são atendidos com o tratamento com responsabilidade dual. Estas armadilhas ocorrem quando a comunica ção entre os provedores é deficiente e quando não há acordo em relação a um plano de tratamento consistente e coerente. Os provedores precisam en volver a família e outras pessoas importantes para o paciente e ter um plano claro para um tratamento mais agressivo e protegido quando indicado. Na circunstância ideal, os provedores de cuidado terão de estar em comunicação um com o outro antes que ocorra qualquer crise. Se essa comunicação ainda não ocorreu, e o paciente é um suicida, é fundamental iniciá-la imediatamen te. O tratamento integrado, como foi discutido no Capítulo 3, é extremamen te útil quando os pacientes estão em crise. A comunicação durante crises suicidas no tratamento com responsabilidade dual Os pacientes que desenvolvem pensamentos suicidas exigem uma comunicação frequente e clara entre os provedores de tratamento. Como é provável que o psicoterapeuta tenha um contato mais frequente com o paciente, ele deve estar mais consciente do estado mental do paciente e deve tomar a iniciativa de entrar em contato com o médico. Qualquer novo início de ideação suicida deve desencadear um contato imediato. Os dois provedores devem examinar o plano de tratamento atual, procu rar o que pode estar faltando na conceitualização ou no plano e determi nar se há uma necessidade de mudar o nível de cuidado, as estratégias psicoterapêuticas ou a farmacoterapia. Qualquer informação colateral nova ou fatores de risco novos que surjam devem ser discutidos em con junto. As duas partes devem considerar cuidadosamente até que ponto o paciente é confiável como informante e como parceiro no seguimento dos acordos do tratamento. As duas partes devem examinar juntas as in formações obtidas na avaliação contínua do risco de suicídio. 92 DonnaM.Sudak A avaliação do risco de suicídio é uma área em que o sistema mul tiaxial do DSM pode ser útil para os clínicos como uma ferramenta para organizar e considerar as informações (Tabela 5.1). Fatores de risco po dem existir em qualquer eixo - uma avaliação cuidadosa vai considerar cada um, informado pelo conhecimento de que a presença de fatores de Combinando terapia cognitivo-comportamental e medicamentos 93 risco nos múltiplos eixos aumenta exponencialmente o risco de suicídio. Um uso ideal de uma equipe de provadores é examinar em conjunto a avaliação do risco, ponto a ponto, para compartilhar informações e ava liar a letalidade do estado atual do paciente. Quando o nível de risco do paciente tiver sido determinado, pode-se usar as evidências disponíveis sobre o uso da TCC com pacientes suicidas para desenvolver estratégias práticas como auxílio para realizar um tratamento colaborativo eficaz. Evidências para o uso das estratégias da TCC no auxílio de pacientes suicidas Há várias pequenas evidências em relação aos benefícios de se adi cionar a TCC à farmacoterapia em pacientes suicidas. Em primeiro lugar, a TCC é bastante eficaz como um tratamento para muitos dos transtor nos do Eixo 1 que aumentam o risco de suicídio. Um terapeuta extrema mente ativo e assertivo, que seja otimista e tenha um plano de ação cla ro, é uma força poderosa para a mudança. Os pacientes que estão em tratamento combinado frequentemente necessitam esperar várias sema nas antes de começarem a se beneficiar da medicação de uma maneira sustentada. A desesperança e o pensamento suicida durante este período podem ser reduzidos por uma boa aliança terapêutica com os provedo res. Isto significa que os cuidadores devem estar particularmente atentos para a qualidade do seu envolvimento com o paciente que é suicida e desesperançoso. Os provedores devem apresentar evidências de que a depressão melhora com o tratamento especificado. A empatia acurada nessas circunstâncias é obrigatória - a confiança no tratamento é impor tante, mas a apreciação pela luta também é. Além dos efeitos protetores não específicos da TCC para a depres são, duas formas de TCC mostram-se especificamente eficazes na redu ção da frequência das tentativas de suicídio em pacientes com história de tentativas anteriores. Brown e colaboradores (2005) descobriram que uma intervenção de dez sessões de TCC reduziu o número de pacientes com tentativas repetidas em pacientes com uma tentativa anterior de suicídio. Pouco mais de 24% dos pacientes em tratamento ativo fizeram uma tentativa repetida, em comparação a quase 42% dos pacientes que receberam o tratamento usual. Este foi um estudo de um grupo hetero gêneo de pacientes que apresentavam diferentes diagnósticos e necessi taram de cuidado por ocasião de uma tentativa de suicídio. Um segundo tipo específico de TCC que parece reduzir a frequên cia das tentativas desuicídio é a terapia comportamental dialética (TCD). 94 DonnaM.Sudak A TCD é uma forma de TCC destinada a tratar pacientes que têm diag nósticos dos Eixos I e II, ideação e comportamento suicidas crônicos. Foi inicialmente estudada em pacientes cronicamente suicidas com transtor no da personalidade borderline que tinham transtornos comórbidos do Eixo I. A TCD reduziu efetivamente a porcentagem de pacientes com ten tativas de suicídio repetidas em um estudo de 100% no grupo de tra tamento habitual para 26% naqueles pacientes que receberam TCD (Linehan, Armstrong, Suarez, Allmon e Heard, 1991). Tarrier, Taylor e Gooding (2008), em uma metanálise, examinaram 28 estudos de TCC especificamente empregada para reduzir o comporta mento suicida e descobriram que o tratamento de TCC individual para adultos foi significantemente eficaz quando comparado ao não tratamen to e ao tratamento usual. Características específicas destas formas de TCC podem nos ajudar a moldar nossa abordagem para os pacientes suicidas no ambiente clíni co. Primeiro, quando um paciente tem um histórco de automutilação, deve haver uma exploração completa das situações desencadeantes que precipitaram este comportamento. Brown et al. (2005) utilizaram inocu- lação do estresse e prática cognitiva de novas reações aos desencadeado- res em pacientes com comportamento suicida após ter passado a crise de suicídio. O objetivo desta intervenção era ajudar os pacientes a não con cluir repetitivamente que o suicídio era a melhor opção quando os de- sencadeadores ocorriam. O comportamento suicida pode ser contra-ata cado cuidando-se dos déficits da resolução de problemas e praticando novas habilidades nas circunstâncias de vida desencadeantes. O protocolo de Brown também concentrava a atenção em dar ao paciente a tarefa de construir uma “caixa da esperança” ou “kit do sobrevi vente”. O propósito desta intervenção é fazer o paciente construir um lem brete tangível e concreto das razões de permanecer vivo. Estes lembretes físicos estabelecem de maneira poderosa as conexões cognitivas e emocio nais com os dissuasores do suicídio. Esta caixa pode incluir fotografias, versículos da Bíblia, itens que representem objetivos futuros e representa ções de atividades valorizadas e apreciadas para manter a esperança e o desejo de permanecer vivo quando ocorre uma forte ideação. A TCD emprega muitas abordagens para ajudar os pacientes a re duzir e tolerar o estresse. Um princípio fundamental da TCD em pacien tes com personalidade borderline é o fato de eles serem vulneráveis à emoção em excesso e se engajarem em comportamentos autodestrutivos em situações de crises suicidas para aliviar a dor emocional intolerável. Combinando terapia cognitivo-comportamental e medicamentos 95 O terapeuta ensina ao paciente habilidades para regular as emoções e tolerar situações que eles não podem imediatamente mudar para substi tuir o comportamento suicida que em geral ocorre. A reestruturação dos deficits de habilidades em pacientes suicidas que estão deprimidos tam bém pode ser benéfica para aumentar a tolerância à dor emocional. Na avaliação de risco de um paciente suicida, possíveis desencade- antes como intensificação do sintoma Cp* ex., insônia) podem ser identi ficados, e então o paciente pode receber intervenções farmacológicas mais personalizadas. No tratamento colaborativo, o médico pode relatar qualquer história obtida de eventos interpessoais estressantes para aju dar o terapeuta a ampliar os planos comportamentais para lidar com os desencadeantes de suicídio. As estratégias para proteger os pacientes com ideação suicida estão listadas na Tabela 5.2. Outra ferramenta importante para ajudar os pacientes suicidas a se reengajarem em pensamentos mais otimistas é quando os provedores identificam as potencialidades e enfrentamento efetivo anterior por par te do paciente. Isto desenvolve um pensamento mais flexível e ajuda o paciente a considerar outras opções além da morte como solução para os problemas da vida. Os pacientes que são agudamente suicidas com fre quência subestimam sua capacidade de enfrentar a adversidade e se be neficiar de uma exploração guiada do sucesso passado. Todo encontro com o paciente deve conter trabalho para aumentar o desejo de viver. Lembre-se de que as tentativas passadas e a desesperança (Alloy et al., 2004) são variáveis fundamentais que influenciam a ideação, a intenção e a conclusão suicidas. Os pacientes que estão desesperançados e suici das são com frequência incapazes de usar por si mesmos os registros de pensamento ou podem ser muito novos no tratamento para ter as habili dades para se desengajarem de forma independente do pensamento de- sesperançoso. O trabalho realizado na sessão para visar a este pensamen to é de fundamental importância, seguido de lembretes escritos do que é discutido na sessão. E particularmente importante avaliar e localizar qualquer desesperança em relação ao tratamento. Cada consulta propor ciona uma oportunidade para ajudar o paciente a enxergar mais soluções para os problemas em “tempo real”. Planos específicos, detalhados e por escrito das atividades a serem realizadas fora da sessão devem ser feitos em cada encontro do tratamento. Por exemplo, dizer ao paciente “Divir ta-se neste fim de semana” é muito vago. Atividades previamente valori zadas, especialmente aquelas que incluam outras pessoas que deem apoio, devem ser planejadas (como “Vou telefonar para Jenny duas vezes e vou trabalhar durante dez minutos por dia no quintal”). Modificar qualquer cogniçao que conduza ao comportamento suicida é outra estratégia importante para reduzir o risco nos pacientes deprimidos. Em primeiro lugar, cada parceiro da equipe de cuidado deve estar disposto a conversar sobre o pensamento suicida do paciente e revelar pensamentos e crenças que coloquem o paciente em risco. Os dois provedores devem obter um histórico cuidadoso dos pensamentos e crenças que ocorrem antes das tentativas ou de forte ideação. Isto conduzirá a uma conceitualização perso nalizada da crise de suicídio do paciente. Frequentemente, os terapeutas po dem ser tentados a evitar isto quando a crise é menos aguda devido à ansie dade e ao desconforto, mas informações específicas sobre este evento são de enorme importância para a prevenção futura. A terapia deve engajar o pa ciente e explorar suas idéias sobre o real resultado do suicídio. Os pacientes com frequência romantizam a ideia da morte (particularmente adultos jo vens e adolescentes) e deixam de considerar a finalidade da morte. Métodos padronizados da reestruturação cognitiva podem substituir esta concepção inadequada por uma visão mais precisa e mais ampla. A contraposição à ideia de que o suicídio é uma solução desejável e a geração de razões para viver reduz o risco de morte. Qualquer aumento na crença do paciente nas perspectivas para um futuro diferente é progresso. Uma vez que as crenças suicidas são identificadas com sucesso e desafiadas na sessão, o paciente deve ter um cartão escrito e emoldurado, com a crença do suicídio ali inseri da, e um plano de crise definitivo por escrito (Tabela 5.3), como ilustra o exemplo de caso seguinte. 96 Dorma M.Sudak Combinando terapia cognitivo-comportamental e medicamentos 97 Tabela 5.3 Cartão de enfrentamento de Amy Crença negativa: Se fui alvo de gritos do meu chefe, eu devia me matar. Sentimento: V e r g o n h a , tristeza Crença positive: Tenho vivido me sentindo envergonhada. Todo mundo já teve um chefe que gritou com ele alguma vez. Minha família ficaria devastada se eu me matasse. Posso me sentir um fracasso, mas meu emprego não merece que eu me mate. Tom pode nem sequer saber que eu fiquei tão chateada por isso. Se eu não conseguir deter meus pensamentos suicidas, eis o meu plano: Não vou beber. Vou telefonar para a Dra. Smith (xxx-xxx-xxxx) ou para a Roberts (xxx-xxx- xxxx). Se não conseguir encontrar nenhuma dos duos imediatamente,vou telefonar para o número de crise (xxx-xxx xxxx). Se isto não for suficiente para me impedir de atuar sobre meu pensamento, vou até o pronto-socorro do Doctor’s Hospital. Amy é uma mulher de 28 anos com uma história de comportamento suicida e depressão maior. Ela se desespera particularmente quando tem pro blemas nos relacionamentos no trabalho. Está fazendo um tratamento ambu- latorial com uma psiquiatra, Dra. Roberts, para medicação (venlafaxina, 225 mg), e com uma psicóloga, Dra. Smith, para terapia. Amy telefonou para a Dra. Roberts em crise depois que seu atual chefe, Tom, a chamou ao seu es critório e a insultou por causa de um relatório que ela havia escrito. Amy dis se à Dra. Roberts que queria realizar uma mudança imediata na sua medica ção. A Dra. Roberts avaliou a situação e identificou que Amy tinha pensa mentos vagos de “não querer estar aqui”, mas sem um plano específico. A Dra. Roberts lembrou-se de que Amy teve várias overdoses impulsivas no passado após crises no trabalho, cada uma delas quando estava intoxicada. Perguntou a Amy se ela havia entrado em contato com a Dra. Smith. Amy não havia e disse que simplesmente “parecia inútil” conversar sobre a sua si tuação. A Dra. Roberts lembrou a Amy que ela já havia tido esta reação vá rias vezes antes, quando estava em dificuldades, e que havia se sentido me lhor depois de falar sobre o assunto. Também disse a Amy que não achava que a medicação conseguisse fazer muita diferença a curto prazo. Perguntou se Amy podia telefonar para a Dra. Smith e depois tomar a ligar para ela. Amy concordou, garantindo-lhe que teria uma amiga que ficasse com ela na quela noite. Amy disse que não conseguiría evitar isso, pois sua irmã havia vindo de fora da cidade para visitá-la. A Dra. Roberts recebeu um telefonema de Amy mais tarde dizendo que ela havia telefonado para a Dra. Smith. A Dra. Roberts também telefonou para a Dra. Smith para compar tilhar suas impressões sobre o telefonema de Amy. Elas discutiram o pia- no de tratamento - a Dra. Smith falaria com Amy pelo telefone na ma nhã seguinte e telefonaria para a Dra. Roberts à noite se a conversa tele fônica que tivesse com Amy indicasse que ela necessitava de uma inter venção mais intensiva. A Dra. Roberts e a Dra. Smith discutiram a neces sidade de Amy aumentar sua tolerância aos desencadeadores interpesso ais do pensamento de suicídio e de discutir como o uso do álcool era também um desencadeante. A Dra. Smith telefonou mais tarde para a Dra. Roberts para dizer que Amy havia lhe telefonado, conseguido en contrar razões para permanecer viva diante de um conflito no trabalho, e desenvolvido um cartão de enfrentamento para rever estas razões até sua sessão no dia seguinte (Tabela 5.3). Esta vinheta breve ilustra alguns princípios fundamentais para o cui dado colaborativo em pacientes suicidas. A Dra. Roberts e a Dra. Smith haviam feito um contato prévio e concordado com relação à conceitualiza- ção de Amy e sobre o papel de cada pessoa no tratamento dela. Amy sabe que elas se comunicam e consente nisso. Elas acertaram sobre quando se comunicarem a respeito de Amy e quando outras intervenções específicas deveríam ser empregadas. Chegaram a uma conceitualização conjunta dos antecedentes do comportamento suicida de Amy e apoiaram os esforços uma da outra para ajudar Amy a encontrar soluções alternativas. Identifi caram precauções de segurança para Amy tomar e lhe lembraram de si tuações anteriores em que ela usou com sucesso os métodos da TCC. E, fi nalmente, enumeraram idéias e planos para Amy usar quando encontrasse desencadeantes para a desesperança e para o pensamento suicida. Uma vantagem do tratamento com responsabilidade dual quando a comunicação é clara e você tem um parceiro de confiança no cuidado do paciente é que há um segundo observador para colher informações sobre o paciente e um apoio adicional para o paciente e também para o provedor. Este recurso pode nos ajudar a lidar de maneira mais eficiente com os pacientes e nos apoiar quando trabalhamos com pacientes suici das difíceis. Os clínicos que trabalham com pacientes suicidas com fre quência têm reações compreensíveis ao trabalhar com eles - um parceiro no cuidado do paciente pode atuar como uma “caixa de ressonância” para os pensamentos e as idéias sobre o paciente e o plano de tratamento. Uma preocupação específica em relação ao tratamento com res ponsabilidade dual e aos pacientes suicidas ocorre quando se lida com pacientes cujo tratamento farmacológico está sendo provido por um médi co da atenção primária. A avaliação do risco de suicídio é conduzida de maneira variável na atenção primária (Smolders, Laurant, Akkermans, 98 Dorma M.Sudak Wensing e Grol, 2008), e os pacientes podem ser vistos com pouca fre quência e durante consultas muito breves. Os terapeutas que estão ven do esses pacientes podem decidir encaminhar o paciente para consulta psiquiátrica, tanto para determinar se o nível de cuidado é apropriado quanto para consultar sobre se o pensamento suicida merece uma mu dança na farmacoterapia ou até requer hospitalização. Lidando com a depressão na presença de ansiedade comórbida A depressão que é complicada pela ansiedade é um problema clí nico complexo. Os pacientes que enfrentam esses dois problemas são co muns e requerem mais atenção em relação aos sintomas residuais e ao desgaste do tratamento. Alex, um paciente que citamos no Capítulo 4, é um paciente com transtorno do pânico severo e crônico e com uma depressão maior coexís- tente. Ele não consegue realmente determinar qual veio primeiro - embo ra tenha certeza de que seu transtorno do pânico começou quando ele ti nha 22 anos. Ele tem problemas de humor “desde que consegue se lem brar”. Alex nunca teve muito alívio dos seus sintomas. Ele é suficientemen te funcional para exercer o seu trabalho como porteiro de uma escola. Suas interações sociais são quase exclusivamente com sua mãe e suas duas irmãs e suas famílias. Está apresentando leve melhora e está um pouco menos deprimido porque parou de beber depois de ter sido autuado por dirigir sob influência de álcool, seis meses antes de buscar tratamento. Alex nunca fez nenhuma psicoterapia para sua condição. Recebeu várias prescrições de antidepressivos de seus médicos no decorrer dos anos. Tomou um ou dois comprimidos de cada uma dessas prescrições e jogou o resto fora; nem sequer comprou as duas últimas caixas. Não fa lou com seus provedores sobre isto. Alex decidiu buscar terapia depois de ver na televisão uma propaganda sobre psicoterapia para ansiedade. Depois que parou de beber, seu pânico piorou tanto que ele não queria sair de casa e começou a faltar ao trabalho alegando estar doente. Alex começou sua psicoterapia com expectativas extremamente negativas. Disse que não conseguia “se imaginar diferente”. Entendia a ideia da exposição, mas a cada tentativa de praticá-la ele ficava tão ater rorizado que descartava o esforço. Depois disso, ficou bem mais deprimi do e desmoralizado. Foi chamado ao escritório do seu supervisor e infor mado que, se a sua frequência não melhorasse, ele seria demitido. Isto conduziu à reavaliação da possibilidade de um tratamento combinado. Combinando terapia cognítivo-comportamental e medicamentos 99 100 Donna M.Sudak A apresentação e a história de Alex ilustram características típicas dos pacientes com ansiedade comórbida e depressão. Ele tem poucas es peranças em relação ao tratamento e uma deficiência substancial na fun ção psicossocial. Tem também uma história de abuso de álcool comórbi- do. Sua ansiedade está impactando de tal modo a sua vida que ele tem enfrentado perdas continuadas. As intervenções padronizadas da TCC têm sido difíceis de implementar devido à severidade da sua ansiedade. A presença de ansiedade é um mediador da resposta na depressão. Os pacientes com depressão vistos tipicamente na prática clínica têm um grande número de sintomas de ansiedadee podem responder melhor a uma combinação de intervenções direcionadas, incluindo TCC. No estudo STAR*D, os pacientes com ansiedade tinham uma probabilidade muito menor de responder ao tratamento e uma probabilidade muito maior de ter efeitos adversos à medicação. Os pacientes deste estudo com ansiedade comórbida tinham mais consequências psicossociais da sua doença - en frentavam mais desemprego e menos conquistas educacionais. O estudo STAR*D não excluiu pacientes com transtornos de ansiedade do Eixo I que eram comórbidas com a depressão, por isso os sintomas de ansiedade po diam ser bastante severos e proeminentes. Até 31% dos pacientes da amostra tinham problemas de ansiedade (Trivedi et al., 2006) e estes sin tomas aumentavam o risco de recaída (Fava et al., 2008). No estudo de Keller, a presença de sintomas de ansiedade prognosticou a necessidade de combinar medicação com psicoterapia, em comparação a apenas psicote- rapia, para se conseguir uma resposta (Ninan et al., 2002). Fava e colaboradores (Fava et al., 1994; Fava et al., 1996; Fava et al., 1998; Fava et al., 2004), nos estudos de pacientes com depressão crônica previamente discutidos, visaram especificamente aos sintomas de ansiedade nos pacientes deprimidos. Seu protocolo usou o tratamento baseado na exposição para lidar com sintomas residuais de ansiedade que restringiam as vidas dos pacientes após a redução dos antidepressi- vos. Portanto, parece que as intervenções psicológicas e/ou farmacológi- cas específicas que visam aos sintomas da ansiedade em pacientes depri midos podem melhorar a resposta ao tratamento. Uma intervenção inicial com pacientes que têm ansiedade comórbi da é ensiná-los que a terapia demora mais tempo, por isso são requeridas persistência e paciência. Os pacientes que estão deprimidos e têm sinto mas proeminentes de ansiedade respondem menos facilmente ao trata mento; por isso, o paciente, o terapeuta, o médico ou todos os três podem Combinando terapia cognitivo-comportamental e medicamentos 101 interromper muito cedo os esforços de tratamento. Quando a ansiedade e a depressão coexistem, os sintomas são mais severos, os pacientes têm maior probabilidade de ter ideação suicida e têm índices mais elevados nos instrumentos padronizados que medem a severidade da depressão e da ansiedade (Brown, Schulberg, Madonia, Shear e Houck, 1996). Outro aspecto importante de tratar os pacientes com sintomas com binados de depressão e ansiedade é determinar quais sintomas tratar pri meiro. Os pacientes se beneficiam se o tratamento aborda sistematicamen te os problemas e se eles aprendem uma coisa de cada vez. É importante determinar qual problema deve ser tratado primeiro e trabalhar para mo tivar o paciente a aderir às intervenções até elas terem um impacto. Os pa cientes com ansiedade e depressão têm uma “dose dupla” de problemas que podem impedir a concentração e a memória, por isso podem requerer muito mais tempo para educar e precisarão de lembretes escritos e de quantidades menores de informação por sessão. Deve-se prestar uma aten ção particular ao papel da ansiedade no aumento dos comportamentos de evitação - por exemplo, se um paciente está ansioso demais para sair com os amigos, o fato pode interferir em um plano de ativação comportamen- tal. A maior parte dos pacientes entende intuitivamente os princípios da exposição - se você questionar como se luta contra uma fobia de cobras, eles saberão que confrontar o estímulo temido é a maneira de conseguir isso. Este princípio pode ser consistentemente discutido no tratamento único ou combinado com o paciente ansioso e deprimido, e todo pequeno esforço que o paciente faz para combater o medo deve ser reforçado. Nos pacientes ansiosos e deprimidos, os provedores devem visar agressivamente à adesão e cuidar especificamente dos efeitos colaterais. Explicar o que esperar (e apresentar detalhes sobre a segurança atual da medicação) pode ser a chave para a adesão. Um foco consistente e per sistente na adesão é o meio mais eficiente de ajudar o paciente a conti nuar tomando seus medicamentos. Como ilustra este capítulo, temos muitas armas eficazes à nossa disposição para tratar a depressão. Apesar disto, os pacientes são com frequência incompleta e inadequadamente tratados, e o cuidado baseado em evidências é proporcionado em muito menor escala do que deveria ser em uma doença tão devastadora. Nossa tarefa como clínicos informa dos, além de tratar nossos pacientes, é, sempre que possível, educar ou tros profissionaissobre o manejo eficaz da depressão. VISÃO GERAL 0 transtorno bipolar é uma doença mental severa e recorrente que em geral começa a se manifestar no início da idade adulta (antes dos 20 anos). Tem consequências psicossociais importantes para o paciente e sua família. As características essências do transtorno são epi sódios de claro desequilíbrio do humor, com recuperação entre os episó dios. Pelo menos um episódio deve ser maníaco ou hipomaníaco para qualificar o paciente para o diagnóstico. A mania e a hipomanía têm ca racterísticas clínicas de humor elevado, expansivo ou irritável, comporta mento exagerado em direção ao objetivo ou de busca de prazer, julga mento e insight deficientes, perturbações do sono e do apetite, e proble mas com atenção, memória e distorções do pensamento. Os pacientes com mania têm a velocidade de pensamento acelerada. Muitos pacientes bipolares têm atitudes em relação aos estados de humor positivos que dificultam o tratamento (Lam, Wright e Smith, 2004). A comorbidade com os transtornos de ansiedade e o uso de substâncias é comum e com frequência complica o tratamento. Apesar da apresentação dramática da mania e da hipomanía, os pacientes que são bipolares passam grande parte da doença no estado depressivo (Alda, Hajek, Calkin e O’Donovan, 2009). A doença requer medicação de longo prazo e manejo psicoterapêutico, e a natureza hete rogênea do transtorno (isto é, números e tipos de episódios, desencade- antes para os episódios) significa que a conceitualização do caso indivi- Combinando terapia cognitivo-comportamental e medicamentos 103 dualizado e o planejamento do tratamento são importantes elementos para o sucesso. Além disso, o transtorno bipolar, como todas as doenças mentais, acontece para uma pessoa - e os transtornos de personalidade e as questões interpessoais são fatores substanciais que afetam o resulta do da doença e, portanto, partes importantes da formulação de um pla no de tratamento. O diagnóstico de transtorno bipolar também comunica um risco substancial de complicações severas. O suicídio é uma preocupação de alto risco nestes pacientes, e de 15 e 20% dos pacientes bipolares não tratados morrem por suicídio (Baldessarini, Pompili e Tondo, 2006). O suicídio ocorre tanto na fase maníaca quanto na fase depressiva da doen ça, mas tem uma probabilidade muito maior de ocorrer na fase depressi va. Os pacientes bipolares têm um risco elevado de comorbidade médica (isto é, doença cardiovascular, infecção por HIY infecção por hepatite C) e comorbidade psiquiátrica (isto é, abuso de substâncias ou dependência química, transtornos da ansiedade), que complicam o seu manejo. A depressão no transtorno bipolar é similar à depressão maior sob o ponto de vista dos fenômenos ocorridos, exceto em relação à tendência de alguns pacientes bipolares de dormir e comer mais em vez de terem insônia e anorexia quando deprimidos. Episódios severos de mania e de pressão podem ocorrer acompanhados de sintomas psicóticos, incluindo delírios e alucinações. As mulheres com transtorno bipolar correm um risco particular de exacerbações pós-parto dos seus sintomas de humor e de psicose pós-parto. Este capítulo vai descrever as evidências para o tratamento com TCC e medicação para o transtorno bipolar e examinar outras formas de terapia que têm se mostrado eficazes na ajuda dos pacientes com esta do ença difícil e perigosa. Serão apresentadasilustrações clínicas de pacientes que enfatizam os benefícios e as dificuldades no tratamento colaborativo. EVIDÊNCIAS PARA O USO DE TRATAMENTO COMBINADO NO TRANSTORNO BIPOLAR Apesar do fato de termos várias ferramentas farmacológicas pode rosas para combater os ciclos de humor debilitantes no transtorno bipo lar, a resposta apenas ao tratamento com medicação está longe de ser a ideal. A recuperação de episódios agudos de mania é um processo demo rado, e o resultado com frequência deficiente. Somente em 25% dos ca- 104 Donna M.Sudak sos os pacientes recuperam totalmente suas funções após hospitalização por mania (Keck et al., 1998). A recuperação plena da depressão bipolar também é infrequente em comparação à recuperação plena da depres são unipolar, e os antidepressivos não são tão eficazes como tratamento (Sachs et al., 2007). A previsão de recuperação do transtorno bipolar su põe total adesão aos regimes de medicação, o que acontece em menos da metade do tempo (Colom, Vieta, Tacchi, Sanchez-Moreno e Scott, 2005). A diferença entre a eficácia e a eficiência do manejo dos pacien tes bipolares no “mundo real” é clara. A psicoterapia adjunta é a ponte por meio da qual tanto a melhora abaixo do patamar produzida pela me dicação quanto os problemas substanciais com a adesão podem ser trata dos. Como os pacientes que têm sintomas residuais têm uma maior pro babilidade de ter recorrências (Perlis et al., 2006), fechar a lacuna rumo à recuperação produz um enorme benefício para o paciente, aumentan do a função e impedindo episódios futuros. Miklowitz (2008) examinou a base de evidências para o uso de psicoterapia adjunta para o transtor no bipolar e descobriu que 17 dos 18 estudos controlados randomizados mostraram que a combinação do tratamento à psicoterapia pode evitar recaídas e reduzir a duração dos episódios. O autor também descobriu que, durante um período de dois anos após o fim da psicoterapia, há um benefício sustentado para o funcionamento psicossocial do paciente. Diferentes tipos de intervenções psicossociais mostraram-se efica zes nos estudos clínicos de pacientes com doença bipolar. Embora este capítulo vá concentrar sua atenção na combinação da TCC à medicação para pacientes com transtorno bipolar, a escolha do método de psicotera pia a ser empregado deve ser individualizada, dependendo da disponibi lidade e das circunstâncias, das habilidades e das preferências do pacien te. Atualmente, o estado das evidências é insuficiente para se dizer que uma destas terapias baseadas em evidências é mais eficaz do que outra. Existe um número muito pequeno de estudos comparando os tratamen tos de psicoterapia adjunta eficazes para o transtorno bipolar. Entretan to, o STEP-BD, um estudo clínico grande e prático realizado para deter minar os melhores meios para combater a depressão bipolar, realizou essa comparação. O estudo comparou a terapia focada na família, a tera pia do ritmo interpessoal social, a TCC e um controle psicoeducacional. O STEP-BD não foi planejado para avaliar os efeitos do tratamento na prevenção da recaída ou para reduzir os episódios de humor, mas sim para avaliar a maneira mais eficaz de produzir a recuperação da depres são bipolar. Todos os tratamentos ativos testados produziram uma recu- Combinando terapia cognitivo-comportamental e medicamentos 105 peração mais rápida do que a medicação isoladamente, sem diferenças entre os grupos, e os pacientes em tratamento psicoterapêutico ativo apresentaram uma função interpessoal melhor do que os pacientes que não tiveram tratamento (Miklowitz et al., 2007). Assim, um adolescente mais velho em uma família extremamente crítica e emocional pode se beneficiar mais da terapia centrada na família (TCF), enquanto uma mu lher bipolar solteira, extremamente depressiva e com uma grande quan tidade de pensamentos negativos pode se beneficiar mais das estratégias da TCC. Até termos uma visão mais abrangente das evidências, deve pre valecer uma abordagem de bom senso apara a seleção do tratamento. Todas as psicoterapias para o transtorno bipolar que se mostram benéficas têm algumas similaridades, como foi observado por Lam e co laboradores (Lam, Burbeck, Wright e Pilling, 2009). Os tratamentos que eles avaliaram incluíram psicoeducação complexa, terapia cognitivo- -comportamental, terapia focada na família e terapia do rimo interpesso al social. A revisão identificou os seguintes temas comuns em cada um dos tratamentos: uso de um modelo de diátese-estresse, foco substancial na psicoeducação e na adesão à medicação, ênfase em ensinar os pacien tes a se automonitorarem e modificações criativas no estilo de vida para produzir uma estrutura regular e previsível para ajudar o paciente a manter um humor estável. Características adicionais identificadas como similares e efetivas em cada uma das terapias incluíram a resolução de problemas e a promoção de prevenção da recaída. Esta metanálise indi cou que acrescentar ao tratamento com medicação uma destas terapias sistematicamente derivadas melhorou de forma significativa a função e os sintomas dos pacientes e adiou ou preveniu a recaída, em comparação aos grupos controles. Os estudos avaliados por este grupo foram de tera pia realizada em grupo e individualmente, com os pacientes tratados em diferentes fases da doença. Portanto, até termos informações mais claras, faz sentido o uso de uma abordagem “personalizada” em relação a que formato escolher, levando em conta o histórico do paciente, os sintomas particulares e suas preferências. O resultado comum de todos os estudos controlados randomizados bem-sucedidos da psicoterapia como um adjunto na doença bipolar é que o tratamento psicoterápico melhora a função e reduz os índices de recaída do transtorno bipolar por, pelo menos, 12 a 30 meses após o tra tamento (Miklovitz, 2008). Os pacientes com sintomas maníacos proe minentes claramente se beneficiam mais das abordagens que melhoram a estabilidade social e interpessoal, e a estrutura regular dos ritmos cir- 106 Donna M. Sudak cadianos. A adesão aos regimes de medicação precisa ser uma caracterís tica predominante de qualquer abordagem combinada. TRATAMENTO DO TRANSTORNO BIPOLAR Engajamento A fase inicial do trabalho com um paciente bipolar envolve o esta belecimento de um diagnóstico preciso e a educação do paciente e da fa mília sobre o significado do diagnóstico. O diagnóstico diferencial nesta doença é com frequência complexo devido ao interjogo entre condições psiquiátricas comórbidas (p. ex., transtorno de déficit de atenção e hipe- ratividade, abuso de substâncias) e ao fato de os pacientes maníacos com frequência se recordarem de maneira imperfeita dos episódios de mania. Além disso, os pacientes podem ocultar os sintomas de mania porque se sentem envergonhados de seu comportamento durante os episódios quando não é possível controlá-lo ou é socialmente indesejável. Uma ra zão de o diagnóstico do transtorno bipolar ser frequentemente adiado é que os pacientes começam a manifestar o transtorno na adolescência ou no início da vida adulta, e os sintomas são mal interpretados como uma adolescência típica. Uma idade precoce de início também significa que os marcos desenvolvimentais do paciente são sabotados (p. ex., desen volvimento da carreira, educação, desenvolvimento da habilidade inter pessoal, consolidação da identidade e emancipação). Isto significa que a terapia deve atentar para os déficits de habilidades do paciente. Além disso, como há importantes contribuintes genéticos para a doença, os pa cientes podem ter parentes com a doença (e crenças baseadas nessa ex periência), ou podem ter a tarefa desestimulante de internalizar o co nhecimento de que os descendentes que tiveram antes do diagnóstico, ou futuros descendentes, podem ser similarmente afligidos. O exemplo de caso que segue ilustra estas questões comuns. Carol é uma mulher de 45 anos que tem um diagnóstico de transtorno bipolar de ciclagem rápida. Ela começou a tomar consciência de que tinha problemas de humor no início da sua adolescência. Nessa épo ca, tinha episódios de tristeza e baixa energia, ansiedade severa e pertur bações do sono e do apetite. Pensava com frequência em se matar, mas não dizia a ninguém. No ensino médio, isto piorou muito e sua ansieda de era tão severa que durante dois semestres ela foi afastada da escola e Combinando terapia cognitivo-comportamental e medicamentos 107 ensinada em casa por um professor particular. Sua família dizia que era “apenas uma fase” e que ela era “tímida” e iria se recuperar. Quando es tava com 19 anos, Carol finalmente completou o ensino médio, um se mestre atrasada. Foi aceita em uma universidade próxima à casa dos pais, mas decidiu tentar viver no alojamento dos alunos. Carol tinha al guns amigos íntimos, mas nunca havia namorado. Na faculdade, come çou a ir a festas em seu alojamento e a beber “para relaxar e unir-se ao grupo”. Depois de um fim de semana que passou em sua casa, quando fi cou acordada quase a noite toda em festas durante duas noites, Carol teve seu primeiro episódio maníaco. Depois de três dias, suas colegas de quarto chamaram a polícia do campus porque Carol estava alucinando e elas ficaram com medo. Carol foi então hospitalizada pela primeira vez. Quando seus sintomas desapareceram, Carol ficou arrasada pelo que havia acontecido. Disse ao psiquiatra do hospital que havia passado grande parte da sua adolescência preocupada de que fosse ser “igual à (sua) avó louca”. A avó de Carol havia passado a maior parte da sua vida adulta em um hospital estadual e cometeu suicídio enquanto estava in ternada. A avó de Carol havia sido internada no hospital psiquiátrico de pois de ter dado a luz à mãe de Carol. Três dias depois de voltar para casa após o parto, ela tentou matar seu bebê e seus outros três filhos porque acreditava que eles estavam possuídos pelo demônio. Sua avó nunca mais voltou a viver com a família. A apresentação de Carol é impressionante devido ao início precoce dos seus sintomas, aos atrasos desenvolvimentais tão característicos de muitos pacientes bipolares, ao uso do álcool para aliviar a ansiedade, à exacerbação dos seus sintomas em resposta aos problemas de sono e à história familiar pronunciada. Ela apresenta muitos desafios em relação a ajudá-la a atingir uma estabilidade e construir uma vida satisfatória e produtiva. Os objetivos do tratamento em um paciente como Carol são vários: estabilizar um episódio agudo, evitar episódios futuros, reabilitar a paciente e ajudá-la a ter uma perspectiva bem informada e saudável sobre a doença. Tratamento agudo Na mania bipolar, a medicação continua sendo o principal trata mento. Não há evidências de que qualquer tipo de psicoterapia isolada mente possa ser suficiente para pôr fim a um episódio maníaco. Entre- 108 Donna M. Sudak tanto, o tratamento combinado é essencial nesta fase do tratamento. Os pacientes que são maníacos ou hipomaníacos se beneficiam de apoio con sistente, redirecionamento gentil, determinação de limites e orientação para a realidade. O estabelecimento de um relacionamento terapêutico com contatos empáticos breves pode ser extremamente útil nessa situação, e um relacionamento com a família e/ou com outras pessoas importantes pode ser iniciado, fundamentado no apoio e na educação. Intervenções hábeis são necessárias durante os episódios maníacos para ajudar a con vencer o paciente da utilidade da medicação e para aceitar a realidade de que ele tem uma doença. A estabilização do humor e a restauração do sono são os objetivos iniciais. Isto é em geral realizado pelo uso de medi camentos - em geral lítio, ácido valproico e/ou antipsicótico de segunda geração. O tratamento adicional com outros anticonvulsivantes e/ou agen tes ansiolíticos e hipnóticos pode também ser necessário se os sintomas permanecerem não controlados pelas medicações de primeira linha ou se o paciente tem estados mistos ou ciclagem rápida de humor. O tratamento agudo da depressão bipolar frequentemente requer o tratamento combinado. Os antidepressivos têm menor probabilidade de ser eficazes na depressão bipolar. Eles também podem ter o efeito não intencional de produzir uma mudança de humor e induzir mania ou hi- pomania, ou ainda mudar o padrão dos episódios de humor do paciente para um de ciclagem rápida. Quando os antidepressivos são utilizados para aliviar a depressão em pacientes bipolares, é importante retirá-los lentamente, pois os pacientes bipolares são mais propensos à recorrência da depressão quando os antidepressivos são retirados rapidamente (Bal- dessarini, Tondo, Ghiani e Lepri, 2010). Intervenções cognitivas e com- portamentais podem ser valiosas aqui como um meio de aliviar os sinto mas debilitantes e melhorar o funcionamento do paciente. Tratamento de longo prazo O tratamento farmacológico e psicológico contínuo do transtorno bipolar tem o objetivo de prevenir outros episódios e maximizar o nível funcional do paciente. O tratamento farmacológico isoladamente, a lon go prazo, é menos que satisfatório. Apesar de termos bons dados sobre o lítio como um meio de prevenir episódios de mania e suicídio (Tondo, Hennen e Baldessarini, 2001), mais de 90% dos pacientes experimentam Combinando terapia cognitivo-comportamental e medicamentos 109 episódios recorrentes da doença quando diagnosticados (Soloman, Keit- ner, Miller, Shea e Keller, 1995). Os sintomas residuais são uma carga substancial para os pacientes com transtorno bipolar. A depressão subsindrômica ocorre em cerca de 30 a 50% do tempo nos pacientes bipolares do tipo I (Huxley e Baldessarini, 2007). A carga dos sintomas depressivos nestes pacientes causa debilidade funcional e um sofrimento substancial, e este provavelmente é um fator importante na má adesão à medicação. A recorrência está significativa mente associada a sintomas de humor residuais (Perlis et al., 2006). TCC PARA TRANSTORNO BIPOLAR Há vários manuais de tratamento detalhados para orientar os clí nicos que desejam adicionar a psicoterapia da TCC às ferramentas que empregam com pacientes com transtorno bipolar (Basco e Rush, 2005; Newman, Leahy, Beck, Reilly-Harrington e Guylai, 2001). A seção a se guir apresenta uma visão geral das características clínicas específicas que distinguem a TCC para os pacientes bipolares e exemplos do tratamento combinado em ação. O tipo de intervenção clínica selecionada para um novo paciente com transtorno bipolar varia, dependendo da acuidade e severidade do estado de humor do paciente, do tipo de estado de humor e da história da doença do paciente. Os pacientes com mania ou psicose muito severa irão requerer intervenções breves, de suporte e focadas na realidade, até que o manejo farmacológico reduza a intensidade e a severidade dos seus sintomas, independentemente de eles estarem internados ou sendo tratados ambulatorialmente. O paciente recém-diagnosticado com trans torno bipolar requer uma quantidade substancial de apoio e educação, assim como a sua família. Além de enfrentarem os sintomas que existem e as consequências psicossodais do próprio episódio, que são com fre quência severos, os pacientes também devem se acostumar à realidade de viver com uma doença mental crônica. Esta mudança na autopercep- ção é uma crise existendal para muitos - a mudança do “bem” para o “doente” acrescenta uma carga adicional e ocorre no sistema de crenças do paciente sobre o diagnóstico do transtorno bipolar, os médicos, os psi quiatras, a saúde mental, os terapeutas e os medicamentos. O transtorno bipolar é crônico, sério e coloca a vida em risco. A necessidade de inte grar o diagnóstico na autopercepção de um paciente seria difícil em um 110 Donna M.Sudak estado mental normal, mas os pacientes frequentemente têm a carga adi cional de necessitar entender e enfrentar este diagnóstico durante um episódio que diminui a concentração,a atenção e a memória. O episódio em si pode também alterar a capacidade do paciente para processar as informações de forma precisa devido ao estado de humor. A depressão, por exemplo, pode fazer o paciente se ater seletivamente às informações negativas sobre o diagnóstico e a importância para o seu futuro. Portanto, os terapeutas devem ter sempre em mente que provavel mente precisarão revisar os componentes educacionais que são tão vitais para a participação adequada do paciente. Os pacientes podem ter um desejo compreensível de negar ou evitar o diagnóstico, e a reabilitação deve ocorrer quando o status cognitivo do paciente estiver menos severa mente comprometido pela doença. A recuperação plena das funções cog nitivas pode demorar meses, particularmente quando o paciente está em uma fase maníaca da doença que envolve psicose. Diga ao paciente que irá levar algum tempo para as informações serem “entendidas”. Você pode controlar o ritmo do material educacional monitorando o feedback do paciente. Os terapeutas também devem defender ativamente os pa cientes da estigmatização e da discriminação que enfrentam. O paciente e sua família podem se conectar a grupos de apoio que podem propor cionar uma comunidade de suporte. Juntamente à educação, um foco inicial do tratamento é fazer o paciente e sua família reconstituírem os sintomas específicos do paciente dentro de uma linha de tempo. A ob tenção do máximo possível de informações adicionais é essencial para ajudar a reconhecer desencadeadores específicos para os episódios e si nais inespecíficos sutis. Os pacientes em geral não têm consciência des ses sinais e sintomas devido ao seu estado de humor. Esse histórico faci litará o desenvolvimento de uma abordagem de resolução de problemas para visar aos sintomas prodrômicos específicos que ocorrem para o pa ciente e, sempre que possível, evitar a progressão de episódios de de pressão e mania no futuro. Quando os pacientes chegam à terapia já diagnosticados com o transtorno e estão em um estado de humor mais estável convém fazê-los relatar o seu entendimento sobre a doença. Esse processo permitirá pre encher quaisquer lacunas em seu conhecimento ou corrigir quaisquer concepções equivocadas que eles tenham sobre o transtorno. O próximo passo é rever cuidadosamente a história dos episódios de humor no de correr do tempo e como estes estão relacionados a eventos particulares da vida e a tratamentos farmacológicos. Esta revisão pode exigir paciên- Combinando terapia cognitivo-comportamental e medicamentos 111 cia e com frequência envolve obter os registros médicos de outros prove dores e instituições de cuidado. Isso pode ser frustrante e consumir tem po, mas vale o esforço. O processo de construção de uma linha do tempo dos humores e sintomas do paciente ajuda o paciente e o terapeuta. Os pacientes reconhecem a conexão entre determinados eventos e compor tamentos e o desenvolvimento de episódios de humor. Os terapeutas po dem aprimorar os sintomas prodrômicos que mais se destacam no desen- cadeamento da recaída. O próximo passo é abordar agressivamente a re solução de problemas com o paciente para saber o que fazer de maneira diferente quando estes sintomas prodrômicos ocorrerem. A orientação prévia é um componente muito importante na prevenção de recaída nos pacientes bipolares. Carol obteve sucesso com sua terapeuta. Elas avaliaram cada um dos eventos que conduziram às hospitaliza ções por crises de mania. Seu episódio inicial de mania foi desencadeado por várias noites com um mínimo de sono. Carol também apresentava um histórico de desenvolver hipomania quando não conseguia ter horas de sono suficientes - em geral cerca de nove horas por noite. A perturbação do sono normalmente começava quando Carol ficava superestimulada pe las atividades à noite e então ficava acordada e trabalhava até depois da meia-noite. Finalmente, quando ia para a cama depois de trabalhar até tão tarde, não conseguia dormir. Esse hábito tornou a rotina de Carol irregular e foi um fator que contribuiu para o desenvolvimento dos episódios de mania. O plano de tratamento de Carol incluiu a necessidade de resolver o problema e implementar uma rotina regular para a hora de dormir que evitasse estes episódios, além de ter uma opção “confiável” para usar a medicação na hora de dormir se o plano fosse malsucedido. Objetivos e alvos do tratamento Os objetivos do tratamento com a TCC no transtorno bipolar são: * Proporcionar psicoeducação. * Aumentar a adesão aos regimes de medicação e às modificações no estilo de vida para manter um estado de humor eutímico. * Ensinar o paciente a se automonitorar e se auto-observar para sinais e sintomas inespecíficos prodrômicos sutis de mania ou depressão. A partir daí, o objetivo é o paciente desenvolver um plano com o terapeuta para prevenir a recaída o mais frequentemente possível quan- 112 Donna M. Sudak do ocorrerem sintomas prodrômicos. Os pacientes, os familiares e outros indivíduos de suporte são participantes ativos, trabalhando sempre que possível como uma equipe, junto ao terapeuta e ao paciente. Muitos pa cientes se beneficiam de planos de contingência que incorporam o apoio de outros indivíduos importantes no evento dos sintomas. Como o transtorno bipolar com frequência se apresenta em adul tos jovens, a conceitualizaçao de caso individual é crucial para identifi car as potencialidades do paciente que podem ajudá-lo na resolução do problema e no enfrentamento ativo, tão necessários para o manejo ideal da doença. A conceitualizaçao também deve identificar déficits desenvol- vimentais específicos que precisam ser corrigidos para melhorar o fun cionamento. Por exemplo, se a doença se inicia no meio da adolescência, as habilidades de comunicação interpessoal (como a assertividade) que seriam aprendidas caracteristicamente nessa época podem estar ausen tes. Os membros da família também podem requerer ajuda para lidar com a emancipação de um jovem adulto com transtorno bipolar. Se eles têm um filho que apresenta sintomas severos e muitas hospitalizações, podem ficar relutantes em permitir que o paciente tenha a autonomia suficiente apropriada para a idade. O exemplo da paciente que segue ilustra problemas interpessoais típicos e os atrasos desenvolvimentais que podem ocorrer conjuntamente ao transtorno bipolar. Carol desenvolveu sua primeira depressão no início da sua adoles cência e foi prejudicada por sintomas durante a maior parte de seus anos escolares. Passava pouco tempo fora de casa e tinha poucos amigos. De pois de sua primeira hospitalização, Carol ficou desmoralizada demais para retomar à faculdade e, em vez disso, foi para uma faculdade comu nitária para aprender sobre programação de computadores e processa mento de texto. Depois que se formou, conseguiu um emprego em uma firma de advocacia realizando processamento de texto e registro de da dos. Carol sempre se sentiu deslocada no trabalho - não se sentia à von tade para iniciar uma conversa com seus colegas, mesmo que eles fossem muito receptivos. Seus objetivos de tratamento incluíam aprender a ficar mais à vontade nas situações sociais. Quando seu terapeuta discutiu com ela a ideia de que podia se sentir menos confortável nestas circunstân cias porque nunca teve a oportunidade de aprender como se relacionar, foi uma revelação. Carol sentiu-se mais capaz de se envolver em role- plays e em experimentos comportamentais para ver se conseguia apren der algumas novas habilidades. Combinando terapia cognitivo-comportamental e medicamentos 113 QUESTÕES ESPECIAIS NO TRATAMENTO COMBINADO DO TRANSTORNO BIPOLAR Há vários problemas específicos associados a ter um diagnóstico de transtorno bipolar para os quais as abordagens da TCC combinadas à me dicação são particularmente úteis. Em primeiro lugar, as técnicas específi cas da TCC são úteis quando os pacientes insistem em aspectos do diag nóstico, não com o pensamento distorcido,mas com pensamentos que se originam dos problemas muito reais associados à doença. Além disso, as crenças que os pacientes têm sobre a sua doença podem não ser precisas e representar problemas em seu manejo e recuperação. Sempre que possível estas crenças devem ser avaliadas e para tornarem mais funcionais e rea listas. As questões interpessoais e sociais devem ser um foco de atenção na terapia, tanto com a resolução de problemas quanto com o treinamento de habilidades. O suicídio é uma ameaça real quando os pacientes têm trans torno bipolar, e as abordagens específicas da TCC para o manejo do pa ciente bipolar suicida devem ser adotadas. Os episódios maníacos e a ci- clagem rápida são com frequência problemas clínicos desafiadores que exigem paciência e habilidade. Finalmente, a adesão ao tratamento medi camentoso é com frequência um desafio substancial no cuidado dos pa cientes bipolares. As abordagens específicas da TCC a serem usadas em combinação à medicação têm uma base de evidências substancial para melhorar a adesão neste contexto, resultando na prevenção de hospitaliza ção e reduzindo os episódios de instabilidade do humor. Cognições sobre o diagnóstico do transtorno bipolar que são verdadeiras e não proveitosas A realidade cotidiana de integrar um novo diagnóstico de transtor no bipolar na vida de uma pessoa é um desafio enorme. Frequentemen te, o paciente é um adulto jovem que precisa enfrentar o fato de ter uma doença séria e crônica que em geral irá requerer modificações e restri ções específicas dos seus objetivos de vida futuros e do seu comporta mento diário. Imagine a ruptura que a necessidade de horas de sono re gulares cria na vida de uma universitária típica que precisa lutar com o início desta doença. Determinadas aspirações de carreira devem ser re consideradas e às vezes descartadas. O dilema de o que dizer e quando dizer a outra pessoa é real e pode incorrer em perdas - com frequência 114 Donna M.Sudak em uma época da vida em que a confiança em relação aos relacionamen tos pessoais e à atratividade pessoal não estão em seu auge. Tristeza e raiva muitas vezes ocupam o paciente após o diagnóstico inicial. Os pa cientes em geral se identificam com pensamentos como “Não é justo eu ter isto!”. E estão certos. A boa terapia vai abrir espaço para estes pensa mentos e emoções. A próxima tarefa terapêutica é ajudar o paciente a modificar realisticamente suas expectativas, identificar novos objetivos que estejam ao seu alcance e trabalhar em prol deles. Outra “perda” da qual os pacientes quase sempre se queixam é a “perda” do estado maníaco - ou pelo menos de parte do estado maníaco que ocorre antes da perda do controle. Uma maneira de ajudar um pa ciente a lidar com a lamentação desta perda é identificar as partes deste estado mental que não são tão agradáveis. Outra técnica importante é validar a tristeza que o paciente sente e as perdas realísticas que existem Cp. ex., os aspectos do estado maníaco que o paciente valorizava - ener gia aumentada, autoconceito inflado etc.), e ao mesmo tempo reconhe cer os custos reais que este estado mental lhe causava. É importante que o clínico examine os prós e contras do estado maníaco para ter um plano claro e específico para enumerar os custos, porque o paciente pode ter uma memória mais vivida e positiva do seu estado de humor excitado. Uma boa ilustração disto é esta conversa que Carol teve com sua tera peuta sobre o manejo do hábito de sono. Carol: Eu simplesmente não consigo me esforçar para tentar dormir à meia-noite. Grande parte dos bons trabalhos que fiz no passado foram “elaborados no meio da noi te”. E eu demoro muito tempo apenas para conseguir me preparar para dormir. Terapeuta: Sei que esse é um hábito que você teve durante um lon go tempo. Lembra-se como examinamos os resultados do pouco sono? Carol: Eu sei, eu sei. Mas não me parece razoável que eu pre cise ser tão rígida comigo mesma. E, depois da última hospitalização, preciso recuperar o tempo perdido. Terapeuta: Você está se lembrando corretamente - com certeza houve momentos em que você conseguiu fazer as coisas ficando acordada até tarde. Mas então, o que aconteceu? Carol: Bom, perdi o controle. Quando estou no meu ápice, tra balhando com toda a minha energia, me sinto tão bem. Combinando terapia cognitivo-comportamental e medicamentos 115 Continuo desejando poder encontrar uma maneira de me manter nesse nível sem desmoronar. Terapeuta: Isso certamente faz sentido. Mas o que você sabe a res peito do quão realista é essa ideia? Carol: Foi um desastre nas últimas três vezes. Ainda assim, acho que consegui me controlar. Não é igual a quando eu era mais jovem. Terapeuta: Então precisamos encontrar uma maneira de você mu dar a ideia de que precisa recuperar o tempo da hospi talização e de que o melhor jeito de fazê-lo é ficar acor dada até tarde. Um conjunto diferente de pensamentos negativos realistas que os pa cientes têm se origina da necessidade de enfrentar os efeitos colaterais reais da medicação que são no mínimo desagradáveis e, no pior dos casos, uma fonte de importantes riscos para a saúde. As medicações atuais comumente utilizadas para o transtorno bipolar podem produzir outros problemas médi cos crônicos (p. ex, ganho de peso, hiperlipidemia e diabetes com medica ções antipsicóticas de segunda geração). As melhores práticas no tratamento colaborativo envolvem cada provedor realizar uma avaliação completa da resposta do paciente aos seus efeitos colaterais específicos e então fazer o maior esforço possível para encontrar soluções que sejam aceitáveis para o paciente. Nesse sentido, os resultados perfeitos são genuinamente o inimigo dos bons resultados. Há ocasiões em que é necessário comprometer-se para poder obter a aceitação do tratamento medicamentoso por parte do pacien te. Uma armadilha em que alguns provedores de medicação caem é dizer ao paciente que houve épocas no passado em que os efeitos colaterais da medi cação eram ainda piores e que o paciente deve ser grato pela disponibilida de de agentes mais novos. Esta linha de discussão não é útil e pode sabotar a adesão. Pode ser muito útil descrever como no futuro é extremamente provável que surjam outras medicações melhores disponíveis, com menos efeitos colaterais, e apresentar a história do manejo da medicação do trans torno bipolar como evidência de otimismo. Cognições distorcidas sobre ter transtorno bipolar É claro que nem todos os pensamentos que um dado paciente tem sobre viver com um diagnóstico de transtorno bipolar são precisos. Cada 116 Donna M. Sudak um de nós tem significados particulares sobre qualquer doença que pos sa ser uma “barreira” à medida que o tratamento prossegue. Pensamen tos distorcidos típicos sobre o transtorno bipolar podem ser provocados pela doença mental em si - muitos pacientes têm preconceitos culturais internalizados inexatos sobre a doença que prejudicam ainda mais sua autoestima. Estas crenças podem causar ainda mais dificuldade na acei tação do tratamento. Alguns pacientes negam (ou têm familiares que ne gam) a existência de qualquer doença mental - estes pacientes com fre quência dirão que o diagnóstico é uma “desculpa” e que eles só precisam se “esforçar mais”. O transtorno bipolar é tão invasivamente identificado como uma doença “biológica” que às vezes é difícil envolver os pacientes no traba lho da mudança dos hábitos de vida, pois eles acreditam que tudo o que precisam fazer para permanecer bem é tomar o medicamento. Esses pa cientes podem ter pensamentos como “Não há nada que eu possa fazer; é a minha constituição”. Quando um paciente tem estas crenças e fica deprimido, é muito difícil envolvê-lo no trabalho de ativação comporta- mental sem revelar e desafiar este pensamento. Outras crenças que po dem interferir no manejo do paciente incluem crenças sobre a medicação psicotrópica que podem interferir na adesão. Com frequência, essas crenças baseiam-se nas idéias do paciente sobre o relacionamento entre o transtorno bipolar e a criatividade ou a produtividade - por exemplo, “Não consigo escrever quando estou tomando lítio - ele embota o meu cérebro”. Os clínicos que trabalham com esses pacientes devem transpor uma linha tênue, reconhecendo que, embora seja verdade que os medi camentos prescritos para regular o humor têm efeitos colaterais cogniti vos, as consequências dos episódios de mania e depressão em relação à produtividade são muito piores. Jamison e colaboradores (Jamison, Gemer e Goodwin, 1979) questionaram pacientes sobre as razões para a descontinuação da medi cação logo após terem sido descobertas as propriedades estabilizadoras do humor do lítio. O estudo mostrou que, surpreendente, a razão mais importante apresentada pelos pacientes para a descontinuação da medi cação era o desconforto dos pacientes em relação ao fato de o seu humor ser controlado pela medicação. Esta é uma crença que convém trazer à tona e discutir. Entretanto, os pacientes que tiveram sintomas afetivos severos e ameaçadores podem desenvolver hipervigilância e temor sobre qualquer alteração no estado do humor, e restringem tanto suas vidas que isso pode contribuir para os sintomas depressivos. Carol, a paciente Combinando terapia cognitivo-comportamental e medicamentos 117 que estamos acompanhando neste capítulo, é um bom exemplo desse tipo de paciente. Carol entrou em tratamento por causa de uma exacerbação da de pressão. Quando seu terapeuta perguntou como era seu dia a dia, Carol respondeu que ia trabalhar e depois voltava para o seu apartamento e seguia a mesma rotina todos os dias. Preparava seu jantar, arrumava o apartamento, lia uma revista, tomava uma ducha e ia para cama depois de tomar seu medicamento. Nos fins de semana, encontrava sua prima na igreja, no domingo. Fazia algumas tarefas domésticas, mas nunca ia ao cinema nem saía para ouvir música - mesmo que anteriormente estas atividades tenham sido muito importantes para ela. Seu terapeuta per guntou por que ela havia parado de fazer estas coisas agradáveis. Carol respondeu que temia que isso contribuísse para que ela se tornasse “inte ressada demais em alguma coisa” e que acabasse aumentando muito o seu estado de humor. O terapeuta trabalhou com Carol para designar os experimentos comportamentais como uma “dose” de atividade agradável que ela podería experimentar no início do dia para ver o que acontecia com seu humor. Eles pouco a pouco incorporaram a cada dia várias ativi dades agradáveis e comedidas, e o humor de Carol melhorou. Questões interpessoais e sociais Os pacientes com transtorno bipolar enfrentam desafios interpes soais e sociais especiais, além dos atrasos desenvolvimentais previamen te mencionados e da tarefa intimidante de lidar com seus episódios de humor. Em primeiro lugar, os episódios agudos de mania ou depressão custam caro, interpessoal e socialmente. Os pacientes com frequência despendem grande parte do seu tempo e da sua energia tentando repa rar o dano de um episódio depressivo ou maníaco importante. Empregos são perdidos, o progresso acadêmico é prejudicado, relacionamentos ter minam, consequências legais e financeiras se acumulam, e a saúde e o bem-estar pioram. A família e os amigos podem chegar à exaustão como cuidadores e abandonar o paciente. Os recursos para os pacientes com doença mental severa são poucos. Estas perdas são particularmente do lorosas para os pacientes que tiveram esperanças e aspirações a uma tra jetória de vida diferente e que agora já não está mais facilmente disponí vel para eles - se é que ainda está disponível. A terapia deve apoiar os esforços do paciente para reparar sua vida e usar suas potencialidades 118 Donna M. Sudak para desenvolver um plano para um trabalho significativo e relaciona mentos sólidos. Um desencadeante comum para os episódios de humor pode ser o conflito no relacionamento. Os relacionamentos familiares podem ser uma fonte de estresse que prejudica o progresso do paciente, particularmente quando as famílias têm altos graus de expressão de emoção ou de crítica. Famílias e outras pessoas importantes que culpam o padente por seus sinto mas e que são invasivos e críticos em relação à adesão à medicação são par ticularmente problemáticas. A terapia deve incluir uma avaliação completa dos apoios interpessoais do paciente e, sempre que possível, a educação da família e de outras pessoas importantes. Quando Carol passava por dificul dades nos relacionamentos, prejudicava seu progresso. Carol teve um relacionamento importante com um homem quando estava com 20 e poucos anos. Ela o conheceu no seu programa de acompa nhamento após uma hospitalização. Ele tinha uma história de dependência de cocaína e depressão. Nos oito meses em que namoraram, foi com fre- quênda verbalmente abusivo com Carol e exigia que ela lhe desse dinheiro quando recebia seu salário. Se Carol se opusesse, dizia que ela era louca e que ninguém se interessaria em ter um relacionamento com alguém tão do ente quanto ela. Os pais de Carol também a criticavam constantemente e di ziam que, se ela tomasse a medicamento, estaria sendo fraca. Quando Carol e seu namorado se desentendiam, ele perguntava se ela estava tomando seu medicamento e dizia que ela estava “descontrolada” quando tentava enfren tá-lo. Carol foi hospitalizada três vezes nos oito meses em que estiveram juntos - cada vez que ela interrompia a medicação após uma discussão im portante com seu namorado. Carol achava que este era o único reladona- mento que ela teria na vida por causa da sua doença. Finalmente, os pacientes bipolares enfrentam desafios específicos em relação a encontrar um parceiro na vida e decidir sobre ter ou não ter filhos. As mulheres com transtorno bipolar enfrentam muitos proble mas quando optam por ter filhos - estes incluem a questão de possivel mente transmitirem o transtorno (uma preocupação também dos ho mens que têm transtorno bipolar); as dificuldades de ter uma gravidez normal devido ao potencial teratogênico de muitas das substâncias usa das para alcançar a estabilidade do seu humor; o potencial para induzir ciclos de humor ou mudar a forma do transtorno para uma ciclagem rá pida mais maligna quando a medicação é interrompida em um esforço para engravidar; o aumento nos ciclos, que é possível devido aos efeitos do estrógeno e da progesterona durante a gravidez e o pós-parto; o risco Combinando terapia cognitivo-comportamental e medicamentos 119 mais elevado de psicose pós-parto; e, finalmente, a importante insegu rança que pode ocorrer sobre a capacidade de ser uma mãe normal pelo fato de ter a doença. Além disso, administrar o estresse da vida com um bebê, particularmente porque a privação do sono é tão provocativa da mania, é uma tarefa intimidante para uma mulher com esta doença. A amamentação é outra dificuldade, devido à concentração de medicamen tos no leite materno. A criação de filhos é um exemplo excelente de uma situação que desafia os pacientes bipolares e seus provedores de cuidado - tanto as questões existenciais precisas quanto os significados pessoais idiossincráticos podem ser parte dos pensamentos e reações das pacien tes ao que normalmente é uma parte antecipada de modo positivo da vida adulta. E importante avaliar suas próprias crenças como cuidador de uma paciente bipolar que deseja engravidar. Frequentemente, os pro vedores e outras pessoas fazem julgamentos negativos sobre as pacientes com doença psiquiátrica crônica que querem ter filhos que não fariam sobre pacientes com uma doença médica crônica (p. ex., esclerose múlti pla ou diabete melito) que é adversamente impactada pela gravidez (Burt, Bernstein, Rosenstein e Altshuler, 2010). O suicídio no transtorno bipolar Os pacientes bipolares têm um dos riscos mais elevados de suicídio de qualquer transtorno psiquiátrico. De 15 a 20% dos pacientes com o transtorno morrerãopor suicídio, e os pacientes que são bipolares têm um grau maior de letalidade quando realizam tentativas de suicídio se comparados aos pacientes com outros transtornos mentais (Baldessarini et al., 2006). Uma razão para o aumento nos índices de suicídio pode ser que a quantidade de tempo passado na fase depressiva é consideravel mente maior para os pacientes bipolares. O antidepressivos não funcio nam para os pacientes bipolares em uma frequência significantemente maior em comparação aos pacientes com depressão unipolar; portanto, a carga de humor depressivo não aliviada pela medicação é bem mais ele vada. Além disso, a combinação da TCC à medicação pode ser uma força poderosa no trabalho para administrar o pensamento distorcido da de pressão quando os medicamentos são menos eficazes. Os clínicos que trabalham com pacientes com transtorno bipolar devem ensiná-los a exa minar de maneira ativa e direta seu pensamento para que essa habilida de seja bem aprendida e possa ser empregada quando os sintomas de 120 Donna M.Sudak humor ocorrerem. Uma vantagem da medicação em relação ao suicídio é que os pacientes que tomam lítio para lidar com sua instabilidade de hu mor têm um risco de suicídio mais baixo comparado a outros estabiliza dores do humor; esses pacientes têm um risco extremamente aumentado de suicídio quando interrompem o lítio, em particular quando o fazem de forma abrupta (Tondo, Hennen e Baldessarini, 2001). Um segundo fator que pode acelerar o risco de suicídio é que os pa cientes bipolares enfrentam importantes consequências psicossociais de correntes dos episódios de humor e, em geral, precisam reconstruir a vida repetidas vezes; com frequência os suportes sociais tornam-se alienados e os recursos são poucos. O paciente enfrenta a carga aumentada tanto do estado de humor quanto das consequências interpessoais do estado de hu mor. Como os pacientes bipolares têm um risco de morte tão significativo por suicídio, é fundamental que todas as pessoas envolvidas em seu trata mento e em seu apoio mantenham um alto nível de consciência do risco. Os clínicos devem perguntar direta e especificamente sobre o desejo do paciente de se matar e sobre o acesso a meios específicos (e, mais impor tante, sobre o acesso a armas), e então devem trabalhar com o paciente para enumerar ativamente as razões para viver e morrer quando o pensa mento suicida está presente. Os terapeutas devem ser ativos e colaborati- vos com o paciente, buscando o “lado negativo” do suicídio e ajudando o paciente a desenvolver resistência à ideia, aumentando o seu entendimen to de suas potencialidades e dos apoios a ele disponíveis. Um potencial fundamental a ser desenvolvido nos pacientes bipolares que estão em risco de suicídio é ajudá-los a aprender a adiar os impulsos - em particular, adiar a ação quando o pensamento suicida está presente. Os pacientes que são bipolares devem ter envolvimento com buscas significativas, objetivos de vida e conexões interpessoais. Os clínicos que trabalham com eles de vem ser proativos em ajudar o paciente a desenvolver conexões interpes soais sólidas. Os pacientes bipolares podem ter déficits de habilidades im portantes relacionados à capacidade de resolver problemas, particular mente problemas interpessoais. Este déficit de habilidades tem sido identi ficado como uma deficiência frequente em pacientes com comportamento suicida (McAuliffe et al., 2006). A terapia deve abordar ativa e diretamen te a aprendizagem para resolver conflitos interpessoais e ajudar o paciente a aprender como gerar e avaliar as soluções. Uma terceira questão relacionada ao suicídio é o abuso e a depen dência de substâncias comórbidos. Em pacientes com os dois problemas, as tentativas de suicídio são mais frequentes (Levin e Hennessey, 2004), Combinando terapia cognitivo-comportamental e medicamentos 121 particularmente quando o paciente tem transtorno do humor Bipolar I (Sublette et al., 2009). Os clínicos que trabalham com pacientes bipola- res podem melhorar a adesão, reduzir os episódios de humor e diminuir as tentativas de suicídio, avaliando com cuidado e visando especifica mente ao uso de substâncias. O autorrelato e as informações sobre o uso de substâncias devem ser obtidos rotineiramente, e os dois problemas devem ser tratados quando presentes. A entrevista motivacional (para melhorar a disposição para reduzir o uso), as estratégias de redução do dano, a terapia de grupo de diagnóstico duplo e os programas dos 12 passos podem complementar as estratégias cognitivas e comportamen- tais que impactam as duas condições. Manejo de episódios maníacos Os episódios maníacos são algumas das manifestações mais dra máticas e perigosas da doença mental. Estratégias comportamentais e farmacoterapia adjunta podem ser eficazes na antecipação ou na atenua ção da mania se os pacientes forem capazes de reconhecer os sintomas a tempo. Tempo e atenção adequados devem ser dedicados a ensinar ao paciente como reconhecer e responder a sintomas prodrômicos de mania durante períodos de humor normal. Um objetivo inicial do tratamento é persuadir o paciente da importância de controlar os sintomas maníacos. O uso de uma análise da vantagem e desvantagem de estar no estado maníaco, e o desenvolvimento de um registro do que o paciente acredite acontecer quando está em meio a episódios prodrômicos, iniciais e com pletos de mania são ferramentas muito importantes de empregar. Na terapia com responsabilidade dual é indicado um telefonema ao médico quando os sintomas maníacos têm início - o uso de medica ção pode ser valioso para aumentar o sono na fase prodrômica da mania, e a medicação pode reduzir qualquer hiperatividade e pensamento psicó tico se os sintomas forem mais severos. Os pacientes que estão desenvol vendo sintomas maníacos devem ser vistos e contatados mais frequente mente - outra vantagem do cuidado colaborativo. Monitorar o uso ina dequado de substâncias, ajudar o paciente a reduzir os estímulos e o es tresse comportamentais e interpessoais, e restabelecer um ciclo regular de dormir/acordar são de fundamental importância. Os apoios sociais do paciente devem ser contatados e “todo um séquito” instituído para evitar comportamentos impulsivos e precipitados - especificamente aqueles en- 122 Donna M. Sudak volvendo dinheiro, direção de automóvel ou atividade sexual. Os manu ais de tratamento cognitivo-comportamental (Newman et al., 2001) con têm várias estratégias maravilhosas para discutir e entrar em acordo com os pacientes quando eles estão eutímicos, as quais eles podem empregar quando sobrevem a mania - por exemplo, a “regra do feedback duplo" (quando o paciente deve verificar com dois amigos de confiança se uma perspectiva ou decisão faz sentido antes de colocá-la em ação) e a “regra das 48 horas” (o paciente deve esperar 48 horas - dois dias inteiros - e ter duas noites completas de sono antes de tomar qualquer decisão). Es tes acordos, quando são feitos antes da mudança para o humor maníaco, podem ser incrivelmente úteis para parar ou pelo menos diminuir o dano psicossocial de um episódio maníaco. As informações adicionais são de fundamental importância quando um paciente está hipomaníaco ou maníaco, particularmente em relação a qualquer história de comportamento agressivo e à disponibilidade de ar mas. Uma intervenção muito importante quando se trabalha com pacien tes bipolares é se certificar de estar sendo claro com o paciente e consigo mesmo, de que há limites para a capacidade da terapia e da medicação para deter todo episódio de mania. Os pacientes em geral ficam extrema mente envergonhados e acham que eles ou seu tratamento falharam quan do se esforçaram tanto para evitar a recaída e foram malsucedidos. A ver gonha desencadeia ainda mais depressão e desativa futuros esforços que visam à prevenção da recaída. Cada tombo é uma oportunidade para aprender mais sobre a doença do paciente e para reelaboraro plano. Estratégias específicas que tratam o transtorno bipolar de ciclagem rápida A habilidade e a persistência devem ser empregadas quando se trabalha com pacientes bipolares que têm uma forma mais desafiadora do transtorno - transtorno bipolar de ciclagem rápida. Esta forma de transtorno bipolar é definida pelo paciente que tem quatro episódios de perturbação do humor em 12 meses. Reilly-Harrington e Knaut (2005) desenvolveram um protocolo de tratamento específico para estes pacien tes, que são conhecidos por serem particularmente resistentes aos anti- depressivos e que sofrem uma perturbação importante na sua vida devi do aos seus estados de humor. Este protocolo solicita que o terapeuta e o Combinando terapia cognitivo-comportamental e medicamentos 123 paciente sejam particularmente diligentes na representação em um gráfi co do seu humor diário e empreguem cuidadosamente a resolução de pro blemas de uma maneira antecipatória para tomar as perturbações de cada episódio mais amenas e mais fáceis de manejar. Toda mudança sutil no humor do paciente, particularmente quando se inicia a mania ou a hipo- mania, deve ser tratada agressivamente. Quando um paciente tem esta forma de transtorno bipolar, é uma situação em que um terapeuta não psi quiatra precisa conhecer bastante bem os medicamentos para ter consciên cia de quais agentes podem ajudar o paciente e ter um meio rápido e con fiável de se comunicar com o provedor da medicação. No transtorno bipolar de ciclagem rápida, todos os membros da equipe de cuidado do paciente devem visar agressivamente ao sono re gular como um objetivo. Qualquer redução na duração do sono deve ser tratada farmacológica e comportamentalmente. Além disso, acrescentar estratégias cognitivo-comportamentais é ainda mais importante para aju dar os pacientes com a forma de ciclagem rápida da doença quando eles desenvolvem depressão. A farmacoterapia para depressão nesses pacien tes é de ajuda limitada. Alguns dados apontam para antidepressivos de determinados tipos (especificamente os antidepressivos tricíclicos e os antidepressivos ISRN/ISRS) como sendo aceleradores da frequência do ciclo, mas essas informações ainda precisam ser claramente identificadas (Licht, Gijsman, Nolen e Angst, 2008). Os antidepressivos também não são agentes confiáveis para aliviar os sintomas de depressão em pacien tes de ciclagem rápida. Portanto, quaisquer estratégias comportamentais empregadas quando a depressão se inicia podem ter uma função podero sa, ajudando o paciente a continuar a se manter engajado com ativida des positivas e dotadas de objetivo. As estratégias cognitivas podem aju dar os pacientes a reavaliarem as cogniçÕes negativas e estarem menos sujeitos aos vieses negativos que podem ser iniciados pelo desaponta mento e pelos eventos adversos da vida. Adesão à medicação no transtorno bipolar Nenhum capítulo sobre o tratamento do transtorno bipolar estaria completo sem uma discussão sobre a adesão ao tratamento. A combina ção de TCC e medicação comunica uma vantagem específica em relação à adesão nos pacientes bipolares. As estimativas de não adesão nos pa- 124 Donna M.Sudak cientes bipolares são de que uma entre três pessoas com o problema dei xa de tomar pelo menos 30% da medicação prescrita (Scott e Pope, 2002). A adesão à medicação é uma prioridade máxima devido aos ris cos de recaída, à possibilidade de deslocar o paciente para uma forma mais maligna da doença, à possibilidade de suicídio e ao dano psicosso- cial e interpessoal que podem surgir com um novo episódio. As crenças do paciente que afetam a adesão e as estratégias para se contrapor a estas crenças já foram discutidas no Capítulo 4. Todas as ar mas que existem no arsenal das estratégias cognitivas e comportamentais para melhorar a adesão devem estar disponíveis para um clínico que ma neja uma situação de não adesão em um paciente bipolar. Um problema fundamental envolvido na exigência de tomar o medicamento para qual quer doença crônica é que há poucas fontes óbvias de reforço para uma pessoa ingeri-lo em uma base diária quando ela se sente bem. Junto a isso há o fato de que muitos dos medicamentos que prescrevemos para o trans torno bipolar têm efeitos colaterais adversos. Os clínicos precisam ser con sistentes e repetitivos na educação do paciente sobre a justificativa para medicação. Quando um paciente está em tratamento com responsabilida de dual, todas as pessoas envolvidas no cuidado do paciente devem tornar a ajuda com os efeitos colaterais da medicação uma preocupação impor tante. Tanto o provedor da medicação quanto o terapeuta não psiquiátrico neste modelo devem colocar a adesão na agenda de cada sessão. As atri buições de tarefa de casa sobre medicação devem ser uma parte das ses sões de terapia e manejo do medicamento. Como há problemas de atenção e memória tão importantes associados ao transtorno bipolar, os pacientes precisam ser lembrados verbalmente e por escrito das razões pelas quais eles devem ser consistentes e previsíveis com a medicação. Os familiares e outras pessoas importantes devem ser incluídos no esforço para garantir que o medicamento seja tomado regularmente e devem estar conscientes de que a adesão é de fundamental importância. Todos que apoiam o pa ciente devem se lembrar de como é difícil lidar com regimes de farmacote- rapia com frequência complicados sob circunstâncias calmas e previsíveis, que dirá quando a vida está errática ou quando há eventos difíceis. O ob jetivo é reduzir ao máximo a não adesão, evitar as lutas de poder em rela ção à medicação e estimular a investigação diligente e metódica e a reso lução de problemas para lidar com os efeitos colaterais. Obviamente, uma boa aliança terapêutica aumenta e promove a adesão. Quer um único profissional seja responsável pelo paciente, quer o paciente esteja sob o cuidado de dois provedores, a atenção cuidadosa Combinando terapia cognitivo-comportamental e medicamentos 125 à qualidade do relacionamento é vital para o manejo do paciente. Quan to mais esses terapeutas e médicos compartilham uma linguagem co mum e apresentam recursos para melhorar a adesão, maior o reforço dos conceitos e das estratégias fundamentais para o paciente. Quando as ne cessidades do paciente como pessoa são reconhecidas e conceitualizadas pela equipe, é mais fácil conseguir a adesão. Os desafios que enfrentamos ao tratar os pacientes com transtorno bipolar são substanciais. O tratamento colaborativo ou a psicoterapia ba seada em evidências combinada à farmacoterapia com um único prove dor pode melhorar os resultados do paciente e aumentar a função psi- cossocial. VISÃO GERAL Os transtornos de ansiedade são algumas das condições psiquiátricas mais prevalentes e incapacitantes. Infeliz mente, não é fácil determinar se o tratamento isolado ou combinado é o melhor méto do para ser recomendado ao paciente com ansiedade. Os estudos de tra tamentos isolados versus combinados são poucos e com frequência com param diferentes tipos de medicações combinadas à TCC administrada em vários formatos. Além disso, há poucas evidências sobre como abor dar melhor os pacientes com ansiedade que têm condições comórbidas, o que é típico na prática clínica. Este capítulo revisa estudos existentes que combinam TCC e medicação para transtornos de ansiedade específi cos e descreve uma abordagem para integrar as duas modalidades. Devi do ao número de diagnósticos no espectro da ansiedade e à escassez de informações específicas sobre o tratamento combinado, o capítulo se ini cia com princípios gerais que facilitam o cuidado colaborativo no trata mento da ansiedade e depois avalia as evidências sobre o uso de medica mentos combinado à TCC no transtorno do pânico, no transtorno da an siedade social, no transtorno obsessivo-compulsivo e no transtorno do estresse pós-traumático. Estes quatro transtornos reúnem a maior parte das informações disponíveis sobre o tratamentocombinado. Combinando terapia cognitivo-comportamental e medicamentos 127 PRINCÍPIOS QUE FACILITAM O TRATAMENTO COM RESPONSABILIDADE DUAL NOS TRANSTORNOS DE ANSIEDADE Para colaborar no tratamento ideal de um paciente com ansiedade usando TCC e medicação, os profissionais precisam concordar sobre vá rios princípios teóricos importantes. Se estes estiverem em conflito, na melhor das hipóteses, o paciente ficará confuso; na pior, os esforços de tratamento irão fracassar. A ansiedade não pode ser erradicada Os pacientes que sofrem de ansiedade querem que ela desapareça de suas vidas. Desejam nunca mais experimentar as sensações físicas e o sofrimento psíquico da ansiedade. Aprendem rapidamente a evitar quaisquer estímulos associados à ansiedade. O alívio é o seu objetivo. Os profissionais que trabalham com esses pacientes precisam comunicar claramente que a ansiedade é boa. É uma emoção protetora e genetica mente pré-programada que facilita a sobrevivência. Os pacientes com ansiedade quase nunca consideram este fato e enxergam os sintomas que têm como totalmente patológicos ou perigosos. Um princípio do tratamento da TCC é que a ansiedade é normal e protetora, O tratamen to bem-sucedido dos transtornos de ansiedade ocorre empregando-se a educação do paciente, as estratégias de enfrentamento, a exposição e a reestruturação cognitiva. Portanto, os pacientes precisam entender o mecanismo fisiológico subjacente à ansiedade para enfrentar os sinto mas e reestruturar as cognições disfuncionais. O “ciclo vicioso” que ocorre quando os pacientes têm crenças catastróficas sobre a sua ansie dade precisa ser descrito. Além disso, os pacientes devem aprender que os sintomas de ansiedade normalmente aumentam e diminuem - e que, cada vez que os sintomas retornam, há uma oportunidade para a práti ca de seu manejo e a exposição. Este fato pode ajudar os pacientes a pa rar de comparar os sintomas de uma recorrência da ansiedade com a ideia de que o tratamento “fracassou”. No tratamento com responsabilidade dual, diferenças como a vi são de um profissional que considera a ansiedade uma manifestação de conflitos intrapsíquicos profundos trabalhando com um dínico que usa a TCC, ou a crença de um médico de que a medicação deve ser prescrita para erradicar todos os sintomas de ansiedade trabalhando com um tera- 128 Donna M. Sudak peuta que está tentando conduzir o paciente à exposição, podem destruir uma abordagem integrada do problema. Uma boa ilustração de como a falta de tratamento integrado pode impactar o tratamento para a ansiedade é o caso de Robert, um paciente com transtorno de ansiedade social e depressão maior. Robert é um homem de 32 anos que mora sozinho. Sua vida tem sido severamente prejudicada por seus sintomas; embora ele seja extrema mente inteligente, não terminou a faculdade, tem poucos contatos sociais e só consegue trabalhar como lavador de pratos em um restaurante - food. Robert foi encaminhado para tratamento por seu médico da atenção primária. Recebeu uma prescrição para sertralina e clonazepan depois de falar com seu médico sobre a profundidade da sua depressão durante seu exame físico anual. Robert só toma o donazepam antes de ir trabalhar. Ele o “economiza” para esse momento do dia porque, pela primeira vez, tem tido algum alívio do terror de deixar seu apartamento, do temor de con frontar seus colegas e do seu medo de ser desaprovado. Preocupa-se com a necessidade de retomar ao seu médico para conseguir uma nova prescri ção para o clonazepam e teme que ele possa não renová-la. A história de Robert é um bom exemplo das dificuldades que exis tem quando se maneja pacientes que estão sendo medicados para a an siedade sem os benefícios de uma abordagem integrada - ele agora está mais preocupado em obter mais medicamentos para aliviar parcialmente seus sintomas e não compreende a natureza do seu problema. Robert provavelmente também está confuso pelo fato de que o tratamento bem- sucedido incluirá experimentar e tolerar sua ansiedade em um contexto diferente, uma vez que apenas obteve um alivio extremamente necessá rio e acredita que sua ansiedade possa “ir embora”. Os pacientes devem parar de evitar os comportamentos sempre que for possível Todos os envolvidos no cuidado de um paciente com ansiedade de vem incentivar o paciente a se engajar no tratamento baseado na exposi ção. A exposição é um dos tratamentos psicológicos conhecidos mais po tentes. Infelizmente, é subutilizado e inconsistentemente aplicado por muitos profissionais e pacientes. No tratamento combinado para pacien tes ansiosos, o apoio conjunto dos esforços dos pacientes para gradual e frequentemente confrontarem as fontes internas e externas que provo- Combinando terapia cognitivo-comportamental e medicamentos 129 cam ansiedade é essencial para o sucesso. Muitas pessoas entendem in tuitivamente o princípio básico da exposição - ou seja, aumentar de for ma gradual a dificuldade dos estímulos confrontados e permanecer em contato com os estímulos até a ansiedade diminuir. Se você perguntar a um paciente típico com ansiedade como se podería ajudar alguém com uma fobia simples, por exemplo, de cachorros, a maioria descrevería um exercício de exposição breve. O princípio de confrontação de situações temidas deliberada e cuidadosamente deve ser repetido e claramente co municado ao paciente por cada provedor do tratamento. A experiência da ansiedade deve ser buscada pelo paciente como um objetivo. Os pa cientes que estão engajados na exposição necessitam de apoio empático e elogio por seus esforços. O tratamento conjunto funciona melhor quan do cada parceiro indaga sobre a natureza e a extensão da prática da ex posição e depois aplaude os esforços do paciente. A exposição parece enganosamente simples, mas envolve criativi dade, planejamento e persistência. Identificar as previsões do paciente sobre o exercício facilita a reestruturação cognitiva, mas é frequentemen te negligenciado como uma parte do processo. Os exercícios de exposi ção precisam gerar sintomas: os itens devem ser suficientemente provo- cadores de ansiedade para os pacientes observarem uma redução na emoção à medida que se habituam. Também devem envolver um objeti vo sufi cientemente desejável para o paciente suportar tal desconforto e ter uma intensidade manejável. Por exemplo, um paciente religioso com agorafobia pode ter uma meta inicial de passar dez minutos em sua igre ja em uma tarde de domingo, quando não tiver mais ninguém lá. Como o circuito neural para a aprendizagem do medo está locali zado na amígdala, e como é provável que a exposição mude os caminhos neurais no hipocampo, a aprendizagem do medo não é “anulada” pela exposição. Os pacientes aprendem algo novo sobre o medo. Por isso, esta nova aprendizagem deve ocorrer frequentemente e em muitos contextos diferentes. A exposição deve ser repetida para consolidar a aprendiza gem e fazer a memória de trabalho automatizar que o estímulo temido é “seguro”. Este princípio significa que os melhores itens a serem designa dos são aqueles que o paciente pode usar repetidas vezes. Por exemplo, um indivíduo com fobia de voar que domina o seu medo em uma deter minada ocasião e depois fica sem voar por vários anos pode descobrir que torna a experimentar uma ansiedade severa ao antecipar um segun do voo. Se uma pessoa com esses medos precisa voar semanalmente a trabalho após o tratamento, o retomo dos sintomas é bem menos prová- 130 Donna M.Sudak vel. Os pacientes precisam saber que a prevenção da recaída envolve a prática contínua. Os pacientes com ansiedade podem provocar sintomas pelo simples fato de pensar nos estímulos ansiosos Outro conceito importante sobre os transtornos da ansiedade que os provedores de tratamento devem compartilhar é que os desencadean- tes dos sintomas dos pacientes se generalizam. Os pacientes podem se tornar cronicamente ansiosos ou preocupados em relação a ocorrênciasfuturas de ansiedade. Frequentemente, lutam com sintomas que são ge rados apenas por pensar nos estímulos que provocam ansiedade. Os pa cientes podem passar a ter medo de situações que “parecem” estar co nectadas à ansiedade. Os pacientes que realizaram tratamentos malsuce- didos para a ansiedade e que exibem sintomas contínuos podem se bene ficiar da discussão das expectativas negativas sobre o tratamento. Com frequência, a experiência de vida desses pacientes os ensinou que “nada funciona”. Os pacientes com ansiedade crônica muitas vezes têm preocu pações em relação a se sentirem oprimidos na terapia; temem “ter um colapso nervoso” ou “ficar psicóticos”. Para combater estas idéias, é ne cessária uma educação paciente e persistente. Reconheça empaticamente o desconforto experimentado por todos os pacientes ansiosos. Certifique -se de que você questiona sobre a evitação como um ímpeto para a falta de frequência ou adesão. A tarefa de casa deve ser realizável; o ideal é que ela seja planejada junto ao paciente. Quando empregamos ferramen tas como pedir ao paciente para avaliar sua porcentagem de crença so bre uma determinada previsão, esse pensamento começa a se tornar mais abstrato e menos poderoso. Uma boa ilustração de evitar pensar sobre os estímulos ansiosos é a de Marie, uma paciente com ataques de pânico severos. Marie é uma mulher de 30 anos com transtorno do pânico e ago- rafobia. Seu transtorno do pânico é em geral precipitado por medos de e/ou a sensação de vertigem. Marie evita pensar ou falar sobre estes epi sódios porque teme que, se o fizer, “irá provocá-los”. Evita quaisquer ati vidades que tenham sido associadas à sua vertigem (p. ex., ela nunca en tra em um elevador e evita estar sozinha sempre que possível). Marie acredita que falar sobre ou pensar em seus sintomas irá acentuá-los e piorá-los, e que ela vai “ficar louca”. Marie preocupa-se em buscar obje- Combinando terapia cognitivo-comportamental e medicamentos 131 tos nos quais ela possa se segurar ou lugares onde possa se sentar caso sinta vertigem. Evita virar sua cabeça rapidamente e qualquer mudança repentina de posição. A comorbidade é mais a regra do que a exceção em pacientes com transtornos de ansiedade Os pacientes com transtornos de ansiedade correm o risco de ex perimentar muitos tipos de ansiedade. Por exemplo, os pacientes com transtorno do pânico têm um alto risco de agorafobia. Os pacientes com transtornos de ansiedade apresentam risco mais elevado de depressão, com prevalência ao longo da vida de 50 a 60% em pacientes que têm transtorno do pânico (Kessler et al., 1998). Os pacientes com ansiedade e depressão comórbida correm um risco maior de tentativas de suicídio e de concretização dele (Weissman, Klerman, Markowitz e Ovelette, 1989) do que os pacientes com apenas uma das condições. O abuso e a depen dência de substâncias são frequentes, talvez porque os pacientes as utili zem para obter alívios de sintomas ou devido a uma predisposição gené tica para as duas condições. As condições comórbidas tornam o trata mento mais complicado. Os transtornos de ansiedade são frequentemen te heterogêneos em sua apresentação - os pacientes têm sintomas que se justapõem entre as categorias diagnosticas e podem parecer ter mais de um tipo de transtorno simultaneamente. Uma boa abordagem é pensar na ansiedade de um modo transdiagnóstico, ou seja, como um processo de pensamento e percepção com alvos que são equivocadamente perce bidos como perigosos e que variam de pessoa para pessoa. A doença mental comórbida, como a depressão ou o abuso de substâncias, requer uma revisão cautelosa de que transtorno causa mais estresse e se um transtorno impedirá o tratamento bem-sucedido do outro para determi nar como proceder primeiro. A luta para estabelecer prioridades no tra tamento é ilustrada por Barbara. Barbam é uma mulher de 23 anos que tem transtorno obsessivo-com- pulsivo severo e depressão maior. Ela é incapaz de sair de casa para qualquer coisa, exceto idas breves ao médico porque seus medos de contaminação são substanciais. Está aterrorizada com a ideia de ficar sem se lavar adequada mente e de que “algo terrível aconteça”. Barbara toma banhos de chuveiro que duram de três a quatro horas. Não tem energia para realizar nenhuma outra tarefa. Como sua vida se tomou progressivamente comprometida por 132 Donna M. Sudak sua ansiedade e depressão, passou a negligenciar também seu autocuidado básico. Não tem conseguido ir até a mercearia, está em licença administrati va no trabalho e só conseguiu ir ao consultório do seu médico porque seus pais a levaram depois de um encaminhamento do seu clínico geral. Barbara satisfaz os critérios para os dois diagnósticos do Eixo I. Suas obsessões e com pulsões são tão intrusivas que os esforços para instituir a ativação comporta- mental para a depressão provavelmente serão inúteis. Sua depressão é tão severa que as atividades requeridas para empregar exposição e prevenção de resposta parecem insuperáveis. Tem uma prescrição para sertralina dada por seu clínico, mas também está ansiosa demais para tomar o medicamento. A ansiedade é uma apresentação comum na atenção primária (Harman, Rollman, Hanusa, Lenze e Shear, 2002). Existem modelos para a implementação de elementos da TCC nas práticas de atenção primária; eles melhoram os resultados em pacientes que recebem medicação pres crita por seus médicos (Roy Byrne et al., 2005). A autoterapia em TCC e a TCC computadorizada também podem ser implementadas em locais de atenção primária e produzem melhores resultados para os pacientes. A comorbidade, quando se trata dos transtornos de ansiedade, pode significar lidar com doenças comórbidas físicas e psiquiátricas. Os pacientes com doenças médicas crônicas podem também ter um risco aumentado de ansiedade, dependendo da doença. Quando trabalham em tratamento com responsabilidade dual para transtornos de ansiedade neste contexto, os dois provedores devem comunicar uma mensagem clara de que os sintomas físi cos do paciente são bastante reais, mas nem sempre significam que o pa ciente está fisicamente em risco. Quando os pacientes têm problemas de saúde física (p. ex., coexistência de diabete melito ou enfisema) e um trans torno de ansiedade, uma abordagem de equipe é fundamental. A boa comu nicação com o médico que lida com a doença física do paciente é essencial para garantir que elementos da exposição interoceptiva possam ser conduzi dos com segurança e ajudar a educar o paciente sobre quais sintomas físicos são sinais para buscar ajuda. O médico da atenção primária ou o médico es pecialista é um componente fundamental do tratamento nesta situação e deve reforçar as sugestões feitas na terapia. A ansiedade limita a capacidade de processar informações Quando a ansiedade ocorre, a percepção, a memória e o pensa mento ficam prejudicados. A ansiedade estreita a capacidade para pro- Combinando terapia cognitivo-comportamental e medicamentos 133 cessar e reter informações. Esta mudança na memória e a atenção au mentada para a ameaça significam que o uso apenas dos registros de pensamentos para combater os sintomas pode ser menos eficaz. Os pa cientes podem ter dificuldade de identificar o que estão pensando em ocasiões de alta ansiedade. Os terapeutas devem tentar normalizar esta dificuldade relativa à memória e identificar as cognições catastróficas. Quando os pacientes retardam o processo da sua ansiedade e repetidas vezes fazem a si mesmos perguntas que suscitam pensamentos automáti cos (p. ex., “O que acabou de passar pela sua cabeça?”), têm maior pro babilidade de serem bem-sucedidos. A natureza reflexiva das respostas ansiosas torna os experimentos comportamentais e a exposição compo nentes importantes do tratamento. Como a ansiedade interfere na apren dizagem e na memória, a educação no tratamento dos transtornos de ansiedade deve ser repetitiva e em pequenas doses - o paciente não vaise lembrar de tudo o que é dito na primeira vez. Material escrito e dis cussões repetidas são essenciais. O manejo do estilo de vida e a prevenção da recaída são importantes para a recuperação sustentada Quer em tratamento único ou colaborativo, os pacientes que lutam contra transtornos de ansiedade devem conhecer os efeitos de alguns há bitos em relação à sua condição. O uso de substâncias (álcool, nicotina e estimulantes), o uso de cafeína, os hábitos de sono e exercícios, todos têm efeitos sobre a vulnerabilidade dos pacientes à ansiedade. Os costu mes sociais atuais nem sempre apoiam hábitos de vida saudáveis. Indiví duos psicologicamente vulneráveis não podem se permitir trabalhar ho ras seguidas sem tirar um tempo para o autocuidado apropriado, nem podem fazer uso de substâncias sem arriscar sintomas ou recaídas. Os pacientes com ansiedade também precisam aprender e praticar estratégias de prevenção de recaída. A ansiedade vai tornar a ocorrer de alguma forma quando o tratamento terminar. Os pacientes não devem entrar em pânico quando isto acontecer; devem deliberadamente empre gar estratégias que funcionaram para eles no passado. Cada oportunida de para praticar as técnicas aprendidas na terapia e para encarar os me dos fortalece a recuperação. 134 Donna M.Sudak EVIDÊNCIAS PARA COMBINAR MEDICAÇÃO E TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL PARA OS TRANSTORNOS DE ANSIEDADE Visão geral Os medicamentos psicotrópicos e a TCC são tratamentos indivi dualmente eficazes para os transtornos de ansiedade. Em geral, as inter venções da TCC produzem resultados mais duráveis quando o tratamen to é retirado. O uso da TCC pode ajudar na redução da medicação e pro porciona uma recuperação mais estável e prolongada se a medicação foi a modalidade inicial do tratamento (Otto et al, 1993). O tratamento combinado de TCC e medicação tem resultados mais variáveis. Em pri meiro lugar, para a maior parte dos transtornos, não foi comprovado que a TCC combinada à medicação, seja com antidepressivos ou benzodiaze- pínicos, tenha alguma vantagem ou tenha sido menos eficaz em compa ração ao tratamento único. Em segundo lugar, a combinação dos dois tratamentos pode ser mais rapidamente efetiva em muitos pacientes do que qualquer um dos tratamentos isoladamente, mas a durabilidade da resposta para o tratamento combinado não é tão boa quanto a do trata mento único. Em terceiro lugar, o uso dos benzodiazepínicos pode ate nuar os tratamentos baseados na exposição (Marks et al., 1993). Os ben- zodiazepínícos são extremamente bem tolerados e rapidamente efetivos, mas têm um risco de dependência, de retirada e de outros efeitos colate rais importantes, incluindo sedação, deficiência cognitiva e psicomotora e ansiedade de rebote quando a medicação é retirada. Outra revisão recente das evidências pró e contra o tratamento combinado (Zwanger, Diemer e Jabs, 2008) assume uma posição mais moderada. Esta revisão sugere direções futuras para a pesquisa que são similares àquelas discutidas no Capítulo 1; ou seja, que a pesquisa que identifica as características do paciente que nos ajudariam a identificar quem estaria mais adequado para que tipo de tratamento é o tipo de pesquisa mais necessário. Estes autores citam as revisões e as metanáli- ses abrangentes mais recentes sobre o tratamento combinado para TCC e medicação nos transtornos de ansiedade e observam que as questões me todológicas tornam os estudos existentes menos confiáveis devido à au sência de mudança significativa no resultado quando se combina medi cação e TCC. Além disso, eles citam que quase todos os estudos metana- Combinando terapia cognitivo-comportamental e medicamentos 135 líticos disponíveis versam sobre o transtorno do pânico (sete do total de onze estudos); apenas alguns investigam o TAS e o TAG, e a durabilidade não é avaliada em nenhum deles. Dos 11 estudos metanalíticos que ava liaram, 5 indicaram que a combinação de TCC e medicação era superior para o tratamento agudo, 2 indicaram que a TCC sozinha era melhor, 2 indicaram que o tratamento apenas com medicamentos era superior e 1 foi inconclusivo. Os autores sugerem mais pesquisas e recomendam o uso do tratamento combinado em pacientes com transtornos comórbidos ou em pacientes que não têm uma resposta para um tratamento único. Os transtornos de ansiedade que são acompanhados de condições comórbidas, como depressão, podem responder diferentemente ao trata mento combinado, mas isto ainda precisa ser testado. As condições comór bidas são comuns em populações com transtorno do pânico. Uma revisão indicou que o índice médio de aceitação do paciente nos estudos de eficá cia na ansiedade era de apenas 36% devido aos diagnósticos comórbidos (Westen e Morrison, 2001). Certamente, a depressão pode interferir na ca pacidade para participar da TCC para ansiedade. O tratamento da exposi ção é exigente, especialmente em pacientes com TOC e TEPT, e requer um investimento substancial de tempo e energia por parte do paciente, Se a depressão comórbida impede a participação no tratamento, o tratamento combinado pode aumentar os resultados positivos. Inversamente, a ansie dade pode interferir nas tarefas de ativação comportamental quando os pacientes estão deprimidos. Múltiplos alvos de tratamento podem compli car a terapia. Se o progresso não ocorre com intervenções da TCC em pa cientes com importante comorbidade, a consideração cuidadosa do trata mento farmacológico é garantida. Além disso, alguns pacientes estão tão incapacitados devido aos seus sintomas de ansiedade que uma resposta mais rápida é desejável. Nesta circunstância, o medicmento pode ser pres crito primeiro. Barbara, a paciente com TOC e depressão que citamos no início deste capítulo, é um bom exemplo desse tipo de paciente. Barbara foi levada por seus pais ao seu clínico geral depois de ter sido colocada em licença administrativa no trabalho. Ela estava quase in teiramente confinada e descrevia se sentir profundamente deprimida, com anedonia e insônia invasivas. Todo o seu foco de atenção estava vol tado para se lavar e limpar seu apartamento, devido à sua horrível sen sação de que ele estava contaminado. Ela achava que a sua vida não me recia ser vivida, embora tivesse terror da morte. Era incapaz de se con centrar para ler ou assistir à televisão pois era distraída pela necessidade 136 Donna M. Sudak de lavar suas mãos. Barbara foi tratada por seu clínico geral com sertrali- na e encaminhada à terapia para o seu TOC. O tratamento combinado para a ansiedade ocorre normalmente quando os pacientes são encaminhados pelos médicos da atenção primária à terapia depois de terem prescrito uma medicação inicial para os sinto mas. Nestas circunstâncias, adicionar a TCC pode facilitar a descontinua- ção da medicação e aumentar a chance de uma total recuperação. Esta se quência de tratamento é similar ao tratamento empregado na depressão maior, conforme descrito no Capítulo 5. A prática permite que o paciente primeiro obtenha alívio dos sintomas e depois se envolva na TCC quando podem ser mais capazes de lembrar a justificativa, as ferramentas e as no vas habilidades a serem enfrentadas. A medicação é então descontinuada. Daí em diante, o paciente usa a exposição e a reestruturação cognitiva para continuar a lidar com situações previamente temidas. Muitos autores acreditam que, se os pacientes aprendem as habi lidades da TCC só quando tomam medicamentos, o contexto interno do paciente (as sensações físicas que o paciente tem quando toma medica ção) e o contexto externo (o ato de tomar comprimidos) serão alterados quando ele para de tomar os comprimidos, então o tratamento deve se estender até depois de a medicação ter sido descontinuada, ou a recaída torna-se mais provável. Devido a esta alteração no ambiente de apren dizagem, os pacientes se beneficiam conduzindo a exposição tanto du rante quanto depois da redução da medicação (S mitts, O’Cleirigh e Otto,2006). Quando os pacientes que estão recebendo tratamento combinado começam a reduzir a medicação, seja de benzodiazepínicos ou antide- pressivos, é fundamental que a redução seja realizada muito lentamente. Os sintomas de descontinuação são comuns quando os antidepressivos são rapidamente reduzidos e podem exacerbar a ansiedade. A ansiedade do rebote pode prejudicar o progresso. Um estudo recente indica que o intervalo até a recorrência do transtorno do pânico é bem mais curto se a descontinuação da medicação for rápida (Baldessarini, Tondo, Ghiani e Lepri, 2010). Os benzodiazepínicos são famosos por produzir o rebote da ansiedade quando reduzidos. Quanto maior a dose e quanto mais longa a duração do uso dos benzodiazepínicos, mais benéfica é a duração pro longada de uma redução. Os pacientes também terão uma sensação de maior controle e serão mais capazes de tolerar a descontinuação da me dicação quando estiverem conscientes de que isso vai acontecer de um Combinando terapia cognitivo-comportamental e medicamentos 137 modo lento e deliberado. O sucesso na tolerância de pequenas reduções na dosagem é uma experiência de domínio para o paciente e facilita pos teriores reduções da dose. Evidências para o uso do tratamento combinado no transtorno do pânico O transtorno do pânico é uma doença debilitante que afeta adver samente a qualidade de vida e a produtividade de um paciente devido ao estresse emocional e à evitação comportamental aprendida. Aumenta o risco de outros transtornos mentais, como depressão e abuso de subs tâncias, e comunica um risco aumentado de morte por suicídio e doença cardiovascular. Como as doenças físicas podem imitar o pânico, é impor tante que todo paciente com transtorno do pânico tenha uma avaliação de saúde completa para se ter certeza de que nenhuma condição médica tratável (hipertireoidismo, p. ex.) esteja causando o problema antes de se continuar a terapia. Os pacientes com pânico experienciam seus problemas como total mente incontroláveis e imprevisíveis. Eles desenvolvem uma predisposição para um grau mais elevado de apreensão que causa muita preocupação em relação à possibilidade de futuros ataques (Bouton, Mineka e Barlow, 2001); além disso, eles se tomam totalmente atentos às sensações fisioló gicas que acompanham o ataque. Os pacientes com pânico se beneficiam do entendimento de que podem ter uma predisposição temperamental à ansiedade aumentada e à sensibilidade aumentada para a ansiedade e para as sensações fisiológicas. Outros problemas acontecem quando os pa cientes tentam enfrentar os sintomas; ou começam a evitar os estímulos associados aos seus sintomas, ou começam a abusar dos medicamentos prescritos ou de substâncias em um esforço para se adaptarem. Estudos dos benzodiazepínicos (alprazolam) (Marks et al., 1993) e da imipramina (Barlow, Gorman, Shear e Woods, 2000) combinados à TCC não mostram vantagem para o tratamento combinado em relação ao tratamento isolado e indicam respostas menos duráveis do tratamen to quando este termina. Não surpreendentemente, no estudo dos benzo diazepínicos citado, o melhor preditor da recaída foi o grau que os res- pondedores atribuíram ao seu sucesso em tomar a medicação (Basoglu et al., 1994). Uma crítica importante dos estudos de Barlow e Marks pre- 138 Donna M. Sudak viamente referidos é que a natureza e a dose dos medicamentos usados não são típicas na prática clínica atual - a imipramina raramente é pres crita para o transtorno do pânico, e a dosagem do alprazolam usada era bem mais alta do que a geralmente prescrita e por uma curta duração. A velocidade da redução da medicação nos dois estudos foi muito mais rá pida do que a maioria dos clínicos recomendaria em pacientes com trans torno do pânico. Uma redução de sete a quatorze dias da medicação com frequência produz importantes sintomas de rebote nesses pacientes, mas é característica nos estudos de pesquisa. O uso dos benzodiazepínicos quando necessário e a provisão de TCC podem ser o pior método de combinação de tratamento, porque o alívio rápi do dos sintomas que ocorre após o uso de um benzodiazepínico é um refor- çador potente do uso do medicamento e elimina a chance para a exposição e para o enfrentamento ativo. Além disso, há o já mencionado perigo de que o padente atribua o enfrentamento bem-sucedido ao uso da medicação. Por tanto, seu uso para “eliminar” a ansiedade deve ser feito com cuidado e com conhedmento devido à natureza contraditória desta modalidade. A farmaco- terapia para o transtorno do pânico sem terapia tem um risco mais eleva do de rebote da ansiedade quando a medicação é interrompida (Fecknold, Swinson, Kuch e Lewis, 1998) e de índices de recorrência mais elevados se a medicação for descontinuada ou mantida (Simon et al., 2002). Alguns autores têm sugerido que a prescrição sequencial do trata mento combinado à TCC após uma prescrição inicial de benzodiazepíni cos no transtorno do pânico pode tanto facilitar a redução da substância quanto reduzir os índices de recaída, com a terapia ajudando os pacien tes a aprenderem a confrontar com sucesso situações temidas sem o uso de medicamentos (Spiegel e Bruce, 1997). Os benzodiazepínicos de bai xa potência não apresentam resultados consistentemente negativos como o alprazolam em estudos isolados, quando combinados à TCC, mas o acompanhamento de longo prazo do tratamento do diazepam combina do à exposição não mostra nenhuma vantagem na combinação (Wardle et al., 1994). Em curto prazo, os resultados variam, mas a metanálise dos estudos disponíveis não indica vantagens na combinação dos trata mentos. Se a combinação dos benzodiazepínicos à TCC for o caminho escolhido para lidar com o paciente, é mais bem-sucedido um programa lento e flexível para reduzir a medicação com o manejo ativo dos sinto mas do paciente. A boa comunicação entre os provedores é essencial, e os pacientes devem ser incentivados e apoiados no esforço para reduzir a Combinando terapia cognitivo-comportamental e medicamentos 139 medicação e tolerar o desconforto. Os pacientes devem se lembrar con sistentemente do objetivo que têm pela frente e das vantagens de parar com a medicação. Uma estratégia importante é lembrar o paciente de que a ansiedade é desconfortável, mas é normal, tolerável e não é peri gosa. Os pacientes que acreditam que os procedimentos do tratamento no transtorno do pânico fazem sentidos têm uma probabilidade muito maior de continuar e completar a redução da medicação. Apesar dos estudos individuais acima citados, uma revisão e meta- nálise recentes de estudos combinando a psicoterapia e os benzodiazepíni- cos (tanto a terapia comportamental quanto a cognitiva) para o transtorno do pânico indicaram que há evidências inadequadas para se saber ao certo que há benefícios ou malefícios com a combinação (Watanabe, Churchill e Furukawa, 2009). Somente três estudos foram elegíveis para inclusão nes ta revisão. Havia número insuficiente de pacientes para a análise detectar diferenças estatísticas entre os tratamentos. Esta revisão sistemática obser vou que “alguns estudos observacionais sugeriram que os benzodiazepíni- cos realmente interferiam nas intervenções cognitivo-comportamentais, enquanto outros sugeriram o contrário". Quando os dados dos estudos in cluídos na metanálise foram considerados, não houve vantagem com a combinação e houve uma tendência à desvantagem na combinação a lon go prazo (isto é, de seis a doze meses). Outros riscos do uso dos benzodia- zepínicos (dependência, deficiência cognitiva, danos por quedas) devem ser considerados ao se recomendar o tratamento combinado. Outra metanálise do tratamento combinado para o transtorno do pânico indica que o tratamento de curto prazo do transtorno do pânico é realizado de forma mais eficaz com antidepressivos e com exposição in vivo (Van Balkom et al., 1997). Esta revisão não considerou a durabilidade da resposta. Outra revisão mostroutambém que a combinação de antide pressivos e exposição é melhor no tratamento de longo prazo (Bakker et al., 1998). Certamente, adicionar tratamento com medicamento antide- pressivo à TCC é uma consideração se não houver resposta ou se houver uma resposta subótima à terapia, devido à falta de evidências claras. Uma nova aplicação do tratamento combinado tem grande pro messa no aumento da TCC para a ansiedade; especificamente aumentan do a eficácia dos tratamentos baseados na exposição, combinando o tra tamento da exposição com o medicamento D-cycloserina. Este método de tratamento combinado “estimula” a capacidade de aprender e de lem brar durante a exposição, em vez de tratar a ansiedade em si. A D-cyclo- 140 Donna M. Sudak serina é um antibiótico usado em infecções complicadas do trato urinário e tuberculose. Acredita-se que a D-cycloserina facilita a memória porque é um agonista parcial do receptor glutaminérgico N-metil-D-aspartate (NMDA). A extinção do medo tem sido relacionada a estes receptores, e eles também desempenham um papel importante na consolidação da aprendizagem e da memória de curto prazo. Já que supomos que a expo sição forma novas memórias que competem com a memória do medo, consolidar a memória acrescentando esta medicação podería melhorar os resultados. Estudos em animais sobre a extinção do medo inspiraram estes estudos com a D-cydoserina (Davis, Ressler, Rothbaum e Richardson, 2006). O tratamento de exposição combinado à D-cycloserina em peque nos estudos controlados de pacientes com TOC (Wilhelm et al., 2008), transtorno da ansiedade social (Guastella et al., 2008) e transtorno do pânico (Otto et al., 2010) indicam que os resultados podem ser significa tivamente melhorados com a combinação. Esta é uma aplicação instigan- te de uma combinação personalizada de intervenções que é derivada do nosso conhecimento ampliado do circuito do medo e das alterações cere brais que ocorrem durante a psicoterapia. Evidências para o uso do tratamento combinado no transtorno de ansiedade social (TAS) Um estudo recente controlado por placebo (Blanco et al., 2010) mostrou um benefício importante em pacientes com TAS ao se combinar o tratamento com tratamento cognitivo-comportamental de grupo (TCCG) para ansiedade social e fenilzina, um antidepressivo inibidor da monoami- na oxidase, escolhido porque tem uma longa história de eficácia documen tada no TAS. Os pacientes apresentaram resultados superiores com a com binação em relação a medidas específicas de severidade do sintoma no TAS, assim como com os índices de resposta e remissão, quando compara dos a qualquer um dos tratamentos isoladamente. Este estudo também ci tou outros estudos relevantes de tratamento combinado para o TAS; ape nas um deles usou a TCC (o outro usou apenas exposição). Os outros estudos existentes não mostraram diferenças significati vas entre os pacientes no tratamento combinado com fluoxetina e TCCG e os pacientes em uma única modalidade de tratamento (Davidson et al., 2004). Entretanto, existe pelo menos um estudo que não mostra diferen ça entre a fluoxetina e o placebo em pacientes com TAS que são tratados Combinando terapia cognitivo-comportamental e medicamentos 141 apenas com farmacoterapia (Kobak, Griest, Jefferson e Katzelnick, 2002), e por isso esta combinação pode não ser um bom teste de tratamento combinado efetivo. Blanco e colaboradores (2010 reanalisaram os da dos de um segundo estudo, que usou sertralina e exposição, e descobri ram que houve um gradiente da eficácia do tratamento, com o tratamen to combinado tendo o índice mais elevado. A durabilidade não foi ava liada em nenhum destes estudos de tratamentos combinados. Evidências para o uso do tratamento combinado no transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) O tratamento combinado para o TOC é, com frequência, o trata mento aplicado na prática clínica porque os sintomas do TOC são muito incapacitantes. Os pacientes são frequentemente relutantes em se enga jar na exposição e no tratamento de prevenção do ritual sem receberem algum alívio dos sintomas com medicação. Como um número substancial de pacientes com TOC continua a ter sintomas com qualquer um dos tra tamentos isoladamente, seria desejável encontrar uma combinação que proporcione mais alívio. Apesar disso, as evidências de a combinação de TCC à medicação ser superior à TCC sozinha para o TOC não são claras. Um problema importante com os dados disponíveis de estudos controla dos sobre a possibilidade de o tratamento combinado ser superior no TOC é que os estudos existentes excluem os pacientes com condições co- mórbidas, tão comuns no TOC. Um estudo de pacientes com TOC que estavam tomando medica mento antidepressivo adequado, mas tinham sintomas residuais, con cluiu que acrescentar a exposição e a prevenção de resposta ajudou os pacientes a reduzirem moderadamente estes sintomas (Simpson et al., 2008). Muitos pacientes com TOC que só conseguiram uma resposta par cial aos antidepressivos recebem agentes antipsicóticos ou um antide pressivo adicional para ver se isto reduz os sintomas. O acréscimo com a TCC teve menos efeitos colaterais do que uma medicação adicional e pode proporcionar aos pacientes estratégias de enfrentamento para os sintomas que duram mais tempo. A TCC não foi diretamente comparada à adição de medicações antipsicóticas nos pacientes com TOC com sinto mas residuais que estão tomando antidepressivos. Um estudo controlado mostrou que os pacientes com TOC que fo ram tratados com medicamentos antidepressivos e TCC não foram subs- 142 Donna M. Sudak tancialmente beneficiados em comparação aos pacientes que só recebe ram TCC (Franklin, Abramowitz, Bux, Zoellner e Feeny, 2002). Estes pa cientes não tinham condições comórbidas, como depressão, que pudes sem interferir na participação na exposição e na prevenção de resposta. Um resultado importante no tratamento combinado neste estudo foi que os pacientes aos quais foram prescritas medicamentos ISRS e depois co meçaram a TCC não tiveram interferência da medicação nos efeitos da exposição. Este resultado pode pelo menos nos dar certeza de que não sabotaremos os efeitos poderosos da exposição e da prevenção de res posta, caso optemos por recomendar a combinação de antidepressivos e TCC. Dados de acompanhamento sobre a durabilidade não foram apresen tados no estudo. Uma revisão de estudos de tratamento combinado no TOC indica que um dos quatro estudos mostrou claramente que o tratamento combinado foi melhor no tratamento agudo do transtorno (Black, 2006). Evidências para o uso do tratamento combinado no transtorno do estresse pós-traumático (TEPT) Tanto os antidepressivos ISRS quanto a TCC têm evidência de efi cácia no TEPT. Outros medicamentos (antidepressivos tricíclícos, medi camentos antipsicóticos atípicos, estabilizadores do humor) também têm sido testados com alguns resultados positivos. Uma revisão recente das evidências para o tratamento combinado foi conduzida para avaliar os resultados no tratamento do TEPT. Apenas quatro estudos (com um total combinado de 124 pacientes) foram de qualidade suficiente para mere cer sua inclusão. Nesta revisão, não houve diferenças significativas nos resultados no tratamento combinado versus o tratamento isolado com cada modalidade (Hetrick, Purcell, Garner e Parslow, 2010). Mais uma vez, como só estão disponíveis evidências tão escassas, a melhor reco mendação é que a resposta clínica pode ser a única maneira de ajudar os clínicos a decidirem quando usar o tratamento isolado ou combinado. Em resumo, não há evidências claras sobre qual tratamento reco mendar para um paciente ansioso. Transtorno por transtorno, a mínima orientação que temos até agora produz as seguintes recomendações: 1. No transtorno do pânico, use a TCC sozinha quando esta estiver disponível e quando o nível de severidade do paciente assim o permitir. Se for proporcionado tratamento combinado, use a Combinandoterapia cognítivo-comportamental e medicamentos 143 TCC para ajudar o paciente a descontinuar a medicação e para garantir a generalização de habilidades após o tratamento com medicação. Reduza a medicação extremamente devagar. 2. No TAS, o tratamento combinado pode ser mais eficaz na condi ção aguda, Não há clareza sobre sua durabilidade. Mais uma vez, a severidade e a comorbidade com frequência serão fatores que tornarão mais clara a tomada de decisão. 3. No TOC, os pacientes com sintomas severos ou transtornos psi quiátricos comórbidos podem tolerar a exposição e a prevenção de resposta somente se receberem medicação primeiro. Os anti- depressivos ISRS e a clorimipramina são potentes redutores do medo que não interferem nos benefícios da exposição e da pre venção de resposta. 4. Os benefícios dos medicamentos benzodiazepínicos raramente são compensados pelos riscos e sintomas de rebote. 5. Mais dados são necessários para nos ajudar a fazer melhores re comendações no TEPT. VISÃO GERAL A alimentação perturbada, seja na forma de compulsão alimentar periódica, anorexia nervosa ou bulimia nervosa, apresenta um desafio ao clínico e é uma fonte de morbid ade e mortalidade im portantes. Os transtornos alimentares são com frequência doenças crônicas - a anorexia e a bulimia apresentam índices importantes de recaída. As condições psiquiátricas comórbidas são a regra, não a exce ção. As complicações médicas dos transtornos alimentares encurtam a vida e prejudicam o desenvolvimento físico. Os índices de suicídio nestes pacientes são altos. Os clínicos precisam tomar decisões fun damentadas e oportunas sobre o uso de medicação nos pacientes com transtornos alimentares porque há um alto índice de encerramento pre maturo do tratamento, o que perpetua a doença crônica. A escolha do momento das intervenções clínicas pode influenciar a adesão e o resultado. O cuidado colaborativo é comum no tratamento da maioria dos pacientes com transtornos alimentares. Mesmo que um psiquiatra esteja prescrevendo medicamentos e provendo terapia, ou que um terapeuta não psiquiatra esteja conduzindo terapia sem medicação, os pacientes em geral requerem o monitoramento médico de um clínico geral, pedia tra ou médico de família para garantir que estejam medicamente está veis e que o tratamento ambulatorial seja adequado. A maioria dos pa cientes com transtornos alimentares não desenvolve complicações seve- Combinando terapia cognitivo-comportamental e medicamentos 145 ras, mas, quando surgem preocupações médicas, elas podem oferecer risco à vida e requerer ação coordenada e rápida. Embora os transtornos alimentares possam ser conceitualizados de um modo transdiagnóstico (Fairburn, 2008), este capítulo separa as enti dades diagnosticas porque a pesquisa sobre o tratamento é dividido por transtorno. Como os dados sobre a compulsão alimentar periódica são li mitados, o capítulo foca exclusivamente a anorexia e a bulimia nervosa. EVIDÊNCIAS PARA O USO DO TRATAMENTO COMBINADO COM TCC E MEDICAÇÃO Evidências para o uso do tratamento combinado na anorexia nervosa Os dados relacionados ao uso de medicamentos psicotrópicos na ano rexia são raros. Uma razão de termos tão pouca informação sobre o assunto está no desafio de estudar a anorexia. E uma condição relativamente rara, afetando apenas 0,5% das mulheres nos Estados Unidos (Hsu, 1996). Os pa cientes com anorexia são em geral adolescentes jovens, de forma que há com frequência uma preocupação ética sobre a sua capacidade de aceitar a parti cipação em projetos de pesquisa. Os medicamentos podem ter efeitos inespe rados em pacientes mais jovens ou em pacientes que se privam de alimento, em comparação a adultos com um peso corporal normal. Pacientes mais ve lhos com anorexia crônica apresentam um índice muito elevado de abando no do tratamento. Em pacientes com peso extremamente baixo, a participa ção em pesquisas é particularmente problemática do ponto de vista ético, pois o problema oferece risco à vida. Pacientes cronicamente doentes são di fíceis de estudar porque não conseguimos evitar uma forma particular de tra tamento reconhecidamente eficaz para estudar outra (Halmi, 2008). Os agentes psicotrópicos têm sido estudados na anorexia com dois objetivos: produzir ganho de peso e administrar condições psiquiátricas comórbidas. Evidências para o uso de medicamentos psicotrópicos para promover ganho de peso na anorexia Os agentes psicotrópicos que têm sido usados para promover ga nho de peso na anorexia incluem antidepressivos (tanto antidepressivos 146 Donna M. Sudak triciclicos quanto inibidores seletivos de recaptação de serotonin a, ou ISRS) e medicamentos antipsicóticos (tanto neurolépticos quanto medi camentos antipsicóticos de segunda geração). Os antidepressivos não têm sido eficazes na promoção do ganho de peso, embora vários estu dos tenham indicado que eles podem ajudar os pacientes a prevenir a perda de peso quando um IMC (índice de massa corporal) normal é res tabelecido (Kaye et al., 2001). Devido ao importante perfil de efeitos colaterais dos antidepressivos triciclicos, o uso dos ISRSs é mais deseja do e mais bem tolerado. A ciproeptadina não é um psicotrópico, mas é um anti-histamínico potente e um agente serotonérgico. Tem sido estudada como um agente para promover ganho de peso em pacientes internados com anorexia. Os pacientes com o subtipo não bulímico da anorexia que receberam doses muito altas (32mg) de ciproeptadina apresentaram uma melhora muito modesta. Entretanto, esta dosagem é extremamente sedante e, por isso, não é aceitável para a maioria dos pacientes internados e, em geral, para todos os pacientes ambulatoriais (Halmi, Eckert, LaDu e Cohen, 1986). Inicialmente, esperava-se que os agentes neurolépticos fossem muito promissores como um tratamento adjunto para a anorexia, pois os pacientes têm um grau enorme de perturbação do pensamento em rela ção ao seu peso e à sua alimentação e mantêm rigidamente distorções da imagem corporal. Falar com um paciente que está morrendo de fome, mas insiste em afirmar como é gordo pode ser similar a falar com um pa ciente delirante. Infelizmente, os primeiros estudos de anorexia tratada com clorpromazina não mostraram que a substância produza algum be nefício significativo em relação à restauração do peso ou à alteração das idéias do paciente sobre peso e forma física. Quando os agentes antipsi cóticos de segunda geração foram desenvolvidos e mostraram ter o efei to colateral indesejável de ganho de peso, houve mais uma vez a espe rança de que a adição desses agentes ajudaria os pacientes com anore xia. Um estudo recente duplo-cego, controlado por placebo e com dura ção de dez semanas da olanzapina em uma programação de dosagem flexível mostrou um aumento no índice e na quantidade de peso que os pacientes ganharam e uma redução no pensamento obsessivo em relação à comida (Bissada, Tasca, Barber e Bradwejn, 2008) quando os pacientes receberam olanzapina. Um estudo não cego de comparação direta da clorpromazina e da olanzapina também favoreceu a olanzapina e mos- Combinando terapia cognitivo-comportamental e medicamentos 147 trou melhora nos resultados dos pacientes com o subtipo da anorexia. Este estudo piloto randomizado da olanzapina e da clorproma- zina também indicou que os pacientes tratados com olanzapina tiveram menos cognições intrusivas sobre o peso e a forma física (Mondraty et al., 2005). Uma revisão recente de 43 estudos de medicamentos antipsi- cóticos atípicos na anorexia identificou apenas 4 estudos randomizados controlados. Esta revisão concluiu que os medicamentos antipsicóticos atípicos têm algum efeito sobre a depressão, a ansiedade e os processos de pensamento centrais no transtorno alimentar, mas também apontou que não há informações suficientes para concluir que o ganho de peso na anorexia seja afetado por medicamentos antipsicóticos de segunda gera ção (McKnight e Park, 2010).Evidências para o uso de medicação para tratar condições comórbidas na anorexia Os medicamentos não psicotrópicos são tratamentos adjuntos pa dronizados na anorexia, E importante administrar a reposição de estro- gênio e vitaminas para mulheres com baixo peso severo para evitar oste- oporose e deficiências de vitamina. Muitos pacientes com anorexia que estão no hospital para se realimentarem são também tratados com anti- peristálticos para evitar o desconforto abdominal que vem com a reali- mentação de pacientes subalimentadas e para aumentar a aceitação da alimentação. Ainda não se comprovou que esses medicamentos aumen tem o ganho de peso, apesar de seu uso difundido. Os medicamentos também podem ser eficazes para lidar com as consideráveis comorbidades psiquiátricas em pacientes com anorexia. As doenças psiquiátricas são com frequência complicadas de diagnosticar em pacientes que estão totalmente abaixo do peso. Sintomas afetivos es tão frequentemente presentes nestes pacientes, mas distinguir se eles in dicam a presença de uma depressão primária ou se são um efeito secun dário da privação da alimentação é um desafio. A maioria dos pacientes com anorexia apresenta baixa autoestima, problemas com o sono, baixa libido e sentimentos de culpa e vergonha. Muitos clínicos tentarão utili zar o tratamento com antidepressivos para ver se alguns destes sintomas melhoram. Outro papel dos antidepressivos na prática clínica é tentar * N* de X: Transtorno alimentar em que a pessoa alterna entre um impulso para comer em exces so e a aversão à comida, caracterizado pela ingestão excessiva seguida de períodos de jejum ou vômitos induzidos. 148 Donna M. Sudak minimizar a importante dificuldade que os pacientes têm com a motiva ção para tornar a ganhar peso. Os medicamentos antidepressivos podem ser benéficos se os sintomas afetivos estiveram presentes durante um pe ríodo de remissão do transtorno alimentar, ou se antecedem o transtorno alimentar. Outros indicadores de que os antidepressivos podem ser úteis incluem sintomas depressivos que tenham aumentado recentemente, ou causado isolamento social, pensamentos suicidas ou pensamentos negativos importantes que envolvam mais do que a alimentação, a forma física ou o peso do paciente. Os pacientes que estão extremamente desesperançosos em relação à mudança e que não têm motivação para outras atividades também podem se beneficiar de uma experiência com medicação. Devido à natureza séria da anorexia e pelo fato de o progresso do tratamento poder ser prejudi cado se a depressão não for administrada agressivamente, é importante a avaliação contínua da presença de depressão maior. Quando os pacientes com anorexia têm uma clara depressão maior comórbida, tratar o transtorno do humor com farmacoterapia em vez de psicoterapia pode ser mais eficaz do que tentar fazer TCC para depressão enquanto se trata simultaneamente o problema alimentar. Os pacientes com anorexia terão deficiências cognitivas e de concentração devido à privação alimentar, o que irá interferir nas abordagens de TCC padroni zadas para a depressão. O tempo da terapia pode ser otimizado para o foco no problema alimentar em vez da depressão, pois não há tratamen tos biológicos eficazes para a anorexia, ao contrário da depressão. O alí vio proporcionado pelos antidepressivos pode ajudar o paciente a se con centrar e a participar mais da terapia que visa ao ganho de peso. A fluo- xetina tem sido o medicamento antidepressivo mais bem pesquisado dentre os usados na anorexia com depressão comórbida e é em geral prescrito em doses um pouco mais elevadas do que o normal. Embora os antidepressivos tricíclicos tenham sido usados no passado, há benefícios insuficientes para compensar o problema importante dos efeitos colate rais desta classe de substância, particularmente em pacientes que te nham um equilíbrio precário de fluido e eletrólitos e uma irritabilidade cardiovascular aumentada. Os antidepressivos desempenham um papel importante na anorexia após a restauração do peso; eles podem ajudar os pacientes a manter a restauração do seu peso, mesmo na ausência de uma depressão aguda coexistente (Kaye et al., 2001). Quando existe outra condição psiquiátrica comórbida que não a depressão, e a terapia é o método escolhido de tratamento, em geral é Combinando terapia cognitivo-comportamental e medicamentos 149 mais benéfico lidar com os problemas sequencialmente, a menos que a segunda condição interfira no tratamento do problema alimentar. Por exemplo, os pacientes com transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) in dependente do transtorno alimentar podem precisar esperar para traba lhar os sintomas do TOC até que estejam com seu peso restaurado. Como é difícil diagnosticar condições psiquiátricas independentes na presença da anorexia, em geral é prudente esperar pelo menos vários meses após o paciente atingir um IMG baixo estável (aproximadamente 19) para se ter absoluta certeza da presença de outras condições psiqui átricas. Pode demorar de 12 a 24 meses após a restauração do peso para se determinar a condição psiquiátrica básica de um paciente que se pri va da alimentação. Finalmente, os clínicos que tratam pacientes com anorexia precisam manter um alto grau de vigilância sobre o índice de cruzamento diagnósti co com outros transtornos alimentares quando os pacientes voltam a se alimentar. Muitos pacientes com anorexia que começam com um padrão restritivo de mudança alimentar passam para um padrão de binge-purge (Strober, Freeman e Morrell, 1997), que acaba desenvolvendo abulimia nervosa (Eddy et al., 2008). Os pacientes que estão com um peso muito baixo no início do tratamento têm um resultado significativamente pior e maior vulnerabilidade à recaída (Herzog et al., 1999). O exemplo de caso a seguir é uma boa ilustração dos problemas que são frequentemente en contrados no manejo de pacientes com anorexia crônica. Alice é uma mulher de 35 anos que foi encaminhada para trata mento por seu programa de assistência ao funcionário. A preocupação inicial era “depressão”, mas a assistente social da sua empresa estava muito mais preocupada com a perturbação de humor crônica, o pensa mento suicida passivo e a luta de uma vida inteira com a balança. Alice era uma jovem “gordinha” que se tornou obesa no final da infância e iní cio da adolescência. Ela descreve seus anos de ensino médio como “um inferno vivo” devido ao seu peso. Quando entrou na universidade, longe de casa, determinou-se a “se livrar da sua gordura como um casulo” e desenvolveu anorexia severa. Foi várias vezes hospitalizada durante os anos de faculdade e esteve em risco médico devido a desidratação e bra- dicardia com frequência. Alice terminou a faculdade em seis anos, mas fez a maior parte dos estudos internada em clínicas de tratamento psi quiátrico. Alice começou a vomitar depois de refeições normais como um meio de controlar o seu peso quando tinha 28 anos. Nunca comeu com- 150 Donna M.Sudak pulsivamente. Disse que ficou “difícil demais” manter seu peso em 43kg com a restrição da ingestão, os cigarros e os exercícios. Atualmente, está 18kg abaixo de seu peso ideal, 61 kg. Alice mora sozinha com seus dois cães. Além de trabalhar e ir à academia, não tem nenhum contato social. Ela se enxerga como malsucedida e incapaz de se “conectar” com as pes soas, e diz que “perdeu o trem” em relação a aprender a lidar com os re lacionamentos e com seu tempo livre. Evidências para o uso de tratamento combinado na bulimia nervosa Há um grande corpo de dados disponível para considerarmos o tratamento combinado para bulimia com TCC e medicação. Existem tan to estudos abertos quanto estudos controlados randomizados, embora haja variações em como os resultados são medidos. Alguns estudos se concentram na abstinência da bulimia como um resultado; outros me dem uma redução no número de episódios de compulsão alimentar pe riódica e vômitos. A durabilidade da respostaé uma variável avaliada em alguns estudos, mas não em outros. Os antidepressivos são os medicamentos mais frequentemente es tudados na bulimia. Tanto os antidepressivos trícíclicos quanto os ISRS têm sido avaliados como intervenções comparadas à TCC, e a combina ção de TCC e medicação comparada à TCC por si só ou à medicação ape nas tem sido testadas (Walsh et al., 1997). Também existem várias meta- nálises dos dados. Estas revisões indicam que a combinação de medica ção e TCC é superior, particularmente na redução da frequência da com pulsão alimentar periódica (Whittal, Agras e Gould 1999; Bacaltchuk, Hay e Trefiglio, 2001). Não há diferença na eficácia entre os antidepres sivos estudados (Bacaltchuk, Hay e Mari, 2000). Se o tratamento combi nado for aceitável e disponível como uma opção inicial, é a intervenção aguda mais potente. As características do paciente identificadas por estes estudos tam bém podem guiar nosso pensamento em relação à recomendação do tra tamento combinado versus o tratamento único na bulimia. Tanto os anti depressivos trícíclicos quanto os ISRSs melhoram os sintomas bulímicos com ou sem presença da depressão, em geral dentro de oito semanas (Mitchell e Groat, 1984). Quanto mais alta a frequência de vômitos do paciente, maior a probabilidade de a medicação ajudar; quanto mais bai- Combinando terapia cognitivo-comportamental e medicamentos 151 xo o peso do paciente, menor a probabilidade de a medicação ser eficaz (Garner, Olmstead e Polivy, 1983). Um fator que aumenta a resposta à combinação do tratamento é o fato de os medicamentos serem mais bem tolerados quando é acrescentada psicoterapia. Há um alto grau (mais de 40%) de desistência do paciente com o uso apenas de medicamentos (Bacaltchuk, Trefiglio, deOliveira, Lima e Mari, 1999). Dados da pesqui sa de TCC em pacientes bulímicos podem fundamentar nossa decisão so bre quando combinar o tratamento, caso esta não tenha sido a escolha inicial. Uma rápida redução no comportamento de compulsão alimentar periódica e vômito (de 70% ou mais) em torno da sexta ou sétima sessão de TCC tem mostrado ser preditiva de um resultado positivo (Wilson, Fairburn, Agras, Walsh e Kraemer, 2002; Agras et al., 2000). Se os pa cientes não tiveram uma redução inicial nos vômitos e ainda estão em terapia sem medicação, esta ausência de progresso deve desencadear uma discussão sobre a adição de tratamento antidepressivo como uma maneira de produzir um resultado mais favorável. A prática corrente no tratamento com medicação para pacientes com bulimia em geral é realizar uma experiência inicial com antidepressi- vos ISRSs. Os antidepressivos tricíclicos não são tão bem tolerados pelos pacientes e podem produzir efeitos colaterais perigosos, particularmente em pacientes com equilíbrios precários de fluido e eletrólito, e irritabilida de cardiovascular aumentada. Esses agentes são raramente usados hoje. Uma cautela adicional em relação aos antidepressivos adjunos é que a bu- propiona não deve ser usada com nenhum paciente com transtornos ali mentares devido à ocorrência de uma frequência mais elevada de convul sões nesta população com este agente. O mecanismo produtor da redução do comportamento de vômitos em pacientes com bulimia que recebem tratamento com antidepressivos é desconhecido. Os pacientes relatam re dução da fome e redução da preocupação com comida quando a medica ção funciona. Qualquer compulsão alimentar periódica relacionada ao hu mor pode também melhorar com tratamento antidepressivo. O topirama- to, substância estabilizadora do humor e antiepilética, tem sido recente mente investigado em pacientes com bulimia. Dois estudos controlados randomizados usando topiramato nesta população indicam que ele tem um efeito positivo na redução dos comportamentos de compulsão alimen tar periódica e vômito. Como se tem mostrado que o topiramato reduz o apetite, pode ter um potencial adicional para reduzir a frequência da com pulsão alimentar periódica (Pope e Hudson, 2004). Até agora, nenhum outro medicamento mostrou eficácia na redução dos sintomas bulímicos. 152 Donna M. Sudak O tratamento da bulimia apenas com medicação tem uma durabi lidade limitada depois que a medicação é descontinuada. Dos pacientes em tratamento apenas com medicações, de 30 a 40% apresentam reci- diva de quatro a seis meses depois da descontinuação das substâncias. Os índices de abstinência dos sintomas bulímicos também são baixos quando os pacientes recebem apenas medicação; em geral, apenas 30% dos pacientes param totalmente a compulsão alimentar periódica e os vômitos. A combinação ideal da medicação e da TCC em pacientes bulími cos emprega uma abordagem conceitualmente direcionada informada pelas características específicas do paciente que possam prever a respos ta ao tratamento. Um conhecimento perspicaz destes tipos de variáveis do paciente pode ajudar os clínicos a recomendar o tratamento combina do quando existem alvos de tratamento específicos que preveem um re sultado melhor. Por exemplo, a TCC seria uma importante recomendação de tratamento para pacientes que têm crenças disfuncionais significati vas e preocupação com o peso e com a forma física, ou para pacientes que apresentam compulsão alimentar periódica e vômitos em uma fre quência mais baixa (Garner et al., 1983). Estudos de uso apenas da TCC indicam que os pacientes ganham uma pequena quantidade de peso, en quanto aqueles pacientes que estão com medicação perderão uma pe quena quantidade de peso (Walsh et ah, 1997). Se a perda de peso tor naria qualquer tratamento mais aceitável para o paciente, então a adição de medicação à TCC pode ser útil. A TCC provavelmente funciona para ajudar os pacientes a reduzir a restrição da sua dieta, aumentar a cons ciência das estratégias de enfrentamento para os desencadeadores de compulsão alimentar periódica e modificar as atitudes disfuncionais em relação à comida, à alimentação, ao peso e à forma física (Wilson et al., 2002). Os pacientes que só querem tomar medicamento podem se bene ficiar de alguma ênfase nestas áreas de pensamento e comportamento com materiais breves de autoajuda e educacionais proporcionados nas sessões de manejo da medicação. Outros pacientes com transtornos ali mentares são emocionalmente descontrolados e impulsivos, e os proble mas alimentares funcionam como uma maneira de controlar a emoção. Pelo menos um estudo indica que a TCD pode controlar a compulsão ali mentar periódica e os vômitos em um grau similar ao da TCC para a bu limia nesta população específica de mulheres (Safer, Telch e Agras, 2001). As abordagens personalizadas para o paciente bulímico baseadas Combinando terapia cognitivo-comportamental e medicamentos 153 na conceitualização específica das características do paciente tem maior probabilidade de conseguir os melhores resultados. PROBLEMAS ESPECIAIS NO MANEJO DE PACIENTES COM TRANSTORNOS ALIMENTARES Além das características fundamentais dos transtornos alimentares - um distúrbio nos hábitos alimentares e um distúrbio na autopercepção em relação ao peso e à forma física - problemas específicos com frequên cia se apresentam quando se trabalha com esses pacientes em tratamen to com responsabilidade dual. Estes podem incluir problemas médicos, atendimento deficiente, não adesão à tarefa de casa ou às recomenda ções do tratamento e complicações das condições médicas e psiquiátricas comórbidas, incluindo transtornos do Eixo II. Problemas médicos e inanição Os transtornos alimentares estão associados a complicações físicas que podem ameaçar a vida. Estas podem incluir perturbações da função e da frequência cardíaca que poderíam potencialmente resultar em dano cardíaco irreversível ou morte. Problemas físicos comuns que ocorrem são o resultado de inanição, vômitos e abuso de laxantes. A obesidade é um risco nos transtornos alimentares. Todos os envolvidos no cuidado do paciente devem estar conscientes das preocupaçõescom a saúde física que existem nestes pacientes e colaborar ativamente para se certificarem de que o paciente está em segurança. A inanição tem efeitos físicos e psicológicos profundos. Um risco particular da inanição em mulheres com anorexia é que muitas delas fi cam nutricionalmente comprometidas enquanto ainda estão crescendo, por isso não atingem sua altura esperada. A baixa densidade óssea pode ocorrer como resultado de má nutrição e cessação das menstruações, com um início precoce de osteoporose. As pacientes que não se alimen tam desenvolvem motilidade gastrintestinal diminuída, com subsequente dilatação e desconforto depois de se alimentarem. Outros efeitos físicos da inanição incluem anormalidades cardíacas, atrofia do cérebro e dis- crasias sanguíneas (incluindo reduções nas hemácias e nas plaquetas). 154 Donna M.Sudak A inanição causa uma predisposição a infecções frequentes. Pelo fato de uma ampla série de sistemas corporais serem impactados por restrição calórica severa, a recuperação física é demorada. Os efeitos psicológicos da inanição são numerosos. A inanição re duz a concentração e a memória, aumenta a irritabilidade e a insônia e, finalmente, provoca uma preocupação marcante com a comida e a ali mentação. Os pacientes com frequência interpretam esta preocupação como evidência de que a sua alimentação pode ficar fora de controle. Eles se beneficiam da educação sobre os sintomas psicológicas da ano rexia que estão relacionados à inanição: achados recentes mostram que a inanição e o excesso de exercícios podem estimular suficientemente os centros de recompensa do cérebro para “viciar” o paciente nestes com portamentos (Schneider, 2008). Os pacientes com anorexia também se beneficiam se souberem que podem ser necessários muitos meses de restauração do peso antes que todos os sintomas psicológicos da inani ção desapareçam. A mortalidade em pacientes com anorexia (entre 15 e 24 anos) é doze vezes maior em comparação aos indivíduos que não apresentam o transtorno (Strober, Freeman e Morrell, 1997). Os pacientes com anorexia têm um risco mais elevado de morte do que aqueles com qualquer outro transtorno psiquiátrico (de até 19% quando não são tratados) (Andersen, 2007). Além da morte resultante do risco de complicações médicas da anorexia, o transtorno também provoca o suicídio em um índice aumenta do. Os médicos e clínicos que proporcionam psicoterapia precisam estar conscientes do potencial para pensamentos e comportamentos suicidas durante todo o tratamento, particularmente quando é iniciado tratamento com antidepressivo ISRS, pois muitos pacientes com anorexia são adoles centes e adultos jovens e podem apresentar pensamentos suicidas frequen tes no início do tratamento com ISRS. Caso ocorram pensamentos suici das, são indicadas técnicas para combatê-los, conforme descrito no Capítu lo 5. Quando os pacientes anoréxicos se recuperam, os provedores devem monitorá-los para riscos conhecidos, incluindo o desenvolvimento de ou tros transtornos alimentares, condições psiquiátricas comórbidas e risco de suicídio. O exemplo seguinte é uma boa ilustração das consequências do isolamento social crônico, dos deficits das habilidades interpessoais e da exaustão devido à batalha com a anorexia. Alice descreve ter poucas razões para evitar o suicídio. Tem uma longa história de ideação passiva, mas mais recentemente decidiu que, Combinando terapia cognitivo-comportamental e medicamentos 155 quando seus cães morrerem, ela vai se matar. Sente-se extremamente responsável por eles. Dr. Field identifica que os cães de Alice são jovens e saudáveis. Entretanto, coloca o suicídio e os comportamentos que ameaçam a vida em primeiro plano na sessão inicial. Ele identifica que não há risco imediato e engaja Alice na elaboração de um plano antis- suicidio. O tratamento colaborativo é essencial quando se trabalha com pa cientes com peso extremamente baixo, mesmo quando não estão sendo medicados. Os médicos envolvidos no tratamento devem estar em co municação com os profissionais de saúde mental que trabalham com o paciente. É extremamente útil se parte do tratamento inicial envolver o acordo conjunto sobre quando a hospitalização será recomendada e com que frequência deverão ser conduzidas investigações laboratoriais e a monitoração do peso. Os resultados do registro do peso devem ser claramente comunicados à paciente e a todos da equipe. Os profissio nais de saúde mental devem colaborar com os médicos para avaliar a necessidade de hospitalização ou de intervenções de tratamento mais restritivas, como a hospitalização parcial, em que pode ocorrer a ali mentação supervisionada. Muitos pacientes com peso extremamente baixo requerem alimentação supervisionada e suplementação nutricio nal para ganharem peso, porque o número de calorias necessárias para o aumento de peso é muito alto. Estruturar esta suplementação como “o alimento como remédio” é com frequência útil. Se o cuidado ambulato- rial for o tratamento escolhido, serão requeridos adjuntos nutricionais e apoio familiar (se o paciente morar com a família) caso o peso seja mui to baixo. Um bom exemplo da aliança com provedores médicos é o tra balho do Dr. Field com Alice. Em sua avaliação inicial de Alice, Dr. Field obteve o consentimento dela para falar com sua médica. Ela se sentiu bastante aliviada de Alice ter sido encaminhada para tratamento de saúde mental porque não ha via conseguido obter o consentimento da paciente para tratar de manei ra mais agressiva seus problemas alimentares. Estava há meses preocu pada com o peso de Alice. Concordou em trabalhar em parceria com o Dr. Field no cuidado de Alice e em lhe passar por fax, semanalmente, os resultados de peso, pressão arterial e nível sanguíneo de potássio de Ali ce, junto a qualquer outra descoberta ou mudança física pertinente. Dr. Field reconheceu que a aliança com a médica de Alice foi a parte fácil. O trabalho mais difícil envolveu negociar uma aliança tera- 156 Donna M. Sudak pêutica com Alice e ajudá-la a vislumbrar uma vida que merecesse ser vivida na ausência do seu transtorno alimentar. Durante duas sessões, ele usou técnicas de melhoria motivacional com Alice para avaliar seus objetivos e valores pessoais, e a relação desses com seu transtorno ali mentar. Problemas médicos relacionados à bulimia são em geral resulta do dos vômitos. O vômito e o abuso de laxantes produzem perturba ções importantes no equilíbrio dos eletrólitos. A prática pode resultar em perturbações na frequência cardíaca, e a consequência mais severa dessas perturbações rítmicas é o ínfarto do miocárdio ou a morte. O uso do Ipecac é outra causa de dano irreversível ao músculo cardíaco. O vômito repetido pode causar laceramentos ou rupturas esofágicas, que podem ser fatais. Além disso, a pneumonia por aspiração é outra complicação potencialmente fatal e o esmalte dentário pode ser perma nentemente danificado. Se o abuso de laxantes é o método de purga ção preferido do paciente, pode causar incontinência fecal e constipa ção crônica. Os pacientes bulímicos requerem hospitalização quando os distúrbios dos eletrólitos causam ameaça à vida (p. ex., baixo nível de potássio), ou se a desidratação causa hipotensão ortostática severa. A monitoração do peso e dos eletrólitos deve ser conduzida de maneira regular e sistemática, e os resultados rapidamente informados para a equipe de cuidado do paciente. Este grau de transparência entre a equi pe de cuidado de saúde é essencial para se ter certeza de que o pacien te não está sob risco. No trabalho colaborativo com um médico, certifique-se de que ele saiba do que você necessita que ele monitore em cada consulta do pa ciente e o quê e como se comunicar com você. Por exemplo, a medição da pressão sanguínea ortostática não é um procedimento de rotina na maioria das consultas de um paciente, mas é um dado essencial nos pa cientes anoréxicos e bulímicos para monitorara hidratação. Dados histó ricos pertinentes (p. ex., quando o paciente relata que está tendo des maios) são também fundamentais de serem comunicados, assim como qualquer valor laboratorial que esteja anormal. A comunicação por fax ou e-mail seguro (segundo as leis estaduais e federais, em relação à con fidencialidade do paciente) desta informação para o consultório do pro vedor de saúde mental é um meio eficiente de atualizar a equipe. Um padrão de fax pode ser criado e proporcionado ao médico, e pode ser modificado quando necessário, conforme ilustra a Tabela 8.1. Combinando terapia cognitivo-comportamental e medicamentos 1S7 Comparecimento deficiente e não adesão O abandono do tratamento é uma complicação importante dos transtornos alimentares. Ocorre um alto nível de desgaste da psicotera- pia e da farmacoterapia. Muitos pacientes com transtornos alimentares se recusam a sequer iniciar o tratamento. Em um estudo, pacientes em tratamento combinado tiveram um índice geral de abandono de 46% e, após 5 semanas, apenas 56% dos pacientes que iniciaram o tratamento permaneceram tomando medicamentos (Halmi, 2008). Em outro estudo, apenas 30% dos pacientes com anorexia terminaram o tratamento (McIntosh et al., 2005). Os profissionais podem ter um impacto muito maior nas vidas desses pacientes se atentarem desde o início ao compa recimento, ao atraso e à adesão. No tratamento colaborativo, os médicos e os terapeutas podem facilitar conjuntamente o comparecimento e colo car a adesão a outra modalidade do tratamento e as barreiras ao seu comparecimento na pauta de cada sessão. O comparecimento deficiente deve ser explicitamente discutido, assim como a resolução de problemas na psicoterapia e na farmacoterapia. Os pacientes bulímicos devem ser diretamente informados de que a razão para a remissão vigorosamente buscada desde o início é que prognostica a recuperação total. 158 Donna M. Sudak Por que pacientes com transtornos alimentares abandonam o trata mento com tanta frequência? No início da terapia, os pacientes com trans tornos alimentares podem ter motivação insuficiente para o tratamento. O emprego cuidadoso de estratégias de entrevista motiva cional, convocação do apoio familiar, provisão de psicoeducação e obtenção de um compro misso específico do paciente para participar da terapia podem ser estraté gias iniciais úteis para apoiar o comparecimento. Os pacientes com trans tornos severos do Eixo I poderão necessitar de tratamento para tais pro blemas antes de estarem aptas a se engajarem completamente em um tra tamento para o problema alimentar. Pacientes impulsivos podem precisar de resolução de problemas ativa para minimizar o caos em suas vidas, o que pode impedir a participação focada no tratamento do transtorno ali mentar. Os pacientes não farão progresso quando perderem as sessões, chegarem atrasados ou não cumprirem as tarefas da terapia. Um bom exemplo de uma técnica para aumentar a motivação para o tratamento é ilustrado nesta transcrição do trabalho de Alice com o Dr. Field. Alice inicialmente negou querer trabalhar na terapia quaisquer ques tões relacionadas ao peso. Seu objetivo era se sentir menos deprimida. A abordagem da educação sobre o seu peso e do seu relacionamento com seu humor não foi bem-sucedida para motivá-la a considerar o trabalho sobre o transtorno alimentar. Dr. Field decidiu verificar se a motivação de Alice podia se beneficiar da exploração dos prós e contras do seu problema alimentar: Dr. Field: Alice: Dr. Field: Alice: Dr. Field: Alice, você me disse que parte do problema do seu humor é que você tem tido muito poucos relacionamentos e não se sen te muito à vontade com outras pessoas. Sim. Quando não estou trabalhando, fico sozinha o tempo todo. Eu simplesmente não pareço ter nada em comum com ninguém. Acho muito difícil saber por onde começar para ten tar me expor a alguém. Tenho uma carga grande demais. Posso imaginar como deve se sentir sem ter ninguém com quem conversar sobre o que você tem passado. No entanto, será que você podería pensar nos benefícios que a anorexia trouxe à sua incapacidade de fazer conexões? Benefícios? Sim. Sei que parece surpreendente, mas o fato é que a maior parte das coisas que fazemos tem tanto consequências positi vas quanto negativas - às vezes consequências que nem imagi namos. E a minha experiência é que olhar para os dois lados Combinando terapia cognitivo-comportamental e medicamentos 1S9 pode às vezes mudar o ponto de vista de uma pessoa sobre o que ela está fazendo. Você e eu concordamos em adiar a ques tão do seu problema alimentar durante algum tempo enquan to tentamos ver o que mais podemos fazer para ajudá-la a ter uma vida mais feliz. Mas precisamos olhar para a anorexia e ver como ela a ajuda ou a atrapalha para ter essa vida. Alice: Não sei como fazer isso. O problema sou eu. Não imagino as coisas acontecendo de outra maneira. Dr. Field: Claro. Isso tem sido parte da sua vida há muito tempo. Agora, no entanto, quem sabe podemos começar a pensar nas conse quências positivas e negativas da anorexia e você continuar esse trabalho em casa? Aumentar esta lista tornou-se a tarefa de casa de Alice. O exercício a levou a começar a considerar os efeitos mais amplos da anorexia na sua vida e aumentou sua motivação para considerar mudar o seu com portamento. Pacientes com transtornos alimentares têm dois tipos de não adesão - a não adesão aos tratamentos farmacológicos (que podem ser visados com as estratégias detalhadas no Capítulo 4) e a não adesão às tarefas da tera pia. Uma ferramenta específica para reduzir os índices de abandono em pa cientes apenas em tratamento medicamentoso é acrescentar a psicoterapia. Outra etiologia específica da não adesão ao tratamento com medicação é que os pacientes com transtornos alimentares podem ser extremamente sen síveis aos efeitos colaterais dos medicamentos e muito sintonizados com sua fisiologia. Devido a esta sensibilidade, a discussão e o manejo cuidadosos de quaisquer efeitos colaterais, combinados a aumentos graduais e pequenas doses, podem facilitar a aceitação da medicação. A não adesão às tarefas da terapia pode ser uma função da severi dade do transtorno. Quando os pacientes estão lutando com altos índi ces de purgação, ou estão subalimentados demais para processar as in- 160 Donna M.Sudak formações e não respondem à psicoterapia ambulatorial, um nível de cuidado mais intensivo pode funcionar. Na psicoterapia, o medo da crí tica ou a vergonha de revelar comportamentos alimentares desregula- dos pode também contribuir à não adesão e ao não comparecimento às consultas. A educação e a normalização podem ajudar os pacientes se este for um fator. A terapia que ensina aos pacientes que é comum expe rimentar uma sensação de angústia quando discutem esses padrões ali mentares desregulados pode ser mais bem-sucedida. Intervenções espe cíficas que visam à vergonha (p. ex., aquelas elaboradas na terapia com- portamental dialética) são úteis para facilitar o comparecimento às con sultas e a adesão. Condições médicas e psiquiátricas comórbidas Muitos estudos mostram que os pacientes com anorexia e bulimia têm um número significativo de sintomas e condições psiquiátricas co mórbidas. Além de outros diagnósticos psiquiátricos, trabalhos recentes indicam que os problemas de vergonha e de equilíbrio emocional são al guns dos fatores de mediação que preveem a patologia de transtorno ali mentar em alguns pacientes (Gupta, Rosenthal, Mancini, Cheavens e Lynch, 2008). A vergonha e o desequilíbrio afetivo também podem pro duzir não adesão às tarefas da terapia e contribuir para o comparecimen to deficiente às consultas (como indicado acima). Os problemas alimen tares são comuns em outras condições psiquiátricas caracterizadas por um alto grau de vergonha e de desequilíbrio emocional - por exemplo, no transtorno da personalidade borderline há um aumento de vinte vezes no riscode anorexia e bulimia, e um aumento de dez vezes no risco de transtorno alimentar sem outra especificação (Zanarini, Reichman, Frankenburg, Reich e Fitzmaurice, 2010). A comorbidade do Eixo II pio ra o prognóstico da bulimia e da anorexia. Quando há vergonha e dese quilíbrio emocional, o plano de tratamento do paciente deve incluir o treinamento de habilidades e a exposição a estados emocionais difíceis. Um problema comum no trabalho com pacientes com desequilí brio emocional e problemas alimentares é que a função de regulação da emoção dos transtornos alimentares pode ser negligenciada pelos profis sionais. Quando os pacientes têm questões mais severas do Eixo II, a pa tologia do transtorno alimentar pode ser colocada em segundo plano ou Combinando terapia cognitivo-comportamental e medicamentos 161 não ser conceitualizada como parte do quadro geral - ou seja, como um esforço adicional para regular a emoção. Se todos os que cuidam do pa ciente não compartilharem esta conceitualização, a patologia do trans torno emocional pode ser minimizada. Como os pacientes com frequên cia também querem ocultar ou minimizar os transtornos alimentares, esta omissão pode ser particularmente problemática. Não se esqueça de que outros profissionais que trabalham com o paciente em geral também compartilham uma cultura de valores que exaltam as virtudes de uma forma física e de um peso corporal irrealistas. Essa questão pode condu zir a “pontos cegos” e à minimização dos problemas do paciente. O exemplo de caso seguinte traz uma paciente típica que apresen ta problemas alimentares que ocorrem simultaneamente com dificulda des com a regulação da emoção. O terapeuta usa a redução do dano como uma estratégia inicial para engajar a paciente na redução de seus comportamentos alimentares mal-adaptativos. Diana tem 24 anos e está no final da faculdade. Entrou em trata mento depois de ter rompido com seu namorado de cinco meses. Descre veu uma história de muitos relacionamentos tempestuosos e uma ten dência para ser “instável e difícil” em sua vida romântica. Diana bebe em excesso duas ou três vezes por semana. Diz que seu peso sempre foi um problema, mas que ela o controla usando laxantes duas ou três vezes por semana e vomitando quando come “porcarias” ou se come “demais”. Às vezes, quando estava brava com seu namorado, Diana “comia como um gafanhoto”, e com isso ela queria dizer que esvaziava todas as caixas de biscoitos que tinha, comendo todos eles, junto a torradas e manteiga de amendoim até se sentir mal, e então forçava o vômito. Depois disso fica va sonolenta e ia para a cama. O dentista de Diana a advertiu que o es malte de seus dentes estava sofrendo danos devido aos seus vômitos, o que ela vem fazendo com maior ou menor frequência desde os 14 anos. Como Diana acha que “controla a frequência”, não está preocupada que essa prática colocará sua saúde em perigo. Diana e sua terapeuta, Sra. Lyons, trabalharam em terapia para ajudá-la a lidar com seu estado emocional depois do seu rompimento com o namorado. Quando Diana estava mais estável, a Sra. Lyons abor dou a questão dos hábitos de Diana depois da consulta com seu dentista. Sra. Lyons: Então, deixe-me esclarecer isto. Você sabe que a compul são alimentar periódica e o vômito danificam seus den- 162 Donna M. Sudak Diana: Sra. Lyons: Diana: Sra. Lyons: Diana: Sra. Lyons: Diana: Sra. Lyons: Diana: Sra. Lyons: tes, certo? Você diria que o problema do esmalte dos seus dentes podería ser uma razão para você considerar a redução da quantidade de vômitos que você provoca? Acho que sim. Nunca me preocupei até que o dentista disse que eu precisaria fazer implantes ou recapear meus dentes. Nunca pensei que isso fosse chegar a ser tão sério. Bom, se você está pronta para pensar em parar, talvez possamos conversar sobre como seu vômito funciona pra você. Você está se referindo ao meu peso? Sim, acho que é parte disso, mas há outra parte da compulsão alimentar periódica e do vômito que eu acho que também funciona pra você. Como quando você e Chris tinham essas brigas e você se sentia como se tivesse chegado ao seu limite. Entendo o que quer dizer. E como se fosse um tranqui lizante. Exatamente. Então, se conseguíssemos trabalhar juntas nisso - você conseguiría tolerar melhor seus sentimen tos - você talvez não precisasse cometer exageros ali mentares. Tudo bem. E se você pudesse trabalhar pelo menos um pouco na função do vômito de controlar o peso, poderia nos dar algum alívio até conseguirmos ajudá-la com a parte dos sentimentos. E como faríamos isso? Acho que pode ser bastante desafiador aprender novas maneiras de lidar com seus sentimentos quando você está chateada; pode levar algum tempo. Mas uma coi sa que poderiamos fazer para seus dentes agora seria você tentar vomitar com menor frequência depois das refeições regulares. Como, por exemplo, você poderia fazer coisas que a mantivessem longe do banheiro logo depois de comer, até que a angústia passe. E, se você comesse de forma mais regular, não se sentiría tão faminta e tentada a cometer exageros, o que pode- Combinando terapia cognitivo-comportamental e medicamentos 163 ria reduzir o número de vezes em que o vômito acon tece. Desta maneira, poderiamos reduzir o dano aos seus dentes até encontrarmos outra razão para você eliminar a compulsão alimentar. A Sra. Lyons e Diana estabeleceram uma meta para Diana fazer uma caminhada toda noite depois do jantar para tentar reduzir seus vô mitos em duas ou três vezes por semana. A comorbidade associada aos transtornos alimentares pode signifi car cuidar dos pacientes com comorbidade do Eixo II para os quais o tra tamento com responsabilidade dual é mais desafiador (detalhes no Capí tulo 12). A colaboração e a comunicação no tratamento com responsabi lidade dual deve ser mais frequente. Esta comunicação aberta pode pre venir instruções inconsistentes ou incompletas ao paciente que tem pro blemas alimentares e de desequilíbrio emocional complexos. Uma estra tégia muito útil é realizar sessões conjuntas (com toda a equipe de trata mento em uma sala) em intervalos programados. O encontro maximiza o impacto do cuidado proporcionado por um grupo consistente com uma mensagem única e permite a correção de comunicações inadequadas em “tempo real”. Também pode facilitar a comunicação do paciente com a equipe de tratamento no que diz respeito às suas necessidades. As doenças físicas também podem estar presentes em pacientes com transtornos alimentares e complicar o tratamento. Por exemplo, pa cientes com diabete melito do Tipo 1 que têm transtornos alimentares com frequência descontinuam ou reduzem a dosagem de insulina para perder peso. Os pacientes que o fazem estão em alto risco devido a um controle metabólico deficiente. Em curto prazo, pode causar cetoacidose diabética, que pode ser fatal. Em longo prazo, o controle deficiente pode acelerar as consequências vasculares de longo prazo da diabete melito dependente de insulina. Neste caso, deve haver um monitoramento mui to próximo e a comunicação frequente com os provedores médicos. Deve também ocorrer uma comunicação clara à paciente e à sua família sobre os riscos médicos deste comportamento. Quando possível, ajuda se a psi- coterapia e o cuidado médico puderem ocorrer no mesmo local físico, para que os dados laboratoriais sejam imediatamente disponibilizados para todos os que tratam o paciente. Se não for o caso, a comunicação eletrônica rápida é obrigatória. A equipe de cuidado médico deve consul tar o paciente e a equipe de psicoterapia e/ou farmacoterapia para incor porar o manejo da insulina e do açúcar no sangue no plano de tratamen- 164 Donna M.Sudak to do paciente. A adesão ao cuidado da diabete deve ser monitorada como parte da terapia, junto a hábitos alimentares e exercícios. Finalmente, a dependência comórbida de substâncias é um fator conhecido que prevê resultados deficientes na bulimianervosa (Hay, Bacaltchuk e Stefano, 2004). Quando existe esta combinação de transtor nos, pode ser útil sequenciar o tratamento para estes transtornos ou consi derar intervenções ambulatoriais intensivas breves para tratar rapidamen te os dois comportamentos. A combinação do abuso de substâncias e transtornos alimentares no mesmo paciente pode com frequência ser con- ceitualizada como resultado de um padrão geral de impulsividade, intole rância ao afeto e habilidades de enfrentamento deficientes. Tratar estes pacientes é um desafio. Requer um planejamento de tratamento cuidadoso e um estabelecimento sequencial dos objetivos. A boa comunicação entre os provedores de cuidado é essencial para um resultado positivo. Prevenção de recaída Uma questão final no trabalho com pacientes que têm problemas alimentares é a necessidade de se estabelecer claramente um plano para evitar a recaída. Os pacientes devem esperar que estar melhor pode não significar estarem perfeitamente recuperados. Cada deslize no curso do tratamento deve ser usado como uma oportunidade para aprender mais sobre os desencadeadores do comportamento do paciente e sobre os pa drões de pensamento que estimulam a recaída. Os padrões de pensa mento que estimulam uma total recaída depois de uma ou duas ocorrên cias alimentares que não seguem o plano (p. ex., ‘Agora eu estraguei tudo”, “Destruí todo o meu esforço”, “Preciso compensar o bolo que aca bei de comer”) são bastante conhecidos. Os pacientes precisam aprender a reconhecer e a se livrar deste tipo de comportamento, retornando aos planos para o manejo do hábito alimentar que foi funcional no tratamen to. Emily, uma paciente que se recuperou de bulimia e está recebendo medicamentos antidepressivos, é um bom exemplo de como uma inter venção breve pode ajudar o paciente a voltar para o rumo certo. Emily é uma mulher de 22 anos que foi hospitalizada para se tratar de anorexia aos 16 anos. Embora ela tenha mantido uma boa recuperação em relação à restauração do peso, começou a lutar com compulsão ali mentar periódica e purgação durante seu último ano do ensino médio e fi nalmente recebeu tratamento com psicoterapia e medicamento antide- Combinando terapia cognitivo-comportamental e medicamentos 165 pressivo. Emily consultava dois provedores diferentes em cuidado coorde nado para seu tratamento, mas não visitava seu terapeuta há seis meses, após um período de abstinência de vários meses. Emily foi avaliada por sua psiquiatra, a Dra. Frank, em uma visita de rotina de manejo da medi cação. Ela contou à Dra. Frank que as coisas não estavam indo bem; havia tido um período de duas semanas de quase diariamente comer em excesso e vomitar, que começou depois que ela comeu demais em uma festa fami liar. A Dra. Frank constatou que Emily havia tomado seus antidepressivos depois de vomitar (então tinha certeza de que Emily pelo menos não ficou farmacologicamente subtratada). Reviram o que Emily havia aprendido na terapia sobre a recaída e em que consistia o plano para Emily lidar com os deslizes. Emily falou que tinha o plano de comer regularmente e se esfor çar para evitar vomitar, mas que se sentia tão desanimada por ter falhado em permanecer abstinente que simplesmente havia “desistido’'. A Dra. Frank examinou com ela como podem ser comuns os seus deslizes habi tuais e que Emily precisava tomar medidas agora para voltar ao caminho certo e evitar uma total recaída. Emily tomou a se comprometer com seu plano e marcou uma nova consulta para a semana seguinte. Tratar pacientes com transtornos alimentares é um bom exemplo de como colaborar de perto com outro provedor pode ser benéfico. São condições desafiadoras, mas a comunicação clara pode aumentar nossa eficácia. Embora os tratamentos farmacológicos sejam de uso limitado até que a restauração do peso ocorra na anorexia, o cuidado primário do paciente deve estar envolvido no tratamento. O medicamento antide- pressivo tem um papel importante na restauração do peso dos pacientes com anorexia e, combinado à TCC, na bulimia. O cuidado colaborativo nesta circunstância pode envolver dois ou três provedores, com o objeti vo comum de restaurar a saúde mental e física do paciente. VISÃO GERAL Os medicamentos antipsicóticos são o padrão de cuidado, tanto para os sintomas agudos quanto para os sintomas crônicos da esquizofrenia. Embora esses medicamentos tenham revolucionado o ma nejo das doenças psicóticas, sua eficácia está longe de ser completa. Os sintomas residuais na esquizofrenia são comuns. Um grandes número de pacientes continua experimentando sintomas positivos, mesmo quando to talmente tratados com medicação. Sintomas residuais, como delírios, alu cinações e perturbações no pensamento são debilitantes e perigosos. Além disso, os sintomas negativos prejudicam a aceitação do tratamento com medicação e estão com frequência associados à incapacidade e ao resulta do insatisfatório. A ausência de uma resposta completa à medicação e a carga adicional de problemas interpessoais e cognitivos na esquizofrenia demandam intervenções adicionais que podem melhorar os resultados de sejáveis. A TCC combinada aos medicamentos antipsicóticos pode ajudar os pacientes esquizofrênicos a funcionar melhor e reduzir a morbidade e a mortalidade. Uma observação importante sobre a combinação de TCC e medicação na esquizofrenia é que, embora muitas destas intervenções pos sam ser úteis para o paciente que tem sintomas psicóticos como resultado de outro transtorno, atualmente há dados limitados - ou nenhum dado - para se ter alguma certeza em relação a essa recomendação. Um problema importante na administração de medicamentos anti psicóticos na esquizofrenia é a não adesão à medicação. O CATIE (Clinicai Combinando terapia cognitivo-comportamental e medicamentos 167 Antipsychotic Trials of Intervention Effectiveness), um estudo amplo, na turalista e multicêntrico que compara a eficácia dos antipsicóticos, mos trou que mais de 60% dos pacientes não aderiram ao tratamento, inde pendentemente do tipo de medicação prescrita (Lieberman et al., 2005). A não adesão é um fator bastante conhecido na recaída e na hospitali zação em pacientes esquizofrênicos. A TCC combinada à medicação me lhora claramente a adesão, conforme descreve uma seção posterior deste capítulo. Além disso, este capítulo resume as evidências do tratamento combinado de medicação e TCC na esquizofrenia e apresenta exemplos específicos desse tratamento em ação. Outras formas de tratamentos psicológicos (terapia de família, treinamento de habilidades sociais e re- mediação cognitiva) também têm se mostrado úteis na esquizofrenia (Patterson e Leeuwenkamp, 2008’ e, se necessário, elementos destas abordagens podem ser usados junto à TCC e ao tratamento farmacológi- co para este transtorno. Alguns dados indicam que o tratamento inicial e bem-sucedido para a esquizofrenia pode ter efeitos potencialmente benéficos de longo prazo sobre o resultado (Lieberman, 2000), então o tratamento adjunto eficaz que aumenta os benefícios positivos da medi cação pode se tornar ainda mais valioso para pacientes com um novo início do transtorno. A medicação e a TCC podem agir potencialmente de maneira si- nérgica na esquizofrenia. Por exemplo, a farmacoterapia eficaz pode per mitir que os pacientes se concentrem melhor, pensem mais claramente e durmam melhor, e por isso realizem melhor as tarefas do tratamento da TCC e o autocuidado. A combinação tem o potencial de ser também de letéria - os pacientes em terapia que desenvolvem efeitos colaterais à medicação poderíam interpretar estes efeitos colaterais de uma maneira delirante e então desconfiar dos esforços de tratamento posteriores. Por esta razão, a comunicação sensível e cuidadosa com o paciente e entre os provedores no tratamento com responsabilidade dual pode fazer uma diferença real na aceitação do tratamento. Os pacientes com esquizofre nia estão em estágios variadosde ciência para entender a doença e to mar as medidas para lidar com ela de uma maneira efetiva - função cog nitiva deficiente, sistemas de crenças anteriores, negação e a carga de sintomas psicóticos tornam mais lenta a progressão do processo. As ex periências e crenças familiares sobre a medicação e a doença mental são também variáveis fundamentais que impactam o resultado. Além disso, a 168 Donna M. Sudak ciência do paciente deve ser considerada ao se planejar o momento das intervenções e a quantidade de informações dadas em cada encontro te rapêutico. Os pacientes devem ser capazes de entender o que é apresen tado - e os deficits cognitivos são comuns na esquizofrenia. A repetição de pequenas quantidades de informação e a obtenção da certeza de que o paciente entende claramente a informação são estratégias importantes para os provedores se lembrarem. EVIDÊNCIAS PARA COMBINAR TCC E MEDICAÇÃO NA ESQUIZOFRENIA Evidências de que a TCC combinada à medicação melhora a adesão Vários estudos controlados randomizados com números muito pe quenos de pacientes (Kemp, Hayward, Applewhaite, Everitt e David, 1996; Lecompte, 1995; Perris e Skagerlind, 1994) mostraram que ses sões de TCC facilitaram a adesão à medicação em pacientes psicóticos. Um estudo (O’Donnell et al., 2003) que não encontrou uma vantagem importante em adicionar a TCC à medicação em pacientes esquizofrêni cos foi realizado em pacientes que tinham um alto índice de não adesão (72%). A estes pacientes foi proporcionada uma intervenção de cinco sessões que duravam de trinta a sessenta minutos. Um ano depois desta intervenção, não foi observada nenhuma mudança na adesão do grupo tratado com TCC. Pacientes muito resistentes podem precisar de mais tratamento com TCC ou de um período mais longo de sessões de esti mulação continuada. Estudos de pacientes com esquizofrenia combinan do TCC e medicação para a adesão identificaram metas como identifica ção e mudança de atitudes em relação ao tratamento que preveem lap sos da medicação e aumento do insight do paciente em relação à doen ça. A dificuldade com os processos cognitivos (memória, função executi va) que ocorre na esquizofrenia (Ascher-Svanum, Zhu, Faries, Lacro e Dolder, 2006) pode ser um problema importante em relação a tomar este medicamento conforme prescrito. Os provedores mais experientes usarão o tratamento comportamental para reduzir estas dificuldades no tratamento combinado com medicação e TCC. Combinando terapia cognitivo-comportamental e medicamentos 169 Evidências de que a TCC combinada à medicação melhora os sintomas positivos e negativos da esquizofrenia Além de facilitar a adesão, há evidências que apoiam a eficácia das abordagens da TCC a outras manifestações de esquizofrenia que não são tratadas ou são tratadas de forma incompleta pela medicação. Mais pesqui sas precisam ser realizadas para determinar quais pacientes esquizofrênicos se beneficiarão da combinação de TCC e medicação, e para determinar se o momento dessas intervenções melhora os resultados. Há um número limita do de estudos controlados randomizados com a TCC na esquizofrenia. As intervenções da TCC têm sido testadas tanto em grupos (Drury Birch wood, Cochrane e Macmillan, 1996) quanto individualmente (Tarrier et al., 1998; Sensky et al.} 2000). Vários pequenos estudos controlados randomizados da TCC para a esquizofrenia indicam que as abordagens da TCC são eficazes para sintomas positivos quando combinadas à medicação. Terrier e colabo radores (1998) mostraram que a TCC teve um efeito maior nos sintomas positivos do que a adição de tratamento de apoio ou de tratamento algum à medicação. No entanto, tanto os grupos de terapia de apoio quanto os gru pos de terapia cognitivo-comportamental tiveram uma vantagem igual em relação à ausência de terapia no acompanhamento de longo prazo (Tarrier et al., 2000). Sensky e colaboradores (2000) constataram que os efeitos po sitivos da TCC comparados aos de uma terapia de apoio (chamada “protegi da”) tiveram um alcance maior e continuaram a aumentar nove meses de pois da terapia ter terminado. Este benefício ocorreu em pacientes que ti nham sintomas persistentes mesmo com farmacoterapia adequada. Infeliz mente, os números de pacientes são pequenos demais para que se possa fa zer recomendações assertivas sobre quando empregar a TCC. O National Health Service do Reino Unido atualmente exige uma intervenção inicial da TCC juntoà medicação no primeiro episódio de esquizofrenia. Dados desta experiência serão extraordinariamente úteis para nós sobre a eficácia de adi cionar a TCC à medicação na prática clínica. Wykes e colaboradores (Wykes, Steel, Everitt e Tarrier, 2008) recen temente realizaram uma metanálise de 34 estudos sobre TCC para esqui zofrenia. Os sintomas visados responderam ao tratamento em todos os es tudos examinados, mas aqueles estudos sem avaliadores cegos inflaram os efeitos colaterais. Esta revisão e metanálise incluíram tanto tratamento de grupo quanto individual e mediram outros efeitos terapêuticos além da adesão, incluindo sintomas positivos e negativos, funcionamento, humor, desesperança e ansiedade social. Os sintomas positivos foram avaliados 170 Donna M. Sudak como a principal variável do resultado, mas a TCC teve um efeito positivo importante em todos os outros resultados, exceto para a desesperança. As avaliações da desesperança aumentaram significativamente em três dos quatros estudos examinados nesta metanálise. A cautela dínica é justifica da até que dados adicionais sobre este resultado sejam obtidos; é aconse lhável manter uma sensibilidade elevada sobre a ideação desesperançosa dos pacientes na TCC. Outros estudos recentes indicam que a TCC tem um impacto importante na redução da desesperança. A durabilidade dos efei tos do tratamento não foi avaliada pela metanálise de Wykes. Mais dados de estudos controlados randomizados são necessários para se fazer uma afirmação definitiva sobre a evidência da TCC como um tratamento breve para sintomas positivos independentemente da me dicação. Entretanto, como os sintomas positivos residuais são comuns em pacientes que estão recebendo medicação, e o aumento da capacida de funcional de um paciente seria absolutamente útil, a TCC podería ser empregada em sessões mais curtas e contínuas de manejo da medicação com pacientes crônicos. Deve-se conduzir pesquisa para avaliar a eficácia da combinação de manutenção contínua da TCC com tratamento medi camentoso para sintomas residuais de esquizofrenia. ASPECTOS FUNDAMENTAIS DA ABORDAGEM DA TCC PARA O PACIENTE COM ESQUIZOFRENIA A abordagem da TCC para os pacientes esquizofrênicos tem sido bem descrita em vários manuais de tratamento Cp- ex., Kingdon e Turkington, 2005). Vários aspectos fundamentais da abordagem, com particular relevân cia para o tratamento combinado, estão aqui discutidos. Os objetivos do tra tamento com a TCC para a psicose são melhorar a adesão ao tratamento, re duzir os sintomas e aumentar a função cotidiana do paciente. Estes objetivos são atingidos no contexto de uma aliança terapêutica empática e ativa. O relacionamento terapêutico Um aspecto fundamental da abordagem da TCC para o paciente com psicose que poderia beneficiar todos os pacientes, independentemente do seu diagnóstico, é a implementação de um relacionamento terapêutico que Combinando terapia cognitivo-comportamental e medicamentos 171 “satisfaça o paciente onde ele está" e procure entender suas crenças sobre a origem e o significado dos sintomas da sua doença. O terapeuta faz um es forço genuíno para entender a perspectiva do paciente em relação à origem e à fenomenologia da sua experiência particular da psicose. Em seguida, o terapeuta e o paciente trabalham juntos para criar uma estrutura adaptatíva para entender e responder mais efetivamente à doença e para reduzir quaisquer idéias que o paciente tenha sobre a doença ser cul pa dele. A colaboração com opaciente esquizofrênico deve induir uma dis cussão respeitosa da experiênda e das crenças do padente - mesmo quando essas crenças não são compartilhadas pelo terapeuta. O terapeuta se toma um “espedalista" na experiênda psicótica do padente e nas explicações sub sequentes do padente para a maneira como seus sintomas são produzidos. Um aspecto importante da formação do relacionamento terapêutico é nor malizar a experiência de psicose do paciente com base em um modelo de vulnerabilidade ao estresse. Deve-se tomar um grande cuidado para reduzir o estigma associado à doença. Isto aumenta a esperança e a motivação. Um estudo recente indicou que uma intervenção baseada na TCC na esquizofre nia teve um efeito importante na redução da desesperança, o que mediou um aumento na atividade do paciente (Hodgekins e Fowler, 2010). Como os dados sobre a desesperança são um pouco contraditórios, como foi anterior mente descrito neste capítulo, os clínicos devem ser cuidadosos ao monitorar o pensamento desesperançoso nos pacientes esquizofrênicos que eles tratam. Aumento da adesão à farmacoterapia Uma função da colaboração sensível e respeitosa com o paciente que caracteriza a TCC é facilitar ao paciente aceitar a necessidade de farmacoterapia. Se a terapia normaliza os sintomas do paciente, algu mas funções da farmacoterapia parecerão mais lógicas ao paciente e au mentarão a probabilidade de adesão. As perturbações do sono, por exemplo, podem ser um fator de estresse que provoca alucinações. Este fenômeno pode ser explicado pelo fato de a privação de sono em huma nos produzir alucinações. O paciente também pode observar o relacio namento entre os problemas do sono e qualquer aumento nas alucina ções com um diário do sono. Se o médico explicar que o medicamento vai ajudar o paciente a dormir, é mais provável que os pacientes o ingi ram regularmente. Essa conceitualização colaborativa não requer que o paciente aceite um diagnóstico de esquizofrenia, mas apenas que o pa- 172 Donna M. Sudak ciente concentre sua atenção em seus sintomas e desenvolva uma expli cação para eles que seja aceitável e adaptativa. Os efeitos específicos do medicamento que amenizam os sintomas dolorosos do paciente devem ser enfatizados por todo provedor de cuidado. Os efeitos úteis do medi camento que não são reconhecidos pelo paciente devem ser diretamente discutidos em todo encontro terapêutico. Estes benefícios podem, por exemplo, incluir efeitos positivos na concentração e na atenção. O obje tivo é uma redução na severidade dos sintomas e um aumento no nível de funcionamento do paciente. No tratamento combinado para pacientes esquizofrênicos, o trabalho de adesão deve incluir o reconhecimento da dificuldade de enfrentar uma doença crônica. A experiência de ter uma doença e tomar medicamentos é quase uma parte inevitável da vida. Os pacientes que acreditam nisto inega velmente se beneficiam em relação ao seu respeito próprio. Além de lembrar os pacientes dos benefícios positivos da medica ção, quaisquer pensamentos ou delírios pouco comuns sobre o medica mento (p. ex., a má interpretação dos efeitos colaterais como “coisa do demônio”) devem ser cuidadosamente colocados no tratamento e discu tidos por todos os provedores. Muitos pacientes com esquizofrenia têm um quadro incompleto sobre o que causa seus problemas, o que pode conduzir ao desenvolvimento de explicações delirantes para os sintomas que apresentam. Aprender sobre a doença pode aumentar a adesão e re duzir os delírios. Incentivar o paciente a tentar controlar os experimen tos comportamentais com medicação e tirar conclusões dos dados pode ser outra estratégia importante no tratamento. Uma abordagem conjunta focada na solução de quaisquer efeitos colaterais do medicamento é de fundamental importância. Todas as pes soas envolvidas com o paciente devem se esforçar para encontrar soluções para os efeitos não desejados do medicamento. Os pacientes serão muito mais tolerantes a estes efeitos físicos frequentemente perturbadores se acreditarem que há um esforço ativo para encontrar soluções para eles. Os problemas práticos também podem ser barreiras importantes para o uso de psicotrópicos. Os provedores de cuidado devem se engajar na resolução de problemas ativa e criativa nesta situação. Este é um mo mento em que devemos recordar as circunstâncias de vida do paciente e os obstáculos imensos que podem existir devido à doença ou às barreiras psicossociais que ela cria. Por exemplo, os pacientes que são sem-teto ou que não têm uma residência estável são menos capazes de manter uma rotina à qual seja possível associar a ingestão das medicações. Combinando terapia cognitivo-comportamental e medicamentos 173 Variação da estrutura das sessões de TCC e provisão de psicoeducação Uma diferença importante na TCC com pacientes esquizofrênicos é especificamente modificar a estrutura das sessões para satisfazer às ne cessidades do paciente. A duração das sessões pode ser mais breve e a agenda mais fluida e menos concentrada no objetivo quando os sintomas do paciente assim o requerem. A observação cuidadosa do nível de an siedade do paciente orienta estes ajustes para a estrutura da sessão. Mu dar para tópicos de conversa mais casuais pode ajudar a reduzir a ansie dade e manter ativo o intercâmbio. Os terapeutas devem ter o cuidado de apoiar e reforçar os pacientes para fazer escolhas melhores e enfren tar com habilidade a sua doença. A psicoeducação é um componente fundamental na TCC para esqui zofrenia. No tratamento com responsabilidade dual ou única, o terapeuta e o farmacoterapeuta devem se lembrar de que há deficits cognitivos im portantes produzidos pelo transtorno. Isto significa que os materiais edu cacionais devem ser providos repetidamente, tanto na forma oral quanto na forma escrita, e em formatos breves e fáceis de lembrar. Os déficits cog nitivos na esquizofrenia não são melhorados pelos medicamentos, exceto aqueles relacionados à remoção da distração de sintomas positivos e à re dução da ansiedade. Como a aprendizagem e a memória são exigências fundamentais da psicoterapia bem-sucedida, os provedores de cuidado de vem atentar para os problemas importantes de atenção e memória defi cientes apresentados pelos pacientes esquizofrênicos. A psicoeducação nos pacientes com esquizofrenia se concentra em o paciente desenvolver um entendimento da doença, em geral a partir de um modelo de diátese-estresse, e do papel tão importante da medica ção na manutenção da saúde e do bem-estar. Os pacientes são ensinados a se automonitorarem para reconhecer os sintomas e os desencadeantes dos sintomas. O treinamento das habilidades pode aumentar a capacida de do paciente para lidar com os sintomas de uma maneira mais adapta- tiva. O exemplo de caso a seguir ilustra os benefícios da TCC em pacien tes esquizofrênicos. Gary é um homem de 49 anos com uma história de 30 anos de di ficuldades psiquiátricas. Ele se apresentou pela primeira vez para trata mento aos 19 anos, depois da morte por câncer de seu irmão mais velho. Nessa época, Gary estava no início de um curso universitário local. Ele ti- 174 Donna M.Sudak nha uma história extensa de problemas de saúde na infância, incluindo muitas alergias, asma e infecções respiratórias. Estes problemas de saúde prejudicaram seu desenvolvimento social. Ele era com frequência mantido em casa em vez de ir para a escola, e nunca lhe foi permitido fazer muitas das atividades sociais das quais seu irmão participava. Por exemplo, ele não ia para o acampamento de verão e nunca conseguiu ser escoteiro. Gary tinha dificuldades na escola. Sempre achou que era “mais lento e mais burro” do que os outros garotos. Quando Gary entrou no ensino mé dio, seu irmão foi diagnosticado com linfoma de Hodgkin no estágio três. Naturalmente, a atenção da sua família se voltou totalmente para o mane jo da doença de seu irmão. Gary se afastou da maior parte das atividades