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Mackinder Atual

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Halford J. Mackinder foi um geógrafo britânico responsável pela criação de
uma das principais teorias da geopolítica clássica, a teoria do Heartland,
responsável por influenciar o pensamento geoestratégico de diferentes países.
Apesar de sua origem britânica, em que o poder naval é dominante, Mackinder
acreditava no poderio terrestre, sendo o mais importante quando se tratava de uma
possível dominância global.
Em seu primeiro artigo “The Geographical Pivot of History” publicado em
1904, Mackinder formula o conceito de “área pivô”, região na qual proporcionaria
para uma nação uma poderosa projeção para a dominância global. A “área pivô” de
Mackinder abrange ampla porção da Ásia Central, região julgada de significante
valor estratégico devido a disposição abundante de recursos naturais, sem grandes
barreiras naturais, fácil construção de ferrovias, projeção tanto para a Ásia quanto
para a Europa.
Em 1919, Mackinder publica seu livro “Democratic Ideals and Reality: A Study
in the Politics of Reconstruction”, no qual ele busca atualizar seu pensamento
devido às mudanças geopolíticas provocadas pela Primeira Guerra Mundial. Nesta
obra, a Alemanha é tida como grande aspirante à dominação mundial, uma vez que
sua proximidade com o Leste Europeu e uma possível conquista desta região,
possibilitaria ao país o impulso necessário para o domínio do Heartland. Nas
palavras de Mackinder, “quem domina o leste da Europa, domina Heartland. Quem
domina Heartland, reina na ‘Ilha do Mundo’. Quem domina a ‘Ilha do Mundo’
governa o mundo inteiro.” (MACKINDER, 1919, p. 18). No mesmo texto, Mackinder
também chama atenção para uma potencial aliança entre Alemanha e Rússia,
alertando o Reino Unido e seus aliados sobre o relevante perigo se tal fato torna-se
realidade.
A última atualização em relação ao seu pensamento e de sua autoria “The
round World and the Winning of the Peace” foi publicada em 1943, ainda no
contexto da Segunda Guerra Mundial. Neste artigo, Mackinder apesar de continuar
defendendo o poderio terrestre, ele observa nos avanços tecnológicos a capacidade
de superarem cada vez mais barreiras naturais, como por exemplo os oceanos. É
nesse sentido que o geógrafo aponta para o surgimento dos Estados Unidos como
potência e atuante fundamental no equilíbrio de forças globais, dando-lhe o papel de
conter e impedir a conquista do Heartland por outro país. Neste mesmo artigo,
Mackinder também aponta para a ascensão de outras nações que estão fora da
esfera europeia, como Índia e China.
Mesmo após o falecimento de Mackinder, suas ideias continuam sendo
utilizadas até o presente. A Ásia Central é um território de grande importância
geoestratégica e, em função disto, é palco de disputa entre poderosos atores da
região. Anteriormente sob hegemonia regional soviética durante o século XX, a área
delimitada por Mackinder como Heartland passa hoje por transformações que dizem
respeito à nova realidade de poder dividida entre influências russas e chinesas. Este
último, a partir do grande sucesso econômico recente, tem buscado desenvolver
projetos em conjunto com países da região da Ásia Central com o objetivo de se
colocar como uma grande força de atuação perante seus pares regionais. Nesse
sentido, analistas têm revisitado as ideias de Mackinder sobre a importância da Ásia
Central e sua dominância por parte de diferentes atores para interpretar os novos
eventos protagonizados pela China.
Em setembro de 2013, o presidente chinês Xi Jinping deu um discurso cujo
tema era a estratégia da Nova Rota da Seda (Um Cinturão, Uma Rota) ou, como
conhecida em inglês, Belt and Road Initiative (BRI). Trata-se de uma estratégia de
desenvolvimento adotada pelo governo chinês que visa reviver antigas rotas de
comércios por meio de uma rede de projetos de infraestrutura que consiste em uma
série de obras terrestres (Cinturão), conectando a Ásia Central, África, o Oriente
Médio e a Europa — regiões de extrema importância geopolítica — e conectando
também áreas marítimas (Rota), passando pelo Oceano Pacífico, atravessando o
Oceano Índico e alcançando o mar Mediterrâneo. Idealmente, o projeto envolve
construções de rodovias, ferrovias, portos marítimos, criação de redes de energia,
oleodutos, gasodutos, centros de distribuição e outras redes de infraestrutura
necessárias.
Nesse contexto, o principal objetivo do Belt and Road é desenvolver
corredores econômicos entre a Eurásia e os demais continentes do Sul Global,
principalmente através de iniciativas conjuntas para o desenvolvimento de
corredores que interligam a costa da Ásia, com o Oriente Médio, continente Africano
e América do Sul (HILLMAN, 2019). Não obstante, abrangendo cerca de 30% do
PIB mundial e 63% de toda a população, o Belt and Road promove a formação de
acordos entre a República Popular da China (RPC), países e organizações que, já
em 2016, foram responsáveis por cerca de 8,158 mil contratos assinados sob o Belt
and Road Initiative (BRI).
Assim, as principais fontes de investimentos previstas para o Fundo da Rota
da Seda, foi fundado em dezembro de 2014, por 4 atores: Administração Estatal de
Política Externa (responsável por 65% do investimento); Corporação de
Investimento da China (15%); Banco de Desenvolvimento da China (5%); Banco de
Exportação e Importação da China (15%). Desse fundo, o previsto seria um total de
US$40 bilhões para investimentos em obras de médio e longo prazo
(SILKROADFUND, 2019). Além disso, segundo o MERICS1, entre o ano de
lançamento da iniciativa e o ano de 2018 foram investidos cerca de US$ 70 bilhões
no desenvolvimento da rede de infraestrutura para a Rota da Seda. Em 2014, o
presidente chinês Xi Jinping afirmou que também pretende usar recursos do Banco
Asiático de Investimento em Infraestrutura (AIIB), do Banco de Desenvolvimento dos
BRICS e do Banco Mundial.
No mesmo discurso de 2013, a localidade escolhida para demonstrar ao
mundo os projetos chineses foi bastante específica: o Cazaquistão é uma antiga
república soviética e está localizado em uma região central e estratégica da Ásia.
Nesse sentido, pode-se observar que a nova estratégia chinesa tem como foco a
projeção de poder do país sobre seus pares na região euroasiática.
Entre os cinco pilares (nota de rodapé notícia MFA Chinês) que sustentam a
BRI e que foram destacados pelo chefe de Estado chinês, apenas um estava
relacionado com o financiamento de projetos de infraestrutura. Os quatro pilares
restantes mostram como a China pretende estabelecer, com os países participantes
de sua estratégia, parcerias em áreas distintas, como, por exemplo, a comunicação
e aproximação política, a promoção do comércio regional, o uso de moedas locais
para transações comerciais e financeiras e, por fim, o intercâmbio de pessoas. Ou
seja, é uma análise pouco fundamentada afirmar que a estratégia da Nova Rota da
Seda seja apenas um grande projeto de financiamento de infraestrutura em que a
China providencia o capital necessário. Dessa forma, é importante compreender
como a China tem colocado em prática os pilares acima mencionados e quais são
os grandes desafios que o país enfrenta na consolidação de sua estratégia.
1 Mercator Institute for China Studies (MERICS) foi criado em 2013, tendo como base Berlim
(Alemanha), dedica-se ao estudo da China nas áreas política e econômica.
O Paquistão é um importante e recente exemplo de como a estratégia da
Nova Rota da Seda tem fomentado aproximações políticas com a China. O país
sedia um projeto importante no âmbito da BRI de conexão entre o extremo oeste da
China e o mar Arábico, denominado, assim, Corredor Econômico China-Paquistão.
O valor investido pela China é estimado em 25 bilhões de dólares norte-americanos,
o que demonstra a importância estratégica e logística do corredor para os interesses
chineses de ter acesso facilitado ao mar Arábico. O Paquistão é um país ainda
muito pobre e com grandes dificuldades internas, desse modo, o alinhamento maior
comPequim tem sido uma medida adotada pelas autoridades do país para
estimular o crescimento da economia interna e providenciar aos paquistaneses
melhores oportunidades para mudar de vida. Não obstante, membros dos
parlamentos dos dois países avançaram mais um passo na aproximação estratégica
e acordaram (nota de rodapé notícia tribune) em janeiro de 2021 de criar um comitê
interparlamentar com o objetivo de estudar novas oportunidades de parceria, assim
como coordenar e administrar as ações dos projetos já em vigência. A relação
sino-paquistanesa é, portanto, um ponto de partida importante para o estudo dos
impactos além da esfera econômica da estratégia chinesa da Nova Rota da Seda.
Partindo do caso paquistanês, podemos concluir que, de modo geral, a
estratégia da Nova Rota da Seda chinesa precisa ser analisada sob diferentes
perspectivas. O cenário geopolítico euroasiático, por exemplo, inclui a presença de
três grandes players: a Rússia, a China e a Índia. Todos os três são países com
projeções de poder não só regionais, mas também globais. A China, em particular, é
hoje a segunda maior economia se contabilizado em termos nominais e, por isso,
tem potencial maior que seus concorrentes de exercer influência no seu entorno. Os
projetos que compõem a Nova Rota da Seda se comportam como o principal
método adotado pela China para atingir tal objetivo, sendo a antiga rota da seda, em
vigor durante a dinastia Han chinesa, a referência histórica utilizada. O avanço
econômico e a maior inserção diplomática da China na região euroasiática tem
permitido ao país ocupar espaços anteriormente e historicamente preenchidos por
outras potências, como foi o caso da Ásia Central e a União Soviética. No entanto, a
posição cada vez mais importante da China tem preocupado seus vizinhos mais
poderosos, como Rússia e Índia, que veem o protagonismo chinês como uma
ameaça aos seus interesses e ao próprio “equilíbrio” de poder da região.
Em conclusão, o avanço chinês tem chamado a atenção também das
autoridades norte-americanas e, apesar da troca de presidentes e dos partidos no
comando do governo federal do país, a postura de conter o crescimento da China
tem se mantido nos últimos anos. Exemplos das medidas tomadas pelo governo
norte-americano incluem o início da guerra comercial e tarifária em 2018, assim
como, a ofensiva contra aliados que desejam utilizar tecnologia da empresa chinesa
Huawei em suas infraestruturas de internet 5G.
A mais recente iniciativa norte-americana e que tem relação com a estratégia
chinesa da Nova Rota da Seda foi a criação em 2021, com a participação de
parceiros do G7, de uma alternativa ao modelo chinês de financiamento de
infraestrutura para países em desenvolvimento. O projeto, denominado Build Back
Better World (B3W) Partnership, foi lançado na cúpula do G7 no Reino Unido e
objetiva, por meio de parcerias entre capital público e privado, oferecer
financiamentos de infraestrutura baseados nos “valores” que os Estados Unidos e
seus aliados procuram difundir. Desde o lançamento, poucas informações adicionais
sobre a iniciativa foram divulgadas, o que revela a ausência de planejamento
específico e o mapeamento dos objetivos se comparado ao modelo semelhante
chinês. Por fim, o ponto defendido pelos Estados Unidos é que, os países que
optassem por participar não sofreriam com a chamada “armadilha da dívida” que o
país afirma existir na estratégia chinesa. Mesmo sendo recente, o desenvolvimento
da estratégia norte-americana já se mostra um forte indicativo da preocupação de
Washington com o avanço da influência chinesa em países pouco desenvolvidos,
porém, a eficácia da estratégia em conter o crescimento chinês ainda é uma variável
a ser confirmada nos próximos anos.
Referências
MACKINDER, H. J. The Geographical Pivot of History. The Geographical Journal,
Oxford, v. 170, n. 4, p. 298-321, 2004.
MACKINDER, H. J. Democratic Ideals and Reality: A Study in the Politics of
Reconstruction. Washington DC: NDU Press, 1919.
MACKINDER, H. J. The Round World and the Winning of the Peace. Foreign
Affairs, Nova Iorque, v. 21, n. 4, p. 595-605, 1943.
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HARPER, T. China’s Eurasia: the Belt and Road Initiative and the creation of a new
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