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1 LITERATURA INFANTIL NA ALFABETIZAÇÃO E NO LETRAMENTO 1 Sumário INTRODUÇÃO ................................................................................................. 3 O conceito de letramento ................................................................................. 4 O conceito de alfabetização ............................................................................ 5 A relação entre alfabetização e letramento ..................................................... 6 A relação entre literatura infantil, letramento e alfabetização .......................... 9 REFERÊNCIAS ............................................................................................. 14 2 NOSSA HISTÓRIA A nossa história inicia com a realização do sonho de um grupo de empresários, em atender à crescente demanda de alunos para cursos de Graduação e Pós- Graduação. Com isso foi criado a nossa instituição, como entidade oferecendo serviços educacionais em nível superior. A instituição tem por objetivo formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua formação contínua. Além de promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos e técnicos que constituem patrimônio da humanidade e comunicar o saber através do ensino, de publicação ou outras normas de comunicação. A nossa missão é oferecer qualidade em conhecimento e cultura de forma confiável e eficiente para que o aluno tenha oportunidade de construir uma base profissional e ética. Dessa forma, conquistando o espaço de uma das instituições modelo no país na oferta de cursos, primando sempre pela inovação tecnológica, excelência no atendimento e valor do serviço oferecido. 3 INTRODUÇÃO Segundo Lajolo (2001, p. 66), “na tradição brasileira, literatura infantil e escola mantiveram sempre relação de dependência mútua”. A escola, incontáveis vezes, recorreu à literatura infantil, por meio do envolvimento provocado pelas narrativas e/ou pelo encantamento dos versos, para difundir valores, conceitos, atitudes, comportamentos. Em contrapartida, a escola é para os livros de literatura infantil um entreposto, seja por meio de leituras obrigatórias ou de outras atividades pedagógicas. Esta histórica aliança entre a escola e a literatura infantil, hoje, manifesta-se, por exemplo, pelo movimento do mercado editorial, com grandes tiragens de livros destinados ao público infantil, pela divulgação junto aos professores e órgãos governamentais que, ao “adotarem” um livro, transformam a venda no varejo em atacado, pela profissionalização do escritor voltado para esse público. Estas são algumas manifestações da relação escolaliteratura externas ao livro. Há ainda as expressões internas desta aliança, lembra-nos Lajolo (2001), como o tratamento didático dispensado aos textos que compõem os livros de língua portuguesa utilizados, sobretudo, no ensino fundamental. Enfim, seja como pretexto para realização de exercícios gramaticais, seja por meio de modelos de análise literária ou para desenvolver o gosto pela leitura, não há como secundarizar a relação entre escola e literatura infantil, sobretudo quando nos propomos a enriquecer seu processo de letramento e alfabetizar as crianças. É com base nesses esclarecimentos introdutórios que refletiremos, primeiramente, a respeito dos conceitos de letramento e alfabetização, da relação existente entre esses dois processos e, por fim, de como tornar possível a necessária relação entre a literatura infantil e os processos de letramento e alfabetização, enfatizando práticas pedagógicas que envolvem narrações de histórias. 4 O conceito de letramento No Brasil, é na segunda metade da década de 1980 que, no âmbito acadêmico, se situam as primeiras formulações da palavra letramento para designar algo que ultrapassa o processo de alfabetização. Mais do que ler e escrever, é preciso saber responder às exigências de leitura e escrita que a sociedade nos impõe cotidianamente. Soares (1998, p. 19) ressalta que o surgimento do termo letramento representa uma mudança histórica nas práticas sociais: “novas demandas sociais de uso da leitura e da escrita exigiram uma nova palavra para designá-la” (SOARES, 1998, p. 21). Segundo a referida autora, “etimologicamente, a palavra literacy vem do latim littera (letra), com sufixo –cy, que denota qualidade, condição, estado, fato de ser” (SOARES, 1998, p. 17). No caso da língua portuguesa, à palavra letra, que também se origina do latim littera, foi acrescentado o sufixo –mento, que denota o resultado de uma ação. Assim, letramento é, segundo Soares (1998, p. 18), “[...] o resultado da ação de ensinar ou aprender a ler e escrever: o estado ou condição que adquire um grupo social ou um indivíduo como conseqüência de ter-se apropriado da escrita”. Contudo, o letramento é considerado um fenômeno multifacetado e, por cobrir uma vasta gama de conhecimentos, habilidades, capacidades, valores, usos e funções sociais, seu conceito envolve sutilezas e complexidades difíceis de serem contempladas em uma única definição. Por isso, Mortatti (2004, p. 98) salienta que o processo de letramento [...] está diretamente relacionado com a língua escrita e seu lugar, suas funções e seus usos nas sociedades letradas, ou, mais especificamente, grafocêntricas, isto é, sociedades organizadas em torno de um sistema de escrita e em que esta, sobretudo por meio do texto escrito e impresso, assume importância central na vida das pessoas e em suas relações com os outros e com o mundo em que vivem. Isso significa que, um adulto pode não saber ler e escrever, mas ser, em certa medida, letrado. O mesmo pode ocorrer com a criança que ainda não foi alfabetizada, 5 mas que tem oportunidade de folhear livros, de brincar de escrever, de ouvir histórias. Para Soares (1998, p. 24), “[...] essa criança é ainda “analfabeta”, porque não aprendeu a ler e a escrever, mas já penetrou no mundo do letramento, já é, de certa forma, letrada”, como o João – personagem criado por Ruth Rocha – que apesar de ser ainda não saber ler e escrever, aprendeu por 14745 intermédio das orientações de sua mãe, que as placas nas esquinas indicam os nomes das ruas e facilitam a localização das pessoas: Em cada rua, na esquina, uma placa pequenina. João queria saber: - O que é aquela placa, mãe? Todas as esquinas têm. - É o nome da rua filho (ROCHA, s/d, p. 6). Isto quer dizer que o indivíduo letrado, “[...] é não só aquele que sabe ler e escrever, mas aquele que usa socialmente a leitura e a escrita, pratica a leitura e a escrita, responde adequadamente às demandas sociais de leitura e de escrita” (SOARES, 1998, p. 39-40). O conceito de alfabetização Hoje, concebemos a alfabetização como um processo de aprendizagem de habilidades necessárias aos atos de ler e escrever (SOARES, 1998). Trata-se da aprendizagem de uma atividade cultural complexa que ocorre por meio da interação entre o adulto letrado e a criança. Contudo, no Brasil, este conceito passou por algumas mudanças, ao longo da história do ensino da leitura e da escrita no início do processo de escolarização. Na década de 1980, coincidindo com as transformações decorrentes do processo de abertura política, os problemas da educação escolar foram duramente criticados em nosso país. No dizer de Mortatti (2004, p. 70), “os diagnósticos e denúncias dos problemas educacionais encontravam sua síntese na constatação do 6 fracasso escolar das camadas populares, que se verificava na passagem da 1ª para a 2ª série do ensino de 1º grau”. Nesse período, críticas contundentesforam dirigidas aos métodos utilizados para alfabetizar. Nesse momento, adentraram as portas das escolas, por meio de propostas pedagógicas implantadas por órgãos governamentais, contribuições da perspectiva construtivista, baseadas nas pesquisas realizadas por Emília Ferreiro e colaboradores. Essa perspectiva alterou profundamente a concepção de alfabetização, que passou a ser vista como um processo de construção da representação da língua escrita pela criança, cujo início ocorre antes de ela 14746 ingressar na escola, desde que esteja exposta a manifestações de leitura e escrita (FERREIRO, 1988). Foi por isso que João – o menino que aprendeu a ver – que desde muito pequeno convivia com manifestações de leitura e escrita (Figura 2), ingressou na escola para, por meio do ensino sistematizado, aprender a ver, ou melhor a ler! Esse momento corresponde ao movimento de ampliação do conceito de alfabetização. Tal processo não mais poderia se concebido de forma restrita, como aprendizagem da capacidade de codificar e decodificar. Ao contrário, por ser um processo por meio do qual a criança constrói ativamente a linguagem escrita através de interações em um ambiente rico em material escrito, conforme preconiza a perspectiva construtivista, a alfabetização foi conceituada em sentido amplo e contínuo. Contudo, este movimento, entre outras causas, provocou a perda da especificidade da alfabetização, a ponto de, na atualidade, segundo Soares (2003a), necessitarmos reinventá-la, como veremos adiante. A relação entre alfabetização e letramento Conclui-se, então, que os termos alfabetização e letramento não são sinônimos. Tratase de processos distintos que, contudo, ocorrem de forma indissociável e interdependente: 7 [...] a alfabetização se desenvolve no contexto de e por meio de práticas sociais de leitura e de escrita, isto é, através de atividades de letramento, e este, por sua vez, só pode desenvolver-se no contexto da e por meio da aprendizagem das relações fonema-grafema, isto é, em dependência da alfabetização (SOARES, 2004, p. 14). No Brasil, tenta-se conceituar e diferenciar esses dois processos desde a década de 1980, quando o foco da discussão era o problema da evasão escolar e da repetência, principalmente da 1ª para a 2ª série. Todavia, segundo Soares (2004), os censos demográficos, a mídia e a própria produção acadêmica brasileira sobre alfabetização provocaram aproximações entre tais conceitos. Mesmo que a intenção tenha sido de diferenciá-los, esse quadro gerou, em algumas situações, a fusão de tais conceitos, e produziu, em determinados casos, confusão entre ambos, a ponto de diluir a especificidade do processo de alfabetização. Há estreita relação entre o fracasso das escolas brasileiras em ensinar a ler, escrever e fazer uso competente dessas habilidades e a perda de especificidade do processo de alfabetização. Quando as crianças eram alfabetizadas pelos métodos tradicionais, valorizavase a apropriação do sistema de escrita. As crianças precisavam, primeiramente, dominar o código escrito para, depois, ler textos, como os contidos em livros de literatura infantil, que se diferenciavam, em forma e conteúdo, dos presentes nas cartilhas utilizadas para alfabetizá-las. Contudo, principalmente na década de 1980, essas práticas foram muito criticadas e consideradas como causa da incapacidade das escolas brasileiras em ensinar a ler e escrever. Em razão disso, as práticas pedagógicas que objetivavam a apropriação do sistema de escrita foram colocadas em segundo plano, priorizando- se o convívio da criança com a linguagem escrita. No entender de Soares (2004, p. 9), a causa maior para tal perda foi “[...] a mudança conceitual a respeito da aprendizagem da língua escrita que se difundiu no Brasil a partir de meados dos anos 1980”. Ela está se referindo à implantação, em grande parte de nossas escolas – mesmo que em nível de ideário –, da perspectiva construtivista. Não se podem negar as contribuições que a perspectiva construtivista trouxe para a compreensão do processo de alfabetização. No entanto, ela conduziu a equívocos e a falsas inferências que ajudam a explicar a perda de especificidade do processo de alfabetização, tais como: desconsiderar a necessidade de um método 8 para alfabetizar; dirigir o foco para o processo de construção do sistema de escrita pela criança, esquecendo que este se constitui de relações convencionais e arbitrárias entre fonemas e grafemas; crer que o convívio intenso com materiais escritos fosse suficiente para alfabetizar a criança (SOARES, 2004). Estes equívocos e falsas inferências fizeram com que o processo de alfabetização fosse ofuscado pelo de letramento, ou seja, ao incorporar na prática pedagógica os usos sociais da linguagem escrita, priorizou-se o processo de letramento em detrimento do de alfabetização, que acabou obscurecido, perdendo sua especificidade. Essa situação gerou uma inusitada forma de fracasso escolar, denunciado por avaliações externas à escola, como o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB), o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) e o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA). Esses sistemas de avaliação revelaram que há muitos alunos não alfabetizados ou semi-alfabetizados matriculados em todas as séries do ensino fundamental, inclusive no ensino médio. Diante das críticas a esse movimento que não produziu os resultados esperados, pois as crianças continuaram sem aprender a ler e escrever, apenas tendo sido promovidas de uma série ou ciclo a outro, iniciou-se um outro movimento, que busca recuperar a especificidade do processo de alfabetização. Para Soares (2003b, 2004), urge reinventarmos a alfabetização, ou seja, para alfabetizar faz-se necessário orientar as crianças na aprendizagem do sistema de escrita: “É a retomada da aquisição do sistema alfabético e ortográfico pela criança nas suas relações com o sistema fonológico” (SOARES, 2003a, p. 21). Contudo, a autora alerta para os riscos que advém desse movimento. Ele pode ser um retrocesso se o processo de alfabetização for tratado separado do processo de letramento. É necessário, então, recuperar a especificidade da alfabetização, desde que se reconheça a relação de indissociabilidade e interdependência existente entre ela e o processo de letramento. Isto quer dizer a aprendizagem da escrita deve ser encaminhada de tal forma que as crianças aprendam a ler e a escrever em situações que considerem as finalidades dessa linguagem e seu impacto na vida 9 social, como aconteceu com o João que ao sair da escola, procurou nas placas, letreiros de lojas e outdoors, as letras que a professora havia ensinado. Essa forma de compreender a relação entre alfabetização e letramento é importante, uma vez que cada um desses processos tem diferentes facetas cujas distintas naturezas requerem metodologias de ensino diferentes. Para algumas, não há como abrir mão de metodologias dotadas de intencionalidade e sistematização, como é o caso, por exemplo, da consciência fonológica e fonêmica e da identificação das relações fonema-grafema – habilidades necessárias para a codificação e decodificação da língua escrita. Nessas situações, é imprescindível a presença do professor organizando o ensino com objetivos claros e definidos. Para outras facetas, além de intencionais e sistematizadas, é possível recorrer a metodologias indiretas, subordinadas às possibilidades e motivações das crianças. É o caso da situação em que se pretendem promover experiências variadas com a leitura e a escrita, conhecer diferentes tipos e gêneros de material escrito e interagir com eles (SOARES, 2004). É por isso que defendemos a necessidade de haver, na prática pedagógica que visa à aprendizagem inicial da linguagem escrita, uma relação de equilíbrio e complementaridadeentre os processos de alfabetização e letramento. A relação entre literatura infantil, letramento e alfabetização Defender a indissociabilidade entre os processos de alfabetização e letramento significa que, ao organizar a prática pedagógica, se faz necessário dotar de intencionalidade e sistematicidade tanto as ações que envolvem o ensino do sistema de escrita, quanto as que pretendem mergulhar as crianças no mundo da escrita. É nesta situação que sugerimos recorrer à literatura infantil, considerando-a não apenas capaz de ampliar o nível de letramento das crianças e de estimulá-las a aprender a ler e a escrever, mas, sobretudo, de revestir de ludicidade as práticas pedagógicas que envolvem esses dois processos. 10 Essa orientação coaduna com as reflexões promovidas por Maia (2007) acerca da formação de leitores. Para ela “[...] a literatura possibilita à criança uma apropriação lúdica do real, a convivência com um mundo ficcional, a descoberta do prazer proporcionado pelo texto literário e a apreensão do potencial lingüístico que esse texto expressa” (MAIA, 2007, p. 67). Isto quer dizer que a literatura infantil além de poder transportar o leitor mirim a lugares imaginários e de lhe permitir vivenciar situações que a vida cotidiana não lhe proporcionaria, estimula o interesse pelo texto escrito enquanto linguagem capaz de materializar ações e pensamentos humanos. Nessa perspectiva, a linguagem tem uma dupla importância: além de constituir um instrumento de interação entre as crianças, é fator determinante no processo de aprendizagem e desenvolvimento delas. Dessa forma de conceber a linguagem, advém algumas implicações de ordem metodológica: não há necessidade de a criança, primeiramente aprender a ler e a escrever para, somente depois de atingir um determinado nível de apreensão do código linguístico, embrenhar-se no mundo da escrita, mais especificamente, no mundo de encantamento e magia que experiências significativas com a literatura podem lhe proporcionar. Para tanto, convém envolver as crianças, desde a mais tenra idade, em eventos de letramento: “situações em que a escrita constitui parte essencial para fazer sentido à situação, tanto em relação à interação entre os participantes como em relação aos processos e estratégias interpretativas” (KLEIMAN, 1995, p. 40). É o que fez a mãe de João – personagem ao qual já nos referimos – mostrando-lhe que a rota seguida pelo ônibus estava marcada na frente e na lateral do veículo, que nas placas das esquinas estavam registradas os nomes das ruas para auxiliar a população a se localizar, que os outdoors continham mensagens publicitárias. No dia seguinte, cedo, João foi para o colégio. Quando chegaram na esquina a mãe de João falou: - Temos de tomar o ônibus. Será que vai demorar? - Mas que ônibus, mamãe, nós vamos ter que tomar? - O que vai pra sua escola. - E como é que você sabe o que vai pra minha escola? - Eu olho o que está escrito na placa: RIO BONITO. (ROCHA, s/d, p. 8). 11 Dentre os muitos eventos de letramento, os atos de narrar e ler histórias se constituem práticas prazerosas e significativas para as crianças, seja nos lares ou em instituições educativas. Um dos principais objetivos da leitura ou da narração de histórias na escola é estabelecer interação entre as crianças e a linguagem escrita, “de modo a possibilitar uma intimidade prazerosa, uma relação afetiva com a natureza dessa modalidade de linguagem” (MAIA, 2007, p. 95). Para tanto, o professor deve assumir o papel de mediador entre a criança e o livro. Para a autora anteriormente mencionada, ao lermos e narrarmos muitas histórias para as crianças estamos oferecendo-lhes. [...] a possibilidade de conhecer o uso real da escrita, pois é ouvindo e tentando fazer leituras de textos com mensagens que remetem ao universo, às vezes real, às vezes imaginário, que ela descobre a língua escrita como um sistema lingüístico representativo da realidade. É ouvindo mensagens com contextos significativos que a criança insere-se num processo de construção acerca da linguagem; aprendizado, portanto, diferente do processo de simples domínio de codificação e decodificação de sentenças descontextualizadas e tão comuns nas cartilhas (MAIA, 2007, p. 82). Contudo, tais práticas necessitam ser previamente organizadas e planejadas. Esse planejamento envolve, em linhas gerais, quatro momentos: conhecer a história antes de lê-la para as crianças e estudar seu enredo; pesquisar sobre a vida do autor (e do ilustrador); definir as estratégias e os recursos didáticos mais adequados à história selecionada; confeccionar os recursos escolhidos. É necessário estudar o enredo da história antes lê-la às crianças para pesquisar o significado de alguma palavra desconhecida, verificar se a história escolhida é adequada à faixa etária do público, conhecer o enredo, as personagens principais, secundárias e supérfluas, o ambiente da trama (local, época, civilização), avaliar a qualidade do texto, aprimorar o fluxo da leitura. Enfim, é essa compreensão em profundidade do texto que garante a criação de um clima de envolvimento e encantamento. Ao apresentarmos para as crianças o livro da história lida ou narrada, seu autor e ilustrador, estamos ensinando-lhes que o pensamento humano pode se tornar matéria. As histórias são criadas pelos homens, registradas por meio da escrita e reproduzidas em editoras. É esse registro que nos permite conhecer uma história, 12 mesmo não vivendo na mesma época e no mesmo local de seu autor. Isso significa que se Ruth Rocha tivesse somente contado para seus filhos a história do menino que aprendeu a ver, poucas seriam as pessoas que hoje teriam acesso à mesma. Talvez seus netos. Porém, seus filhos poderiam esquecer alguma parte ou não contar com fidelidade a história inventada pela mãe. Enfim, a história de João poderia sofrer alterações ou cair no esquecimento. Ao escrever a história, a autora conferiu concretude à linguagem. Muitas crianças e adultos, independente do local onde moram ou da época vivida, poderão conhecer a história por ela inventada, lendo o seu livro. O conhecimento do enredo, das personagens e do ambiente no qual se passa a história auxilia o professor na seleção de estratégias e recursos didáticos mais apropriados para a narração. Dohme (2010, p. 27) salienta que “estes elementos indicarão onde estão as dificuldades para a produção de caracterizações e cenários e quais pontos podemos explorar para dar um colorido especial” à narrativa. Além do próprio livro, existem muitos recursos que podem auxiliar a narração de histórias. Fantoches são os mais comuns. Existem ainda: dedoches, flanelógrafos, álbuns seriados, teatros de sombras, aventais, TV a cabo, painéis sanfonados, cartazes, entre outros. Enfim, são muitas as possibilidades de enriquecer as práticas de leitura e narração de histórias, tendo em vista que por meio delas, se planejadas e intencionais, estamos promovendo o processo de letramento das crianças e estimulando-as a aprender a ler e escrever. E, se ao final da história, as crianças manifestarem o desejo de ouvi-la novamente, é sinal de que houve encantamento, de que ações e pensamentos humanos – materializados em escrita – foram transmitidos para outras gerações, de que uma das finalidades dessa complexa forma de linguagem – transmissão de cultura – de forma prazerosa, se efetivou. Para que tais práticas possibilitem a ampliação do nível de letramento das crianças, tão importante quanto os atos de ler e narrar histórias, são os diálogos estabelecidos com as crianças após a leitura ou narrativa. Rego (1990, p. 54) destaca a importância de incentivar a criança a falar sobre o texto lido: “É muito importante que surjam perguntas e comentários por parte das crianças, para que a história não se transforme num ritual didáticoalheio aos verdadeiros interesses delas”. 13 Por isso, o clima instalado após a leitura deve favorecer o diálogo e permitir que as crianças façam comentários. Segundo Maia (2007, p. 83), “o diálogo e os comentários sobre as leituras realizadas são necessários para que haja troca de informações, confronto de opiniões, comunhão de idéias, exposição de valores e, consequentemente, desenvolvimento dos sujeitos envolvidos no processo”. O importante salienta Kleiman (1995), é que o conteúdo desses diálogos estenda-se a outros contextos, aproximando a história às experiências das crianças e permitindo- lhes fazer inferências. Experiências significativas com a linguagem escrita proporcionadas por meio de narrações de histórias cuidadosamente planejadas permitem que as crianças desenvolvam capacidades essenciais para a aprendizagem da leitura e da escrita, estimulando-as a embrenhar-se no mundo da escrita. Ouvir histórias constitui-se em um momento de muita exigência para a criança: atenção, concentração, antecipações, formulação de hipóteses sobre a natureza da linguagem escrita. São ações que colaboram para a compreensão dos processos e relações estabelecidas no sistema de representação da língua (MAIA, 2007, p. 107). A vontade de aprender a ler e escrever muitas vezes manifesta-se nos momentos de narração de histórias quando a criança se aproxima do professor, olha desejosa para o livro e diz: “posso ler também?”. E então, de posse do livro, começa a folheá-lo, a admirar as ilustrações, a correr os pequenos dedos sob as letras e a “ler” a história contada pela professora. Até que, por meio de práticas pedagógicas intencionais e sistematizadas, parafraseando Ruth Rocha, ela aprende a ver, ou melhor, a ler a palavra, a desvendar o mundo, como ocorreu com João – o menino que aprendeu a ver, quer dizer, a ler. 14 REFERÊNCIAS DOHME, Vânia. Técnicas de contar histórias. Petrópolis: Vozes, 2010. FERREIRO, Emília. Reflexões sobre alfabetização. São Paulo: Cortez, Autores Associados, 1988. KLEIMAN, Ângela. Os significados do letramento. Campinas: Mercado de Letras, 1995 LAJOLO, Marisa. Do mundo da leitura para a leitura do mundo. São Paulo: Ática, 2001 MAIA, Joseane. Literatura na formação de leitores e professores. São Paulo: Paulinas, 2007. MORTATTI, Maria do Rosário Longo. Educação e letramento. São Paulo: UNESP, 2004. REGO, Lúcia Lins Browne. Literatura infantil: uma nova perspectiva de alfabetização na pré-escola. São Paulo: FTD, 1990. ROCHA, Ruth. O menino que aprendeu a ver. São Paulo: Quinteto Editorial, s/d. SOARES, Magda. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte: CEALE/Autêntica, 1998. . A reinvenção da alfabetização. Presença pedagógica. Belo Horizonte: n. 52, p. 15- 21, jul./ago., 2003a. Letramento e escolarização. In: RIBEIRO, Vera Masagão (Org.). Letramento no Brasil: reflexões a partir do INAF. São Paulo: Global, 2003b. p. 89-113 Letramento e alfabetização: as muitas facetas. Revista Brasileira de Educação. São Paulo: n. 25, p. 5-17, jan./abr. 2004 15 1 LITERATURA INFANTIL 1 Sumário O que é literatura infantil? ................................................................................ 3 O início da literatura infantil brasileira .............................................................. 3 A criança no mundo da leitura: a literatura infantil ........................................... 4 Literatura infantil e pedagogia: um breve excurso ........................................... 9 REFERÊNCIAS ............................................................................................. 14 2 NOSSA HISTÓRIA A nossa história inicia com a realização do sonho de um grupo de empresários, em atender à crescente demanda de alunos para cursos de Graduação e Pós- Graduação. Com isso foi criado a nossa instituição, como entidade oferecendo serviços educacionais em nível superior. A instituição tem por objetivo formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua formação contínua. Além de promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos e técnicos que constituem patrimônio da humanidade e comunicar o saber através do ensino, de publicação ou outras normas de comunicação. A nossa missão é oferecer qualidade em conhecimento e cultura de forma confiável e eficiente para que o aluno tenha oportunidade de construir uma base profissional e ética. Dessa forma, conquistando o espaço de uma das instituições modelo no país na oferta de cursos, primando sempre pela inovação tecnológica, excelência no atendimento e valor do serviço oferecido. 3 O que é literatura infantil? Coelho (1986) argumenta que literatura é arte, é um ato criativo que, por meio da palavra, cria um universo autônomo, realista ou fantástico, onde os seres, coisas, fatos, tempo e espaço, mesmo que se assemelhem ao que podemos reconhecer no mundo concreto que nos cerca, ali transformado em linguagem, assumem uma dimensão diferente: pertencem ao universo da ficção. A literatura infantil tem importância fundamental em vários aspectos da educação das crianças, principalmente em relação à formação de alunos que gostam de ler, pois ela estimula-os à leitura através do atrativo e do belo que compõe os textos literários. Cunha (1974, p.45) afirma que: A Literatura Infantil influi e quer influir em todos os aspectos da educação do aluno. Assim, nas três áreas vitais do homem (atividade, inteligência e afetividade) em que a educação deve promover mudanças de comportamento, a Literatura Infantil tem meios de atuar. O início da literatura infantil brasileira De acordo com Cademartori (2010), em meados dos anos de 1986, período em que escreveu a primeira edição de O que é literatura infantil, o gênero literário destinado às crianças começou a ser alvo de discussões e a ser valorizado pela comunidade acadêmica. Nesta época o Ministério da Educação distribuiu livros literários para as crianças nas escolas e bibliotecas do país. Essa iniciativa pioneira era denominada, Programa Salas de Leitura e era desenvolvido pela Fundação de Assistência ao Estudante. Conforme Frantz (2011), a história da literatura infantil brasileira começa com Monteiro Lobato. Ele foi o primeiro autor que escreveu para as crianças brasileiras, histórias com qualidade literária. Antes a literatura destinada às crianças, era a literatura européia clássica, tradicional, traduzida ou adaptada para o idioma 4 brasileiro. Em 1921 Monteiro Lobato publica a obra que inaugura a literatura infantil brasileira, intitulada A menina do narizinho arrebitado. A criança no mundo da leitura: a literatura infantil De acordo com Carvalho (1989) a literatura – mitos, estórias, contos, poesias, qualquer que seja a sua forma de expressão, é um das mais nobres conquistas da humanidade, a conquista do próprio homem. É conhecer, transmitir e comunicar a aventura do ser. Só esta realidade pode oferecer-lhe a sua verdadeira dimensão. Só esta aventura pode permitir-lhe a ventura da certeza de ser. Zilberman (1994, p.22) argumenta o que segue: A literatura sintetiza, por meio dos recursos da ficção, uma realidade, que tem amplos pontos de contato com o que o leitor vive cotidianamente. Assim, por mais exacerbada que seja a fantasia do escritor ou mais distanciada e diferente as circunstâncias de espaço e tempo dentro das quais uma obra é concebida, o sintoma de sua sobrevivência é o fato de que ela continua a se comunicar com o destinatário atual, porque ainda fala de seu mundo, com suas dificuldades e soluções,ajudando- o, pois, a conhecê-lo melhor. É fundamental que cada criança tenha o gosto, o prazer pela leitura, pois essa é uma dimensão essencial na vida de qualquer ser humano. Quando lemos estamos exercitando a mente e aguçando nossa inteligência. De acordo com Moric (1974), a literatura constitui uma arte, mas também representa um meio de educar o jovem leitor, desenvolver sua percepção estética do mundo, refinar suas qualidades, revelar sua inteligência, sua concepção do mundo, suas ideias, seu gosto. Nas palavras de Góes (2010, p.47): O desenvolvimento da leitura entre crianças resultará em um enriquecimento progressivo no campo dos valores morais, da cultura da linguagem e no campo racional. O hábito da leitura ajudará na formação da opinião e de um espírito crítico, 4 principalmente a leitura de livros que formam o espírito crítico, enquanto a repetição de estereótipos empobrece. 5 Os textos literários são fundamentais às crianças, pois mexem com suas fantasias, emoções e intelecto, sendo apresentados a elas com uma estética atrativa e também por envolverem o lúdico. Bordini (1985, p. 27-28) afirma o seguinte “os textos literários adquirem no cenário educacional, uma função única, singular: aliam à informação o prazer do jogo, envolvem razão e emoções numa atividade integrativa, conquistando o leitor por inteiro e não apenas na sua esfera cognitiva”. É através das emoções, ludismo, imaginação e fantasias que a criança apreende, ou seja, entende a realidade, dando-lhe um significado. Diante de um mundo globalizado em que o poder da mídia é massificador, é de extrema importância que pais e professores atuem em conjunto despertando nas crianças desde os anos inicias, o desejo pela leitura. Desta forma, no decorrer dos anos à medida que forem amadurecendo, poderão ser adultos capazes de fazer uma leitura além do que lhes está exposto, ou seja, o que mundo globalizado quer realmente expressar ou difundir nas entrelinhas. A literatura infantil é o caminho que leva as crianças ao mundo da leitura de maneira divertida, pois através de seu caráter mágico e lúdico faz com que a atenção das crianças se volte a ela. Entretanto, a escola muitas vezes não tem proporcionado aos seus alunos esse caráter mágico e lúdico da literatura infantil. A leitura não é apresentada à criança como algo belo e prazeroso, daí vem à má formação de nossos leitores. Desta forma, teremos adultos que não sentem prazer pela leitura e nem a adotam como uma prática social indispensável. Cabe assim, aos professores essa árdua tarefa. Eles precisam produzir atividades divertidas, desenvolver em suas aulas metodologias diversificadas, fugindo assim de atividades rotineiras que desligam os alunos do prazer pela leitura. A escola tem como um dos objetivos primordiais, preparar o educando para exercer a cidadania, em que se procura alcançar uma educação transformadora e libertadora, mas como ela alcançará esse objetivo se não formar leitores praticantes que sejam conscientes dos direitos e deveres que constituem a cidadania? Uma educação humanizante tem que obrigatoriamente focar a prática da leitura. Nas palavras de Maria (2002), a eficácia da escola pode ser medida no modo como 6 conseguiu prover o aluno de competência linguística para o exercício consciente de sua cidadania. Como somos conhecedores, teoria e prática não devem andar separadas ou desvinculadas, por isso o professor que deseja despertar nos seus educandos o gosto pela leitura, deve ser antes de tudo um constante leitor, fazendo com que suas palavras tenham um real valor para as crianças e para si mesmo. E sendo um mediador do diálogo entre o texto e o leitor. De acordo com Maria (2002), para acompanhar o processo de formação do aluno-leitor é imprescindível que o professor tenha construído ou esteja construindo, para si próprio, uma história de leitor. Mas porque damos tanta ênfase à leitura? Através da leitura podemos ler o mundo que nos rodeia, fazendo indagações e passando a compreender a realidade. Segundo Manguel (1997), todos lemos a nós e ao mundo à nossa volta para vislumbrar o que somos e onde estamos. Lemos para compreender ou para começar a compreender. Não podemos deixar de ler. Ler, quase como respirar, é nossa função essencial. Afinal, quais as características que as obras literárias dadas às crianças devem possuir? Frantz (2011, p. 53-60) destaca algumas características que precisam ser evitadas para que a leitura não se torne desagradável para as crianças. São elas: a) Didatismo e pedagogismo: a leitura tem sido utilizada apenas como fins didático-pedagógicos; b) Moralismo: os livros infantis estão repletos de histórias que almejam unicamente a transmissão de normas de comportamento que levem a criança a ser da maneira como os adultos desejam. c) Adultocentrismo e paternalismo: o mundo adulto com todos os seus preconceitos e valores sobrepõem-se aos valores do mundo infantil, sufocando-os. d) Visão fechada de mundo: alguns autores apresentam a seus leitores infantis um mundo pronto, acabado, de valores absolutos e inquestionáveis. e) Infantilismo: há textos que parecem se destinar a um leitor que só entende a linguagem do “inho” e da “inha”, subestimando a criança, entendendo o ser infantil 7 como um ser menor, inferior, ao qual se deve oferecer uma literatura igualmente inferior e de menor qualidade. Tornam-se evidente que as obras literárias devem possuir algumas dessas características, mas tudo de maneira equilibrada, sem inferiorizar a criança. A literatura infantil dada nos anos iniciais não pode deixar de privilegiar a poesia infantil, pois nos textos poéticos direcionados ao público infantil a valorização do lúdico está muito presente, o que atrai de maneira significativa as crianças. Segundo Frantz (2011, p.122): A poesia convida-nos a viver a fantasia a soltar a imaginação, a sentir a realidade de maneira especial, mágica, a ver e buscar sentidos em tudo que nos rodeia e a expressá-los de forma simbólica, lúdica, criativa, nova, prazerosa... poética. É quando o belo se sobrepõe ao útil. A criança é inserida no mundo da leitura mesmo antes de saber ler, pois o primeiro contato com a leitura se dá por meio da audição de histórias. Com tantos avanços tecnológicos, ouvir histórias contadas parece não despertar o interesse em ninguém, entretanto 6 muitas crianças gostam da maneira com o professor se expressa corporalmente e verbalmente ao contar uma história. Ao ouvir histórias a criança não é envolvida apenas no aspecto emocional, mas também cognitivamente, pois seu pensamento é estimulado a buscar significação para o que ela está ouvindo e elabora internamente esse universo significado. De acordo com Barbosa (1999, p. 22): Para a criança, ouvir histórias estimula a criatividade e formas de expressão corporal. Sendo um momento de aprendizagem rica em estímulos sensoriais, intelectuais, dá-lhe segurança emocional. Ouvir histórias também ajuda a criança a entrar em contato com suas emoções, supre dúvidas e angústias internas. Através da narrativa a criança começa a entender o mundo ao seu redor e estabelecer relações com o outro, a socialização. Consequentemente, são mais criativas, saem-se melhor no aprendizado e serão adultos mais felizes Os contos de fadas também são essenciais. Nas palavras de Jesualdo (1993, p.136- 137), existem pessoas contrárias a se darem contos de fadas às crianças: 8 Os homens graves e, mais que graves dotados de um espírito que não vacilamos em qualificar de falsamente racionalista ou científico são contrários a que se narre contos de fadas às crianças. Dizem eles que “essas bobagens somente contribuem para falsear o espírito, gerar nas crianças o gosto pelo maravilhoso, incliná-las à credulidade e a afogar nelas o germe de todo sentido crítico”. Entretanto,isso não é cabível, pois à medida que a criança vai crescendo e amadurecendo ela toma consciência do que é real, na ficando presa ao mundo da fantasia. Os contos de fadas são carregados de significados e não podem ser esquecidos nas leituras que as crianças farão e as que lhes serão dadas. Bettelheim (1980, p.14) explica: Esta é a mensagem que os contos de fadas transmitem às crianças de forma múltipla: uma luta contra as dificuldades graves na vida é inevitável, é parte intrínseca da existência humana; e se a pessoa não se intimida, mas se defronta de modo firme com as pressões inesperadas e muitas vezes injustas, ela dominará todos os obstáculos e, ao fim, emergirá vitoriosa. Também em relação à composição das bibliotecas infantis, elas devem ser repletas com bons e atrativos livros. Conforme Meireles (1984, p. 145-146): As bibliotecas infantis [...], têm a vantagem não só de permitirem à criança uma enorme variedade de leituras, mas de instruírem os adultos acerca de suas preferências. Pois, pela escolha feita, entre tantos livros postos à sua disposição, a criança revela o seu gosto, as suas tendências, os seus interesses. A biblioteca é um lugar de obtenção de informações, por isso o livro deve ser valorizado. Nas palavras de Góes (2010, p. 55): No bombardeio visual dos dias que correm, a biblioteca tem um papel tão essencial quanto insubstituível [...]. A biblioteca deveria, pois, ser um lugar de intercâmbio, troca, informação, integração na comunidade [...]. É princípio das bibliotecas proporem atividades bem diversas. Porém essas atividades só devem existir se derivarem de uma relação com o livro. O livro infantil deve ter o objetivo de sempre chamar a atenção da criança logo que ela o vê. Alguns livros falham no que diz respeito ao aspecto ilustrativo. 9 Entretanto, isso não pode ocorrer nos livros infantis, pois as ilustrações trazem informações significativas, mostrando como são os personagens. Dessa forma, dá- se uma maior veracidade à história. Palo e Oliveira (2006, p.15), dizem que nos livros o mais comum é o aparente diálogo que, no fundo, esconde um tom único, monológico, privilegiando a informação construída pelo texto verbal em detrimento daquela oriunda do visual. Literatura infantil e pedagogia: um breve excurso Historicamente, embora seja possível encontrar livros escritos para crianças anteriormente ao século XVIII, a emergência da literatura infantil, como um campo literário, está estreitamente relacionada com a emergência da sociedade burguesa, quando a prática da leitura literária se tornou central não apenas para crianças, mas para toda a sociedade. Conforme as pesquisadoras Marisa Lajolo e Regina Zilberman (1998), Se é certo que leitores sempre existiram em todas as sociedades nas quais a escrita se consolidou enquanto código, como se sabe a propósito dos gregos, só existem o leitor, enquanto papel de materialidade histórica, e a leitura enquanto prática coletiva, [itálicos no original] em sociedades de recorte burguês, onde se verifica no todo ou em parte uma economia capitalista. Esta se concretiza em empresas industriais, comerciais e financeiras, na vitalidade do mercado consumidor e na valorização da família, do trabalho e da educação. (p. 16) Os primeiros livros endereçados para crianças surgiram, portanto, no contexto da ascensão da burguesia, na Europa, e estavam repletos de intenções morais e pedagógicas explícitas, pois eram produzidos com o intuito de constituir cidadãos devidamente alfabetizados e alinhados com as necessidades e as visões de mundo daquela sociedade. Para atingir tais objetivos, alguns autores da época mesclavam histórias e poemas a lições destinadas a ensinar leitura e escrita, incluindo abecedários, além de regras de comportamento e moral. Essa tendência pode ser observada, entre 10 outros, já nos livros da britânica Mary Cooper, The Child’s New Play-thing, publicado em 1742, e de John Newbery, A Little Pretty Pocket-Book, publicado originalmente em 1744. Vários autores daquele período ficaram conhecidos pela ênfase acentuada em ensinamentos morais e religiosos, podendo-se destacar, nesse sentido, os livros Simple Susan, publicado em 1798 por Maria Edgeworth, The Story of the Robins, publicado por Sarah Trimmer em 1786, The History of the Fairchild Family, publicado em 1818 por Mary Martha Sherwood, entre muitos outros (Russell, 2015, p. 7). No Brasil, foi somente a partir do século XIX que surgiram livros nacionais de literatura endereçados a crianças, embora a maior parte fosse constituída por traduções e adaptações de obras europeias, principalmente portuguesas. Conforme advertem Regina Zilberman e Marisa Lajolo (1993), já naquela época, a escola era “a destinatária prevista para estes livros, que nela circulam como leitura subsidiária ou como prêmio para os melhores alunos” (p.19). Mais tarde, no início do século XX, autores brasileiros como Olavo Bilac, Viriato Correa, Manuel Bonfim, Júlia Lopes de Almeida, Adelina Lopes Vieira, entre outros, passaram a escrever obras para crianças, baseados na crença burguesa segundo a qual a literatura, e especialmente a poesia, seria um instrumento pedagógico eficiente para ensinar, na escola e fora dela, os valores morais, cívicos e religiosos que a sociedade de então considerava apropriados e necessários para uma boa formação. Nas palavras de Gregorin Filho (2011), Educação e leitura no Brasil, do final do século XIX até o surgimento de Monteiro Lobato, viviam alicerçadas nos paradigmas vigentes, ou seja: o nacionalismo, o intelectualismo, o tradicionalismo cultural com seus modelos de cultura a serem imitados e o moralismo religioso, com as exigências de retidão de caráter, de honestidade, de solidariedade e de pureza de corpo de alma em conformidade com os preceitos cristãos. (p. 16) Assim como na Europa, também no Brasil, portanto, a produção de livros para crianças esteve marcada, desde seu início, por intenções morais e pedagógicas vinculadas ao universo cultural de uma burguesia emergente, sendo o espaço escolar o locus de consumo prioritário dessas obras. 11 Na Europa, é possível dizer que o rompimento com o pedagogismo da literatura infantil teve seu início já na era vitoriana, com a publicação de Alice no país das maravilhas, por Lewis Carroll, em 1865. No Brasil, Monteiro Lobato foi pioneiro na escrita de uma obra literária que explorava prioritariamente o lúdico e a imaginação infantil em detrimento de ensinamentos explícitos. Contudo, somente a partir da década de 60 do século XX, houve um crescimento realmente expressivo de obras infantis no contexto brasileiro, especialmente de narrativas, o qual foi acompanhado pela melhoria também da sua qualidade artístico-literária. Já a poesia, segundo Zilberman (2005), passou por uma revitalização, em termos de quantidade e qualidade, principalmente a partir da década de 1980, quando houve uma valorização do gênero no Brasil, o que levou um número cada vez maior de poetas a se dedicarem a esse tipo de produção. Desde então, ao invés da perspectiva do adulto que pretende ensinar algo, é possível encontrar uma quantidade muito significativa de livros que priorizam o universo e a perspectiva infantis. No lugar de informações utilitárias, conhecimentos escolares e valores morais explícitos, autores contemporâneos têm valorizado a qualidade literária e o lúdico, que podem se manifestar tanto por meio das temáticas abordadas quanto da liberdade para experimentações com o significante linguístico. Têm se tornado cada vez mais comuns projetos intersemióticos ousados, ligando ilustração/imagens e texto linguístico de modo tão integrado que se chega frequentemente a uma linguagem híbrida. Além disso, questões densas e existenciais como a morte e a velhice, entre outras, também são apresentadas na perspectivainfantil, evitando-se respostas fáceis e enredos óbvios. A crítica literária não permaneceu isenta diante desse novo contexto. Maria da Glória Bordini (1986), em um estudo sobre a crítica voltada para a produção infantil nas décadas de 70 e 80 do século XX, vislumbrou uma mudança de perspectiva introduzida pelo trabalho de acadêmicos nas universidades, nas quais foram sendo instituídas disciplinas específicas de literatura infantil desde então, o que, segundo a pesquisadora, levou a “uma reviravolta do foco sobre o elemento humanístico- formativo para o estético-ideológico” (p. 97). A partir dessas iniciativas, as análises acadêmicas passaram a privilegiar aspectos propriamente literários em detrimento de aspectos pedagógicos, valorizando a autonomia artística das obras infantis e tornando ainda mais refinado o 12 olhar do leitor universitário para diferenciar obras cujo fim é proporcionar uma experiência de fruição literária de obras produzidas como mero pretexto para o ensino de gramática, números, informações sobre história e geografia, valores morais, etc. Por outro lado, a escola continuou sendo o lugar privilegiado para o consumo das obras literárias infantis e infantojuvenis. O mercado desses livros se expandiu devido aos programas de incentivo do governo, existentes desde a década de 1960, tais como a Fundação do Livro Escolar, a Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil, a Academia Brasileira de Literatura Infantil e Juvenil, entre outros (Lajolo, 1986). Atualmente, destaca-se o Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE), instituído em 1997 e executado pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento e Educação (FNDE), em parceria com a Secretaria de Educação Básica do Ministério da Educação (SEB/MEC). O principal leitor da literatura infantil contemporânea, portanto, não é simplesmente a criança, mas a criança escolarizada. Se a escolarização da literatura infantojuvenil, de um lado, tem sido a responsável por sua vitalidade no Brasil, na medida em que garante grandes públicos consumidores, de outro lado, também tem gerado práticas que obliteram sua dimensão artística e literária. Para Graça Paulino (2010), O problema está na constituição anti-estética ou a-estética dos cânones escolares de leitura. Os modos escolares de ler literatura nada têm a ver com a experiência artística, mas com objetivos práticos, que passam da morfologia à ortografia sem qualquer mal-estar. Se for perguntado a um incauto mestre que tipo de leitor quer formar, possivelmente a resposta passará por idealizações distantes das práticas culturais concretas. (p.161) A dificuldade de muitos educadores para realizar atividades significativas de leitura literária na escola, aliada ao discurso segundo o qual seria mais apropriado abordar textos imagéticos e outros gêneros textuais supostamente mais alinhados com a cultura contemporânea, tem levado alguns educadores a defender, inclusive, o fim do ensino da literatura. Segundo Rildo Cosson (2014,), “para muitos professores e estudiosos da área das Letras, a literatura só se mantém na escola por força da tradição e da inércia curricular, uma vez que a educação literária é um produto do século XIX que já não tem razão de ser no século XX” (p.20) 13 Por outro lado, é preciso ressaltar que o universo acadêmico brasileiro não tem permanecido indiferente a essa problemática, o que se comprova pela existência de uma produção consistente de livros e artigos recentes que procuram articular o campo pedagógico a questões de leitura literária. Nesse contexto, muitos pesquisadores têm enfrentado o seguinte dilema: “Se hoje não faz mais sentido utilizar obras literárias como meros pretextos para atividades didáticas e pedagógicas em sentido restrito, o que deve ser ensinado quando se trabalha com a literatura no espaço escolar ou em outros espaços de formação?”. Essa pergunta vem sendo respondida a partir de diferentes perspectivas teóricas e discursos que enfatizam o caráter formativo da literatura infantil e sua importância no contexto escolar. Muitas dessas discussões têm sido divulgadas em livros que, entrementes, são referência no campo e bibliografia obrigatória em cursos de Letras e Pedagogia. Tais discussões também se fazem presentes em eventos como as reuniões nacionais da Associação Nacional de Pós-Graduação em Educação e em Letras (ANPED e ANPOLL), bem como em diferentes revistas e periódicos vinculados às áreas da Educação e das Letras. Nesse sentido, pode ser citado um trabalho de mapeamento do campo realizado por Silveira e Bonin (2013), que analisaram os artigos apresentados nas reuniões anuais da Anped – da 23ª a 32ª (2000 a 2012) – os quais focalizavam a literatura infantil e infantojuvenil. 14 REFERÊNCIAS ANDRÉ, M. E. D. A.; LUDKE, M. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo: EPU, 1986. ANDRÉ, M. E. D. A. de. 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São Paulo: Global, 1994. 1 PSICOGÊNESE DA ESCRITA 1 Sumário INTRODUÇÃO ................................................................................................. 3 O DESENVOLVIMENTO DA ESCRITA ........................................................... 5 LINGUAGEM INATA ........................................................................................ 6 A ESCRITA CODIFICA OS SONS DA FALA .................................................. 7 O ALONGAMENTO DA LINGUAGEM ESCRITA .......................................... 11 O ALONGAMENTO DA LEITURA ................................................................. 15 A FRAQUEZA DA HIPÓTESE SILÁBICA ...................................................... 17 REFERÊNCIAS ............................................................................................. 21 2 NOSSA HISTÓRIA A nossa história inicia com a realização do sonho de um grupo de empresários, em atender à crescente demanda de alunos para cursos de Graduação e Pós- Graduação. Com isso foi criado a nossa instituição, como entidade oferecendo serviços educacionais em nível superior. A instituição tempor objetivo formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua formação contínua. Além de promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos e técnicos que constituem patrimônio da humanidade e comunicar o saber através do ensino, de publicação ou outras normas de comunicação. A nossa missão é oferecer qualidade em conhecimento e cultura de forma confiável e eficiente para que o aluno tenha oportunidade de construir uma base profissional e ética. Dessa forma, conquistando o espaço de uma das instituições modelo no país na oferta de cursos, primando sempre pela inovação tecnológica, excelência no atendimento e valor do serviço oferecido. 3 INTRODUÇÃO O conhecido epistemólogo suíço Jean Piaget edificou um monumental e sólido corpo teórico sobre a psicologia do desenvolvimento, abrangendo da infância à adolescência. Dado o seu interesse principal pela inteligência, ele não chegou a elaborar sobre temas mais específicos como, por exemplo, a aquisição da leitura e da escrita. Emília Ferreiro e Ana Teberosky propuseram-se a preencher essa lacuna. No final dos anos 1970, elas apresentaram o relato de uma pesquisa no qual descrevem o processo de desenvolvimento daquelas habilidades em crianças de 4 a 6 anos (FERREIRO; TEBEROSKY, 1984). Na forma de livro, ele produziu enormes e duradouras repercussões nos meios acadêmico e educacional de vários países, particularmente o Brasil, sendo suas idéias consideradas uma revolução conceitual. O que aqui se apresenta é uma análise da obra em si mesma e em confrontação com parte da literatura nela referenciada. Há, no entanto, alguns aspectos mais amplos que a contextualizam, os quais, embora não se constituam nosso principal objeto de atenção, serão, por isso mesmo, aventado com mais brevidade. Um deles tem caráter mais geral − social e ideológico −, ao passo que outros são mais específicos − metodológico e teórico- científico. O pano de fundo social é formado pelo grande número de crianças que não aprendiam a ler e escrever, fato esse que, segundo as autoras, se daria em razão da deserção escolar. Esta, por sua vez, seria fruto “mais de um problema de dimensões sociais do que da consequência de vontades individuais” (FERREIRO; TEBEROSKY, 1984, p. 18), uma espécie Paulo Estevão Andrade, Olga Valéria Campana dos Anjos Andrade e Paulo Sérgio T. do Prado Cadernos de Pesquisa v.47 n.166 p.1416-1439 out./dez. 2017 1419 de “expulsão encoberta”, em que as desigualdades sociais e econômicas refletem-se na desigualdade de oportunidades educacionais. A metodologia de ensino é outro aspecto crucial, pois, além dos problemas sociais, atribuiu-se o fracasso escolar à ineficácia dos métodos tradicionalmente usados, baseados na conversão da letra escrita em sons da fala. O método sintético – silábico ou fonético – foi considerado um dos grandes males do ensino da leitura. Baseado numa versão do beha - viorismo, ele foi alvo de duras críticas, entre outras 4 razões, por priorizar habilidades perceptuais em detrimento da competência linguística e das capacidades cognoscitivas da criança . Para Ferreiro e Teberosky, tratava - -se de uma aprendizagem da leitura vista simplesmente “como uma as - sociação entre respostas sonoras a estímulos gráficos” (1984, p. 20). Um modelo mecanicista, na avaliação das autoras, que, por não favorecer a compreensão do que se lê, seria um instrumento de dominação social, a expressão escolar do domínio das elites sobre as classes populares. O contexto teórico-científico no qual o livro surgiu também é um aspecto de grande relevância. Afirmam as autoras que a psicolinguística contemporânea (aquela da época em que o livro veio a público) surgiu “graças ao poderoso impacto da teoria linguística de Noam Chomsky” (FERREIRO; TEBEROSKY, 1984, p. 22). As autoras reivindicam que a gramática generativa de Chomsky veio reforçar a visão piagetiana de uma criança que busca ativamente compreender a linguagem falada ao seu redor, constrói e testa hipóteses identificando regularidades, e cria uma gramática própria. Essa interação ativa é sugerida em erros de regularização de verbos irregulares, por exemplo, “cabeu”. Esse fenômeno universal seria um suporte adicional para a teoria piagetiana, plena - mente coerente com a psicolinguística chomskyana, segundo elas. Esta, ressaltam, deu uma série de passos irreversíveis , bem como inaugurou uma série de linhas originais de investigação, que sustentarão uma concepção de aprendizagem que “vai coincidir [...] com as concepções sobre a aprendizagem sustentadas desde tempos atrás por Jean Piaget” (FERREIRO; TEBEROSKY, 1984, p. 23) Além dessa aproximação entre o construtivismo cognitivo piagetiano e o inatismo linguístico chomskyano, um terceiro ingredien - te é incluído na base sobre a qual as autoras interpretarão os dados de sua pesquisa: uma versão americana do construtivismo liderada por Kenneth Goodman. Sobre esta nos debruçaremos mais detidamente adiante. 5 O DESENVOLVIMENTO DA ESCRITA A leitura do relato sugere que as tarefas experimentais utilizadas por Ferreiro e Teberosky foram inspiradas por trabalhos prévios surgidos na esteira da teoria de Noam Chomsky (1957). Dois exemplos são: o estudo de Cattell (1960), que mostrou que bebês de 18 meses produziam garatujas que se diferenciavam de simples rabiscos ao acaso e mostravam uma intenção de escrever; e o de Lavine (1972), em que crianças de apenas três anos de idade já diferenciavam entre cartões contendo escrita e não escrita (desenhos e formas geométricas). Outros são o de Carol Chomsky (1970) e o de Charles Read (1971), em que as escritas espontâneas das crianças revelaram que elas construíam conhecimento sobre as relações letra-som e faziam generalizações sem instrução explícita. Todos esses trabalhos contribuíram para a conceituação da aquisição da escrita como um processo de desenvolvimento. Eles ressaltam a importância pedagógica de se trazer à luz o conhecimento sobre a leitura-escrita prévio à escolarização e a importância das relações grafema-fonema, bem como a relevância da atenção a estas no ensino (TEMPLETON; MORRIS, 2001; TREIMAN, 2001). Nas observações da escrita espontânea das crianças, Ferreiro e Teberosky (1984) reportaram uma fase inicial que denominaram período pré-silábico, no qual, embora as crianças não pareçam perceber que as letras representam os sons constituintes de uma palavra, sua principal conquista é supor que as formas globais das palavras são representações estáveis de nomes. Por isso, a denominação: “hipótese do nome”. Em seguida, emerge a “hipótese silábica”, em que se escreve uma letra para cada sílaba. Ferreiro e Teberosky argumentam que inicialmente as letras não possuem correspondência sonora com a sílaba, mas depois passam a ter valor sonoro, como AO e PO para a palavra palo PSICOGÊNESE DA LÍNGUA ESCRITA: UMA ANÁLISE NECESSÁRIA 1422 Cadernos de Pesquisa v.47 n.166 p.1416-1439 out./dez. 2017 (pau, em espanhol) ou, no português, como CLO para cavalo, ou OI para boi (BRASIL, 2003), e assim por diante. Depois surge a “hipótese alfabética”, que marcaria o início da compreensão do princípio alfabético. 6 LINGUAGEM INATA Considerando as afirmações de Ferreiro e Teberosky sobre a teoria de Chomsky, vejamos algumas contribuições deste importante linguista. Na segunda metade do século XX, o autor propôs que as crianças possuem um tipo geral de conhecimento inato dos princípios abstratos subjacentes à linguagem, incluindo a especificação de uma fonética e uma gramática universais (CHOMSKY, 1957), o que explicaria o fato de elas aprenderem tão fácil e naturalmente qualquer língua a que sejam expostas (CHOMSKY,1959). A título de ilustração, mencionemos experimentos sobre discriminação fonética em neonatos. No seu conjunto, todas as línguas perfazem um total de aproximadamente 150 fonemas e, embora seus inventários fonéticos difiram dramaticamente, todas elas compartilham um determinado número deles (PINKER, 1994). Experimentos conduzidos na década de 1970 mostraram que bebês com poucas horas de vida discriminam fonemas de todas as línguas, com diferenças muito sutis entre eles, diferenças essas imperceptíveis a crianças poucos meses mais 3 No original: “the problems of the beginning reader appear to have more to do with the synthesis of syllables than with scanning of larger chunks of connected text”. PSICOGÊNESE DA LÍNGUA ESCRITA: UMA ANÁLISE NECESSÁRIA 1424 Cadernos de Pesquisa v.47 n.166 p.1416-1439 out./dez. 2017 velhas e aos adultos, que conseguem discriminar apenas fonemas de sua própria língua. Esses resultados levaram à hipótese de que os bebês são dotados com detectores inatos de características fonéticas (CUTTING; EIMAS, 1975), evoluídos especificamente para a fala. Com relação à gramática universal, Chomsky observou que, em todas as línguas, os falantes – inclusive crianças muito novas – aprendem e distinguem sentenças gramaticalmente corretas e incorretas sem qualquer instrução formal e com um mínimo de correção. Ele sugeriu princípios que definem a estrutura das sentenças no processamento da linguagem, regras gramaticais abstratas que são aprendidas implicitamente por todos os falantes nativos de uma língua (CHOMSKY, 1957, p. 15). Chomsky (1957, 1965) sugeriu que havia um único fio ligando todas as línguas humanas: a biologia. 7 A ESCRITA CODIFICA OS SONS DA FALA No início do século XX, a ortografia inglesa era tida como muito irregular e considerava-se que a melhor forma de se aprender a leitura seria pelo método que emprega palavras inteiras, estimulando-se a memória visual para a forma escrita delas (RAYNER et al., 2001; TEMPLETON; MORRIS, 2001). Essa visão começou a ser modificada em meados do século, com a realização de estudos que analisaram os aspectos alfabético, silábico e morfológico do inglês, revelando altos níveis de regularidade (CHOMSKY; HALLE, 1968; VENEZKY, 1970; WEIR; VENEZKY, 1968). Chomsky e Halle (1968), Carol Chomsky (1970) e Venezky (1970) mostraram que as regras de correspondência escrita som na ortografia inglesa, embora não reflitam uma correspondência letra-som perfeita ou unívoca, representam uma transcrição fonológica bastante regular da língua, tanto no nível fonêmico quanto no morfêmico. Chomsky e Halle (1968) demonstraram, por exemplo, que as variações fonéticas da letra a, que às vezes tem o som /ei/ e outras o som /é/ em palavras como nation e national, respectivamente, foram por muito tempo consideradas evidências de extrema irregularidade e base para uma concepção quase ideográfica da ortografia inglesa. Na língua portuguesa, bem mais regular, encontramos exemplos semelhantes de alternações consonantais, como os diferentes valores sonoros da letra c em palavras como medicina e medicar. Os autores concluíram que o princípio fundamental da ortografia é que a variação fonética não é indicada quando ela é previsível por uma regra geral. Porém, ainda segundo Carol Chomsky (1970, p. 288), há regras gerais de grande aplicabilidade “pelas quais estas formas abstratas subjacentes são convertidas em realizações fonéticas particulares”4 (tradução nossa). Ela sugeriu o termo ortografia léxica para esse tipo de escrita que mantém a forma ortográfica da raiz da palavra (um morfema), apesar 4 No original: “by which these abstract underlying forms are converted into particular phonetic realizations”. Paulo Estevão Andrade, Olga Valéria Campana dos Anjos Andrade e Paulo Sérgio T. do Prado 8 Cadernos de Pesquisa v.47 n.166 p.1416-1439 out./dez. 2017 1425 das mudanças fonéticas na elocução, permitindo que pares ortográficos, tais como médico e medicina, sejam reconhecidos como sendo formas variantes da mesma palavra. Isto é, pertencem à mesma raiz e compartilham significados. Entretanto, Carol Chomsky (1971) sublinha que as próprias regras ortográficas contêm pistas gerais e regras de pronúncia que facilitam que o componente fonológico da gramática inata do leitor opere sobre a ortografia léxica. Do ponto de vista da autora, fica claro que a interpretação léxica dos símbolos escritos é típica dos leitores maduros, que já conhecem as regras ortográficas e a relação letra-som. Para as crianças, o ensino sistemático da ortografia e suas regras, incluindo as relações grafema-fonema, é um estágio extremamente importante para a posterior aquisição da interpretação léxica da ortografia. Isso vem sendo confirmado por um volume estonteante e crescente de pesquisas. Venezky (1970) também deu especial contribuição para uma mudança nas concepções sobre a ortografia inglesa e sua aquisição, mostrando que todas as irregularidades aparentes nas relações escrita som de mais de 20 mil palavras analisadas por ele podiam ser previsíveis a partir da posição da letra ou fonema na palavra e na sua estrutura morfológica. Juntos, esses trabalhos sobre a natureza do sistema de escrita reforçaram a idéia de que mesmo uma ortografia irregular como a inglesa se constitui num eficiente sistema de transcrição dos sons da fala. Se ela não representa perfeita e univocamente as relações letra-som (de fato, poucos sistemas se aproximam do ideal), abunda em regras gerais ortográficas e de pronúncia que a tornam uma excelente transcrição dos sons da língua no nível morfofonêmico, como apontado por Chomsky e Halle (1968). E foi exatamente essa a mesma conclusão de linguistas e psicólogos presentes à IV Conferência sobre a Relação entre Escrita e Fala (MATTINGLY, 1972; KLIMA, 1972), promovida pelo National Institute of Child Health and Human Development – NICHD. Ferreiro e Teberosky (1984), contudo, manifestam uma posição dúbia. Por um lado, referem-se ao evento mencionado acima como o grande marco da psicolinguística moderna. Por outro, na sua interpretação, a abordagem de Chomsky 9 e Halle (1968) “aproxima o sistema de escrita inglesa, em certos aspectos, à escrita ideográfica” (1984, p. 257). Além disso, sustentam que: [...] a diferença entre sistemas alfabéticos de escrita e sistemas ideográficos é menos taxativa do que parece à primeira vista: não somente porque os sistemas alfabéticos introduzem princípios ideográficos, mas também porque as escritas ideográficas fazem, amiúde, uso de caracteres com valor fonético. (FERREIRO; TEBEROSKY, 1984, p. 258). Ato contínuo, citam o trabalho de Klima (1972) sobre o que seria uma ortografia ideal, como apoio à idéia de que os sistemas alfabéticos são, de maneira geral e em boa medida, ideográficos. Ao que nos parece, essa interpretação está eivada de falhas e contradições. Há um consenso entre linguistas sobre uma importante distinção, como a apontada Cagliari (2004). Os sistemas de escrita podem ser divididos em dois grandes grupos: os que se baseiam no significado e aqueles que se baseiam no significante. Os sistemas baseados nos significados são, em geral, pictóricos, iconicamente motivados pelos significados que pretendem transmitir, não estão associados a qualquer som linguístico específico e também não dependem de uma língua específica, podendo ser lidos independentemente do idioma do leitor. Por exemplo, sinais de trânsito, logotipos, algarismos arábicos, notações científicas, etc., são ideogramas: representações pictográficas, cujas formas não necessariamente se assemelham fisicamente aos objetos representados. Em contraste, a escrita baseada no significante nada revela do significado. Ela representa sons da fala, cuja emissão depende do conhecimento da língua falada que ela representa. 1985, 1992),Sampson (1987) e DeFrancis (1989), compartilham a ideia de que todos os sistemas práticos de escrita conhecidos são baseados no significante, sendo, portanto, fonográficos. Mattingly (1985) afirma que as verdadeiras escritas são motivadas pelos sons da fala e tentam representar especificamente uma ou mais unidades fonológicas, ao passo que as semasiografias (pictografias e ideografias) são escritas não linguísticas porque não representam qualquer nível fonológico específico. Tanto Mattingly (1985) quanto Gelb (1963, 1976) advertem que não devemos confundir escrita ideográfica (baseada no significado) com escrita 10 logográfica, que representa os sons da língua e é, portanto, baseada no significante. Conclui-se, pois, que os logogramas, mesmo que puros, constituem uma escrita linguística porque são sinais fonográficos ao nível dos morfemas “e não, como às vezes se diz, ‘conceitos’ ou ‘significados’”5 (MATTINGLY, 1985, p. 19, tradução nossa). Finalmente, ao recorrerem ao artigo de Klima (1972) para pugnar por uma aproximação entre os sistemas alfabéticos e os ideográficos, E. Ferreiro e A. Teberosky, a nosso ver, comentem outro erro, pois o autor é categórico ao afirmar que toda escrita é uma transcrição dos sons da fala. Ele concebe a ortografia como: [...] um princípio geral pelo qual as unidades da língua (palavras, elocuções) são representadas pelas unidades ortográficas, de tal forma que o leitor possa reconstruir as unidades linguísticas a partir de suas representações ortográficas. (KLIMA, 1972, p. 58, tradução nossa). Hoje sabemos que, uma vez que toda ortografia se relaciona com a estrutura fonológica da língua, quanto mais eficientemente ela refletir essa estrutura, melhor e mais facilmente aprendida ela será (MATTINGLY, 1985, 1992; TREIMAN; KESSLER, 2005). Se a essência da linguagem humana é sua abertura ou potencial recursivo, então, o sistema ortográfico que mais se aproxima dessa característica é o alfabético (KLIMA, 1972; MATTINGLY, 1985, 1992; TREIMAN; KESSLER, 2005). Essa noção é consensual entre os linguistas participantes da IV Conferência mencionada acima. Klima argumentou que, embora todos os sistemas de escrita sejam relativamente arbitrários, os sistemas essencialmente logográficos (apesar de, como já vimos, nunca ter havido um sistema puramente logográfico) “não capitalizam uma característica estrutural de toda língua humana, a saber [...] são todas compostas de um número limitado de sons distintos”7 (1972, p. 62, tradução nossa), a partir da combinação e recombinação de um pequeno número de fonemas. Em contraste, uma escrita que refletisse essa característica permitiria “uma redução na arbitrariedade quando as letras, apesar de serem elas mesmas arbitrárias, possuem uma relação fixa com a forma da palavra” (KLIMA, 1972, p. 62, tradução nossa).8 Ele acrescenta que, em contraste com a maior rapidez e eficiência com que são aprendidos os sistemas mais consistentes na correspondência caractere-fonema, sistemas logográficos, como o chinês, demandam longos anos de aprendizagem (KLIMA, 1972). Na mesma conferência, Halle (1972, p. 150, tradução nossa) destaca que: 11 Nenhum sistema de escrita é idêntico a uma estrita transcrição fonética [...] todos os sistemas de escrita usados na prática representam os sons da pronúncia, embora desconsiderem os efeitos de algumas regras. Se nós definirmos a abstração de uma ortografia como uma variação direta do número de regras fonéticas cujos efeitos ela falha em espelhar diretamente, nós podemos dizer que a ortografia chinesa é muito abstrata; a ortografia finlandesa é um tanto concreta, enquanto que a do inglês fica em algum ponto entre as duas primeiras.9 (Destaque no original). Se a Linguística mostra que a escrita alfabética é a codificação dos sons da fala, estudos psicológicos acumulam dados sobre o desenvolvimento da linguagem na criança, mostrando que essa noção se desenvolve mesmo antes da escolarização formal. A seguir, apresentaremos resumidamente alguns deles. O ALONGAMENTO DA LINGUAGEM ESCRITA Lavine (1972, 1977) estudou a discriminação entre escrita e outros tipos de grafias em crianças de 3 a 5 anos empregando diferentes cartões contendo desenhos, formas geométricas ou escritos em inglês, hebraico e chinês, além de números. A tarefa das crianças era colocar numa caixa os cartões que elas achavam que tinham algo escrito. Os resultados apontam um aprendizado muito precoce de percepção categórica dos aspectos gerais que caracterizam os sinais gráficos, ignorando-se detalhes irrelevantes. Crianças de apenas três anos já percebem as características distintivas, recombinação de elementos e regularidade repetitiva, bem como são capazes de distinguir o que é escrita e o que não é escrita (desenhos e formas geométricas), mesmo quando o tipo de escrita é totalmente diferente da que elas estão habituadas a ver, tal como o árabe e o hebraico (GIBSON, 1972). Charles Read (1971) e Carol Chomsky (1970) foram os primeiros a demonstrar quão cedo o desenvolvimento da escrita em crianças pré - -escolares é uma função 12 de sua consciência fonológica em desenvolvi - mento e do seu conhecimento do alfabeto. Em uma série de publicações, Read (1971, 1975) relatou estudos detalhados da “escrita inventada”: tentativas de escrita de crianças em idade pré- escolar antes de terem recebido instrução formal sobre leitura e escrita, que revelam o uso de suas melhores hipóteses. Num dos estudos, Read (1975) descobriu que crianças que ainda não sabiam escrever já eram capazes de identificar e nomear as letras do alfabeto e relacionar o nome das letras com os sons das palavras. Algumas delas, por exemplo, escreveram truck iniciando com ch, que, no inglês, representa o som do tafricado, como em “tchio” – tal como se pronuncia a palavra tio em algumas regiões do Brasil. A esse respeito, ver, por exemplo, Read (1975, 1993). O fato de as crianças às vezes grafarem um som aberto de truck como ch reflete que elas reconhecem uma diferença fonológica real entre as palavras cujas ortografias começam com tr e aquelas cujas ortografias começam com t, seguidas por vogal. A conclusão de Read é que as crianças compreendem a ortografia como um grupo de hipóteses tácitas sobre as relações fonéticas e as correspondências som-ortografia e que elas são capazes de modificar suas hipóteses prontamente quando encontram novas informações sobre a escrita padrão. O trabalho de Read (1971) inspirou outras pesquisas, conheci - das como os “estudos de Virgínia” (GENTRY, 1982; HENDERSON, 1985, 1986; HENDERSON; BEERS, 1981; HENDERSON; TEMPLETON, 1986). Delas resultou uma proposta de estágios de desenvolvimento da leitura, que podem ser assim resumidos: 1) pré- fonêmico (ou pré-letrado ou, ainda, pré-comunicativo) − envolve garatujas e desenhos em vez de palavras na comunicação; 2) nome-de-letra (ou alfabético ou, ainda, se - mi-fonético) − no início se estabelece uma relação entre letras e sons Paulo Estevão Andrade, Olga Valéria Campana dos Anjos Andrade e Paulo Sérgio T. do Prado Cadernos de Pesquisa v.47 n.166 p.1416-1439 out./dez. 2017 1429 consonantais, depois a grafia de palavras simples com vogais na posição medial baseada no nome das letras; 3) dentro-das-palavras (fonético) − grafam-se palavras com base nos sons das letras; 4) juntura silábica (transição) − trabalha-se com palavras polissilábicas e generalizações de afixos, apresentando a crítica transição da ortografia inventada para a ortografia padrão, baseando-se em observações, analogias e memória visual; 5) constância derivacional (correto) − os estudantes são independentes e aprendem 13 que partes das palavras estão relacionadas aos significados; palavras polissilábicas são o foco do aprendizado. O grupo de Virgínia concluiu que seus “trabalhos revelam que crianças jovens
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