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Joyce de Figueiró Santos A importância dos mecanismos comportamentais de resistência para a dinâmica populacional de abelhas Apis mellifera e o parasita Varroa destructor Rio de Janeiro 2014 Joyce de Figueiró Santos A importância dos mecanismos comportamentais de resistência para a dinâmica populacional de abelhas Apis mellifera e o parasita Varroa destructor Dissertação apresentada à Escola de Mate- mática Aplicada da Fundação Getúlio Var- gas - Rio de Janeiro, para a obtenção de Título de Mestre em Modelagem Matemá- tica da Informação, na Área de Modelagem e Simulação de Sistemas Complexos. Orientador: Flavio Codeço Coelho Coorientador: Renato Rocha Souza Rio de Janeiro 2014 Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Mario Henrique Simonsen/FGV Santos, Joyce de Figueiró A importância dos mecanismos comportamentais de resistência para a dinâmica populacional de abelhas Apis mellifera e o parasita Varroa destructor / Joyce de Figueiró Santos. – 2014. 88 f. Dissertação (mestrado) – Fundação Getulio Vargas, Escola de Matemática Aplicada. Orientador: Flávio Codeço Coelho. Coorientador: Renato Rocha Souza. Inclui bibliografia. 1. Modelos matemáticos. 2. Equações diferenciais. 3. Abelha africanizada – Comportamento. 4. Relação hospedeiro-parasito. 5. Ácaro Varroa. I. Coelho, Flávio Codeço. II. Souza, Renato Rocha. IIII. Fundação Getulio Vargas. Escola de Matemática Aplicada. IV. Título. CDD – 595.799015118 ii Ao meu pai, Hulk. À minha mãe, Ercília. Que, por seu amor abnegado, abriram mão de seus desejos e confortos tornando possível que eu chegasse até aqui. iii " De acordo com as leis da aviação, uma abelha não poderia voar de maneira alguma. Suas asas são pequenas demais para levantar seu corpo gordinho do chão. Mas a abelha, é claro, voa assim mesmo. Por que as abelhas não dão a mínima para que os humanos acham impossível". Bee movie iv Agradecimentos Agradeço ao meu orientador, Flávio Codeço Coelho, pela paciência, pela compre- ensão e pelo incentivo. Desde a escolha do tema para o projeto da dissertação até os detalhes finais de formatação do texto, sempre do meu lado me ajudando a acreditar que eu era capaz de fazer isso, mesmo quando eu duvidava. Agradeço ao meu co-orientador e coordenador de mestrado, Renato Rocha Souza, que foi o primeiro a depositar confiança em mim. Desde a nossa primeira conversa, antes mesmo da primeira turma do mestrado ser formada, foi quem fez com que eu tivesse certeza que a Escola de Matemática Aplicada da Fundação Getúlio Vargas era o lugar ideal para mim. Agradeço por todos os conselhos - desde os acadêmicos que me ajudaram a (tentar) manter o foco até os que visavam uma alimentação mais saudável. Agradeço até pelos conselhos para fazer exercícios físicos regularmente e pelas piadas e trocadilhos ruins. Agradeço à Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro. Agradeço especialmente à Escola de Matemática da Aplicada (EMAp), em nome da diretora Maria Izabel Tavares Camacho por todo o suporte acadêmico e financeiro que me deram. Agradeço à todos os professores da EMAp, principalmente os que foram meus professores e me ajudaram de forma mais direta. Agradeço, principalmente, ao professor Moacyr Alvim Horta Barbosa da Silva que deste o início do mestrado sempre tirava nossas dúvidas seja em exercícios de análise, álgebra linear, equações diferenciais, etc. Mas que, também, foi muito útil dando sugestões e ajudas nessa parte final da conclusão do trabalho de dissertação. Também gostaria de agradecer ao professor Jair Koiller pelo incentivo e confiança gigantesca, também pelas ajudas acadêmicas e sugestões de carreiras futuras. Agradeço à atual equipe administrativa da EMAp, Cirlei Oliveira, Cristiane Guima- rães, Raquel Peixoto, Roberta Assumpção e também, à Luciana Lauria que pertencia à essa equipe quando ingressei no mestrado, por todo o trabalho realizado e por terem v me ajudado, direta ou indiretamente. Agradeço à todos meus colegas de mestrado. Em especial, agradeço à Fofi Taíse Lyra que foi quem mais esteve do meu lado nessa longa jornada. Foi ela quem passou madrugadas acordada para estudarmos juntas, seja via telefone, e-mail ou facebook. Também agradeço as outras Fofis, Perla Freire e Manuella Pinheiro Lopes, que também estiveram presente em momentos de desesperos às vésperas de provas e trabalhos. Foram as três que sempre estiveram do meu lado, seja para incentivar a continuar a caminhada árdua do mestrado ou pra acabar com a dieta comendo barras não enumeráveis de chocolate ou pringles com nutella. Também não posso me esquecer de um grande amigo e colega de mestrado, Luís Gustavo Neves, que, principalmente, nas primeiras disciplinas de programação foi de grande ajuda. Agradeço à todos os meus amigos do NAMD, Núcleo de Análise e Modelagem de Dados, os atuais e os que já estiveram presente pela ajuda técnica e pelo companheirismo na sala 421. Agradeço principalmente, à Dayanne Fernandes e ao Angelo Mondaini, pela ajuda prestada nos bons e estressantes momentos que passamos ao trabalhar juntos, mesmo que por pouco tempo. Agradeço também aos dois Pós doutorandos, Crysttian Arantes e Sabrina Camargo, que também foram de ajuda incrível nessa jornada do mestrado. Agradeço aos meus amigos, à todos eles - prefiro não citar nomes, porque tenho certeza que esquecerei muitos - pela compreensão da minha ausência enquanto concluía mais essa etapa da minha vida. Agradeço por nunca terem desistido de me procurar, nem depois do meu cansaço me fazer parecer seca, tediosa e sem graça. Espero conseguir tempo para dar a cada um de vocês a atenção que merece!! Agradeço também à todos da minha família que sempre me incetivaram e confiaram em mim. Agradeço ao meu pai, Hulk, pelo suporte financeiro e por ter deixado eu seguir meu sonho, mesmo que esse sonho não parecesse muito lógico e prático. Agradeço à minha mãe, Ercília, pela paciência, por estar sempre do meu lado, mesmo estando longe. vi Agradeço o amor abnegado e incondicional dos dois. Também agradeço à minha irmã, Julie, que por inúmeras noites teve que dormir de luz acessa enquanto eu terminava algum trabalho ou escrevia essa dissertação. Amo vocês! vii Resumo Os ácaros ectoparasitas Varroa destructor, que parasitam as abelhas tornaram-se um problema global. Embora seja pouco provável que estes ácaros, por si só, provoquem a mortalidade das colmeias, eles desempenham um importante papel como vetor de muitas doenças virais. E estas doenças são identificados como algumas das mais importantes razões para a Desordem do Colapso das Colônias. Os efeitos da infestação do V.destructor são distintas em diferentes partes do mundo. Maiores mortalidades de colônias têm sido relatadas em colônias de abelhas européias (AE) em países da Europa, Ásia e América do Norte. No entanto, este ácaro está presente no Brasil já por muitos anos e não existem relatos de perdas em colônias das abelhas africanizadas (AA). Estudos realizados no México mostraram que alguns comportamentos de resistência ao ácaro Varroa - especialmente o grooming e o comportamento higiênico - são diferentes em cada uma das subespécie. Poderiam então esses mecanismos explicar por que as abelhas africanizadas são menos suscetíveis à Desordem do Colapso das Colônias? A fim de responder a esta pergunta, propomos um modelo matemático baseado em equações diferenciais, com o objetivo de analisar o papel desses mecanismos de resistência na saúde geral da colônia e na capacidade da colônia para enfrentar desafios ambientais. Palavras-chave: groming, comportamento higiênico, abelhas Apis mellifera, Desordem do Colapso das Colônias viii Abstract The ectoparasitic mite Varroa destructor that parasitize honey bees has become a global problem. Although thismite is unlikely to, by itself, cause the mortality of hives, it plays an important role as a vector for many viral diseases. These diseases are identified as some of the most important reasons for the Colony Collapse Disorder. The effects of V.destructor infestation are disparate in different parts of the world. Greater morbidity - in the form of colony losses - has been reported in colonies of European honey bees (EHB) in countries of Europe, Asia and North America. However, this mite has been in Brasil for many years and there are no reports of losses of Africanized honey bees (AHB) colonies. Studies carried out in Mexico showed that some resistance behaviors to the Varroa mite - especially grooming and hygienic behavior - appear to be different in each subspecies. Could those mechanisms explain why the AHB are less susceptible to Colony Collapse Disorder? In order to answer this question, we propose a mathematical model based on dif- ferential equations, to analyze the role of these resistance mechanisms in the overall health of the colony, and it’s ability to face environmental challenges. Keywords: grooming, hygienic behavior, Colony Colapse Disorder, Honeybees Lista de Figuras 1.1 “Em um mundo sem abelhas, nós precisamos fazer a nossa própria po- linização.” Fonte: http://www.classbrain.com/artteensb/publish/ bee_colony_collapse_disorder.shtml . . . . . . . . . . . . . . . . . 2 2.1 Ciclo de vida do ácaro Varroa destructor. Fonte: http://scientificbeekeeping. com/fighting-varroa-the-silver-bullet-or-brass-knuckles-2/ . 13 2.2 Abelhas em fase imatura infestadas pelo ácaro Varroa destructor. . . . . 14 2.3 A abelha operária detecta um alvéolo que contém o ácaro, retira a co- bertura deste alvéolo e a abelha imatura que estava dentro. Esse pro- cesso de remoção pode matar a cria da abelha e, em alguns casos, a mãe-ácaro pode escapar. Fonte: http://scientificbeekeeping.com/ choosing-your-troops-breeding-mite-fighting-bees/ . . . . . . . 15 3.1 Diagrama que descreve a dinâmica do modelo. . . . . . . . . . . . . . . 26 3.2 Para essa simulação, deixamos os possíveis valores para o parâmetro 𝐻 variando no eixo X, valores para o parâmetro 𝐻𝑒 variando no eixo Y e fixamos o valor do grooming em 𝑔 = 0,02. . . . . . . . . . . . . . . . . . 30 3.3 Para essa simulação, deixamos os possíveis valores para o parâmetro 𝑔 variando no eixo X, valores para o parâmetro 𝐻 variando no eixo Y e fixamos o valor do grooming em 𝐻𝑒 = 0,13. . . . . . . . . . . . . . . . . 30 http://www.classbrain.com/artteensb/publish/bee_colony_collapse_disorder.shtml http://www.classbrain.com/artteensb/publish/bee_colony_collapse_disorder.shtml http://scientificbeekeeping.com/fighting-varroa-the-silver-bullet-or-brass-knuckles-2/ http://scientificbeekeeping.com/fighting-varroa-the-silver-bullet-or-brass-knuckles-2/ http://scientificbeekeeping.com/choosing-your-troops-breeding-mite-fighting-bees/ http://scientificbeekeeping.com/choosing-your-troops-breeding-mite-fighting-bees/ Lista de Figuras x 3.4 Para essa simulação, deixamos os possíveis valores para o parâmetro 𝑔 variando no eixo X, valores para o parâmetro 𝐻𝑒 variando no eixo Y e fixamos o valor do grooming em 𝐻 = 0,1. . . . . . . . . . . . . . . . . . 31 4.1 Número de abelhas adultas e imaturas no tempo para o caso bidimensi- onal, sem ácaro com condições iniciais 𝐼 = 1000 e 𝐴 = 20000. . . . . . . 35 4.2 Campo de vetores para o caso bidimensional, ou seja, na ausência do ácaro. As seis linhas laranja representam seis possíveis trajetórias pra o sistema. Como mostrado na figura, independente das condições iniciais, a solução sempre vai pro equilíbrio, marcado pelo ponto azul. . . . . . . 35 4.3 Sob condições iniciais 𝐼 = 5.000, 𝐼𝑖 = 5.000, 𝐴 = 10.000 e 𝐴𝑖 = 10.000 e parâmetros 𝑔 = 0,06, 𝐻 = 0,25 e 𝐻𝑒 = 0,13, sendo os demais iguais aos valores na tabela 3.1. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38 4.4 Sob condições iniciais 𝐼 = 5.000, 𝐼𝑖 = 5.000, 𝐴 = 10.000 e 𝐴𝑖 = 10.000 e parâmetros 𝑔 = 0,01, 𝐻 = 0,1 e 𝐻𝑒 = 0,18, sendo os demais iguais aos valores na tabela 3.1. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39 4.5 Como esse campo de vetores só nos permite enxergar em duas dimensões e nosso modelo possui quatro dimensões, estamos fixando 𝐼𝑖 e 𝐴𝑖 em zero, que é o valor dessas variáveis no equilíbrio. As curvas da cor laranja representam três possíveis trajetórias. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40 Lista de Tabelas 2.1 Período de desenvolvimento em dias de crias de abelhas Apis mellifera africanizadas separada por castas, segundo a Embrapa. Fonte: http:// sistemasdeproducao.cnptia.embrapa.br/FontesHTML/Mel/SPMel/organizacao. htm . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11 3.1 Tabela com alguns dos parâmetros usados no modelo. . . . . . . . . . . 28 3.2 Variação dos parâmetros . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29 4.1 Sumário dos resultados finais. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41 http://sistemasdeproducao.cnptia.embrapa.br/FontesHTML/Mel/SPMel/organizacao.htm http://sistemasdeproducao.cnptia.embrapa.br/FontesHTML/Mel/SPMel/organizacao.htm http://sistemasdeproducao.cnptia.embrapa.br/FontesHTML/Mel/SPMel/organizacao.htm Sumário 1 Introdução 1 1.1 Objetivo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4 1.2 Estrutura do trabalho . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5 2 Referencial Teórico 7 2.1 Fundamentos Biológicos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7 2.1.1 Vida da Abelha . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7 2.1.2 Desordem do Colapso das Colônias: possíveis causas . . . . . . . 11 2.1.3 Varroa destructor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12 2.1.4 Comportamentos de resistência das abelhas ao ácaro Varroa des- tructor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14 2.2 Fundamentos Matemáticos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15 2.2.1 Modelo matemático . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15 2.2.2 Dinâmica de Populações . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16 2.3 Estado da arte . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18 3 Metodologia 25 3.1 A proposição de um modelo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25 3.2 Ajuste dos parâmetros . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28 xiii Sumário 4 Resultados 33 4.1 Modelo para o caso bidimensional: sem ácaros . . . . . . . . . . . . . . . 33 4.2 Equilíbrios do modelo completo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36 4.3 Estabilidade dos equilíbrios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37 5 Conclusões e trabalhos futuros 43 5.1 Discussões e conclusões . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43 5.2 Sugestões para trabalhos futuros . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45 5.2.1 Introduzir o ácaro por fontes externas . . . . . . . . . . . . . . . 45 5.2.2 Número de ovos colocados pela rainha diariamente . . . . . . . . 45 5.2.3 Acrescentar o vírus no modelo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46 5.2.4 Europeias X Africanizadas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46 Referências Bibliográficas 47 A Planilhas do sage 50 A.1 Estudo do equilíbrio sem infestação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 50 Sumário xiv Capítulo 1 Introdução Já tentou matar uma abelha alguma vez por achá-la um bichinho chato e insignificante? O que muita gente não sabe é que sem abelhas nós estaríamos vivendo o que alguns costumam chamar “apocalipse preto e amarelo”. Esse nome dramático surgiu após um dito famoso, muitas vezes atribuído ao cientista Albert Einstein que, em essência, diz: “se as abelhas desaparecessem por completo, em apenas quatro anos não existiria mais vida na face da terra”. Embora não comprovada a autenticidade dessas palavras,o que se sabe é que: como as abelhas correspondem à, pelo menos, 80% dos polinizadores (Ratti et al., 2012), sem abelhas a taxa de polinização diminuiria drasticamente, consequentemente, se não existisse polinização não haveria flora, sem flora não existiria animais e, sem animais não haveria humanos. Isto tem preocupado muitos apicultores norte americanos que, desde 2006, tem rela- tado perdas generalizadas de colônias abelhas. O fenômeno, que vai além das fronteiras americanas, ficou conhecido como Desordem do Colapso das Colônias (DCC) (ou CCD, do inglês Colony Colapse Disorder). Essa desordem é caracterizada pelo desaparecimento de abelhas adultas vivas ou mortas da colônia. E como não há vestígios de corpos de abelhas, acredita-se que as Capítulo 1. Introdução 2 Figura 1.1: “Em um mundo sem abelhas, nós precisamos fazer a nossa própria polinização.” Fonte: http://www.classbrain.com/artteensb/publish/bee_colony_ collapse_disorder.shtml forrageiras, isto é, abelhas que saem da colmeia, também conhecidas como exploradoras, que são encarregadas de buscar alimentos morrem de forma precoce no campo. Embora ainda seja relatada permanência de crias (larvas e pupas), alimentos e, em alguns casos, até mesmo a rainha é encontrada, a quantidade de operárias é insuficiente para manter a colônia (vanEngelsdorp et al., 2009). Varios fatores foram apontados como possíveis causas para esse fenômeno. Como por exemplo, parasitas e doenças na colônia, pesticidas e estresse causado pela prática de transportes das abelhas. Embora nenhuma dessas tenham sido confirmadas como sendo a grande vilã para o problema do desaparecimento das colônias, neste trabalho queremos analisar como a relação abelha-parasita pode direta ou indiretamente afetar o colapso das colônias. O ácaro Varroa destructor está no topo da lista dos parasitas que tem contribuído para o desaparecimento de colônias das abelhas Apis mellifera. Sammataro et al. (2000) descrevem o ciclo de vida desse ácaro parasita e mostram que embora ainda não estivesse claro o impacto negativo do ácaro nas abelhas, considerando o fato dele ser vetor para vírus, controlá-lo poderia fazer com que diminuíssem as doenças virais na colônia. http://www.classbrain.com/artteensb/publish/bee_colony_collapse_disorder.shtml http://www.classbrain.com/artteensb/publish/bee_colony_collapse_disorder.shtml 3 O mais curioso é que a infestação das colônias pelo ácaro tem efeitos distintos em diferentes partes do mundo. Calderón et al. (2010) mostram que, como a reprodução do Varroa acontece ao longo de todo ano em países com clima tropical, esperava-se que o impacto deste parasita fosse muito pior nessas regiões. No entanto, as mortes mais intensas tem sido relatadas em colônias de abelhas europeias (AE) em países da Europa, Ásia e América do Norte. Por outro lado, o ácaro Varroa destructor está presente no Brasil há mais de 30 anos e não há registro de mortalidade de colônias de abelhas africanizadas (AA) causadas por este parasita (Carneiro et al., 2007). Carneiro et al. (2007) mostraram que, devido à baixa taxa de infestação do ácaro nas abelhas africanizadas, não há relatos de danos na apicultura brasileira e que também a baixa taxa de reprodução do parasita em alvéolos de crias de operárias para AA é considerado um fator de importância para a manutenção do equilíbrio entre o parasita (ácaro) e o hospedeiro (abelha). Dados coletados em duas cidades de Santa Catarina, mostraram que nem após a taxa de fertilidade do ácaro ter sido aumentada (entre 1986-2007) foi registrado nenhum caso de taxas de infestação significativa. Calderón et al. (2010) fizeram um estudo de alguns fatores que poderiam contribuir para a baixa infestação nas abelhas africanizadas. São eles: tipo do ácaro e sua baixa taxa de fertilidade, comportamento higiênico e o grooming das abelhas. Os resultados, no entanto, mostraram que o haplótipo do ácaro encontrado no Brasil é o mesmo encontrado nas regiões onde as taxas de infestação são bem elevada. Dando margens para conclusão de que o tipo do ácaro não é a causa para os diferentes níveis de infestação nas diferentes partes do mundo. Arechavaleta-Velasco and Guzman-Novoa (2001) fizeram um estudo da correlação entre níveis de infestação da colônia e comportamentos de resistência da abelha ao ácaro - como, por exemplo, o grooming feito pelas abelhas adultas e o comportamento higiênico que inclui detecção e remoção de crias infestadas. O objetivo deles era determinar a existência ou não de variações genotípicas e fenotípicas na capacidade de colônias de Capítulo 1. Introdução 4 abelhas conterem o crescimento de ácaros Varroa e também avaliar os efeitos relativos de algumas características que poderiam contribuir para que determinadas colônias fossem mais tolerantes ao ácaro. Os resultados mostraram que apesar de existir uma grande variação genotípica e fenotípica entre colônias para diferentes níveis de infesta- ção do ácaro V.destructor, não foram encontradas variações significativas para níveis de infestação nas crias. Também os resultados sugeriram que a variação no crescimento da população de Varroa encontrada nas colônias experimentais, pode ser explicada principalmente pela habilidade das operárias eliminarem os ácaros que infestam as abelhas adultas - principalmente pelo grooming. Neste estudo, o grooming foi o meca- nismo de resistência da abelha ao ácaro que mostrou maiores diferenças significativas entre as colônias. Ainda mais, as colônias menos infestadas foram as mesmas colônias onde foram encontrados mais ácaros “machucados” como consequência do grooming. Mostrando assim que existe uma correlação negativa entre os níveis de infestação de uma colônia e a quantidade de ácaros que foram afetados pelo grooming. Abelhas africanas e seus híbridos são mais resistentes ao ácaro do que a subespécie de abelhas europeias (Medina and Martin, 1999). Diversos autores sugerem que o grooming e o comportamento higiênico são considerados fatores importantes para manter a taxa de infestação do ácaro baixa nas colônias. 1.1 Objetivo O objetivo principal desse trabalho é construir um modelo que seja capaz de descrever a dinâmica entre hospedeiros (abelhas) e parasitas (ácaros) e que, também, seja capaz de representar os mecanismos de resistência da abelha ao ácaro - como o grooming e comportamento higiênico. Além disso, mostrar através de simulações ao longo do tempo que os mecanismos de resistência contribuem para que os níveis de infestação da colônia permaneçam baixos. 5 1.2. Estrutura do trabalho 1.2 Estrutura do trabalho Nesse capítulo inicial, mostramos o contexto em que o nosso problema está inserido e quais são os nossos objetivos para esse trabalho. No capítulo seguinte, apresentaremos os conceitos básicos de matemática e biologia que o leitor precisará conhecer com o intuito de entender melhor este trabalho. No terceiro capítulo, apresentaremos as nossas metodologias. Primeiro, com a proposta do modelo de equações diferenciais e depois descreveremos o método escolhido para ajustar os parâmetros. Os resultados do trabalho poderão ser encontrados no quarto capítulo. Onde começaremos fazendo um estudo para uma versão simplificada de duas dimensões do modelo, considerando que não há ácaro no sistema. Depois calcularemos os equilíbrios e definiremos a estabilidade para os parâmetros propostos no capítulo três. Para finalizar, concluíremos este trabalho com discussões finais sobre o tema escolhido e métodos usados e, também, deixaremos sugestões para trabalhos futuros. Capítulo 2 Referencial Teórico Neste capítulo apresentaremos o referencial teórico biológico e matemático em que se baseia este trabalho. 2.1 Fundamentos Biológicos Nesta seção vamos apresentar os conceitos básicos de biologia que precisamos para entender este trabalho. 2.1.1 Vida da Abelha As abelhas são insetos sociais que vivem em colônias super organizadas. Cada colônia é composta de apenasuma abelha rainha, milhares de abelhas operárias (variando entre cinco e cem mil, dependendo da colônia) e dezenas de zangões (de zero a quatrocentos). Abelha rainha Com o aparelho reprodutor muito bem desenvolvido, única abelha fértil da colônia, a rainha é responsável por colocar ovos. Além disso, ela mantem a organização social da colmeia através de ferormônios. Ao liberar essa substância, a rainha Capítulo 2. Referencial Teórico 8 informa que existe alguém no comando, inibe a produção de outra rainha e a atividade reprodutiva das operárias e atrai os zangões para fecundação. Aproximadamente depois do quinto a sétimo dia do seu nascimento, a rainha faz um voo nupcial nas áreas onde existem concentração de zangões, permitindo assim, ser fecundada - ela pode ser fecundada por ate dezessete zangões. E, visto que após retornar para a colônia ela não sai para realizar outro voo nupcial, a rainha armazena o sêmen na espermateca que vai permitir a fecundação de óvulos durante toda a sua vida. De três a sete dias após o acasalamento a rainha começa a colocar os ovos na colônia. Embora em casos especiais as operárias também possam colocar ovos - não fertili- zados, que dão origens aos zangões, somente a rainha é capaz de também colocar ovos fertilizados, originando então abelhas fêmeas que podem ser tanto operárias quanto uma nova rainha. Caso haja abundância de alimento, uma rainha que pode viver e reproduzir-se até três anos, coloca aproximadamente de 2.500 a 3.000 ovos por dia. Mas isso pode variar, não só com a quantidade de comida - e, consequentemente com a quantidade de abelhas operárias responsáveis por levar alimento pra colônias - mas também com o clima. Além disso, apicultores aconse- lham fazer a troca de rainhas anualmente, visto que a atividade de reprodução pode ir diminuindo gradativamente. A rainha pode morrer tanto pela velhice quanto pela falta de espaço na colmeia causada pela super população de abelhas. Sendo assim, ela deixa de produzir ferormônios e novos ovos e, então, as operárias vão escolher um novo ovo ou larva de até três dias para ser a nova rainha. Abelhas operárias As abelhas operárias são responsáveis por todo o trabalho de manutenção da colmeia. Elas realizam trabalhos distintos, variando de acordo com a idade: 9 2.1. Fundamentos Biológicos Do primeiro ao quinto dia: fazem a limpeza dos alvéolos (onde os ovos são depositados) e das abelhas recém nascidas. Do quinto ao décimo dia: elas são responsáveis pela nutrição de larvas em desenvolvimento. Do décimo primeiro ao vigésimo dia: produzem cera para a construção dos favos, também recebem e desidratam o néctar trazido pelas forrageiras, começando então a produção do mel. Do décimo oitavo ao vigésimo primeiro dia: realizam defesa e controle de temperatura da colmeia. Do vigésimo segundo dia até a sua morte: fase onde as abelhas deixam a colmeia e passam a ser chamadas de forrageiras. São então responsáveis pela coleta do néctar, pólen, resinas e água para alimentar a colmeia. As operárias, assim como a rainha, se desenvolvem a partir de ovos fertilizados. Assim, elas são geneticamente idênticas. O que vai diferenciar se uma abelha vai se transformar em rainha ou operária é a alimentação que receberem na fase larval. As operárias são alimentadas até o terceiro dia com geleia de operária que possui menos açúcar do que o alimento dado à larva que vai se transformar em abelha rainha. Depois do terceiro dia, além da geleia de operária elas também recebem mel e pólen para se alimentar. Por outro lado, a rainha recebe durante toda a sua vida a geleia real e, além disso, a larva da rainha é transferida para uma realeira - que é um alvéolo maior do que o alvéolo onde as operárias se desenvolvem. Ela é posicionada de cabeça para baixo, deixando o abdome da pupa livre, permitindo então o desenvolvimento e formação dos órgãos reprodutórios. Capítulo 2. Referencial Teórico 10 Zangões Os zangões, desenvolvidos a partir de ovos não fertilizados, são os indivíduos machos da colônia cujo único objetivo é fecundar a rainha durante o voo nupcial. São dotados de olhos mais desenvolvidos, antenas com maior capacidade olfativa, asas maiores e musculatura de voo melhor desenvolvida. Permitindo-o ter maior eficiência para encontrar uma rainha virgem para fecundação. Durante o acasala- mento, o órgão genital do zangão - endófalo - fica preso no corpo da rainha e se rompe, ocasionando sua morte. Desenvolvimento das abelhas Depois do terceiro dia da fecundação da rainha, ela começa a postura de ovos colocando um ovo em cada alvéolo. Após três dias da postura dos ovos, nasce uma larva de cor branca, com corpo em formato de “C” e fica posicionada no fundo do alvéolo. Durante a fase de larva, há cinco fases de crescimento onde a larva troca sua cutícula, pele, a cada estágio. Depois da fase de larva, cinco ou seis dias após a eclosão, o alvéolo é operculado, ou seja, tampado - esse trabalho é feito por uma abelha operária - e a larva muda de posição, ficando reta e imóvel. Nessa fase ela passa a ser chamada de pré-pupa, onde ela para de se alimentar e tece seu casulo. Na fase seguinte, quando passa a ser chamada de pupa, já pode-se identificar a cabeça, o tórax e o abdome, visualizando-se olhos, pernas, asas, antenas e partes bucais. Depois ela vai sofrendo mudança de coloração do corpo até se transformar em uma abelha adulta. Sendo assim, uma abelha passa por quatro fases: ovo, larva, pupa e adulta. Mas a duração em cada fase é diferente em rainhas, operárias e zangões 2.1. No entanto, para este trabalho vamos considerar apenas duas fases, que chamaremos de “fase imatura” e “fase adulta”. 11 2.1. Fundamentos Biológicos Tabela 2.1: Período de desenvolvimento em dias de crias de abelhas Apis mellifera africa- nizadas separada por castas, segundo a Embrapa. Fonte: http://sistemasdeproducao. cnptia.embrapa.br/FontesHTML/Mel/SPMel/organizacao.htm Castas ovo larva pupa total Rainha 3 5 7 15 Operária 3 5 12 20 Zangão 3 6,5 14,5 24 2.1.2 Desordem do Colapso das Colônias: possíveis causas Embora não se tenha certeza sobre qual é o verdadeiro culpado pela mortalidade de colmeias no mundo inteiro, Oldroyd (2007) apresentou alguns fatores que podem ser apontados como possíveis causas pro DCC, entre eles: Parasitas e doenças Bactérias, fungos, vírus, protozoários e ácaros podem causar diversas doenças nas abelhas, tanto na fase adulta quanto na fase de larva. Por exemplo, o ácaro Varroa destructor infesta tanto abelhas em fase imatura quanto abelhas adultas. Embora o ácaro não possa ser responsável sozinho pelo DCC, o Varroa é vetor para diversos vírus, como o vírus de paralisia aguda (acute bee paralysis virus) que induz a abelha a tremer incontrolavelmente, faz com que ela vá para longe da colmeia e paralisa as asinhas, impedindo-a de voar de volta para casa (Bailey et al., 1963). Agrotóxicos Segundo a Embrapa, anualmente usa-se 2,5 milhões de toneladas de agrotóxicos no mundo inteiro. Mesmo não sendo alvo desses agente tóxicos, as abelhas, ao buscar alimento em áreas agrícolas contaminadas, se tornam super vulneráveis à contaminação. Além das mortes causadas diretamente devido à contaminação por agrotóxicos, Freitas and Pinheiro (2010) mostram que, quando expostas a baixos níveis de http://sistemasdeproducao.cnptia.embrapa.br/FontesHTML/Mel/SPMel/organizacao.htm http://sistemasdeproducao.cnptia.embrapa.br/FontesHTML/Mel/SPMel/organizacao.htm Capítulo 2. Referencial Teórico 12 doses e/ou aplicações, as abelhas também sofrem alterações no comportamento dos indivíduos que, a longo prazo, pode trazer problemas que afetam a manutenção da colônia. Práticas de transporte Um ditado em inglês diz: “if there is no honey, there is no money” [se não há mel, não há dinheiro]. Sendo assim, uma vez que o preço do mel tem diminuído, muitos apicultores tem buscado formas alternativas para aumentar a renda. E uma das mais usadas é o aluguel de colmeiaspara polinização. Segundo o Econômico (2009), colmeias inteiras tem sido transportadas de costa a costa nos Estados Unidos. Embora o retorno econômico em decorrência do transporte seja bom, o processo de transportar abelhas por longas distâncias para polinizar plantações pode causar estresse, debilitar o sistema imunológico das abelhas, deixá-las expostas a outros patógenos ou afetar suas habilidades de vôo. 2.1.3 Varroa destructor Como ainda não foi comprovado qual seria o verdadeiro vilão por trás da Desordem do Colapso da Colônia, para esse trabalho, escolhemos analisar como parasitas, em especial o ácaro Varroa destructor (Anderson and Trueman, 2000), tem contribuído pra o desaparecimento de diversas colônias de abelhas Apis mellifera. Para isso vamos, primeiro, entender os aspectos biológicos do ácaro. Vida e desenvolvimento do Varroa O ácaro ectoparasita Varroa destructor comum nas abelhas asiáticas Apis cerrana, ao entrar em contato com as abelhas ocidentais Apis mellifera, por volta do final de 1950 e 1960, espalhou-se rapidamente na Europa e novo mundo e começou, então, a desenvolver problemas relacionados a sua virulência (D et al., 1982). 13 2.1. Fundamentos Biológicos A reprodução do Varroa só acontece se existem crias de abelhas disponíveis. A fêmea do ácaro entra nos alvéolos de crias (que pode ser tanto de rainhas, operárias ou zangões) antes que sejam operculadas. Ela posiciona-se no fundo da célula de forma que possa se alimentar da hemolinfa das crias. A mãe ácaro, então, coloca aproximadamente cinco ovos na parede do alvéolo, sendo apenas o primeiro macho que vai fecundar suas irmãs. A abelha hospedeira emerge juntamente com a mãe ácaro e com suas filhas que já foram fecundadas. As filhas que ainda estão imaturas e o único filho macho morrem no alvéolo (Oldroyd, 1999). A figura 2.1 nos mostra o ciclo de vida deste ácaro. Figura 2.1: Ciclo de vida do ácaro Varroa des- tructor. Fonte: http://scientificbeekeeping.com/ fighting-varroa-the-silver-bullet-or-brass-knuckles-2/ Além das crias, o ácaro também infesta as abelhas adultas ficando localizado, principalmente, na região torácica. Também alimenta-se da hemolinfa das abelhas adultas podendo deixa-las mais fracas e, como vetor para vírus, ele pode causar redução do peso e da longevidade das abelhas e deformações nas asas e pernas. http://scientificbeekeeping.com/fighting-varroa-the-silver-bullet-or-brass-knuckles-2/ http://scientificbeekeeping.com/fighting-varroa-the-silver-bullet-or-brass-knuckles-2/ Capítulo 2. Referencial Teórico 14 Figura 2.2: Abelhas em fase imatura infestadas pelo ácaro Varroa destructor. 2.1.4 Comportamentos de resistência das abelhas ao ácaro Varroa destructor Em distintas partes do mundo, os níveis de infestações das colônias ao ácaro Varroa tem sido diferentes. Segundo Medina and Martin (1999), as abelhas africanas e seus híbridos são mais resistentes ao ácaro do que subespécies de abelhas europeias. Nessa subseção vamos mostrar dois mecanismos de resistência das abelhas ao ácaro que desempenham um papel fundamental na manutenção de um nível baixo de infestação na colônia. Grooming Grooming, para animais sociais, é o ato de indivíduos do grupo limpar ou manter a limpeza do seu próprio corpo ou de um outro indivíduo do mesmo grupo. No caso das abelhas, o grooming é a capacidade de uma operária adulta tirar o ácaro de seu próprio corpo (auto-grooming) ou do corpo de uma outra abelha (allo-grooming). Comportamento Higiênico Assim como o Grooming, este também é um mecanismo realizado com o objetivo de manter a limpeza e saúde da colônia. O ’Comportamento Higiênico’, ilustrado na figura 2.3 é o ato de abelhas adultas detectarem e removerem da colônia crias de abelhas que estão mortas, doentes ou foram parasitadas. No caso do 15 2.2. Fundamentos Matemáticos Varroa destructor, ao remover crias que estavam infestadas pelo ácaro, as abelhas operárias tentam evitar que o nível de infestação na colônia aumente. Figura 2.3: A abelha operária detecta um alvéolo que contém o ácaro, retira a cobertura deste alvéolo e a abelha imatura que estava dentro. Esse processo de remoção pode matar a cria da abelha e, em alguns ca- sos, a mãe-ácaro pode escapar. Fonte: http://scientificbeekeeping.com/ choosing-your-troops-breeding-mite-fighting-bees/ 2.2 Fundamentos Matemáticos Nesta seção vamos apresentar os conceitos básicos de matemática que precisamos para entender este trabalho. 2.2.1 Modelo matemático A Wikipedia 2014 define um modelo científico como “uma idealização simplificada de um sistema que possui maior complexidade, mas que ainda assim supostamente reproduz na sua essência o comportamento do sistema complexo que é o alvo de estudo e entendimento.” Além disso, o Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa mostra que um “Modelo matemático é representação matemática de um fenômeno físico humano etc., feita para que se possa melhor estudar o original.” Mas para que usamos um modelo matemático? Muitos sistemas são complexos, possuem diversas interações entre indivíduos e, na maioria das vezes, deseja-se fazer http://scientificbeekeeping.com/choosing-your-troops-breeding-mite-fighting-bees/ http://scientificbeekeeping.com/choosing-your-troops-breeding-mite-fighting-bees/ Capítulo 2. Referencial Teórico 16 predições sobre o estado do sistema no futuro e perceber quais decisões podem ser feitas para tentar melhorar a situação real. Um modelo válido, que aproxima de uma caracterização do problema real, com as ferramentas necessárias pode ser de grande utilidade para entender o funcionamento do sistema e responder perguntas sobre ele. Os modelos matemáticos são usados em diversas áreas, não limitando-se apenas à ciência exata, como por exemplo: biologia, física, direito, economia, entre outras. E existem diferentes modos de se modelar um sistema. Pode-se usar modelagem via equações estocásticas, equações diferenciais ordinárias ou parciais, etc. Neste trabalho faremos uma modelagem matemática de equações diferenciais para dinâmica de populações. 2.2.2 Dinâmica de Populações Dinâmica de populações estuda as variações do desenvolvimento de uma população. Onde população é um conjuntos de indivíduos de uma mesma espécie e nessas variações do desenvolvimento podemos incluir taxas de natalidade, taxas de mortalidade, taxa de desenvolvimento no tempo, entre outros aspectos. Modelagem via equações diferenciais ordinárias Uma vez que para o estudo da população observa-se suas taxas de variações e como essas taxas são representadas na linguagem matemática como derivadas, podemos, então, escrever as equações relacionando as taxas de variações com funções da população a ser estudada. Com isso, escrevemos as equações diferenciais que representam o sistema e suas soluções possivelmente descrevem os fenômenos analisados. Um modelo de equações diferenciais é composto por: 1. Variáveis dependentes: são as incógnitas do modelo. Isto é, o modelo foi projetado para estudar este tipo de variável. 17 2.2. Fundamentos Matemáticos 2. Variáveis independentes: são variáveis que afetam o modelo, embora não sejam estudadas de forma explícita. Na maioria dos casos, a variável independente é o tempo. 3. Parâmetros: são constantes que fazem parte do modelo estudado. Por exemplo, alguns dos parâmetros comuns usados para modelar dinâmica de populações são taxas de natalidade da população, mortalidade, etc... Análise do modelo de equações diferenciais Uma análise simples para um modelo envolve entender o comportamento do sistema no equilíbrio, isto é, quando não existe mais variação. Para isso, então precisamos fazer alguns passos: 1. Calcular os pontos de equilíbrio do sistema; 2. Obter a matriz Jacobiana do sistema; 3. Determinar a matriz Jacobiana nos pontos de equilíbrio; 4. Calcular os autovalores da matriz Jacobiana com os pontos de equilíbrio; 5. Analisar estes autovalores para determinar estabilidade da cada ponto de equilíbrio: • Quandotodos os autovalores forem reais negativos, dizemos que o equi- líbrio é estável. • Quando todos os autovalores forem reais positivos, dizemos que o equi- líbrio é instável. • Quando todos os autovalores forem reais, mas existirem alguns autova- lores positivos e outros negativos, dizemos que o equilíbrio é um ponto de sela. • Quando existirem autovalores complexos, mas a parte real de todos eles for negativa, dizemos que o equilíbrio é espiral estável. Capítulo 2. Referencial Teórico 18 • Quando existirem autovalores complexos, mas a parte real de todos eles for positiva, dizemos que o equilíbrio é espiral instável. • Quando existirem autovalores complexos, mas a parte real de todos eles for nula, dizemos que o equilíbrio é um centro. 2.3 Estado da arte Pouco antes de começarem a falar sobre a Desordem do Colapso das Colônias (DCC), já falava-se do impacto negativo que surgiu quando o ácaro Varroa destructor se transferiu para colônias de abelhas orientais para ocidentais. Uma vez que o ácaro é um vetor transmissor para doenças virais, ele foi então considerado um dos principais culpados das mortes de milhões de colônias infestadas. Com isso em mente, em 2004 Sumpter and Martin (2004) desenvolveram um modelo matemático de três equações diferenciais com o objetivo de investigar a relação entre a quantidade de ácaros na colônia e a possibilidade de existir uma epidemia dentro da mesma colônia. Este modelo tinha como variáveis dependentes o número de abelhas adultas operárias que não estavam infectadas com o vírus (𝑏), as abelhas adultas operárias que haviam sido infectadas já na fase adulta (𝑎) e o número de abelhas adultas operárias que foram infectadas ainda na fase de pupa (𝑝). Além disso, o modelo possuía uma quantidade 𝑚 de ácaros com vírus e 𝜇 ácaros sem vírus. O modelo também considerava que a transmissão do vírus poderia acontecer tanto na fase adulta quanto nos alvéolos das crias de operárias. O modelo completo é descrito pelas equações 2.1. O parâmetro 𝛾 mostra o tempo que um ácaro fica no alvéolo das crias de abelhas, e (1 − 𝛾) o tempo que ele permanece nas abelhas adultas. 𝑑𝑎, 𝑑𝑏 e 𝑑𝑝 são taxas de mortalidade de abelhas adultas infectadas na fase adulta, abelhas não infectadas e as abelhas infectadas na fase de pupa, respectivamente. 𝑐𝑤𝑑𝑑 é o total de crias de operárias. 𝜇𝑤 é o número de abelhas que se desenvolvem para fase adulta por dia. A 19 2.3. Estado da arte probabilidade de uma abelha que adquiriu o vírus na fase pupa sobreviver até a fase adulta é representado por 𝑝𝑤. 𝜆 é a taxa de movimento do ácaro por dia e, quando um ácaro que carrega o vírus se move de uma abelha infectada para uma não infectada, ele transmite o vírus para a nova hospedeira na proporção 𝑞, o que implica que em (1 − 𝑞) casos o ácaro falha na transmissão do vírus. 𝑑𝑏 𝑑𝑡 = 𝜇𝑤𝑒− 𝛾𝑚𝑝 𝑐𝑤𝜇𝑤 − ((𝑑𝑎 + 𝜆)(1 − 𝛾) + 𝛼𝑚𝛾)𝑚 𝑞𝑏 𝑎 + 𝑏 + 𝑝 − 𝑑𝑏𝑏 𝑑𝑎 𝑑𝑡 = ((𝑑𝑎 + 𝜆)(1 − 𝛾) + 𝛼𝑚𝛾)𝑚 𝑞𝑏 𝑎 + 𝑏 + 𝑝 − 𝑑𝑎𝑎 𝑑𝑝 𝑑𝑡 = 𝑝𝑤𝜇𝑤(1 − 𝑒− 𝛾𝑚𝑝 𝑐𝑤𝜇𝑤 ) − 𝑑𝑝𝑝 (2.1) Neste modelo, Sumpter and Martin (2004) fizeram simulações considerando a va- riação dos parâmetros para cada estação do ano. Além disso, eles também fizeram duas análises: uma para o vírus de paralisia aguda (Acute bee paralysis virus) e para o vírus que deforma as asas das abelhas (Deformed wing virus) para duas estações do ano - verão e outono. E, para cada tipo de vírus, eles calcularam um valor crítico que caracteriza a epidemia através do ciclo de vida anual da colônia. Como resultado, o modelo deles sugere que as populações do ácaro nas abelhas ocidentais excederam o limiar crítico de epidemia, o que não ocorria nas colônias orientais. Baseado no trabalho citado anteriormente (Sumpter and Martin, 2004), Eberl et al. (2010) sugere um outro modelo de equações diferenciais ordinárias não linear. Eberl et al. (2010) critica o fato que em Sumpter and Martin (2004) os autores não consideraram que a taxa de nascimento de abelhas está ligada ao tamanho da população de operárias presentes na colônia. E isso quer dizer que no modelo anterior, mesmo se todas as abelhas saudáveis desaparecessem, as crias se desenvolveriam em adultos. Além disso, assumindo que a abelha rainha não pode ser afetada pelo vírus, a taxa de nascimento de novas abelhas durante a primavera, verão e outono seria constante. Entretanto, para Capítulo 2. Referencial Teórico 20 Eberl et al. (2010), a manutenção das crias é uma tarefa muito importante em colmeias de abelhas, onde várias operárias estão envolvidas. Sendo assim, se a população de abelhas adultas torna-se pequena, larvas e pupas não podem ser criadas e morrem antes mesmo de se desenvolverem em abelhas adultas. Para resolver o problema, Eberl et al. (2010) introduziram no modelo um termo para manutenção 2.3 da cria que depende do tamanho atual da população de abelhas operárias. E esse termo adicionado pode alterar a estabilidade do sistema. O modelo proposto é descrito pelas equações 2.2. 𝑑𝑚 𝑑𝑡 = 𝛽1(𝑀 − 𝑚) 𝑦 𝑥 + 𝑦 − 𝛽2 𝑥 𝑥 + 𝑦 𝑑𝑥 𝑑𝑡 = 𝜇𝑔(𝑥)ℎ(𝑚) − 𝛽3𝑚 𝑥 𝑥 + 𝑦 − 𝑑1𝑥 𝑑𝑦 𝑑𝑡 = 𝛽3𝑚 𝑥 𝑥 + 𝑦 − 𝑑2𝑦 (2.2) As variáveis dependentes 𝑚, 𝑥 e 𝑦 representam os ácaros que carregam o vírus, o número de abelhas que não foram infectadas pelo vírus e o número das infectadas pelo vírus, respectivamente. 𝑀 é o total de ácaros na colônia, (𝑀 −𝑚) são os ácaros que não carregam o vírus. Os autores definiram 𝛽1 como sendo a taxa na qual os ácaros que não carregavam o vírus adquiriram o vírus, 𝛽2 como a taxa em que ácaros com vírus passam o vírus para uma hospedeira que não estava infectada e 𝛽3 como a taxa em que abelhas não infectadas tornam-se infectadas. 𝜇 é a taxa de nascimento máxima de abelhas por dia, 𝑑1 e 𝑑2 são taxas de morte para abelhas não infectadas e infectadas, respectivamente - assumindo 𝑑2 > 𝑑1 visto que abelhas infectadas morrem mais rapidamente. A função ℎ(𝑚) em 2.2 indica que a taxa de nascimento é afetada pela presença de ácaros que carregam o vírus. Os autores dizem que a presença dessa função é particularmente importante para vírus como o de paralisia aguda (APV), porque eles matam pupas infectadas antes que elas se desenvolvam em abelhas adultas. Então a 21 2.3. Estado da arte função ℎ(𝑚) decresce para quantidades grandes de 𝑚. ℎ(0) = 1, ℎ(𝑚) tem derivada negativa e limite igual a zero à medida que 𝑚 cresce pra infinito positivo. Eberl et al. (2010) sugerem então uma função exponencial ℎ(𝑚) = 𝑒−𝑚𝑘, que é similar à função usada no modelo de Sumpter and Martin (2004). O termo de manutenção das crias adicionado 𝑔(𝑥) (2.3) expressa que são necessárias uma quantidade grande de abelhas saudáveis para manter as crias. Eberl et al. (2010) diz “A inclusão desse termo é a única diferença entre este modelo e o modelo de Sumpter and Martin (2004), no qual este estudo foi baseado.” Se o número de abelhas saudáveis for menor do que um valor crítico, não existirá nascimento de novas abelhas. Por outro lado, se o número dessas abelhas for maior do que esse valor crítico, a taxa de nascimento de novas abelhas não será alterada. 𝑔(𝑥) tem derivada positiva, 𝑔(0) = 0 e o limite de 𝑔(𝑥) tende a 1 quando 𝑥 cresce. 𝐾 é o tamanho da colônia no qual a taxa de nascimento é metade da taxa máxima possível e 𝑛 > 1. Se 𝐾 = 0, então voltamos para o modelo de Sumpter and Martin (2004). 𝑔(𝑥) = 𝑥 𝑛 𝐾𝑛 + 𝑥𝑛 (2.3) Os autores também analisaram o modelo variando os parâmetros segundo cada estação do ano. A conclusão a que chegaram foi que modelos que não levam em conta que uma colônia precisa de uma força para manter as crias e, consequentemente, sustentar o desenvolvimento da colônia, podem subestimar o número de ácaros que uma colônia é capaz de tolerar. Simulações computacionais mostraram que uma colônia infestada pode se comportar similarmente à uma colônia saudável pode vários anos, mas de repentepode colapsar e desaparecer. E as simulações mostraram que esses colapsos ocorrem na primavera, visto que a população de operárias é muito pequena para manter as crias. Ratti et al. (2012) sugeriram uma outra versão dos modelos anteriores. O novo Capítulo 2. Referencial Teórico 22 modelo é descrito por 2.4. 𝑑𝑚 𝑑𝑡 = 𝛽1(𝑀 − 𝑚) 𝑦 𝑥 + 𝑦 − 𝛽2 𝑥 𝑥 + 𝑦 𝑑𝑥 𝑑𝑡 = 𝜇𝑔(𝑥)ℎ(𝑚) − 𝛽3𝑚 𝑥 𝑥 + 𝑦 − 𝑑1𝑥 − 𝛾1𝑀𝑥 𝑑𝑦 𝑑𝑡 = 𝛽3𝑚 𝑥 𝑥 + 𝑦 − 𝑑2𝑦 − 𝛾2𝑀𝑦 𝑑𝑀 𝑑𝑡 = 𝑟𝑀(1 − 𝑀 𝛼(𝑥 + 𝑦)) (2.4) Nos modelos de Sumpter and Martin (2004) e Eberl et al. (2010) a população total de ácaros 𝑀 era considerada um parâmetro do modelo. Agora, Ratti et al. (2012) estenderam os modelos anteriores adicionando uma equação de crescimento logístico para M. Essa nova equação mostra que a população do ácaro depende do tamanho da população das abelhas (𝑥 + 𝑦) e de 𝛼 que representa quantos ácaros uma abelha carrega, na média. Além de 𝛼, também foram adicionados os parâmetros 𝛾1 e 𝛾2 que representam a taxa na qual os ácaros matam as abelhas. Os parâmetros 𝛽1, 𝛽2, 𝛽3, 𝜇, 𝑑1, 𝑑2 e as funções 𝑔(𝑥) e ℎ(𝑚) são os mesmos descritos no modelo anterior (Eberl et al., 2010). Um outro modelo também baseado em equações diferenciais foi proposto por Khoury et al. (2011). Considerando que as abelhas adultas de uma colônia são divididas em ’abelhas da colméia’ (H) e ’forrageiras’ (F), o modelo prevê um limiar crítico para mortalidade das abelhas forrageiras sob o qual a colônia pode permanecer num tamanho estável. Se a mortalidade for mais alta do que esse limiar, a colônia pode chegar ao colapso. Além disso, para tentar manter o equilíbrio da colônia, a medida que as abelhas forrageiras morrem, as abelhas de colméia mudam de papel e se tornam forrageiras. Contudo, se a taxa de mortalidade das forrageiras for muito alta, as abelhas de colméia vão forragear mais jovens do que o normal, o que contribui para a morte da colônia. O 23 2.3. Estado da arte modelo proposto está descrito em 2.5. 𝑑𝐻 𝑑𝑡 = 𝐿 𝐻 + 𝐹 𝐻 + 𝐹 + 𝑤 − 𝐻(𝛼 − 𝜎 𝐹 𝐻 + 𝐹 ) 𝑑𝐹 𝑑𝑡 = 𝐻(𝛼 − 𝜎 𝐹 𝐻 + 𝐹 ) − 𝑚𝐹 (2.5) O modelo descreve, basicamente, três fases da vida das abelhas: nascimento, re- crutamento para forragear e morte. O parâmetro 𝐿 representa o número de abelhas que nascem diariamente e 𝑤 é um número experimental que pode se aproximar de um valor mínimo do total de abelhas operárias adultas em uma colônia saudável. Sendo assim, a parte do modelo que representa o nascimento é 𝐿 𝐻+𝐹𝐻+𝐹 +𝑤 que nos diz que se 𝐻 + 𝐹 , isto é, o total de abelhas operárias adultas for grande, a taxa de nascimento de abelhas por dia se aproxima do valor constante 𝐿. Por outro lado, se esse total de abelhas for muito menor do que 𝑤, o número de abelhas que nascem por dia pode ficar comprometido. Isso acontece porque, principalmente, as abelhas forrageiras são responsáveis pela alimentação da colônia, se diminuir o total dessas abelhas, diminuirá a comida presente na colmeia. A segunda fase da vida das abelhas descrita no modelo é o recrutamento representado por 𝐻(𝛼 − 𝜎 𝐹𝐻+𝐹 ). 𝛼 representa a taxa máxima com a qual ’abelhas de colmeia’ se transforam em forrageiras quando há falta de forrageiras na colônia. E 𝜎 𝐹𝐻+𝐹 mostra como a presença de forrageiras na colônia reduz a taxa de recrutamento das outras abelhas. A mortalidade das abelhas é representada pelo parâmetro 𝑚. Esse modelo basicamente foca nos efeitos da variação da taxa de mortalidade das forrageiras na dinâmica populacional da colônia. Os autores mencionam que fatores que alteram a sobrevivência tanto das crias quanto das adultas podem deixar a colônia mais vulnerável ao colapso. E, um desses fatores, é justamente a presença do ácaro Varroa destructor, que afeta tanto as crias de abelhas quanto as forrageiras. Capítulo 3 Metodologia Neste capítulo nossa abordagem do problema de modelagem da dinâmica entre as populações das abelhas e dos ácaros e também apresentaremos uma forma para ajustar os parâmetros que não são fornecidos pela literatura. 3.1 A proposição de um modelo Começamos estudando o problema da Desordem do Colapso das Colônias a partir do modelo apresentado por Ratti et al. (2012). E ao investigar mais a fundo o problema do desaparecimento de colônias, sugiram perguntas como: Por que não há registros de colapsos no hemisfério sul? Ao buscar respostas pra essa pergunta descobrimos que as abelhas possuem comportamentos de resistência ao ácaro e, além disso, a eficiência desses mecanismos de resistência varia para subespécies de abelhas. Por exemplo, em seu artigo, Vandame et al. (2002) tinham por objetivo discutir o custo-benefício de mecanismos de resistência da abelha ao ácaro. São estes: o grooming realizado por abelhas adultas que inclui detectar e eliminar o ácaro do seu próprio corpo (auto-grooming) ou do corpo de uma outra abelha (allo-grooming); e o comportamento higiênico que ocorre quando abelhas adultas detectam a presença do ácaro ainda nos Capítulo 3. Metodologia 26 alvéolos com crias e, com o objetivo de evitar que o ácaro se alastre pela colônia, a abelha mata aquelas crias infestadas. O estudo comparou os resultados para as duas subespécies de abelhas - africanizadas e europeias - para examinar se esses dois mecanismos poderiam explicar a baixa compatibilidade entre as abelhas africanizadas e o ácaro Varroa destructor, no México. Os resultados mostraram que o comportamento de grooming aparece de forma muito mais intensa nas abelhas africanizadas do que nas europeias. E em relação ao comportamento higiênico, eles sugeriram que existem dois fatores limitantes para a remoção de crias infestadas. Um deles está relacionado à porcentagem de crias infestadas que as abelhas adultas conseguem detectar com precisão. O segundo fator é a quantidade de remoção que uma colônia pode suportar, uma vez que remover todas as crias infestadas causaria impactos futuros na colônia. Os resultados mostraram que as abelhas africanizadas são mais eficientes para detectar e remover as crias infestadas. Mas, mesmo assim, para aquelas colônias experimentais as AA só conseguiram remover 32.5% do total das infestadas. Por outro lado, as abelhas Europeias Figura 3.1: Diagrama que descreve a dinâmica do modelo. 27 3.1. A proposição de um modelo removem, ao realizar o comportamento higiênico, uma quantidade significativa de crias que não estavam infestadas. Com isso em mente, decidimos investigar a relação ácaro-abelha antes de introduzir- mos os vírus no sistema. Se a quantidade de ácaros na colônia for controlada, espera-se que a colônia fique, então, menos vulnerável a doenças virais. Nosso objetivo principal, neste trabalho, é entender a dinâmica entre abelhas e seus mecanismos de resistência ao ácaro parasita, como mostra a figura 3.1, visto que o grooming e comportamento higiê- nico podem evitar elevados níveis de infestação do ácaro na colônia e, consequentemente, evita-se também doenças associadas ao parasita. Para isso, propomos um modelo composto por quatro equações diferenciais, onde cada equação representa os possíveis estados da dinâmica: abelhas imaturas 1 não infestadas, abelhas imaturas infestadas pelo ácaro, abelhas adultas sem ácaros e abelhas adultas que carregam o ácaro. As variáveis dependentes 𝐼 e 𝐼𝑖 representam as abelhas imaturas que não foram infestadas e as que foram infestadas pelos ácaros, respectivamente. Dizemos que algumas abelhas imaturas estão infestadas se a mãe ácaro entra no alvéolo onde elas estão, imediatamente antes deste ser operculado e então põe ovos (veja a figura 2.1). Desta forma, os ácaros, que se alimentam da hemolinfa das crias, emergem juntos com estas abelhas. Se até a fase adulta o ácaro não tiver sido removido - ou seja, se na fase imatura não ocorreu o comportamento higiênico como na figura 2.3 - dizemos que a abelha adulta está infestada e representamos esse grupo por 𝐴𝑖.As abelhas que não foram infestadas enquanto imaturas ou que cresceram com o ácaro, mas se livraram dele através do grooming são representadas pela variável 𝐴. O comportamento higiênico, que mede a capacidade de abelhas adultas detectarem e removerem crias infestadas antes que estas se desenvolvam e o ácaro se espalhe, nesse 1As abelhas além de se organizarem em castas - rainha, operária e zagões - também passam por quatro fases de desenvolvimento: ovo, larva, pupa e fase adulta. No entanto, neste trabalho consideramos apenas o comportamento das abelhas operárias, visto que são a grande maioria da colônia. E além disso, simplificamos as fases da abelha para: imatura (ovo, larva e pupa) e adulta. Capítulo 3. Metodologia 28 modelo é dado por dois parâmetros 𝐻 e 𝐻𝑒. O parâmetro 𝐻 está associado à eficiência da abelha detectar e eliminar as crias que estavam, de fato, infestadas. No entanto, níveis elevados de erros são cometidos por certas espécies de abelhas. Muitas vezes elas eliminam crias que não estavam infestadas. No nosso modelo, representamos este equívoco - ou falta de eficiência - pelo parâmetro 𝐻𝑒 e o chamamos de “comportamento higiênico equivocado”. O parâmetro 𝑔 representa o grooming que acontece, exclusivamente, na fase adulta. Nós consideramos este mecanismo de resistência da abelha ao ácaro como uma taxa de recuperação da abelha. Isto é, uma abelha adulta ao realizar o grooming 2 passa de infestada (𝐴𝑖) para não infestada (𝐴). Além disso, usamos os parâmetros 𝜋, 𝛿, 𝜇 e 𝛾 para representar o número de abelhas que nascem por dia, taxa de maturação de uma abelha, a mortalidade natural e a mortalidade induzida pela presença de ácaros na colônia, respectivamente. Tabela 3.1: Tabela com alguns dos parâmetros usados no modelo. Parâmetro Significado Valor Unidade Referência 𝜋 Natalidade de abelha 2500 𝐴𝑏𝑒𝑙ℎ𝑎 × 𝑑𝑖𝑎−1 Embrapa 𝛿 Taxa de maturação 0,05 𝑑𝑖𝑎−1 Tab. 2.1 𝜇 Mortalidade natural da abelha 0,04 𝑑𝑖𝑎−1 (Khoury et al., 2011) 𝛾 Mortalidade induzida pelo ácaro 10−7 𝑑𝑖𝑎−1 (Ratti et al., 2012) 3.2 Ajuste dos parâmetros Uma vez que a literatura não nos fornece valores confiáveis para grooming, comporta- mento higiênico e comportamento higiênico equivocado, fixamos os valores que já nos foram fornecidos segundo a tabela 3.1 e decidimos permitir que 𝑔, 𝐻 e 𝐻𝑒 variem como na tabela 3.2. Optamos por fazer isso ao invés de simplesmente tentar estimar um único valor para cada um dos parâmetros não fornecidos. 2Para simplificar, vamos considerar o auto-grooming - quando a abelha retira do ácaro dela mesma - e o allo-grooming - quando uma abelha retira o ácaro de uma outra abelha - como sendo um único mecanismo: o grooming. 29 3.2. Ajuste dos parâmetros Tabela 3.2: Variação dos parâmetros Parâmetro Valor mínimo Valor máximo 𝑔 0,01 0,1 𝐻 0,08 0,4 𝐻𝑒 0,04 0,2 Variando os parâmetros, queremos avaliar sob quais combinações de valores possíveis, teríamos o equilíbrio sem infestação ou o equilíbrio com infestação. Uma forma que encontramos de determinar essas combinações foi através de mapas de contorno. Esse tipo de gráfico, ao pé da letra, são desenhos em duas dimensões de objetos tridimensionais. No nosso caso específico, selecionamos dois, do total de três parâmetros, por vez. E deixamos que cada parâmetro varie dentro dos limites da tabela 3.2, e para cada combinação de valores possíveis desses dois parâmetros, a nossa terceira dimensão é dada pelo valor do sistema no equilíbrio. Por exemplo, no gráfico 3.2 os valores para o parâmetro referente ao ’comportamento higiênico’ estão no eixo das abscissas, enquanto os valores para ’comportamento higiênico equivocado’ estão no eixo das ordenadas. Fixamos um valor para o terceiro parâmetro, neste caso o grooming e usamos, então, cada combinação {(𝐻,𝐻𝑒) : 0,08 < 𝐻 < 0,4; 0,04 < 𝐻𝑒 < 0,2}, juntamente com os valores dos parâmetros previamente fixados, para calcular a solução no equilíbrio do modelo ??. A região amarela no gráfico nos mostra para quais valores de (𝐻,𝐻𝑒) teremos o equilíbrio onde o ácaro não permanece no sistema e, consequentemente, a outra região se refere ao equilíbrio com infestação, ou com a coexistência das duas espécies. Repetimos esse mesmo experimento para combinações de ’grooming’ com ’compor- tamento higiênico’, como mostrado pelo gráfico 3.3. E também para combinações de ’grooming’ com ’comportamento higiênico equivocado’, como mostrado pelo gráfico 3.4. Capítulo 3. Metodologia 30 Figura 3.2: Para essa simulação, deixamos os possíveis valores para o parâmetro 𝐻 variando no eixo X, valores para o parâmetro 𝐻𝑒 variando no eixo Y e fixamos o valor do grooming em 𝑔 = 0,02. Figura 3.3: Para essa simulação, deixamos os possíveis valores para o parâmetro 𝑔 variando no eixo X, valores para o parâmetro 𝐻 variando no eixo Y e fixamos o valor do grooming em 𝐻𝑒 = 0,13. 31 3.2. Ajuste dos parâmetros Figura 3.4: Para essa simulação, deixamos os possíveis valores para o parâmetro 𝑔 variando no eixo X, valores para o parâmetro 𝐻𝑒 variando no eixo Y e fixamos o valor do grooming em 𝐻 = 0,1. Capítulo 4 Resultados Na seção 3.1 propomos um modelo formado por quatro equações diferenciais para descrever a dinâmica hospedeiro (abelhas) parasitas (ácaros) incluindo os mecanismos de resistência das abelhas ao àcaro. Neste capítulo vamos explorar esse modelo. Começamos estudando de forma simplificada o mesmo modelo na ausência de parasitas. Usaremos também os parâmetros estudamos na seção 3.2 para analisar o modelo ??. 4.1 Modelo para o caso bidimensional: sem ácaros Para entendermos a dinâmica do nosso modelo, vamos começar analisando uma situação mais simples. Consideramos então o caso onde o ácaro não está presente na colônia, o que nos dá um sistema de duas equações como abaixo: 𝑑𝐼 𝑑𝑡 = 𝜋 − (𝛿 + 𝐻𝑒)𝐼 𝑑𝐴 𝑑𝑡 = 𝛿𝐼 − 𝜇𝐴 (4.1) Uma pergunta notável é: se estamos num sistema livre de ácaros, por que então Capítulo 4. Resultados 34 o parâmetro 𝐻𝑒, que mede a taxa de erro cometida pelas abelhas ao realizarem o comportamento higiênico, continua nas equações? Para simplificar, vamos supor agora que, para este caso específico, 𝐻𝑒 é considerado a taxa de mortalidade de abelhas imaturas. Esse sistema tem, então, como solução:[︂ 𝐼 = 𝜋 𝛿 + 𝐻𝑒 ; 𝐴 = 𝛿𝜋 𝜇(𝛿 + 𝐻𝑒) ]︂ A matriz Jacobiana, isto é, a matriz formada pelas derivadas parciais das equações 4.1, é dada abaixo e seus autovalores são {−𝜇; −𝛿 − 𝐻𝑒}. ⎡⎢⎣ −𝛿 − 𝐻𝑒 0 𝛿 −𝜇 ⎤⎥⎦ Um ponto de equílibro para um sistema dinâmico contínuo é estável se todos os autovalores da Jacobiana correspondente possuem parte real negativa. Por outro lado, o equilíbrio é dito instável se, pelo menos, um dos dos autovalores possuir parte real positiva. Sendo assim, como 𝜇, 𝛿 e 𝐻𝑒 são ambos números reais entre zero e um, os dois autovalores da Jacobiana do sistema são então reais e negativos, o que nos permite concluir que este sistema não só tem um equilíbrio, como ele é estável. Por exemplo, usando os paramêtros fornecidos pela tabela 3.1 e dado 𝐻𝑒 = 0,13, no equilíbrio teríamos 𝐼 = 13.888 e 𝐴 = 17.361. O que podemos confirmar pelos gráfico 4.1 e pelo campo de vetores 4.2 com seis possíveis trajetórias desenhadas. 35 4.1. Modelo para o caso bidimensional: sem ácaros Figura 4.1: Número de abelhas adultas e imaturas no tempo para o caso bidimensional, sem ácaro com condições iniciais 𝐼 = 1000 e 𝐴 = 20000. Figura 4.2: Campo de vetores para o caso bidimensional, ou seja, na ausência do ácaro. As seis linhas laranja representam seis possíveis trajetórias pra o sistema. Como mostrado na figura, independente das condições iniciais, a solução sempre vai pro equilíbrio, marcado pelo ponto azul. Capítulo 4. Resultados 36 4.2 Equilíbrios do modelo completo Como no equilíbrio o sistema não muda de estado, para encontrarmos estes pontos basta que igualemos cada uma das equações de ?? a zero, como mostrado pelas equações 4.2. 𝑑𝐼𝑑𝑡 = 𝜋 𝐴 𝐴 + 𝐴𝑖 − 𝛿𝐼 − 𝐻𝑒𝐼 = 0 𝑑𝐼𝑖 𝑑𝑡 = 𝜋 𝐴𝑖 𝐴 + 𝐴𝑖 − 𝛿𝐼𝑖 − 𝐻𝐼𝑖 = 0 𝑑𝐴 𝑑𝑡 = 𝛿𝐼 + 𝑔𝐴𝑖 − 𝜇𝐴 = 0 𝑑𝐴𝑖 𝑑𝑡 = 𝛿𝐼𝑖 − 𝑔𝐴𝑖 − (𝜇 + 𝛾)𝐴𝑖 = 0 (4.2) Calculamos então os equilíbrios numericamente, fixando os valores de 𝜋, 𝛿, 𝜇 e 𝛾 segundo a tabela 3.1, e resolvemos as equações acima deixando o resultado em função de 𝑔, 𝐻 e 𝐻𝑒. Como vemos abaixo: 1. O equilíbrio sem infestação: [𝐼 = 5×10420𝐻𝑒+1 ; 𝐼𝑖 = 0; 𝐴 = 6.25×104 20𝐻𝑒+1 ; 𝐴𝑖 = 0]; É fácil mostrar que este equilíbrio é igual ao equilíbrio do caso bidimensional, onde consideramos um sistema livre de ácaros. 2. O equilíbrio com infestação1: [ 𝐼 = −50×1010𝑔(20(107𝑔+400001)𝐻−8×106(25𝑔+1)𝐻𝑒+1) ; 𝐼𝑖 = 5×10 4(2×108𝑔+8000020)𝐻+107𝑔−8×106𝐻𝑒+1) (400(107𝑔+400001)𝐻2+40(5×106𝑔+200001)𝐻−8×106((50𝑔+2)10𝐻+25𝑔+1)𝐻𝑒+1) ; 𝐴 = −25×10 16(20𝑔𝐻𝑒+𝑔) (800𝑦𝐻2+40𝑦𝐻−8×106(25×107𝑔2+20𝑧𝐻+20000025𝑔+400001)𝐻𝑒+107𝑔+400001) ; 𝐴𝑖 = 25×10 9(20(107𝑔+400001)𝐻+107𝑔−8×106𝐻𝑒+1) (800𝑦𝐻2+40𝑦𝐻−8×106(25×107𝑔2+20𝑧𝐻+20000025𝑔+400001)𝐻𝑒+107𝑔+400001) ] 1Por “equilíbrio com infestação” vamos entender como sendo um equilíbrio onde ambas as espécies coexistem podendo, ou não, causar colapso em algum momento do futuro. 37 4.3. Estabilidade dos equilíbrios onde 𝑦 = (5 × 1013𝑔2 + 4000015 × 106𝑔 + 80000600001); 𝑧 = (25 × 107𝑔2 + 20000025𝑔 + 400001) 4.3 Estabilidade dos equilíbrios Uma vez que, pelo estudo dos mapas de contorno na seção 3.2, fomos capazes de determinar combinações para os parâmetros 𝑔, 𝐻 e 𝐻𝑒 que levariam o sistema a um equilíbrio sem infestação ou a um equilíbrio com infestação, vamos agora então analisar a estabilidade de cada um desses dois casos. Para o estudo da estabilidade, determinamos a matriz Jacobiana, usando as derivadas parciais das equações ??: ⎡⎢⎢⎢⎢⎢⎢⎢⎢⎣ −𝛿 − 𝐻𝑒 0 𝐴𝜋𝐴+𝐴𝑖 − 𝐴𝜋 (𝐴+𝐴𝑖)2 − 𝐴𝜋 (𝐴+𝐴𝑖)2 0 −𝛿 − 𝐻 − 𝐴𝑖𝜋(𝐴+𝐴𝑖)2 𝜋 𝐴+𝐴𝑖 − 𝐴𝑖𝜋 (𝐴+𝐴𝑖)2 𝛿 0 −𝜇 𝑔 0 𝛿 0 −𝑔 − 𝛾 − 𝜇 ⎤⎥⎥⎥⎥⎥⎥⎥⎥⎦ No primeiro caso, supomos que uma certa colônia, em um momento inicial, possui um total de 20.000 abelhas adultas, sendo que metade delas não carregam o varroa e consideramos, também, que existam 10.000 abelhas imaturas e metade delas são infesta- das pelo varroa. Dado que o grooming, o comportamento higiênico e o comportamento higiênico equivocado foram escolhidos a partir da análise dos mapas de contorno (3.2, 3.3 e 3.4) para o caso onde não há infestação, sendo então uma das possíveis combi- nações desses valores: 𝑔 = 0,06, 𝐻 = 0,25 e 𝐻𝑒 = 0,13. A dinâmica do modelo para este caso específico é mostrada no gráfico 4.3, que confirma a não infestação da colônia, como esperávamos. E os valores das variáveis no equilíbrio, neste caso, são: Capítulo 4. Resultados 38 [𝐼 = 13.888; 𝐼𝑖 = 0; 𝐴 = 17.361; 𝐴𝑖 = 0] (4.3) Figura 4.3: Sob condições iniciais 𝐼 = 5.000, 𝐼𝑖 = 5.000, 𝐴 = 10.000 e 𝐴𝑖 = 10.000 e parâmetros 𝑔 = 0,06, 𝐻 = 0,25 e 𝐻𝑒 = 0,13, sendo os demais iguais aos valores na tabela 3.1. No segundo caso, dada as mesmas condições iniciais do caso anterior, com a diferença que agora escolhemos uma combinação para valores de grooming, comportamento higiênico e comportamento higiênico equivocado que, segundo os mapas de contorno (3.2, 3.3 e 3.4), nos levaria a um equilíbrio onde existe infestação do ácaro na colônia. O gráfico 4.4 nos mostra a dinâmica do modelo para os valores de parâmetros 𝑔 = 0,01, 𝐻 = 0,1 e 𝐻𝑒 = 0,18. E neste caso temos dois equilíbrios, são eles: [𝐼 = 10.870; 𝐼𝑖 = 0;𝐴 = 13.587; 𝐴𝑖 = 0] (4.4) [𝐼 = 6.250; 𝐼𝑖 = 7.083;𝐴 = 9.583; 𝐴𝑖 = 7.083] (4.5) 39 4.3. Estabilidade dos equilíbrios Figura 4.4: Sob condições iniciais 𝐼 = 5.000, 𝐼𝑖 = 5.000, 𝐴 = 10.000 e 𝐴𝑖 = 10.000 e parâmetros 𝑔 = 0,01, 𝐻 = 0,1 e 𝐻𝑒 = 0,18, sendo os demais iguais aos valores na tabela 3.1. Mas o que podemos dizer em relação à estabilidade dos pontos de equilíbrio 4.3, 4.4 e 4.5? Para respondermos a essa pergunta precisamos calcular os autovalores da matriz Jacobiana [4.3]. Para o equilíbro sem infestação 4.3 encontramos os autovalores 4.6 e, como todos eles são reais negativos, podemos concluir que este é um equilíbrio estável [5]. O que significa que, mesmo que existam pertubações ou que a condição inicial mude, e dada a combinação de parâmetros 𝑔 = 0,06, 𝐻 = 0,25 e 𝐻𝑒 = 0,13, não existirá mais variações no sistema, a partir do instante que atingir o ponto de equilíbrio 4.3. [−0,31; −0,07; −0,18; −0,04] (4.6) Na figura 4.5 podemos ver o campo de vetores para este caso onde a infestação não permanece no sistema. Como as curvas laranja representam possíveis trajetórias, podem Capítulo 4. Resultados 40 se perguntar por quê, então, essas trajetórias parecem não seguir as setas que levam ao equilíbrio? O problema é que estamos limitados a duas dimensões. As trajetórias mostradas pelas curvas laranja estão projetadas nos planos 𝐼𝑖 = 0 e 𝐴𝑖 = 0, portanto não são capazes de representar as trajetórias reais. Em uma visualização tridimensional, poderíamos ter uma noção um pouco melhor, contudo ainda não seria perfeito, visto que nosso modelo tem quatro dimensões. Figura 4.5: Como esse campo de vetores só nos permite enxergar em duas dimensões e nosso modelo possui quatro dimensões, estamos fixando 𝐼𝑖 e 𝐴𝑖 em zero, que é o valor dessas variáveis no equilíbrio. As curvas da cor laranja representam três possíveis trajetórias. Para o caso onde existe infestação, encontramos dois equilíbrios possíveis - 4.4 e 4.5. Os autovalores para estes dois equilíbrios são, respectivamente 4.7 e 4.8. [−0,2; +0,008; −0,23; −0,04] (4.7) 41 4.3. Estabilidade dos equilíbrios [−0,24; −0,17; −0,04; −0,007] (4.8) Visto que em 4.7 existem três autovalores negativos e um positivo, dizemos que o equilíbrio 4.4 é um ponto de sela. Já para o conjunto dos autovalores 4.8 os autovalores são todos reais negativos, o equilíbrio 4.5 é estável. O equilíbrio estável 4.5 representa o caso onde existe coexistência das duas espécies no sistema. Por outro lado, o equilíbrio 4.4 mostra o caso onde o ácaro não permanece no sistema. O fato deste equilíbrio ser um ponto de sela indica que uma pertubação, mesmo que pequena, pode fazer com que o sistema vá para o outro ponto de equilíbrio. Com isso em mente, podemos concluir que para a combinação de parâmetros 𝑔 = 0,01, 𝐻 = 0,1 e 𝐻𝑒 = 0,18, o sistema permancerá estável com infestação, isto é, o ácaro permanece no sistema em coexistência com as abelhas. Na tabela 4.1 encontramos os principais resultados desse capítulo. Tabela 4.1: Sumário dos resultados finais. Parâmetros Ponto de equilíbrio Estabilidade Presença (𝑔; 𝐻; 𝐻𝑒) [𝐼; 𝐼𝑖; 𝐴; 𝐴𝑖] do equilíbrio do ácaro (0,06; 0,25; 0,13) [13.888; 0; 17.361; 0] Estável Sem ácaros (0,01; 0,1; 0,18) [10.870; 0; 13.587; 0] Ponto de sela Sem ácaros (0,01; 0,1; 0,18) [6.250; 7.083; 9.583; 7.083 Estável Com ácaros Capítulo 5 Conclusões e trabalhos futuros Nesse capítulo final, apresentamos discussões sobre o assunto, conclusões que chegamos depois das análises e sugestões para trabalhos futuros. 5.1 Discussões e conclusões Ao propormos o modelo representado pelas equações ?? queríamos entender a impor- tância do grooming e do comportamento higiênico na manutenção de baixos níveis de infestação do ácaro Varroa destructor nas colônias. E com a metodologia para escolher os parâmetros que não nos foram fornecidos pela literatura, conseguimos tirar algumas conclusões sobre esses mecanismos de resistência. Por exemplo, se a taxa do grooming realizado pelas abelhas for de 10% ou mais, a dinâmica do modelo no equilíbrio, que observamos através dos mapas de contornos (3.2, 3.3 e 3.4), mostra que os ácaros são permanentemente eliminados da colônia. No entanto, Vandame et al. (2002) relataram que no experimento realizado as abelhas africanizadas removeram 11% dos ácaros através do grooming, mas mesmo assim a infestação na colônia foi de24,3%. Isto é, o ácaro permaneceu presente na colônia, mas o nível de infestação mostrou-se baixo. Por que temos essa discrepância de resultados? Capítulo 5. Conclusões e trabalhos futuros 44 Uma possível explicação é que não estamos considerando que exista imigração do ácaro vindo de fontes externas - como por exemplo, de outra colônia através da infestação das abelhas que saem para forragear. Mas por que, então, nossos resultados são relevantes? Nossos resultados, sumarizados na tabela 4.1, mostraram que para valores baixos de grooming e comportamento higiênico encontramos dois equilíbrios para o sistema, mas apenas um deles é um ponto estável. Isto significa que pertubações como, por exemplo, variações das condições iniciais levariam o sistema à este ponto estável. E esse ponto representa a situação onde as duas espécies coexistem dentro da colmeia sem causar, a princípio, o colapso. Dizemos a princípio, porque se consideramos que o ácaro Varroa carrega algum tipo de vírus que seja prejudicial às abelhas, uma população mesmo que pequena desse ácaro pode trazer doenças virais para dentro da colmeia e, se não controlada pode causar o colapso da colônia. Considerar o vírus, quer como variável quer como parâmetro do modelo, é uma sugestão para trabalhos futuros que descrevemos na seção seguinte. Por outro lado, os resultados nos permitiram concluir que para valores maiores de grooming e comportamento higiênico as abelhas são capazes de controlar a infestação da colônia eliminando por completo ou mantendo baixa a população de parasitas. As diferenças de resultados que encontramos para as variações dos parâmetros mostram que os mecanismos de resistência das abelhas ao ácaro são, de fato, importantes para a sobrevivência da colônia. E, como já mencionado, Medina and Martin (1999) sugeriram que as abelhas africanas e seus híbridos são mais eficientes ao realizar tais mecanismos. Com esses dois aspectos em mente, acreditamos que o fato da grande maioria das subespécies das abelhas do hemisfério sul serem africanas e/ou seus híbridos explica o porquê da Desordem do Colapso das Colônias ainda não ter sido registrada em grande escala nesses lugares. 45 5.2. Sugestões para trabalhos futuros 5.2 Sugestões para trabalhos futuros O modelo representado pelas equações ?? foi escolhido depois de estudarmos outras variações dele. Optamos por este modelo porque, além de sua simplicidade, ele responde algumas de nossas muitas perguntas iniciais. Como sugestão para trabalhos futuros, gostaríamos de deixar algumas ideias que tivemos previamente, mas que o tempo não nos permitiu analisar. 5.2.1 Introduzir o ácaro por fontes externas No nosso modelo, consideramos que inicialmente exista uma quantidade do ácaro Varroa destructor e que, a medida que o tempo passa, a única forma desse ácaro infestar a colônia é infestando as crias pela reprodução dos ácaros adultos - gerando crias de ácaros e, consequentemente, novos ácaros adultos num momento mais à frente- que estavam na colmeia previamente, dentro dos alvéolos das crias das abelhas. Em outras palavras, não estamos considerando que possa existir uma infestação das abelhas já na fase adulta por, por exemplo, a abelha ser parasitada por um ácaro quando esta sai da colônia para forragear. Isso possibilitaria que a infestação da colônia fosse muito maior do que é atualmente, visto que, no nosso modelo atual, uma vez controlados dentro da colmeia, não existe inserção do ácaro vindo de fonte externa. 5.2.2 Número de ovos colocados pela rainha diariamente Embora a Rainha seja a única abelha responsável por colocar ovos, as abelhas operárias contribuem para esse processo de forma indireta alimentando a rainha e cuidando da manutenção das crias. Uma vez que a quantidade de operárias de uma colônia seja reduzida devido a algum problema - como, por exemplo, uma doença viral - a quantidade de alimento trazida pra colmeia também fica comprometida. Então, para analisarmos essa situação e, consequentemente, melhorarmos o nosso modelo seria interessante Capítulo 5. Conclusões e trabalhos futuros 46 considerar que o número de ovos colocados por dia pela rainha deixa de ser constante e passa a depender do total de abelhas presentes na colônia. Uma ideia seria fazer como Khoury et al. (2011). Eles consideram que as abelhas operárias estão divididas em dois subgrupos: as abelhas que ficam na colmeias (H) e as abelhas forrageiras (F). Seguindo a metodologia que eles usaram, as nossas equações para abelhas imaturas poderiam ser reescritas como 5.1 onde 𝑁 = 𝐻 +𝐹 e 𝑤 é um número escolhido depois de experimentos - no artigo, para 𝜋 = 2.000 eles escolheram 𝑤 = 27.000. É interessante notar que quando o número total 𝑁 de abelhas é grande, o número de ovos colocados por dia se aproxima de 𝜋. Por outro lado, caso 𝑁 seja muito pequeno, pode-se representar o colapso da colônia, uma vez que a taxa diária de ovos aproximaria-se de zero. 𝑑𝐼 𝑑𝑡 = 𝜋 𝐴 𝐴 + 𝐴𝑖 𝑁 𝑁 + 𝑤 − 𝛿𝐼 − 𝐻𝑒𝐼 𝑑𝐼𝑖 𝑑𝑡 = 𝜋 𝐴𝑖 𝐴 + 𝐴𝑖 𝑁 𝑁 + 𝑤 − 𝛿𝐼𝑖 − 𝐻𝐼𝑖 (5.1) 5.2.3 Acrescentar o vírus no modelo O ácaro em si não é o grande culpado pela Desordem do Colapso das Colônias (DCC). Como observado na tabela 3.1, a mortalidade das abelhas associada à presença do ácaro na colmeia é muito pequena (0,0000001). No entanto, o ácaro é vetor para vírus e doenças virais deixam a colônia muito fraca levando até ao colapso. Sendo assim, como trabalho futuro queríamos inserir o vírus na dinâmica do nosso modelo. 5.2.4 Europeias X Africanizadas Uma vez que vimos que os mecanismos de resistência ao ácaro acontecem com intensida- des distintas para cada uma das subespécies das abelhas, seria interessante reformular o modelo de forma que seja possível uma análise comparativa dos resultados para Abelhas Africanizas e Abelhas Europeias. 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