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EDGAR ALLAN PÖE
GUY DE MAUPASSANT
HORACIO QUIROGA
AMBROSE BIERCE
 
 
 
 
CONTOS DE TERROR ANIMAL
VOL. II
 
 
 
2015
TRIUMVIRATUS
SUMÁRIO
SOBRE A ANTOLOGIA
O GATO PRETO
O LOBO
À DERIVA
O TRAVESSEIRO DE PENAS
A ALUCINAÇÃO DE STALEY FLEMING
CRÉDITOS
TÍTULOS E COLEÇÕES
SOBRE A ANTOLOGIA
 
Não apenas fantasmas, vampiros e lobisomens povoam as histórias de horror. Não raras
vezes, o ente assustador das narrativas de terror incorpora-se na figura de animais, desde misteriosos
gatos ronronantes a asquerosas ratazanas de presas afiadas.
Neste segundo volume de Contos de Terror Animal , damos ao leitor uma obra-prima da
literatura universal: O gato preto de Edgar Allan Pöe. Um homem atormentado, cujo caráter arruína-
se irremediavelmente, encontra num gato doméstico o seu alívio e a sua maldição.
O ambiente doméstico pode conter outros horrores animalescos. Alguns, absolutamente
invisíveis, porém palpáveis (O travesseiro de penas, de Horacio Quiroga); outros, visíveis, mas
fantasmagóricos (A alucinação de Satley Fleming, de Ambrose Bierce).
Se no próprio lar pode residir o horror, nos bosques e nas selvas ele está sempre presente.
Pode ser na figura de um lobo cruel, que desafia a argúcia de caçadores experientes (O lobo, de
Maupassant), ou nas presas peçonhentas de uma víbora letal (À deriva, de Quiroga).
O mundo animal está repleto de terrores, reais, metafísicos ou imagináveis...
 
O GATO PRETO
Edgar Allan Pöe
 
Não espero nem peço que acreditem na extraordinária e, contudo, doméstica história que eu
lhes narrarei. Na realidade, seria um louco se tal esperasse, num caso em que os meus sentidos
repelem o seu próprio testemunho. E, todavia, eu não sou um doido — e não estou sonhando, com
certeza. Mas, como devo morrer amanhã, quero hoje aliviar a minha alma.
O meu objetivo imediato é apresentar ao mundo — claramente, sucintamente e sem
comentários — uma série de simples acontecimentos domésticos.
Pelas suas consequências, esses acontecimentos aterrorizaram-me, torturaram-me,
aniquilaram-me. Entretanto, não tentarei esclarecê-los. Considero-os horríveis, ainda que a muitas
pessoas possam acha-los mais estranhos que terríveis.
É possível que mais tarde haja uma inteligência mais serena que reduza o meu fantasma à
situação comezinha de simples lugar comum — uma inteligência mais serena, mais lógica e muito
menos excitável que a minha, que nada mais achará nos acontecimentos que um conto com terror do
que uma sucessão ordinária de causa e efeitos naturalíssimos.
Desde a infância que era notado o meu caráter naturalmente humilde e bondoso. A
sensibilidade do meu coração era até então tão notória que fizera de mim o joguete de meus
companheiros.
A minha maior tendência era uma amizade louca pelos animais, de que possuía uma grande
variedade, com que a minha família me presenteara.
Passava quase todo tempo com eles e nunca me sentia tão feliz como quando lhes dava de
comer ou os acariciava. Esta particularidade de meu caráter aumentou com o desenvolvimento físico,
de forma que, depois de homem, o entreter-me com animais era um dos meus maiores prazeres.
Aos que sentiram uma grande afeição por um cão fiel e inteligente, não necessito explicar a
natureza ou a intensidade do gosto proveniente de tal afeto. Há na amizade desinteressada do animal,
no sacrifício de si próprio, o quer que seja que toca diretamente no coração do que tem
frequentemente ocasião de verificar a vil amizade e fidelidade mesquinha do “homem natural”.
Casei-me, e considerei-me verdadeiramente feliz por encontrar em minha mulher uma
disposição de caráter semelhante à minha.
Visto que eu gostava imensamente dos animais domésticos, minha esposa não perdia nunca a
menor ocasião de acrescentar o número dos que possuíamos. Tínhamos pássaros, um peixe dourado,
um lindo cão, coelhos, um saguim e um gato.
Este último era um animal notoriamente forte e belo, completamente preto, duma inteligência
maravilhosa.
Sempre que falava da inteligência do gato, minha mulher, que no fundo era um pouco
supersticiosa, fazia frequentes alusões à velha crença popular que considera todos os gatos pretos
como feiticeiras disfarçadas. Isto não quer dizer que ela acreditasse na lenda: se menciono o fato é,
simplesmente, porque me ocorreu, neste momento, à memória.
Plutão — assim se chamava o gato — era o meu preferido, o meu camarada. Só eu lhe dava
de comer, e ele seguia-me sempre por toda a casa. Era mesmo com dificuldade que conseguia de
impedi-lo de me seguir pelas ruas.
A nossa amizade durou muitos anos, durante os quais o conjunto do meu caráter e do meu
temperamento — por intervenção do demônio da intemperança, com vergonha o confesso — sofreu
uma alteração, radicalmente má.
Tornei-me dia a dia indiferente pelos sentimentos dos outros. Empregava uma linguagem
brutal sempre que falava com a minha mulher. Por fim, cheguei mesmo a agredi-la.
Os meus pobres amigos naturalmente ressentiram-se da mudança do meu caráter. Não somente
eu os desprezava, mas também os maltratava.
Continuava, contudo, a ter por Plutão uma consideração que me impedia de o maltratar,
enquanto que não sentia o menor escrúpulo em bater nos coelhos, no saguim e mesmo no cão, quando
o acaso ou a amizade que tinham por mim faziam com que os encontrasse ao alcance de meu pé.
Como eu me tornava cada vez mais intratável — que vício há que possa comparar-se ao
álcool? —, o próprio Plutão, que envelhecia, e que, por isso, me incomodava com as suas carícias, o
próprio Plutão começou a conhecer os efeitos do meu péssimo caráter.
Uma noite, ao entrar em casa muito embriagado, de volta de um botequim onde habitualmente
passava as noites, pareceu-me que o gato fugia de mim. Agarrei-o; mas ele, atemorizado pela minha
violência, feriu-me levemente na mão com os dentes.
Repentinamente, apossou-se de mim um furor de demônio. Desconheci-me. A minha alma
pareceu abandonar subitamente o corpo, e minha perversidade hiperdiabólica, saturada de gim,
penetrou todas as fibras do meu ser.
Tirei da algibeira do colete um canivete e abri-o; agarrei o gato pelo pescoço e friamente fiz-
lhe saltar um dos olhos da órbita.
Coro, sinto ferver-me o sangue, estremeço ao escrever esta inclassificável atrocidade!
Quando a razão me voltou com o dia, depois de terem desaparecido os vapores de minha
devassidão noturna, tive um sentimento, um misto de horror e remorso, pelo crime que praticara; mas
era um fraco e equívoco sentimento, de que a alma não se ressentiu. Voltei de novo aos excessos
alcoólicos, afogando bem depressa no vinho a lembrança do meu crime.
Entretanto, a cura do gato progredia lentamente. A órbita do olho perdido apresentava, é
verdade, um aspecto repelente, mas o animal não indicava que doravante sofreria.
Andava pela casa como costumava, mas logo que ouvia os meus passos, fugia aterrorizado.
De meu antigo caráter restava ainda o suficiente para que eu me afligisse com a evidente
antipatia dum animal que eu dantes tanto gostara.
Mas esse sentimento foi em depressa substituído pela irritação. E então apareceu, para
complemento da minha queda fatal e revogável, o espírito da PERVERSIDADE.
Deste espírito não tem a filosofia a menor noção. Todavia, tão certo como a minha alma
existe, creio que a perversidade é uma das primitivas impulsões do coração humano, uma das
primeiras indivisíveis faculdades ou sentimentos que dirigem o caráter do homem. 
Quem se não surpreendeu cem vezes cometendo uma ação tola ou vil, pela simples razão de
saber que não devia cometê-la?
Não temos nós uma frequente inclinação, apesar da excelência de nosso senso, para violar o
que se chama a Lei, simplesmente por compreendermos que é a Lei?
O espírito de perversidade — disse eu — causou a minha ruína final. Senti o desejo ardente,
insondável, de a alma torturar-se a si própria, de violentar a própria natureza — de fazer o mal pelo
amor ao mal —, que me levou a continuar e, finalmente, a consumar o suplício que infligira ao pobre
animal inofensivo.
Uma manhã, com todaa presença de espírito, passei um nó corredio em volta do pescoço do
gato e pendurei-o ao tronco de uma árvore. Pendurei-o com os olhos rasos de lágrima, com o mais
amargo remorso no coração. Pendurei-o porque sabia que me amara, e porque sentia que o pobre
animal nunca me dera razão de aborrecimento. Pendurei-o porque sabia que, procedendo assim,
cometia um pecado, um pecado mortal que comprometia a minha alma imortal, a ponto de a colocar
— se uma tal coisa fosse possível — para além da misericórdia do Deus Misericordioso e
Terribilíssimo.
Na noite seguinte àquele cruel ato, fui acordado em sobressalto pelo grito de: “fogo, fogo!”.
Os cortinados do meu leito eram pasto das chamas.
Toda a casa ardia.
Foi com muita dificuldade que escapamos ao sinistro, minha mulher, um criado e eu.
A perda foi completa.
Toda a minha fortuna foi destruída pelo incêndio, o que me fez cair num desespero profundo.
Não pretendo estabelecer uma ligação entre a atrocidade e o desastre: sou superior a essa
fraqueza.
Narro apenas o encadeamento de fatos, de que não desprezarei um elo sequer. No dia que se
seguiu ao incêndio, visitei as ruínas da casa.
As paredes tinham caído, à exceção de uma, que era um fraco tabique interior, situado, pouco
mais ou menos, no centro da casa, e contra o qual se arrumava a cabeceira do meu leito.
Este tabique resistira, em grande parte, à ação do fogo, fato que atribuí a ter ele sido rebocado
recentemente.
Em volta desta parede apinhava-se uma multidão enorme, que parecia examinar minuciosa e
atentamente uma certa parte dele.
As palavras “extraordinário!”, “singular!” e outros termos de idêntica significação excitaram a
minha curiosidade.
Aproximei-me e vi, semelhante a um baixo-relevo esculpido na superfície branca da parede a
figura de um gigantesco gato.
A imagem reproduzira-se com uma exatidão verdadeiramente maravilhosa. Em volta do
pescoço do gato havia uma corda.
Imediatamente ao ver este espectro — porque não poderia considerar o fato senão como uma
aparição —, o meu espanto e o meu terror foram extremos. Mas, por fim, a reflexão auxiliou-me.
O gato, lembro-me perfeitamente, fora enforcado num jardim adjacente à casa. Aos gritos de
alarme, o jardim devia ter sido imediatamente invadido pela turba, e o animal fora decerto
despendurado por alguém, e atirado para o meu quarto pela janela aberta. E tinham procedido assim
para me acordarem, sem dúvida O desmoronamento das paredes comprimira a vítima da minha
crueldade no estuque com que pouco tempo antes o tabique fora rebocado; a cal da parede,
combinada com o amoníaco da carcaça, tinha operado a imagem tal qual eu a vi.
Conquanto satisfizesse assim rapidamente a minha razão, senão também à consciência,
relativamente ao fato surpreendente que acabo de contar, nem por isso esse fato deixou de urdir na
minha imaginação uma impressão profunda.
Durante muitos meses o fantasma do gato não me abandonou; e durante esse período nasceu na
minha alma um vago sentimento que parecia ser, mas não era, o remorso.
Cheguei a deplorar a perda do gato e a procurar nas imundas tabernas, que frequentava
habitualmente, um outro animal da mesma espécie, e parecido com o que eu matara, para o substituir.
Era uma noite. Estando sentado, meio bêbado já, numa taberna imundíssima, atraiu-me
subitamente a atenção um objeto preto, estendido sobre uns enormes tonéis de gim e rum, que
enchiam a taberna.
Havia já uns minutos que eu olhava para o túnel e surpreendia-me por não ter ainda dado pela
presença do objeto colocado sobre ele.
Aproximei-me e toquei-lhe com a mão.
Era um gato preto — um grande gato — do tamanho de Plutão, pelo menos, parecido com este,
exceto num ponto. Plutão não tinha um só pelo branco em todo corpo, enquanto que o que estava
sobre o tonel tinha uma mancha alargada e branca, mas de uma forma indecisa, que lhe cobria todo o
peito.
Logo que o toquei, o gato levantou-se rapidamente, rosnou com força, esfregou-se na minha
mão, parecendo gostar muito das minhas carícias.
Era na realidade o animal que eu até então procurara inutilmente.
Pedi ao dono da taberna que me vendesse o gato, mas o homem declarou que o animal não lhe
pertencia; não o conhecia, nunca o vira até então.
Continuei a acariciá-lo e quando me preparava para voltar para casa, o gato mostrou-se
disposto a acompanhar-me.
Consenti e, enquanto caminhava, baixava-me para o acariciar.
Logo que chegamos, o gato como que se achou em sua casa, tornando-se imediatamente muito
amigo de minha mulher.
De minha parte, senti logo nascer uma grande antipatia pelo gato.
Sucedia justamente o contrário do que esperava; mas a verdade — não sei como nem por que
se dava este fato — era que a sua evidente amizade por mim quase me incomodava e aborrecia.
Lentamente, estes sentimentos de incômodo e de aborrecimento aumentaram até o ódio.
Evitava o animal, e uma certa sensação de vergonha e a lembrança do meu primeiro ato de
crueldade impediam-me de o maltratar.
Durante algumas semanas me abstive de lhe bater ou de o tratar violentamente; mas
gradualmente — insensivelmente — comecei a olhá-lo com indizível terror, e a fugir de sua odiosa
presença como de um hálito pestilento.
O que aumentou sem dúvida o meu ódio pelo animal foi a descoberta que fiz, na manhã
seguinte à noite em que eu o levei para casa, que, como Plutão, o gato não tinha um dos olhos.
Esta circunstância, de resto, apenas fez com que minha mulher gostasse mais dele, porque,
como já disse, ela possuía em alto grau essa ternura de sentimento que fora o meu traço característico
e a contínua origem de meus prazeres mais simples e mais puros.
Todavia, a afeição do gato por mim parecia aumentar na razão direta da aversão que por ele
eu sentia.
Ele sentia tal afeição com uma obstinação que dificilmente faria compreender ao leitor.
Sempre que me sentava, saltava-me para os joelhos, acariciando-me excessivamente.
Se me levantava para andar, o gato metia-se por entre as minhas pernas, e quase me levava ao
chão, ou, então, enterrando as unhas compridas e afiadas no meu terno, subia-me pelo corpo até o
peito.
Nesse momento, ainda que desejasse imensamente matá-lo com uma só pancada, impedia-me
de o fazer em parte a recordação do meu primeiro crime, mas principalmente — devo confessá-lo
—, o verdadeiro terror que o animal me inspirava.
Esse terror não era positivamente o terror dum mal físico, e eu, entretanto, não saberia defini-
lo doutra forma.
Quase me envergonho de confessar — mesmo nesta cela de criminoso —, sim, quase me
envergonho de confessar que o terror e o horror que me inspiravam o gato eram aumentados por uma
das mais completas quimeras que é possível conceber.
Minha mulher chamara mais de uma vez a minha atenção para a natureza da mancha branca de
que falei e constituía a única diferença visível entre este gato e o que eu matara.
O leitor lembra-se sem dúvida de eu lhe haver dito que a mancha, apesar de grande, era
primitivamente indefinida na forma; mas lentamente, por graus — por graus imperceptíveis, e que a
minha razão se esforçou duramente muito tempo por considerar imaginários —, tomara por fim uma
rigorosa nitidez de contornos.
A mancha representava a imagem de um objeto que eu tremo ao indicar, e era isso o que me
fazia aborrecer e odiar o animal, e que me teria levado a me livrar dele, se a tal me atrevesse. Era,
disse, uma imagem odiosa — de um sinistro objeto —, a imagem da Forca! Oh, lúgubre e terrível
máquina! Máquina de Horror e de Crime. De agonia e Morte!
E dali em diante fiquei sendo tudo o que é possível imaginar-se de mais miserável na
Humanidade.
Um vil quadrúpede — de que eu facilmente matara um igual — um vil quadrúpede causar em
mim— em mim, homem feito à semelhança do Deus Todo Poderoso — um tão grande e tão
intolerável infortúnio!
Durante o dia, o gato não me deixava um só momento; e de noite, a cada instante, quando saía
dos meus sonhos de indizível angústia, era para sentir no rosto o tépido hálito do animal, e o imenso
peso — encarnação dum Pesadelo que me era impossívelsacudir —, oprimindo-me eternamente o
coração.
Sob a pressão de semelhantes tormentos, o pouco de benevolência que restava em mim
sucumbiu.
Tornaram-se frequentes os maus pensamentos: os mais sombrios e os mais terríveis de todos
os pensamentos.
À habitual tristeza de meu gênio juntou-se o ódio por todas as coisas e por toda humanidade.
Entretanto, minha mulher, que nunca se queixava, era o alvo, a mais paciente vítima das
frequentíssimas e indomáveis erupções de fúria que me acometiam cegamente.
Um dia, por qualquer necessidade doméstica, acompanhou-me ao porão da pobre casa em que
a nossa pobreza nos obrigara a viver.
O gato seguia-me pela escada, e, metendo-se por entre as minhas pernas, por formas que me ia
fazendo cair, exasperou-me até a loucura.
Peguei o machado e, esquecendo-me, na raiva que de mim se apossou, do pueril temor que me
contivera a mão até então, vibrei ao animal um golpe que seria mortal se o tivesse atingido, o que não
sucedeu por ter minha mulher me segurado o braço.
Esta intervenção exasperou-me diabolicamente: desembaracei o braço da mão com que ela me
segurava e enterrei-lhe o machado na cabeça.
Minha mulher caiu instantaneamente morta, sem soltar um só gemido.
Cometido este terrível crime, resolvi, imediatamente e resolutamente, esconder o corpo.
Compreendi que não podia fazê-lo desaparecer de casa, tanto de dia quanto de noite, sem
correr o perigo de ser observado pelos vizinhos.
Acudiram-me ao espírito muitos projetos.
Tive por um momento a ideia de cortar o corpo em bocados que destruiria pelo fogo. Depois
resolvi abrir uma cova no solo do porão.
Em seguida, pensei em deitar o corpo no poço do quintal. Depois lembrei-me de o meter num
caixote como quaisquer gêneros, e chamar um homem que o levasse para fora de casa.
Por fim, recorri a um expediente que me pareceu o melhor de todos.
Resolvi emparedar o corpo no porão, como os frades da idade média emparedavam, segundo
se diz, as suas vítimas.
O porão tinha uma excelente disposição para semelhante desígnio.
As paredes, mal construídas, tinham sido recentemente rebocadas, impedindo a umidade que a
camada de cal endurecesse.
Além disso, uma das paredes tinha um ressalto, causado por uma chaminé, que fora edificada
por forma idêntica à das paredes.
Não duvidei de que me fosse fácil arrancar os tijolos naquele lugar, introduzir ali o corpo e
colocar de novo os ladrilhos cuidadosamente, de sorte que ninguém pudesse descobrir nada de
suspeito.
E não me enganei no cálculo.
Com uma alavanca, arranquei os tijolos com cautela e, depois de arrumar o corpo à parede
interior, sentei-o nesta posição, até que, sem grande custo, pus tudo no seu primitivo estado.
Arranjando com todas as precauções inimagináveis cal e areia, fiz uma pouca argamassa com
que reboquei cuidadosamente a parte da parede que desmanchara.
Quando acabei, vi com satisfação que a parede não levantaria as menores suspeitas, visto não
apresentar o mais ligeiro indício de ter sido construída de novo.
Transportei para fora de casa, com o maior cuidado, o entulho, e varri o porão.
Em seguida, comecei a procurar o animal que causara tão grande desgraça porque, por fim, eu
resolvera firmemente matá-lo.
Se eu o encontrasse nesse momento, o seu destino seria fatal. Mas parece que o ardiloso
animal, atemorizado pela violência da minha recente cólera, evitava cuidadosamente aparecer-me
enquanto durasse a minha fúria.
É impossível descrever ou de imaginar a profunda, a completa sensação de tranquilidade que
a ausência do animal produziu em todo o meu ser.
Nunca mais o senti de noite, sendo, portanto, a primeira noite — depois que trouxera o gato
para casa — que dormi, descansada e tranquilamente. Sim, eu dormi, apesar de ter a doer-me na
consciência o assassínio que cometera!
A segunda e terceira noites passaram sem que o gato aparecesse.
Uma vez mais respirei como homem livre. O mostro aterrorizado abandonara de todo a casa!
Jamais eu o veria novamente! A criminalidade da hedionda ação inquietava-me pouquíssimo.
Tinham aberto uma espécie de investigação, mas eu respondi a todas as perguntas. Fora
mesmo ordenada uma busca em minha casa, mas naturalmente nada tinham podido descobrir.
Considerei segura a minha felicidade futura.
No quarto dia depois do assassínio, entraram inesperadamente em minha casa uns policiais,
que procederam a uma nova busca.
Contando, de certo, com a impenetrabilidade do esconderijo, não senti temor.
Os policiais fizeram com que eu os acompanhasse nas buscas.
Nem um só canto da casa deixou de ser explorado.
Por fim, pela terceira ou quarta vez, desceram ao porão.
Nem um só músculo se me contraía.
O meu coração batia regularmente, como dum homem que dorme tranquilamente. Terminado
tudo isso, olhei em volta e disse comigo mesmo:
— Aqui, ao menos, não perdi o meu trabalho.
Entrei no porão, cruzei os braços, e comecei a vagar dum lado para o outro com toda
naturalidade.
Os policiais estavam completamente satisfeitos e preparavam-se para sair.
Senti no coração um tão forte júbilo que me foi impossível reprimi-lo.
Tinha a necessidade absoluta de pronunciar uma palavra, pelo menos que significasse um
triunfo, e que robustecesse nos policiais a convicção que tinham da minha inocência.
— Meus senhores — disse finalmente, quando os policiais subiam as escadas —, sinto-me
feliz por lhes ter dissipado as suspeitas. Desejo-lhes a todos uma excelente saúde e um pouco mais
de cortesia. Esta casa é bem edificada, não acham, meus senhores? (No desejo, que se apoderou de
mim, de dizer qualquer coisa com ar de naturalidade, nem sabia o que dizia). Pode-se dizer, sem
medo de errar, que esta casa é admiravelmente bem edificada. Estas paredes — já se vão embora,
meus senhores? — estão solidamente construídas!
E ao pronunciar estas palavras, por uma frenética petulância, bati uma forte pancada com uma
bengala que tinha na mão, justamente na parte da parede por detrás da qual estava o cadáver da
esposa do meu coração.
Ah, que ao menos Deus me proteja e me livre do Arquidemônio!
Mal o eco da pancada repercutiu no silêncio do porão, uma voz respondeu por detrás da
parede! Um gemido meio velado e entrecortado, como o choro de uma criança recém-nascida, que
imediatamente se transformou num grito prolongado, sonoro e contínuo, completamente anormal e
anti-humano — um uivo —, um ganido, misto de medo e esperança, como se pode ouvir no inferno,
som terrível como se saído da garganta dos condenados às torturas infernais e dos demônios
exultados pelas condenações.
Dizer-lhes os pensamentos que me atravessaram o cérebro seria loucura.
Senti-me desfalecer, encostei-me à parede fronteira.
Durante um momento, os policiais conservaram-se imóveis sobre os degraus da escada,
assombrados de horror.
Um instante depois, uma dúzia de braços robustos puxavam encarniçadamente pela parte da
parede da chaminé que dias antes eu rebocara de novo.
A parede desmoronou, por fim completamente, de uma só vez.
O cadáver, já bastante putrefato, e coberto de sangue coalhado, apareceu direto aos olhos dos
policiais.
Sobre a cabeça do corpo, com as rubras goelas abertas e um único olho chamejante, estava o
hediondo animal que me fizera praticar o assassínio, e cuja voz reveladora me entregava ao carrasco!
Eu havia emparedado o gato naquela tumba!
 
O LOBO
Guy de Maupassant
 
Eis o que nos narrou o velho Marquês d’Arville, ao fim de um jantar em Saint-Hubert, na casa
do Barão de Ravels.
Havíamos caçado um cervo durante o dia. O marquês era o único hóspede que não havia
participado da caçada, porquanto jamais o fazia.
Durante toda a longa refeição, somente se falara do abate de amimais. Até mesmo as mulheres
se interessavam pelas histórias sangrentas e muitas vezes inverossímeis. E os narradores
gesticulavam, reproduzindo os ataques e combates dos homens contra os animais. Levantavam os
braços e narravam os fatos com vozes trovejantes.
O Sr. d’Arville falava bem, com alguma poesia enfática, repleta de efeitos. Deveria ter
repetido muitas vezes a mesma história,pois a contava fluentemente, sem qualquer hesitação nas
palavras habilmente escolhidas para representar as imagens.
— Senhores, eu nunca cacei. Nem meu pai, o meu avô ou o meu bisavô. Este último era filho
de um homem que caçou mais que todos vocês juntos. Ele morreu em 1764. Eu lhes direi como foi.
Seu nome era Jean, era casado, pai dessa criança que era o meu bisavô, e morava com o seu
irmão mais novo, François d’Arville, em nosso castelo na floresta de Lorraine.
Françoise D’Arville permanecera solteiro por amor à caça.
Eles caçavam o ano inteiro, sem descanso, sem interrupção, sem cansaço. Amavam apenas
isso, nada sabiam além da caça, só dela falavam e somente para ela eles viviam.
Tinham no coração essa terrível e inexorável paixão, que os consumia, invadia-os
completamente, não deixando espaço para mais nada.
Haviam proibido que os perturbassem durante a caça, fosse qual fosse o motivo. Meu bisavô
nasceu quando o pai perseguia uma raposa, e Jean d’Arville não interrompeu a sua corrida,
praguejando:
— Diabos! Este patife bem poderia ter esperado pelo toque de vitória depois de acuado o
animal!
O seu irmão François exibia-se ainda mais empolgado que ele. Assim que se levantava, ia ver
os cães, depois os cavalos e, em seguida, atirava nas aves que voavam ao redor do castelo até o
instante em que deveria partir para caçar um animal de porte.
Eram chamados na região de Sr. Marquês e Sr. Caçula, porquanto os nobres daquela época
não eram como os de nossos dias, que pretendem estabelecer os títulos nobiliárquicos em hierarquia
descendente; mas o filho de marquês não é conde, e nem o filho de um visconde é barão, da mesma
forma que o filho de um general não é coronel por nascimento. Mas a vaidade mesquinha de nossos
tempos tira proveito desse arranjo.
Mas volto aos meus antepassados.
Ao que consta, eram eles extremamente altos, ossudos, cabeludos, violentos e vigorosos. O
caçula, ainda mais alto que o irmão, tinha uma voz tão poderosa que, segundo uma lenda da qual ele
se orgulhava, todas as folhas da floresta se agitavam quando ele gritava.
E quando montavam nas selas para irem à caça, deveria ser um soberbo espetáculo contemplar
esses dois gigantes cavalgando em seus grandes cavalos.
Ora, em meados do inverno desse ano de 1764, o frio era excessivo e os lobos tornaram-se
ferozes.
Eles atacavam os camponeses retardatários, rondavam à noite em torno das casas, uivavam ao
pôr e ao nascer do sol e deixavam os estábulos despovoados.
E logo circulou um rumor. Falava-se de um colossal lobo de pelo cinza, quase branco, que
havia comido duas crianças, devorado o braço de uma mulher, estrangulado todos os cães de guarda
da região e que penetrava nos campos cercados para farejar sob as portas. Todos os moradores
disseram ter sentido o seu hálito, que fazia tremer as chamas das velas. E logo o pânico grassou toda
a província. Ninguém mais ousava sair de casa depois do crepúsculo. As trevas pareciam povoadas
da imagem da besta.
Os irmãos d’Arville resolveram encontrar e matar o animal, e convidaram os senhores da
região para uma grande caçada.
Foi em vão. Por mais que percorressem as florestas e esmiuçassem as matas, nunca o
encontravam. Mataram outros, mas não aquele lobo. E toda as noites, após a caçada, o animal, como
que por vingança, atacava algum viajante ou devorava algumas reses, e sempre em locais bens
distantes daquele em que o haviam procurado.
Por fim, numa noite, ele entrou no celeiro de porcos do castelo de Arville e comeu os dois
mais cevados.
Os dois irmãos ficaram inflamados de ódio, considerando esse ataque como uma bravata do
monstro, um insulto direto, um desafio. Eles reuniram todos os seus sabujos, fortes e habituados a
perseguir feras formidáveis, e encetaram a caçada com o coração repleto de cólera.
Desde o amanhecer à hora em que o sol carmesim se pôs atrás das árvores nuas, eles
percorreram os bosques, sem nada encontrar.
Os dois, enfim, furiosos e desolados, regressaram, aos passos de seus cavalos, por uma
vereda orlada de silvas, admirados de sua ciência ter sido burlada pelo lobo, e tomados por uma
espécie de temor misterioso.
O mais velho disse:
—Esse animal não é comum. Parece que ele pensa como um homem.
O mais jovem respondeu:
— Talvez devêssemos mandar benzer uma bala pelo nosso primo bispo ou rogar a um padre
que pronuncie as palavras adequadas.
Então, ficaram em silêncio.
Jean continuou:
— Olhe para o sol. Veja como está vermelho. O grande lobo irá causar algum infortúnio esta
noite.
Ele mal tinha acabado de falar quando o seu cavalo empinou e o de Françoise começou a
escoicear. Uma grande touceira forrada de folhas mortas abriu-se à frente deles e um colossal
animal, todo cinza, surgiu e fugiu através da floresta.
Ambos soltaram uma espécie de grunhido de alegria e, inclinando-se sobre o pescoço de seus
pesados cavalos, lançaram-no para frente com um impulso de todo o corpo, impondo-lhes um tal
ritmo acelerado — excitando-os, incitando-os, enlouquecendo-os com a voz, os gestos e as esporas
— que os fortes cavaleiros pareciam conduzir os pesados animais com as coxas, como se estivessem
voando.
Iam, portanto, a toda velocidade, atravessando a mata, cortando as ravinas, galgando as
encostas, descendo as gargantas e tocando a trompa com os plenos pulmões para atrair suas gentes e
seus cães. E, de repente, nesta corrida frenética, o meu antepassado bateu com a cabeça num enorme
galho que lhe rachou o crânio. E caiu morto no chão, enquanto o seu cavalo fugia em pânico,
desaparecendo na escuridão que envolvia a floresta.
O mais jovem dos Arville parou prestamente, saltou ao chão, tomou o irmão nos braços e viu
que o cérebro fluía da ferida, juntamente com o sangue.
Então se sentou ao lado do corpo, repousou a cabeça vermelha e desfigurada sobre os joelhos
e esperou, contemplando a face imóvel do irmão mais velho. Paulatinamente, o temor o invadia, um
medo singular, que jamais sentira antes: o medo da escuridão, o medo da solidão, o medo da floresta
desolada e também o medo do fantástico lobo que acabara de matar seu irmão por pura vingança.
As trevas adensavam, o agudo frio fazia ranger as árvores. Françoise se levantou, tremendo,
incapaz de permanecer ali por mais tempo, sentindo-se quase a desmaiar. Nada mais se ouvia, nem a
voz dos cães, nem o som das trompas. Tudo estava silencioso no horizonte invisível. E esse tépido
silêncio da noite fria tinha algo de assustador e estranho.
Então tomou em suas mãos enormes o corpanzil de Jean e colocou-o na sela para levá-lo ao
castelo. Depois, pôs-se lentamente a caminho, com a mente perturbada, como se estivesse
embriagado, perseguido por imagens terríveis e surpreendentes.
De repente, no caminho que a noite começava a invadir, passou um grande vulto. Era a fera.
Um choque de pavor sacudiu o caçador. Algo frio, como uma gota d’água, deslizou ao longo de seus
rins e ele, como um monge atormentado pelo diabo, fez um grande sinal da cruz, perturbado pelo
repentino retorno do vagamundo assustador. Mas seus olhos caíram sobre o corpo sem vida deitado à
sua frente e, de súbito, passando abruptamente do medo à cólera, estremeceu, dominado por uma ira
descontrolada.
Esporeou, então, o cavalo e arremeteu contra o lobo.
Ele o perseguiu pelas matas, ravinas e bosques, atravessando a floresta que já não reconhecia,
os olhos fixos na mancha branca que fugia na noite a descer sobre a terra.
Seu cavalo parecia também animado por uma força e um ardor desconhecidos. Avante, ele
galopava de pescoço esticado, batendo nas árvores e nas rochas, com a cabeça e os pés do morto
atravessado na sela. As silvas arranhavam-lhe os pelos. A testa, chocando-se com os troncos
enormes, borrifava o sangue nos galhos. As esporas extraíam pedaços de casca das árvores.
E, de repente, o animal e o cavaleiro saíram da floresta a toda carreira, mergulhando num
pequeno vale, no momento em que a lua surgia sobre os morros. Era um vale pedregoso, fechado por
enormes rochas, sem saída possível. E o lobo, encurralado, virou-se para ele.
EntãoFrançoise emitiu um brado de alegria, que os ecos repetiram como o estrondo de um
trovão. Ele saltou do cavalo com a faca na mão.
A fera, eriçada, de costado arqueado, aguardava-o. Seus olhos reluziam como duas estrelas.
Mas, antes de lançar-se ao combate, o forte caçador, tomando o irmão, sentou-o numa rocha e,
firmando nas pedras a cabeça que não era senão uma mancha de sangue, gritou-lhe aos ouvidos, como
se falasse com um surdo:
— Jean, olhe! Veja isto!
Em seguida, ele se lançou contra a fera. Sentia-se suficientemente forte para derrubar uma
montanha e esmigalhar pedras com as mãos. A fera tentou mordê-lo, buscando cravar os dentes em
seu ventre. Mas ele a tinha agarrado pelo pescoço, mesmo sem o emprego de armas, e a estrangulava
lentamente, ouvindo cessar a respiração na garganta e as batidas do coração. Ele ria, num desfrute
desvairado, aumentando cada vez mais a pressão sufocante, gritando num delírio de alegria:
— Olhe, Jean! Olhe!
Toda resistência do animal cessou. O corpo do lobo tornou-se flácido. Estava morto.
Então Françoise tomou-o nos braços, carregou-o e o depôs aos pés do morto, a repetir, com a
voz emocionada:
— Olhe, olhe, olhe, meu pequeno Jean! Ei-lo aqui!
Então colocou sobre a sela os cadáveres, um sobre o outro, e retomou o caminho.
E retornou ao castelo, rindo e chorando, como Gargântua no nascimento de Pantagruel[1],
dando gritos de triunfo e pulando de alegria ao narrar a morte do animal, e gemendo e arrancando as
barbas, ao narrar a do irmão.
E muitas vezes, mais tarde, quando se lembrava desse dia, proclamava, com lágrimas nos
olhos:
— Se pelo menos Jean tivesse me visto a estrangular o outro, tenho certeza que teria morrido
feliz.
A viúva de meu antepassado incutiu no seu filho órfão o horror pela caça, que se transmitiu de
pai para filho, até chegar a mim.
O Marquês d’Arville se calou. Alguém perguntou:
— Essa história é uma lenda, não?
O narrador respondeu:
— Eu lhes juro que é de todo verdadeira.
Então disse uma mulher, com uma vozinha suave:
— Dá no mesmo: é bom ter semelhantes paixões.
 
 
 
 
À DERIVA
Horacio Quiroga
 
O homem pisou algo esbranquiçado e, em seguida, sentiu a picadura no pé. Deu um salto e, ao
voltar-se com um palavrão, viu uma jararacuçu que, enrodilhada, preparava um novo bote.
O homem deu uma olhadela no pé, onde duas gotinhas de sangue se esforçavam em engrossar,
e sacou o facão da cintura. A serpente viu a ameaça e afundou ainda mais a cabeça no centro de sua
espiral; mas o facão caiu sobre ela, segregando-lhe as vértebras.
O homem abaixou-se à mordedura, limpou as gotinhas de sangue e, por um instante, examinou
a ferida. Uma dor aguda brotava dos pontinhos violáceos e começava a invadir todo o pé.
Apressadamente, atou com um lenço o tornozelo e seguiu pela picada até a fazenda.
A dor no pé aumentava com a sensação de um inchaço tenso, e, de repente, o homem sentiu
três fulgurantes pontadas que, como relâmpagos, irradiavam-se a partir da ferida e subiam até a
metade da panturrilha. Movia a perna com dificuldade. Uma secura metálica na garganta, seguida de
uma sede ardente, lhe arrancou um novo palavrão.
Finalmente chegou à fazenda e lançou os braços à roda de um moinho. Os dois pontinhos
violáceos agora desapareciam na monstruosa inchação de todo o pé. A pele parecia adelgaçada e a
ponto de ceder, de tão esticada que estava. Quis chamar a mulher, mas a voz rebentou num ronco
arrastado de garganta seca. A sede o devorava.
― Dorotea! ― consegui gritar num estertor. ― Dê-me cachaça!
A mulher correu-lhe com um copo cheio, que o homem sorveu em três tragos. Mas não havia
sentido gosto nenhum.
― Eu lhe pedi cachaça, não água! ― rugiu de novo. ― Dê-me cachaça!
― Mas é cachaça, Paulino! ― respondeu a mulher, espantada.
― Não! Você me trouxe água! Eu quero cachaça, já lhe disse!
A mulher correu outra vez, voltando com a moringa. O homem tragou, um após o outro, mais
dois copos. Contudo, nada sentiu na garganta.
― Bem, isto está horrível ― murmurou, olhando para o pé lívido, já tomado de um brilho
gangrenoso. Sobre a funda atadura do tornozelo, a carne desbordava como um grande chouriço.
As dores fulgurantes se sucediam em contínuos relâmpagos, e chegavam agora à virilha. A
atroz secura da garganta, que a respiração parecia afoguear ainda mais, aumentava a olhos vistos.
Quando tentou se erguer, um vômito fulminante o manteve meio minuto com a testa encostada à
moenda.
Mas o homem não queria morrer. Então, descendo à margem do rio, embarcou na canoa.
Sentando-se à popa, pôs-se a remar até o meio do Paraná. Ali, a corrente, nas imediações do Iguaçu,
percorre seis milhas e ela o levaria em menos de cinco horas a Tacurú-Pucú.
O homem, com um ímpeto sombrio, pôde mesmo chegar ao centro do rio; mas ali suas mãos
dormentes deixaram cair o remo na canoa e, depois de um novo vômito ― desta vez, de sangue ―,
elevou o olhar para o Sol, que já transpunha a mata.
Até a metade da coxa, toda a perna era um bloco disforme e duríssimo, que rebentava a roupa.
O homem cortou a atadura e abriu a calça com a faca: o baixo-ventre desbordou inchado,
terrivelmente doloroso, com grandes manchas lívidas. O homem estimou que não mais poderia
chegar sozinho a Tacurú-Pacú e decidiu pedir ajuda a seu compadre Alves, com quem estava
intrigado há muito tempo.
Agora, a corrente do rio precipitava-se até a banda brasileira, e o homem pôde atracar sem
dificuldades. Arrastou-se na picada margem acima, mas, a uns vinte metros, exausto, ficou estendido
de peito.
― Alves! ― gritou com as forças que pôde. E assuntou em vão.
― Compadre Alves! Não me negue este favor! ― gritou novamente, erguendo a cabeça. No
silêncio da floresta, não ouviu um ruído sequer. O homem teve ainda coragem para chegar à canoa, e
a corrente, arrebatando-a novo, velozmente levou-a à deriva.
Ali, o Paraná afunda num imenso cânion, cujas paredes, elevando-se uns cem metros,
represam funebremente o rio. A partir das margens orladas de negros blocos de basalto, ergue-se a
floresta, igualmente negra. Mais adiante, nos flancos e por detrás, erige-se a eterna muralha lúgubre,
em cujo fundo o rio, rodopiante, se precipita, em incessantes borbulhas de água lodosa. A paisagem é
agressiva e nela reina um silêncio de morte. Mas, ao entardecer, aquela beleza ― sombria e calma
― adquire uma singular majestade.
O Sol já havia caído quando o homem, meio estendido no fundo da canoa, experimentou um
violento calafrio. E, de repente, num sobressalto, aprumou pesadamente a cabeça; sentia-se melhor.
Somente lhe doía a perna, a sede diminuía e o seu peito, agora livre, se abria em lenta inspiração.
O veneno começava a esvair-se, não havia dúvida. Achava-se quase bem e, embora não
tivesse força para mover a mão, contava com a descida do orvalho para recompor-se de todo.
Calculou que antes de três horas estaria em Tacurú-Pucú.
O bem-estar avançava e, com ele, uma sonolência cheia de recordações. Já não sentia nada, na
perna ou no ventre. O seu compadre Gaona viveria ainda em Tacurú-Pacú? Será que veria também
Mr. Dougald, o seu ex-patrão, e o receptor de madeira do obraje[2]?
Chegaria logo? O céu, no poente, se abria agora num abajur de ouro, e o rio dourava, também.
A partir da costa paraguaia, já entenebrecida, a mata deixava cair sobre o rio a sua frescura
crepuscular, em penetrantes eflúvios de flores cítricas e mel silvestre. Um casal de araras sobrevoou
bem alto e silenciosamente até o Paraguai.
Lá em baixo, sobre o rio de ouro, a canoa derivava velozmente, girando ocasionalmente em
torno de si mesma, ante o borbotão de um redemoinho. O homem que seguia nela se sentia cada vez
melhor, enquanto pensava no exato tempo que havia passado sem ver o seu ex-patrão Dougald. Três
anos? Talvez não, não tanto. Dois anos e nove meses? Talvez. Oito meses e meio? Isto mesmo,
seguramente.
De repente, sentiu que estava gelado até o peito.
O que seria isso? E a respiração...
Havia conhecido o receptor de madeiras de Mr. Dougald, Lorenzo Cubilla, em Puerto
Esperanza numa Sexta-feira Santa... Sexta-feira?Sim, ou quinta? ...
O homem esticou lentamente os dedos da mão.
― Numa quinta-feira...
E parou de respirar.
O TRAVESSEIRO DE PENAS
Horacio Quiroga
 
Sua lua de mel foi um longo calafrio. Loura, angelical e tímida, o caráter duro de seu marido
gelou-lhe as sonhadas fantasias de noiva. Ela o queria muito. Todavia, às vezes, quando voltavam à
noite juntos pela rua, lançava, com um ligeiro estremecimento, um olhar furtivo à alta estatura de
Jordán, mudo há uma hora. Este, de sua feita, a amava profundamente, mas sem demonstrá-lo.
Durante três meses ― eles haviam-se casado em abril ― viveram uma felicidade especial.
Sem dúvida houvera ela desejado menor austeridade neste rígido céu de amor, e maior
ternura, inocente e expansiva; mas o impassível semblante do marido a tolhia sempre.
A casa em que viviam influía um pouco em seus estremecimentos. A brancura do pátio
silencioso ― frisos, colunas e estátuas de mármore ― produzia uma outonal impressão de palácio
encantado. Lá dentro, o brilho glacial do estuque, sem a mais leve ranhura nas altas paredes,
confirmava aquela sensação de frio desagradável. Ao cruzar de um cômodo ao outro, os passos
ecoavam por toda a casa, como se um grande abandono houvesse tornado mais perceptível a sua
ressonância.
Nesse estranho ninho de amor, Alicia passou todo o outono. Não obstante, havia terminado
por descer um véu sobre os seus antigos sonhos, e ainda vivia adormecida na casa hostil, sem querer
pensar em nada, até que chegasse o marido.
Não seria de estranhar que emagrecesse. Teve um ligeiro ataque de gripe que se arrastou
insidiosamente por dias e dias. Alicia não se restabelecia nunca. Ao fim de uma tarde, pôde sair ao
jardim, apoiada no braço dele. Olhava indiferente para um lado e para outro. De súbito, Jordán, com
profunda ternura, passou-lhe a mão pela cabeça, e Alicia, em seguida, rompeu em soluços, lançando-
lhe os braços ao pescoço. Chorou profundamente todo o seu horror reprimido, redobrando os prantos
à menor tentativa de carícia. Então, os soluços foram-se abrandando, mas ela ainda ficou um bom
tempo aninhada ao pescoço do marido, sem mover-se e sem dizer palavra.
Foi esta a última ocasião em que Alicia manteve-se de pé. No dia seguinte, acordou
esmorecida. O médico de Jordán examinou-a com grande atenção, ordenando-lhe calma e repouso
absolutos.
― Não sei ― disse-lhe, já à porta da casa, com a voz ainda baixa. ― Ela é presa de uma
grande debilidade, que não sei explicar, e sem vômitos, sem nada... Se amanhã ela acordar como
hoje, chame-me de imediato.
No dia seguinte, Alicia piorou. Veio o médico. Constatou-se uma anemia de agudíssima
evolução, completamente inexplicável. Alicia não teve mais desmaios, mas caminhava visivelmente
ao encontro da morte. Durante todo o dia, o quarto permanecia com as luzes acesas e em total
silêncio. Passavam-se horas sem se ouvir o menor ruído. Alicia dormitava. Jordán permanecia todo o
tempo na sala, também com todas as luzes acesas. Marchava sem cessar de um extremo ao outro, com
incansável obstinação. O tapete abafava os seus passos. Às vezes, entrava no quarto e prosseguia o
seu mudo vaivém ao longo da cama, olhando para a mulher cada vez que caminhava em sua direção.
Logo Alicia começou a ter alucinações, confusas e flutuantes a princípio, mas que desceram,
em seguida, ao rés do chão. A jovem, com os olhos desmesuradamente abertos, não fazia senão olhar
para o tapete, num e noutro lado do encosto da cama. Certa noite, ficou repentinamente com o olhar
esgazeado. Num certo momento, abriu a boca para gritar, e suas narinas e seus lábios se encharcaram
de suor.
― Jordán! Jordán! ― gritou, rígida de espanto, sem deixar de olhar para o tapete.
Jordán correu ao quarto e, ao ver chegar o marido, Alicia deu um grito de horror.
― Sou eu, Alicia! Sou eu!
Alicia o fitou com olhar enviesado. Olhou para o tapete e novamente para ele, e, depois de um
longo tempo de estupefata confrontação, acalmou-se. Sorriu e tomou entre as suas mãos as do marido,
acariciando-a, a tremer.
Havia, entre as suas alucinações mais obstinadas, a de um antropoide que, apoiado no tapete
sobre os dedos, mantinha os olhos fixos nela.
Os médicos voltaram, inutilmente. Havia ali, diante deles, uma vida que se extinguia,
dessangrando-se dia a dia, hora a hora, sem que eles soubessem absolutamente como. Na última
consulta, Alicia jazia em estupor, enquanto os médicos a pulseavam, passando de um para o outro o
punho inerte. Observaram-na, silenciosamente, por um longo tempo, e seguiram para a sala de jantar.
― Psit... ― encolheu os ombros, desalentado, o médico. ― É um caso sério... pouco há o que
fazer.
― Era só o que me faltava! ― respondeu Jordán. E tamborilou bruscamente sobre a mesa.
Alicia seguiu definhando-se em seu delírio de anemia, que ao cair da tarde se agravava, mas
que amainava sempre às primeiras horas da manhã. Durante o dia, a enfermidade não progredia. A
cada despertar, todavia, Alicia acordava lívida, quase em síncope. Parecia que unicamente de noite a
vida se lhe escapava em novas asas de sangue. Ao despertar, tinha sempre a sensação de esmagar-se
na cama com um milhão de quilos sobre si. A partir do terceiro dia, esta prostração não mais a
abandonou. Apenas podia mover a cabeça. Não queria que tocassem na cama, nem mesmo que lhe
ajeitassem o travesseiro. Seus terrores crepusculares evoluíram em forma de monstros que se
arrastavam até o leito e subiam dificultosamente pela colcha.
Depois, perdeu os sentidos. Nos dois dias finais delirou sem cessar, a meia voz. As luzes
continuavam funebremente acesas no quarto e na sala. E no silêncio agônico da casa não se ouvia
mais que o delírio monótono que vinha da cama, além do rumor abafado dos eternos passos de
Jordán.
Alicia morreu, finalmente. A empregada, que entrou depois para desfazer a cama, já vazia,
olhou por um instante, desconfiada, para o travesseiro.
― Senhor! ― chamou Jordán em voz baixa. ― No travesseiro há manchas que parecem de
sangue.
Jordán aproximou-se rapidamente, abaixando-se. De fato, sobre a fronha, de ambos os lados
da concavidade deixada pela cabeça de Alicia, viam-se pequenas manchas escuras.
― Parecem picadas ― murmurou a empregada, depois de um momento de imóvel observação.
― Levante-o para a luz ― disse-lhe Jordán.
A empregada ergueu o travesseiro, mas logo o deixou cair, e ficou a mirá-lo, pálida, a tremer.
Sem saber por quê, Jordán sentiu que os cabelos se eriçavam.
― O que foi? ― murmurou com a voz rouca.
― É muito pesado ― falou a empregada, sem deixar de tremer.
Jordán o levantou. Pesava extraordinariamente. Levaram-no, e, sobre a mesa da sala de jantar,
Jordán, com um talho, cortou a fronha e a capa. As penas superiores voaram, e a empregada deu um
grito de horror, com a boca escancarada, levando as mãos crispadas à cabeça. No fundo, entre as
penas, movendo lentamente as patas peludas, jazia um animal monstruoso, uma bola vivente e
viscosa. Estava tão inchado que somente a boca se lhe sobressaía.
Noite após noite, desde que Alicia adoecera, ele tinha aplicado secretamente a sua boca ―
ou, melhor dizendo, a sua tromba ― às têmporas da doente, sugando-lhe o sangue. A mordedura era
quase imperceptível. A remoção diária do travesseiro sem dúvida impedira o seu desenvolvimento,
mas, desde que a jovem não mais conseguiu mover-se, a sucção tornou-se vertiginosa. Em cinco dias
e cinco noites, tinha esvaziado Alicia.
Esses parasitas das aves, pequenos em seu meio habitual, chegam a adquirir, em certas
condições, proporções enormes. O sangue humano parece ser-lhes particularmente favorável, e não é
raro encontrá-los nos travesseiros de penas.
 
 
A ALUCINAÇÃO DE STALEY FLEMING
Ambrose Bierce
 
Dos dois homens que conversavam, um era médico.
― Eu lhe pedi que viesse, doutor ― disse o outro ―, embora não creia que o senhor possa
me ajudar. Talvez possa recomendar-me um psiquiatra. Imagino que esteja um tanto maluco.
― Mas você me parece muito bem ― respondeu o médico.
― Julgue por si próprio: tenho alucinações. Todas as noites acordoe vejo, no quarto,
olhando-me fixamente, um enorme cão terra-nova com uma parta dianteira branca.
― Você diz que acorda. Contudo, tem certeza disso? Às vezes, as alucinações residem apenas
nos sonhos.
― Eu fico bem acordado. Às vezes, fico parado por muito tempo, contemplando o cão, e ele a
mim, fixamente... Sempre deixo a luz acesa. Quando não o suporto mais, sento-me na cama... E não há
nada no quarto!
― Hum... Qual a expressão do animal?
― Ela me parece bem sinistra. Sei, evidentemente que, salvo na arte, o rosto de um animal em
repouso tem sempre a mesma expressão. Mas este não é um animal real. Como o senhor sabe, os cães
terra-nova têm sempre um olhar muito doce. Qual o problema deste?
― Realmente, meu diagnóstico não teria valor algum: não vou tratar do cão.
O médico riu de sua própria brincadeira, mas não deixou e observar o paciente pelo canto do
olho. Então disse:
― Fleming, a descrição que você deu ao animal corresponde ao cão do falecido Atwell
Barton.
Fleming quase se ergueu da cadeira, mas voltou a sentar-se, esforçando-se por mostrar-se
indiferente.
― Lembro-me de Barton ― disse. ― Acredito que era... Disseram que... Não houve algo de
suspeito em sua morte?
Olhando agora diretamente nos olhos de seu paciente, o médico respondeu:
 
― Há três anos, o corpo de Atwel Barton, seu velho inimigo, foi encontrado num bosque,
próximo de onde ele morava, e, também, de sua casa. Foi esfaqueado até a morte. Não houve prisões,
já que nenhuma pista foi encontrada. Alguns tinham as suas “teorias”. Eu tenho a minha. E você?
― Eu? Pela sua bendita alma, o que eu poderia saber a respeito!? Você deve se lembrar que
viajei à Europa quase que imediatamente após o incidente, retornando depois de um tempo
considerável. Não é crível que, nas escassas semanas que decorreram desde o meu regresso, eu tenha
elaborado alguma “teoria”. Na verdade, eu sequer havia pensado no assunto. Mas, e quanto ao cão?
― Foi quem encontrou o corpo. Morreu de fome sobre o túmulo do dono.
Desconhecemos a inexorável lei subjacente às coincidências. Se Staley Fleming a conhecesse,
não teria, num salto, se erguido, quando o vento noturno propagou, a partir das janelas abertas, o
longo e lastimoso uivo de um cão distante. Várias vezes Fleming atravessou a sala, sob o fixo olhar
do médico, até que, detendo-se abruptamente, quase lhe gritou:
― O que isto tem a ver com o meu problema, doutor Halderman? O senhor está esquecendo o
motivo pelo qual eu o chamei.
O médico se levantou, pôs a mão sobre o braço do paciente e lhe disse, com amabilidade:
―Perdoe-me. Assim, de improviso, não posso diagnosticar o seu transtorno. Talvez amanhã.
Faça-me o favor de deitar-se, deixando a porta aberta. Passarei a noite aqui, com os seus livros.
Poderá me chamar sem precisar levantar-se da cama?
― Sim, tenho uma campainha elétrica.
― Certo. Se algo incomodá-lo, pressione o botão, mas sem se levantar. Boa noite.
Confortavelmente sentado numa poltrona, o médico olhava os carvões incandescentes da
lareira, meditando longa e profundamente. Mas o fazia, ao menos na aparência, sem algum propósito,
porquanto, com frequência, erguia-se para abrir a porta que dava para a escada. Ali, escutava
atentamente. Depois, voltava a sentar-se. Terminou por adormecer e, ao acordar, já passava da meia-
noite. Atiçou o fogo, pegou um livro da mesa ao seu lado e leu o título. Eram as “Meditações de
Denneker”. Abriu o livro ao acaso e começou a ler:
 
“Assim como foi ordenado por Deus que toda carne tenha espírito e adote, portanto, as
faculdades espirituais, também o espírito conserva os poderes da carne, ainda que abandone o
corpo e viva como algo independente: isto é confirmado por vários casos de violências
perpetradas por fantasmas e espíritos dos mortos. Há quem diga esta propriedade não é exclusiva
do ser humano, porque também os animais têm a mesma indução maligna, e...”
 
A leitura foi interrompida por uma perturbação na casa, como se um objeto pesado houvesse
tombado. O leitor deixou cair o livro e saiu correndo pela sala. Subiu celeremente as escadas que
levavam ao quarto de Fleming. Tentou abrir a porta, mas esta, em contrariedade às suas instruções,
estava fechada. Empurrou com o ombro, imprimindo uma força tal que a porta cedeu. No chão, junto
à cama desarrumada, vestido com seu pijama, jazia Fleming, agonizante.
O médico ergueu do chão a cabeça do moribundo e observou-lhe um ferimento na garganta.
― Eu devia ter pensado nisso ― disse ele, acreditando que Fleming intentara o suicídio.
Quando o homem morreu, um exame revelou uma inconfundível marca de dentes de animal,
profundamente mergulhada na veia jugular.
 Mas nenhum animal havia ali.
 
 
 
 
CRÉDITOS
 
CONTOS DE TERROR ANIMAL VOL. II.
 
Edgar Allan Pöe (1809-1849)
Guy de Maupassant (1850-1893)
Horacio Quiroga (1878-1937)
Ambrose Bierce (1842 -1913?)
 
Textos originais de domínio público.
Série Clássicos do Horror nº 2.
Tradução: Paulo Soriano, exceto a do conto O gato preto, atribuída a S. de M. Conto originalmente publicado, sem indicação do
tradutor, no Diário do Maranhão, entre 1º e 5 de maio de 1890. Recuperação, atualização ortográfica e adaptação textual: Paulo Soriano.
© da tradução dos contos O lobo, O travesseiro de penas, À deriva e A alucinação de Staley Fleming: Paulo Soriano, 2015.
© da adaptação da tradução do conto O gato preto: Paulo Soriano.
Edições TRIUMVIRATUS, MMXV.
edicoestriumviratus@gmail.com
 
 
O objetivo das Edições Triumviratus é levar ao leitor de língua portuguesa obras de clássicos da literatura, sobretudo fantástica, escritas por grandes mestres da
Literatura Universal. Muitos de nossos livros eletrônicos contêm obras raras de grandes autores. As traduções são originais e exclusivas ou de domínio público.
A Série Clássicos do Terror apresenta, a cada edição, uma antologia de contos de consagrados autores do gênero, abrangendo determinado tema terrífico.
TÍTULOS E COLEÇÕES
 
 
SÉRIE MESTRES DA LITERATURA DE TERROR, HORROR E FANTASIA
 
1. A AVENTURA DO ESTUDANTE ALEMÃO – Washington Irving.
2. CONFISSÃO ENCONTRADA NUMA PRISÃO NA ÉPOCA DE CARLOS II – Charles Dickens.
3. EL VERDUGO – Honoré de Balzac.
4. O INIMIGO seguido de UMA NOITE TERRÍVEL – Anton Tchekhov
5. A CABEÇA DECEPADA E OUTROS CONTOS DE TERROR – Alexandre Dumas.
A cabeça decepada, A persistência da vida após a guilhotina, O bracelete de cabelos cadavéricos.
6. O COLAR DE DIAMANTES E OUTROS CONTOS CRUÉIS – Guy de Maupassant.
O colar de diamantes, O horrível, A mão misteriosa.
7. OS FANTASMAS DE BÉJAR – Alexandre Dumas.
8. O MONSTRO DE JERUSALÉM – José Freire Monterroio Mascarenhas.
 
SÉRIE CLÁSSICOS DO HORROR
 
1. CONTOS DE TERROR ANIMAL – H. P. Lovecraft, Victor Hugo, Horacio Quiroga e Guy de Maupassant.
Os gatos de Ulthar (H. P. Lovecraft), A torre das ratazanas (Victor Hugo), O mel silvestre (Horacio Quiroga), Uma vendeta (Guy
de Maupassant).
2. CONTOS DE TERROR ANIMAL VOL. II – Edgar Allan Pöe, Guy de Maupassant, Horacio Quiroga e Ambrose Bierce.
O gato preto (Edgar Allan Pöe), O lobo (Guy de Maupassant), À deriva (Horacio Quiroga), O travesseiro de penas (Horácio
Quiroga), A alucinação de Staley Fleming (Ambrose Bierce).
3. CONTOS DE TERROR TUMULAR – Guy de Maupassant, Ambrose Bierce, Marcel Schwob e Emília Pardo Bazán.
A morta (Guy de Maupassant), O habitante de Carcosa (Ambrose Bierce), A Tumba (Guy de Maupassant), Lilith (Marcel Schwob), A
ressuscitada (Emilia Pardo Bazán).
4. CONTOS CRUÉIS DE TERROR – Edgar Allan Pöe, W. W. Jacobs e Horacio Quiroga.
O Coração delator (Edgar Allan Pöe), A mão do macaco (W. W. Jacobs), A galinha degolada (Horacio Quiroga).
5. HISTÓRIAS DE TERROR DA ANTIGUIDADE CLÁSSICA – Plínio o Jovem, Petrônio e Plutarco
A casa mal-assombrada (Plínio o Jovem), O lobisomem (Petrônio), As vampiras (Petrônio), A matrona de Éfeso (Petrônio), O
fantasma de Dámon (Plutarco), O espírito de Cleonice (Petrônio).
6. CONTOS DE TERROR, CADAFALSO E GUILHOTINA – Alexandre Dumas, Honoré de Balzac, Washington Irving, Villiers de
L’Isle Adam, EmiliaPardo Bazán e Françoise Guizot.
A aventura do Estudante Alemão (Washington Irving), A persistência da vida após a guilhotina (Alexandre Dumas), O segredo do
patíbulo (Villiers de L’Isle Adam), Idílio (Emília Pardo Bazán), El Verdugo (Honoré de Balzac), A execução de Carlos I da
Inglaterra (Françoise Guizot).
 
SÉRIE MESTRES DA LITERATURA UNIVERSAL
1. GABRIEL LAMBERT(Romance) – Alexandre Dumas.
 
[1] Personagens de Rebelais no romance Les horribles et épouvantables faits et prouesses du très renommé Pantagruel Roi des
Dipsodes, fils du Grand Géant Gargantua ("Os horríveis e apavorantes feitos e proezas do mui renomado Pantagruel, rei dos
dipsodos, filho do grande gigante Gargântua"). A mãe de Pentagruel, filho de Gargântua, faleceu ao dar à luz ao filho.
 
[2] Estabelecimento de exploração florestal.
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