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© Copyright 1991 Joel Birman DUMARA DISTRIBUIDORA DE PUBLICAÇÕES LTDA. Av. N. S. de Copacabana, 435 - s/207 22020 - Rio de Janeiro - RJ Tel: (021) 257-5391 Coordenação Editorial: Alberto Schprejer CIP-Brasil. Catalogação-na-fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros Birman, Joel, 1946- B521f Freud e a interpretação psicanalTtica / Joel Bi£ man. — Rio de Janeiro : Rei ume-Duna rã, 1991. (A constituição da psicanãlise ; 2) Relacionada com: Freud e a experiência psicana- Htíca. — Rio de Janeiro : Taurus-Timbre, 1989. Bibliografia. ISBN 85-85427-02-7 1. Freud, Signund, 1856-1939. 2. Psicanãlise. I. Título. II. Série. CDD - 150.1952 91-0800 CDU - 159.964.2 Copidesque: César de Queiroz Benjamin Composição e Arte: Lilian Mota/Traço Gráfico Fotolitos: Projeta Estúdio Gráfico Ltda. Capa: Victor Burton A reprodução não autorizada desta publicação, por qualquer meio, seja ela total ou parcial, constitui violação da lei 5.988. * SUMÁRIO Para Salinas, Patrícia, Renata, Daniela e Pedro "... Se um médico perde o senso da medida, então está fracassado como médico. Saúde é o que se deve ter; e saúde é medida; de modo que, quando um homem nos entra no consultório e diz que é Cristo (uma ilusão comum) e que tem uma mensagem, como a maioria deles, e ameaça, como geralmente fazem, com o suicídio, tem-se de invocar a medida... Medida, divina medida...” Virgínia Woolf, Mrs. Dolloway. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1980, p. 97. Agradecimentos Este ensaio corresponde às duas partes finais de minha tese de doutoramento em filosofia, que foi defendida em julho de 1984 na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo e se intitula “Pensamento freudiano e a constituição do saber psicanalítico”. A primeira e a segunda partes desta tese foram publicadas sob a forma de livro em 1989 (J. Birman, Freud e a experiência psicanalítica. A constituição da psicanálise I. Rio de Janeiro, Taurus-Timbre, 1989). Agradeço às pessoas que, de diferentes maneiras, possibilitaram a realiz ção deste trabalho: O professor Luís Roberto Salinas Fortes, que me acolheu gentilmente no curso de doutorado em filosofia e me acompanhou neste percurso. A professora Marilena Chauí e o professor Paulo Arantes, pelas sugestões estimulantes para esta investigação, no exame de qualificação. Os componentes da banca examinadora, pelas críticas e sugestões: a professora Marilena Chauí e os professores Bento Prado, Renato Mezan e Paulo Arantes. Patrícia Birman, com quem compartilhei todos os momentos da feitura deste trabalho e os melhores momentos da minha vida. Carlos Augusto Nicéas, interlocutor amigo em vários momentos desta pesquisa. Nylde Macedo Ribeiro, presença carinhosa nos meus momentos de esperança e de horror. Renata, Daniela e Pedro, por terem suportado amorosamente as minhas ausências quando da elaboração deste trabalho. Fátima Pequeno, pela paciência carinhosa no deciframento dos meus garranchos e a impecável datilografia dos manuscritos. Para esta publicação, mantivemos o texto original da tese —evidentemente, todo revisado e corrigido —, com inclusão apenas da introdução^ que escrevemos para este livro. Nota introdutória sobre as edições da obra de S. Freud Nesta pesquisa foram consultadas inicialmente quatro edições das obras psicológicas de Freud: a inglesa, a francesa, a brasileira e a espanhola. A isso fomos levados pelo desconhecimento do alemão e a consequente impossibilidade de utilizarmos os textos feudianos em sua versão original. Porém, ao longo deste trabalho, utilizamos apenas as obras completas em inglês e algumas publicações em francês. Descartei as edições em português e em espanhol por diversas razões: 1. A edição espanhola,1,2 que se difundiu jio Brasil durante longo período e foi muito utilizada até o fim da década de 1960, é de péssima qualidade e não apresenta parâmetros mínimos de confiabilidade. Apesar do mérito de ter sido traduzida diretamente do alemão, apresenta nítidos e grosseiros erros de tradução. Além disso — mais grave ainda —, o seu texto contém grande número de rasuras, sendo interrompido em diversos pontos e deixando longos espaços vazios. 2. A edição brasileira,3 publicada a partir do fim da década de 1960 e ao longo da de 1970, é uma tradução da edição inglesa. Também apresenta erros grosseiros de tradução, invertendo frequentemente o sentido dos enunciados em inglês e modificando inteiramente o significado do texto. Além disso, é uma obra carente de boa coordenação editorial. Os seus vários volumes foram traduzidos por diferentes pessoas, que não receberam razoável uniformização de termos e conceitos. Enfim, essa edição não apresenta a devida homogeneidade terminológica das diversas noções do pensamento freudiano, o que compromete sua confiabilidade. Por isso, as referências que aparecem ao longo desta investigação dizem respeito apenas às edições inglesa e francesa, por serem as únicas com parâmetros seguros de confiabilidade. Conferimos uma relativa principalidade à edição inglesa,4 considerando os seguintes pontos: > 1. Ela é completa no que se refere aos trabalhos “psicológicos” de Freud, como indica o seu título. Alguns dos textos freudianos do chamado período neurológico estão publicados em inglês, mas não foram incluídos nessas suas obras “psicológicas” completas. Apesar das críticas que essa tradução possa merecer a partir de uma perspectiva epistemológica — como a de Bettelheim5 —, é, até aqui, a única edição que inclui todos os textos psicanalíticos de Freud. Além disso, apresenta um cuidado de uniformização terminológica que merece ser destacado. 2. A edição francesa é incompleta. Em função da longa oposição da cultura francesa à introdução da psicanálise, a tradução de Freud para o francês foi tardia e lenta. Ainda não há uma edição completa de suas obras psicanalíticas em francês, apesar de terem sido traduzidas as suas obras fundamentais. Após a renovação da psicanálise francesa, com o pensamento de Jacques Lacan e o seu projeto de “retomo a Freud”, as traduções de Freud para o francês se incrementaram, com revisão de traduções anteriores e realização de novas, da mais alta qualidade. Face à incompletude da edição francesa, a edição inglesa se impôs como fonte básica para esta investigação. As obras que compõem a tradução francesa serão citadas na bibliografia geral que se encontra no final deste trabalho, na medida em que foram utilizadas. Preferimos, no entanto, a referência inglesa, para manter certa unidade das fontes básicas da pesquisa. Não obstante isso, ao longo de nossa exposição daremos preferência ao uso das edições francesas recentes, face à edição inglesa. São traduções excelentes, realizadas com o empenho de constituir uma uniformidade terminológica, que se origina de uma preocupação com a precisão e o rigor epistemológico do pensamento freudiano. Assim, no que se refere às traduções realizadas, revistas e coordenadas por J. Laplanche e J. B. Pontalis, daremos preferência à edição francesa, pelo seu nível superior de qualidade.6 Afora estas considerações, utilizaremos da edição francesa os textos de Freud que se referem ao seu diálogo com Fliess, porque na edição inglesa eles estão incompletos. Assim, para manter a homogeneidade da referência a estes textos, utilizaremos este material na edição francesa, que inclui: a correspondência de Freud com Fliess, diversos manuscritos de Freud e o Projeto de uma psicologia científica, de 1895.7 Finalmente, quanto à uniformidade terminológica, problema que suscita importantes discussões teóricas, usaremos como referência fundamental o Vocabulário de psicanálise* de J. Laplanche e J. B. Pontalis, para fixar a orientação desta obra como a mais adequada, considerando o trabalho de precisão epistemológica que orienta sua leitura dos conceitos psicanalíticos. 1. S. Freud, Obras completas. Volumes I e II. Madrid, Editorial Biblioteca Nueva, 1948. Traduçío de Luis Lopez-Ballesteros y de Torres. 2. S. Freud,Obras completas. Volume III. Madrid, Editorial Biblioteca Nueva, 1968. Tradução de Ramon Rey Ardid. 3. S. Freud, Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Vinte e quatro volumes. Rio de Janeiro, Imago, 1969-1980. 4. S. Freud, The Standard Edition of the complete psychological works of Sigmund Freud. Vinte e quatro volumes. Londres, Hogarth Press, 1978. 5. B. Bettelheim, Freud and man’s soul. Nova York, Alfred A. Knopf, 1983. 6. Trata-se das seguintes obras de S. Freud: La vie sexuelle. Paris, Presses Universitaires de France, 1973; Névrose, psychose et perversion. Paris, Presses Univcrsitaires de France, 1973; Métapsychologie. Paris, Gallimard, 1968; Essais de psychanalyse. Paris, Payot, 1981; Inhibition, symptome et angoisse. Paris, Presses Universitaires de France, 1972. 7. S. Freud, La naissance de la psychanalyse. Paris, Presses Universitaires de France, 1973. 8. J. Laplanche e J. B. Pontalis, Vocabulaire de la psychanalyse. Paris, Presses Universitaires de France, 1973, quarta edição. Introdução I A interpretação psicanalítica é a problemática que pretendemos desenvolver neste livro. Não queremos apresentar aqui o conceito de interpretação, tal como apareceu ao longo da história da psicanálise, mas apenas estudar este conceito no discurso freudiano. Estes limites teórico e histórico se justificam por uma série de razões. Antes de mais nada, eles remetem a uma questão da ordem do rigor, pois o alargamento excessivo do campo histórico e a multiplicação dos discursos em exame podem transformar a pesquisa num campo conceitualmente inconsistente e com contornos imprecisos. Além disso, esse limite teórico ao discurso freudiano se deve ao reconhecimento de que, no período pós- freu-diano, se constituíram diferentes concepções de interpretação, que nem sempre se coadunam com o conceito freudiano e até mesmo, freqüentemente, se opõem a ele. Apesar da existência de pontos de superposição — evidentemente diferentes, de acordo com a tendência considerada —, as concepções de interpretação defendidas pelas tendências da psicanálise contemporânea têm muito pouco em comum com o conceito freudiano. Esta diversidade se funda em diferentes concepções do ato de psicanalisar, forjadas pelas diversas vertentes do pensamento psicanalítico pós-freudiano. São diferenças tão marcantes que as diversas tendências do discurso psicanalítico parecem originar-se historicamente de fontes teóricas diferenciadas. Com efeito, que existe em comum entre as concepções psicanalíticas de M. Klein, Winnicott, Lowenstein e Lacan? Muito pouco. Portanto, é preciso que comecemos por reconheder a existência de uma verdadeira Babel na psicanálise. Restaurar o significado primordial da concepção freudiana da interpretação, destacando as suas transformações e inflexões cruciais ao longo do percurso freudiano, é uma maneira de intervir nas coordenadas constitutivas, nas linhas de força, desta Babel psicanalítica. Nela, podemos registrar a existência de linhas isoladas de leitura do conceito de interpretação, que se inserem num conjunto sistemático no discurso freudiano. É a ruptura deste sistema teórico que se destaca nessa diversidade de concepções da interpretação e dos modelos do ato de psicanalisar. Esta segmentação teórica do discurso freudiano tem uma série de razões epistemológicas que se inscrevem na história da psicanálise. No primeiro plano dessa questão, se inserem os efeitos políticos da transformação do movimento psicanalítico em instituição psicanalítica e as modalidades diferenciadas de incorporação social do discurso freudiano em tradições culturais diversas. Não pretendemos retomar aqui esta problemática,1 mas apenas sublinhar que todas as tendências da psicanálise se consideram freudianas e encontram na palavra oracular do discurso freudiano a sua genealogia simbólica. Desta maneira, se estabelece uma efetiva luta de prestígio entre as diferentes tendências da psicanálise contemporânea, para definir de quem é o lugar simbólico de herdeiro legítimo da obra freudiana e quem é o interlocutor autorizado desse lugar transferenciai absoluto, representado pela palavra sagrada do fundador da psicanálise. Pretendendo superar essas querelas institucionais, a finalidade deste estudo é estabelecer as condições de possibilidade para a constituição do discurso freudiano como um saber da interpretação, no qual se enuncia ao mesmo tempo uma concepção de sujeito que funda este campo de interpretação. No discurso freudiano, não existe sujeito sem que se considere simultaneamente a existência da interpretação, pois neste discurso o sujeito é, de fato e de direito, um intérprete. Para que se demonstre esta proposição é preciso destacar como, em psicanálise, o sujeito se funda em pressupostos histórico e simbólico, de maneira que as categorias de arqueologia do sujeito e de genealogia do sujeito possam se apresentar como legítimas para a leitura da obra freudiana. Além disso, no discurso freudiano, as concepções de sujeito do inconsciente e de um saber da interpretação indicam também os seus limites teóricos e os seus impasses, pois, com o desdobramento teórico da obra freudiana, as im- possibilidades da interpretação se colocam progressivamente como uma problemática crucial da experiência psicanalítica. Esta viragem no discurso freudiano é fundamental, pois implicou uma releitura da metapsicologia para definir os impasses da interpretação na análise e os seus limites teóricos d« validade. Se esta ruptura teórica se apresentou pela constituição de novos conceitos teóricos na década de 1920,2 ela já se anunciava, contudo, desde os ensaios metapsicológicos de 1915.3 E preciso enfatizar que, nesse, contexto, o registro econômico da meta- psicologia freudiana se deslocou em relação aos registros tópicos e dinâmico,4 tomando-se teoricamente dominante na leitura metapsicológica do psiquismo. Nessa conjuntura discursiva, o conceito de pulsão (Trieb) passou a ser o conceito fundamental da teoria psicanalítica.3 Como destinos das pulsões se derivariam os conceitos de recalque e de inconsciente. Em seguida, pelas mesmas ordens da razão, o discurso freudiano forjou o conceito de pulsão de morte,6 indicando a existência de uma modalidade de pulsão situada absolutamente fora do registro simbólico, como uma negatividade radical. Estas transformações conceituais na metapsicologia freudiana revelam as remodelações que se processam simultaneamente no conceito de interpretação no discurso freudiano, indicando os seus limites e os seus impasses na experiência psicanalítica. Enunciar as condições de possibilidade do discurso freudiano como um saber da interpretação sobre o sujeito é formular, ao mesmo tempo, o campo teórico no qual se torna possível a sua incidência e a sua eficácia operacional na experiência psicanalítica. Além desses limites teóricos de validade, a prática da interpretação se transforma numa operação vazia e sem sentido, pois incide na ordem do impossível, já que só existe interpretação se existem efeitos simbólicos do sujeito do inconsciente. Evidentemente, é bastante sutil a fronteira simbólica entre os territórios do possível e do impossível, mas indica rigorosamente onde se funda o universo encantado pela palavra do sujeito e onde se inicia o silêncio absoluto dos enunciados. Este limite teórico de um saber da interpretação indica ao mesmo tempo a fonte inesgotável para o eterno recomeço do sujeito, no seu balbucio insistente face ao território sagrado do impossível. Portanto, é no contexto do silêncio da morte que a pulsão, como “força contínua” e “exigência de trabalho”,7 se impõe ao sujeito como um jorro inesgotável, como um excesso de pulsionalidade que demanda, em contrapartida, a sua exegese pelo trabalho da interpretação e da simbolização. II Primeiro, é preciso considerar o momento inaugural de constituição da psicanálise como saber, para apreender em estado nascente as coordenaâas teóricas que possibilitaram a produção de um saber da interpretação. Em seguida,é necessário sublinhar as transformações deste saber e do conceito de interpretação ao longo do percurso freudiano, pois o discurso da experiência psicanalítica colocava questões cruciais para o discurso metapsicológico, de maneira a exigir uma outra figuração teórica dos processos psíquicos, que pudesse sustentar de forma rigorosa o que se realizava no registro clínico da experiência analítica. ' Nesta perspectiva, o conceito de interpretação se transformou ao longo do discurso freudiano, não sendo absolutamente o mesmo nos seus primórdios e no apagar das luzes da obra freudiana. Nada seria mais ingênuo do que considerar imutável a concepção de interpretação no discurso freudiano. A leitura deste, mesmo superficial, não valida essa suposição. Podemos destacar, no registro do conceito de interpretação, o que Hyppolite enunciava como sendo o trabalho incessante de recomeço que se encontra presente na escritura freudiana: “Nada é mais atraente que a leitura das obras de Freud. Fica-se com o sentimento de uma descoberta perpétua, de um trabalho em profundiade que não cessa jamais de questionar seus próprios resultados, para abrir novas perspectivas." ’ Este trabalho perpétuo de transformação conceituai se regula por certas exigências fundamentais, que autorizam as rupturas teóricas realizadas no conceito de interpretação e nos demais conceitos freudianos. Estas exigências teóricas se fundam na prioridade que assume a experiência psicanalítica, centrada na intersubjetividade da transferência, para a constituição do saber psicanalítico. Sem esta fundamentação na experiência analítica, o saber psicanalítico perderia não apenas qualquer referência e eficácia operacional, mas também qualquer razão para a sua existência. O que implica enunciar que a metapsicologia freudiana deve receber uma leitura que considere as vicissitudes da experiência psicanalítica, sem a qual a metapsicologia perde as suas condições de possibilidade de constituição e de fundamentação. Assim, a metapsicologia não é nem um domínio teórico da psicologia, representada esta como Uma teoria geral da adaptação do organismo ao meio ambiente,9 nem uma metafísica do psiquismo, que pode enunciar pressupostos teóricos sobre a subjetividade sem se referenciar no seu espaço intersubjetivo de validade como experiência. Foi no campo desta experiência intersubjetiva que a metapsicologia se constituiu como um saber teórico que transcende o campo da consciência, como indica a existência do prefixo meta, já que, no contexto histórico da constituição da psicanálise, a psicologia se definia principalmente como um saber da consciência. A metapsicologia se define como uma concepção não consciencialista da psique. O inconsciente é enunciado como sendo um registro psíquico que se encontra além da consciência, indicando pois a existência, na psicanálise, de um sujeito estruturalmente dividido (Spaltung). Entretanto, esta descoberta freudiana só foi possível na medida em que o psiquismo foi pesquisado no campo da relação com o Outro, com a eliminação do método da introspecçâo em que se baseava a psicologia clásica.10 Assim, o psiquismo foi inscrito no contexto das relações com outros psiquismos, sendo pois concebido num quadro dialógico. Este deslocamento metodológico do contexto da pesquisa do psiquismo indica a dívida teórica que Freud contraiu com Charcot, Bernheim e Breuer. Portanto, o psiquismo foi deslocado do seu isolamento absoluto e do seu ensimesmamento radical — onde, como uma mônada, existia apenas como pensamento no registro da consciência — e inserido na relação com o Outro, pela ação e pela linguagem. Pela constituição desta experiência intersubjetiva fundada na fala, o psiquismo pode ser figurado como transcendendo o campo da consciência, indicando o registro inconsciente de sua existência pelos efeitos produzidos pela linguagem. Para estabelecer este procedimento metodológico e superar a psicologia da consciência, criando condições para a constituição da psicanálise, foi fundamental no percurso freudiano o estudo sobre as afasias.11 Nesse ensaio, propriamente denominado “estudo crítico”, Freud realizou a desconstrução sistemática da concepção localizacionista das afasias. Com isso, pôde criticar a concepção mecanicista do psiquismo, que, centrado nas funções cerebrais, seria uma espécie de epifenômeno do funcionamento nervoso. Desta maneira, Freud pôde conceber a existência de um circuito funcional da linguagem relativamente autônomo e independente da topografia anatômica do sistema nervoso. Na leitura crítica freudiana existiría a dominância do registro funcional sobre o registro tópico. Enuncia-se uma concepção em que a psique é fundada na linguagem. Na genealogia dos conceitos psicanalíticos, o aparelho psíquico foi formulado primordialmente como um aparelho de linguagem, o que permitiu não apenas criticar a concepção mecanicista do psiquismo, como também enunciar, no mesmo ano, que o tratamento psíquico se realizava pela linguagem.12 O tratamento pela linguagem teria efeitos sobre o corpo e sobre a psique, podendo pois ser eficaz no registro corporal e no registro psíquico. Apesar de partir da crítica à concepção mecanicista da psique, ao enunciar uma psique fundada na linguagem e como um aparelho de linguagem, Freud realiza no seu ponto de chegada uma crítica radical da psicologia da consciência. Se a psique é fundamentalmente um aparelho da linguagem, a consciência é uma das <£ia-lidades da psique e não toda a psique. Se a psique se funda como um aparelho da linguagem e a consciência é apenas um de seus domínios tópicos, o discurso freudiano pode realizar a crítica do método da introspecção, presente na psicologia clássica e na tradição consciencialista da psicologia, que se originou historicamente com Descartes.13 Por isso, foi possível criticar sistematicamente o dualismo entre os registros do corpo e do espírito, tal como fora estabelecido por esta tradição teórica. O discurso freudiano perfila a possibilidade de articulação entre o corpo e a psique, que era impossível na tradição cartesiana, dada a separação absoluta entre o corpo (res extensa) e o espírito (res cogitans). Um dos maiores efeitos teóricos da crítica freudiana à tradição consciencialista da psique foi colocar como objeto possível de pesquisa a problemática que enunciava como indagações cruciais o advento do registro do corpo a partir do registro do organismo e a emergência do sujeito no corpo. Mediante esta problemática se perguntava quais seriam as condições de possibilidade para transformar o organismo num corpo e para surgir um sujeito encarnado. Essa problemática do discurso freudiano possibilitou a constituição inaugural da psicanálise como um saber da interpretação e revelou a posteriori os seus impasses, caso a psicanálise permanecesse presa a estes limites epistemo-lógicos. A questão crucial do discurso freudiano foi a de como o sujeito se constitui, como um sujeito encarnado, pelo corpo e a partir do corpo. Em tomo desta indagação esse discurso pôde constituir os conceitos de corpo erógeno e de pulsão.14 Na medida em que constituía essa problemática teórica, o discurso freudiano pôde enunciar inicialmente a concepção de corpo representado e, depois, a de corpo fantasmático, isto é, registros da corporalidade marcados fundamentalmente pelo investimento do Outro e pelos símbolos ordenados pela linguagem. Da mesma forma, com o enunciado do conceito de pulsão, o discurso freudiano pôde formular a existência de outro registro entre o somático e o psíquico,13 mediação fundamental, capaz de dar conta da constituição do corpo e do sujeito. Nesta perspectiva, concordamos com a leitura do discurso freudiano empreendida por Hyppolite, crítico da longa tradição francesa de interpretação da psicanálise, que contrapõe no discurso freudiano a retórica cientifícista e a retórica hermenêutica. Esta oposição teórica aparece em Politzer, que contrapõe a inovação freudiana — representada, na cura psicanalítica, pela inter-subjetividadefundada na linguagem — e a retórica cientifícista da psicologia clássica, que existiria nos escritos metapsicológicos.16 Dalbiez retoma a mesma oposição teórica quando contrapõe radicalmente o “método” e a “doutrina” psicanalítica; o método interpretativo revelaria a inovação teórica do discurso freudiano, e a metapsicologia poderia ser descartada como não condizente com a metologia.17 Ricoeur retoma a mesma oposição teórica quando contrapõe as categorias de energética e de interpretação no discurso freudiano, para demonstrar que a psicanálise é um saber hermenêutico.11 Hyppolite critica essa oposição teórica entre o modelo positivista da metapsicologia freudiana e o modelo interpretativo da experiência psicanalítica, sublinhando que isso revela a pretensão teórica, do discurso freudiano em articular uma filosofia da natureza e uma filosofia do espírito.19 Destacando a existência dessas retóricas como indício de uma problemática teórica e não como um equívoco, a leitura de Hyppolite indica a importância de se pensar as questões do sujeito e da interpretação no discurso freudiano como fundadas no conceito de pulsão. Isso não implica reconhecer que o discurso freudiano tenha solucionado esta questão, mas define o campo teórico no qual a problemática pode ser retomada ha modernidade. Com isso, podemos delinear a nossa leitura do conceito de interpretação no discurso freudiano, indicando as coordenadas que possibilitaram a constituição da psicanálise como um saber da interpretação e os impasses posteriores que se colocaram para a redução do espaço psicanalítico como sendo apenas o campo da interpretação. Nesta perspectiva, podemos delinear a constituição e o desenvolvimento do discurso freudiano no tocante ao conceito de interpretação. Inicialmente o discurso freudiano acreditou na possibilidade de que a pulsão como força (Drang) pudesse ser inteiramente transformada em símbolo pelo trabalho da linguagem, constituindo o registro do inconsciente, de maneira que o sujeito do inconsciente como historicidade seria a resultante deste processo de transformação. Mas, no desenvolvimento da sua pesquisa, Freud foi destacando os impasses existentes nesse processo, o que não implica enunciar que o sujeito do inconsciente, como interpretação da pulsão pela linguagem e pelo Outro, não se produza desta maneira. O que o discurso freudiano passa a destacar agora são os impasses e as impossibilidades desse processo de transformação. A pulsão como força se inscreve na ordem simbólica mediante uma série de destinos,20 nos quais se transforma a energia originária da pulsão pela linguagem. Mas os impasses cruciais e os obstáculos para esta transposição começam a ser tematizados pelo discurso freudiano como uma questão fundamental da psicanálise, nos registros clínico e teórico. A formulação da existência de uma pulsão de morte, de uma modalidade de pulsão que não se inscreve diretamente no registro simbólico, é a revelação mais eloquente desse impasse. No percurso da pulsão, existiría um momento mítico em que ela seria pura negatividade e não se inseriria no campo das representações. Por isso mesmo, o discurso freudiano a representou pela figura do silêncio,21 para destacar a sua dimensão antidiscursiva, algo que não é imediatamente dialetizável pelo discurso e pelo Outro. Entretanto, a sua articulação com a pulsão de vida produziría efeitos na psique: a compulsão à repetição, a agressividade e a destrutividade. Esta série revela as ramificações da pulsão de morte, pelo trabalho de simbolização produzido pela pulsão de vida. Vale dizer, de negatividade radical a pulsão de morte se ordena como símbolo e como linguagem, passando a evidenciar os seus destinos no universo da representação. Em função desses problemas colocados na experiência psicanalítica e os seus desdobramentos no discurso metapsicológico, os impasses do trabalho de interpretação passaram a se colocar de forma progressivamente mais radical no percurso freudiano. De um saber triunfante sobre a interpretação, o discurso freudiano passou a se indagar sobre os impasses e as impossibilidades da interpretação. São as condições de possibilidade da interpretação que passam a se destacar na obra freudiana. Neste sentido é que se apresenta nos escritos freudianos a metáfora do “excesso” pulsional e se enuncia com mais vigor a dimensão quantitativa da pulsão. O encaminhamento do processo analítico e a sua resolução passam a ser representados por algo imponderável, isto é, pelos investimentos das forças que se opõem no conflito psíquico e suas imensidades.22 Assim se constituiu o conceito de construção em psicanálise,23 algo diferente do conceito de interpretação. O discurso freudiano passou também a figurar a existência de um pólo pulsional da psique,24 anteriormente inexistente,23 representado pela figura exuberante do id. Eis aí o percurso teórico deste livro. Nos deslocaremos por essas diferentes temáticas para indicar a constituição do discurso freudiano como um saber de interpretação, ao mesmo tempo que analisaremos seus impasses e impossibilidades, que, em contrapartida, permitem estabelecer com maior rigor as condições de possibilidade do campo do interpretável em psicanálise. 1. Sobre isso ver J. Birman, Freud e a experiência psicanalítica. Rio de Janeiro, Taurus-Tünbre, 1989. 2. Sobre isso ver S. Freud, "Au-delà du príncipe du plaisir” (1920). In S. Freud, Essais de psychanalyse. Paris, Payot, 1981; “Le moi et le ça” (1923). Idem. • 3. S. Freud, Métapsychologie (1915-1917). Paris, Gallimard, 1968. 4. Sobre isso ver S. Freud, "Uinconscient” (1915), capítulo 2. Idem. 5. S. Freud, “Pulsions et destins de pulsions” (1915). Idem. 6. S. Freud, “Au-delà du príncipe du plaisir”. In S. Freud, Essais de psychanalyse. Op. cit. 7. Sobre isso ver S. Freud, “Pulsions et destins des pulsions”. In S. Freud, Métapsychologie, p. 18. Op. cit. 8. J. Hyppolite, "Psychanalyse et philosophie” (1955). In J. Hyppolite, Figures de la pensée philosophique. Volume I. Paris, Presses Universitaires de France, 1971, p. 373-374. O grifo é nosso. 9. H. Hartmann, Psicologia do ego e o problema da adaptação. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1958. 10. Sobre isso ver G. Politzer, Critique des fondements de la psychologie, capítulos 1 e 2. Paris, Presses Universitaires de France, 1968. 11. S. Freud, On aphasia (1891). Nova York, International Universities Press, 1953. 12. S. Freud, Psychical (or mental) treatment (1891). In The Standard Edition of the complete psychological works of Sigmund Freud. Volume II. Londres, Hogarth Press, 1978. 13. R. Descartes, “Méditations. Objections et réponses” (1641). In Oeuvres et lettres de Descartes. Paris, Gallimard, 1949, p. 160-175. 14. S. Freud, Three essays on the theory of sexuality (1905), primeiro ensaio. In The Standard Edition of the complete psychological works of Sigmund Freud. Volume VII. Op. cit. 15. S. Freud, “Pulsions et destins des pulsions”. In S. Freud, Métapsychologie. Op cit. 16. G. Politzer, Critique des fondements de la psychologie. Op. cit. 17. R. Dalbiez, La méthode psychanalytique et la doctrinefreudienne. Dois volumes. Paris, Desclée de Brouwer, 1936. 18. P. Ricoeur, De Tinterprétation. Essais sur Freud. Paris, Seuil, 1966. 19. J. Hyppolite, “Psychanalyse et philosophie". In J. Hyppolite, Figures de la pensée philosophique. Volume I, p. 409-410. Op. cit. 20. S. Freud, “Pulsions et destins des pulsions”. In S. Freud. Métapsychologie. Op. cit. 21. S. Freud, “Le moi et le ça”. In S. Freud, Essais de Psychanalyse. Op. cit. 22. S. Freud, Analysis terminable and interminable (1937). In The Standard Edition of the complete psychological works of Sigmund Freud. Volume XXIII. Op. cit. 23. S. Freud, Constructions in analysis (1937). Idem. 24. S. Freud, “L’inconscient”. In S. Freud, Métapsychologie. Op. cit. 25. S. Freud, “Le moi et le ça”. Introdução, caps. 1 e 2. In Essais de Psychanalyse. Op. cit. Primeira parte Interpretação, deciframento e sentido “o que afirmássemos como sendosua essência não seria a sua verdade, mas somente o nosso saber sobre ela..." G. W. F. Hegel, A fenomenologia do espírito1 Loucura e verdade A psicanálise rompe com os campos da medicina e da psiquiatria ao conceder à loucura o estatuto de verdade, considerando-a como portadora de um sentido. Fica para trás o universo de subumanidade a que ela tinha sido relegada pela então recente tradição psiquiátrica, que a considerava basicamente resultante de uma anomalia na estrutura do corpo, sobre a qual a palavra não possuía qualquer poder revelador. Que, exatamente, significa essa proposição? Em que medida o discurso freudiano representa efetivamente uma subversão na história recente da medicina mental? Qual o alcance teórico dessa atribuição de sentido à experiência da loucura? Tentemos, em primeiro lugar, definir com maior rigor os contornos dessa problemática e destacar os tópicos fundamentais para a sua enunciação, percorrendo os textos em que aparecem indícios de que Freud atribuía sentido às experiências psicopatológicas, codificadas como enfermidades sem significação pelo discurso psiquiátrico. Psicanálise, verdade e loucura Em 1895, referindo-se a algumas formações de pensamento típicas da neurose obsessiva, experimentadas afetivamente como verdadeiras pelos pacientes mas caracterizadas como absurdas pelo discurso psiquiátrico — pois não correspondiam a qualquer verdade situada na realidade extra- subjetiva —, Freud afirmava peremptoriamente: “... uma análise psicológica escrupulosa destes casos mostra que o estado emotivo enquanto tal é sempre justificado...” 2 , Ou seja, mesmo se o discurso do paciente é aparentemente absurdo, seu sofrimento mostra de maneira insofismável que sua experiência é verdadeira. Nesses casos, o afeto, e não o discurso, revela imediatamente a verdade que o sujeito atribui a si mesmo. Verdade que deve ser remetida a outra dimensão psíquica da experiência, que ainda não pode ser enunciada pelo sujeito através da palavra. Esta última formulação — uma das construções metodológicas iniciais do discurso freudiano — pressupõe o reconhecimento de uma dimensão originária da questão: com seus tormentos, o sujeito está dizendo a verdade. Com efeito, apesar de apresentar-se de forma aparentemente absurda se o critério de verdade for a adequação do discurso a referenciais extra- subjetivos, o sentimento expressa uma relação originária do sujeito consigo mesmo e enuncia algo fundamental. Remetendo a verdade da subjetividade a outro contexto fundamental de referência, Freud indica que esta categoria não se sustenta apenas nos objetos e situações pertencentes à experiência social imediata do sujeito, circunscrita à atualidade histórica. A verdade que justifica os sofrimentos toma como referencial o sujeito, suporte de uma experiência que se desdobra numa história e se demarca num tempo que transcende o presente. Ou seja, a verdade em questão considera como referência básica o sujeito, e não os objetos reais, atuais, da experiência deste. Em 1909, no relato da experiência analítica de “O homem dos ratos”, Freud trata de uma situação similar. Colocado diante de uma estrutura obsessiva, ele volta a contrapor o discurso aparentemente absurdo do analisando ao sentimento deste — que acreditava ser um “criminoso real” —, atribuindo ao sofrimento do paciente o valor de indicar uma verdade subjetiva. Neste caso, ao contrário do anterior, Freud não apenas situa a questão. Constrói também um esquema interpretativo que assinala a teoria dessa experiência forjada em quinze anos de trabalho psicanalítico: “... quando existe uma mésalliance, eu começo, entre um afeto e seu conteúdo ideativo (neste caso, entre a intensidade do remorso e sua causa), um leigo diria que o afeto é muito grande para a causa — que ele é exagerado — e que consequentemente a dedução inferida deste remorso (a inferência de que o paciente é um criminoso) é falsa. Ao contrário, o médico (analista) diz: ‘Não. O afeto é justificado; o sentimento de culpa não é para ser criticado, mas ele pertence a um outro conteúdo que é desconhecido (inconsciente) e que precisa ser procurado. O conteúdo conhecido da idéia só se introduziu na sua posição atual por causa de uma falsa conexão. Nós não estamos habituados a sentir afetos injpnsos sem conteúdo ideativo. Portanto, se o conteúdo está faltando, nós apreendemos como substituto qualquer outro conteúdo, que é de alguma forma adequado, assim como nossa polícia, quando não consegue pegar o verdadeiro assassino, detém um outro em seu lugar. Além disso, a existência da falsa conexão é o único caminho para explicar a impotência dos processos lógicos para combater a idéia atormentadora...” 3 A construção metodológica a que nos referimos já se encontra realizada aqui. Ela pressupõe a veracidade da experiência que se revela pelo afeto e, dessa forma, confere outro contexto ao discurso aparentemente absurdo, destacando o sujeito, e não a realidade objetiva, como eixo da experiência. O afeto se refere a uma representação que está ausente do enunciado do discurso porque foi substituída por outra, fazendo com que o discurso se tornasse absurdo. Reconhece-se, portanto, a existência de uma realidade psíquica que transcende a consciência do sujeito e a determina, apresentando-se através de fragmentos que escapam ao controle desta. O sujeito passa a ser considerado como estruturalmente dividido (Spaltung). Sua verdade não se situa apenas no espaço da consciência que se refere a objetos extemos, mas também a objetos centrados na sua experiência interna. Quando se reconhece a existência de um sujeito descentrado em relação à consciência e ao mundo dos objetos extemos — devolvendo-se à psique toda a sua materialidade — a experiência da loucura volta a ter sentido. Considerando essa problemática, Freud formaliza um postulado fundamental para a teoria psicanalítica, ao aprofundar a existência de uma realidade psíquica que se contrapõe à realidade material, apresentando, em relação a esta, materialidade de pregnância idêntica, porém de ordem e de natureza diversas. Quando se considera um referencial centrado na realidade psíquica (e não na material), torna-se possível reconhecer um critério de verdade e um sentido na experiência da loucura. Freud não atribui dimensão apenas física à realidade material, pois reconhece que experiências de tipo sócio-cultural instituem padrões subjetivos de avaliação do que seja verdadeiro ou falso. Em relação a estas experiências, o discurso da loucura efetivamente se caracteriza como absurdo e falso, destituído de racionalidade. Mas se o referencial usado for a realidade psíquica, reencontra-se o sentido e outra ordem de razão se impõe. Isso significa que, na loucura, a problemática do sentido se insere num plano bastante específico da experiência do sujeito. O sentido considerado não se regula por uma concepção de verdade que seja o contraponto da idéia de erro, num registro regulado pela oposição verdadeiro/falso. Considerando a realidade psíquica como suporte e referencial de uma verdade singular da subjetividade, podemos postular que neste plano da experiência a verdade se coloca para o sujeito de maneira absoluta, como um é radical, e se constitui como tal numa temporalidade histórica, materializando-se nesta especificidade em que se enuncia. Da experiência analítica com o “homem dos ratos”, Freud destaca o sintoma da “onipotência dos pensamentos”, enunciado pelo próprio analisando.4 O alcance conceituai dessa formulação é logo ampliado e transformado, ganhando uma abrangência reveladora do processo originário do sistema inconsciente.5 Será que não aparece aí a caracterização absoluta desse é da verdade do sujeito, que não pode ser transformada apenas pela apresentação de provas que demonstrem sua inadequação à realidade extra- subjetiva? Nesta perspectiva, no contexto da realidade psíquica a verdade se inscreve num eixo regulado pela oposição serlnão ser. Alguma coisa é ou não é verdadeira, sem se superpor absolutamente à problemáticada verdade regulada pela oposição verdadeiro/falso. Face a esse deslocamento dinâmico de representações, Freud argumenta que de nada adianta usar argumentos lógicos para provar ao analisando a falsidade de sua proposição, baseando-se na adequação ou não da proposição a referenciais objetivos. Além de não conduzir o paciente a transformar sua convicção, essa tentativa não situa a questão no seu devido lugar. Para tal, é preciso reconstituir as condições subjetivas que conduziram o sujeito a substituir uma representação por outra, e isso exige que se percorra a cadeia associativa dessas substituições. Seria preciso, por exemplo, reconstituir o cenário do “crime” do “homem dos ratos”, para que se pudesse restituir o sentido originário dessa identificação do analisando com a figura do “criminoso”. Se nos deslocarmos da neurose obsessiva para a melancolia, reencontraremos comentários similares no texto freudiano. No caso da melancolia não estamos mais no campo das neuroses de transferência, mas no grupo das neuroses narcísicas, incluídas pela psiquiatria de então entre as grandes psicoses, ao lado da esquizofrenia. Para o discurso psiquiátrico, a melancolia é destituída de sentido em última instância. Por causa de um distúrbio orgânico, teria havido uma ruptura na trama significativa do percurso histórico da figura do melancólico, com quebra de sentido da sua experiência subjetiva. Porém, desdobrando a trilha teórica entreaberta pelo trabalho anterior de Abraham,6 Freud reencontra o sentido perdido dessa experiência e formula que, assim como ocorre no modelo do luto, essa situação subjetiva se sustenta numa dolorosa experiência de perda, isto é, de algo dotado de enorme valor para o sujeito.7 Nas duas situações, aparentemente diversas, uma experiência desse tipo remetería a uma dilaceração da auto-estima. * Se, numa primeira inflexão metodológica, o modelo normal do luto possibilita reencontrar o sentido dessa experiência da loucura, permitindo superar inicialmente, a oposição normal/patológico do discurso médico- psiquiátrico, num momento teórico posterior ambas as experiências são submetidas às mesmas coordenadas subjetivas, de forma a serem consideradas como variantes possíveis de um mesmo dinamismo estrutural, cujo traço marcante é a perda de um objeto interno investido de enorme valor libidinal. Com isso, o normal e o patológico se encontram identificados nos seus fundamentos, ultrapassando-se a oposição absoluta que o discurso psiquiátrico atribuía a esses universos. O melancólico se relaciona consigo mesmo na base de auto-acusações fulminantes, percebendo apenas as dimensões negativas de si mesmo, que remetem a uma abissal autodepreciação e a um esvaziamento mortífero da auto-estima. Porém, considerando seus feitos e comportamentos na vida cotidiana, as pessoas que com ele convivem não o reconhecem, objetivamente, nessa imagem negativa. Recoloca-se aqui a oposição entre, de um lado, a convicção subjetiva do paciente e, de outro, o que os demais consideram um discurso absurdo. O afeto que se contrapõe à apresentação objetiva do sujeito diz respeito, no entanto, a algo interno a ele. Por isso, não adianta usar argumentos realistas para convencer o paciente sobre o infundado de suas proposições, pois o registro do sentido não se reduz ao discurso do verdadeiro/falso: “Seria cientificamente, assim como terapeuticamente, infrutífero contradizer o doente que dirige tais queixas contra o seu ego. Ele deve ter, de alguma maneira, razão e descrever alguma coisa que é tal como lhe parece. Nós somos forçados a confirmar imediatamente e sem reservas algumas de suas alegações. Ele é efetivamente tão desprovido de interesse, tão incapaz de amor e de atividade como ele diz. Mas, como nós sabemos, isto vem secundariamente; é a consequência deste trabalho interior, desconhecido para nós, comparável ao luto, que consome seu ego...”8 Até este ponto do texto, Freud apenas retoma as proposições que destacamos anteriormente, mas a partir de agora ele avança formulações ainda mais inovadoras sobre a relação entre loucura e verdade, invertendo radicalmente a relação tradicional, estabelecida pelo discurso psiquiátrico: “Em algumas de suas outras queixas contra si, ele nos parece igualmente ter razão, e não faz senão apreender a verdade com mais acuidade que outras pessoas que não são melancólicas. Quando, na susf autocrítica exacerbada, ele se descreve como mesquiqho, egoísta, insincero, incapaz de independência, como um homem em que todos os esforços não tenderíam senão a ocultar as fraquezas de sua natureza, ele podería bem, segundo nossa opinião, ter se aproximado bastante do conhecimento de si, e a única questão que colocaríamos é de saber por que se deve começar por ficar doente para ler acesso a uma tal verdade. Pois não há dúvida que aquele que se descobre assim e que exprime diante dos outros uma tal apreciação sobre si — uma apreciação como aquela que o príncipe Hamlet mantém em reserva para si mesmo e para todos os outros — é doente, que ele diga precisamente a verdade ou que ele se mostre mais ou menos injusto consigo...” ’ Nesse momento do pensamento freudiano, a concepção de loucura se associa fundamentalmente à idéia de verdade do sujeito sobre si mesmo e à revelação ao outro dessa verdade descoberta. Sustentada no eixo subjetivo onde se realiza o processo de autoconhecimento, a loucura passa a ser concebida como um acidente que pode ocorrer ao sujeito, no processo de revelação da sua identidade. No seu autodesprezo, o sujeito pode estar sendo “mais ou menos injusto para consigo mesmo”. Mas isso não coloca em questão o postulado fundamental do discurso freudiano: existe a apreensão radical de uma verdade pelo sujeito. Desconhecida até esse momento, essa verdade é destacada com toda paixão e exibida publicamente sem qualquer reserva. O sujeito define, para os outros, os contornos de sua recente identificação e, nesse contexto, esquece uma série de outras verdades sobre sua própria identidade. Portanto, enlouquecer seria, para o sujeito, aceder a uma insuportável verdade sobre si mesmo, estabelecendo-se, para o sujeito, um conflito violento com a imagem forjada pelo ego, a respeito da sua identidade. Além disso, seria assumir plenamente essa verdade recém-resgatada como sendo a sua única verdade, apresentando-a ao outro sem qualquer rodeio, de forma nua e crua. Diante dessa veracidade subjetiva, toma-se secundário discutir se o sujeito está sendo “mais ou menos injusto” consigo mesmo. De nada adianta usar argumentos lógicos para corrigir o desvio no pensamento do paciente, confrontando a sua auto-avaliação com a representação dos outros sobre sua pessoa. A inadequação da verdade centrada na experiência psíquica dp sujeito à sua experiência socialmente compartilhada com os outros não se insere no registro dominado pela oposição verdade/erro, mas no registro do sentido, em que a verdade se enuncia radicalmente como um é absoluto, desligando-se, portanto, do quadro de referência que regula o mundo das inter-relações comportamentais: “Não é pois essencial se perguntar se o melancólico, na sua penosa autodepreciação, tem razão, na medida em que sua crítica coincide com o juízo dos outros. O que deve antes nos reter é que ele descreve corretamente a sua situação psicológica. Ele perdeu o respeito por si e deve ter para isto uma boa razão..." 10 Assim, não existiría na loucura uma perda absoluta da razão, como se podería pensar a partir de uma análise que, incapaz de penetrar no âmago desta experiência, considere apenas o juízo dos outros sobre o paciente e as características personalógicas que estes lhe atribuem. A auto-apreciação do paciente estaria sendo regulada por outra ordem de razão, cujo direito à existência é tão legítimo quanto o da primeira. Na experiência da loucura, a desrazão aparece quando pretendemos avaliar a razão do louco de acordo com um discurso que se baseia na oposição verdadeiro/falso, utilizado pela psiquiatria e pelos que compartilham o cenárioda existência social do sujeito. Nessa perspectiva, incorre-se num evidente propósito de normalização social quando se atribui a alguém a condição de doente mental, utilizando- se uma concepção de verdade sustentada no eixo definido pela oposição verdade/ erro. Neste caso, a experiência da loucura, identificada como sendo da ordem da doença mental, é definida pela ruptura com um sistema de regras que circunscreve a identidade social do indivíduo. E, no entanto, evidente que o discurso normalizador é o correlato, no plano social, do discurso do ego, isto é, das imagens unificantes do sujeito sobre a sua identidade social. Porém, se admitimos a existência de outros cenários na experiência psíquica do sujeito, propondo que esta tem uma história que lhe confere uma espessura, a razão da loucura reencontra o seu fundamento. Nesse contexto, o sentido da experiência da loucura está situado de maneira absoluta no plano do ser, impondo-se como uma verdade fundante do sujeito. Ela ultrapassa o registro do verdadeiro/falso e não se regula pelo código normalizador da identidade social. Se nos deslocarmos agora para a temática da esquizofrenia, ou da “para- frenia” como pretendia Freud, reencontraremos a mesma fundamentação teórica sobre a questão da verdade. Completamente desarticulado, estilhaçado em múltiplos fragmentos, sem unidade em tomo de um ego totalizante e dizendo coisas disparatadas a respeito das suas relações com q mundo, o paciente esquizofrênico também vive uma experiência dotada de sentido, sustentada por uma verdade histórica que precisa ser restaurada. Impossível de ser reconhecida e expressa na fala do sujeito, essa verdade aparece, no disctfrso delirante, deslocada de sua posição originária. Vejamos como Freud formula essa problemática no final de sua obra, sublinhando a presença de um “método” e de outra forma de racionalidade na experiência da loucura: “Esta concepção sobre os delírios não é, eu penso, inteiramente nova, mas enfatiza um ponto de vista que não se traz usualmente para o primeiro plano. A essência disto é que não há apenas método na loucura, como o poeta tinha já percebido, mas também um fragmento de verdade histórica; e é plausível supor que a crença compulsiva que é atribuída aos delírios retira precisamente sua força de fontes infantis desta espécie...” 11 Ao restaurar o sentido da experiência delirante, Freud não apenas rompe com o discurso psiquiátrico sobre a doença mental. Identifica-se também com o discurso poético, que sempre atribuiu significação ao processo de enlouque-cimento. Assim, cabe destacar enfaticamente o sentido da experiência esquizofrênica, e não medir de fora dela, baseando-se em características formais, a adequação/inadequação do discurso delirante a um código social de valores, definidos como normais pelo discurso psiquiátrico. A postura face à experiência psicótica se transforma, e isso influencia diretamente a maneira de conduzir o processo analítico. De nada adianta contradizer o discurso delirante com proposições lógicas e argumentos realistas, pois isto não irá transformar a convicção do paciente. É preciso possibilitar que o sujeito reencontre sua verdade histórica, restaurando assim a continuidade temporal de sua existência, que foi rompida de maneira radical: “Seria provavelmente útil fazer uma tentativa para estudar casos da desordem em questão, na base das hipóteses que foram aqui avançadas e também realizar seu tratamento nestas mesmas linhas. Seria abandonado o esforço vão de convencer o paciente do seu delírio e de sua, contradição com a realidade; e, ao contrário, o reconhecimento deste núcleo de verdade proporcionaria um fundamento comum sobre o qual o trabalho terapêutico poderia se desenvolver. Este trabalho consistiría em libertar um fragmento de verdade histórica de suas distorções e de suas ligações com os dias atuais, conduzindo-o para o ponto do passado ao qual ele pertence. A transposição do material de um passado esquecido para o presente, ou para uma expectativa de futuro, é uma ocorrência habitual nos neuróticos, não menos que nos psicóticos. Frequentemente, quando um neurótico é conduzido por um estado de ansiedade a esperar a ocorrência de algum evento terrível, ele está de fato meramente sob a influência de uma memória recalcada (que está procurando entrar na consciência, mas não pode tomar- se consciente). Alguma coisa que era naquele tempo aterrorizante realmente aconteceu. Eu acredito que ganharíamos uma grande parcela de efetivo conhecimento trabalhando desta forma com psicóticos, mesmo se não conduzir a nenhum sucesso terapêutico.'”12 Como se vê, Freud não vincula diretamente o trabalho fundamental de restauração da verdade histórica e o seu correlato (o restabelecimento da continuidade da temporalidade subjetiva) à produção imediata do efeito terapêutico. Ao agir assim, destaca o valor da restituição da verdade histórica e lhe confere uma prioridade evidente no plano metodológico. Ou seja, o método de investigação define o eixo fundamental que norteia o campo da clínica psicanalítica, e o método de cura fica subsumido a esta exigência fundamental. A admissão da veracidade do sintoma e a tentativa de apreendê-lo num contexto de referência que admita que ele está originalmente dizendo alguma coisa implicam que se reconheça a existência de uma ordem mais primordial. Nesta perspectiva, os delírios e as alucinações da psicose esquizofrênica, que formalizam a experiência da loucura na sua radicalidade, constituem uma narrativa da verdade do sujeito. Este narra a sua verdade à sua maneira, com os meios psíquicos de que dispõe. Reconhecer efetivamente essa situação é um pressuposto fundamental para admitir a existência dessa verdade histórica e poder aceder até ela. Isso implica não considerar os sofrimentos mortíferos como subprodutos de um corpo e de um cérebro naturalmente inferiorizados. O suporte da experiência da loucura é um sujfeito, e não um corpo de natureza involuída e uma mentalidade cujos valores básicos foram originariamente pervertidos, gerando uma subjetividade essencialmente defeituosa. Reconhecer sentido na experiência da loucura implica conferir, à palavra do louco, direito de existência e poder de manifestação. Não por acaso, todo o empreendimento psicanalítico será cenffado no ato de falar, no convite a poder dizer tudo e nos obstáculos encontrados pelo analisando no exercício dessa prática discursiva que toma a si próprio como temática. Enfim, se retiramos a loucura da ordem do corpo patológico e a instalamos na ordem do sentido, no plano da história da subjetividade, e se abrimos espaço para que esta possa falar, ela recupera o estatuto de verdade que foi silenciado pela recente tradição psiquiátrica. O saber psiquiátrico e a abolição do sujeito na experiência da loucura Assim, tendo enunciado a problemática da verdade na experiência da loucura em diversas estruturas psicopatológicas e destacado vários eixos teóricos que sustentam a sua postulação no discurso freudiano, podemos retomar nossas interrogações iniciais e delinear a ruptura fundamental que esta concepção introduziu face ao discurso da recente tradição psiquiátrica. Como se colocava, no discurso psiquiátrico de então, a relação entre a experiência da loucura e as temáticas da verdade e do saber? O que representou o deslocamento realizado pela “revolução psiquiátrica”, que passou a situar a problemática da loucura no contexto de uma teoria da enfermidade? Qual o significado desse deslocamento histórico da problemática da loucura para a da enfermidade mental, e que transformações houve na representação da natureza da loucura quando esta se inscreveu na recente ordem psiquiátrica? Qual a implicação, no plano intersubjetivo, dessa transformação havida na representação da natureza da loucura? Encaminhemos esquematicamente os eixos básicos que definem o espaço teórico no qual estas interrogações podem encontrar solução. Na medida em que a loucura passou a ser considerada como uma forma especial de enfermidade, o sujeitoperdeu o lugar de suporte fundamental dessa experiência. Nesse percurso, a loucura foi dessubjetivada. Apesar do discurso psiquiátrico tratá-la como um “excesso” de subjetividade que carece de um reconhecimento da “realidade”, de um “interno” que se volta contra o “externo”, esta subjetividade assim enunciada corresponde a uma abolição do sujeito, pois este supõe essencialmente, no discurso psiquiátrico, o reconhecimento do “real”.13 Portanto, o “excesso” subjetivo e passional da loucura correspondería a uma ausência efetiva de subjetividade, pois, se esta existisse mesmo, reconhecería a existência da “realidade”. Com essa subtração constituinte, o louco passa a ser marcado por uma minoridade essencial, que o caracteriza negativamente em diversos planos — complementares e necessariamente articulados entre si — de sua existência. Ele se apresenta marcado essencialmente por uma minoridade psicológica, social e ética, que produzirá como contrapartida fundamental a sua minoridade jurídica. A figura do louco terá um percurso bem delineado ao longo dos trajetos que atravessam o espaço social, com áreas de restrição absoluta e com interditos bem definidos, tanto no plano real quanto no simbólico. Sendo negatividade essencial, a loucura tem como contrapartida a mutilação de seu personagem social. Por isso, todos os traços de positividade atribuídos à loucura terão como efeito e finalidade constituir um corpo para esta negatividade originária, funcionando como um discurso que a legitime. Passamos assim a nos defrontar com formas diversas de transfiguração de uma figura alienada. Em última instância, elas remetem à retirada do lugar do sujeito na experiência da loucura. Esta subtração, que seria a sua alienação fundamental, vai ser inversamente codificada pelo discurso psiquiátrico como sendo da ordem de uma alienação mental. Portanto, a figura da enfermidade mental, lançada sobre a loucura, justifica e encobre a operação fundamental em pauta, isto é, a retirada do lugar do sujeito desSa experiência, atribuindo-se à natureza do louco uma negatividade originária. Evidentemente, esse silenciamento do lugar do sujeito na experiência da loucura não é produzido apenas pelo discurso psiquiátrico, que se constituiu e se desenvolveu para responder a uma demanda sócio-histórica mais abrangente, na passagem do século XVIII para o XIX.14 De qualquer forma, a psiquiatria deu corpo a esta negatividade, formulando um discurso positivo sobre a loucura. Pelo logos médico, a loucura se constitui como corpo negativo e como moralidade alienada, sendo delineada como uma figura que deveria ser domesticada pelo isolamento absoluto em relação ao espaço social e pela tecnologia do tratamento moral — formas de normalização do louco para sua inserção no social. A subtração do sujeito e as figuras instituintes de sua minoridade se condensam na prática da exclusão asilar e no interdito da circulação social, que elevam ao plano do símbolo essa negativação absoluta que marca de modo indelével a identidade social da loucura. Tomando o corpo negativo da loucura como suporte, a normalização asilar empreendida pelo tratamento moral seria a maneira de se construir uma personagem social regulada pelas normas. A alienação do lugar do sujeito na loucura pode ser formulada pelo discurso psiquiátrico em dois registros teóricos que, embora diferentes, não são excludentes. São até mesmo complementares. Pode-se pressupor que essa negatividade essencial existe basicamente no plano do corpo biológico e tem efeitos secundários no plano da organização moral. Ou, ao contrário, que ela é basicamente moral e deixa indene a organização somática. Alguns teóricos do emergente alienismo, como Falret, tematizaram a articulação necessária entre corpo e psique para a produção da alienação mental.I5> 16 Contudo, em qualquer alternativa destacada pelas diferentes tendências do então recente pensamento psiquiátrico, admitia-se que um defeito fundamental do sujeito produziría a perda da razão. Tendo perdido a posse sobrési mesmo, o sujeito deveria ser curado por um outro, detentor do saber sobre o corpo negativo e sobre a moralidade alienada e, por isso, apto a restaurar a normalidade. Esta restauração não supunha o confronto entre dois sujeitos que se encontravam, mas apenas a oposição entre um sujeito presente e uma ausência de sujeito. O primeiro iria modelar o segundo de acordo com uma concepção de normalidade, construindo uma personagem adequada aos princípios que norteiam um espaço social historicamente determinado.17 Esta estratégia fundamental do discurso psiquiátrico tem dois pressupostos básicos, que opõem de maneira bem determinada as figuras do psiquiatra e do louco face às temáticas da verdade e do saber. Se, na experiência da loucura, o sujeito é silenciado e subtraído enquanto representante de qualquer poder constituinte, não se reconhece na figura do louco a capacidade de deter nenhuma forma de saber sobre si mesma. A loucura é radicalmente considerada como sendo a inexistência de qualquer verdade. Como efeito dessa subtração, a negatividade essencial do sujeito se constitui com muita precisão. Esta formulação terá consequências fundamentais. Despossuída de um saber sobre si mesma, a loucura passa a situar-se no limite inferior do humano, sendo representada como figura de passagem entre a animalidade e a humanidade, a natureza e a cultura. Esvaziada de saber, posicionada entre duas ordens cósmicas, a loucura é vista como uma figura humana em decomposição, materializando a perda do especificamente humano e sendo a explicitação desordenada de seus constituintes fundamentais. A alienação mental seria a figuração desta decomposição, a marca de alguém que habita os limites da condição humana. Esta representação do louco é inseparável da representação da figura do alienista, estando ambos contrapostos como pares complementares. A negatividade essencial de uma das figuras corresponde ao excesso de positividade da outra, que passaria a funcionar como fonte absoluta de positivação da primeira. Estabelecido numa escala de essências, este contraponto se duplica e logo se situa também numa escala ética, de forma que o negativo e o positivo originários adquirem uma dimensão de valor, com a oposição absoluta entre o Bem e o Mal. No momento de sua constituição histórica, o projeto psiquiátrico procura sustentar-se no combate mítico das forças do Bem contra as do Mal, eternamente recomeçado ao longo da história da humanidade. Todo o projeto terapêutico do discurso psiquiátrico encontra seu suporte neste pressuposto central, de forma que, de ato positivo, a cura se transforma também em ato moral. Enquanto processo de normalização social, o tratamento moral se sustenta nesta operação em que a oposição positivo/negativo se duplica na oposição Bem/Mal. " Suporte da terapêutica, o alienista é colocado no lugar soberano de detentor absoluto de um discurso sobre a normalidade e a anormalidade morais. Por meio do saber, o psiquiatra pretende não apenas avaliar a anomalia originária do doente mental para convertê-lo à normalidade moral, mas também legitimar todas as implicações éticas, sociais e jurídicas que atribuem à loucura uma minoridade constituinte. Estes postulados não permitem que o louco detenha qualquer sentido de sua própria experiência. Reduzido a uma negatividade essencial, ele não possui qualquer saber sobre si mesmo. O psiquiatra é o detentor soberano de toda a ciência positiva, a única que pode definir a verdade da loucura. Transformada em doença mental, esta recebe não apenas uma redução explicativa, mas passa também a ter fora de si o eixo fundamental de sustentação de sua verdade. O saber explicativo torna-se a via que sustenta o ato terapêutico sobre a loucura, despossuída de qualquer verdade. Por este caminho o louco recebe uma verdade que o discurso psiquiátrico se arroga o direito de possuir. A oposição entre sentido e explicação deve ser considerada aqui de forma rigorosa, poisneste contexto os dois conceitos correspondem a diferentes formulações da problemática da verdade (inclusão/exclusão do sujeito da experiência como referencial fundamental da verdade, consideração da ade- quação/inadequação da verdade do sujeito a um objeto situado fora dele). Além disso, vem para o primeiro plano uma questão fundamental: quem é o portador do código de verdade na experiência da loucura? O discurso psiquiátrico apresenta uma série de argumentos para explicar os motivos que fazem o sujeito perder a razão e se tornar desvairado. Detendo a verdade sobre a essência negativa da loucura, a psiquiatria pode justificar seu empreendimento terapêutico. A verdade da loucura se encontra definida no âmbito do saber psiquiátrico, que tenta capturar esta experiência no quadro de suas teorias explicativas. Tais teorias podem ser construídas em bases conceituais diferentes, que postulam o privilégio da ordem orgânica ou da ordem psicológica, como se faz insistentemente desde a primeira metade do século XIX, quando se opunham as escolas somaticista e psicológica, até hoje. Estas diferentes formulações não se contrapõem efetivamente, pois sua oposição aparece apenas na superfície do discurso psiquiátrico, isto é, no plano dos seus enunciados, e não do núcleo fundamental de suas enunciações. Com efeito, quando nos deslocamos do plano formal dos enunciados para o plano das condições de possibilidade desses discursos, podemos ver como o eixo fundamental da problemática permanece inalterado, pois não se trtÉis- formam absolutamente nem o locus onde se enuncia a verdade da loucura, nem tampouco o referencial e o agente enunciador desta verdade. Em ambas as alternativas, ela continua situada no interior do saber psiquiátrico. Afirma-se a não-verdade da experiência da loucura através de um referencial localizado fora do sujeito, e o detentor deste discurso se transforma no senhor soberano da verdade. Ao considerar a loucura como alienação mental e silenciar sobre o lugar do sujeito nessa experiência, a ordem psiquiátrica constituída na aurora do século XIX retira dela qualquer sentido que lhe seja inerente, destituindo o louco de qualquer saber e de qualquer verdade. Reduzida ao estatuto de enfermidade mental, a loucura perde sua dimensão simbólica e se insere no horizonte dos objetos científico-naturais. Seu código de verdade se toma um atributo, um privilégio absoluto, da psiquiatria, que usa um discurso explicativo causai. Ele passa a ser o quadro de referência que envolve a experiência da loucura e justifica a adoção de uma série de tecnologias terapêuticas. Pelas razões que assinalamos — isto é, o local onde se enuncia a verdade da experiência da loucura, a sua referência fundamental e o detentor do seu código — essas tecnologias terapêuticas são essencialmente marcadas pela estratégia da normalização social. Mesmo sem considerar aqui os canais sociais pelos quais o sujeito foi despossuído na experiência da loucura, mesmo fixando apenas as operações epistemológicas que fundamentam o tratamento moral, podemos assinalar que a normalização é o efeito desejado destas operações. Como poderia ser diferente? Afinal, a verdade formulada no eixo regulado pela oposição normal/anormal é definida no contexto do discurso psiquiátrico, que considera o espaço social como o referencial primordial em que se avalia a adequação/inadequação do discurso da loucura. O sujeito, como vimos, não é a referência fundamental de sua própria experiência. A normalização social da experiência da loucura implica a presença, como fundamento, de um discurso explicativo em que o referencial da verdade é algo localizado fora do sujeito. Esta exterioridade é deslocada para o espaço social, que define as normas de avaliação da adequação/inadequação dos termos do discurso da loucura. No contexto da relação intersubjetiva, tal discurso explicativo tem efeitos muito específicos, pois implica não apenas a oposição das duas figuras em pauta (representantes da verdade e da não-verdade), como também reduz a relação terapêutica a uma relação pedagógica. O processo terapêutico é representado como um ato de domesticação, com a implantação de uma verdade onde não existe nenhuma e com a imposição arbitrária da ordem da cultura à ordem da natureza. Desta maneira, se autoriza no saber psiquiátrico qualquer ato de vidlência, pois se pretende impor a ordem do Bem à ordem do Mal. O saber psicanalítico e o restabelecimento do sujeito Evidentemente, esta não é a única possibilidade de existência de um discurso explicativo sobre a experiência da loucura. Tal discurso podería ter outra espessura epistemológica. Para isto, contudo, sua construção deveria obedecer outra ordem de prioridades, invertendo as bases do discurso anterior. Isto é, a construção do novo discurso explicativo sobre a experiência da loucura deveria fundamentar-se no primado do sentido do sujeito. Nessa nova ordem explicativa, o sentido do sujeito se torna o único caminho seguro para fundar os postulados e os suportes da teoria, que passa a poder ser incessantemente transformada de acordo com os novos índices fornecidos pela emergência do sentido na experiência da loucura e por suas oscilações. Esta passa a questionar permanentemente a construção teórica estabelecida. Não seria esse o significado mais fundamental da démarche freudiana? Freud repensou intermitentemente as suas construções teóricas, sempre reconhecendo que estas ficavam muito aquém da exuberância do sentido que a experiência analítica originária possibilitava explicitar. Ao reconhecer que, de diferentes maneiras, na experiência analítica o sentido se apresenta sempre mais além, ao recusar-se a coagular no discurso explicativo a verdade do sujeito da experiência. Freud é impelido a questionar permanentemente o seu próprio discurso teórico. Por isso mesmo é que destacamos em outro trabalho a transformação sofrida pelo significado original do movimento psicanalítico. Nos seus primórdios, a base para a construção do discurso teórico da psicanálise era a prioridade conferida ao sentido do sujeito na experiência da loucura. Mas a psicanálise pós-freudiana se norteia principalmente pelo congelamento dessa verdade conquistada, através de sua codificação num discurso explicativo. Assim, enquanto o discurso original estava permanentemente aberto à retificação conceituai, considerando que o sentido do sujeito da experiência resistia à teoria estabelecida e ao psicanalista, o discurso posterior se transforma na coroação soberana da verdade e apresenta-se como pouco sensível ao sentido do sujeito da experiência.” Em função desta transformação fundamental nas condições dq possibilidade do saber psicanalítico, a psicanálise pós-freudiana passa a ter uma postura predominantemente corretiva, baseando-se num discurso explicativo sobre a anomalia psíquica. Orientada por princípios voltados para a nornja-lização social, sua prática se apresenta com marcantes características pedagógicas.19 Pode-se continuar falando em complexo de Édipo, sexualidade infantil, perversão polimorfa infantil e mesmo em inconsciente, mas estes conceitos adquirem frequentemente sentidos muito diferentes daqueles que possuíam nos seus primórdios. No novo contexto eles são marcados principalmente por uma conotação definida no quadro de uma psicologia genético- evolutiva. Quando de sua permanência tardia na história do sujeito, seriam indicadores de uma maturidade falha. Assim, deixam de ser radicalmente interpretados como elementos fundamentais na constituição da subjetividade.20 Porém, a ruptura teórica introduzida pelo discurso freudiano na tradição psiquiátrica sobre a loucura representou exatamente essa reviravolta fundamental. Ela inverteu totalmente a ordem de prioridades estabelecida pelo discurso psiquiátrico, patrocinando um retomo à principalidade do sentido do sujeito na experiência da loucura e um afastamento da verdade codificada primordialmente como explicação. O pressuposto fundamental do discurso explicativo da psicanálise freudianaé o sentido, eixo de articulação ao qual estão submetidas as construções teóricas que consideram o sujeito da experiência como referencial originário da verdade psíquica. Por isso mesmo, o discurso teórico da psicanálise pode apresentar diversas rupturas ao longo do percurso freudiano, pois o seu critério fundamental de verdade é a adequação/ inadequação ao sentido da experiência do sujeito, que a psicanálise pretende restaurar plenamente, colocando-se como seu porta-voz. A restituição do sentido na experiência da loucura implica o restabelecimento do sujeito como seu suporte, como portador de um saber sobre si mesmo e como revelador de uma verdade, com todas as consequências que isso tem para a ordem teórica. O louco é re-situado no centro de sua experiência, sendo portador de uma verdade singular. Esta só pode ser apreendida pela figura do psicanalista quando este se situa, no espaço analítico, na posição de escuta. Não pode ser constituída e instituída originariamente por este. Por isso mesmo, o discurso psicanalítica é um discurso interpretativo e não explicativo. O sentido está situado de modo imanente no sujeito da experiência da loucura, e o que o analista realiza com o analisando é a operação de deciframento de um enigma. Na ruptura teórica realizada pela psicanálise existe efetivamente uma revolução copemicana, para usarmos a linguagem kantiana, na medida em que o centro das questões da experiência da loucura se desloca do discurso psiquiátrico para a própria loucura. A verdade passa a girar em torno do sujeito da experiência da loucura e não brota mais no interior do saber psiquiátrico. A figura do louco retoma o centro do sistema, afastando dessa posição a figura do psiquiatra. Retomando o lugar de oráculo da verdade da loucura, o louco rompe com o quadro invertido do discurso psiquiátrico. Em torno desta reviravolta teórica, deste deslocamento do discurso da loucura para o primeiro plano do cenário analítico, o discurso explicativo da psicanálise se constitui e se desenvolve, apresentando uma espessura episte- mológica de outra ordem em relação à explicação psiquiátrica. As categorias que circunscrevem o campo da explicação psicanalítica têm como fundamento o sentido da experiência da loucura nas suas diversas configurações possíveis e se ordenam em função dos discursos desta. Sem considerá-los e reconhecê-los devidamente, o discurso da psicanálise não seria absolutamente diferente do psiquiátrico. Podemos destacar como o discurso psicanalítico também pode se inverter, silenciar a marca de sua originalidade epistemológica e retornar às regras que norteiam o discurso psiquiátrico, com todas as conseqüências teórico- clínicas que daí decorrem. Neste caso, os conceitos de verdade e de saber se recolocam como fundamentos, trazendo de volta seus loci e agentes próprios. Com efeito, se o discurso explicativo da psicanálise se toma autônomo em relação ao processo analítico originário, ele passa a funcionar de modo epistemicamente idêntico ao discurso psiquiátrico, transformando- se, assim, num discurso que se arroga soberanamente o direito de possuir a verdade do analisando, passando então a normalizar a psique deste último nos menores detalhes e funcionando como discurso pedagógico. Certamente, não é um acaso que a incidência problemática deste modelo sobre a estrutura do superego se transforme na grande questão das análises “didáticas”, questão que há cerca de trinta anos perturba os psicanalistas mais lúcidos do mundo inteiro.21 Esta reversão epistemológica da psicanálise no discurso psiquiátrico é uma possibilidade sempre aberta no curso de um processo analítico, até mesmo porque a resistência à experiência da análise é uma escansão básica que marca as vicissitudes deste processo, caracterizado pela incessante oscilação entre momentos de analisibilidade e de resistência, que dizem respeito às duas figuras comprometidas nessa relação intersubjetiva. Nem o eixo que sustenta a resistência analítica, nem o eixo que é o suporte do desejo de análise se concentram inteiramente numa das figuras do espaço analítico, mas se distribuem entre as duas figuras. O sentido e a verdade se encontram permanentemente nos dois pólos da relação e entre as duas figuras, não sendo, portanto, privilégio de qualquer um dos agentes em causa. Destaquemos esquematicamente os eixos centrais dessa problemática no campo da experiência analítica, circunscrevendo nossa abordagem à figura cíb analista, principalmente ao funcionamento de sua economia psíquica, de forma a delinearmos o quadro em que a teoria psicanalítica centrada no sentido se transforma na teoria explicativa da psiquiatria. Trata-se de uma transformação relativamente fácil de acontecer. No nível interno de funcionamento do processo psicanalítico, podemos sublinhar a possibilidade desta reversão epistemológica, o que nos abre mais um caminho, entre os que já assinalamos, para interpretar os desvios da psicanálise pós-freudiana face às condições de possibilidade da existência da experiência analítica propriamente dita. Para que esta reversão possa se estabelecer, basta o analista “esquecer” que entre sua figura e o discurso teórico da psicanálise existe necessariamente a sua própria experiência analítica originária, com todo o simbolismo que esta condensa, apontando para a sua mortalidade e a singularidade de suas marcas pulsionais. A partir deste “esquecimento” o psicanalista passa a pautar sua escuta pelo discurso teórico que “aprendeu”, e não pelas fendas abertas no seu ego pela experiência analítica originária. Com isso, a singularidade significativa de um destino subjetivo que se apresenta diante de si é silenciada. Neste contexto, a figura do analista coloca seu corpo libidinal fora do processo psicanalítico e passa a “explicar” a figura do analisando a partir de um suposto código universal de verdades sobre a subjetividade. O silen- ciamento da singularidade da figura do analisando é o correlato e a contrapartida necessária do silenciamento da especificidade da figura do analista. Com isso, no interior do processo analítico se infiltra um cenário pedagógico, cuja trama alcança todos os eixos fundamentais da análise, produzindo inevitavelmente uma prática de normalização da psique. A condição de possibilidade da existência do processo analítico é a experiência psicanalítica originária do analista. Ela tem que estar presente na figura do analista como uma pulsação permanente, não apenas para que se torne possível perceber a experiência da singularidade do analisando, mas também porque é através dela que se estabelece a mediação entre a figura do analista e o discurso explicativo da psicanálise, única forma de não transformar a teoria psicanalítica num oráculo de verdades universais sobre o prazer, a sexualidade, a dor e a morte. Nesta eventualidade, estamos lançados inteiramente num discurso pedagógico normalizador.22 A exigência epistemológica de manter em aberto a categoria do sentido, da verdade emergente da experiência do sujeito na análise, implica necessariamente que esta abertura esteja também presente em relação ao analista. Sem ela, este aliena sua singularidade no discurso explicativo da psicanálise, que se transforma inevitavelmente num discurso de tipo psiquiátrico sobre a normalidade e a anormalidade psíquicas. • Com isso, evidentemente, o suporte da experiência transferenciai se coloca no primeiro plano do cenário psicanalítico, nos dois eixos possíveis de desdobramento deste, isto é, o que promove o processo analítico e o que a este faz obstáculo, como resistência ao movimento de revelação do sentido da experiência do sujeito. Entretanto, a resistência, como contraponto necessário e inevitável do processo de análise, pode se materializar tanto na figura do analista quanto na do analisando, não existindo, também aqui, privilégios neste obstáculo à emergência do sentido. A representação da cura psicanalítica como um processo que se realiza entre alguém que apenas transfere e outro que apenas
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