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1 RILER BARBOSA SCARPATI EDUCAÇÃO A DISTÂNCIAFACULDADE ÚNICA PRÁTICA PEDAGÓGICA INTER- DISCIPLINAR: FUNDAMENTOS E METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA 2 LEGENDA DE Ícones Trata-se dos conceitos, definições e informações importantes nas quais você precisa ficar atento. Com o intuito de facilitar o seu estudo e uma melhor compreensão do conteúdo aplicado ao longo do livro didático, você irá encontrar ícones ao lado dos textos. Eles são para chamar a sua atenção para determinado trecho do conteúdo, cada um com uma função específica, mostradas a seguir: São opções de links de vídeos, artigos, sites ou livros da biblioteca virtual, relacionados ao conteúdo apresentado no livro. Espaço para reflexão sobre questões citadas em cada unidade, associando-os a suas ações, seja no ambiente profissional ou cotidiano. Atividades de fixação sobre o conteúdo visto e aplicado no livro. Apresentação dos significados de um determinado termo ou palavras mostradas no decorrer do livro. Espaço para marcar citações de algum livro, artigo ou site que sustenta e reforça uma ideia. FIQUE ATENTO BUSQUE POR MAIS VAMOS PENSAR? FIXANDO O CONTEÚDO GLOSSÁRIO CITAÇÕES 3 SUMÁRIO UNIDADE 1 UNIDADE 2 UNIDADE 3 UNIDADE 4 1.1 Os primeiros povos da antiguidade e as explicações míticas................................................................................6 1.2 O surgimento da história na antiguidade............................................................................................................................8 1.3 A era cristã e a história teológica.................................................................................................................................................9 1.4 Progresso, razão e erudição na história: um novo tempo......................................................................................10 1.5 O século XIX: romantismo, materialismo histórico e história disciplinar....................................................12 2.1 O ofício...........................................................................................................................................................................................................18 2.2 O objeto........................................................................................................................................................................................................19 2.3 A interdisciplinaridade....................................................................................................................................................................20 2.4 O local de trabalho.............................................................................................................................................................................20 3.1 O tempo histórico: matéria-prima do historiador.......................................................................................................26 3.2. Medir o tempo......................................................................................................................................................................................28 3.3 Passado e presente: uma complexa relação.................................................................................................................29 3.4. As formas de contar o tempo e o etnocentrismo.....................................................................................................30 4.1 Metafísica e Ontologia: Introdução........................................................................................................................................36 4.2 Fontes escritas, orais, materiais e iconográficas..........................................................................................................37 4.3 Analisar os documentos e produzir história...................................................................................................................38 UMA HISTÓRIA DA HISTÓRIA PROFISSÃO HISTORIADOR O(S) TEMPO(S) AS FONTES E A PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO HISTÓRICO UNIDADE 5 5.1. A história e o etnocentrismo.......................................................................................................................................................48 5.2 A valorização da diversidade.......................................................................................................................................................49 5.3 Entretenimento......................................................................................................................................................................................51 PARA QUE SERVE A HISTÓRIA? UNIDADE 6 6.1 O contexto de nossa produção historiográfica- a singularidade do Brasil...........................................58 6.2 O saber histórico no Brasil..........................................................................................................................................................59 6.3 Alguns territórios do historiador contemporâneo...................................................................................................62 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.................................................................................................................................................69 A HISTÓRIA NO BRASIL 4 UNIDADE 1 Esta unidade trata especificamente sobre a trajetória do conceito de história. Inicia-se com o surgimento das primeiras explicações de origem mítica, anteriores ao surgimento da história entre os gregos, percorre a história na Antiguidade e medievo até chegar ao período ao mundo contemporâneo, focando algumas de suas mudanças teóricas e metodológicas. UNIDADE 2 Esta unidade tem como foco a discussão da profissão do historiador. Inicia-se falando sobre as características do ofício, sua trajetória e implicações, desenrola-se ao discutir o objeto de estudo do historiador e faz reflexão sobre a importância do diálogo com outras disciplinas para a execução do trabalho do historiador e finaliza com discussão sobre os locais de trabalho do historiador. UNIDADE 3 A unidade começa com breve discussão sobre a natureza do tempo e quais as características do tempo humano, ou seja, do tempo histórico. Aborda as diferentes formas de contar o tempo nas diversas sociedades humanas variadas no tempo e no espaço e se encerra com uma reflexão sobre as complexas relações entre passado e presente no trabalho do historiador. UNIDADE 4 A natureza das fontes históricas, sua trajetória de idas e vindas é a maneira como essa unidade se inicia. Depois, procura estabelecer uma tipologia básica e incipiente sobre as fontes históricas e se encerra com os procedimentos básicos a serem adotados pelo historiador no trabalho e manejo das fontes. UNIDADE 5 A unidade aborda uma questão que intriga historiadores desde a Antiguidade e que se relaciona diretamente à aceitação social do conhecimento histórico produzido. Procura mostrar (3) três, entre outras tantas formas, de respondê-la na contemporaneidade, a saber: o rompimento com os etnocentrismos, a valorização da diversidade cultural e o deleite. UNIDADE 6 A unidade destaca a trajetória da história no território do Brasil, desde o período da dominação portuguesa na América. Passa pelos séculos XIX e XX, tendo como fio condutor da narrativa as instituições que produziram história no Brasil, bem como da singularidade de nossa produção historiográfica. C O N FI R A N O L IV R O 5 UNIDADE 1 UMA HISTÓRIA DA HISTÓRIA 6 Se você perguntar a alguém o significado da palavra “história” é possível que frases como “são as coisas do passado”, “são as coisas de antigamente” etc. apareçam entre as respostas. Contudo, se questionarmos um pouco o nosso interlocutor, pedindo que nos explica melhor, sobre outras formas o significado do termo, ele não consiga, ou pelomenos tenha dificuldade. Realmente, não é fácil definir o que é história. A palavra “história” tem seu surgimento na Antiguidade, mais precisamente entre os gregos, no século VI antes de Cristo (a.C.). Ela significa investigação, informação. Para nós, cidadãos pertencentes a um certo mundo dito ocidental, a história surgiu na região do Mar Mediterrâneo, região entre o norte da África, Europa Ocidental e Oriente mais próximo. Ora, antes de haver algum tipo de explicação histórica para os fenômenos humanos - como vimos, ideia grega - os seres humanos, nós sempre possuímos e buscamos entender e procurar explicar nossas ações nesse mundo. Diversas sociedades antigas viam no “mito” a melhor forma de explicação existente. As explicações míticas podem ser de caráter mágico e sagrado e estão presentes até os dias atuais. O mito é a primeira maneira encontrada pelos seres humanos de contar sua história, contar sua origem e produzir algum tipo de sentido em sua existência. Durante muito tempo, ele foi considerado - por nós ocidentais portadores e crentes em um pensamento científico - como um pensamento irracional, ou até mesmo, de maneira ainda mais pejorativa, como um pensamento de gente tola. Entretanto, como forma de explicação própria do mundo, o mito não pode ser desconsiderado, possui sua validade. Como forma de explicação do 1.1 O S P R IM E IR O S P O V O S D A A N TI G U ID A D E E A S E XP LI C A Ç Õ E S M ÍT IC A S mundo, o mito possui lógica e coerência próprias, ou seja, para as sociedades que nele acreditavam - e para as pessoas que no mundo do século XXI ainda nele acreditam - ele tem caráter de verdade. Mas, afinal, em que consiste um mito? Consiste em um conjunto de explicações mágicas e religiosas sobre a realidade que cerca os seres humanos. “Dentro de limites razoáveis, você é capaz de conseguir tudo aquilo que desejar, se estiver ciente de suas opções, se testar suas suposições, se corre os riscos calculados e baseados em informações sólidas e acreditar que tem poder”. Uma das características do mito é sua estrutura temporal. Ele não fala de um tempo específico, com datação correta; é sempre um tempo passado, mas esse tempo é incerto. Por isso, é comum verificar nos mitos existentes expressões como “o princípio de todas as coisas” ou “os primórdios”. Outro aspecto importante do mito, ainda relacionado à sua estrutura temporal, tem a ver com o caráter sagrado do seu tempo. Seu tempo é um tempo remoto, distante, incerto e também sacro. Esse tempo não possui concretude, não é real, não se inscreve no tempo dos homens. Dessa forma, o mito apresenta sempre uma repetição, eterno retorno. Por fim, vale ressaltar o aspecto mitológico que o liga ao ensinamento. Como afirma Borges (1993, p. 14): Em geral o mito é visto como um exemplo, um precedente, um modelo para outras realidades. Ele é sempre aplicado a situações concretas. Existem inúmeros mitos da criação do mundo (mitos cosmogônicos) que são vistos como exemplos de toda uma situação criadora. As sociedades são mostradas como tendo origem, geralmente, em lutas entre as diferentes divindades 7 Citaremos dois mitos de criação, a título de exemplos, para que o conceito de mito e sua importância em sociedades da antiguidade fiquem mais claras. O primeiro deles explica o surgimento do povo Pataxó, indígenas que habitavam e habitam regiões de Minas Gerais e da Bahia, algumas delas margeando o Rio Doce. Ele trata de um tempo onde havia no planeta bichos como onça e pássaros, sem seres humanos, sem indígenas. Certa vez, caiu uma gota do céu e surgiu um índio, que viveu longo tempo sozinho na terra. “Um dia, o índio estava fazendo ritual. Enxergou uma grande chuva. Cada pingo de chuva ia se transformar em índio. No dia marcado, a chuva caiu. Depois que a chuva parou de cair, os índios estavam por todos os lados. O índio reuniu os outros e falou: -Olha, parentes, eu cheguei aqui muito antes de vocês, mas agora tenho que partir. Os índios perguntaram: - Pra onde você vai? O índio respondeu: - Eu tenho que ir morar lá em cima no Itohã, porque tenho que proteger vocês. Os índios ficaram um pouco tristes, mas depois concordaram. -Tá bom, parente, pode seguir sua viagem, mas não se esqueça do nosso povo. Depois que o índio ensinou todas as sabedorias e segredos, falou: - O meu nome é Txopai. De repente o índio se despediu dando um salto, e foi subindo… subindo… até que desapareceu no azul do céu, e foi morar lá em cima no Itohã. Daquele dia em diante, os índios começaram sua caminhada na terra, trabalhando, caçando, pescando, fazendo festas e assim surgiu a nação pataxó. Pataxó é água da chuva batendo na terra, nas pedras, indo embora para o rio e o mar. ” (VALLE, 2001, p.62). Figura 1 - Índios Krenak. Foto: Acervo Plínio Ayrosa/USP O segundo mito vem do Egito e conta como os antigos egípcios procuraram explicar as noções de imortalidade e sua eterna dependência da natureza. Conta-se que o deus Osíris foi assassinado por Set, que também era deus e além de tudo seu irmão. O corpo de Osíris (deus da terra e do sol poente, responsável pela fertilidade) foi espalhado por várias partes da região. Íris (deusa da vegetação e da semente), que era esposa- irmã de Osíris, juntamente com seu filho Hórus (deus-falcão e do sol levante) reunirá, por meio de palavras mágicas, as partes de Osíris, fazendo-o reviver. Osíris então passa a viver entre os deuses. Há várias versões sobre esse mito, mas sempre girando em torno desse eixo narrativo. Muitas vezes seu sentido é atribuído a uma luta entre a luz e as trevas, como a vida sucedendo a morte ou ainda a dádiva que vem do Rio Nilo, resultando daí a fertilidade do Egito. Figura 2 - Osíris. Representação 8 1.2 O S U R G IM E N TO D A H IS TÓ R IA N A A N TI G U ID A D E É comum se pensar que com o surgimento da história, de um tipo de explicação histórica para os fenômenos humanos que a tradição mítica tenha desaparecido por completo. As coisas não são tão simples no mundo humano. As explicações míticas permanecem em diversas sociedades, incluindo a brasileira, sobre novas roupagens. Em algumas sociedades, elas constituem explicações que tem importância residual, em outras possuem ainda grande relevância. A história nasce no bojo, como parte da filosofia na Grécia Antiga; surge como parte de um conjunto mais amplo de transformações na Grécia Clássica. Esse conjunto tem como essência o aparecimento de uma primeira forma de racionalização, construída pelos próprios gregos. Foi Hecateu de Mileto quem ao questionar os mitos gregos pronunciou “Vou escrever o que acho ser verdade, porque as lendas dos gregos me parecem ser muitas e risíveis. ” Mas os historiadores tomamos Heródoto de Halicarnasso como o primeiro dos historiadores, como o “Pai da História”, pois foi o primeiro a usar a palavra “história” no sentido de investigação, pesquisa. Entretanto, as explicações que Heródoto propunha não tinham relação com o passado. É comum pensarmos isto, que a história sempre tratou do passado dos seres humanos, mas para os primeiros historiadores gregos não era bem assim. Veja o que disse o “Pai da História” no início de sua obra mais antiga “Eis aqui a exposição da investigação realizada por Heródoto de Halicarnasso para impedir que as ações praticadas pelos homens se apaguem com o tempo”. Como se nota, a luta inicial de Heródoto dentro da análise histórica é a luta contra o esquecimento. Continuemos com Heródoto para explicitar essa relação com o tempo presente da análise do historiador. Uma das obras dele estuda a guerra entre gregos e persas entre 490 e 497 a.C., confronto imenso que marca o século V. Tucídides, outro importante historiador grego, vai estudar as guerras do Peloponeso, entre Atenas e Esparta. “Percebe-se, portanto, que os historiadoresestão ligados à sua realidade mais imediata, espelhando a preocupação com questões do momento. Não vemos mais uma preocupação com uma origem distante, remota, atemporal (como existia no mito), mas sim a tentativa de entender um momento histórico concreto, presente ou proximamente passado. Há uma narração temporal cronológica, referente a uma realidade concreta. Não procuram mais conhecer uma realidade atemporal, mas a realidade específica que vivem, a de um determinado tempo e de um determinado espaço” (BORGES, 1993, p. 20) Ainda entre os gregos, mas já avançando pelo século II a.C., o historiador grego Políbio escreverá “Desde que um homem assume atitude de historiador, tem que esquecer todas as considerações, como o amor aos amigos e o ódio aos inimigos, pois assim como os seres vivos se tornam inúteis quando privados de olhos, também a história da qual foi retirada a verdade nada mais é que um conto sem proveito. ” Essa preocupação de Políbio com a verdade torna-se primordial. Vale lembrar que no período em que Políbio viveu a Grécia era dominada por Roma e esta acabou de fato herdando boa parte do legado cultural grego. Sendo assim, percebe-se que a partir da invenção da história pelos gregos e seu posterior desenvolvimento com os romanos, algumas questões se impuseram: a preocupação em relatar os acontecimentos, não necessariamente de um passado mais longínquo, a busca de explicações humanas para os fenômenos humanos, não mais recorrendo ao mito e a busca pela verdade. A história se torna com os gregos, na fórmula de Cícero, Magistra Vitae, mestra da vida, ou seja, um 9 É, por esse motivo, que se diz que o cristianismo é uma religião histórica, porque sua cosmovisão não é atemporal; sua concepção de tempo é linear, só que esse tempo linear é comandado por um plano superior, divino. Essa intervenção divina aconteceu de fato, segundo os cristãos, pois Cristo, o filho de Deus, veio ao mundo humano e viveu como humano. É uma intervenção real na história, com data e local precisos, por isso o caráter histórico dessa religião. É nesse sentido que se pode dizer que a história nos termos cristãos possui um sentido e esse sentido é revelado por Deus aos homens, cabendo à instituição religiosa o papel de orientar a humanidade em busca de sua salvação. Nota-se, portanto, que a história nesse período não apresenta o mesmo rigor “científico” que havia entre os gregos; a escrita da história não se propõe a fazer interpretações e análises mais complexas. Os fatos são relatados em anais e crônicas, a maior parte delas escritas por clérigos - basta lembrar que a menor parte da população nesse período dominava a leitura e a escrita e em grande parte esse grupo era composto por homens da Igreja - e que estavam muito preocupados com a tradição oral, ou seja, preocupavam- se em registrar por escritos as histórias transmitidas pela via da oralidade. O período medieval é marcado por grande misticismo, crença em seres fantásticos, paraíso terrestre, pedra filosofal e grande domínio da fé entre os homens. De alguma maneira, a escrita da história nesse período vai ser permeada por essas questões. Só como exemplo, vale lembrar que boa parte dos documentos escritos nesse período ficava por conta dos clérigos, homens da Igreja, e que de certa forma, essa escrita da história vai estar permeada por questões religiosas e uma visão cristã do mundo e dos homens e há grande presença de milagres, do maravilhoso e do impossível. repositório de exemplos que serve de guia no presente. 1.3 A E R A C R IS TÃ E A H IS TÓ R IA TE O LÓ G IC A A história escrita em fins do Império Romano do Ocidente, século V, procurava unificar o passado em torno de Roma, considerada, no dizer de Políbio, “a obra mais bela e útil do destino”. A partir desse período, ocorre um processo de desintegração do mundo romano, fuga das pessoas da cidade com desdobramento para o fenômeno da ruralização. Esse processo que se estende do século IV ao VII, pelo menos, vai começar a dar os contornos do que viria a ser chamado de Idade Média ou de Idade Medieval. É o período por excelência de domínio da Igreja - proprietária de cerca de ⅓ das terras da Europa Ocidental. “O processo histórico pelo qual passa a humanidade é então unificado não mais em torno da ideia de Roma, mas de uma visão do cristianismo como fundamento e justificativa da história. A influência do cristianismo é tão grande em nossa civilização que toda cronologia do nosso passado é feita em torno do seu acontecimento central, a vinda do filho de deus à terra. Cristo, tornando-se homem, possibilita a salvação da humanidade, meta final da história. Todo o nosso passado é dividido, como já notaram, nos tempos “antes de Cristo” (a.C.) e nos tempos “depois de Cristo” (d.C.). A história da humanidade se desenrola de acordo com um plano divino, sendo a vinda de Cristo à Terra o centro desse processo. ” (Borges, 1993, p. 22) O que em grande medida diferencia a história no período medieval e de domínio cristão da antiguidade greco-romana é que existe volta das intervenções divinas no processo histórico, só que desta vez sob nova roupagem, haja vista que o plano humano, o mundo dos homens, a “cidade dos homens”, no dizer de Santo Agostinho, é comandada pela providência divina, ou seja, pela “cidade de Deus”, ainda nos termos agostinianos. 10 Entretanto, é preciso ressaltar o que nos falava o grande historiador francês e medievalista Marc Bloch que o período medieval deve ser entendido como uma época específica, com sua forma própria de pensar e questões relativas àquele tempo. Não se trata de um período de obscurantismo e trevas, como muitas vezes se possa acreditar. 1.4 P R O G R E SS O , R A ZÃ O E E R U D IÇ Ã O N A H IS TÓ R IA : U M N O V O T E M P O Se o período medieval era marcado por grande misticismo e presença maciça da Igreja, a partir do Renascimento Cultural uma nova tendência vai se impor na Europa Ocidental, a de uma progressiva e ininterrupta racionalidade. Borges assim definirá esse período que se inicia “No século XVI, início da época moderna, o homem torna-se o centro do mundo. Aquela concepção cristã da existência será abalada por uma concepção racional do mundo. Dessa forma, o empirismo será importantíssimo para o conhecimento histórico. A história abordará o passado através de textos antigos, coleções de objetos de arte, inscrições antigas e outros documentos. Novas técnicas são aperfeiçoadas no intuito de preparar e criticar essa tipologia de fontes, de forma a dar maior veracidade aos fatos. Sendo assim, através de técnicas específicas, o historiador selecionava os documentos pertinentes a sua pesquisa, situava-os no tempo e no espaço, classificava-o quanto ao gênero e quanto a sua credibilidade. (BORGES, 1993.) ” Esse novo tempo, dura em linhas gerais até o século XVIII, tendo contribuído para sua afirmação outros movimentos sociais, políticos e econômicos, além de diversas correntes filosóficas. Citemos o movimento de criação de novas técnicas de erudição que vão auxiliar o desenvolvimento da história. Surgem a cronologia (fixação das datas corretas), a epigrafia (estudo das inscrições), sigilografia (estudos dos selos), numismática (estudo das moedas), diplomática (estudo dos diplomas), a heráldica (estudo dos brasões) entre outras que vão fazer um trabalho fundamental no desenvolvimento da história ao colocar o foco nos documentos, situando-os no tempo e no espaço e estabelecendo critérios para sua seleção, e numa abordagem racional sobre essa estrutura material. Figura 3 - Moedas. Numismática (estudo das moedas) foi ciência auxiliar da história no século XVI. Esse desenvolvimento foi possível devido ao contato com as culturas árabe e grega e foi responsável direto pela ascensão de um pensamento racional euma visão da história e do mundo não teológica. A origem do conhecimento, progressivamente, deixa de ser divina e passa a ser fruto da ação humana. Essa emergência do sujeito e como produtor de conhecimento e da racionalidade como meio para atingir o conhecimento são essenciais para os avanços na história e em outras áreas do conhecimento. O século XVIII trará também a sua contribuição significativa a esse processo. A sociedade feudal que havia durado quase 10 séculos vai se desintegrando e desde o século XIII o fenômeno da reurbanização emerge. Essa reurbanização já vinha acontecendo no interior dos burgos medievais e passa a prevalecer ainda mais com o advento da ordem burguesa. Nesse contexto, surge o Iluminismo, corrente filosófica que procura reputar à história um desenvolvimento linear e reto rumo ao progresso contínuo. Seus propagadores são chamados de filósofos e promovem uma divisão da história que perdura em grande parte até os dias atuais. São eles que nomearão a Idade Média como período de 11 trevas, associando-a à escuridão e falta de clareza nas abordagens do conhecimento. Para eles, o conhecimento é luz, verdade, daí a origem do termo “Iluminismo”, que vem de “luz”. Um dos grandes filósofos iluministas foi Voltaire. Ele se preocupava com a sociedade em seu sentido mais geral, e dividia a história entre povos civilizados e não civilizados. Para ele, o destino final da humanidade era caminhar rumo a progressiva civilização. Essa sua preocupação impôs-se na Europa Ocidental como um todo e posteriormente vai ser apropriada pelos Estados Europeus para justificar as atrocidades imperialistas no final do século XIX. Porém, o que nos interessa aqui, é que o filósofo iluminista acreditava que o homem iluminado pela sua razão trabalharia de maneira incessante para seu progresso. Essa mentalidade que coloca no indivíduo a responsabilidade pelo seu destino cairá como uma luva nas aspirações burguesas que passaram a dominar a Europa nesse período e assumem o controle dos Estados Europeus já no século XIX. É a emergência do liberalismo, com sua crença inabalável no sujeito racional e centrado, que fornecerá a explicação e mesmo a justificativa para esse novo modelo de organização social. Tal corrente insurgia-se contra o predomínio de antigas instituições de autoridade como a Igreja e Nobreza, até então detentoras dos saberes deste e de outro mundo. 12 1.5 O S É C U LO X IX : R O M A N TI SM O , M A TE R IA LI SM O H IS TÓ R IC O E H IS TÓ R IA D IS C IP LI N A R Com a afirmação da burguesia no poder e no controle dos Estados Europeus do século XIX, a antiga preocupação iluminista de uma história da civilização ocidental vai sendo deixada de lado. Em seu lugar, vai se desenvolvendo e ganhando espaço um novo olhar sobre os passados dos povos, mais voltado para os casos em particular, para as peculiaridades: trata- se do romantismo e seu interesse pelo estudo das histórias nacionais. O romantismo pregava uma visão sentimental sobre o passado, visão nostálgica, procurando deixar o “excesso” de racionalidade - segundo os românticos - dos filósofos iluministas e defendiam o estudo origem dos povos e da sua constituição heroica. Essa abordagem que procurava as peculiaridades de cada povo será de fundamental importância para o desenvolvimento da história. Citemos um exemplo para melhor compreensão, o da Alemanha, que só passa a ser organizar na forma de Estado Nacional Moderno a partir da década de 1870. Os alemães procurarão valorizar sua história medieval e sua origem germânica - erroneamente chamada “bárbara”. Estimulada pelo Estado e executada durante décadas, os alemães vão compilar uma gigantesca série de documentos, a Monumenta Germaniae História. Serão recolhidos toda a sorte de documentos escritos que vão desde poemas, crônicas até leis germânicas e documentos relativos aos papas. Na própria Alemanha, também no século XIX, uma nova corrente que terá como objetivo garantir status de ciência à história. Seu principal representante será Leopold von Ranke. Mas o que Ranke trouxe de inovação? É atribuída a ele a seguinte afirmação de que era preciso conhecerem- se os fatos “como eles realmente aconteceram”. Esse enunciado, na verdade, procurará aproximar as ciências históricas às chamadas ciências naturais e exatas, dotando a elas um estatuto de veracidade e cientificidade. Métodos de trabalho serão copiados, reproduzidos e aperfeiçoados dessas ciências, num esforço de estabelecer leis e verdades de alcance universal. Por fim, cabe ressaltar a contribuição de um filósofo, também alemão, para o desenvolvimento da história: Hegel. Ele estabelece uma nova atitude frente ao conhecimento, ao mostrar que o conhecimento não é absoluto, numa clara ruptura com os pressupostos do progresso linear iluminista. Nessa superação do racionalismo que endeusa a razão, Hegel vai propor que o conhecimento se constrói a partir de um movimento, o movimento dos contrários: a dialética. Esse movimento, retomado em outras bases da dialética da antiguidade, se desenvolve a partir da tríade tese, antítese e síntese. Esse idealismo hegeliano mostrará que as ideias humanas estão em nível superior ao processo histórico e à própria realidade. Em paralelo a essa dinâmica, surgirá uma corrente filosófica que abalará as estruturas da sociedade de capitalismo industrial que se formava, primeiro na Inglaterra, e depois em outras partes da Europa e fora dela: o materialismo histórico, formulado pelos filósofos alemães Karl Marx e Friedrich Engels. O materialismo histórico vai se apropriar da dialética de Hegel, mas irá colocá-la de ponta a cabeça, no sentido de que seu método de trabalho consistirá na aplicação de uma teoria da história ao processo histórico, mas com um objetivo definido: a superação da ordem capitalista. Marx e Engels dirão que a história de todas as sociedades humanas, e, portanto, o motor da história é a luta 13 de classes que detém os meios de produzir riqueza e aqueles que não possuem os meios para a geração da riqueza. No capitalismo industrial esses dois grupos são representados pela burguesia e pelo proletariado. Segundo eles, é nas sociedades capitalistas industriais mais avançadas que a exploração econômica dos que não possuem meios para se apropriar da riqueza será maior. Como bem salienta Borges “O materialismo histórico demonstra que os seres humanos, para sobreviver, necessitam transformar a natureza, o mundo em que habitam e fazem-no em comunhão, em grupos e sociedade. Estabelecem, para tal, relações que não estão ao alcance de sua vontade, mas do mundo que precisam transformar e dos meios que vão utilizar para isso. Todas as demais relações que os homens estabelecem entre si estão dependentes dessas relações para a produção da vida, não sob a forma da dependência mecânica, direta e determinante, mas sob forma de condicionamento. O conhecimento histórico parte das relações estabelecidas entre os homens com os homens, e os homens com a natureza. Dessa forma, entendem que não são as ideias que vão provocar as transformações, mas as condições materiais e as relações entre os homens (BORGES, 1993, pp. 36-37). As ideias de Marx e Engels irão lançar luz sobre novos problemas até então desconsiderados pelos historiadores, ao questionarem e buscarem entendimento de como as desigualdades sociais são produzidas. Na Europa, o processo de massificação da cultura escrita iniciará no século XVI em algumas regiões e com o advento da do Iluminismo, de uma esfera pública, do Iluminismo e da formação de um público leitor dará um grande salto. Nesse meio tempo, crescerão também o número de universidades na Europa. Apesar de existirem desde o século XII, elas assumiram grande importância no século XIX e será justamente nesse período que a história se transformará em disciplina acadêmica.As universidades passarão a criar disciplinas e cursos voltados exclusivamente para a história e se tornará o lugar social responsável pela produção do conhecimento histórico. A abordagem do materialismo histórico nesse primeiro momento ficará à margem dessas instituições, tendo pouca influência, predominando uma visão mais da filosofia liberal, com base no método positivista. O positivismo pregava uma objetividade absoluta e uma separação radical entre o sujeito produtor do conhecimento e seu objeto de estudo. Acreditava numa ideia de imparcialidade e suspensão dos juízos de valor na análise das sociedades e períodos anteriores. A abordagem da história deveria ser enunciar os fatos, principalmente de grandes homens e personagens, os feitos militares e políticos. Era uma história vista “de cima”, uma história dos grandes feitos e homens, das grandes guerras e fatos mais marcantes. Somente no século XX, a partir de fins dos anos 1920 e início dos anos 1930, essa visão vai começar a ser rompida. Surgirá uma escola histórica responsável por esse movimento: a Escola dos Annales ou Anais. Seus grandes idealizadores iniciais são Marc Bloch e Lucien Febvre. Para divulgar suas ideias criaram uma revista científica: a Anais de Histórica Econômica e Social, cuja primeira edição data de 1929. Seus idealizadores vão procurar superar essa história eminentemente política e militar e focada apenas nos grandes homens e feitos militares. Seu foco agora é a história econômica e social, a história das pessoas comuns, de novos grupos sociais. Seus documentos deixarão de ser apenas os escritos, mas tudo aquilo que versasse sobre o comportamento dos homens. Lista de compras, fotografias, pinturas tudo podia iluminar o modo de vida e o comportamento dos antepassados. Seu mote principal será formulado na seguinte frase: “a história é a ciência dos homens, dos homens no tempo”. Essa escola histórica terá profundo impacto na produção acadêmica de história feita no Brasil até pelo menos os anos 1980 e será responsável por aquilo que o historiador José Carlos Reis chamou de “a Revolução Francesa da historiografia”. 14 BUSQUE POR MAIS Aprenda um pouco mais sobre o tema com o vídeo “Vídeo aula - História - Introdução ao Estudo da História” com a profª Sílvia Meira. LINK: https://www.youtube.com/watch?v=SrUDvZwxa0s SCANEIE O CÓDIGO E ACESSE O LINK 15 FIXANDO O CONTEÚDO 1 - Sobre as explicações míticas, marque a alternativa correta. a) Consiste em explicações mágicas e religiosas sobre o mundo. b) Está amparada numa visão de mundo que é dominante nos dias atuais. c) Foi incorporada pelos historiadores como forma de explicação. d) Possui estrutura apenas espacial, sendo a dimensão temporal irrelevante. e) Refere-se a um tempo preciso, que pode ser determinado e datado. 2 - Sobre o surgimento da história entre os gregos, julgue as afirmativas. I- A história surge como disciplina ligada aos estudos filosóficos. II- A história ocupava-se apenas do passado mais remoto, sendo o tempo mais presente pouco estudado. III- Uma primeira forma de racionalidade foi fundamental para o surgimento da disciplina da história. As afirmativas verdadeiras são: a) apenas I. b) I e II. c) II e III. d) I e III. e) somente a III. 3 - A história, no período medieval, possui como característica marcante a) uma forte crítica documental. b) uma concepção de tempo linear e voltada para a ideia de progresso. c) a crença de que os documentos históricos são espelhos da realidade. d) o retorno das intervenções divinas no processo histórico. e) é que o domínio do papado sobre os documentos escritos pouco interferiu na escrita da história. 4 - Durante o renascimento cultural novas técnicas passaram a ser utilizadas pelo historiador para auxiliá-lo na leitura dos documentos. Essas técnicas foram tomadas de empréstimo a) dos eruditos e dos antiquários. b) da tradição oral. c) dos filósofos gregos. d) dos pintores renascentistas. e) dos árabes que chegaram à Europa na expansão islâmica. 16 5 - Sobre a abordagem romântica da história, julgue os itens. I. Preocupava-se com a veracidade das informações e mantinha postura de crítica documental. II. Possuía um olhar mais sentimental pelo passado humano, incorrendo muitas vezes em valorização idealista. III. Adotava postura de racionalidade acima de tudo e de crítica ao processo histórico. Os itens verdadeiros são: a) apenas II. b) I e II. c) I e III. d) II e III. e) somente I. 6 - Do ponto de vista dos métodos, o materialismo histórico não trouxe grandes renovações para a história. Entretanto, do ponto de vista teórico ela foi importante, pois, a) defendia que havia uma chave para entendimento do de história da humanidade. b) aplicou ao processo histórico uma análise crítica do capitalismo. c) desconsiderou as explorações econômicas e materiais. d) apropriou-se da dialética platônica e inverteu-a. e) traçou paralelos entre as sociedades antigas e as modernas. 7 - Do ponto de vista do método, a principal renovação da Escola dos Annales foi a) uma concepção de tempo cíclica. b) a retomada de um história voltada para os grandes homens e feitos. c) incorporação de novos tipos de documentos, não apenas os escritos. d) uma maior permissividade na relação sujeito e objeto. e) a divulgação das novas pesquisas na revista Anais de História Econômica e Social. 8 - As reflexões sobre o tempo histórico, após a Escola dos Annales, promoveram uma revolução na abordagem historiográfica e, no que que tange à temporalidade, atribuíram à longa duração um papel de destaque. A influência dessa historiografia francesa levou à compreensão da Idade Média como a) uma época entre a queda do Império Romano do Oriente e o fim do Renascimento, na qual se identifica o progresso e a aceleração do tempo. b) um período intermediário entre o início da Antiguidade Tardia e o movimento iluminista francês, que denuncia o obscurantismo medieval. c) uma época que se estende entre o final do Império Romano do Ocidente e a Revolução Francesa, cujos ideais de liberdade acabam com o Feudalismo. d) um período cronológico, entre a Antiguidade e a Idade Moderna, cuja história é atravessada por rupturas e continuidades que se estendem a outras épocas. e) um período médio entre o início da Antiguidade Tardia e o processo de tomada de Constantinopla pelos turcos, com fortes influências orientais sobre a percepção do tempo cristão. 17 PROFISSÃO HISTORIADOR UNIDADE 2 18 2. 1 O O FÍ C IO O termo “história” significa tanto o estudo dos acontecimentos humanos que já transcorreram quanto os acontecimentos em si mesmos. O historiador é profissional formado e capacitado em bases teóricas e metodológicas para executar essa tarefa de estudo dos acontecimentos humanos. Para realizar seu ofício, o historiador necessita aplicar suas teorias e seus métodos de trabalho sobre um conjunto elementar de documentos (não apenas os escritos, como vimos anteriormente), as fontes históricas. Borges afirma “(...) No meio da poeira de documentos antigos, na lama das escavações ou no manuseio de instrumentos muito desenvolvidos tecnicamente, é sempre o homem vivo que o historiador procura encontrar, é a sociedade na qual esse homem viveu, trabalhou, amou, procriou, guerreou, divertiu-se, que o historiador quer decifrar. (BORGES, 2005, p. 05.) ” No século XIX, como citamos anteriormente, o movimento romântico foi fundamental no resgate e na salvaguarda de toda documentação escrita produzida durante, principalmente, o período medieval. Essa conservação dos vestígios materiais do passado dos homens é que permite ao historiador do século XXI executar seu ofício. Vale lembrar, fazendo um corte para o Brasil, do notório caso de Rui Barbosa e os documentos que tratavam da escravidão para se refletir o quão complexa é essa tarefa de arquivamento das documentações em arquivos e museus. Após o fim da mesma, em 1888, o intelectual brasileiro ordenoua queima de documentos, como argumentam muitos, para evitar que fazendeiros escravistas pedissem indenização. Ainda que, emitindo um perigoso juízo de valor, possa se argumentar que sua atitude foi correta do ponto de vista político, ela acabou prejudicando em parte o trabalho dos historiadores que tratam de temáticas correlatas à escravidão. 19 2. 2 O O B JE TO Além de entender como o historiador trabalha, é necessário entender seu objeto de estudo. Devemos ao grande historiador francês Marc Bloch, em seu Apologia da História ou O Ofício do historiador, texto escrito enquanto o mesmo lutava contra a invasão nazista na França, participando da resistência à barbárie, grandes contribuições e reflexões sobre esse objeto. Bloch nos lembra que o objeto do historiador não é o passado, que a própria ideia de que o passado possa ser objeto de estudo não tem fundamento. Ele diz sobre o objeto do historiador “Há muito tempo, com efeito, nossos grandes precursores, Michelet, Fustel de Coulanges, nos ensinaram a reconhecer: o objeto da história é, por natureza, o homem. Digamos melhor: os homens. Mais que o singular, favorável à abstração, o plural, que é o modo gramatical da relatividade, convém a uma ciência da diversidade. Por trás dos grandes vestígios sensíveis da paisagem, [os artefatos ou as máquinas, ] por trás dos escritos aparentemente mais insípidos e as instituições aparentemente mais desligadas daqueles que as criaram, são os homens que a história quer capturar. Quem não conseguir isso será apenas, no máximo, um serviçal da erudição. Já o bom historiador se parece com o ogro da lenda. Onde fareja carne humana, sabe que ali está a sua caça. ” (BLOCH, 2001, P. 54) Outro aspecto importante no trabalho do historiador diz respeito ao processo de escolha do que ele vai pesquisar/estudar, ou seja, qual a temática será abordada. Desde o século XIX, pregava- se uma objetividade absoluta na relação do sujeito produtor de conhecimento com seu objeto de estudo. Estudos mais recentes têm questionado esta ideia. Hoje, sabe- se, que existe uma escolha consciente, subjetiva do tema a ser estudado por parte do especialista, rompendo em alguma medida essa separação absoluta entre sujeito e objeto. Ainda nesse quesito, vale lembrar o que nos fala Marc Bloch sobre a confusão existente entre filiação/gosto por um determinado tema e uma explicação científica sobre esse tema. A escolha do tema nos leva a outro aspecto dessa questão: a relação passado/presente. Os historiadores são homens de seu tempo, ou seja, “a história é filha de seu tempo”. Com isso, queremos dizer que os historiadores muitas vezes inovam em seus trabalhos ao lançar mãos de problemas do presente e buscar paralelos, similaridades com esses mesmos problemas em sociedades distantes no espaço e no tempo. Bloch nos recorda “A incompreensão do presente nasce fatalmente da ignorância do passado. Mas talvez não seja menos vão esgotar- se em compreender o passado se nada se sabe do presente.”. 20 2. 3 A IN TE R D IS C IP LI N A R ID A D E Neste trabalho complexo do historiador, como vimos até agora, o profissional acaba muitas vezes lançando mão de conhecimentos de outras áreas do conhecimento para a análise histórica, é a Interdisciplinaridade. Isso se deve em grande parte a própria diversidade de testemunhos que nos restaram do passado. Borges ilumina essa questão “Alguns períodos históricos ficaram muito pouco documentados por escrito. Para conhecê-los é preciso o auxílio das técnicas auxiliares da história., que surgem no século XVI e que são as únicas a ajudar a reconstituir uma determinada época. Por exemplo, o estudo dos povos bárbaros que invadem o Império Romano entre os séculos II e V d.C. é um dos mais incompletos, pois praticamente não é documentado por fontes escritas. É só com a ajuda da toponímia (estudo dos nomes de locais), da linguística (estudo das línguas), da numismática e da arqueologia que se pode chegar a algumas conclusões. O importante e essencial é que o trabalho do historiador se fundamente numa pesquisa dos fatos comprovados concretamente. ” (BORGES, 1993, p. 60) 2. 4 O L O C A L D E T R A B A LH O Por fim, vale levantar uma questão, mais atual, sobre o local de trabalho do historiador. Desde o século XIX, período em que a história se torna uma área de conhecimento disciplinar, com métodos e técnicas próprias, o lugar de trabalho do historiador tem sido as universidades e Institutos Históricos. Nos limiares do século XX e início desse século XX, com o advento dos fenômenos do patrimônio e da musealização da vida em geral, novos espaços de trabalho tem aparecido para o historiador. Museus, sindicatos, instituições voltadas para a preservação da memória de grupos marginalizados, empresas e até empresas de turismo tem requisitado os historiadores para escrever suas histórias, ampliando as possibilidades profissionais, mas também trazendo questionamentos éticos sobre a qualidade do trabalho desses profissionais, receosos de que não haja autonomia suficiente para que ele execute sua função. 21 BUSQUE POR MAIS Recentemente a profissão de historiador foi regulamentada. O texto aprovado foi um substitutivo (texto alternativo) da Câmara dos Deputados ao PLS 368/2009. O projeto segue para a sanção presidencial. De acordo com o substitutivo (SCD 3/2015), poderá exercer a atividade de historiador quem tem diploma de curso superior, mestrado ou doutorado em História; diploma de mestrado ou doutorado obtido em programa de pós-graduação reconhecido pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) com linha de pesquisa dedicada à história; e profissionais diplomados em outras áreas que comprovarem ter exercido a profissão de historiador por mais de cinco anos a contar da data da promulgação da futura lei. O texto é de autoria do senador do Rio Grande do Sul (RS), Paulo Paim (PT). LINK:https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2020/02/18/senado-aprova-projeto-que- regulamenta-profissao-de-historiador Nos últimos anos, o historiador tem sido convidado a participar da cena pública mais intensamente, a atuar como um homem público, emitindo opiniões embasadas em seu conhecimento histórico. Essa atuação em novos espaços tem gerado uma série de discussões, inclusive no campo da ética. Leia o texto do historiador Fernando Nicolazzi onde ele discute essas questões tomando como caso o historiador Leandro Karnal. NICOLAZZI, F. Muito além das virtudes epistêmicas: o historiador público em um mundo não linear. Revista Maracanan. p. 18-34. 2018. LINK: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/maracanan/article/view/31121 Um pouco mais sobre a profissão do historiador em suas fases de pesquisa, docência e curadoria pode ser obtido assistindo-se ao vídeo do prof. Valdei Araújo sobre essa temática. LINK: https://www.youtube.com/watch?v=ocBOXSw8IdA&t=2s SCANEIE O CÓDIGO E ACESSE O LINK 22 FIXANDO O CONTEÚDO 1 - Sobre o ofício do historiador, marque a alternativa correta. a) O historiador deve usar somente dos recursos da escrita na análise histórica. b) A parte mais importante do trabalho do historiador é conseguir se isolar da realidade em que vive para a análise. c) Teoria e método são fundamentais para a análise do historiador. d) A aplicação de uma teoria é mais importante que os métodos de trabalho. e) Na antiguidade, as teorias que embasavam o ofício do historiador são as mesmas de hoje. 2 - Sobre as instituições em que o historiador pode pesquisar, avalie os itens. I. Somente em arquivos públicos credenciados. II. Em arquivos e museus públicos, em monumentos. III.Em arquivos e museus públicos e privados e outros lugares onde foi arquivado registro dos seres humanos. São corretos os itens: a) somente I. b) somente II. c) somente III. d) II e III. e) I e III. 3 - Leia. I. O objeto de trabalho do historiadoré o passado dos seres humanos PORQUE II. Afirmar que o passado em si mesmo pode ser objeto de estudo é errôneo. Sobre as afirmativas: a) ambas são verdadeiras, e a II justifica a I. b) só a I é verdadeira e a II é falsa. c) a II é verdadeira e a I falsa. d) ambas são falsas. e) ambas são verdadeiras, mas a II não justifica a I. 4 - Leia a frase. “O historiador na prática de seu ofício sempre tem em mente que as fontes ou documentos 23 jamais são um “espelho fiel da realidade”, mas sempre uma representação de determinada realidade ou objeto em questão. Dessa forma sempre analisados enquanto tal. ” Sobre o enunciado, pode-se afirmar que a) existe uma separação absoluta entre sujeito e objeto de conhecimento. b) as fontes são um retrato real da realidade passada. c) as fontes são construções históricas, possuindo intencionalidades. d) a crítica das fontes é dispensável atualmente para os historiadores. e) o historiador deve apenas descrever o que encontrou nas fontes, sem maiores objetivos explicativos. 5 - Sobre a interdisciplinaridade, marque a alternativa correta. a) É o uso de ciências eruditas no trabalho do historiador. b) Consiste numa abordagem que requer intercruzar áreas diferentes do conhecimento para o trabalho do historiador. c) Adquiriu importância a partir do materialismo histórico de Marx e Engels. d) Foi largamente utilizada pelos historiadores gregos e latinos. e) Atualmente, tem sido bem criticada pelos historiadores neorromânticos. 6 - Leia o texto. “As empresas e museus têm sido as instituições que estão compreendendo a relevância do papel do historiador em suas organizações. Esse movimento é crescente no mundo e no Brasil, um país tachado de “sem memória”. O que se vê são as empresas preocupadas em manter viva suas trajetórias. Por consequência, ao relatarem o contexto de seus negócios, estão colaborando para a preservação da memória local e da nação. Ironicamente, a história empresarial, enquanto trato acadêmico, é produzida nos departamentos de Administração e Economia, tendo áreas de pesquisa para tal assunto, dado a relevância deste tema para o desenvolvimento dos modelos de gestão e análise dos impactos econômicos num país ao longo do tempo. ” Disponível em: https://medium.com/@cassiusgon/historiadores-e-mercado-de-trabalho- 23a43b0366e4. Acesso em: 06 abril. 2020. Segundo o texto, os historiadores a) são responsáveis diretos pela “falta de memória” de um povo. b) estão sendo requisitados em novos locais de trabalho como museus e empresas. c) foram os principais produtores de história empresarial. d) tem lutado contra a mercantilização do passado. e) tem suas análises desconsideras pelas empresas sobre os impactos de suas ações. 24 7 - Leia a opinião abaixo sobre a regulamentação da profissão do historiador. “Vejamos o problema central, o que me convenceu da oportunidade de uma lei para os historiadores. Nas tradições do Estado brasileiro, a ausência de lei regulamentadora implica desvantagens profissionais significativas. Os órgãos públicos como Tribunais, Casas Legislativas, Arquivos, Bibliotecas, Museus etc só podem fazer concurso para historiador se houver a regulamentação. Na ausência da lei deixam de abrir vagas para esses profissionais ou, em certos casos, lançam mão de arranjos ou improvisações. Simples assim. Nós poderíamos ficar esperando o Brasil se tornar um país de instituições realmente liberais – o que pode demorar um pouco, em vista das peculiaridades já apontadas do nosso liberalismo – ou, então, trabalhar por uma regulamentação que atenda às demandas profissionais, sem prejuízo da liberdade de pesquisa e de expressão. Eu prefiro a segunda opção. Portanto, o que está em jogo, principalmente, é uma iniciativa legislativa que vai retirar obstáculos à contratação de historiadores nos órgãos públicos, com possíveis desdobramentos positivos para a formação profissional, ao tornar a carreira um pouco mais atraente para os jovens. E isso não é coisa de somenos, para quem conhece a realidade da nossa graduação. O outro objetivo do projeto é garantir que somente profissionais com formação específica lecionem no ensino básico (Fundamental e Médio). O projeto de lei prevê que apenas historiadores licenciados devem lecionar a respectiva disciplina no Ensino Fundamental e Médio. ” MOTTA, Rodrigo P. S. Porque vale a pena regulamentar a profissão de historiador. Disponível em: https://anpuh.org.br/index.php/2015-01-20-00-01-55/noticias2/noticias-destaque/item/454- porque-vale-a-pena-regulamentar-a-profissao-de-historiador. Acesso em: 06 abril. 2020. O argumento principal do autor para defender a regulamentação da profissão é a de a) fomentar o liberalismo de nossas instituições. b) ampliar os recursos financeiros para as pesquisas dos historiadores. c) ampliar as formas de pesquisa dos historiadores. d) melhorar o nível de ensino da educação básica. e) abrir novas possibilidades de empregos aos jovens profissionais, corrigindo desvantagens laborais. 8 - A frase “a história é filha de seu tempo” pode ser interpretada no que se refere ao trabalho do historiador no sentido de que a) as pesquisas históricas estão “contaminadas” pelas intenções do sujeito. b) as demandas e problemáticas do historiador são forjadas no presente e se lançam ao passado. c) os juízos de valor são importantes nas considerações dele. d) ele é capaz de apartar-se da realidade histórica para sua análise. e) ele é um sujeito para além da história, vivendo num tempo e espaço específicos. 25 O (S) TEMPO (S) UNIDADE 3 26 O tempo é a principal dimensão de análise do historiador. Mas que coisa é essa a que nomeamos de tempo? Quais tempos existentes? Todas as pessoas percebem o tempo da mesma maneira? O que queremos dizer quando dizemos existir um “tempo histórico”? São muitos os tempos da história. Em nossa sociedade, a forma mais comum de medir o tempo é o relógio, que determina, por exemplo, o tempo de duração do almoço de um trabalhador ou sua própria jornada de trabalho ou o horário de funcionamento de um determinado local, como uma empresa ou escola. Às vezes também nos sentimos cansados ou com fome, esse tempo é do descanso ou do saciar-se é pedido pelo nosso próprio corpo, que tem um ritmo próprio, um tempo específico. Entretanto, não necessariamente podemos nos saciar ou descansar a qualquer hora devido a outros afazeres diários como o trabalho e o estudo. Trata-se de uma maneira de perceber o tempo que cada um tem. É fácil perceber que existem diferentes formas de contar e medir tempo, entre eles os calendários e os relógios. Por outro lado, a questão que se coloca aqui é outra: O que é isso que chamamos de tempo histórico e como ele se diferencia de outros tempos como o geológico ou da natureza? O grande historiador francês Marc Bloch, em sua obra, Apologia da História ou O ofício do historiador, nos dá um exemplo do que significa essa coisa que chamamos de tempo histórico 3. 1 O T E M P O H IS TÓ R IC O : M A TÉ R IA -P R IM A D O H IS TO R IA D O R “No século X de nossa era, um golfo profundo, o Zwin, recortava a costa flamenga. Depois foi tomado pela areia. A que seção do conhecimento levar o estudo desse fenômeno? De imediato, todos designarão a geologia. Mecanismo de aluvionamento, papel das correntes marinhas, mudanças, talvez, no nível dos oceanos: não foi ela criada e posta no mundo para trabalhar tudo isso? Certamente. Olhando de perto as coisas não são de modo algum assim tão simples. Tratar-se-ia, em primeiro lugar, de escrutar as origens da transformação? Eis o nosso geólogo já obrigado a se colocar questões que não são mais, estritamente, de sua alçada. Pois, sem dúvida, esse assoreamento foi, pelo menos, favorecido por construções de diques, desvios de canais, secas: diversos atos do homem, resultado de necessidades coletivas e que apenas uma certa estrutura social torna possíveis. Na outra ponta da cadeia, novo problema: o das consequências.A pouca distância do fundo do golfo, uma cidade se erguia. Era Bruges, Comunicava-se com ele por um breve trajeto fluvial. Pelas águas do Zwin, ela recebia ou expedia a maior parte das mercadorias que faziam dela, guardadas todas as proporções, a Londres ou a Nova York de sua época. Vieram, cada dia mais sensíveis, os avanços da sedimentação. Bruges tentou em vão, à medida que a superfície inundada recuava, empurrar ainda mais seus portos avançados para a foz, e seus cais pouco a pouco adormeceram. Decerto essa não foi absolutamente, longe disso, a causa única de seu declínio. Age a física alguma vez sobre o social sem que sua ação seja preparada, ajudada ou permitida por outros fatores que não venham do homem? Mas, no ritmo das ondas causais, esta causa está pelo menos, não poderíamos duvidar disso, entre as mais eficazes. ” (BLOCH, 2001. P:53) 27 Claro fica, pelo exemplo citado, que aquilo que chamamos de história começa a partir do momento que algum tipo de agência humana tenha de fato se dado. Em outras palavras, a partir do instante em que os homens passam a interferir, agir sobre o mundo ou a natureza, a partir daí está aquilo que chamamos de história. Já a categoria tempo histórico, como demonstrou o historiador Reinhart Kosselleck, é uma construção dos séculos XV a XVIII e característica fundante da modernidade. Para operacionalizar seu trabalho, o historiador procura situar os acontecimentos humanos no tempo, haja vista que todo fato humano é por excelência histórico e deve ser localizado em um espaço e um tempo específicos. Portanto, é sempre importante se perguntar “Onde Ocorreu? ” e “Quando ocorreu?” Determinado evento. Tomemos como exemplo o fim da escravidão no Brasil em 13 de maio de 1888, com a lei Áurea. Duas informações básicas se sobressaem nesse acontecimento: a data do fim, 13 de maio de 1888, e o lugar, o território brasileiro. Desta forma, o ano de 1888 é um marco cronológico dentro daquilo que entendemos como sendo a história do Brasil, cabendo ao historiador fixá-lo. 28 3. 2 M E D IR O T E M P O Uma característica do tempo, que a princípio parece simplória, é o fato de é impossível controlá-lo, ou seja, independente da vontade humana ele segue seu fluxo. Outra, bem diferente, como começamos a esboçar no item anterior, é a percepção que cada indivíduo, cada grupo social ou cada sociedade tem da passagem desse mesmo tempo. Pensemos em uma data, por exemplo. Para os cristãos o dia 25 de dezembro é marcante pois se comemora o nascimento de Jesus Cristo, mas essa data tem importância para sociedades que professam outras religiões como a judaica e a islâmica? Evidentemente que não. Figura 4 - Saturno devorando um filho, pintura de Francisco Goya, 1820-1823. Museu do Prado, Espanha. Saturno, o deus do tempo para os antigos romanos (Cronos para os gregos), devorava seus filhos para impedir que fosse destronado por um deles. Desta forma, é possível dizer que cada sociedade adota marcos diferentes para medir o tempo e que ao longo da própria existência dela novos marcos temporais possam surgir. Os primeiros grupos humanos, pelo que se sabe, adotaram a natureza como referência para medir a passagem do tempo. Esse fato é de relativa simplicidade seu entendimento, bastando observar a posição do sol e das fases da lua, o movimento das marés, as diferentes estações do ano com seus regimes de chuva e estiagem, as épocas melhores para plantio e colheita de determinados gêneros e culturas. Esse tempo ligado à natureza só veio a ser de alguma maneira substituído, embora ainda permaneça em várias localidades em pleno século XXI, a partir do surgimento da industrialização e a criação de um tempo mais disciplinado controlado pelo relógio. O historiador inglês Edward P. Thompson traz, em seu excelente livro Costumes em Comum: estudos sobre a cultura popular tradicional, diversas casos e histórias sobre essa passagem do tempo durante a Revolução Industrial inglesa. Um deles aparece na obra do escritor irlandês John M. Synge (1871-1909) sobre a vida dos moradores nas Ilhas de Aran, na Irlanda “Na ilha, o conhecimento geral do tempo depende, bastante curiosamente, da direção do vento. Quase todas as cabanas construídas [...] com duas portas uma em frente da outra. […] Se o vento é norte, a porta do sul fica aberta, e o movimento da sombra do umbral sobre o chão da cozinha indica a hora; porém, assim que o vento muda para o sul, a outra porta é aberta […] Quando o vento é do Norte, a velha senhora prepara as minhas refeições com bastante regularidade; mas, nos outros dias, ela frequentemente prepara meu chá às três horas em vez das seis. ” (THOMPSON, 1998, p. 270-271) Nota-se, portanto, que mesmo após a ascensão de novas formas de contar o tempo que não estejam ligadas à natureza, algumas sociedades resistem contando-o desta maneira. Figura 5 - Calendário dos doze meses: trabalhos agrí- colas. Ilustração de Colin D’Amiens para O livro dos benefícios rurais, escrito pelo jurista da Bolonha Pietro de Crescenzi e publicado entre 1459-1470. Museu Condé, França. 29 3. 3 P A SS A D O E P R E SE N TE : U M A C O M P LE XA R E LA Ç Ã O Dissemos, anteriormente, que a história é “a ciência dos homens, dos homens no tempo” e que o objeto de estudo do historiador é o passado dos seres humanos. Ora, se dissemos que existe um passado é natural que exista um presente e um futuro. Mas onde efetivamente um começa e o outro termina? Na imensidão da duração seria aquele momento fugidio, aquele que escapa antes que o raciocínio se elabore? Seria o instante que ao nascer já enuncia seu fim e morre? No cotidiano, o presente é caracterizado também como um “passado recente”. Mas quanto seria esse recente? Uma década, um ano, um mês, uma semana? Um dia? Percebe-se que essa definição não é tão simples de ser feita. Certamente se sabe que a ignorância em relação aos fatos do presente proporciona o mesmo em relação ao passado e também que o desconhecimento do passado traz em si o germe da falta de orientação no presente. Entretanto, a relação entre o passado e o presente não se dá de maneira mecânica, direta. Há nuances, pontos de fuga e interrogações que ficam às margens, que ficam numa zona cinzenta. Há também o desenvolvimento da própria disciplina, cujas abordagens teóricas e metodológicas vão se transformando, assumindo novas feições e funções, lançando luzes diferentes sobre os processos humanos, mostrando que a história e o próprio tempo estão em construção. Passado, presente e futuro; tempo em construção. Essas noções em si mesmas são históricas. A divisão passado/presente/futuro marca uma condição de surgimento da ideia do tempo histórico. Segundo o historiador Reinhart Koselleck, a diferença temporal entre passado e presente começa a constituir no século XVI e vai progressivamente se desenvolvendo até a Revolução Francesa. É nela que efetivamente os humanos começam a perceber esse distanciamento temporal, começam a notar uma separação entre o passado e o presente. Percebe-se que cada época constitui uma totalidade diferente da anterior e precisa ser estudada pelos seus próprios conceitos e preceitos e valores. 30 3. 4 A S FO R M A S D E C O N TA R O T E M P O E O E TN O C E N TR IS M O Para organizar ainda mais seu trabalho, o historiador propõe interpretações sobre os fatos humanos e essas interpretações acabam por desembocar em periodizações, ou seja, a divisão do tempo em fatias que produzem algum tipo de sentido. É possível estabelecer diferentes periodizações para a mesma sociedade, assim como a mesma periodização para diferentes sociedades, sempre dependendo do critério que será utilizado. Tomemos como exemplo duas periodizações bastante comuns em nossa sociedade. A primeira diz respeito a certa divisão tradicional da história surgida naEuropa do século XVIII, a que fatiou o tempo em idades ou períodos: Pré-História, Idade Antiga, Idade Média, Idade Moderna e Idade Contemporânea. Essa periodização parte da invenção da escrita, ocorrida mais ou menos 4.000 a.C. e é em grande parte adotada na história ensinada nas escolas e nos livros didáticos. Ela é tributária de uma visão francesa do passado, onde o período contemporâneo seria aquele iniciado com a Revolução Francesa. Ora, porque dissemos que essa periodização é etnocêntrica? Porque ela se baseia nos pressupostos e numa visão de passado que é própria da sociedade francesa, onde a França estaria no centro dos acontecimentos da história humana. Ademais, ao utilizar a categoria “Pré-história” para classificar todo o período anterior à invenção da escrita, ela acaba por lançar mão de preconceitos, pois há sociedades que não desenvolveram sistemas de escrita e que isso não significa que elas sejam menos importantes ou menos desenvolvidas/atrasadas culturalmente. Pelo contrário, essas sociedades desenvolveram outros mecanismos e formas culturais e possuem elas mesmas formas específicas de contagem e periodização do tempo. Outra periodização importante em nossa trajetória histórica diz respeito à divisão dos acontecimentos entre antes de Cristo (a.C.) e depois de Cristo (d.C.). Essa divisão é a marca do nosso calendário, o calendário gregoriano. Refere-se ao papa Gregório XIII e foi encomendado por ele e promulgado em 1582. Baseou- se no antigo calendário romano. Seu marco inicial é o nascimento de Jesus Cristo, também chamado por isso de calendário cristão. Entretanto, temos que pensar em sociedades não cristãs. Que tipo de contagem do tempo eles fazem? O calendário cristão-gregoriano faz sentido para eles? No calendário judaico, o evento principal é a criação do mundo por Deus, episódio narrado no livro do Gênesis. Para o calendário muçulmano, o tempo é contado a partir da fuga do profeta Maomé da cidade de Meca para Medina, episódio conhecido como Hégira. Figura 6 - Quadro comparativo de diferentes calendá- rios, criado a partir de marcos importantes para cada uma das religiões. 31 Neste vídeo, a psicanalista Maria Rita Kehl faz uma instigante reflexão sobre tempo dos relógios e calendários e o tempo de nossas vidas. O vídeo é do programa Café Filosófico. LINK: https://www.youtube.com/watch?v=kwxyT5n6E9o BUSQUE POR MAIS SCANEIE O CÓDIGO E ACESSE O LINK 32 FIXANDO O CONTEÚDO 1 - Leia o trecho. “Realidade concreta e viva, submetida à irreversibilidade de seu impulso, o tempo da história, ao contrário, é o próprio plasma em que se engastam os fenômenos e como o lugar de sua inteligibilidade. ” (BLOCH, 2001, p.55) Sobre o tempo histórico, o trecho acima diz que a) é onde se tecem os acontecimentos humanos. b) é passível de repetição. c) sempre foi de difícil inteligibilidade. d) é onde se inserem os fenômenos naturais. e) engloba também o tempo geológico e da terra. 2 - Marque a alternativa que contém a primeira forma de contar o tempo usada pelos seres humanos. a) Calendários. b) Relógios de pulso. c) Ampulhetas. d) Natureza. e) Máquinas. 3 - Leia o trecho. “Na ilha, o conhecimento geral do tempo depende, bastante curiosamente, da direção do vento. Quase todas as cabanas construídas [...] com duas portas uma em frente da outra. […] Se o vento é norte, a porta do sul fica aberta, e o movimento da sombra do umbral sobre o chão da cozinha indica a hora; porém, assim que o vento muda para o sul, a outra porta é aberta […] Quando o vento é do Norte, a velha senhora prepara as minhas refeições com bastante regularidade; mas, nos outros dias, ela frequentemente prepara meu chá às três horas em vez das seis. ” (THOMPSON, 1998, p. 270-271) O trecho acima, assinala uma forma de contar o tempo ligada a) natureza. b) relógios. c) máquinas industriais. d) ampulhetas. e) sinos. 33 4 - Para o historiador alemão Reinhart Koselleck, o tempo histórico é uma categoria surgida entre os séculos XV e XVIII e se constitui como uma das marcas da modernidade. Sendo assim, é possível afirmar que o tempo histórico é a) uma demanda exclusiva do Renascimento cultural. b) um conceito pouco operatório. c) um pressuposto do tempo da natureza. d) uma rememoração do mundo antigo. e) uma construção humana. 5 - Sobre as relações entre passado e presente, avalie os itens. I. A ignorância em relação ao presente implica uma ignorância em relação ao passado. II. A função do passado atualmente consiste em fornecer todos os modelos de conduta dos seres humanos no presente. III. A relação entre passado e presente se dá de maneira fluída, rejeitando mecanicismos. Os itens corretos são: a) I. b) II. c) II e III. d) I e III. e) I e II. 6 - Sobre as periodizações do tempo, marque a alternativa correta. a) São objetos de pouca reflexão historiográfica. b) Constitui em uma construção humana e do historiador e pode ser questionada. c) São poucas as existentes atualmente. d) A única importante é a que divide entre antes e depois de Cristo. e) Com a alta relação entre os povos na atualidade, surgiu-se um tempo único. 7 - Leia o texto. (ENADE) Ao se problematizar a produção do conhecimento histórico, as representações do tempo, do passado e da ciência com que operamos, um novo conceito de temporalidade se tornou possível: não mais o de um tempo definido aprioristicamente, em que o historiador inscreveria os acontecimentos, como num filme linear; mas o tempo da experiência, do acontecimento em sua singularidade, o que torna possível perceber que já diferença na repetição e que trabalhamos com a multitemporalidade, ao invés de restringirmo-nos a uma temporalidade única. ROSSI, V.L.S; ZAMBONI, E. (Org.). Quanto tempo o tempo tem! 2 ed. Campinas: Editora Alínea, 2005 (adaptado). O conceito de tempo associa-se diretamente à escrita da História, tendo em vista que os acontecimentos são produzidos em uma determinada temporalidade, a qual expressa sinais do pensamento, das ações e experiências humanas em uma determinada época. Sobre o conceito de tempo, a partir das perspectivas teóricas mais atuais, avalie as afirmações a 34 seguir. I. Valoriza-se o tempo plural e em diferentes sintonias, em detrimento do tempo linear e progressivo, entendido como sentido único. II. A história se constrói com base na ideia de tempo cumulativo, na qual a curta duração forma a longa duração. III. Reconhecem-se múltiplas temporalidades, onde o tempo cronológico coexiste com o tempo das rupturas e das continuidades. IV. O tempo deve ser entendido em seu contexto histórico e, nesse sentido, a divisão cronológica da História é o principal instrumento para explicar as ações humanas. É correto apenas o que se afirma em a) I e III. b) II e III. c) II e IV. d) I, II e IV. e) I, III e IV. 8 - Observe os calendários abaixo. Marque a alternativa correta. a) Eles revelam que existem múltiplas formas de contar o tempo. b) Eles indicam que nascimento de Cristo é evento central em várias culturas. c) Eles evidenciam que os calendários religiosos são as melhores formas de contar o tempo. d) Eles questionam a existência de múltiplas formas de contar o tempo. e) Eles mostram que inexistiam formas de contar o tempo antes do surgimento de Maomé. 35 AS FONTES E A PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO HISTÓRICO UNIDADE 4 36 É comum ouvirmos que fontes históricas são os vestígios de atividades humanas exercidas no passado e que de alguma maneira nos foram deixadas em diferentes graus de preservação no presente. Marc Bloch assim o define. “Como primeira característica, o conhecimento de todos os fatos humanos no passado, da maior parte deles no presente, deve ser, [segundo a feliz expressão de François Simiand], um conhecimento através de vestígios. Quer se trate das ossadas emparedadas nas muralhas da Síria, de uma palavra cuja forma ou emprego revele um costume, de um relato escrito pela testemunha de uma cena antiga [ou recente],o que entendemos efetivamente por documentos senão um “vestígio”, quer dizer, a marca, perceptível aos sentidos, deixada por um fenômeno em si mesmo impossível de captar? ” (BLOCH, 2001, p. 73) A afirmação está correta, mas gostaríamos de chamar a atenção para um outro aspecto da questão das fontes históricas: o entendimento do que são fontes históricas também possui uma história, ou seja, aquilo que, por exemplo, os historiadores chamavam de fontes no século XIX sofreu uma ampliação/renovação considerável a partir do século XX e com o advento das redes de informação e internet assumiu novas feições. Por outro lado, durante muito tempo, foi comum acreditar que os documentos históricos eram retratos fiéis da realidade, cabendo ao historiador apenas estabelecê- los e descrevê-los sumariamente. Até que ponto isso ainda resiste na produção do conhecimento histórico? Como se nota, são muitas as questões que envolvem as fontes e a produção do conhecimento histórico. 4 .1 U M A H IS TÓ R IA D A S FO N TE S H IS TÓ R IC A S Partiremos, em nossa pequena história, do momento em que a disciplina de história se torna um campo de estudo autônomo, com métodos e teorias fundamentadas: o século XIX. Durante esse século, várias escolas históricas diferentes possuíam uma concepção de documento histórico semelhante: tratava-se daqueles que eram fundamentalmente escritos e que versassem sobre grandes acontecimentos e feitos, sobre homens destacados do cenário político e intelectual e eventos como guerras, assinaturas de tratados e acordos. Esses documentos eram tratados como espelho fiel realidade. Borges comenta nesse sentido “Antigamente a ideia de um documento histórico era a de ‘papéis velhos’, referentes a ‘pessoas importantes’ (reis, imperadores, generais, grandes nomes das artes e das religiões etc.), as quais eram vistas como condutores da história. “ (BORGES, 1993, p. 61) A partir do século XX, inovações teóricas trouxeram um novo olhar sobre os documentos. Principalmente a partir da Escola dos Annales, na França da década de 1930, os documentos escritos deixaram de ocupar o sacrossanto lugar que ocupavam. Sabe-se que desde uma lista de compras em um supermercado, pinturas e esculturas, filmes e fotografias e até os restos existentes lixo de uma residência permitem ao historiador inferir sobre determinado grupo social ou sociedade. Marc Bloch cita outro aspecto importante nessa ampliação do escopo das fontes históricas. Acreditava-se que os documentos eram retratos fiéis da realidade e o historiador deveria proceder para saber se os mesmos eram falsos ou verdadeiros. Ele afirma procura colocar em perspectiva essa premissa ao dizer que nenhum documento histórico é isento, que todos eles possuem algum grau de intencionalidade, ainda que não tenham sido produzidos com essa finalidade. 37 É o que Jacques Le Goff nomeou de “documento monumento” ao afirmar que ele é uma construção social. Nos limiares do século XX e início do século XXI, outras questões apareceram ao historiador, entre elas aquelas ligadas aos registros da internet. Como trabalhar com sítios hospedados na rede mundial de computadores se não sabemos amanhã se eles estarão disponíveis? Entretanto, algumas reflexões têm sido feitas no sentido de questionar essa visão, ao afirmar que qualquer documento histórico possui caráter transitório, instável e sem garantia de permanência no tempo. Que a internet é apenas um meio a partir do qual se pode obter informações sobre o passado, assim como um arquivo ou um museu. 4 .2 F O N TE S E SC R IT A S, O R A IS , M A TE R IA IS E IC O N O G R Á FI C A S No trabalho do historiador de produzir conhecimento histórico é fundamental que ele se cerque de uma variedade ampla de fontes históricas. Elas podem ser classificadas de acordo com o quadro abaixo: Fonte Exemplos Escritas Manuscritos, cartas, diários, registros contábeis, obras lite- rárias, tratados etc. Sonoros Relatos de pessoas, discursos e depoimentos, gravações de programas radiofônicos etc. Iconográficos Fotografias, pinturas, dese- nhos, memes etc. Cultura material Estátuas, móveis, utensílios domésticos, roupas, ornamen- tos etc. O mais importante, contudo, é de que o historiador tenha consciência desses diversos tipos de fontes históricas e consiga, a partir da definição de seu objeto de estudo, delimitar com quais ele vai trabalhar, haja vista que cada tipo de fonte histórica requer o domínio de uma técnica específica para lidar com ele. E que na sua produção de conhecimento ele trabalhe com mais de um tipo de fontes, de modo a “cruzar” as informações que cada uma delas nos legou. Fi g u ra 7 - C ri an ça s d o 6º a n o se n d o in tr od u zi d as n a p rá ti ca d e le it u ra e i n te rp re ta çã o d e fo n te s h is tó ri ca s. O b se rv e a d iv er si d ad e d e fo n te s a q u e el as tê m a ce ss o. 38 4 .3 A N A LI SA R O S D O C U M E N TO S E P R O D U ZI R H IS TÓ R IA Após a compreensão da história dos documentos e registros históricos, bem como de sua tipologia mais básica, cabe ao historiador um processo mais complexo: a interpretação desses fatos e acontecimentos. Nesse sentido, é preciso, antes de mais nada, que o historiador compreenda que os documentos históricos nos deixam uma miríade de problemas, temas e testemunhos. Durante muito tempo, a questão para o historiador em sua análise histórica esteve entre o julgar e o compreender. Tributário da velha fórmula de Leopold von Ranke de que o historiador deve apenas “descrever as coisas como realmente aconteceram”, essa dicotomia tem sido revista. Não porque o historiador tenha que abdicar do seu compromisso com a verdade e o verossímil; definitivamente não é essa a questão. O historiador procura sempre entender o ser humano em sua vivência, entender a sociedade na qual ele nasceu, cresceu, trabalhou, se relacionou com outros e veio a morrer. Bloch nos ensina “Uma palavra, para resumir, domina e ilumina nossos estudos: “compreender”. Não digamos que o historiador é alheio às paixões; ao menos, ele tem esta. Palavra, não dissimulemos, carregada de dificuldades, mas também de esperanças. Palavra, sobretudo, carregada de benevolência. Até na ação, julgamos um pouco demais. É cômodo gritar “à forca!” Jamais compreendemos o bastante. Quem difere de nós — estrangeiro, adversário político — passa, quase necessariamente, por mau. Inclusive, para travar as inevitáveis lutas, um pouco mais de compreensão das almas seria necessário; com mais razão ainda para evitá-las, enquanto ainda há tempo. A história, com a condição de ela própria renunciar a seus falsos ares de arcanjo, deve nos ajudar a curar esse defeito. Ela é uma vasta experiência de variedades humanas, um longo encontro dos homens. A vida, como a ciência, tem tudo a ganhar se esse encontro for fraternal. ” (BLOCH, 2001, p. 128) Há outro aspecto, para além do enunciado por Bloch: trata-se do entendimento de que o todo o trabalho do historiador parte de uma escolha. Escolha do objeto, do tema, do problema a ser desenvolvido em sua pesquisa, da escolha das fontes a serem utilizadas e do período histórico a ser estudado/analisado. Isso porque o historiador é um homem que vive em sociedade, é um ser social. Desta forma, as escolhas acima (objeto, tema, problema, fontes etc) estarão sempre condicionadas pela situação histórica em que ele se encontra, pelo tipo de sociedade que ele vive, pelos limitadores que impedem seu acesso a um conjunto de fontes e até mesmo pelo valor que a disciplina da história assume em cada uma dessas sociedades. O historiador sempre parte de uma situação concreta, determinada por tempo e lugar específicos. Seu primeiro passo então consiste em situar seu objeto no tempoe no espaço que pretende estudar. Vale lembrar que cada realidade é única, podendo seu objeto ser O papel da religião cristã, dos mosteiros e da cultura na Idade Média, A escravidão moderna e o tráfico de escravizados, Políticas de extermínio indígena durante o Império etc. Situar seu objeto no tempo e no espaço pressupõe que esses fatos estudados tenham realmente acontecido e não sejam suposições. Nesse sentido, é preciso que se entenda que os fatos/documentos analisados não são espelhos fiéis da realidade - como vimos anteriormente. No seu trato direto com as fontes, o historiador deve lançar mão dos mais sofisticados métodos e teorias existentes para que outros olhares sejam possíveis sobre o mesmo objeto. É comum haver objetos que já foram exaustivamente estudados, mas devido às inovações teóricas e metodológicas, alguns historiadores conseguem lançar novas interpretações sobre eles. Nesse sentido, ele deve também estudar bastante aquilo que já foi escrito sobre seu objeto de estudo. Ler e conhecer outras referências 39 é de fundamental importância para que ele não proponha interpretações que outros já o fizeram. Entretanto, alguns períodos históricos nos legaram mais registros, tanto em suas formas quanto pela quantidade, do que outros períodos. Alguns períodos históricos deixaram pouco documentos na forma escrita. Até pouco tempo atrás, como vimos, os historiadores acreditavam que períodos assim eram impossíveis de se estudar. Felizmente, os estudos históricos progrediram na sua compreensão do que vem a ser documentos históricos e em suas abordagens permitindo que disciplinas auxiliares pudessem ajudar a lançar luz sobre determinados períodos. Após situar seu objeto no tempo e no espaço, o trabalho do historiador prossegue. Borges nos ensina “A história, como vimos, não é só o levantamento de dados ou fatos; ela os relaciona entre si, procurando descobrir e sistematizar as relações existentes. A história, como toda forma de conhecimento, procura desvendar, revelar, sistematizar relações desconhecidas, não claras. ” (BORGES, 1993, P. 65-66) Essa necessidade de periodizar, organizar os fatos em sua sequência cronológica é um estágio muito importante para estabelecer as relações entre eles. Trata- se de tarefa fundamental para a construção de uma explicação histórica. Desta forma, esse período histórico abordado pelo profissional da história irá depender também de uma série de fatores: limitação de suas fontes, definição do tema e do problema a ser pesquisado etc. A periodização é importante para mostrar as diversas épocas ou períodos que a sociedade se organiza de variadas formas. Essa periodização possui uma importância adicional: mostra a especificidade de determinado período frente outros, sua singularidade, sua particularidade; desta forma, a periodização é sempre uma escolha do historiador e deve ser construída ao longo de seu estudo/pesquisa e não determinada de antemão. Por fim, uma última questão tem a ver com a linguagem utilizada pelo historiador. Toda ciência possui um corpo linguístico específico e o domínio de conjunto de ferramentas linguísticas é primordial. A linguagem técnica de explicação dos fenômenos do passado humano distingue a análise do historiador da análise do senso comum e de uma análise sem caráter científico. Isso se torna mais difícil na medida em que nem sempre os seres humanos criam palavras novas para designar seus novos modos de viver, de se comportar e de se comunicar. Vejamos o exemplo que Marc Bloch nos deixou “A palavra latina servus, que deu em francês serf, atravessou os séculos. Mas ao preço de tantas alterações sucessivas na condição assim designada que, entre o servus da antiga Roma e o serf da França de são Luís, os contrastes prevaleceram em muito sobre as semelhanças. Também os historiadores geralmente tomam partido de reservar “servo” para a Idade Média. Trata-se da Antiguidade? Eles falam de “escravos”. Em outras palavras, ao decalque preferem, no caso, o equivalente. Não sem sacrificar à exatidão intrínseca da linguagem um pouco da harmonia de suas cores; pois o termo que eles transplantam assim para uma atmosfera romana nasce apenas lá pelo ano mil nos mercados de carne humana onde os cativos eslavos pareciam fornecer o próprio modelo de uma inteira sujeição, que se tornou totalmente estranha aos servos nativos do Ocidente. O artifício é cômodo, tanto que o levamos a seus extremos. No intervalo, contudo, em que data fixar o limite no qual, diante do servo, o escravo sumiria? É o eterno sofisma do monte de trigo. De todo modo, eis-nos então obrigados, para fazer justiça aos próprios fatos, a substituir a linguagem deles por uma nomenclatura, se não propriamente inventada, pelo menos remanejada e defasada. ” (BLOCH, 2001, p.137) Algumas das diretrizes aqui tomadas podem, e aqui está o caráter de ciência da disciplina da história, mudar com o tempo. Novas tecnologias, novas fontes documentais, novas concepções e conceitos tornam os limites e rigidez da historiografia sempre permeáveis, afeitos à mudança. Evidentemente, que as mudanças quando ocorrem numa disciplina vão acontecendo 40 aos poucos, sendo debatidas pelos especialistas, testadas sua validade a partir de novos estudados, necessitando de certo tempo para que as mesmas cheguem em conjunto aos historiadores. De todo modo, é certo que a história é, nessas primeiras décadas do século XXI, encarada como uma ciência que está em construção e constante revisão de seus métodos e teorias. Isso também vale para as conclusões do historiador acerca dos seus estudos. Elas são sempre parciais, apesar de válidas, e podem ser revistas por outros estudiosos ou complementadas por novos e diferentes estudos, complexificando a realidade histórica. Afinal, em história, como em qualquer atividade humana, a verdade absoluta não existe, servindo apenas aos regimes políticos totalitários e que se utilizam de apropriações do passado com finalidades escusas. 41 BUSQUE POR MAIS Recomendamos para as questões teóricas e metodológicas do cenário contemporâneo ligadas ao trabalho do historiador o canal do Prof. Valdei Araújo. Este é doutor em his- tória e professor de Teoria e História da Historiografia da Universidade Federal de Ouro Preto – UFOP. LINK: https://www.youtube.com/channel/UCQ1GXJI_IrBJwETB192Vhtw SCANEIE O CÓDIGO E ACESSE O LINK 42 FIXANDO O CONTEÚDO 1 - Sobre as fontes históricas, marque a alternativa correta. a) São consideradas válidas apenas as escritas e oficiais. b) Possuem graus variados de importância e as escritas tem mais credibilidade. c) Até o século XX, as escritas e oficiais eram as únicas utilizadas. d) Até mesmo charges, memes e lista de compras podem ser consideradas fontes válidas. e) A moderna historiografia consegue produzir conhecimento histórico sem fontes. 2 - Sobre as relações entre as fontes históricas e o conhecimento histórico, julgue os itens. I. As fontes históricas são retratos fiéis da realidade, bastando saber lê-las para entender o passado. II. As fontes históricas são construções humanas que podem ter intencionalidades, devendo-se inquiri-las. III. As fontes históricas só “falam” a partir do momento que são direcionadas a ela perguntas pelo historiador. Os itens corretos são: a) somente I. b) I e II. c) I e III. d) II e III. e) somente III. 3 - Leia. I. A produção do conhecimento histórico só pode ser feita a partir de registros deixados pelo homem, MAS II. esses registros não significam um acesso direto ao passado, devendo-se compreender suas nuances, pontos obscuros e questões não ditas. Sobre as afirmativas: a) as duas são corretas, e a II complementa a I. b) a I está correta e a II falsa. c) as duas são corretas, mas a II contradiz a I. d) as duas estão corretas e a II não dialoga com a II. e) as duas estão erradas. 43 4 - Em um trabalho sobre a escravidão no mundogreco-romano, Lauffer escreveu que a palavra Sklave, esclave, schiavo, originada na Idade Média, e que a princípio designava os cativos da guerra eslava na Europa oriental, só pode ser transferida para a Antiguidade de um modo anacrônico, o que suscita equívocos. Além do mais, essa palavra lembra a escravidão negra da América do Norte e das regiões coloniais dos séculos mais recentes, o que dificulta ainda mais a sua aplicação nas relações da antiguidade. Poucos ou nenhum dos historiadores da antiguidade que participaram da discussão do trabalho de Lauffer viram com bons olhos essa sugestão radical de abandonar a palavra ‘escravo’. FINLEY, M. Uso e abuso da história. São Paulo: Martins Fontes, 1989 (adaptado). Considerando a reflexão suscitada pelo texto e o estudo da escravidão na Antiguidade, avalie as asserções a seguir e a relação proposta entre elas. I. No campo da história, a conexão que se estabelece entre o presente e o passado pode suscitar anacronismo, o que torna possível a ocorrência de equívocos interpretativos PORQUE II. escolhas teórico-metodológicas realizadas sem reflexão crítica podem repercutir em completa desfiguração do passado ou da sua relação com o presente. A respeito dessas asserções, assinale a opção correta. a) As asserções I e II são verdadeiras, e a II é uma justificativa correta da I. b) As asserções I e II são verdadeiras, mas a II não é uma justificativa correta da I. c) A asserção I é verdadeira, mas a II é falsa. d) A asserção I é falsa, mas a II é verdadeira. e) As asserções I e II são falsas. 5 - A renovação historiográfica ocorrida no século XX, com os “Annales”, promoveu uma transformação na concepção de documento e na relação do historiador com ele. A concepção renovada de documento e de seu uso em sala de aula parte do pressuposto de que o trabalho com diferentes fontes e linguagens pode ser o ponto de partida para a prática do ensino de História. Nesta perspectiva, os documentos a) são compreendidos como vestígios do passado, que devem servir para responder a indagações e problematizações de alunos e professores, com o objetivo de estabelecer um diálogo com o passado e o presente, tendo como referência o conteúdo histórico ensinado. b) são considerados a base do conhecimento histórico, visto que eles falam por si mesmos, cabendo ao professor e aos alunos resignarem-se diante da verdade imanente às fontes históricas. c) são entendidos como ilustrações da narrativa histórica, sendo utilizados para decorar o material didático e torná-lo mais atrativo para os alunos, possibilitando que estes prestem mais atenção às aulas. d) são tratados como prova irrefutável da realidade passada e comprovação da narrativa histórica transmitida pelo professor ao aluno. Este então considerado um receptor passivo e preocupado em decorar o conteúdo ensinado. e) são utilizados como instrumentos didáticos, uma forma do professor motivar o aluno 44 para o conhecimento histórico, esperando-se que, por meio da utilização do documento em sala de aula, o aluno possa ter contato pessoal e próximo com as realidades passadas. 6 - Leia o texto. (ENADE) Vivemos em um mundo dominados por imagens e sons obtidos diretamente da realidade, seja pela encenação ficcional, seja pelo registro documental, por meio de aparatos técnicos cada vez mais sofisticados. E tudo pode ser visto pelos meios de comunicações e representado pelo cinema, com um grau de realismo impressionante. Cada vez mais, tudo é dado a ver e a ouvir, fatos importantes e banais, pessoas públicas influentes ou anônimas e comuns. Esse fenômeno, já secular, não pode passar despercebido pelos historiadores, principalmente para aqueles especializados em História do século XX. As fontes audiovisuais e musicais ganham crescentemente espaço na pesquisa histórica. Do ponto de vista metodológico, são vistas pelos historiadores como fontes primárias novas, desafiadores, mas seu estatuto é paradoxal. NAPOLITANO, M. A História depois do papel. In: PINSKY. C.B. (Org.). Fontes Históricas. São Paulo: Contexto, 2005, p. 235 (adaptado). O paradoxo a que se refere o autor fica evidente a) na fotografia, cujas características técnicas a transformam em fonte primária neutra. b) no documentário, que ao se basear em pesquisa sobre a realidade configura uma fonte confiável. c) no jornalismo televisivo, cujo controle exercido pela emissora sobre os conteúdos veiculados impedem de considerá-lo uma fonte primária. d) no cinema, cujo realismo e o cuidado dispensado às produções históricas o convertem em fonte primária do passado e retratados nos filmes. e) no videogame, cujas características tecnológicas, lúdicas e mercadológicas são elementos importantes para a sua classificação como fonte primária. 7 - Leia o texto. (ENADE) Tratado Proposto a Manuel da Silva Ferreira pelos seus escravos durante o tempo em que se conservaram levantados (c.1789) “Meu senhor, nós queremos paz e não queremos guerra; se, meu senhor, também quiser nossa paz há de ser nessa conformidade, se quiser estar pelo que nós quisermos saber. [...] Para o seu sustento tenha lancha de pescaria ou canoas do alto, e quando quiser comer mariscos mande os seus pretos Minas. [...] Os atuais feitores não os queremos, faça eleição de outros com nossa aprovação. [...] A estar por todos artigos acima, e conceder-nos estar sempre de posse da ferramenta, estamos prontos para o servirmos como dantes, porque não queremos seguir os maus costumes dos mais Engenhos. Poderemos brincar, folgar, e cantar em todos os tempos que quisermos sem que nos impeça e nem seja preciso licença. ” REIS, J.J.; SILVA, E. Negociação e conflito: a resistência negra no Brasil escravista. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 1989, p. 123. 45 A importância da utilização da fonte documental acima apresentada relaciona-se, sobretudo, ao seu potencial de problematização histórica. Nesse sentido, assinale a alternativa que qualifica o referido documento e o relaciona diretamente ao seu valor historiográfico. a) O texto é indicativo de um levante isolado, com características chantagistas, em um contexto de escravidão. b) O conteúdo da fonte abre caminhos analíticos para a revisão de conceitos como o de resistência negra escrava. c) Os detalhes da narrativa revelam o exotismo e as peculiaridades da vida do negro escravo no ambiente citadino e rural. d) A narrativa evidencia o grau de instrução dos escravos, que emitiam documentos para registrar a luta pelos seus direitos. e) O documento nega as relações conflituosas entre senhores e escravos, ao demonstrar que os cativos tinham condições plenas de argumentarem em favor de suas próprias causas. 8 - Leia o texto. (ENADE) Destruídos todos os documentos sobre um determinado período, nada poderia ser dito por um historiador. Uma civilização da qual não tivéssemos nenhum vestígio arqueológico, nenhum texto e nenhuma referência por meio de outros povos, seria como uma civilização inexistente para o profissional de História? A categoria documento define uma parte importante do campo de atuação do historiador e a amplitude de sua busca. KARNAL, L.; TATSCH, F. G. A memória evanescente. In: PINSKI, C. B.; LUCA, T.R. O historiador e suas fontes. São Paulo: Contexto, 2009, p. 9. Por trás dos grandes vestígios sensíveis da paisagem, os artefatos ou as máquinas, por trás dos escritos aparentemente mais insípidos e as instituições aparentemente mais desligadas daqueles que as criaram, são os homens que a história quer capturar. Quem não conseguir isso será apenas, no máximo, um serviçal da erudição. Já o bom historiador se parece com o ogro da lenda. Onde fareja carne humana, sabe que ali está a sua caça. BLOCH, M. Apologia a história ou o ofício do historiador. São Paulo: Zahar, 1989, p. 54. Considerando a necessidade dos historiadores se valerem de registros documentais para produzir conhecimento e, paralelamente, o enorme alargamento de nossa compreensão atual do que sejam documentoshistóricos, avalie as seguintes afirmações. I. Apesar das transformações pelas quais passou o campo historiográfico ao longo do século XX, ainda são os documentos oficiais (via de regra emanados das instâncias de poder) aqueles que permitem as interpretações efetivamente confiáveis. II. Para a maioria dos historiadores, na atualidade, a compreensão que prevalecia no século XIX, de que o documento era portador da “verdade dos fatos” não é mais aceita, porque se entende que as interpretações sobre o passado se fundamentam no diálogo construído pelos historiadores envolvendo teoria, eventos e documentos. III. Durante o século XX ocorreu um alargamento em relação aos objetos de interesse dos historiadores, o que implicou na ampliação do que se pode considerar como fontes 46 históricas, chegando-se a conceder o estudo de “fonte” a praticamente tudo que permita vislumbrar a ação humana. IV. Um documento histórico não se define como importante a partir de uma determinada visão de época, ou seja, os documentos existem e mantêm seu valor independentemente do meio social que os conversa. É correto apenas o que se afirma em a) I e IV. b) II e III. c) II e IV. d) I, II e III. e) I, III e IV. 47 PARA QUE SERVE A HISTÓRIA? UNIDADE 5 48 5. 1 A H IS TÓ R IA E O E TN O C E N TR IS M O A pergunta não é nova. Desde a antiguidade, pelo menos, os seres humanos procuram respondê-la de diferentes maneiras. Se você fizer uma pesquisa rápida em um buscador de informações na internet sobre “para que serve a história? ” É provável que definições sobre como ela é importante “para que nós enquanto sociedade não cometamos os mesmos erros do passado”, “para que tenhamos a oportunidade de organizar o hoje em função do que está por vir” entre outras definições no mesmo sentido abundem. O saber histórico, como qualquer forma de produção de conhecimento científico, possui uma dimensão política. A política aqui entendida não no sentido de partidos políticos, mas num sentido mais amplo de posicionamento concreto perante o mundo. Nesse sentido, compreender como outros grupos humanos viveram, em tempos e em espaços distintos do nosso, nos leva a questionar certas linhas mestras que muitas vezes são repetidas pelo senso comum e até mesmo no meio de alguns especialistas sobre a validade do conhecimento histórico. Muitas vezes se acredita, erroneamente, que os caminhos que determinada sociedade tem para seguir são estreitos e inevitáveis. Tomemos como exemplo o Estado, entendido como um conjunto de instituições políticas e administrativas responsáveis pela organização de um povo ou nação em um determinado território. Essa instituição tem datação histórica do seu surgimento, mas há sociedades que não possuem Estados. Se na análise do historiador, ele toma como pressuposto que a existência do Estado é um fenômeno inevitável pelos povos, ele está imbuído daquilo que chamamos de etnocentrismo. O etnocentrismo, como vimos anteriormente, pressupõe uma visão de mundo característica de quem considera o seu grupo étnico, nação ou nacionalidade socialmente mais importante do que os demais. Ora, se vivo em uma sociedade que possui Estado e vou analisar uma sociedade sem Estado no meu trabalho de historiador estou tomando uma atitude etnocêntrica. Devemos a Pierre Clastres uma importante reflexão sobre esse fenômeno. Esse antropólogo francês procurou analisar, em seu livro A sociedade contra o Estado, como sociedades indígenas construíram mecanismos de exercício do poder político, sem, no entanto, criar um conjunto de instituições como as do Estado. 49 Ao longo do tempo, a principal forma de etnocentrismo criada foi aquela que colocou a Europa no centro das ações humanas, o eurocentrismo. Ela é problemática, entre outros motivos, porque parte do princípio de que o tempo da história é sempre linear, progressivo e rumo a um destino comum. É como se todas as sociedades, todas mesmo, tivessem como pressuposto chegar a um determinado destino e aquelas que não chegaram seriam consideradas atrasadas, selvagens e, obviamente, aqueles que seriam os civilizados e cultos seriam os europeus. Essa perspectiva se aplicou, por exemplo, em relação aos estudos sobre história da África e das comunidades remanescentes de quilombolas no Brasil e em outros lugares. Durante muito tempo, a África foi entendida como um continente sem valor histórico. Sobre essa questão Leila Leite Hernandez nos ensina como o saber ocidental e eurocêntrico acabou por pré-julgar essas sociedades tão complexas e legitimar a exploração colonial nos séculos XIX e XX “Significa dizer que o saber ocidental constrói uma nova consciência planetária constituída por visões de mundo, autoimagens e estereótipos que compõem um “olhar imperial” sobre o universo. Assim, o conjunto de escrituras sobre a África [...] contém equívocos, pré-noções e preconceitos decorrentes, em grande parte, das lacunas do conhecimento, quando não do próprio desconhecimento sobre o continente africano. Os estudos sobre esse mundo não ocidental foram, antes de tudo, instrumentos de política nacional, contribuindo, de modo mais ou menos direto, para uma rede de interesses político- econômicos que ligavam as grandes empresas comerciais, as missões, as áreas de relações exteriores e o mundo acadêmico. ” (HERNANDEZ, 2008, p.17- 18) 5. 2 A V A LO R IZ A Ç Ã O D A D IV E R SI D A D E Estudar sociedades distantes no tempo e no espaço requer bastante esforço, seja pelo domínio de um universo totalmente alheio ao que nos é familiar seja pelas formas acessar os fragmentos do passado dessa sociedade, o que tem a ver com o domínio de um conjunto amplo e variado de fontes históricas. Por outro lado, esse exercício de fazer história se relaciona com a questão das identidades culturais. Trata-se, primeiro, da constituição de um sujeito e depois do entendimento do “outro”. Essa questão que nos coloca frente ao problema da alteridade é fundamental no conhecimento histórico. Porque ela revela que as identidades humanas são construções sociais, mas que principalmente o entendimento de quem somos tanto sujeitados individual quanto coletivo, depende da compreensão daquele que é diferente de nós, ou seja, do Outro. Figura 8 - A valorização da diversidade, compromisso do historiador. Essas discussões têm sido travadas, atualmente, no âmbito dos chamados “estudos coloniais e pós- coloniais” ou dos “estudos culturais”. São muitos os autores que ao se apropriarem de um novo conceito de cultura, mais amplo, e não apenas aquele da cultural ocidental abriram espaço para essa valorização da diversidade tão fundamental no conhecimento histórico. 50 A própria história ensinada tem adotado esse caminho, seja inicialmente com os Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs que falavam de uma valorização de uma perspectiva de pluralidade cultural nas construções curriculares ou, mais enfaticamente, na Base Nacional Comum Curricular (2017) em que isso aparece claramente. Vejamos O exercício do “fazer história”, de indagar, é marcado, inicialmente, pela constituição de um sujeito. Em seguida, amplia-se para o conhecimento de um “Outro”, às vezes semelhante, muitas vezes diferente. Depois, alarga-se ainda mais em direção a outros povos, com seus usos e costumes específicos. Por fim, parte-se para o mundo, sempre em movimento e transformação. Em meio a inúmeras combinações dessas variáveis – do Eu, do Outro e do Nós –, inseridas em tempos e espaços específicos, indivíduos produzem saberes que os tornam mais aptos para enfrentar situações marcadas pelo conflito ou pela conciliação. (BRASIL, BNCC, 2017, p. 347). 51 5. 3 E N TR E TE N IM E N TO Um aspecto pouco estudado pela historiografia, mas que tem cada vez mais apelo diz respeito à questão do prazer e do deleite ligado ao conhecimento histórico. No cenárioatual, a chamada “cultura de história” está literalmente ocupando diversos espaços. Programas de TV, museus, bibliotecas, peças de teatro, filmes, séries em canais por assinatura e em plataformas de streamean, exposições artísticas, novelas, romances e mais uma infinidade de outras formas de abordagem do passado dos homens cuja finalidade é o entretenimento, conexo ao desenvolvimento de um mercado. Essa questão se relaciona aos chamados “usos públicos e políticos do passado”. Se na antiguidade e até início da era moderna, a história servia como fonte, como repositório de exemplos para as ações humanas, no dizer de Cícero, era uma história Magistra Vitae, na atualidade ela assume novas funções. Conforme demonstrou o historiador alemão Reinhart Koselleck, ela é uma das bases do surgimento da modernidade entre os séculos XVI ao XVIII. Em suas palavras: “Assim a história seria um cadinho contendo múltiplas experiências alheias, das quais nos apropriamos com um objetivo pedagógico; ou, nas palavras de um dos antigos, a história deixa-nos livre para repetir sucessos do passado, em vez de incorrer, no presente, nos erros antigos. Assim, ao longo de cerca de 2.000 anos, a história teve um papel de uma escola, na qual se podia aprender a ser sábio e prudente sem incorrer em grandes erros. ” (KOSELLECK, 2006. Pág.42) Para refletirmos sobre essas novas finalidades – ou talvez nem tão novas assim – da história tomemos como exemplo a Minissérie “O quinto dos infernos”, com direção de Wolf Maya e Alexandre Avancini e veiculada no ano de 2002 em 48 episódios com cerca de 40 minutos cada pelo canal da TV aberta Rede Globo de Televisão. O historiador João Paulo Pimenta assim se referiu a ela. “Uma narrativa, romanceada, teatral e cômica, fortemente despolitizada e livremente baseada em três livros de igual teor (um deles publicado há quase um século), praticamente centrada no Rio de Janeiro (um pouco também em Portugal, muito menos alhures) e nos membros da família real portuguesa, cuja vida pessoal é estruturada em torno de seus hábitos excêntricos (principalmente os sexuais) e, vez ou outra, de passageiros dramas pessoais. ” (PIMENTA et al. 2014, p. 25) Esse tipo de narrativa sobre o passado serve a fins mercadológicos única e exclusivamente e traz como consequências muitas vezes uma visão caricata das personagens envolvidas. Cabe ao historiador, portanto, ficar atento a esses usos públicos do passado e lançando mão das ferramentas teóricas e metodológicas disponíveis fazer uma crítica fundamentada a essas narrativas, suas intencionalidades e finalidades. Esse é um imperativo ético do historiador, como afirmam vários autores. Figura 9 - Logotipo de divulgação de O Quinto dos Infer- nos. Minissérie abusa de clichês e estereótipos na análise das personagens históricas. 52 BUSQUE POR MAIS A polêmica sobre os usos públicos e políticos do passado tem se destacado no Brasil principalmente em relação à memória do golpe civil-militar e da ditadura. Segundo o historiador Carlos Fico, essa polêmica se acirrou após o relatório final da Comissão Na- cional da Verdade em 2014. Sobre o papel do historiador nessas e em outras questões, veja do mesmo autor: FICO, Carlos. Violência, trauma e frustração no Brasil e na Argentina: o papel do histo- riador. Topoi (Rio J.), Rio de Janeiro , v. 14, n. 27, p. 239-261, Dec. 2013 . L I N K : h t t p s : / / w w w . s c i e l o . b r / s c i e l o . p h p ? s c r i p t = s c i _ a r t t e x t & p i - d=S2237-101X2013000200239&lng=en&nrm=iso SCANEIE O CÓDIGO E ACESSE O LINK 53 FIXANDO O CONTEÚDO 1 - Sobre a relação entre história e etnocentrismo, marque a alternativa correta. a) ao longo do tempo, o etnocentrismo sempre foi combatido pela história. b) entre as sociedades mais etnocêntricas existentes, destacam-se as indígenas por não terem contato com outros povos. c) na antiguidade, a história buscava principalmente compreender esses povos diferentes e não julgá-los. d) o questionamento ao etnocentrismo só foi possível devido ao novo entendimento do conceito de cultura, mais amplo. e) as religiões de matriz africana sempre tiveram destaque como religiões etnocêntricas. 2 - Leia. I. A vertente mais difundida de etnocentrismo se refere ao eurocentrismo PORQUE II. Foi utilizado como pré-texto para ações coloniais em continentes como a África e a Ásia. A alternativa correta é a) as asserções I e II são verdadeiras, e a II é uma justificativa correta da I. b) as asserções I e II são verdadeiras, e a II é um complemento da I. c) a asserção I é verdadeira, mas a II é falsa. d) a asserção I é falsa, mas a II é verdadeira. e) as asserções I e II são falsas. 3 - Leia o itens abaixo. I. As leituras etnocêntricas do passado acabaram por privilegiar nos estudos da Antiguidade os gregos e os romanos. II. A emergência de um novo conceito de cultura, mais permeável e flexível permitiu, em termos teóricos, um questionamento às práticas etnocêntricas. III. A história ensinada tem feito esforços para a superação do etnocentrismo e valorização da diversidade cultural, com os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) e a Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Os itens corretos são a) somente I. b) I e II. c) I, II e III. 54 d) II e III. e) somente III. 4 - Leia o texto. “Esses elementos foram sintetizados em um dos pressupostos centrais para o ensino brasileiro pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), com base em um de seus temas transversais: a Pluralidade Cultural. Dessa forma os textos dos PCNs já incorporavam, no final da década de 1990, as mudanças teóricas de definição das identidades que circulavam nos meios acadêmicos e movimentos sociais há algumas décadas, criticando abertamente a percepção de que a Identidade Nacional seria entendida com base na adesão a um conjunto comum de valores culturais por um grupo homogêneo de pessoas. Pluralidade cultural, diversidade étnica, identidades plurais e trajetórias históricas distintas passaram a ser tratadas como formadores daquilo que se entendia por ‘povo brasileiro’. Ou seja, dissolvia-se a ideia de que existia ‘um povo brasileiro’, revelando-se que uma única Identidade Nacional só existia quando construíamos e compartilhávamos uma falsa imagem. No lugar dessa imagem deveria entrar outra: a do mosaico identitário, ou melhor, das Identidades Plurais e das Identidades Parciais.” OLIVA, Anderson R. . Entre máscaras e espelhos: reflexões sobre a Identidade e o ensino nas escolas brasileiras. Revista História. Hoje, v.1, nº1, p. 29-44. 2012. Segundo o texto, a desconstrução de uma noção de identidade cultural nacional acabou por fortalecer o entendimento de que o Brasil a) é um país com formação e contribuição de diferentes grupos e etnias. b) é uma nação que tem desvalorizado a sua identidade nacional. c) dissolveu uma falsa imagem de povo multiétnico. d) construiu para si uma imagem de povo multifacetado e acolhedor. e) não passou por processos de reconstrução de identidade nacional no período recente. 5 - Leia. “Em outros termos, aproximando por analogia o desconhecido ao conhecido considera-se que a África não tem povo, não tem nação nem Estado; não tem passado, logo, não tem história. O problema posto nessa lógica interpretativa possibilita que o diverso, no caso a África, seja enquadrado, no grau inferior de uma escala evolutiva que classifica os povos como primitivos e civilizados. Mas qual África?”. HERNANDEZ, Leila. “O olhar imperial e a invenção da África”. A África na sala de aula: visita à história contemporânea. 2ª ed. São Paulo: Selo Negro, 2008. P.18. A ideia central da autora é a) que a África se encontra em estágio inferior de desenvolvimento. b) que a existência de uma nação é grau indispensável para o desenvolvimento de um povo. c) que a África é formada por um conjunto de povos primitivos, mas também de povos 55 civilizados. d) a noção de que o passado africano tem sidobastante estudado pelos historiadores. e) a lógica de que durante muito tempo prevaleceram nos estudos e análises sobre a África uma perspectiva etnocêntrica. 6 - Leia o texto. Estreará em alguns cinemas brasileiros, no próximo dia 31 de março, o vídeo 1964: Entre armas e livros. A produção é da Brasil Paralelo, uma produtora . [...] A empresa, contudo, afirma que, “como todo conteúdo gerado pela Produtora”, o vídeo “não possui qualquer viés político ou ideológico”: trata-se de “uma análise puramente historiográfica do Regime Militar no Brasil”. [...] Como se percebe, se a ideia de imparcialidade efetivamente não se aplica a esta produção, tampouco podemos supor tratar-se de uma “análise puramente historiográfica”, já que faltaria um tanto para que pudesse ser definido como análise e outro tanto para que pudesse ser chamado plenamente de historiográfico.” [...] O mesmo ocorre com o livro aqui resenhado, pois uma simples leitura já é suficiente para constatar equívocos factuais, erros interpretativos, desleixo documental e certos disfarces terminológicos. O termo tortura que nunca aparece no livro, por exemplo, se transforma em “extorsão de informação” e terrorismo de Estado é convertido em “política coibitiva”. Ou seja, trata-se de uma obra com claro viés político e ideológico, resultando paradoxalmente em algo que seus próprios autores e colaboradores condenam. O problema, gostaria de deixar claro, não é a existência do viés, mas sua vergonhosa negação.” Disponível em: https://www.sul21.com.br/opiniaopublica/2019/03/a-historia-da-ditadura- contada-pelo-brasil-paralelo-por-fernando-nicolazzi/. Acesso em: 21 abril 2020. Sobre as obras produzidas pela Brasil Paralelo e suas relações com as finalidades do conhecimento histórico, é correto afirmar que o texto a) defende a validade dessas interpretações alternativas sobre o passado humano. b) faz uma denúncia do caráter político e ideológico das mesmas, evidenciando seus erros teóricos e metodológicos. c) releva os erros documentais e equívocos factuais em nome da liberdade dos autores. d) advoga que essas interpretações do passado humano procuram legitimar as interpretações consagradas pelos outros historiadores. e) evidencia que todas as finalidades do conhecimento histórico, inclusive o entretenimento, devem ser validadas pelo historiador acriticamente. 7 - Leia. O exercício do “fazer história”, de indagar, é marcado, inicialmente, pela constituição de um sujeito. Em seguida, amplia-se para o conhecimento de um “Outro”, às vezes semelhante, muitas vezes diferente. Depois, alarga-se ainda mais em direção a outros povos, com seus usos e costumes específicos. Por fim, parte-se para o mundo, sempre em movimento e transformação. Em meio a inúmeras combinações dessas variáveis – do Eu, do Outro e do Nós –, inseridas em tempos e espaços específicos, indivíduos produzem saberes que os tornam mais aptos para enfrentar situações marcadas pelo conflito ou pela conciliação. (BRASIL, BNCC, 2017, p. 347). 56 O texto acima deixa evidente que uma finalidade da história é a) a de promover um ensino centrado em um tempo específico, o que vivemos. b) a de validar os costumes e usos de um povo perante os outros. c) o surgimento de linhas de análise que defendem a conciliação de tempos e espaços. d) a de afirmar as identidades já existentes, reforçando seus laços e formas de validação. e) o conhecimento e reconhecimento da diversidade cultural e dos que são diferentes. 8 - Leia a frase. “O conhecimento histórico é considerado legítimo por ter uma dimensão humanista, no que se refere à compreensão do gênero humano e das suas diversidades no mundo em que está inserido. ” Pode-se afirmar que ela a) está certa em sua primeira parte, mas confunde pluralidade e diversidade. b) está correta em suas duas partes. c) está equivocada em suas duas partes. d) apresenta uma visão enviesada e politicamente partidária do passado. e) destina-se à valorização das formas de entretenimento que se pode obter com o conhecimento do passado. 57 A HISTÓRIA NO BRASIL UNIDADE 6 58 Neste último capítulo de nossa obra, procuraremos abordar mais detidamente um pouco do cenário da disciplina da história no Brasil, destacando sua trajetória particular frente outras nações, suas múltiplas relações e processos complexos de constituição de seus campos de estudo, bem como as influências que ela sofreu em sua constituição histórica e algumas tendências atuais do debate, incluindo aqui o ensino de história. 6. 1 O C O N TE XT O D E N O SS A P R O D U Ç Ã O H IS TO R IO G R Á FI C A A S IN G U LA R ID A D E D O B R A SI L Nós, por essas bandas do Brasil, somos herdeiros de um passado colonial. Esse passado deixou marcas profundas em nossa constituição histórica e social e ainda hoje marca parte significativa dos debates atuais no campo da historiografia. Herdamos dos portugueses, e outros países da América Latina dos espanhóis, uma série de instituições, técnicas, valores e etc. Nossa formação histórica está, desde o início, ligada ao processo de expansão marítima e comercial das potências europeias nos séculos XV e XVI. Isso não significa que estejamos desconsiderando a contribuição de outros grupos como indígenas e diversas etnias africanas que aportaram no Brasil e que durante tanto tempo foram negligenciadas por parte dos estudos históricos. Nem que o período anterior à chegada sistemática dos portugueses a essas terras deva ser desconsiderado. O que se argumenta é que esse legado português em boa parte para se legitimar acabou por desconsiderar, apagar e destruir outros legados culturais existentes e que por isso, também, acabamos enquanto sociedade por projetar mais valores e maiores contribuições para nossa formação no legado português. Por outro lado, é preciso ressaltar que esse processo de inserção do Brasil colônia ou América Portuguesa nos quadros de uma economia mercantil que começava a atingir escala planetária, vai assumindo novas feições a medida que os séculos se desenrolam. Já no século XIX, por exemplo, novas lógicas econômicas, já com o advento da industrialização, emergem e reconfiguram nosso espaço de atuação, outras como a do escravismo do Atlântico Sul permanecem, todo nosso processo de imersão nessa economia mundial complexo, contraditório e fazendo com que determinados espaços e regiões estejam mais ou menos 59 6. 2 O S A B E R H IS TÓ R IC O N O B R A SI L afetados por essa lógica. Enfatizamos, também, que essa formação do sistema capitalista ao longo desses cinco séculos precedentes em grande parte molda as estruturas econômicas e sociais do Brasil. No século XX, assistiremos à construção de um Estado Moderno a partir dos anos 1930, com instituições que em grande parte compõem nosso cenário até a atualidade. Instituições que constituímos, reconfiguramos ou muitas vezes copiamos de outros países. Por fim, em períodos mais recentes, notadamente pós-constituição de 1988, assistiremos a novas configurações e formatações da nossa formação nacional, incorporando as demandas de uma sociedade diversa e democrática. É dentro desse escopo que a escrita da história no Brasil se deu e se dá. Antes de o Brasil se tornar um “corpo político autônomo” em 1822 e consolidar- se dessa maneira com a Constituição outorgada de 1824, o reconhecimento de sua Independência por Portugal e outras nações, ou seja, enquanto éramos uma possessão colonial portuguesa, não se pode dizer que havia produção de saber histórico propriamente aqui no Brasil. Havia, contudo, uma série de cronistas, muitas vezes contratados pela coroa portuguesa, a para escrever a história do Império. Com a dinâmica da colonização e ocupação do território se desenvolvendo e as câmaras municipais (algumas) também vão passar a contar com esse tipo de narrador dos fatos passados. Essas crônicas constituíram um gênero de história importante,voltado para a narrativa e descrição dos fatos. Eram tributárias das academias letradas, sociedades históricas e demais instituições que congregavam os homens de letra da época. Normalmente eram ocupadas por ministros, marqueses e barões e evidenciava uma estrita ligação entre a escrita da história e o poder oficial. Era uma história eminentemente oficial. Dentro desse período, destacamos duas obras e autores. A primeira é Diálogo das Grandezas do Brasil, escrito no século XVII e atribuído a Ambrósio Fernandes Brandão. Suas páginas tratam da geografia do lugar, dos indígenas, das atividades econômicas (engenho e comércio, principalmente) entre outras. A segunda é obra de João Antônio Andreoni (Antonil), autor de Cultura e Opulência no Brasil (publicada em Lisboa no início do século XVIII). Antonil teve sua obra proibida e foi perseguido pelo que escreveu, mas seu livro é um relato consistente da situação econômica da colônia no período inicial da descoberta de metais preciosos na região das minas. Mais importante é destacar que essas obras, juntamente com os relatos de viagens europeus, constituem 60 instrumentos e fontes indispensáveis para o conhecimento da história do Brasil nesse período. Com a emancipação política em 1822 e a construção do Estado Imperial na década de 1840, a nascente nação precisava de um discurso que unificasse toda a gama de povos diferentes que aqui habitavam e estavam espalhados por áreas tão diversas. Esse discurso em favor de uma nacionalidade brasileira foi habilmente construído a partir de um local, o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro - IHGB. Como nos ensina Manoel Salgado Guimarães Assim, é no bojo do processo de consolidação do Estado Nacional que se viabiliza um projeto de pensar a história brasileira de forma sistematizada. A criação, em 1838, do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) vem apontar em direção à materialização deste empreendimento, que mantém profundas relações com a proposta ideológica em curso. Uma vez implantado o Estado Nacional, impunha- se como tarefa o delineamento de um perfil para a “Nação brasileira”, capaz de lhe garantir uma identidade própria no conjunto mais amplo das “ Nações”, de acordo com os novos princípios organizadores da vida social do século XIX. (GUIMARÃES, 1988, p. 6) Se na América Espanhola, desde o início da colonização, havia instituições de ensino superior, em terras brasileiras esse processo só se inicia no século XIX, mas a produção considerada legítima de história ficou durante boa parte do Império e início da República confinada a uma instituição financiada pelo Estado Brasileiro e cujo imperador era membro efetivo. Um dos nossos principais historiadores do século XIX foi Francisco Adolfo de Varnhagen. Sua obra se baseia em dois pressupostos interpretativos: a superioridade da forma monárquica (grande responsável pela unidade territorial) e a superioridade da raça branca. Em suma, Varnhagen fazia o elogio de uma civilização branca, europeia e monárquica como ideal para o Brasil e avaliava a colonização portuguesa como extremamente benéfica para nossa formação histórica. Não é preciso muito para destacar que essa hierarquia entre as culturas promovida por Varnhagen acaba por lançar fundamentos ideológicos para constituição de determinado projeto de país em contraste com os países da América Latina (tidos como terra de caudilhos sanguinários) e contra os legados indígenas e africanos em nossa formação. Contudo, não podemos cair naquilo que Lucien Febvre dizia ser o “pecado mortal dos historiadores”, o anacronismo. A obra de Varganhen deve ser analisada dentro de seu contexto de produção e circulação, identificando suas intencionalidades e para qual público leitor ele se dirigia, em suma, deve ser entendida em seu contexto de época, sem que projetemos sobre ela nossos valores e formas de conceber o saber histórico. No período republicano, na fase final da chamada “República Velha” e início do período governado por Getúlio Vargas, a produção do saber histórico no Brasil sofrerá uma série de inflexões e mudanças. A primeira delas diz respeito ao lugar social de produção desse conhecimento. Se durante o século XIX, ela era feita em uma instituição diretamente ligada às fontes do poder político, escrevendo muitas vezes uma história oficial, nessas décadas de 1920 e 1930 a produção se desloca para as universidades que emergiam no país. Inicia-se um processo de institucionalização de disciplinas ligadas à história, principalmente a partir da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (USP), fundada na década de 1930. A influência francesa aqui será notável, basta notar currículos, programas e livros que começaram a ser produzidos nesse período. Toma forma em sua maior plenitude nesse período também um gênero de escrita da história que produzirá obras fundamentais e consideradas até hoje clássicas para o entendimento do Brasil, trata-se do ensaio. Entre seus maiores expoentes estão Gilberto Freyre com Casa-Grande e Senzala, de 1933 61 e Sérgio Buarque de Holanda com Raízes do Brasil , de 1936 e Caio Prado Júnior com Formação do Brasil Contemporâneo, de 1942. Essa historiografia procurará criar grandes linhas interpretativas, linhas de continuidade de nosso passado com o presente, propondo chaves explicativas para boa parte de nossos dilemas. Conceitos como Democracia Racial (Freyre), Patrimonialismo e Homem Cordial (Holanda) e um intenso legado de análise social marxista (Prado Júnior) irão nortear em parte significativa nossa produção historiográfica até pelo menos os anos 1970. 62 6. 3 A LG U N S TE R R IT Ó R IO S D O H IS TO R IA D O R C O N TE M P O R Â N E O Esta última parte de nossos escritos procurará abordar algumas áreas recém- constituídas ou renovadas pelas quais os historiadores brasileiros têm atuado nas últimas décadas. Essas novas abordagens se relacional bastante com o tempo que vivemos, do fim da ditadura civil-militar, a democratização do saber e a institucionalização e ampliação dos programas de Pós-Graduação em História e das instituições públicas e a emergência de novos atores sociais. Observe o quadro a seguir para compreender algumas dessas vertentes. Corrente Inovações Micro-história Surgida na Itália, procura, a partir de análises de trajetórias de indivíduos, entender os me- canismos de funcionamento das grandes estruturas. A micro-história procurou valorizar o universo das relações e seu dinamismo, além da dimensão da experiência dos indivíduos, redimensionando o seu papel. História econômica Aparece renovada depois do período fundador entre 1930 e 1970 com historiadores como Caio Prado Júnior, Ciro Flamarion Cardoso e Jacob Gorender, ao aproximar-se da socio- logia, incorporar novos eixos temáticos e fontes históricas diversas. Suas mais destacadas atualmente são os estudos acerca do mercado interno, de estruturas agrárias da época da escravidão, comércio exterior e industrialização, demografia, história empresarial etc. História Intelectual Durante vigência da Primeira e Segunda Geração dos Annales, a história intelectual ficou de certa forma jogada para escanteio. Entrentanto, em lugares como a Inglaterra, prin- cipalmente, autores como John Pocock e Quentin Skinner renovaram as abordagens ao passar de uma história do pensamento político para uma história do discurso político. Nesse sentido, advogam a variedade de linguagens do discurso político, a participação dos atores nesse debate e procuram historicizar esse debate, ao identificar formas de tra- dução, transmutação e recepção desses discursos políticos. Nova história Política As duas primeiras gerações dos Annales relegaram a um limbo a história política. En- tretanto, alguns autores procuraram renovar essa perspectiva mostrando a validade do mundo político. René Remond, por exemplo,aponta que nesse esforço de renovação o contato com a sociologia, a ciência política, a antropologia e a linguística foram essenciais. História Cultural e das mentalidades Bastante criticada por seus “modismos” e fragilidades intelectuais, a história das men- talidades mais recentemente aproximou-se das perspectivas estabelecidas pela História Cultural. Entre outras mudanças, essa História Cultural tem apreço pelas manifestações anônimas, da cultura popular, não apenas do universo letrado e erudito. Também preco- niza o resgate das classes sociais e dos mecanismos de dominação no plano das simbolo- gias e suas relações com as estruturas de produção desses símbolos. Cada uma dessas vertentes estudadas acima inovou numa série de pressupostos que por fugir dos propósitos dessa obra não serão discutidos aqui. Elas acabaram também por muitas vezes abusar da interdisciplinaridade, mas da mesma forma da crítica ao uso inapropriado desse recurso, ao muitas vezes apagarem as fronteiras do saber histórico. Outro aspecto dessas correntes é que hoje, em parte significativa dos departamentos de história das principais universidades brasileiras, os historiadores brasileiros acompanham em tempo real essas inovações, produzindo obras de bastante vigor. Recentemente, reportagem do jornal Folha de São Paulo mostrou que, ao contrário do que muitas vezes se apregoa com relação à história e às humanidades em geral, essas áreas tiveram crescimento na quantidade e qualidade da sua produção de conhecimento e ajudaram a elevar o Brasil a um dos 15 (quinze) países que mais produzem conhecimento no mundo. 63 BUSQUE POR MAIS Recomendamos o canal Xadrez Verbal que traz boas discussões sobre a história e a historiografia. LINK: https://www.youtube.com/user/xadrezverbal SCANEIE O CÓDIGO E ACESSE O LINK 64 FIXANDO O CONTEÚDO 1 - Sobre o contexto de produção de conhecimento histórico no Brasil, é correto afirmar que: a) somos herdeiros exclusivamente do passado colonial português. b) nossa herança cultural se constituiu no período posterior a 1500 apenas. c) a herança cultural de povos africanos e de indígenas pré-1500 e pós-1500 muitas vezes foi desconsiderada. d) as condições de produção desse conhecimento mantiveram-se basicamente semelhantes desde o século XIX. e) as metodologias utilizadas para produção desse conhecimento avançaram bastante, mas em termos teóricos continuamos atrasados. 2 - Sobre a produção de conhecimento histórico no período colonial, destacam-se: a) obras como Diálogos das grandezas do Brasil e Cultura e Opulência do Brasil, importantes fontes de estudos do período. b) obras como Diálogos das grandezas do Brasil e Cultura e Opulência do Brasil, mas hoje deixadas de lado pela historiografia. c) obras escritas por viajantes naturalistas com uma ampla compreensão do Outro. d) obras de caráter apologético e político, com erros factuais. e) obras sofisticadas do ponto de vista teórico, mas que não recorreram a fontes históricas. 3 - A historiografia produzida pelo IHGB no século XX tinha como principal função a) validar o governo de D. Pedro II. b) a construção de uma história nacional. c) questionar a historiografia produzida em outros lugares na América do Sul. d) acirrar os regionalismos, procurando validá-los. e) espelhar-se naquilo que era feito em termos de produção de conhecimento histórico em Portugal para mostrar a validade da herança portuguesa. 4 - Leia. Já se disse, numa expressão feliz, que a contribuição brasileira para a civilização será de cordialidade - daremos ao mundo o “homem cordial”. A lhaneza [afabilidade] no trato, a hospitalidade, a generosidade, virtudes tão gabadas por estrangeiros que nos visitam, representam, com efeito, um traço definido do caráter brasileiro, na medida, ao menos, em que permanece ativa e fecunda a influência ancestral dos padrões de convívio humano, informados no meio rural e patriarcal. Seria engano supor que essas virtudes possam significar “boas maneiras”, civilidade. São antes expressões de um fundo emotivo extremamente rico e transbordante. Nossa forma ordinária de convívio social é, no fundo, justamente o contrário da polidez. 65 HOLANDA, S. B. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, pp. 146-147. Em Raízes do Brasil, Sérgio Buarque de Holanda utiliza o conceito de “homem cordial a) para definir o caráter nacional brasileiro, cuja origem encontra-se em nossos ancestrais ibéricos. b) como fruto da análise da psicologia do brasileiro, por meio da qual busca estabelecer os traços genéricos da cultura nacional. c) para descrever o modo de ser de todo brasileiro, isto é, um indivíduo afetuoso e acolhedor, características elogiadas pelos estrangeiros que visitam o país. d) como um tipo ideal, sem existência efetiva; com esse conceito, busca compreender a conduta dos agentes sociais sem pretender fixar um caráter nacional. e) para indicar como a cordialidade foi imprescindível para a consolidação da democracia no Brasil, criando instituições marcadas pelas relações familiares e pessoais. 5 - Leia o texto. “A história cultural, outrora uma Cinderela entre as disciplinas, desprezada por suas irmãs mais bem-sucedidas, foi redescoberta nos anos 1970 (...). Desde então vem desfrutando de uma renovação, sobretudo no mundo acadêmico - a história apresentada na televisão, pelo menos na Grã-Bretanha, continua sendo em sua maior parte militar, política e, em menor extensão, social. (...). O propósito deste livro é exatamente explicar não apenas a redescoberta, mas também o que é história cultural, ou melhor, o que os historiadores culturais fazem.” BURKE, Peter. O que é história cultural? Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2005, p. 7. A alternativa correta a) A ascensão da história cultural não está associada a uma “virada cultural” mais ampla nos estudos universitários, em termos de ciência política, geografia, economia, psicologia, antropologia e estudos culturais. b) dentro da produção da chamada nova história cultural destacam-se as contribuições dos estudos pós-coloniais e feministas, que ofereceram novas abordagens, novas perspectivas e novos problemas históricos. c) para historiadores da nova história cultural as relações econômicas e sociais são anteriores às culturais e as determinam; elas próprias não são constituintes da prática cultural e produção cultural, os principais objetos de estudo da história cultural. d) a “virada cultural” não atingiu o âmbito externo à academia, mas está ligada a uma mudança na percepção manifestada em expressões como “cultura da pobreza” e “cultura do medo”, assim como no debate sobre multiculturalismo e nas chamadas “guerras de culturas”. e) a nova história cultural pouco renovou os parâmetros usados na historiografia brasileira devido às barreiras linguísticas. 6 - Leia. A teoria da democracia racial, derivada a partir da hipótese de pesquisa desenvolvida por 66 Gilberto Freyre, principalmente com sua obra “Casa-Grande e Senzala”, pode ser relacionada à política de cotas implementada nos institutos federais a partir da Lei 12.711 de 29 de agosto de 2012. Dentre as opções abaixo, marque a CORRETA em relação ao conteúdo do enunciado acima. a) A teoria desenvolvida por Gilberto Freyre contribui para explicar a diferença entre os níveis de violência racial ocorridos nos EUA e no Brasil, bem como sustenta teoricamente a política de cotas raciais adotada em nosso país. b) A teoria da democracia racial, derivada da obra de Freyre, sustenta uma suposta convivência pacífica e democrática entre os negros, indígenas e brancos europeus, de modo a sustentar a política de cotas raciais. c) A teoria desenvolvida por Freyre atribui uma visão romantizada da realidade, tornando invisíveis várias formas de violência praticadas por brancos europeus em relação aos negros. A política de cotas raciais, nesse sentido, visa validar a teoria de Freyre. d) A teoria da democracia racial, derivada da obra de Freyre, mascara em grandemedida a violência praticada por brancos contra negros no Brasil, sustentando de certo modo parte das críticas atribuídas à adoção de cotas raciais no país. e) A teoria da democracia racial de Freyre tem por princípio desvelar todas as formas de violência de brancos contra negros no Brasil, amparando teoricamente a adoção de cotas raciais como forma de compensação histórica. 7 - Leia o texto a seguir. “O homem cordial pode ser visto como um tipo ideal weberiano: ele seria o precipitado de uma formação social caracterizada pela onipresença da esfera privada, logo, pelo primado das relações pessoais. Ora, a cordialidade não deve ser compreendida como uma característica essencialmente brasileira, mas antes como um traço estrutural de sociedades cujo espaço público enfrenta dificuldades para afirmar sua autonomia em relação à esfera privada. O conceito de cordialidade é um importante instrumento analítico para o estudo de grupos sociais dotados de elevado grau de autocentramento, portanto, em alguma medida, resistentes a pressões externas. ” (Rocha, João Cezar de Castro. Brasil nenhum existe. Folha de São Paulo, Domingo, 09 de janeiro de 2000). O texto acima propõe uma revisão da tese do “homem cordial”, desenvolvida pelo seguinte intelectual brasileiro: a) João Ubaldo Ribeiro. b) Machado de Assis. c) Ribeiro Couto. d) Afonso Arinos de Melo Franco. e) Sérgio Buarque de Holanda. 8 - Para Caio Prado Júnior, a formação brasileira se completaria no momento em que fosse superada a nossa herança de inorganicidade social - o oposto da interligação com objetivos internos - trazida da colônia. Este momento alto estaria, ou esteve, no futuro. Se passamos a Sérgio Buarque de Holanda, encontraremos algo análogo. O país será moderno e estará formado quando superar a sua herança portuguesa, rural e autoritária, quando então teríamos um país democrático. Também aqui o ponto de chegada está mais adiante, na 67 dependência das decisões do presente. Celso Furtado, por seu turno, dirá que a nação não se completa enquanto as alavancas de comando, principalmente econômico, não passarem para dentro do país. Como para outros dois, a conclusão do processo encontra- se no futuro, que agora parece remoto. Schwarz, R. Sequências brasileiras. SP: Cia das Letras. O que une as visões desses autores sobre o Brasil é: a) a noção de que o futuro tem que ser construído. b) a noção de que o presente que importa. c) a ideia de que nosso passado tem que ser valorizado. d) a premissa de que o passado deve ser desprezado. e) a ideia de que nosso passado é de que só a superação de nosso atraso construirá um futuro melhor. 68 RESPOSTAS DO FIXANDO O CONTEÚDO UNIDADE 1: UMA HISTÓRIA DA HISTÓRIA UNIDADE 3: O(S) TEMPO(S) UNIDADE 5: PARA QUE SERVE A HISTÓRIA UNIDADE 2: PROFISSÃO HISTORIADOR UNIDADE 4: AS FONTES E A PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO HISTÓRICO UNIDADE 6: HISTÓRIA DO BRASIL QUESTÃO 1: A QUESTÃO 2: D QUESTÃO 3: D QUESTÃO 4: A QUESTÃO 5: A QUESTÃO 6: B QUESTÃO 7: C QUESTÃO 8: D QUESTÃO 1: A QUESTÃO 2: D QUESTÃO 3: A QUESTÃO 4: E QUESTÃO 5: D QUESTÃO 6: B QUESTÃO 7: A QUESTÃO 8: A QUESTÃO 1: D QUESTÃO 2: B QUESTÃO 3: C QUESTÃO 4: A QUESTÃO 5: E QUESTÃO 6: B QUESTÃO 7: E QUESTÃO 8: B QUESTÃO 1: C QUESTÃO 2: D QUESTÃO 3: A QUESTÃO 4: C QUESTÃO 5: B QUESTÃO 6: B QUESTÃO 7: E QUESTÃO 8: B QUESTÃO 1: D QUESTÃO 2: D QUESTÃO 3: A QUESTÃO 4: A QUESTÃO 5: A QUESTÃO 6: E QUESTÃO 7: B QUESTÃO 8: B QUESTÃO 1: C QUESTÃO 2: A QUESTÃO 3: B QUESTÃO 4: A QUESTÃO 5: B QUESTÃO 6: D QUESTÃO 7: E QUESTÃO 8: E 69 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BLOCH, Marc. Apologia da História e o ofício do historiador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. BORGES, Vavy Pacheco. O que é história. 2ª ed. Revisada. São Paulo: Brasiliense, 1993. (Coleção Primeiros Passos; 17). CARDOSO, Ciro Flamarion & VAINFAS, Ronaldo (orgs.). Domínios da história: ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997. DOSSE, François. A História em migalhas: dos Annales à Nova História. São Paulo. Ensaio. 1992. FICO, Carlos. Violência, trauma e frustração no Brasil e na Argentina: o papel do historiador. Topoi (Rio J.), Rio de Janeiro , v. 14, n. 27, p. 239-261, Dec. 2013 . Disponível em:<http://www. scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2237-101X2013000200239&lng=en&nrm=iso>. GUIMARÃES, Manoel Salgado. Nação e civilização nos trópicos: O Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e o projeto de uma história nacional. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, nº 1, 1998, p. 5-27. KOSELLECK, R. Futuro passado: Contribuição à semântica dos tempos históricos. 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