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Natalia Quintino Dias Intoxicações exógenas na infância Intoxicações exógenas agudas podem ser definidas como as consequências clínicas e/ou bioquímicas da exposição aguda a substâncias químicas, encontradas no ambiente, normalmente em doses excessivas e/ou inadequadas. No Brasil, a intoxicação aguda constitui importante problema de saúde pública, particularmente na faixa etária pediátrica. Medicamentos são os principais agentes responsáveis, seguidos pelas intoxicações por animais peçonhentos. No Brasil, os dados sobre intoxicações são disponibilizados nas publicações anuais do Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas (Sinitox). Os medicamentos lideram como os principais agentes tóxicos (38% em pacientes pediátricos e 30% em adolescentes), seguidos pelas intoxicações por produtos sanitários, produtos químicos de uso industrial e pesticidas. Condutas na intoxicação aguda Intoxicações devem ser sempre suspeitadas em quadros de alteração abrupta do nível de consciência, convulsões, comprometimento hemodinâmico e/ ou respiratório ou distúrbios metabólicos de início súbito e sem causa claramente definida. Sempre que possível, a história, realizada com os responsáveis ou acompanhantes, deve contemplar dados sobre a acessibilidade de produtos no domicílio, antecedentes patológicos individuais e da família (para avaliar a disponibilidade de medicamentos em casa), história de eventos semelhantes na família ou com o paciente, uso de alguma substância após a intoxicação e todos os sinais e sintomas apresentados pelo paciente. A sequência dos passos na conduta deve ser concomitante à tentativa de reconhecer o agente intoxicante (ou a toxíndrome) para a administração do antídoto. Etapas do atendimento - Avaliação clínica inicial e estabilização do paciente. - Reconhecimento da toxíndrome e identificação do agente causal. - Descontaminação. - Administração de antídotos. - Aumento da eliminação do tóxico absorvido. O contato com um Centro de Intoxicação é sempre importante para uma melhor orientação sobre a condução do caso. Avaliação clínica inicial e estabilização O objetivo principal é verificar se o paciente apresenta algum distúrbio que represente risco iminente de vida. - Deve ser realizado um exame físico rápido, rigoroso e sistemático. A estabilização consiste na realização de medidas que visam a corrigir os distúrbios que representam risco iminente de vida e a manter o paciente em condições adequadas, até o estabelecimento do diagnóstico definitivo e o consequente tratamento específico. De acordo com o Suporte avançado de vida: Avaliação e manejo da via aérea (A); Da respiração (B); Da circulação (C); Do quadro neurológico (D); Da exposição do paciente (incluindo controle de hipo/hipertermia) (E). O suporte vital avançado consiste em associar equipamentos auxiliares para ventilação, monitorização cardíaca, uso de drogas, desfibrilação e manutenção da estabilidade do paciente. As condições respiratórias, circulatórias e neurológicas devem ser avaliadas com bastante rigor. Achados que devem ser pesquisados no paciente com suspeita de intoxicação: ● Condições respiratórias: obstrução de vias aéreas, apneia, bradipneia, taquipneia, edema pulmonar e insuficiência respiratória aguda. ● Condições circulatórias: alterações da pressão arterial ou da frequência cardíaca, arritmias, insuficiência cardíaca congestiva, estado de choque e parada cardíaca. ● Condições neurológicas: convulsões, estado de mal convulsivo, sinais de aumento da pressão intracraniana, coma, alterações pupilares (pupilas fixas e dilatadas ou mióticas) e agitação psicomotora. Natalia Quintino Dias Reconhecimento da toxíndrome e identificação do agente causal Toxíndrome, ou síndrome tóxica, pode ser definida como um conjunto de sinais e sintomas produzidos por doses tóxicas de substâncias químicas. O reconhecimento da síndrome permite a identificação mais rápida do agente causal e, consequentemente, a realização do tratamento adequado. Na anamnese, quando o tóxico for conhecido, deve-se fazer uma estimativa da quantidade em contato com o organismo, do tempo decorrido desde o acidente até o atendimento, da sintomatologia inicial, do tipo de socorro domiciliar e dos antecedentes médicos importantes. Quando o tóxico for desconhecido, são dados suspeitos: início agudo da sintomatologia, idade entre 1 e 5 anos, estado mental alterado, quadro clínico estranho ou complexo, excesso de medicamentos no domicílio e informações dos parentes ou dos companheiros. Exame físico Deve detalhar, além dos sinais usuais, características da pele e das mucosas (temperatura, coloração, odor, hidratação), da boca (hálito, lesões corrosivas, hidratação), dos olhos (conjuntiva, pupila, movimentos extraoculares), do sistema nervoso central (nível de consciência, escala de coma, estado neuromuscular), do sistema cardiocirculatório (frequência, ritmo cardíaco, pressão arterial, perfusão) e do sistema respiratório (frequência respiratória, movimentos respiratórios, ausculta). Os exames laboratoriais podem ser diretos (qualitativos ou quantitativos) ou indiretos. Exames diretos qualitativos, ou semiquantitativos: como o screening urinário para drogas de abuso, podem ser úteis no esclarecimento do diagnóstico, detectando, por exemplo, anfetaminas, anticolinérgicos, barbitúricos, canabinoides e cocaína. Além disso, podem detectar antidepressivos tricíclicos, betabloqueadores, paracetamol, salicilatos e teofilina. Natalia Quintino Dias Exames indiretos: consistem na dosagem de marcadores sugestivos de intoxicações. São exemplos: a dosagem da atividade da colinesterase sanguínea e dos níveis de metemoglobinemia. No primeiro caso, queda superior a 50% é altamente sugestiva de intoxicação por inseticidas organofosforados e carbamatos. Metemoglobinemia superior a 15% é acompanhada por sintomatologia tóxica. Descontaminação Descontaminação é a etapa em que se procura diminuir a exposição do organismo ao tóxico, quer reduzindo o tempo e/ou a superfície de exposição, quer reduzindo a quantidade do agente químico em contato com o organismo. A conduta varia de acordo com a via da possível absorção do tóxico. As principais vias de exposição aguda são digestiva, respiratória e cutânea. A via digestiva é mais importante nos casos pediátricos; pois, na maioria das vezes, a intoxicação ocorre após ingestão de um produto químico. Apesar de os procedimentos de descontaminação serem conhecidos e descritos há muito tempo, não temos evidências científicas claras para seu uso. Antídoto local, como o uso rotineiro de substância química que agiria sobre o tóxico, impedindo de algum modo sua absorção, não é recomendado atualmente. A neutralização do produto tóxico ácido ou básico é, de um modo geral, contraindicada pois, como a maioria das reações de neutralização liberam calor, aumentam os riscos de lesão ou de agravamento de lesões mucosas. Indução do vômito é outra medida discutível, entre outros motivos, porque sua eficácia depende da rapidez de execução, que não costuma acontecer, na grande maioria dos casos. Além disso, essas técnicas apresentam várias e importantes contraindicações, tais como: ingestão de derivados de petróleo ou de produtos cáusticos, agitação psicomotora, presença de convulsões, depressão neurológica e perda de reflexos das vias aéreas superiores. Portanto, essas técnicas não devem ser realizadas. A lavagem gástrica, apesar de exigir pessoal capacitado, equipamento adequado, ambiente hospitalar,sonda de grosso calibre com orifícios de dimensões suficientes para permitir a passagem de fragmentos sólidos e envolver riscos importantes, ainda é exageradamente realizada. Considera-se que a lavagem gástrica não deve ser usada rotineiramente no tratamento do paciente intoxicado, pois a quantidade removida de marcadores é muito variável e diminui com o tempo. A indicação de lavagem gástrica estaria reservada para ingestão de substâncias extremamente tóxicas, com grande risco de vida, até 1 hora após a ingestão. Alguns serviços, entretanto, indicam o seu uso em até 4 horas após a ingestão. A administração de carvão ativado parece ser, até o momento, o melhor procedimento para descontaminação digestiva e tem como dose usual 1 g/kg, por via oral, em suspensão aquosa. Seu aspecto desagradável pode dificultar o uso, e sua eficácia diminui com o tempo. Os melhores resultados são observados na 1ª hora após ingestão do tóxico. Sua eficácia é menor com tóxicos de grandes massas, como ferro e lítio. O uso de catárticos, como o sulfato de magnésio, somente se justifica para contrabalancear os efeitos obstipantes do carvão ativado. Principal conduta no atendimento inicial: retirada do ambiente contaminado e remoção das vestes (+ lavagem corporal – com água corrente, com cuidado aos cabelos, região retroauricular, axilas, umbigo, olhos e região genital). Administração de antídotos Há poucos tóxicos que existem antídotos. Acetilcisteína: previne a formação de metabólitos hepatotóxicos do acetaminofeno (paracetamol). - Principal indicação terapêutica: é a intoxicação por esse medicamento. - As doses usuais são de 140 mg/ kg e, a seguir, 70 mg/kg, por via oral, durante 3 dias. Atropina: é um antagonista dos estímulos colinérgicos nos receptores muscarínicos, com pouco efeito nos nicotínicos. - Principal indicação: tratamento da intoxicação por inseticidas organofosforados e carbamatos. - As doses usuais para crianças variam de 0,01 a 0,05 mg/kg, preferencialmente por via Natalia Quintino Dias intravenosa, repetidas em intervalos de minutos, até a melhora do quadro clínico. Azul de metileno: Medicamento que age como transportador de elétrons, ativando a via da hexose-monofosfato eritrocitária, na qual a G6PD é enzima básica, permitindo a redução da metemoglobina em hemoglobina. - Principal indicação: o tratamento das metemoglobinemias tóxicas; particularmente, as induzidas por derivados da anilina e nitritos. Deferoxamina: é um agente quelador, com especial afinidade pelo ferro, com o qual forma um complexo hidrossolúvel, rapidamente eliminado. - Principal indicação: tratamento da sobrecarga crônica de ferro. Flumazenil: é um medicamento que antagoniza a ação de benzodiazepínicos, por inibição competitiva no complexo receptor GABA- benzodiazepina. Principal indicação: Existem evidências suficientes sobre sua eficácia na reversão do coma induzido por esse grupo de drogas e relatos, que ainda necessitam de confirmação, sobre a melhora da consciência de pacientes com intoxicação alcoólica. - A dose usual inicial é de 0,2 a 0,3 mg, por via intravenosa, em 15 segundos. A seguir, 0,1 mg, em intervalos de 1 minuto, até a melhora do paciente, que geralmente ocorre com menos de 3 mg. Naloxona: Atua como antagonista puro, podendo ser usado mesmo quando houver dúvida diagnóstica. - Principal indicação: medicamento de primeira escolha no tratamento da intoxicação por opiáceos. - As doses utilizadas são de 0,1 mg/kg para crianças < 5 anos de idade e 2,0 mg para crianças maiores, de preferência por via intravenosa. Vitamina K1: utilizada para restaurar o tempo de protrombina e interromper o sangramento na intoxicação por medicamentos ou pesticidas anticoagulantes. - A dose usualmente recomendada para crianças é de 5 a 10 mg, por via oral, repetida várias vezes por dia. Por via intramuscular, a dose costuma ser de 1 a 5 mg. Glucagon: é o antídoto que deve ser usado em intoxicações por bloqueadores beta-adrenérgicos ou betabloqueadores. - A dose na pediatria varia entre 30 e 150 mcg/kg em bolus, seguido de uma infusão de 70 mcg/kg/hora. Aumento da eliminação Na prática, a tentativa do aumento de excreção de um tóxico é útil em poucos casos. As técnicas são consideradas em situações específicas, levando em consideração os riscos e os benefícios. Carvão ativado em múltiplas doses: Aumenta a eliminação de drogas que possuem circulação êntero-hepática ou enteroentérica. Recomenda-se seu uso quando um paciente ingerir doses potencialmente fatais de carbamazepina, dapsona, fenobarbital ou teofilina. Normalmente, é administrada uma dose de 1 g/kg, seguida de metade da dose inicial, a cada 2 a 4 horas. Diurese alcalina: Tratamento que eleva a eliminação de agentes intoxicantes através da administração de bicarbonato de sódio endovenoso para produzir urina com um pH > 7,5. Baseia-se no princípio de que as membranas celulares e tubulares renais são mais impermeáveis a substâncias ionizadas; portanto, produzindo pH alcalino na urina, os ácidos fracos serão dissociados e menos reabsorvidos. É utilizada, por isso, na intoxicação por ácidos fracos (salicilatos e barbituratos). Irrigação intestinal: A irrigação intestinal feita com PEG (polietilenoglicol), por via oral ou retal, até que o efluente retal esteja claro, tem sua eficácia na ingestão de ferro, metais pesados, comprimidos de liberação lenta ou entérica e pacotes de drogas ilícitas. Diálise: Consiste em diversos tipos de procedimentos, incluindo diálise peritoneal, hemodiálise, hemoperfusão e hemofiltração, que têm por objetivo intensificar a remoção do tóxico do organismo. São mais proveitosas em substâncias com baixo peso molecular, baixo volume de distribuição, baixa ligação a proteínas e alta hidrossolubilidade. É um procedimento invasivo, que deve ser usado com cautela e indicação precisa, sob supervisão do especialista. Natalia Quintino Dias Prevenção Deve-se manter todos os produtos tóxicos em local seguro e trancado, fora do alcance das mãos e dos olhos das crianças, de modo a não despertar sua curiosidade. Orientações às famílias ● Utilizar produtos com tampas de segurança. ● Guardar detergentes, sabão em pó, inseticidas e outros produtos de uso doméstico longe dos alimentos e dos medicamentos. ● Manter produtos de risco trancados e fora do alcance das crianças. ● Não colocar produtos derivados de petróleo (querosene, gasolina), alvejantes e outros produtos químicos em embalagens domésticas de refrigerantes. ● Manter sempre a criança sob supervisão de um adulto. Lembrar que uma criança não deve tomar conta de outra criança Intoxicações comuns na pediatria Acetaminofeno (Paracetamol) Sendo um analgésico comum, presente em vários domicílios, sua intoxicação pode determinar lesão hepática importante em doses > 150 mg/kg, em crianças, ou > 7,5 g, em adultos. A absorção da medicação é rápida, e a intoxicação evolui em 4 estágios: ● Estágio 1 (12 a 24 horas após a ingestão): sem sintomas ou, eventualmente, com náuseas e vômitos leves. ● Estágio 2 (36 horas após ingestão): após resolução dos sintomas, aumentam níveis de transaminases, bilirrubinas, tempo de protrombina e retorno dos sintomas. ● Estágio 3: pico dos sintomas, podendo evoluir para insuficiência hepática fulminante, com encefalopatia e sangramentos; ● Estágio 4 (recuperação em até 10 dias): nos casos de ingestão tóxica, o nível sérico deve ser obtido para, dependendo dele e do tempo de ingestão, predizer o risco de lesão hepática. O tratamento é realizado com acetilcisteína, até 24 horas após ingestão, ou, idealmente, até 8 horas. Ferro A ingestãode mais de 20 mg/kg cursa com sintomas gastrintestinais (vômitos, diarreia e sangramentos). Podem ocorrer: acidose metabólica, choque, alterações hepáticas, renais e hemorragia pulmonar. Nível sérico após 6 horas de ingestão > 500 mg/dL indica intoxicação grave, demandando uso de quelante (deferoxamina). Cáusticos Causam lesões de gravidade variável no trato gastrointestinal. • Os alcalinos causam maior penetração e lesões na mucosa. • Os ácidos limitam mais sua penetração. Pode haver lesão na mucosa oral, disfagia, dor retroesternal, vômitos e sangramentos. A ausência de lesão oral não descarta o risco da ingestão. A ingestão de água sanitária (geralmente uma solução de hipoclorito de sódio) raramente leva a lesões importantes. A lavagem gástrica é contraindicada, e a endoscopia, nas primeiras 24 horas, deve ser realizada, para avaliar a gravidade do comprometimento. A ingestão de baterias pode levar à liberação de metais pesados e cáusticos, que determinam graves lesões em mucosas. Radiografias de tórax e abdome devem ser solicitadas para identificação do dispositivo, e a endoscopia deve ser realizada para sua retirada. Quando suspeitar de intoxicação - Alteração da consciência; - Convulsões; - Alterações pupilares; - Comprometimento hemodinâmico/respiratório; - Distúrbios metabólicos sem causa definida. Conduta Avaliar realização de lavagem gástrica e uso de carvão ativado. --> suporte clínico e hemodinâmico --> tentar reconhecer toxíndrome --> buscar antídoto e realizar descontaminação Substâncias X Antídotos Paracetamol -> Acetilcisteína Inseticidas organofosforados -> atropina Benzodiazepínicos -> Flumazenil Opiáceos -> naloxone Anticoagulantes -> vitamina K Betabloqueadores -> glucagon
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