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INTRODUÇÃO Novos paradigmas relacionados à Gestão de Riscos e Desastres estão em processo de construção, consolidação e institucionalização, alinhados em direção à prevenção, à sustentabilidade e à participação social. No Brasil, a Lei n° 12.608/2012, que institui a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil - PNPDEC, avança nesse sentido e demanda conhecimentos, estratégias e ferramentas que apoiem ações para reduzir os riscos e a ocorrência de desastres no contexto brasileiro. Este caderno técnico, GIRD+10 Gestão Integrada de Riscos e Desastres, foi elaborado de modo a contribuir para a formação e capacitação de gestores públicos, prefeitos (as), representantes de secretarias municipais, agentes de Proteção e Defesa Civil, professores, educadores sociais, lideranças comunitárias, estudantes, de comunidades e cidades resilientes. Os conteúdos apresentados neste Caderno Técnico são o resultado de um trabalho coletivo de especialistas do Instituto Siades, da Universidade Federal do ABC (UFABC) e da Universidade Metodista de São Paulo (UMESP), com a supervisão técnica da Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil (SEDEC), do Ministério do Desenvolvimento Regional, dentro do Projeto de Cooperação Técnica Internacional BRA/12/017 - Fortalecimento da Cultura de Gestão de Riscos de Desastres no Brasil, Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR), por meio da SEDEC. Este material está organizado em quatro capítulos. O primeiro aborda as visões e as aplicações sobre Gestão de Riscos e Desastres e faz uma análise sobre os diversidade de cenários de risco no Brasil e o contexto das mudanças climáticas. No terceiro, discutem-se os instrumentos e estratégias de redução de riscos e desastres, como o mapeamento de riscos e a contribuição das Soluções Baseadas na Natureza governança, comunicação e educação para uma cultura de prevenção são elementos- chave para ações integradas de gestão de riscos no país. Convidamos à leitura e ao envolvimento nesse processo, para ampliarmos a cultura de prevenção no nosso município, no nosso bairro, no nosso dia a dia, contribuindo para o fortalecimento do Sistema Nacional de Proteção e Defesa Civil (Sinpdec). Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil (SEDEC) 1.1. DA TEORIA À PRÁTICA Como evoluíram as visões e as aplicações sobre a Gestão de Riscos e Desastres Autores: Samia N. Sulaiman, Fernando R. Nogueira, Celso S. Carvalho, Sonia M. V. Coutinho, Marilia de A. B. Leite, Rodolfo B. Moura social permanente e contínuo, apoiado por estruturas institucionais e comunitárias, com o objetivo de enfrentar vulnerabilidades e ameaças presentes no território. Quando falamos em riscos relacionados a desastres, nos referimos à potencialidade de ocorrer algo nocivo, danoso para a sociedade no futuro. Por isso, de danos e perdas, ou pelo menos amenizar suas consequências. perigos; delimitar as áreas de origem e as que possam ser afetadas; entender as fragilidades do meio físico e social e antecipar as consequências. Essas são etapas fundamentais para que a GRD possa ser efetiva. De uma maneira clara e precisa, a geógrafa francesa Yvette Veyret (2007) considera que o risco é um objeto social. Isso quer dizer que, para que o risco exista, é preciso que um indivíduo, ou uma coletividade, tenha a percepção de que existe uma ameaça, um perigo ou a possibilidade de um desastre. Perceber a existência do risco é fundamental para analisar a situação, para enfrentá-lo (a nossa gestão de riscos). Para quem não reconhece a existência do perigo e é surpreendido por restam o desastre e a tentativa improvisada de buscar caminhos para recuperar-se das perdas e danos resultantes. Importante também é reconhecer a natureza dos riscos. Cada vez mais inundações ou, em outro exemplo, o descaso técnico que conduz à ruptura de uma barragem de rejeitos. INTRODUÇÃO O primeiro capítulo que abre este Caderno Técnico introduz o tema da Gestão Integrada de Riscos e Desastres (GRD). Na Seção 1.1, apresentamos referenciais teóricos e metodológicos e marcos internacionais que demonstram a evolução das visões e aplicações sobre GRD. Na paradigmas apontados pela Política Nacional de Proteção e Defesa Civil, Lei nº 12.608/2012. Boa leitura! “Ameaça” é um fenômeno ou processo natural ou antrópico com potencialidade de causar um dano. “Perigo” é uma condição na qual existe potencial de dano a ser causado por ameaça afetando o meio exposto. Algumas ações essenciais para a GRD envolvem: A formulação de políticas públicas e instrumentos legais; Intervenções estruturais (obras e serviços, da engenharia tradicional e/ou de medidas não convencionais); Intervenções não estruturais (ações contingenciais, educação para prevenção e resiliência, comunicação de risco, medidas de redução das vulnerabilidades); Planejamento e preparação para o manejo dos desastres e para a reconstrução após os desastres. Como exemplos de processos físicos que geram danos (acidentes), podemos citar movimentos de massa (deslizamentos); inundações; secas; epidemias; ventos fortes; furacões; tsunamis; terremotos; erupções vulcânicas; rompimentos de barragens; derramamentos de óleo; incêndios; explosões de plantas industriais; entre outros tantos. Potencialidade de ocorrer um acidente ou evento físico que gere consequências Riscos (de desastres) Consequências em perdas e danos sociais ou econômicos Porém, o foco nas consequências, e não nas causas, deixa de considerar o contexto socioambiental no qual ocorrem os desastres e a vulnerabilidade de pessoas, bens e infraestrutura atingidos. Entender essa dimensão “é fundamental (MARCHEZINI, 2015, p. 84). Trazer a vulnerabilidade como ponto de partida para a análise dos riscos e desastres permitiu entender por que os mesmos processos físicos causam danos mais amplos e consequências mais profundas nos territórios mais pobres e menos organizados socialmente. Não há exemplo mais dramático do que a difícil e longa recuperação do Haiti após o terremoto que destruiu o país em 2010. Essa compreensão coloca o risco como resultado da interação entre a possibilidade de ocorrência de um processo físico danoso (Ameaça) e a fragilidade das pessoas ou bens em risco (Vulnerabilidade): materialização em desastres) não são naturais, são construídos pela forma com atividades no território. Em geral, os riscos são resultado de baixo desenvolvimento socioeconômico ou de “problemas não resolvidos do desenvolvimento” (ROMERO; MASKREY, 1993). As ameaças podem ser resultados de processos naturais, socioambientais ou tecnológicos, mas o risco sempre é resultado da relação do desenvolvimento sociopolítico, cultural e econômico nos territórios suscetíveis a tais ameaças. Dessa forma, tem-se buscado constituir entendimentos e ações mais amplos na GRD. Neste livro, vamos trabalhar com uma proposta de GRD baseada em processos (NARVÁEZ; LAVELL; ORTEGA, 2009), considerando três eixos estruturantes e estratégicos: conhecimento dos riscos; prevenção e redução dos riscos; manejo dos desastres e emergências. DE QUE RISCOS ESTAMOS FALANDO? geociências, nas quais o risco era entendido como a probabilidade de ocorrência de um processo físico danoso, com ênfase no perigo, na ameaça ou no evento físico desencadeador do desastre — como a chuva intensa sendo a única causa de inundações e deslizamentos, por exemplo (MACEDO; BRESSANI, 2013). em que risco de desastres (R) é a relação entre a potencialidade (P) de ocorrência de um processo físico que gera danos (acidentes) e as consequências (C) de seu impacto na vida de pessoas ou comunidades (como a perda de vidas humanas e os danos de infraestrutura, como equipamentos públicos, vias e habitações). Risco = Ameaça x Vulnerabilidade R = P x C 1) 2) 3) Ideologia Crescimento econômico com exclusão social Desigualdades de classe, gênero e raça Valores culturais (personalismo, fatalismo, racismo) Fonte: Adaptadode Wisner, Blaikie, Cannon e Davis (2004). Elaboração própria. Contribuindo para essa abordagem sobre o processo de produção social da vulnerabilidade, Wilches-Chaux (1993) desenvolveu o conceito de “vulnerabilidade global” (Quadro 2), entendendo que determinado sistema humano pode enfrentar muitos tipos de vulnerabilidade que podem aumentar a magnitude de um desastre. PROGRESSÃO DA VULNERABILIDADE Falta de Política de aumento real do salário mínimo Investimentos em ensino e pesquisa Participação social Macroforças Urbanização periférica Ocupação irregular Crescimento populacional Degradação ambiental Corrupção MAS DE QUE VULNERABILIDADE(S) ESTAMOS FALANDO? Os trabalhos de Wisner, Blaikie, Cannon e Davis (2004) apontam diferentes escalas, tempos e espaços que explicam a progressão da vulnerabilidade diante das ameaças (Quadro 1): Causas profundas: o modelo de organização social e as ideologias políticas e econômicas de desenvolvimento que produziram e reproduzem desigualdades estruturais (como pobreza, racismo) Pressões dinâmicas: os processos que produziram o cenário de risco (como a falta de controle do uso e ocupação do solo, de investimento em habitação social, saneamento); Condições inseguras: os elementos concretos (como moradias em áreas de risco). Quadro 1. Modelo de progressão da vulnerabilidade na composição de riscos e desastres. 1 2 3 1) 2) 3) Causas Profundas Ambiente Físico Frágil Habitações precárias Alta densidade populacional Número elevado de moradores Frágil Economia Local Desemprego, subemprego e informalidade Baixa renda Ações Públicas Falta de saneameamento básico Política habitacional Política assistencial Inexistência de Defesa Civil municipal Falta de plano de contingência Pressões Dinâmicas Condições Inseguras Dimensões da Vulnerabilidade Física Ambiental Econômica Social Ideológica Educacional Organizacional Cultural Variáveis para Construção de Indicadores de Vulnerabilidade Social a Desastres (IVSD) Quadro 2. Vulnerabilidade global e variáveis relacionadas a desastres. Baixa renda e desemprego Falta de coesão ou organização social (da comunidade, da família) para enfrentar o risco Falta de organização comunitária para atuar em redução de riscos Falta de participação social em atividades de prevenção e mitigação de riscos Característica construtiva frágil ou (por exemplo, casas em madeira frente a riscos de incêndios, deslizamentos, vendavais) Desmatamento, seca, indisponibilidade de água Adensamento habitacional excessivo, impermeabilização do solo, obstrução de Falta de acesso ao crédito Transferência da causa dos desastres, a fatalidades (como a chuva, as vítimas) Falta de informação adequada Ausência de escolaridade que debilita práticas de precauções e antecipação Falta de mobilização e organização coletiva em ações de prevenção e mitigação de riscos Acomodação da comunidade frente a de responsabilidade para os governos Baixa percepção de risco Grupos especiais (idosos, crianças, jovens, Percepção fatalista sobre desastres Falta de práticas educacionais que estimulem o protagonismo social Falta de liderança capacitada para trabalhos de prevenção e redução de riscos Falta de atividades de comunicação para redução de riscos e desastres Falta de práticas educacionais que estimulem o protagonismo social Falta de cultura antecipatória dos gestores públicos frente aos riscos e desastres Falta de capacidade para elaborar planos e projetos para a redução de riscos e ações de contingência Condições de acesso e uso da infraestrutura e serviços urbanos percurso de deslocamento/atingimento do processo perigoso Dependência econômica Falta de orçamento para ações de prevenção e mitigação Incapacidade ( da comunidade, da família, do indivíduo ) de enfrentar o risco por limitação de saúde Ocupação urbana em áreas degradadas (áreas de empréstimo, áreas de lançamento de resíduos, etc) Política responsáveis em ações de Proteção e Defesa Civil organização coletiva na comunidade Institucional Falta de Proteção e Defesa Civil estruturada dentro da comunidade (Nupdec) Inconsolidação/alternância de políticas públicas locais, de grupos técnicos e de relação entre governo e sociedade Falta de atuação do Poder Público na comunidade com ações de redução de riscos e desastres Técnica Técnicas inadequadas de execução ou implantação de obras e de infraestrutura e controle Ausência de estudos, diagnósticos e mapas de riscos Ausência de Planos Municipais de Redução de Risco, Planos Preventivos de Defesa Civil, Planos de Contingência Ausência de corpo técnico capacitado para ações de Proteção e Defesa Civil na comunidade Fonte: Wilches-Chaux (1993), adaptado por Dutra (2011). Readequação própria. Entretanto, a partir do reconhecimento de uma ameaça e das vulnerabilidades, podem ser desenvolvidas a disposição e a capacidade do governo local e das comunidades em risco de agirem em relação ao problema. Assim, necessário o entendimento de que há uma relação simultânea e interconectada (de concomitância e condicionamento mútuo) de variáveis que também consideram a capacidade de enfrentamento ou resiliência, como expresso na fórmula a seguir (NOGUEIRA, 2002): O conceito de “resiliência” recebe de acordo com a área de conhecimento. No contexto da GRD, a resiliência relaciona-se à capacidade de um sistema, comunidade ou sociedade, expostos a uma ameaça, de resistir, absorver, adaptar- se, transformar-se, recuperar-se diante dos impactos de processos e eventos extremos por meio da gestão de risco (UNISDR, 2016). Consequências danosas às pessoas e/ou aos bens em função da vulnerabilidade do meio exposto à ameaça R = P (fA) * C (fV) g Ameaça Vulnerabilidade Capacidade de gerenciamento do problema ou de resiliência diante de ameaça, seja do governo local, seja dos indivíduos, seja da comunidade exposta Probabilidade de ocorrência futura de determinado processo do meio físico que representa ameça Riscos (de desastres) A fórmula permite analisar integralmente uma condição de risco em determinado contexto temporal e espacial. Caso já tenham ocorrido processos destrutivos anteriormente, eles poderão ser considerados na análise da probabilidade de novas ocorrências, levando em conta as características, o grau de perigo e o alcance do processo, além da análise das possíveis consequências. A capacidade de enfrentamento e gerenciamento pode ser avaliada por meio de diversos parâmetros, como: apoio dos governos locais às comunidades em situação de risco; manejo dos desastres; avaliações periódicas das situações de risco por meio de mapeamentos; promoção de políticas de uso e ocupação do solo e de planejamento para habitação e infraestruturas seguras; realização de treinamentos e exercícios simulados de preparação para desastres com a população; promoção de programas de educação e conscientização sobre riscos e desastres; apoio a iniciativas comunitárias de enfrentamento de situações de risco; monitoramento e manutenção de sistemas de alerta e alarme; elaboração de planos de contingência; ; medidas estruturais de redução de riscos. (UNISDR, 2012)
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