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1 FACULDADE ÚNICA DE IPATINGA 2 PRÁTICA PEDAGÓGICA INTERDISCIPLINAR: HISTÓRIA MODERNA E CONTEMPORÂNEA 1ª edição Ipatinga – MG ANO 3 FACULDADE ÚNICA EDITORIAL Diretor Geral: Valdir Henrique Valério Diretor Executivo: William José Ferreira Ger. do Núcleo de Educação a Distância: Cristiane Lelis dos Santos Coord. Pedag. da Equipe Multidisciplinar: Gilvânia Barcelos Dias Teixeira Revisão Gramatical e Ortográfica: Izabel Cristina da Costa Revisão/Diagramação/Estruturação: Bárbara Carla Amorim O. Silva Bruna Luiza Mendes Leite Carla Jordânia G. de Souza Guilherme Prado Salles Rubens Henrique L. de Oliveira Design: Brayan Lazarino Santos Élen Cristina Teixeira Oliveira Maria Luiza Filgueiras Taisser Gustavo de Soares Duarte © 2021, Faculdade Única. Este livro ou parte dele não podem ser reproduzidos por qualquer meio sem Autorização escrita do Editor. Ficha catalográfica elaborada pela bibliotecária Melina Lacerda Vaz CRB – 6/2920. NEaD – Núcleo de Educação a Distância FACULDADE ÚNICA Rua Salermo, 299 Anexo 03 – Bairro Bethânia – CEP: 35164-779 – Ipatinga/MG Tel (31) 2109 -2300 – 0800 724 2300 www.faculdadeunica.com.br http://www.faculdadeunica.com.br/ 4 Menu de Ícones Com o intuito de facilitar o seu estudo e uma melhor compreensão do conteúdo aplicado ao longo do livro didático, você irá encontrar ícones ao lado dos textos. Eles são para chamar a sua atenção para determinado trecho do conteúdo, cada um com uma função específica, mostradas a seguir: São sugestões de links para vídeos, documentos científi- cos (artigos, monografias, dissertações e teses), sites ou links das Bibliotecas Virtuais (Minha Biblioteca e Biblioteca Pearson) relacionados com o conteúdo abordado. Trata-se dos conceitos, definições ou afirmações importantes nas quais você deve ter um maior grau de atenção! São exercícios de fixação do conteúdo abordado em cada unidade do livro. São para o esclarecimento do significado de determinados termos/palavras mostradas ao longo do livro. Este espaço é destinado para a reflexão sobre questões citadas em cada unidade, associando-o a suas ações, seja no ambiente profissional ou em seu cotidiano. 5 HUMANISMO E RENASCIMENTO 1.1 INTRODUÇÃO O Renascimento foi um momento histórico que aconteceu no final da Idade Média e começo da Idade Moderna na Europa. Ele foi um movimento cultural, artístico e científico que queria romper com os valores estabelecidos pela sociedade medieval. A Europa, nos séculos XI ao XIII, devido o aumento da produção agrícola e a expansão comercial e urbana passou por um grande processo de desenvolvimento. No início do século XIV, esses avanços econômicos passaram por um desaceleramento que entre alguns motivos podemos listar a peste negra e a guerra entre França e Inglaterra conhecida como Guerra dos Cem Anos. De acordo com Sevcenko (1996, p. 07-08) a: [...] crise do século XIV tem sido denominada também crise do feudalismo, pois acarretou transformações tão drásticas na sociedade, econômica e vida política da Europa, que praticamente diluiu as últimas estruturas feudais ainda predominante e reforçou, de forma irreversível, o desenvolvimento do comércio e da burguesia. [...] A grande mortalidade decorrente da peste e da guerra procedeu à desorganização da produção e disseminou a fome pelos campos e cidades – razão das grandes revoltas populares que abalaram tanto a Inglaterra e a França, quanto a Itália e a Flandres nesse mesmo período. Havia, porém, outras razões para as revoltas populares. Com o declínio demográfico causado pela guerra e pela peste, os senhores feudais passaram a aumentar a carga de trabalho e impostos aos camponeses remanescentes, a fim de não diminuir seus rendimentos. Era contra essa superexploração que os trabalhadores se revoltavam. A solução foi adotar uma forma de trabalho mais rentável, através da qual poucos homens pudessem produzir mais. Adotou-se então, preferencialmente, o trabalho assalariado, o arrendamento, ou seja, os servos foram liberados para vender seus excedentes no mercado das cidades. Assim, estimulados pela perspectiva de rendimento próprio, os trabalhadores e arrendatários incrementaram técnicas e aumentaram a produção. Passaram a predominar, portanto, as atividades agrocomerciais, como a produção de cereais e de lã, e os novos empresários passaram a exigir a propriedade exclusiva e privada das terras em que investiam. Tudo isso concorreu para a dissolução do sistema feudal de produção . Erro! Fonte de referênci a não encontra da. 6 Diferente do restante do continente europeu, as partes norte e central da Itália estavam com um processo desenvolvimento econômico por serem áreas extremamente urbanizadas do continente. Essas cidades eram extremamente mercantis e geravam um grande fluxo de riquezas. O enriquecimento dessas localidades como Veneza, Gênova e Florença permitiu que vários comerciantes e banqueiros prosperassem e a atividade manufatureira aumentasse nessas localidades. Importantes famílias dessas localidades tornaram-se financiadores de obras de artes. Era uma maneira de mostrar seu poder e riqueza, essa prática ficou conhecida como mecenato. Os artistas financiados por esses indivíduos começavam a expressar em suas obras novos valores diferentes do final da Idade Média. Os valores teológicos, que marcaram o período medieval, começaram a ser substituídos por valores individualistas e colocaram o homem como centro de todas as medidas. A região da Itália tornou-se o principal centro dessa renovação que a Europa passaria entre os séculos XIV ao XVI. 1.2 O HUMANISMO Na época medieval, as universidades voltavam seus estudos para as áreas de Direito, Medicina e Teologia. Durante o contexto do Renascimento, alguns intelectuais apresentaram novas propostas para o ensino de outras áreas das Ciências da Natureza, Matemática, Filosofia e outras. Esses pensadores ficaram conhecidos como humanistas e mudaram profundamente o campo intelectual nesse momento. Inspirados pelos valores greco-romanos, buscaram exaltar as capacidades dos indivíduos e valorizar a liberdade. O estudo das línguas clássicas, grego e latim, foram retomados pelos humanistas para conseguir interpretar https://bit.ly/3oxgPFw 7 importantes pensadores da antiguidade como Platão, Pitágoras, Plotino e Aristóteles. Assim, diversos valores da Antiguidade Clássica foram retomados. De acordo com Perry (1991, p. 271): Os humanistas esperavam aprender o muito que não lhes ensinavam os escritos medievais – especialmente, por exemplo, aprender a viver bem neste mundo e a desempenhar os deveres cívicos. Para os humanistas, eram os clássicos um guia para a felicidade e para a vida ativa. Para se tornarem cultos, para aprenderem a arte do escrever, do falar e do viver, era necessário conhecer os clássicos. Ao contrário dos filósofos escolásticos que usavam a filosofia grega para provar a verdade das doutrinas cristãs, os humanistas italianos usavam o conhecimento clássico para alimentar o seu novo interesse pela vida terrena. Diferente do que acontecia durante a Idade Média com o pensamento religioso que colocava Deus como centro do Universo (teocentrismo), os humanistas buscaram valorizar as capacidades do homem e o fortalecimento do ideal antropocentrismo (o homem como centrodo Universo). Essa época foi marcada por bastantes transformações no campo científico e de inovações. De acordo com Herbert (2002, p. 20-21): Durante o Renascimento, ocorreram grandes progressos em anatomia, medicina, astronomia e matemática. A prensa foi inventada e, pela primeira vez, os livros tornaram-se disponíveis para pessoas. Foi também uma época de exploração do mundo e o início da ciência moderna. Nicolau Copérnico afirmou que a Terra girava em torno do sol. Muitos exploradores navegaram pelos mares em busca de rotas comerciais para o Extremo Oriente. Cristovão Colombo cruzou o Atlântico e aportou na América. As caravelas portuguesas comandadas por Pedro Álvares Cabral chegaram às terras do Brasil. Vasco da Gama contornou a África e alcançou a Índia. Os navegantes de Magalhães deram a volta do globo. Muitos cientistas durante o Renascimento buscaram fazer experimentos, propor ideias e tentar aplicá-las. Foi um período em que foram criadas muitas invenções e de grandes avanços científicos. Durante os séculos XV e XVI, muitos intelectuais começaram a se interessar pelos estudos do corpo humano, que ficou conhecido como anatomia. Cientistas e artistas faziam dissecações de cadáveres para conhecer melhor as estruturas dos seres humanos. Prática que era combatida pelos teólogos cristãos. Outra importante questão nesse momento foi a teoria heliocêntrica proposta por Nicolau Copérnico que afirmava que a Terra e outros planetas giravam em torno do sol. Essa teoria causou muita polêmica na época pois contrariava as 8 interpretações cristã que afirmava que o sol girava em torno do planeta Terra (teoria geocêntrica). Outros cientistas como Johannes Kepler e Galileu Galileu defenderam posteriormente a teoria de Copérnico. Figura 1: O homem vitruviano de Leonardo da Vinci Fonte: GQ Globo. Disponível em: https://glo.bo/2Yww2Mr. Acessado em 22 de maio de 2021 às 18h45. Uma importante marca do humanismo foi que a produção intelectual dos autores deixou de ser produzida apenas em latim e começou a ser escrita nas línguas nacionais. Isso possibilitou o acesso das produções para um maior número de leitores. Além disso, de acordo com Acker (1992, p. 13-14): Muitos filósofos foram procurados para ensinar e aconselhar governantes, como, por exemplo, Giordano Bruno, que frequentou as cortes de França e Inglaterra; outros escreviam suas obras e as dedicavam a homens poderosos, como Maquiavel, que dedicou um de seus livros mais famosos – O príncipe – a Lourenço Médici, homem público de Florença. https://glo.bo/2Yww2Mr 9 1.3 RENASCIMENTO E SUAS FASES O termo Renascimento tem origem na palavra italiana rinascita que possui o significado de nascer novamente. Foi um importante contexto que buscava rever as concepções do mundo que estavam presentes na época medieval. Tendo seu início nas cidades italianas como Gênova, Florença e Veneza e posteriormente espalhou-se para outras partes do continente europeu. De acordo com Acker (1992), o termo buscava uma renovação em relação ao medievo: (os pensadores) do século XVI percebiam que viviam em uma nova época, consideravam a época anterior – o período que passou a ser chamado de Idade Média como um tempo de trevas e obscurantismo e, para marcarem sua diferença com esse tempo passado, voltaram-se para o passado mais distante – a Antiguidade (Clássica) [...] Os próprios intelectuais daquele tempo chamaram a época em que viviam de Renascimento, como se na Idade Média não tivesse havido qualquer produção cultural importante (ACKER, 1992, p. 06-07) O Renascimento é dividido em três principais períodos e com eles algumas características principais: 10 Trecento (século XIV) – marcado pela transição entre os valores da época medieval para o renascimento Renascentistas. O Renascimento nesse momento teve início nas regiões italianas e tendo como principais centro Veneza, Florença e Gênova. Na literatura temos como importante escritor Dante Alighieri, que escreveu A divina comédia, e, na pintura, Giotto di Bondone. Quattrocento (século XV) – época de prosperidade em diversas partes do continente europeu e os valores renascentistas espalham-se pelo continente chegando a outros países como Espanha, Portugal, França e Inglaterra. Florença, administrada pela família Médici, tornou-se a principal região renascentista da Europa. Para Johan Huizinga, o Quattrocento “dá-nos a impressão de uma cultura renovada que tivesse quebrado as algemas do pensamento medieval”. (HUIZINGA, 1985, p. 327). Os Médici patrocinaram importantes artistas nesse momento como Sandro Botticelli e Donatello. Cinquecento (século XVI) – conhecido como Idade de Ouro do Renascimento é marcado pelo maior esplendor das obras renascentistas e tem como principais artistas de destaque Leonardo da Vinci (1452-1519), Michelangelo (1475-1564) e Rafael Sanzio (1483-1520). Nesse momento, a região da Itália passou por uma forte crise econômica devido à luta política de suas cidades-Estados. Roma substituiu Florença como principal centro do Renascimento e a influência dos principais artistas desse momento marcaram profundamente a produção artística do mundo ocidental nos séculos posteriores. 11 Figura 2: Leonardo da Vinci Fonte: Terra. Disponível em: https://bit.ly/3mmRxqU. Acessado em 22 de maio de 2021 às 18h45. Figura 3: Michelangelo Fonte: Toda Matéria. Disponível em: https://bit.ly/3aeQaEW. Acessado em 22 de maio de 2021 às 18h45. 1.4 A ARTE RENASCENTISTA A arte durante a Idade Medieval tinha como uma de suas principais marcas a religiosidade. Os artistas queriam demonstrar em suas obras valores da moral cristã e por isso suas imagens tinham um caráter didático em suas representações. Elas tinham aspectos bidimensionais e são estáticas, as personagens são representadas em posições frontais e sem expressões definidas. Não havia preocupação com a perspectiva ou com detalhes e nem rebuscamentos. Com o Renascimento, as obras passaram por importantes transformações. A estética da reprodução das figuras começou a ser uma das preocupações dos https://bit.ly/3mmRxqU https://bit.ly/3aeQaEW 12 intelectuais. Desta forma, pintores, arquitetos e escultores renascentistas buscaram conhecer novas técnicas que eram provenientes de cálculos matemáticos e buscavam conhecer melhor a anatomia humana. Para Sevcenko (1994, p. 27), “a arte renascentista é uma arte de pesquisa, de invenções, inovações e aperfeiçoamentos técnicos. Ela acompanha paralelamente as conquistas da física, da matemática, da geometria, da anatomia, da engenharia e da filosofia”. Uma das principais marcas das pinturas renascentistas foi a técnica da perspectiva. Ela era baseada em cálculos e possibilitava que os objetos fossem retratados como se tivessem profundidade. Os pintores buscavam criar um ponto de fuga para criar esse efeito. Como podemos observar na imagem abaixo: Figura 4: Exemplo da técnica de perspectiva Fonte: Arte e Culturas. Disponível em: https://bit.ly/3BhBZLn. Acessado em 22 de maio de 2021 às 18h45. Outra importante marca de diferenciação entre a pintura medieval e a renascentista foi que os pintores buscaram construir pinturas mais naturais e realistas se aproveitando das noções espaciais como citadas anteriormente. Nos aspectos literários, gêneros clássicos como a lírica e a epopeia retomaram no cenário europeu e ganharam uma renovação. Diversos escritores tiveram importante destaque nesse momento como Dante Alighieri, Camões, William Shakespeare e Miguel de Cervantes. Outra importante manifestação artística daquele momento foram asesculturas que buscaram criar traços harmônicos com inspirações dos modelos clássicos da antiguidade greco-romana. Elas foram feitas de mármore e buscavam uma valorização das formas e físico humano. Entre os principais escultores da época estão Michelangelo e Donatello. https://bit.ly/3BhBZLn 13 Figura 5: Davi de Michelangelo Fonte: Wikipedia. Disponível em: https://bit.ly/3uNiAPT. Acessado em 22 de maio de 2021 às 18h45. A música também passou por uma renovação durante o Renascimento e buscou criar novas formas e métricas. Vários instrumentos foram aperfeiçoados e criados para produzir novos sons. O alaúde e o saltério começaram a ser incorporados nas composições e temáticas anteriormente rejeitadas devido a mentalidade medieval passaram a estar presente em suas letras e ritmos. https://bit.ly/3uNiAPT 14 1.5 O RENASCIMENTO NO RESTO DA EUROPA O Renascimento se espalhou por diversas partes do continente europeu e em cada localidade apresentou suas próprias especificações. Na França, por exemplo, os intelectuais franceses se destacaram em diversas manifestações artísticas e os mecenas tiveram um importante papel para o florescimento do Renascimento nesse país. Um dos principais intelectuais que se destacou nesse momento foi François Rabelais com seu livro Gargântua e Pantagruel. Em Flandres, região atual da Bélgica, a pintura foi uma das principais marcas desse momento histórico. As pinturas retratavam o cotidiano da população e mostrava as riquezas dos palácios da burguesia. Nessa região, teve início a pintura a óleo na Europa, técnica que permitiu que as cores fossem mais vivas nas pinturas e se alastrou para outros artistas europeus. Na virada do século XV para o XVI, a região da Alemanha estava passando por outro processo histórico que veremos a seguir, a Reforma Protesta, e isso influenciou as manifestações artísticas da localidade. Muitas pinturas retratavam temas religiosos de maneira sombria e entre seus principais pintores se destacam as obras de Hans Holbein. Na península ibérica, o Renascimento chegou no início do século XVI. Na Espanha, o Renascimento teve como principal característica a forte abordagem de temas religiosos em suas diversas manifestações culturais. Já na literatura, uma das principais obras produzidas nesse momento foi de Miguel de Cervantes, o livro Dom Quixote. Em Portugal, as manifestações renascentistas ocorreram fortemente na literatura tendo como principais obras Os Lusíadas de Luís Vaz de Camões e os textos Auto da Barca do Inferno, Auto das almas e A farsa de Inês Pereira escritos por Gil Vicente. 15 FIXANDO CONTEÚDO 1. (PUC-RIO 2007) À EXCEÇÃO DE UMA, as alternativas abaixo apresentam de modo correto características do Renascimento. Assinale-a. a) O retorno aos valores do mundo clássico, na literatura, nas artes, nas ciências e na filosofia. b) A valorização da experimentação como um dos caminhos para a investigação dos fenômenos da natureza. c) A possibilidade de uma estreita relação entre os diferentes campos do conhecimento. d) O fato de ter ocorrido com exclusividade nas cidades italianas. e) O uso da linguagem matemática e da experimentação nos estudos dos fenômenos da natureza. 2. (UDESC 2008) A história da cultura renascentista nos ilustra com clareza todo o processo de construção cultural do homem moderno e da sociedade contemporânea. Nele se manifestam, já muito dinâmicos e predominantes, os germes do individualismo, do racionalismo e da ambição ilimitada, típicos de comportamentos mais imperativos e representativos do nosso tempo. (SEVCENKO, Nicolau. O Renascimento. São Paulo: Atual, 1987.) Sobre a cultura renascentista, a que se refere Sevcenko, assinale V (Verdadeiro) para as afirmações verdadeiras e F (Falso) para as afirmações falsas. ( ) O Renascimento marcou a transição da mentalidade medieval para a mentalidade moderna, ao traduzir novas concepções que tinham como referência o humanismo, enquanto base intelectual que procurava definir e afirmar o novo papel do homem no universo. ( ) Em meio à desorganização administrativa, econômica e social, principais características da cultura renascentista, praticamente apenas a Igreja Católica conseguiu manter-se como instituição, conquistando assim grandes poderes e ampliando sua influência sobre a sociedade. 16 ( ) Ao formular princípios como o humanismo, o racionalismo e o individualismo, o movimento renascentista estabeleceu as bases intelectuais do mundo moderno. ( ) A cultura renascentista consagrou a vitória da razão abstrata, instância suprema de toda a cultura moderna, pautada no rigor das matemáticas que passaram a reger os sistemas de controle do tempo, do espaço, do trabalho e do domínio da natureza. ( ) Em meio a esse processo, transformações socioeconômicas culminaram na substituição de pequenas oficinas de artesãos por fábricas, assim como as ferramentas simples foram trocadas pelas novas máquinas que então haviam surgido. Assinale a alternativa que contém a sequência correta, de cima para baixo. a) V - F - V - V - F b) V - V - F - V - V c) F - F - V - V - F d) F - V - F - V - V e) V - V - F - F - V 3. (UFF 2010) O mundo moderno está associado, na sua origem, à cultura renascentista. Invenções e descobertas só puderam ser realizadas porque os intelectuais renascentistas reuniram tradições clássicas ocidentais e orientais, a fim de dar novo sentido à ideia de HOMEM e NATUREZA. Assinale a afirmativa que pode ser corretamente associada ao Renascimento. a) O livro da natureza foi escrito em caracteres matemáticos. (Galileu) b) O homem é imagem e semelhança de Deus. (Jean Bodin) c) O mundo é perfeito porque é uma obra divina e, assim, só pode ser esférico. (Marsílio Ficino) d) A perspectiva é o fundamento da relação entre espaço humano e natureza divina. (Alberti) e) A proporção é a qualidade matemática inadequada à representação do mundo natural. (Leonardo da Vinci) 4. (Enem 2011) Acompanhando a intenção da burguesia renascentista de ampliar 17 seu domínio sobre a natureza e sobre o espaço geográfico, através da pesquisa científica e da invenção tecnológica, os cientistas também iriam se atirar nessa aventura, tentando conquistar a forma, o movimento, o espaço, a luz, a cor e mesmo a expressão e o sentimento. (SEVCENKO, N. O Renascimento. Campinas: Unicamp, 1984.) O texto apresenta um espírito de época que afetou também a produção artística, marcada pela constante relação entre: a) fé e misticismo b) ciência e arte. c) cultura e comércio. d) política e economia. e) astronomia e religião 5. (URCA 2018/1) As obras literárias produzidas durante o Renascimento privilegiam as seguintes características, exceto: a) Recuperação de temas da Antiguidade Clássica e racionalismo. b) Perspectiva humanista e Universalidade. c) Universalidade e recuperação de tema da Antiguidade Clássica. d) Racionalismo e perspectiva humanistica. e) Metafísica e religiosidade. 6. (URCA 2017/1) Pouco depois de 1300 havia começado a decair a maioria das instituições e dos ideais característicos da época feudal. A cavalaria, o próprio feudalismo, o Santo Império Romano, a autoridade universal do papado e o sistema corporativo iam aos poucos enfraquecendo. O nome tradicionalmente aplicado a essa civilização, que se estende de 1300 a cerca de 1600, é o de Renascença. Sobre este período, podemos apontar corretamente como fatores formadores: a) O isolamento completo da Europa que evitou as influências das civilizações sarracena e bizantina. b) A decadência do comércio interno e externoda Europa. c) A redução do tamanho das cidades e de suas áreas de influências. d) A renovação do interesse pelos estudos clássicos nas escolas dos mosteiros e das 18 catedrais. e) O desenvolvimento de uma atitude crítica, inspirada na filosofia acomodada da escolástica. 7. (URCA 2015/1) Renascimento é o nome que se dá ao movimento de mudanças culturais, que atingiu as camadas urbanas da Europa Ocidental entre os séculos XIV e XVI, caracterizado pela retomada dos valores da cultura greco-romana, ou seja, da cultura clássica. Esse momento é considerado como um importante período de transição envolvendo as estruturas feudo capitalistas. Sobre este movimento assinale a alternativa CORRETA: a) Suas bases eram proporcionadas pela corrente filosófica do humanismo, que descartava a escolástica medieval, até então predominante, e propunha o retorno às virtudes da antiguidade; b) O movimento envolvia uma nova sociedade. A vida rural passou a implicar uma nova mentalidade, pois o trabalho, a diversão, o tipo de moradia, implicavam um novo comportamento dos homens. c) O Renascimento foi um movimento de alguns artistas que destoava da nova concepção de vida adotada na época por uma parcela da sociedade, e que era combatida nas obras de arte. d) O Renascimento foi uma cópia da Antiguidade, pois se utilizava dos mesmos conceitos aplicados da mesma maneira à uma nova realidade; e) Com forte base racionalista rompeu completamente com os princípios cristãos da época, o que levou às perseguições realizadas à época pelo Santo Tribunal da Inquisição da Igreja Católica e a queima de várias obras filosóficas e literárias em praça pública. 8. (Unespar 2017) O Renascimento italiano pode ser caracterizado: a) Por uma sociedade teocêntrica, baseada na produção agrícola, predominantemente alfabetizada e rural; b) Por uma visão predominantemente antropocêntrica, com intensas trocas comerciais e cujas obras de arte foram, em boa medida, inspiradas nos modelos da antiguidade clássica; c) Por uma contraposição direta à “Idade das Trevas”, sobretudo porque os artistas renascentistas tinham, majoritariamente, aversão ao cristianismo; 19 d) Pela inexistência de estudos da anatomia humana, já que essa era uma proibição expressa da Igreja Católica; e) Pela invenção da imprensa, ainda no século XV, o que gerou uma sociedade alfabetizada, em sua maioria. 20 REFORMA PROTESTANTE E CONTRARREFORMA 2.1 INTRODUÇÃO A principal instituição durante o período medieval foi a Igreja Católica que conseguiu manter sua unidade. Entre os princípios dessa unidade estavam a infalibilidade papal e o papel que o clero teria entre intermediários do plano terreno e Deus. Os dogmas religiosos eram impostos para a sociedade e as opiniões contrárias aos ensinamentos religiosos da instituição eram conhecidas como heresias. De acordo com a Igreja, as heresias eram ideias ofensivas à religião cristã e se opunham às vontades de Deus. Com o fim da Idade Média, a Igreja Católica Romana começou a ser condenada pelo seu comportamento devido aos desvios de conduta do clero. O clero desfrutava de muitos privilégios e uma vida extremamente confortável comparada ao restante da população. Além da intromissão na vida política da sociedade como, por exemplo, papas que tomavam lado em conflitos entre países europeus. Nesse momento final da Idade Média, a Igreja passou por uma profunda crise espiritual que se intensificou ao longo do século XVI. Os críticos da instituição afirmavam que ela se transformou em um balcão de negócios devido às vendas de cargos, relíquias de santos e das chamadas indulgências. Além disso, moralmente, o clero não praticava muito dos ensinamentos religiosos como, por exemplo, o celibato, muitos tinham famílias e os filhos tinham privilégios sociais. Segundo Skinner (1996, p. 339) Finalmente, os mesmos sentimentos de hostilidade aos poderes da Igreja cresciam, nos anos que antecederam a Reforma, na voz das próprias autoridades seculares. O primeiro ponto que contestaram foram os privilégios e jurisdições a que o estamento clerical aspirava tradicionalmente. Essa objeção muitas vezes se acompanhava de uma tentação, cada vez maior, a deitar olhos de cobiça sobre as vastas extensões de terra que, por aquele tempo, eram propriedade de bom número de comunidades religiosas. Outro motivo que causou descontentamento político dos países europeus nesse momento foi o posicionamento da Igreja diante da expansão marítima. A Erro! Fonte de referênci a não encontra da. 21 Igreja posicionou-se favoravelmente a Espanha e “partilhou” o mundo entre os países ibéricos, fato que deixou os outros reinos europeus irritados com os posicionamentos políticos da instituição. As críticas à Igreja se acentuaram com o desenvolvimento da prensa no século XV devido às interpretações das Escrituras Sagradas (a Bíblia). O texto bíblico era escrito em latim e os exemplares eram confeccionados nos mosteiros, feitos pelos monges copistas. As interpretações do livro sagrado eram exclusivas dos membros do clero. Com a prensa, o acesso a Bíblia tornou-se mais fácil a população e começou a ser produzida em línguas vulgares, como francês, italiano, castelhano, alemão e russo. O exemplar impresso dispensava a presença do clero e permitia uma reflexão pessoal do cristão sobre o que estava escrito, assim os fiéis poderiam ter um contato direto com a Bíblia sem precisar de intermediários sobre os ensinamentos divinos. Nesse caldeirão de motivações somou-se a insatisfação da burguesia que estava surgindo e os nobres contrários ao poder do clero diante da sociedade. Os burgueses não conseguiam expandir seus negócios e acumular riquezas devido a condenação da prática da usura e a nobreza esbarrava na Igreja sobre as limitações dos poderes temporais e arrecadação de tributações exercida pelo clero. 2.2 O INÍCIO DA REFORMA PROTESTANTE: MARTINHO LUTERO Lutero foi o iniciador da Reforma, era um monge alemão que se indignou com a problemática da venda das indulgências. Ele acreditava que os pecados não poderiam ser perdoados pelas ações humanas, assim as peregrinações, relíquias de santo e compra das indulgências não poderiam garantir a salvação. Apenas, para Lutero, a bondade de Deus seria capaz de perdoar os pecados humanos. 22 Figura 6: Martinho Lutero Fonte: História do Mundo. Disponível em: https://bit.ly/2Yy8jvb. Acessado em 23 de maio de 2021 às 10h37 Ele foi professor de Teologia na Universidade de Wittenberg, região da Saxônia (Alemanha). Em 1517, Lutero afixou na Igreja de Wittenberg suas 95 teses, esse documento fez duras críticas a Igreja e seus desvios de comportamento (principalmente a venda das indulgências). A autoridade papal e o acúmulo de riquezas feito por séculos em nome da fé foi duramente criticado. Algumas das teses foram: 1. Ao dizer: “Fazer penitência”, etc [Mt 4.17], o nosso Senhor e Mestre Jesus Cristo quis que toda a vida dos fiéis fosse penitência. 2. Esta penitência não pode ser entendida no sentido da penitência sacramental (isto é, da confissão e satisfação celebrada pelo ministério dos sacerdotes). 3. No entanto, ela não se refere apenas a uma penitência interior: sim, a penitência interior seria nula se, extremamente, não produzisse toda sorte de mortificação da carne. 4. Por consequência, a pena perdura enquanto persiste o ódio de si mesmo (isto é a verdadeira penitência interior), ou seja, até a entrada dos reinos dos céus. 5. O papa não quer nem pode dispensar de quaisquer penas senão daquelas que impôs pordecisão própria ou dos cânones. 6. O papa não pode remitir culpa alguma senão declarando e confirmando que ela foi perdoada por Deus, ou, sem dúvida, remitindo-a nos casos reservados para si; se estes forem desprezados, a culpa permanecerá por inteiro. [...] 10 Agem mal e sem conhecimento de causa aqueles sacerdotes que reservam aos moribundos penitências canônicas para o purgatório. 11. Essa erva daninha de transformar a pena canônica em pena do purgatório parece ter sido semeada enquanto os bispos certamente dormiam. [...] https://bit.ly/2Yy8jvb 23 21. Erram, portanto, os pregadores de indulgências que afirmam que a pessoa é absolvida de toda pena e salva pelas indulgência do papa. 22. Com efeito, ele não dispensa as almas no purgatório de uma única pena que, segundo os cânones, elas deveriam ter pago nesta vida. 23. Se é que se pode dar algum perdão de todas as penas a alguém, ele, certamente, só é dado aos mais perfeitos, isto é, pouquíssimos. 24. Por isso, a maior parte do povo está sendo necessariamente ludibriada por essa magnífica e indistinta promessa de absolvição da pena. [...] 27. Pregam doutrina humana os que dizem que, tão logo tilintar a moeda lançada na caixa, a alma sairá voando. 28 Certo é que, ao tilintar a moeda na caixa, podem aumentar o lucro e a cobiça; a intercessão da Igreja, porém, depende apenas da vontade de Deus. [...] 33. Deve-se ter muita cautela com aqueles que dizem as indulgências do papa aquela inestimável dádiva de Deus através da qual a pessoa é reconciliada com Deus. [...] 36. Qualquer cristão verdadeiramente arrependido tem direito a remissão de pena e culpa, mesmo sem carta de indulgência. [...] 43. Deve-se ensinar aos cristãos que, dando ao pobre ou emprestando ao necessitado, procedem melhor do que se comprassem indulgências. 44. Ocorre que através da obra de amor cresce o amor e a pessoa se torna melhor, ao passo que com as indulgências ela não se torna melhor, mais apenas livre da pena. [...] 75. A opinião de que as indulgência papais são tão eficazes a ponto de poderem absolver um homem [...] é loucura. 86. Por que o papa, cuja fortuna hoje é maior do que a dos ricos Crasso, não constrói com seu próprio dinheiro ao menos a Basílica de São Pedro, em vez de fazê-lo com o dinheiro dos pobres fiéis? [...] (LUTERO, 2005, p. 119-120.) Seu escrito teve severas reações e foi estabelecido um processo de julgamento. Com o processo instaurado, outros clérigos da região começaram a defender suas ideias e reproduzi-las nos sermões e outros manuscritos. As repercussões das suas ideias foram amplamente debatidas nas universidades europeias. Devido ao impacto que causou, foi convocado a comparecer em Roma, mas um príncipe alemão o defendeu (Frederico, o Sábio). Em um discurso, proferido em 1519, fez várias críticas ao poder papel e diante de um representante romano, sustentou que os papa s como todos os seres humanos eram cabíveis aos erros. Afirmou que seus ideais deveriam ser debatidos em um concílio cristão e, posteriormente, defendeu o sacerdócio universal (poder 24 que todo o cristão teria para levar os ensinamentos das Sagradas Escrituras). O papa, em 1520, declarou que 41 teses de Lutero eram consideradas heresias e pediu que o monge se retratasse. Entretanto, ao receber o documento papal, o queimou em vias públicas e como consequência disso foi excomungado pela Igreja. Devido a grande repercussão que causou sua atitude e a impossibilidade de se fazer um Concílio para o debate de suas ideias, Lutero começou a escrever obras que seriam a base de uma nova religião, que ficou conhecida como Igreja Luterana. Entre os princípios dessa nova religião estavam que os poderes terrenos eram separados do poder religioso, que as instituições eclesiásticas eram passíveis de erros por serem feita por humanos, que o batismo não retirava o pecado original das crianças, defendia que as missas fossem feitas em línguas vulgares para a compreensão das pessoas e que o sacramento da eucaristia não se transformava no corpo de Cristo. Lutero foi fortemente perseguido pelos católicos e passou o resto da sua vida protegido pelos nobres da região de Wittenberg, Alemanha. Lutero só saiu da região em 1546 quando veio a falecer em sua cidade natal, Eisleben. A difusão do luteranismo ganhou espaço em muitos religiosos, burgueses e nobres que começaram a seguir suas doutrinas e a se denominar cristãos luteranos. Devido a forma de protesto aos ideais adotados pelo Lutero, esses cristãos ficaram conhecidos como protestantes. Entre os principais pontos de defesa dos protestantes estava a tradução da Bíblia para outras línguas para possibilitar o acesso a todas as pessoas. De acordo com Hill (1987, p. 104): A erudição protestante desmascarou muitas superstições católicas e popularizou a bíblia nas línguas vernáculas. Da mesma forma, o estudo pelos protestantes dos livros proféticos da Bíblia visava a dar base racional à ciência da profecia. [...] A invenção da imprensa, proporcionando um registro permanente das profecias talvez tenha contribuído para a denúncia de suas ambiguidades e falácias. A sensação de liberdade que podia vir da confiança em tais predições era ilusória. Pois a Bíblia, se fosse compreendida de maneira adequada, realmente libertaria os homens do destino e da predestinação. Entendendo-se os propósitos de Deus e cooperando com eles, acreditava-se que seria possível escapar das forças cegas que pareciam reger o mundo, e até mesmo do próprio tempo; os homens assim alcançariam a liberdade. Os protestantes acreditavam que os fiéis poderiam manter uma relação mais 25 direta com Deus e o culto aos santos e a Maria foram desvalorizados. As missas luteranas eram mais participativas e o celibato não era obrigatório. Os únicos sacramentos considerados válidos pelos pastores luteranos eram a eucaristia e o batismo. A expansão do luteranismo atingiu outros países como a Dinamarca, Noruega, Suécia, Suíça e atingiu países com forte tradição católica como a Espanha, Portugal e França. Figura 7: Mapa da Europa entre católicos e protestantes (século XVI) Fonte: História Bate-Cabeça. Disponível em https://bit.ly/3oDdXa7. Acessado em 23 de maio às 11h30. https://bit.ly/3oDdXa7 26 2.3 A REFORMA CALVINISTA João Calvino foi membro de uma família burguesa suíça e era francês. Estudou Direito e tornou-se conhecedor das línguas e culturas clássicas. Foi fortemente influenciado pelas obras de Lutero e tornou-se crítico das ações cometidas pela Igreja Católica. Figura 8: João Calvino Fonte: Wikipédia. Disponível em: Acessado em 23 de maio às 11h32 Com apoio de autoridades de Genebra, na Suíça, começou suas pregações e contou com defesa pessoal contra as perseguições feitas pelos católicos. Calvino criou ensinamentos sobre uma disciplina eclesiástica mais dura e um culto com mais ordenamento que a Igreja Católica. Sua Igreja propunha uma organização obrigatória entre seus fiéis e os pastores deveriam observar os comportamentos dos fiéis. A hierarquia da Igreja Calvinista era dividida entre pastores, anciãos, diáconos e doutores. Eles criaram um rígido controle para sua comunidade e as atitudes consideradas imorais (como danças, bebidas alcóolicas e interpretações profanas) eram duramente criticadas. Entre os sacramentos mantidos por essa nova religião estava a eucaristia e o batismo. De acordo com a Igreja Calvinista, os seres humanos são marcados pela predestinação, ou seja, decisões divinas onde Deus teria traçado o caminho de cada pessoa antes do seu nascimento. Dessa forma, algumas já estariam salvase 27 outras condenadas. De acordo com Calvino (2006, p. 86-89): Então, na verdade, ainda mais solidamente nosso coração se solidifica, quando refletimos que somos arrebatados de admiração, mais pela dignidade do conteúdo do que pela graça da linguagem. Ora, isso não se deu sem a [...] providência de Deus, ou seja, que os sublimes mistérios do reino celeste fossem [...] transmitidos em termos de linguagem singela e sem realce [...]. Ora, quando essa simplicidade não burilada e quase rústica provoca maior reverência de si que qualquer eloquência de oradores retóricos, como há de julgar-se, senão que a pujança da verdade da Sagrada Escritura se manifesta de forma tão sobranceira, que necessidade nenhuma há do artifício das palavras? [...] porque a verdade se dirime de toda dúvida quando, não se apoiando em suportes alheios, por si só ela própria é suficiente para suster-se. Para Luizetto (1991, 44-46): A doutrina da predestinação é a marca distintiva do pensamento religioso de Calvino. Também é o ponto em que as suas ideias mais se distanciam tanto da doutrina católica das boas obras como da doutrina da justificação pela fé do luteranismo. Nas páginas da Instituição da Religião Cristã define nestes termos a noção de predestinação: ‘trata-se do eterno decreto de Deus com o qual sua Majestade determinou o que deseja fazer com cada um dos homens’. Na sequência do texto, esclarece que todos os homens são criados ‘em uma mesma condição e estado’; no entanto, ‘o eterno decreto de Deus’ estabelece que alguns homens conhecerão a bem- aventurança eterna, enquanto que outros sofrerão a condenação eterna. Portanto, ‘de acordo com a finalidade com que cada um é criado, dizemos que é predestinado ou à vida ou à morte’. O sinal da predestinação seria a prosperidade obtida através do trabalho. Essa religião começou a contar com forte presença de burgueses em ascensão que abraçaram o princípio da predestinação. Diferente de Lutero, que criou uma religião e contou com forte apoio da nobreza, João Calvino teve forte apoio da burguesia devido à sua doutrina de predestinação. Assim, o lucro, o trabalho e o esforço de cada indivíduo se tornaram parte da religião Calvinista. Essa religião se espalhou rapidamente por outras partes da Europa como, por exemplo, Holanda, França e Escócia. 2.4 A REFORMA NA INGLATERRA: O ANGLICANISMO A Reforma na Inglaterra foi liderada pelo rei Henrique VIII que, em 1527, solicitou a anulação do seu casamento ao papa para casar-se novamente com uma aristocrata chamada Ana Bolena. Roma recusou a anulação do casamento 28 devido a primeira esposa de Henrique VIII ser parente da família real católica espanhola. Devido a recusa do papado de anular seu casamento, foi estabelecida uma igreja independente de Roma na Inglaterra: a Igreja Anglicana. A Igreja Anglicana foi aprovada em 1534 pelo Ato de Supremacia e era uma Igreja vinculada ao poder do monarca inglês, no qual era seu chefe supremo e retirou os poderes papais do clero existente em territórios ingleses. O anglicanismo foi constituído por uma série de combinações entre elementos do catolicismo e do luteranismo que variou ao longo dos séculos. O celibato era voluntário do clero, foram mantidos a eucaristia e o batismo como sacramentos, condenou-se a venda das indulgências, as missas deveriam ser celebradas em inglês e crítica a venda de relíquias de santos. Figura 9: Henrique VIII Fonte: Aventuras na História. Disponível em https://bit.ly/3FmIXRH. Acessado em 23 de maio às 12h04. https://bit.ly/3FmIXRH https://bit.ly/3BvUlsh 29 2.5 A REFORMA CATÓLICA: A CONTRARREFORMA As críticas à Igreja Católica não se restringiram apenas aos protestantes, muitos clérigos católicos queriam uma profunda reforma da Igreja. Um desses críticos conhecidos foi Erasmo de Roterdã, em seu livro Elogio da loucura criticou profundamente o clero e pedia uma mudança de postura nas estruturas clericais. Devido a pressão de setores dentro da Igreja Católica, a igreja realizou uma série de alterações em suas instituições e procurou restabelecer alguns princípios. Essa atitude ficou conhecida como Contrarreforma e foi uma contra ofensiva a expansão das religiões protestantes no continente europeu. Entre as medidas tomadas foi realizado o Concílio de Trento, entre 1545 e 1563, que reuniu diversos representantes do clérigo católico europeu na cidade italiana de Trento. Teve como principal motivação renovar a afirmação da fé católica, esclarecer os católicos das críticas desenvolvidas pelos protestantes e reafirmar o poder papal. De Acordo com Siqueira (1998, p. 15): O Concílio de Trento desencadeou um processo de reordenação da própria Igreja Católica, conhecida como Reforma Católica. O papel da Igreja, do clero e dos leigos foi reavaliado, e tomaram-se medidas para assegurar a união de todos os cristãos e para tornar outros povos cristãos. A Reforma Católica assentou-se sobre três pilares: o Concílio de Trento (bases da fé), a Companhia de Jesus (missionarismo) e a Inquisição (vigilância contra a heresia). As três instituições são frutos do mesmo clima e das mesmas intenções, embora tenham sido instituídas em datas diferentes e não sequenciais. A formação do clero, a renovação dos costumes eclesiásticos, as praticas religiosas ganharam novo incentivo. O latim foi mantido como língua das liturgias, manteve-se a proibição do casamento pelo clero, manteve os sacramentos (batismo, crisma, eucaristia, matrimônio, confissão, ordem e extrema-unção), manteve-se o culto aos santos, a prática das indulgências, presença de imagens nas igrejas e reafirmou o dogma da infalibilidade papal. Diferente do que propunha as religiões protestantes, a salvação, de acordo com o Concílio, se daria devido aos esforços humanos e à graça de Deus. As boas ações e as práticas de moralidade estariam ligadas para os indivíduos alcançarem a salvação. Foi estabelecido o Tribunal do Santo Ofício, órgão que deveria julgar atos dos católicos considerados impróprios para a fé romana. Esse sistema ficou conhecido como Inquisição. Além disso, houve a elaboração de uma lista de livros proibidos 30 que deveriam ser retirados de circulação e proibida sua leitura entre os católicos, conhecida como index. Os reinos católicos auxiliavam o Tribunal do Santo Ofício na execução das penas dos condenados que poderiam ser degredados, prisões ou até mesmo execuções públicas. A disciplina eclesiástica sofreu alteração com o Concílio de Trento e com isso a venda de cargos eclesiásticos tornou-se proibida. Além disso, o papa teve seus poderes fortalecidos e com isso mantinha-se o sistema de hierarquia presente na Igreja. Em 1534, foi fundada a Companhia de Jesus, por Inácio de Loyola, que foi um importante instrumento da Contrarreforma. Seus integrantes ficaram conhecidos como jesuítas e sua organização interna assemelhava-se a órgãos militares. Eles tiveram um importante papel na catequização de povos da Ásia, África e América e na ação educativa dessas populações. De acordo com Vainfas (2013, p. 99): Em 1540, o papa Paulo III aprovou o instituto inaciano, e os jesuítas se lançaram ao Oriente português, sob a batuta de Francisco Xavier (1506-1552). No mesmo século, alcançaram a China, onde o padre Matteo Ricci (1552-1610) iniciou a adaptação do cristianismo à língua chinesa falada em Macau. Em 1549, chegaram ao Japão, onde Luís Fróes traduziu o cristianismo para a cultura local, experiência que terminou em tragédia, pois os jesuítas acabaram martirizados em 1638, após uma revolta de camponeses cristãos. No mundo atlântico, alcançaram o Congo ainda em 1548, favorecidos pela conversão do manicongo, o governantedo Reino do Confo, ao cristianismo. Logo se instalaram em Angola e fundaram o colégio de Luanda. Como no Oriente, traduzira o cristianismo para a cultura dos povos bantos. Essa missionação na África centro-ocidental põe em xeque a tese de que os escravos enviados ao Brasil desconheciam o cristianismo. Os jesuítas tiveram um importante papel na colonização da América até sua expulsão no final do século XVIII. Outro importante instrumento utilizado pela Contrarreforma foi a arte barroca. O Barroco aconteceu ao longo do século XVII e início do XVIII e foi caracterizado pelos exageros, profundidade, jogo de luz e sombras. Essas marcas devem-se a dualidade vivida pelo continente europeu entre a fé e a razão. Esse movimento de dualidade permitia que as pessoas refletissem. De acordo com Savelle (1968, p. 32) 31 Se a atenção do homem medieval se focalizava no céu, e a do homem da Renascença neste mundo, a atenção dos homens do século XVII estava voltada para dentro, residindo na natureza e nas emoções do próprio ser humano. A expressão cultural desse período introspectivo, centralizado no homem, é geralmente chamada Barroco. Em diversas vertentes artísticas o barroco se manifestou como a literatura, a escultura, as pinturas e teve como um dos seus principais artistas o italiano Caravaggio. 2.6 AS GUERRAS RELIGIOSAS NA EUROPA Devido ao conflito existente entre católicos e protestante, a Europa se tornou no século XVI e XVII cenário de diversas guerras religiosas. A religião tornou-se fator para acirramento político e de disputa no interior de cada país. Na França, a monarquia ficou do lado do catolicismo e encarregou-se de reprimir os protestantes. Entretanto, alguns nobres e setores da burguesia aderiram ao calvinismo e ficaram conhecidos como huguenotes. Em 1572, aconteceu um dos piores conflitos envolvendo católicos e protestantes em território francês: a Noite de São Bartolomeu. Por ordem da Rainha Catarina de Médici, 30 mil huguenotes foram mortos em Paris e seus arredores e aumentou o ódio entre católicos e protestantes. Alguns anos depois, em 1589, assumiu o trono francês o rei Henrique IV que era protestante, mas devido a pressão de setores católicos teve que renunciar ao protestantismo. Em 1598, foi assinado o Edito de Nantes onde garantiu a liberdade religiosa entre protestante nos territórios franceses. Posteriormente, Henrique IV foi assassinado por um católico e aumentou os conflitos entre católicos e protestantes nas décadas posteriores. Acesso em: dia mês ano. Além disso, indicamos que assistam o filme Lutero que retrata a vida do monge durante a Reforma Protestante disponível no seguinte link https://bit.ly/3DiXZpA. Acesso em: dia mês ano. https://bit.ly/3BiK56u https://bit.ly/3DiXZpA 32 Na Inglaterra, com a morte de Henrique VIII ocorreram diversas mudanças religiosas bruscas. Eduardo VI, que o sucedeu, estimulou os cultos anglicanos. Maria I restabeleceu o catolicismo como religião oficial na Inglaterra, causando sérios conflitos religiosos no país. Posteriormente, Elizabeth I declarou o anglicanismo como religião oficial da monarquia. Elizabeth I fortaleceu o anglicanismo como religião oficial, entretanto outros grupos religiosos presentes no território inglês fizeram várias críticas à política da rainha. Esse grupo era de calvinistas que ficaram conhecidos como puritanos porque acreditavam que tinham a missão de purificar a religião anglicana das tradições que mantinha do catolicismo. Outro grupo religioso que se opunha à fé anglicana foram os presbiterianos que reivindicavam uma remodelação da estrutura da Igreja anglicana com maior liberdade nas paróquias. Tanto puritanos quanto presbiterianos foram perseguidos pelo poder monárquico. Além deles, católicos mantinham uma oposição do controle da monarquia na Igreja, eles ficaram conhecidos como recusantes e com a ajuda de militares espanhóis conseguiram se rebelar na Irlanda entre os anos de 1579 a 1581. Após esse conflito, ocorreu uma intensificação da perseguição de católicos nos territórios ingleses e o culto católico passou a ser considerado uma afronta à monarquia inglesa e crime de alta traição. Como demonstração de poder da monarquia inglesa, em 1587, a rainha escocesa Maria Stuart, que tinha apoio da Espanha, foi condenada e executada com outros católicos. Mesmo após esse episódio, o conflito entre católicos e a casa monárquica não cessaram na Inglaterra e se intensificaram ao longo das décadas seguintes. Diferente do que acontecia no restante do continente europeu, nos países ibéricos (Espanha e Portugal) a presença protestante quase não foi sentida. Entretanto, a perseguição a judeus e a muçulmanos se intensificou nessa localidade durante o século XVI. A fé católica foi imposta a esses grupos que existiram nesses países e diversas punições e execuções foram feitas para condenar religiões que não fossem cristãs. Figura 10: Massacre de São Bartolomeu de François Dubois 33 Fonte: Wikipedia. Disponível em: https://bit.ly/3DdN2FS. Acessado em 23 de maio às 14h58. https://bit.ly/3DdN2FS 34 FIXANDO CONTEÚDO 1. (PUC - MG) Diante do avanço do protestantismo, o papa Paulo III convoca o XVIII Concílio Ecumênico da Igreja Católica, reunido em Trento, na Itália, a partir de 1545, apresentando como resultados, exceto: a) o reconhecimento do batismo e do casamento como únicos sacramentos válidos. b) a instituição dos seminários destinados à formação dos clérigos. c) o fortalecimento da autoridade pontifical através da infalibilidade do Papa. d) a adoção do latim como língua litúrgica oficial da Igreja Católica. e) a determinação do celibato clerical e o combate aos movimentos heréticos. 2. (Unifesp) Se um homem não trabalhar, também não comerá. Estas palavras de São Paulo, o Apóstolo, são mais condizentes com a ética do: a) catolicismo medieval. b) protestantismo luterano. c) protestantismo calvinista. d) catolicismo da Contrarreforma. e) anglicanismo elisabetano 3. (FCC-SP) O Ato de Supremacia, promulgado por Henrique VIII, na Inglaterra, contribuiu para: a) divulgar intensamente a doutrina calvinista no país, sobretudo na região da Escócia. b) iniciar a expansão externa, formando, assim, as bases do império colonial inglês. c) promover a reforma anglicana, ao mesmo tempo em que contribuiu para a centralização do governo. d) implantar o catolicismo no reino, o que foi acompanhado de repressão aos reformistas. e) restaurar os antigos direitos feudais, que foram limitados pela Magna Carta de 1215. 4. (PUC-Rio) - A Europa do século XVI assistiu ao surgimento de novas religiões cristãs, dentre as quais destacam-se a Luterana, a Calvinista e a Anglicana. A 35 despeito das características que conferem especificidade a cada uma delas, observam-se elementos que as aproximam entre si. Um desses elementos é a: a) celebração dos cultos nas línguas faladas pelos fiéis. b) ausência de hierarquia eclesiástica. c) tolerância em relação às demais religiões cristãs. d) afirmação da primazia da igreja sobre o Estado. e) crítica às estruturas sociais vigentes. 5. (Mackenzie) As transformações religiosas do século XVI, comumente conhecidas pelo nome de Reforma Protestante, representaram no campo espiritual o que foi o Renascimento no plano cultural; um ajustamento de ideias e valores às transformações socioeconômicas da Europa. Dentre seus principais reflexos, destacam-se: a) a expansão da educação escolástica e do poder político do papado devido à extrema importância atribuída à Bíblia. b) o rompimento da unidade cristã, expansão das práticas capitalistas efortalecimento do poder das monarquias. c) a diminuição da intolerância religiosa e fim das guerras provocadas por pretextos religiosos. d) a proibição da venda de indulgências, término do índex e o fim do princípio da salvação pela fé e boas obras na Europa. e) a criação pela igreja protestante da Companhia de Jesus em moldes militares para monopolizar o ensino na América do Norte. 6. (CESGRANRIO) A Europa Ocidental, nos séculos XV e XVI, sofreu diversas transformações políticas, econômicas e sociais. Sobre essas transformações podemos afirmar que: 1) O Humanismo e o Renascimento foram movimentos intelectuais e artísticos que privilegiaram a observação da natureza. 2) A Reforma Luterana, identificando-se com os segmentos camponeses alemães, difundiu-se em virtude da centralização do Estado alemão. 3) A Reforma Calvinista aproximava-se da moral burguesa, pois encorajava o trabalho e o lucro. 4) A reação da Igreja Católica, denominada Contra-Reforma, através do Concílio 36 de Trento (1545), tentou barrar o avanço protestante, alterando os dogmas da fé católica. As afirmativas corretas são: a) apenas l e 2. b) apenas l e 3. c) apenas l e 4. d) apenas 2 e 3. e) apenas 2 e 4. 7. (Esan-SP) Na Alemanha do século XVI, havia grande contradição entre o que a Igreja católica pregava e o que se praticava. Nos principados as dificuldades eram enormes. Os camponeses sentiam-se sobrecarregados de impostos. As cidades ansiavam por liberdade. O clero desprezava a missão espiritual. Muitos bispos levavam uma existência de prazer, o que ofendia os crentes sinceros e simples. Os abusos apontados no enunciado geraram o ambiente favorável à aceitação do novo credo sustentado por: a) Henrique VIII. b) João Knox. c) João Huss. d) João Calvino. e) Martinho Lutero. 8. (Unesp 2016) As reformas protestantes do princípio do século XVI, entre outros fatores, reagiam contra: a) a venda de indulgências e a autoridade do Papa, líder supremo da Igreja Católica. b) a valorização, pela Igreja Católica, das atividades mercantis, do lucro e da ascensão da burguesia. c) o pensamento humanista e permitiram uma ampla revisão administrativa e doutrinária da Igreja Católica. d) as missões evangelizadoras, desenvolvidas pela Igreja Católica na América e na Ásia. e) o princípio do livre-arbítrio, defendido pelo Santo Ofício, órgão diretor da Igreja Católica 37 ABSOLUTISMO E MERCANTILISMO 3.1 INTRODUÇÃO Desde a Idade Média, os reis começaram a buscar conquistar mais poder em relação as nobrezas locais. Na época da Baixa Idade Média, os reis aumentaram o número de seus funcionários e começaram a contar com um exército profissional. Os reis começaram a ser assessorados por conselheiros que ajudavam a estabelecer políticas econômicas e sociais para todo o reino. Esse aumento de poder real buscou intensificar a tributação e buscaram ter maior controle também sobre a Igreja. As finanças pessoais reais e do Estado começaram a se confundir. Essa forma de governo se intensificou entre os séculos XV ao XVIII e era a forma dominante dos reinos europeus, ela ficou conhecida como Absolutismo. A base de apoio do poder real absolutista durante a Idade Moderna era derivado das longas transformações decorrentes do feudalismo. Nobreza e burguesia começaram a apoiar a centralização política e o aumento do poder real, cada grupo com seus próprios interesses. A burguesia dependia das medidas reais para aumentar seus lucros e negócios, já a nobreza pedia ajuda do real para conter as revoltas camponesas que estavam se intensificando no período de transição entre a Idade Média e a Moderna. O rei para aumentar as riquezas do Estado procurou adotar diversas medidas econômicas que ficaram conhecidas como mercantilismo. Além disso, as práticas de colonização para o continente americano foram intensificadas nesse período. A exploração da América foi vista como uma forma dos reinos aumentarem suas economias. Erro! Fonte de referênci a não encontra da. 38 Figura 11: O terceiro estado sustentando a nobreza e o clero Fonte: Guia e estudo. Disponível em: https://bit.ly/3uJUk0Y. Acessado em 24 de maio de 2021 às 11h32. 3.2 TEÓRICOS DO ABSOLUTISMO Os regimes absolutistas foram sustentados com apoio do clero, da nobreza, da burguesia e a exploração do restante da população. Para justificar o aumento dos seus poderes, os reis precisavam de teorias que justificassem esse aumento de poder e que defendessem a ideia que um rei forte conseguiria suprir os problemas da população. Esses intelectuais que pensaram nessas teorias ficaram conhecidos como teóricos absolutistas. Um dos primeiros teóricos foi Nicolau Maquiavel, que escreveu a obra O príncipe e defendeu a ideia que o poder do Estado era mais importante que os https://bit.ly/3uJUk0Y 39 indivíduos que o compunham. Para Maquiavel, apenas um rei dotado de inúmeros poderes conseguiria resolver os problemas políticos e econômicos da sociedade (MAQUIAVEL, 2006). Maquiavel defendia ainda que não política não importava do indivíduo ser ético ou não. Para ele, questionar a ética na esfera política era algo dos valores cristãos que buscavam suprimir o poder de decisão do soberano (MAQUIAVEL, 2006). Thomas Hobbes, na Inglaterra, escreveu o livro Leviatã que acreditava que a tendência natural da sociedade era viver em conflito de todos contra todos, apenas por um “contrato” social entre a realeza e a população poderia haver um Estado forte que equilibraria os problemas sociais. De acordo com o autor: A única maneira de instituir um tal poder comum, capaz de os defender das invasões dos estrangeiros e das injúrias uns dos outros, garantindo-lhe assim uma segurança suficiente para que, mediante o seu próprio labor e graças aos frutos da terra, possam alimentar-se e viver satisfeitos, é conferir toda a sua força e poder a um homem, ou a uma assembleia de homens, que possa reduzir suas diversas vontades, por pluralidade de votos, a uma só vontade. O que equivale dizer: designar um homem ou uma assembleia de homens como representante das suas pessoas, considerando-se e reconhecendo-se cada um como autor de todos os atos que aquele que representa a sua pessoa praticar ou levar a praticar, em tudo o que disser a respeito à paz e à segurança comuns; todos submetendo assim as suas vontades à vontade do representante, e as suas decisões à sua decisão. Isto é mais do que consentimento, ou concórdia, é uma verdadeira de unidade de todos eles, numa só e mesma pessoa, realizada por um pacto de cada homem com todos os homens [...]. Feito isto, a multidão assim unida numa só pessoa chama-se Estado, em latim, civitas. É esta a geração daquele grande Leviatã, ou antes daquele Deus Mortal, ao qual devemos, abaixo do Deus Imortal, a nossa paz e defesa.[...] É nele que consiste a essência do Estado, a qual pode ser assim definida: uma pessoa que, mediante pactos recíprocos uns com os outros, foi instituída por cada um como autora, de modo a ela poder usar a força e os recursos de todos, da maneira que considerar conveniente, para assegurar a paz e a defesa comum. (HOBBES, Acessado em 24 de maio de 2021 às 11h25) Já na França, o principal teórico do absolutismo foi Jacques Bossuet que defendia a origem divina do poder do rei. Tal pensamento esteve presente na sua obra Política segundo a Sagrada Escrita que acreditava que Deus tinha dado poder político aos reis e lhe davam uma autoridade incontestável e ilimitada de decisões em diferentes planos da sociedade. Desta forma, o poder real era divino e derivado de Deus, sendo um poder superior a qualquer pessoa e considerado sagrado. De40 acordo com Bossuet (1994, p. 67), “como não há poder público sem a vontade de Deus, todo governo, seja qual for sua origem, justo ou injusto, pacífico ou violento, é legítimo, todo depositário de autoridade, seja qual for, é sagrado; revoltar-se contra ele é cometer sacrilégio”. Bossuet (1994, p. 62) ainda completa que Três razões fazem ver que este governo é o melhor. A primeira é que é o mais natural e se perpetua por si próprio... A segunda razão... é que esse governo é o que interessa mais na conservação do Estado e dos poderes que o constituem: o príncipe, que trabalha para o Estado, trabalha para os seus filhos, e o amor que tem pelo seu reino, confundindo com o que tem pela sua família, torna-se-lhe natural... A terceira razão tira-se da dignidade das casas reais... A inveja, que se tem naturalmente daqueles que estão acima de nós, torna-se aqui em amor e respeito; os próprios grandes obedecem em repugnância a uma família que sempre viram como superior e à qual se não conhece outra que se possa igualar... O trono real não é o trono de um homem, mas o trono do próprio Deus... Os reis... são deus e participam de alguma maneira da independência divina. O rei vê de mais longe e de mais alto; deve acreditar-se que ele vê melhor, e deve obedecer-se-lhe em murmurar, pois o murmúrio é uma disposição para a sedição. Além dos teóricos do absolutismo, diversas normas de comportamento foram criadas para distinguir a nobreza e o clero dos demais grupos da sociedade. Essas normas de comportamento buscavam mostrar que a nobreza era ‘civilizada’ comparada com o restante do povo que era considerado com um estilo de vida ‘rústico’. Forma de falar, de se vestir, horários para cada coisa, gesticular foram criados como conduta distintiva para grupos sociais do primeiro e segundo estado. Para Burke (1994, p. 101-102): Os observadores registravam que todos os atos do rei eram planejados ‘até o mínimo gesto’. Os mesmos eventos se produziam todos os dias nas mesmas horas, a tal ponto que uma pessoa poderia acertar seu relógio pelo rei. Havia normas formais para a participação nesse espetáculo – quem tinha direito a ver o rei, a que horas e em que partes da corte, se tal pessoa podia se sentar numa cadeira ou num tamborete (....) ou tinha que permanecer de pé. [...] Luís esteve no palco durante quase toda a sua vida [...]. Os objetos matérias mais intimamente associados ao rei também se tornavam sagrados. [...] Assim, era uma ofensa dar as costas ao retrato do rei [...], entrar em seu quarto de dormir vazio sem fazer uma genuflexão ou conservar o chapéu na sala em que a mesa está posta para o seu jantar. Essas condutas de comportamento foram apoiadas pelos intelectuais, filósofos e cientistas da época como uma forma de ‘civilizar’ as pessoas que eles consideravam ‘incultas’. Desta forma, além dos poderes políticos que a autoridade 41 real carregava, o rei tinha a missão de ‘civilizar’ seu reino. 3.3 O ABSOLUTISMO NA FRANÇA A centralização política na França teve início a partir do século X com a dinastia carolíngia. Após a Guerra dos Cem Anos (1337-1453), esse processo de centralização de poder foi acelerado com a dinastia de Valois e posteriormente com a dinastia dos Bourbon. Essa última dinastia foi a que teve o maior apogeu do regime absolutista sua decadência após a Revolução Francesa (1789). No reinado do Luís XIII (1610-1643) o absolutismo foi reforçado graças a política do seu primeiro-ministro Richelieu, onde aconteceu a diminuição do poder da nobreza. Após esse reinado, a França ajudou em processos políticos europeus importantes como a Restauração Portuguesa (1640), a independência da Holanda e na Guerra dos Trinta Anos. Portugal ficou sobre domínio espanhol de 1580 a 1640 e só conseguiu recuperar sua independência em 1640. A Holanda conseguiu obter a independência da Espanha apenas em 1581, a casa de Habsburgo (casa reinante da Espanha) não reconheceu o processo de independência e entrou em um conflito que só terminou em 1648. A Casa de Habsburgo sofreu diversos conflitos em território europeu e todos eles a França estava envolvida. Em 1618, nobres da Áustria e da Boêmia se rebelaram contra o imperador Fernando de Habsburgo, do Sacro Império Romano- Germânico. Esse processo deu início a Guerra dos Trinta Anos que envolveu diversos países europeus. Em 1648, o conflito terminou com a assinatura do Tratado de Westfália que teve como resultados a perda da hegemonia espanhola na Europa, a consolidação da Suécia enquanto potência na região báltica, maior autonomia aos Estados Alemães e a França se tornou uma potência em ascensão no cenário europeu. Em 1643, assumiu o trono francês Luís XIV (1643-1715), período que o absolutismo teve seu maior apogeu. Ele assumiu o trono com apenas cinco e o poder foi exercido pelo seu ministro, o cardeal Mazarino. Esse político conseguiu sufocar as revoltas dos nobres que não aceitavam a centralização política no país. Com a morte do cardeal em 1661, Luís XIV assume a política externa e interna da França. 42 Como ministro da economia francês foi escolhido Jean-Baptiste Colbert que ficaria responsável pelo aumento da produção francesa na manufatura. Foi criado um exército real permanente e com rígida disciplina. Ele reforçou a ideologia de Bossuet sobre a figura sagrada dos reis e revogou o Édito de Nantes, onde voltou a prática de perseguição aos protestantes. Com a volta dos conflitos entre católicos e protestantes, diversos nobres e burgueses huguenotes deixaram o país e isso abalou a economia francesa. Além disso, no plano de política externa, a França se envolveu em diversos conflitos com a Inglaterra que abalaram mais sua economia que estava entrando em ruínas. De acordo com Elias (2001, p. 88-89): Em sua juventude, Luís XIV havia sentido na própria pele o quanto pode ser perigoso para a posição do rei quando as elites [...] superam seus antagonismos mútuos e se juntam para agir contra o rei. Talvez ele também tenha aprendido a partir da experiência dos reis ingleses, que deviam as ameaças e o enfraquecimento de suas posições à oposição de grupos nobres e burgueses reunidos. Em todo caso, faziam parte das máximas mais rigorosas de sua estratégia de dominação o fortalecimento e a estabilização das diferenças existentes, das contraposições e rivalidades entre as ordens, especialmente entre as elites de cada ordem, e dentro delas, entre os diversos níveis e patamares de sua hierarquia de prestígio e de status. Era algo evidente [...] que as contraposições e os ciúmes entre os grupos de elite mais poderosos de seu reino constituíam algumas das condições fundamentais da abundância de poder do rei, a qual se expressa em conceitos como ‘irrestrito’ ou ‘absolutista’. O longo reinado de Luís XIV contribui muito para que a rigidez e o rigor específicos, suscitados pelo uso constante da diferenciação de ordens e de níveis sociais como instrumentos de dominação do rei, tornem-se perceptíveis também nos pensamentos e na sensibilidade dos próprios grupos, como um traço de caráter essencial de suas convicções. Graças a tal enraizamento nas convicções, nas valorações e nos ideais dos súditos – da competição acirrada em termos de nível, status e prestígio – as tensões e os ciúmes surgidos e exacerbados entre as diferentes ordens e níveis sociais, e especialmente entre as elites rivais dessa sociedade articulada hierarquicamente, reproduziam-se como uma máquina em movimento no vazio, renovando-se sempre. Luís XIV ficou conhecido como Rei Sol e lhe é atribuída a frase “o Estado sou Eu”, que expressaria o controle de todas as diretrizes de forma absoluta por uma única pessoa. O culto à imagem ganhou muita força durante o seu reinado. De acordo com Ribeiro (1994,p. 06-08): Se a propaganda é meio de assegurar submissão ou o assentimento a um poder, há, porém, vários modos de efetuá-la. Pode ser, como Luís 14, pela glória, ingressando os súditos com a vitória, o prestigio, a 43 grandeza do rei. Pode ser alardeando a proteção, num modelo paternalista, que tutela o povo. [...] Nossa sociedade talvez ainda esteja na mesma galáxia cultural inaugurada por Luís 14. [...] Não deixa de ser interessante, acostumados que estamos a considerar o Antigo Regime como um tempo remoto, objeto só de nossa curiosidade, perceber que em algum ponto a fábula fala de nós. E que nossa sociedade continua marcada pela retórica e a teatralidade que Luís 14, 300 anos atrás, inventou. Uma outra forma de ostentação de poder exercida por Luís XIV foi a construção do palácio de Versalhes, onde foram dadas grandes festas para a nobreza e o clero. Além da criação de academias e patrocínio de diversos artistas e intelectuais em várias áreas artísticas como, por exemplo, pintura, ciências, literatura e arquitetura. Vale assinalar, que muitas obras produzidas nesse momento acabaram exercendo uma forma de crítica a coroa francesa pela sua vida de soberba e luxuosidade devido aos gastos para a manutenção das festas e do próprio palácio de Versalhes. Figura 12: Luís XIV da França Fonte: Wikipedia. Disponível em: https://bit.ly/3Dj2YGO. Acessado em 24 de maio de 2021 às 14h49. Após a morte de Luís XIV, quem o sucedeu foi seu neto Luís XV (1715-1774) que em sua administração intensificou os gastos com conflitos internacionais como, por exemplo, a Guerra dos Seis Anos (1756). Esse conflito trouxe uma humilhação https://bit.ly/3Dj2YGO 44 para a França que ao perder parte de suas colônias na América. Em 1754, subiu ao poder Luís XVI (1754-1793) onde a crise social se intensificou no país e levou à eclosão da Revolução Francesa (1789) que acabou com a sociedade do Antigo Regime. 3.4 O ABSOLUTISMO NA INGLATERRA Os reinados de Henrique VIII, como vimos anteriormente, e de sua sucessora, sua filha, Elizabeth I, o parlamento inglês tornou-se um instrumento de intensificação de poder nas mãos dos soberanos. O parlamento não tinha uma regularidade de convocação e eram adotadas medidas com pouco impacto popular (aumento de tributos e expropriação de terras). Com a morte da rainha Elizabeth I, em 1603, acabou a dinastia Tudor e subiu ao trono seu primo, Jaime I da Escócia. Em seu reinado, aconteceu a intensificação da perseguição religiosa de puritanos e calvinistas que migraram para as colônias na América. O seu sucessor, Carlos I (1625-164) entrou em diversos conflitos com o Parlamento e, em 1628, foi aprovado pelo Parlamento uma Petição de Direito que começou a limitar os poderes do rei. Diante disso, o rei mandou fechar o Parlamento, em 1629, que só foi novamente convocado em 1640. Com o aumento de tributos, expropriação de terras e imposição da religião anglicana. A sociedade se dividiu em dois grupos: os cavaleiros que eram proprietários de terras, católicos e anglicanos favoráveis as autoridades do rei; e os cabeças redondas que eram pequenos proprietários, calvinistas e presbiterianos que eram partidários das decisões do Parlamento. Esse conflito levou a uma guerra civil que começou em 1640 e terminou apenas em 1649 com a vitória do grupo ligado ao parlamento com a liderança de Oliver Cromwell. O rei foi executado, a monarquia abolida e a república instituída com a liderança de Oliver Cromwell. Foi montado um conselho de Estado com 41 membros sobre que tinha a supervisão da Câmara dos Comuns e a Câmara dos Lordes foi extinta. Com o apoio do Exército, Cromwell impôs uma ditadura pessoal na Inglaterra e subordinou o Conselho e a Câmara dos Comuns aos seus mandos e desmandos. 45 A indústria naval inglesa foi desenvolvida nesse momento após a aprovação do Ato de Navegação. Isso levou a Inglaterra a aumentar sua frota naval que começou a rivalizar com a da Holanda, desencadeando um conflito entre os dois países na qual os ingleses saíram vitoriosos. Em 1658, Cromwell veio a falecer e o país entrou em uma crise política até 1660. O novo Parlamento restaurou a monarquia e coroaram o filho de Carlos I como novo rei inglês, cujo nome foi Carlos II (1640-1685). Carlos II buscou aumentar o poder absoluto do rei inspirado no modelo francês. O parlamento dividiu-se em um grupo de maioria burguesa que defendia o parlamento e eram contrários ao rei (Whigs) e outro formado por anglicanos que defendiam os poderes absolutos do rei (Tories). O rei veio a falecer em 1685 e não deixou herdeiros ao trono, quem assumiu foi seu irmão Jaime II. Ele era católico e defensor do absolutismo, causando uma revolta nas duas alas existentes no Parlamento inglês. Em 1688, teve início a Revolução Gloriosa no qual os dois partidos se uniram contra o rei e se aliaram a Guilherme de Orange, que era marido da filha de Jaime, governante da Holanda e protestante. Com apoio dos parlamentares, Guilherme de Orange, invadiu a Inglaterra em 1688 e fez com que o rei Jaime II fugisse para a França. Guilherme assumiu o trono inglês com o título de Guilherme III e jurou a Declaração de Direitos (Bill of rights), que obrigava o rei a respeitar as leis, liberdades individuais, o parlamento e reduzia a autoridade real. Na Declaração de Direitos foram assinalados que: 1, Que é ilegal o pretendido poder de suspender leis, ou a execução de leis, pela autoridade real, sem o consentimento do Parlamento. 2. Que é ilegal o pretendido poder revogar leis, ou a execução de leis, por autoridade real, como foi assumido e praticado em tempos passados. 3. Que a comissão para criar o recente Tribunal de comissários para as causas eclesiásticas, e todas as outras comissões e tribunais de igual natureza, são ilegal e perniciosos. 4. Que é ilegal a arrecadação de dinheiro para uso da Coroa, sob pretexto de prerrogativa, sem autorização do Parlamento, por um período de tempo maior, ou de maneira diferente daquele como é feito ou outorgada. 5. Que constitui um direito dos súditos apresentarem petições ao Rei, sendo ilegais todas as prisões ou acusações por motivo de tais petições. 6. Que levantar e manter um exército permanente dentro do reino em tempo de paz é contra lei, salvo com permissão do Parlamento. 7. Que os súditos que são protestantes possam ter armas para sua defesa adequada a suas condições, e permitidas por lei. 46 8. Que devem ser livres as eleições dos membros do Parlamento. 9. Que a liberdade de expressão, e debates ou procedimentos no Parlamento, não devem ser impedidos ou questionados por qualquer tribunal ou local fora do Parlamento. 10. Que não deve ser exigida fiança excessiva, nem impostas multas excessivas; tampouco infligidas punições cruéis e incomuns. 11. que os jurados devem ser devidamente convocados e nomeados, e devem ser donos de propriedade livre e alodial os jurados que decidem sobre as pessoas em julgamentos de alta traição. 12. Que são ilegais e nulas todas as concessões e promessas de multas e confiscos de pessoas particulares antes da condenação. 13. E que os parlamentos devem reunir-se com frequência para recuperar todos os agravos, e para corrigir, reforçar e preservar as leis (ISHAY, 2006 p. 171-173). Além disso, foi aprovado o Ato de Tolerância dando liberdade religiosa ao país. Dessa forma, o Parlamento saiu vitorioso na disputa contra o absolutismo real existente na Inglaterra nesse momento. Esse processo intensificou o desenvolvimento da burguesia manufatureira em ascensão no país. 3.5 O MERCANTILISMO As atividades econômicas desenvolvidas pelas monarquias absolutistas europeias durante os séculos XV aoXVIII receberam o nome de mercantilismo. Elas não foram um conjunto homogêneo em todos os países, cada qual teve suas especificidades, mas a principal característica é o controle do Estado para o desenvolvimento das atividades mercantis e comerciais. Podemos citar como outras características: Metalismo – acúmulo de metais preciosos, porque a riqueza dos Estados era medida conforme a quantidade de metais que tinham; Balança comercial favorável – era necessário que um Estado exportasse mais https://bit.ly/3leozKj https://bit.ly/3AjImfP 47 do que importava, desta forma sua balança comercial mantinha-se favorável; Protecionismo – os Estados adotavam medidas para a proteção dos seus mercados coloniais e internos. Produtos manufaturados eram incentivados sua produção para concorrer com produtos estrangeiros; Intervenção estatal – o Estado atuava em vários setores da economia e estimulava a fabricação de produtos manufaturados, a quantidade de produtos que circulavam e comercializavam, além dos preços e taxação dos produtores. Além dessas características, Sandroni (2007, p. 534) assinala que o mercantilismo: Defende o acúmulo de divisas em metais preciosos pelo Estado por meio de um comércio exterior de caráter protecionista. Alguns princípios básicos [...] são: 1. O Estado deve incrementar o bem-estar nacional, ainda que em detrimento de seus vizinhos e colônias; 2. A riqueza da economia nacional depende do aumento da população e do incremento do volume de metais preciosos no país; 3. O comércio exterior deve ter estimulado, pois é por meio de uma balança comercial favorável que se aumenta o estoque de metais preciosos; 4. O comércio e a indústria são amsi importantes para a economia nacional que a agricultura. De acordo com Prodamov: Com o mercantilismo, os Estados intervêm diretamente na economia, procurando assegurar o crescimento político e econômico e fortalecer as classes ou grupos ligados ao Estado. [...] Começa um fenômeno de aproximação entre o rei e a burguesia comercial. Essa burguesia das cidade pode financiar a organização de Estados centralizados, através do surgimento de funcionários reais remunerados – que exercem funções burocráticas – e da formação de exércitos nacionais permanentes. O rei, gradativamente, passa a ser detentor do poder do Estado. Financiado essa sua posição, a burguesia acaba tirando proveito da centralização política. (PRODAMOV, s.d., p. 14-16). Como dito anteriormente, cada país aplicou as políticas mercantilistas de uma forma. Na França, ocorreu o fortalecimento das manufaturas e o aumento da oferta de produtos, tanto para o comércio externo quanto interno. Sua política econômica ficou conhecida como Colbertismo devido ao seu ministro da economia Jean-Baptiste Colbert. Na Inglaterra, aconteceu o desenvolvimento de uma marinha mercante e 48 um forte protecionismo. Seu protecionismo estava na alta tributação de produtos estrangeiros e chegou a proibir certos produtos de circularem em territórios ingleses. O mercantilismo também foi empregado fortemente na colonização da América. Com a expansão marítima, os Estados Absolutistas buscaram aumentar suas atividades mercantis para os espaços da América, estabelecendo colônias na localidade. As colônias tinham obrigação de fornecer matéria-prima para a produção de mercadorias manufaturadas e a exploração de metais preciosos. Além disso, elas eram um importante mercado para o consumo dos produtos manufaturados fabricados em países europeus. Essa política de exploração da Europa para as colônias na América fazia parte do pacto colonial e faziam parte das políticas colonialistas europeias. A colonização da América acelerou o processo de aumento comercial dos países europeus, muitas riquezas foram retiradas nesse processo do território americano e mandado para os países colonizadores para se concentrar nas mãos de ricos comerciantes mercantis, fortalecendo e enriquecendo a classe burgueses que estava em acelerada ascensão econômica na Europa. 49 FIXANDO CONTEÚDO 1. (UFRN) O pensamento político e econômico europeu, em fins do século XVII e no século XVIII, apresentou uma vertente de crítica ao Absolutismo e ao Mercantilismo, predominantes na Europa, na Idade Moderna. Qual das ideias abaixo caracteriza essa nova corrente de pensamento? a) É necessária a regulamentação minuciosa de todos os aspectos da vida econômica para garantir a prosperidade nacional e o acúmulo metalista. b) O Estado, com função de polícia e justiça, deve ser governado por um rei, cuja autoridade é sagrada e absoluta porque emana de Deus. c) A fim de proteger a economia nacional, cada governo deve intervir no mercado, estimulando as exportações e restringindo as importações. d) O poder do soberano era ilimitado, porque fora fruto do consentimento espontâneo dos indivíduos para evitar a anarquia e a violência do estado natural. e) O Estado, simples guardião da lei, deve interferir pouco, apenas para garantir as liberdades públicas e as propriedades dos cidadãos. 2. (Mundo Educação) O filósofo inglês Thomas Hobbes (1588-1679), autor de “O Leviatã”, acreditava que a violência generalizada de todos contra todos era a regra geral da política e que, para conter tal violência intestina, era necessária a força de um poder político centralizador e autoritário. Podemos dizer que Hobbes pensava dessa forma sobretudo porque: a) não concordava com as ideias liberais de Adam Smith. b) não concordava com as ideias contratualistas de Jean-Jacques Rousseau. c) vivia na época das Guerras Civis Religiosas. d) vivia na época do Terror Revolucionário francês. e) não concordava com o neocontratualismo de John Rawls. 3. (Fuvest) “É praticamente impossível treinar todos os súditos de um [Estado] nas artes da guerra e ao mesmo tempo mantê-los obedientes às leis e aos magistrados.” (Jean Bodin, teórico do absolutismo, em 1578). Essa afirmação revela que a razão principal de as monarquias europeias recorrerem 50 ao recrutamento de mercenários estrangeiros, em grande escala, devia-se à necessidade de: a) conseguir mais soldados provenientes da burguesia, a classe que apoiava o rei. b) completar as fileiras dos exércitos com soldados profissionais mais eficientes. c) desarmar a nobreza e impedir que esta liderasse as demais classes contra o rei. d) manter desarmados camponeses e trabalhadores urbanos e evitar revoltas. e) desarmar a burguesia e controlar a luta de classes entre esta e a nobreza. 4. (Mundo Educação) Quando se estuda o absolutismo monárquico, é frequente vermos a frase “O Estado sou Eu', proferida pelo Rei Sol, Luís XIV. É correto dizer que essa frase: a) torna patente o uso do simbolismo solar, característico da maçonaria francesa. b) explicita o conteúdo do absolutismo, no qual o rei é a fonte da soberania e do poder. c) explica o Estado francês da época erroneamente, já que o rei não governava de fato. d) foi proferida após Luís XIV ter vencido a Revolução Puritana e o exército de Cromwell. e) foi proferida após Luís XIV ter vencido a Guerra das Duas Rosas. 5. (UFV-MG) A formação dos Estados Nacionais da Europa ocidental, durante a Época Moderna (século XV ao XVIII), embora tenha seguido uma dinâmica própria em cada país, apresentou semelhanças em seu processo de constituição. Sobre essas semelhanças é incorreto afirmar: a) politicamente, o regime instituído é a monarquia absoluta, da qual a França é o modelo clássico. b) o clero e a nobreza tinham posição e prestígio assegurados pela posse de terras e estavam sempre juntos na defesa de seus interesses. c) em termos sociais, esse período se caracterizou pela lenta afirmaçãoda burguesia, que estava à frente de quase todos os empreendimentos da época. d) para fortalecer o Estado, os reis adotaram um conjunto de medidas para acumular riquezas e desenvolver a economia nacional, denominado de mercantilismo. e) a centralização do poder político na Itália ocorreu devido à grande influência da 51 burguesia mercantil de Gênova e Veneza. 6. (FATEC-SP) “A França é uma monarquia. O rei representa a nação inteira, e cada pessoa não representa outra coisa senão um só indivíduo ante o rei. Em consequência, todo poder, toda autoridade, reside nas mãos do rei, e só deve haver no reino a autoridade que ele estabelece. Deve ser o dono, pode escutar os conselhos, consultá-los, mas deve decidir. Deus que fez o rei dar-lhe-á as luzes necessárias, contanto que mostre boas intenções.” (Luís XIV – Memórias sobre a arte de governar). Podemos caracterizar o absolutismo monárquico posto em prática nos países europeus durante a Idade Moderna como: a) uma aliança entre um monarca absolutista e a burguesia mercantil, a fim de dominar e excluir o poder da nobreza. b) uma aliança bem-sucedida entre a burguesia e o proletariado. c) uma forma de governo autoritária, cujo poder estava centralizado nas mãos de uma pessoa que exercia todas as funções do Estado. d) um sinônimo de tirania exercida pelo monarca sobre seus súditos. e) um poder total concentrado nas mãos da nobreza, no qual cabia aos juízes e deputados a tarefa de julgar e legislar. 7. (PUCCAMP) Como características gerais dos Estados Modernos, que se organizavam na Europa Ocidental no período que vai do século XV ao XVIII, pode-se mencionar entre outros, a a) consolidação da burguesia industrial no poder e a descentralização administrativa. b) centralização e unificação administrativa, bem como o desenvolvimento do mercantilismo. c) confirmação das obrigações feudais e o estímulo à produção urbano-industrial. d) superação das relações feudais e a não intervenção na economia. e) consolidação do localismo político e a montagem de um exército nacional. 8. (PUCMG) Oriundo da crise do feudalismo, o Estado Absolutista representou a organização política dominante na sociedade europeia entre os séculos XV e XVIII, podendo ser caracterizado pela: 52 a) supressão dos monopólios comerciais, possibilitando o desenvolvimento das manufaturas nacionais. b) quebra das barreiras regionalistas do feudo e da comuna, agilizando e integrando a economia nacional. c) abolição das formas de exploração das terras típicas do feudalismo, tornando a sociedade mais dinâmica. d) ascensão política do grupo burguês, que passa a gerir o Estado segundo seus interesses particulares. e) ausência efetiva de instrumento de controle, quer no plano moral ou temporal, sobre o poder do rei. 53 AS GRANDES NAVEGAÇÕES 4.1 INTRODUÇÃO Desde a Baixa Idade Média, a Europa passava por uma profunda crise econômica e que sofreu pioras com as revoltas camponesas, com a peste negra e a Guerra dos Cem Anos que afetaram drasticamente as atividades comerciais e demográficas da população no continente. Na segunda metade do século XV, os comerciantes europeus tiveram novas limitações em suas atividades comerciais com o Oriente. Com a queda de Constantinopla, em 1453, com os otomanos foi bloqueado o comércio oriental no Mar Mediterrâneo. Outro fator que influenciou a queda do crescimento econômico nesse momento foi a queda de metais preciosos devido às minas existentes no continente não aguentarem a demanda existente. Nesse contexto problemático no continente europeu, houve a necessidade de busca de novas rotas comerciais para o Oriente devido às chamadas especiarias como a noz-moscada, açafrão, canela e de metais preciosos que eram extremamente valorizados na Europa. A criação de novas rotas comerciais não era apenas um interesse comercial da burguesia mercantil. Mas se tornou um interesse da Igreja, da nobreza e das monarquias. A garantia de mercados consumidores, fornecimento de matérias- primas, difusão do cristianismo eram as bases de sustentação da expansão marítima no século XV. A Igreja Católica, que vinha passando por uma crise interna desde a Baixa Idade Média, acreditava em novas formas de ampliação do cristianismo e sua influência para outros povos através da catequização. Já os nobres, enfraquecidos devido aos conflitos com os camponeses, buscavam aumentar suas terras e enriquecer socialmente. Com o Absolutismo, os monarcas conseguiram construir condições para poderem organizar viagens de exploração para a realização das Grandes Navegações. A centralização política e a arrecadação de novos impostos ajudaram no fomento dessas enormes expedições. Além disso, o apoio dos reis aos navegantes evidencia-se pela expansão e possibilidade de novos caminhos e terras Erro! Fonte de referênci a não encontra da. 54 que poderiam ser agregados aos seus Estados. 4.2 INSTRUMENTOS E CONDIÇÕES DA EXPANSÃO MARÍTIMA O mercantilismo abriu caminho para as rivalidades comerciais entre os Estados Europeus. Dessa forma, aconteceu o interesse de aumentar o descobrimento de novos territórios e exploração das riquezas conquistadas. Os países europeus financiaram grandes expedições marítimas em busca de enriquecimento e para aperfeiçoar as condições náuticas que existiam até então. De acordo com Almeida (2000, p. 13): Causas econômicas muito fortes guiaram o movimento de expansão do capitalismo comercial e da influência de países europeus na África, América e Ásia, mas esse movimento foi possibilitado também pelo desenvolvimento científico, pelo aprofundamento da arte da navegação, pelo crescimento populacional e muito incentivado ainda por utopias originadas na Antiguidade e que foram difundidas no decorrer dos séculos. Essas utopias se justificavam na necessidade de se estabelecer contato entre europeus e cristãos que viviam no Oriente e na Etiópia, a fim de que se contivesse a expansão muçulmana, e na crença da existência de um paraíso terrestre em algum ponto distante da superfície da Terra, ou de regiões riquíssimas pela fertilidade do solo e pela presença de minas de ouro, de prata ou de pedras preciosas, diamantes e esmeraldas, sobretudo; além disso, havia também o desejo de se intensificar o comércio com as Índias e controlar o tráfico de especiarias. A astronomia, a matemática e a cartografia foram conhecimentos científicos que se ampliaram com as Grandes Navegações e permitiram o aperfeiçoamento de vários instrumentos como o astrolábio, a bússola e o quadrante. Além disso, aconteceram melhorias nas construções dos navios, sua estrutura e os tipos de madeiras que usavam em sua confecção: Seja pela madeira de que dependia para sua construção, seja pelos caminhos do mar em que navegava – orientado pelo mapa do céu- sujeito aos ventos, correntes e marés, o navio também tirava da natureza suas formas estruturais. E foi quem sabe na esperança de vê-los flutuar, como as gaivotas, embalados sobre as ondas de mares revoltos, que os construtores navais acabaram assemelhando a proa dos navios aos peitos das aves oceânicas. 55 O navio – como os pássaros – devia valer-se dos ventos para enfrentar – como os peixes – a resistência das águas, precisando assumir essa dupla natureza para poder viajar espremido entre o céu e o mar, seu motor e suporte. [...] E é assim, exatamente por essa sua natureza tão particular, que o navio deixa os estaleiros para se pôr nos caminhos que abriu para a história (MICELI, 2008, p. 82-83). Os mapas também passaram por transformações com o final da Idade Média para a Idade Moderna. A produção deles era realizadapor monges e supervisionados pela Igreja Católica, a construção imagética deles trazia simbolismos religiosos e personagens bíblicos. Dessa forma, percebemos uma visão religiosa nos mapas. Com o desenvolvimento da cartografia e os mapas foram aperfeiçoados. Os navegantes traziam relatos de rotas marítimas para os reis que informavam os cartógrafos, matemáticos e astrônomos para as elaborações mais precisas dos mapas marítimos. Os mapas ajudavam a informar áreas que poderiam ter especiarias, madeiras e metais preciosos. A confecção de mapas também gerava disputas entre os países, não era favorável que outros países conhecessem rotas mais lucrativas. Entretanto, muitos mapas serviram para auxiliar nas disputas por territórios e legitimar as conquistas marítimas. De acordo com Junqueira (2012, p. 48): As nações concorriam entre si, particularmente na disputa pelo Pacífico; ao mesmo tempo, compartilhavam dúvidas e discutiam soluções por meio de memorandos e ofícios diplomáticos, mas sobretudo através de informações e ponderações colocadas nos relatos de viagem. Uns conferiam as cartas dos outros, no esforço de unificar conhecimentos sobre o Globo, não sem as devidas concorrências e disputas pelo poder. Os resultados dessas viagens de circum-navegação, como de outras explorações científico-estratégicas, eram rigorosamente selecionados antes de vir a público. Alguns mapas e cartas desenhados durante ou após o trajeto eram mantidos sob sigilo, outros eram publicados e comercializados [...] A divulgação, além de demonstrar a capacidade técnica da nação que empreendia a façanha, valorizava seu papel no esforço internacional de um acurado mapeamento de partes do Globo. Vale assinalar que com a evolução cartográfica, os imaginários sobre os mares não se alteraram profundamente. O Oceano Atlântico era conhecido como Mar Tenebroso e havia uma mentalidade que se acreditava na existência de abismos colossais e monstros marinhos. Acreditava-se, naquele contexto, que a Terra era plana e em seus extremos haveria abismos. 56 4.3 O INÍCIO DAS GRANDES NAVEGAÇÕES: SÉCULO XIV AO XVI A Coroa Portuguesa, no início do século XV, começou a financiar navegadores e passaram a explorar rotas para o sul da África em busca das rotas marítimas para a região das Índias. Os reis espanhóis também começaram a financiar rotas marítimas para o Oriente. No caso português, desde o século XIV, já havia um governo centralizado para começar a organizar as expansões marítimas e uma burguesia comercial que auxiliava em seu financiamento. A Igreja Católica também apoiou a expansão marítima devido a cristianização de povos locais nos novos lugares explorados. O pioneirismo português permitiu a criação de novas rotas comerciais ao Oceano Atlântico e possibilitou o descobrimento de produtos luxuosos. Os fatores que ajudaram seu pioneirismo foi a situação geográfica privilegiada dentro do continente europeu que sua costa marítima era voltada para o Oceano Atlântico e suas experiências mercantis existentes no Atlântico Norte. Para Faria (2004, p. 18): Portugal foi responsável pela criação de um vasto império, possuindo terras e domínios em todos os continentes. Mais do que isso, a expansão ultramarina foi resultado de determinações da Coroa, embora grande parte da população tenha se beneficiado dela. Para o povo, a expansão representava a possibilidade mudança devida e de libertação de esquemas opressores, ao ter a opção de saída para terras d’além-mar. Para o clero e a nobreza, representava cristianização e conquista, formas diferenciadas de servir a Deus e ao rei, ao mesmo tempo que aspiravam a recompensas materiais, como rendas, terras, ofícios, etc. Já para os mercadores, significava aumento dos lucros, a partir da ampliação do comércio. Por fim, para a Coroa, era a sobrevivência por meio dos impostos colhidos em todos os setores. A expansão ultramarina pode ser considerada um grande projeto, em que todos esperavam ganhar alguma coisa. O primeiro ponto de conquista dos portugueses foi a cidade de Ceuta, em 1415, no norte da África. Essa conquista permitiu aos portugueses aumentaram seu comércio de ouro trazido das regiões africanas do Sahel. Além disso, ao conquistar uma cidade predominantemente islâmica acreditava-se nas noções de cristianização que deveriam estar presentes nessas conquistas. 57 Figura 13: Viagens marítimas portuguesas e espanholas nos séculos XV e XVI Fontes: Slide Player. Disponível em: https://bit.ly/3lbQI4N. Acessado em 27 de maio de 2021 às 18h25. Posteriormente, as ilhas de Madeira e Açores foram atingidas pelos portugueses e conquistadas. Em 1498, Vasco da Gama chegou à cidade de Calicute na Índia e foi estabelecida a rota entre os portugueses com o Oriente. Vasco da Gama retornou a Portugal com os navios lotados de produtos de luxo. A respeito da viagem dos portugueses a Calicute, Page (2008, p. 152) assinala que: Os portugueses transferiram suas mercadorias para o centro de Calicute, onde os árabes conseguiram, em boa parte, impedi-los de comercia. Um residente local, um tunisino que os portugueses conheciam pelo nome de Moçaíde, foi a bordo avisar Vasco da Gama de que os mercadores árabes tinham praticamente convencido o Senhor dos Oceanos (o samorim, governante de Calicute), de que os portugueses eram piratas e ladrões, que estavam apenas a aguardar uma oportunidade para saquear e pilhar Calicute. Os mercadores ofereceram ao Senhor dos Oceanos uma enorme quantia de dinheiro se ele mandasse capturar e decapitar Vasco da Gama e o seu séquito. Os portugueses já se encontravam em terra, foram impedidos de regressar aos navios e de removerem seus bens. Vasco da Gama aguardou a altura propícia, até que notou [...] seis homens que se vestiam e comportavam como senhores da alta nobreza. Fê-los prisioneiros e transacionou-os com o agente do Senhor dos Oceanos, em troca da libertação dos portugueses que haviam sido feitos cativos. Pedro Álvares Cabral, em 1500, seguiu em direção às Índias, mas chegou nas https://bit.ly/3lbQI4N 58 terras que viriam a se chamar Brasil. Além disso, nos séculos XV e XVI, os portugueses alcançaram terras no continente asiático como no Japão, China e Indonésia. Nas localidades que chegavam, os portugueses criavam postos comerciais e iniciavam a formação de redes comerciais. A Igreja apoiou a criação desses estabelecimentos e buscou com seus missionários converter os povos nativos ao catolicismo. Dessa forma, deu-se início a formação de um vasto Império Marítimo na região do Atlântico. Figura 14: Impérios Coloniais no século XVII Fonte: Wikishistória. Disponível em: https://bit.ly/3mvT0va. Acessado em 27 de maio de 2021 às 18h35 No caso espanhol, em 1492, terminaram as Guerras de Reconquista na Península Ibérica e os reis espanhóis apoiaram a navegação de Cristóvão Colombo, genovês, que buscava apoio para empreender uma viagem para as Índias. Vale assinalar, que durante essa época, a Igreja Católica defendia que a Terra não era redonda, apenas os cientistas daquele contexto defendiam a esfericidade do planeta. Já Colombo era um navegador que acreditava que a Terra era redonda e conseguiu apoio em seus empreendimentos comerciais marítimos. Ainda em 1492, partiu do porto espanhol de Palos para o Oriente, Colombo contou com três caravelas . No mesmo ano, Colombo chegou na Ilha de Guannani, que ele deu o nome de San Salvador e posteriormente chegou nas ilhas de São Domingos e Cuba. Ele acreditava que havia chegado nas Índias e nomeou os habitantes daquela https://bit.ly/3mvT0va 59 localidade de índios. Em 1493, retornou a Espanha e realizou outras viagens para localidade, mas acreditavaque havia chegado no Oriente e não descoberto um novo continente. De acordo com Ferro (1996, p. 23), as viagens de Colombo tinham um forte interesse na busca de riquezas: Por certo, ele revela que o ouro, ou melhor, a busca deste, está onipresente em toda sua primeira viagem. A 15 de outubro de 1492, escreve em seu diário ‘Não quero parar, a fim de ir mais longe visitar muitas ilhas e descobrir ouro’. Cristóvão Colombo não só espera enriquecer pessoalmente, junto com seus marinheiros, como quer também que seus financiadores, os reis da Espanha, enriqueçam ‘a fim de que possam compreender a importância da empresa’. Portanto, a riqueza o interessa, acima de tudo, por significar o reconhecimento de seu papel de descobridor. Porém, essa sede de dinheiro justifica-se mais ainda por uma vocação religiosa que é nada menos do que a expansão do cristianismo. No seu diário, em data de 26 de dezembro de 1492, ele explica que ‘espera encontrar ouro, em tal quantidade que os reis possam antes de três anos preparar e empreender ir conquistar a Santa Casa’. A reconquista de Jerusalém, foi esse um dos objetivos de Cristóvão Colombo, obcecado pela ideia de Cruzada. Após Vasco da Gama e Colombo, outros navegadores europeus entraram no périplo das Grandes Navegações. Entre 1499 e 1503, Américo Vespúcio realizou três viagens para a América e a partir dos seus relatos se chegaram à conclusão que aquele era um novo continente. Nas descrições de Américo Vespúcio, ele afirmava que: A fim de que numa palavra toda as coisas brevemente, narre, saiba que [...] navegamos continuamente [...] com chuvas, trovões e relâmpagos, em tal modo escuros que nem o Sol no dia, nem serena na noite jamais vimos. Por essa coisa toda em nós entrou um tão grande pavor que quase já toda a esperança de vida tínhamos pedido. O dia exatamente VII de agosto de MDI (1501) nas costas daqueles países surgimos, agradecendo ao nosso senhor Deus com solenes súplicas e celebrando uma missa cantada. Lá Aquela terra soubemos não ser uma ilha mas continente, porque em longuíssimas praias estende não circundantes a ela e de infinitos habitantes era repleta. E descobrimos nela muita gente e povos e todo gênero de animais silvestres que nos nossos países não se encontram, e muitos outros por nós nunca vistos, dos quais seria longo um a um referir (VESPÚCIO, 1984, p. 92). Outro caso da navegação espanhola foi, em 1513, o navegador Vasco Nuñez de Balboa que chegou ao Oceano Pacífico passando pelo território do atual Panamá.Em 1519, Fernão de Magalhães, iniciou a primeira viagem de circum- 60 navegação e atravessou a América do Sul e chegou às Filipinas no Oceano Pacífico, em 1521. Ele não conseguiu completar a viagem e foi substituído pelo navegador Sebastião Elcano que retornou ao continente europeu no ano seguinte. Essa viagem foi a primeira que comprovou a esfericidade do planeta Terra. Figura 15: Viagem de circum-navegação de Fernando Magalhães Fonte: Wikipedia. Disponível emhttps://bit.ly/2WMSyzH. Acessado em 27 de maio de 2021 às 20h39. Portugueses e espanhóis entraram em disputa pelos territórios que eram do continente americano. Ambos países ibéricos pediram a intermediação da Igreja Católica para a divisão dos territórios e tomar posse da exploração e riquezas de cada localidade. Em 1494, foi assinado o Tratado de Tordesilhas que dividiu os territórios descobertos por uma linha imaginária que passaria a 370 léguas das Ilhas de Cabo Verde. As terras no leste ficariam com Portugal e a oeste a Espanha, resolvendo a disputa política entre os dois reinos. 61 Figura 16: Tratado de Tordesilhas (1494) Fontes: Ensinar História. Disponível em: https://bit.ly/3lhF8VQ. Acessado em 27 de maio de 2021 às 20h45. Com a descoberta de ouro na América pelos espanhóis, outros países europeus entraram na disputa pela divisão dos territórios do continente americano: Holanda, Inglaterra e França iniciaram os seus processos marítimos no século XVI. Embarcações francesas, inglesas e holandesas começaram a fazer atividades de piratarias contra os domínios dos países ibéricos e ocuparam territórios nas regiões da Ásia e América do Norte. Diversas feitorias comerciais foram instaladas em várias partes do mundo e o monopólio de comércio da Europa com o Oriente, que era uma exclusividade de venezianos, islâmicos e genoveses, foram perdidos. Houve um fortalecimento da burguesia mercantil com o enriquecimento dos produtos comercializados na Europa e com isso um maior desenvolvimento comercial no período. As relações dos países europeus com o restante do planeta se alteraram profundamente com o início das Grandes Navegações. Novos territórios, povos e culturas desconhecidas tiveram contato com os europeus. Além disso, produtos novos e desconhecidos até então, começaram a circular entre a população do continente europeu. Para Pestana (2006, p. 115): https://bit.ly/3lhF8VQ 62 Independente das características inerentes a cada povo encontrado ao longo da aventura marítima, ao chegaram ao Índico os portugueses precisaram conviver com o choque cultural e, mais tarde, enfrentando problemas de ordem interna, decorrentes da flutuação econômica internacional, tiveram que enfrentar dificuldades advindas dos desentendimentos culturais acumulados desde a viagem inaugural de Vasco da Gama. A despeito da tolerância cultural esperada por parte de um povo eclético, devido à própria formação do Estado português, quando os lusos chegaram à Índia só conseguiram distinguir entre fiéis e cristãos em potencial, recusando-se a admitir as peculiaridades apresentadas pelos povos do local. A mesma posição é compartilhada por Amado e Garcia (1989, p. 45): Os europeus encontraram infinitas maneiras de viver entre os povos da África, Ásia e América. Os relatos que fizeram desse contato são hoje fonte preciosa para os historiadores. Por um lado, os relatos informam sobre os costumes dos povos descobertos. Por outro lado, esclarecem as formas de pensar dos europeus e sua maneira de ver o mundo. A seguir, um desses relatos, escrito por um viajante italiano, a respeito do Senegal, do século XV: [...] ‘Este povos andam quase sempre sem qualquer espécie de roupa a cobri-los, exceto uma pela de cabra cortada em forma de calções que usam para esconder as partes secretar. Mas os senhores e as autoridades usam camisas de algodão; este país produz quantidade desta matéria, que as mulheres fiam’. Percebemos que as grandes navegações deram início ao processo conhecido como Choque de Culturas. 4.4 INGLATERRA, FRANÇA E HOLANDA NAS GRANDES NAVEGAÇÕES França e Inglaterra tiveram interesse em lucrar com a exploração comercial dos novos locais descobertos com as expedições marítimas. Entretanto, não contavam com uma frota marítima comparada com os países ibéricos nos séculos XV e XVI. Além disso, no século XV, tanto piratas ingleses quanto franceses, empreenderam saques as embarcações dos países ibéricos. A Inglaterra realizou em 1497, com o navegador Giovanni Caboto uma viagem com destino às Índias. Da mesma forma que Colombo, ele procurou uma nova rota para o oeste, na região norte do Atlântico. Ele chegou no litoral do território do atual Canadá. Após isso, os ingleses começaram a financiar outras expedições na localidade, mas apenas começaram a colonização no século XVI. Já a França, ingressou na América em 1534. Em 1541, sua expedição foi liderada por Jacques Cartier que chegou no rio São Lourenço e fundou uma 63 colônia na atual região de Québec, Canadá. Essa primeira tentativa de colonização na localidade não teve êxito. No século seguinte, a França deu início à colonização dealgumas áreas do atual Estados Unidos e Canadá. O período de expansão marítima holandesa teve início já na época de sua tentativa de independência da Espanha. Comerciantes holandeses tinham uma presença massiva no norte da Europa. Isso possibilitou que os holandeses conseguissem concorrer nas disputas marítimas com os reinos ibéricos. No século XVII, os holandeses conseguiram chegar na região da atual Indonésia e iniciaram seus projetos de colonização. Diversos territórios portugueses na Ásia foram conquistados pelos holandeses na Índia, China e Ceilão. Desta forma, os holandeses tornaram-se os principais comerciantes no continente asiático. Além disso, fundaram nessa época, a Companhia das Índias Ocidentais em busca de conquistar partes da América Portuguesa e algumas possessões lusitanas na África. Apenas em 1654, os holandeses foram expulsos da América Portuguesa, mas conseguiram manter algumas possessões na região do Caribe. Nesse momento, realizaram importantes empreendimentos de tráfico de africanos escravizados na localidade. A área do Caribe, também foi colonizada por ingleses e franceses no século XVII e seus lucros eram atingidos com as plantações de algodão, tabaco e principalmente cana-de-açúcar. https://bit.ly/3lglHNf 64 FIXANDO CONTEÚDO 1. (CESGRANRIO) Acerca da expansão marítima comercial implementada pelo Reino Português, podemos afirmar que: a) a conquista de Ceuta marcou o início da expansão, ao possibilitar a acumulação de riquezas para a manutenção do empreendimento. b) a conquista da Baía de Argüim permitiu a Portugal montar uma feitoria e manter o controle sobre importantíssima rota comercial intra-africana. c) a instalação da feitoria de São Paulo de Luanda possibilitou a montagem de grande rede de abastecimento de escravos para o mercado europeu. d) o domínio português de Piro e Sidon e o conseqüente monopólio de especiarias do Oriente Próximo tornaram desinteressante a conquista da Índia. e) a expansão da lavoura açucareira escravista na Ilha da Madeira, após 1510, aumentou o preço dos escravos, tanto nos portos africanos, quanto nas praças brasileiras. 2. (UFPE) Portugal e Espanha foram, no século XV, as nações modernas da Europa, portanto pioneiras nos grandes descobrimentos marítimos. Identifique as realizações portuguesas e espanholas, no que diz respeito a esses descobrimentos. 1) Os espanhóis, navegando para o Ocidente, descobriram, em 1492, as terras do Canadá. 2) Os portugueses chegaram ao Cabo das Tormentas, na África, em 1488. 3) Os portugueses completaram o caminho para as Índias, navegando para o Oriente, em 1498. 4) A coroa espanhola foi responsável pela primeira circunavegação da Terra iniciada em 1519, por Fernão de Magalhães. Sebastião El Cano chegou de volta à Espanha em 1522. 5) Os portugueses chegaram às Antilhas em 1492, confundindo o Continente Americano com as Índias. Estão corretos apenas os itens: a) 2, 3 e 4; 65 b) 1, 2 e 3; c) 3, 4 e 5; d) 1, 3 e 4; e) 2, 4 e 5. 3. (CESGRANRIO) Com a expansão marítima dos séculos XV/XVI, os países ibéricos desenvolveram a ideia de “império ultramarino” significando: a) a ocupação de pontos estratégicos e o domínio das rotas marítimas, a fim de assegurar a acumulação do capital mercantil; b) o estabelecimento das regras que definem o Sistema Colonial nas relações entre as metrópoles e as demais áreas do “império” para estabelecer as idéias de liberdade comercial; c) a integração econômica entre várias partes de cada “império” através do comércio intercolonial e da livre circulação dos indivíduos; d) a projeção da autoridade soberana e centralizadora das respectivas coroas e sobre tudo e todos situados no interior desse “império”; e) a junção da autoridade temporal com a espiritual através da criação do Império da Cristandade. 4. (CESGRANRIO) Foram inúmeras as consequências da expansão ultramarina dos europeus, gerando uma radical transformação no panorama da história da humanidade. Sobressai como UMA importante consequência: a) a constituição de impérios coloniais embasados pelo espírito mercantil. b) a manutenção do eixo econômico do Mar Mediterrâneo com acesso fácil ao Oceano Atlântico. c) a dependência do comércio com o Oriente, fornecedor de produtos de luxo como sândalo, porcelanas e pedras preciosas. d) o pioneirismo de Portugal, explicado pela posição geográfica favorável. e) a manutenção dos níveis de afluxo de metais preciosos para a Europa. 5. (Fuvest) “Para o conjunto da economia europeia, no século XVI, caracterizada pela produção em crescimento e pelo aumento das transações mercantis, ao 66 lado de um novo crescimento de sua população, o efeito mais importante dos grandes descobrimentos foi a alta geral dos preços...” O efeito a que o texto se refere foi provocado: a) pelo grande afluxo de metais preciosos. b) pela ampliação da área de produção agrícola. c) pela redução do consumo de produtos manufaturados. d) pela descoberta de novas rotas comerciais no Oriente. e) pelo deslocamento do eixo comercial para o mediterrâneo. 6. (Brasil Escola) Sobre as características das Grandes Navegações do século XV, indique a alternativa incorreta: a) Em 1434, o navegador Gil Eanes ultrapassou o Cabo do Bojador, abrindo portas para a conquista lusitana sobre o litoral africano. b) Desde o século XII, a entrada dos produtos orientais se dava pelo monopólio exercido pelos comerciantes italianos e árabes no Mar Mediterrâneo. Com o objetivo de superar a dependência para com esses atravessadores, Portugal promoveu esforços para criar uma rota que ligasse diretamente os comerciantes portugueses aos povos do Oriente. c) Como consequência das várias expedições realizadas pelos portugueses na costa ocidental do continente africano, o navegador Vasco da Gama conseguiu chegar à cidade indiana de Calicute em 1498, e voltou a Portugal com uma embarcação cheia de especiarias. d) Ao mesmo tempo em que Portugal despontou em sua expansão marítima, a Espanha, mesmo envolvida no processo de expulsão dos mouros da Península Ibérica, acompanhou os portugueses nas expedições marítimas. O fim da chamada Guerra de Reconquista foi apenas mais um passo para o fortalecimento dos espanhóis na corrida de expansão marítima. e) A rivalidade entre Portugal e Espanha pela exploração das novas terras descobertas levou ambos os reinos a assinarem tratados definidores das regiões a serem dominadas por cada um deles. Em 1493, a Bula Intercoetera estabeleceu as terras a 100 léguas de Cabo Verde como região de posse portuguesa. No ano seguinte, Portugal solicitou o alargamento das fronteiras para 370 léguas de Cabo Verde, instituindo o Tratado de Tordesilhas. 67 7. (Enem 2014) “Todo homem de bom juízo, depois que tiver realizado sua viagem, reconhecerá que é um milagre manifesto ter podido escapar de todos os perigos que se apresentam em sua peregrinação; tanto mais que há tantos outros acidentes que diariamente podem aí ocorrer que seria coisa pavorosa àqueles que aí navegam querer pô-los todos diante dos olhos quando querem empreender suas viagens.” J. P. T. Histoire de plusieurs voyages aventureux. 1600. In: DELUMEAU, J. História do medo no Ocidente: 1300-1800. São Paulo: Cia. das Letras, 2009 (adaptado). Esse relato, associado ao imaginário das viagens marítimas da época moderna, expressa um sentimento de: a) gosto pela aventura b) fascínio pelo fantástico c) temor do desconhecido d) interesse pela natureza. e) purgação dos pecados. 8. (URCA 2017/1) A descoberta europeia da América, ou o achamento como pensam outros, não foi um acontecimento isolado da história europeia, tendo emvista que: a) A viagem de Colombo representou o fechamento súbito do sistema transoceânico de comércio e navegação, uma vez que a África ficou isolada das transações comercias com os europeus. b) A grande inovação dos marinheiros e mercadores do século XV, dentre eles os portugueses, foi saber como os ventos e as correntes do oceano Atlântico podiam ser utilizados para permitir as viagens entre os continentes. c) Foi a partir das viagens de Colombo que o astrolábio e o quadrante, instrumentos que facilitavam as leituras das posições dos corpos celestes, foram inventados, no século XVI. d) Durante séculos, os marinheiros europeus tinham visto apenas o contorno do mundo oceânico, com a viagem de Colombo, os franceses partiram na frente e foram únicos no contato intercontinentais. 68 e) A viagem de Colombo permitiu a superação das rotas comerciais com as Índias Orientais contornando a África, pois o comércio passou a ser predominantemente no Atlântico Norte. 69 O ILUMINISMO 5.1 INTRODUÇÃO No século XVII, nos Países Baixos ocorreu as primeiras manifestações do que posteriormente seria chamado de Iluminismo, era publicado tratados contra a Igreja Católica e as monarquias absolutistas. Nesse local existia uma forte liberdade de pensamento e expressão, um dos motivos disso era que o país era uma república diferente do restante da Europa que eram regimes absolutistas. Dois dos mais importantes precursores do pensamento do Iluminismo foram John Locke e René Descartes, que viveram por algum tempo nos Países Baixo. Locke defendia a liberdade de consciência e a tolerância às práticas religiosas, propunha a separação de poderes entre Estado e Igreja. Já René Descartes ficou conhecido pela sua famosa frase “Penso, Logo Existo” (Cogito ergo sum) que seria a base do pensamento filosófico do século XVIII. Descartes defendia que o método racional e as reflexões possibilitariam a busca pela verdade e a razão era o ponto de início de toda a construção de conhecimento. Todo conhecimento deveria ser investigado e testado, apenas aqueles que comprovassem eficiência deveriam ser tidos como verdadeiros. Outros intelectuais foram precursores do pensamento iluminista como, por exemplo, Isaac Newton que acreditava na existência de leis universais para a ciência e a razão era a forma eficaz de demonstrá-las. Posteriormente, conhecido como ‘Século das Luzes’, no século XVIII diversos intelectuais, filósofos e cientistas queriam mudar o mundo através da razão, ou seja, o pensamento racional. Esse movimento ficou conhecido como Iluminismo. Os filósofos do Iluminismo acreditavam que seus ideais iriam ‘iluminar’ a sociedade. Essa nossa de luz, foi inspirada nos aspectos da Antiguidade, pois Platão acreditava que a luz simbolizava o verdadeiro conhecimento. A razão e o pensar foram fortemente defendidos por esses intelectuais. De acordo com Falcon (1991, p. 37): Pensar racionalmente, filosoficamente, isto é, pensar diferente. Que significa esse novo pensar? Basicamente, trata-se de criticar, duvidar e, se necessário, demolir. A razão define-se, portanto, como crítica Erro! Fonte de referênci a não encontra da. 70 de um pensamento ‘tradicional’ – de suas formas e conteúdos. Afinal, é através da crítica do existente que se poderá produzir o novo e o verdadeiro. Os preconceitos, as superstições, os ídolos [...] constituem barreiras ou véus que ocultam/encobrem a verdade, impedindo o caminho até ela. Para Grespan (2011, p. 15-16), o Iluminismo é Mais do que uma atitude mental, o Iluminismo foi movimento de ideias, no sentido forte de um processo de constituição e acumulação de saber sempre renovado e sempre capaz de ser modificado até nos fundamentos. Este é o significado da máxima latina com a qual Kant definiu o Iluminismo na sua resposta à polêmica de 1784 [...] ‘sapere aude’ – ‘ousa saber’, isto é ‘ousa servir- te do teu próprio entendimento’, sem imitar ou aceitar passivamente as ideias das autoridades reconhecidas e temidas. Mais do que um convite ao estudo, o lema é uma convocação a independência intelectual diante dos demais, incluindo aí os grandes filósofos; independência diante dos consagrados modos de ver o mundo, diante de todo o conhecimento que se apresente como definitivo, diante dos pressupostos em que se assenta o saber, inclusive o saber próprio. Nesse contexto, foram duramente criticadas as práticas do Antigo Regime e suas ideias repercutiram em diversas partes do mundo, tendo influências que são sentidas até os dias atuais nas áreas econômica, científica e política. Os elementos dos governos absolutistas e a influência da religião na sociedade foram duramente criticados pelo Iluminismo. Os ideais iluministas repercutiram em diversos movimentos revolucionários no século XVIII como, por exemplo, a independência dos EUA e a Revolução Francesa. No caso do Brasil, os ideais iluministas estavam presentes na Conjuração Mineira e Baiana. 5.2 OS FILÓSOFOS DO ILUMINISMO No século XVIII, os filósofos foram profundamente influenciados pelos avanços científicos e aplicaram suas metodologias para análise e compreensão das estruturas sociais e instituições políticas dominantes na área econômica e política. Em 1735, foi publicada a obra Cartas Inglesas, por François-Marie Arouet, mais conhecido como Voltaire, que criticava a influência da religião sobre as vidas das pessoas e defendia a liberdade de expressão dos indivíduos na sociedade. De acordo com Amaral (2011, p. 201-202): Voltaire [...] não era liberal como Montesquieu, nem republicano e democrata como Rousseau: passou a vida a criticá-los. Era adepto 71 da Monarquia Absoluta. Mas com uma condição: que o rei ilustrado derramasse os benefícios das ‘luzes’ sobre o povo ainda inculto e fizesse progredir as ciências, as artes e a economia para se alcançar a felicidade na Terra [...]. Por cada crise política e social, no meio da anarquia geral, ‘é preciso que um homem apareça e seja capaz de restabelecer a autoridade do Estado e impor a disciplina sobre a barbárie’. Foi o caso de Henrique IV, Luís o Grande e Luís XIV. ‘A governação não pode ser boa senão através de um poder único’. O pensamento religioso do século XVIII foi fortemente criticado pelos filósofos do Iluminismo, entre eles Voltaire. As críticas para a Igreja Católica se devem ao fanatismo, à intolerância religiosa e às superstições que impossibilitavam a sociedade se desenvolver de forma racional. Dessa forma, Voltaire acreditava que a religião tinha um papel importante nos problemas sociais e a razão deveria substituir os dogmas religiosos. A intolerância religiosa era vista como a principal motivadora das guerras que aconteciam no continente europeu e suas consequências eram extremamente destrutivas para seus países. Entretanto, mesmo criticando a Igreja, Voltaire e alguns filósofos iluministas acreditavam na existência de algo divino e devido a isso ficaram conhecidos como filósofos deístas. Mas, para esses intelectuais, a força divina era onisciente e manifestava-se em toda a natureza. Figura 17: Voltaire Fonte: Wikipedia. Disponível em: https://bit.ly/3lfLDbK. Acessado em 30 de maio de 2021às 16h44. Em 1748, foi publicada a obra O Espírito das Leis, por Charles-Louis de Secondat, mais conhecido como barão de Montesquieu, que acreditava que a https://bit.ly/3lfLDbK 72 religião e a política não podem ser tratadas como algo único. Montesquieu defendia ainda a divisão dos poderes de um Estado em três (legislativo, judiciário e executivo). Montesquieu acreditava que o Regime Absolutista era violento e corrupto, fazendo com que a sociedade não tivessetransformação e mantinha a pobreza para grande parte da comunidade. Ao defender a divisão em três poderes, acreditava que o exercício desses poderes não poderia ser de uma única pessoa, pois isso evitaria o abuso de poder. Dessa forma, percebe-se que Montesquieu defendia uma forma mais equilibrada de Estado, no qual um poder poderia controlar o outro e manteria a sociedade equilibrada. De acordo com Montesquieu (1962, p. 168): A liberdade política, em um cidadão, é esta tranquilidade de espírito que provém da opinião que cada um tem sobre a sua segurança; e para que se tenha essa liberdade é preciso que o governo seja tal que um cidadão não possa temer outro cidadão. [...] Tudo estaria perdido se o mesmo homem ou o mesmo corpo dos principais ou dos nobres, ou do povo, exercesse esses três poderes: o de fazer as leis, o de executar as resoluções públicas, e o de julgar os crimes ou as divergências dos indivíduos. (MONTESQUIEU, 1962, p. 168) Figura 18: Montesquieu Fonte: InfoEscola. Disponível em https://bit.ly/3oROABJ. Acessado em 30 de maio de 2021 às 16h46. https://bit.ly/3oROABJ 73 Já em 1751, Denis Diderot e D’Alembert organizaram a obra conhecida como Enciclopédia que era composta por 28 volumes e abordava diversos assuntos do campo da filosofia, das artes, da política, da economia, da geografia e das ciências. Diversos intelectuais do século XVIII escreveram verbetes para a obra como, os já citados aqui, Voltaire, Montesquieu e Rousseau. Figura 19: Diderot e D’Alembert Fonte: Blogspot. Disponível em: https://bit.ly/3Dl2v6W. Acessado em 30 de maio de 2021 às 16h47. A origem da palavra ‘enciclopédia’ é grega e significava ‘conhecimento em cadeira’. Os verbetes escritos para essa organização eram baseados nos princípios da racionalidade e expunham os principais ideais da burguesia em ascensão política. De acordo com Fortes (1985, p. 50): Difícil é dar uma ideia de conteúdo do variado conjunto de textos que compõem a Enciclopédia. O que podemos dizer é que ai encontramos, sem duvidas [...] as ideias principais da burguesia do século XVIII. [...] Nela podemos contemplar as principais ideias e teses políticas e filosóficas pelas quais a maioria dos livres-pensadores e homens de letras do século se batem. A Enciclopédia circulou entre a população francesa nas décadas de 1750 a 1770. Seus ideais estavam amplamente difundidos nas classes sociais e serviram como sustentação das críticas que levariam à Revolução Francesa. De acordo com https://bit.ly/3Dl2v6W 74 Darnton (1996, p. 17-18): [...] é importante salientar um fato fundamental que se tornou evidente para as autoridades francesas tão logo o primeiro volume da primeira edição chegou às mãos dos assinantes: a obra era perigosa. Não se tratava meramente de uma coleção, em ordem alfabética, de informações a respeito de tudo; a obra registrava o conhecimento segundo os princípios filosóficos expostos por D’Alembert no Discurso Preliminar. Embora reconhecesse formalmente a autoridade da Igreja, D’Alembert deixava claro que o conhecimento provinha dos sentidos, e não de Roma ou da Revelação. O grande agente ordenador era a razão, que combinava as informações dos sentidos, trabalhando com as faculdades irmãs, memória e imaginação. Assim, tudo o que o homem conhecia derivava do mundo que o cercava e do funcionamento de sua própria mente. Em 1762, foi publicada a obra Do Contrato Social por Jean-Jacques Rousseau, que defendia que para os cidadãos terem liberdade deveriam abrir mãos dos seus direitos individuais em prol da sociedade, onde teríamos os chamados direitos coletivos. Ele acreditava que dessa forma as pessoas poderiam manter suas liberdades e proteger a sociedade dos maus governantes. Rousseau afirmava que o poder emanava do povo e somente alguém habilitado pela sua comunidade poderia exercer o poder. Figura 20: Rousseau Fonte: Wikipedia. Disponível em: https://bit.ly/2WLpcle. Acessado em 30 de maio de 2021 às 16h49. Rousseau acreditava que a sociedade corrompia o ser humano, pois https://bit.ly/2WLpcle 75 todos nasciam bons. A sociedade primitiva, de acordo com Rousseau, era uma sociedade perfeita, pois viviam pelas leis da natureza e era igualitária, não havendo desigualdade social e todos tinham o necessário para a sobrevivência. Para Rousseau (1979, p. 259): O verdadeiro fundador da sociedade civil foi o primeiro que, tendo cercado um terreno, lembrou-se de dizer isto é meu [...] Quantos crimes, guerras, assassínios, misérias e horrores não pouparia ao gênero humano aquele que arrancando as estacas ou enchendo o fosso, tivesse gritado a seus semelhantes: ‘Defendei-vos de ouvir esse impostor; estareis perdidos se esquecerdes que os frutos são de todos e que a terra não pertence a ninguém!’. Segundo Rousseau, a desigualdade foi derivada dos avanços econômicos e da propriedade privada. Com esses dois itens, a sociedade humana começou a estragar devido as ambições pessoais que se sobressaiam ao coletivo e permitia a corrupção do ser humano. De acordo com Rousseau (1979, p. 260): Em relação às moléstias, não repetirei as vãs e falsas declamações feitas contra a medicina pela maior parte das pessoas de saúde; perguntarei, porém, se há alguma observação sólida da qual se possa concluir que, nos países em que essa arte é mais descurada, a vida média do homem é mais curta do que naqueles em que é cultivada com mais cuidado. E como poderia ser assim, se os remédios que a medicina nos fornece são insuficientes para os males que temos? A extrema desigualdade na maneira de viver, o excesso de ociosidade de uns, o excesso de trabalho de outros, a facilidade de irritar e satisfazer nossos apetites e nossa sensualidade, os alimentos muito requintados dos ricos, que os nutrem com sucos excitantes e os afligem com indigestões, a má nutrição dos pobres, que chega muitas vezes a faltar-lhes, obrigando-os a sobrecarregar avidamente o estômago quando podem [...] eis os funestos fiadores de que a maior parte de nossos males é nossa própria obra e de que poderíamos evita-los a todos conservando a maneira de viver simples [...]. Diferente de Montesquieu e Voltaire, Rousseau era extremamente crítico à monarquia e defensor da República, para ele, a única forma de Estado em que cada pessoa teria seu direito de cidadania respeitado. O voto deveria ser a forma ideal para o povo escolher sua forma de governo e seu representante. De acordo com Rousseau (1973, p. 94-95): Os melhores reis querem ser maus, caso lhes agrade, sem deixar de ser senhores. Será grato a um pregador político dizer-lhes que, sendo sua força a do povo, seu maior interesse estará em ver o povo florescente, numeroso, temível: eles sabem muito bem que isso não é verdade. O seu interesse pessoal estará principalmente em ser o 76 povo fraco, miserável, e nunca possa oferecer-lhes resistência. (ROUSSEAU, 1973, p. 94-95.) Comparado com outros filósofos do iluminismo, Rousseau foi uma voz solitária ao defender a República, pois muitos intelectuais acreditavam que a monarquia deveria ser apenas reformada assim como o restante da sociedade. 5.3 O ILUMINISMO E A ECONOMIA Diversos intelectuais do Iluminismo criticavam as práticas mercantilistas que eram amplamente utilizadas pelos regimes absolutistas, um desses grupos de pensadores eram os fisiocratas. Os fisiocratas acreditavam que a riqueza dos países não deveria ser calculada pelo acúmulo de metais preciosos que era possuído pelo Estado, mas pela quantidade e qualidade dos bens e serviços à disposição da população de cada país. Eles acreditavam que a verdadeira riqueza para a sociedade era derivadada natureza, sendo a agricultura a principal fonte de uma economia. O Estado não poderia interferir no mercado, de acordo com os fisiocratas, mas defendiam a auto regulação da economia, ou seja, suas próprias leis. Eles acreditavam que o Estado deveria apenas zelar pelo bem estar da nação, a ordem e a defesa pública para garantir seu desenvolvimento. Caso queira conhecer o livro O Contrato Social ele encontra-se disponível em. https://bit.ly/3oIXAch. Acesso em: dia mês ano. https://bit.ly/3oIXAch 77 Essa forma de pensar a economia recebeu o nome de liberalismo econômico e teve como um dos seus principais representantes o pensador Adam Smith. De acordo com seus ideais, Quando a quantidade de qualquer mercadoria que é trazida ao mercado está aquém da demanda efetiva, todos os que estão dispostos a pagar todo o valor da renda, salário e lucro, que devem ser pagos para que elas sejam trazidas, não poderão ser supridos com a quantidade que desejam. Além de apenas deseja-la, alguns estarão dispostos a dar mais por elas. [...] Quando a quantidade trazida ao mercado excede a demanda efetiva, ela não pode ser toda vendida àqueles que estão dispostos a pagar todo o valor da renda, salários e lucro, que devem ser pagos para trazê-las. Uma parte deve ser vendida àqueles que desejam pagar menos, e o baixo preço que eles dão por ela deve reduzir o preço do todo (SMITH, 2017, p. 56). Dessa forma, percebemos que para Adam Smith as relações comerciais devam ser regularizadas pelo mercado e por meio da oferta e da procura: quando há muitas pessoas desejando o mesmo produto, seu preço deveria subir; quando um produto tem menos pessoas buscando comprá-la, seu preço deveria cair. O preço fixo, de acordo com Smith, impediria o trabalho individual e atrapalharia o desenvolvimento econômico. 5.4 DESPOTISMO ESCLARECIDO No século XVIII, alguns monarcas europeus adotaram uma forma de governo que misturava as práticas do regime absolutistas com alguns ideais defendidos pelo Iluminismo, essa forma de governo ficou conhecido como despotismo esclarecido. De acordo com Silva (2007, p. 304): A expressão déspota esclarecido é empregada [...] com o significado de governante que exerce o poder de forma absolutista, discricionária, arbitrária, que concentra, em sua órbita decisória, além das atribuições executivas, também, as legislativas, exercendo forte influência no âmbito judiciário, de vez que governa com o autoatribuído poder divino de governar, e, como tal, teoricamente, sancionado pelas elites e pelo povo; por este motivo suas decisões, em todos os âmbitos, são a verdade final e indiscutível; ele não pode errar, já que atua por um dom divino; não admite oposição e estar contra ele, nesta concepção autoritária de governo, significa estar contra a nação, de vez que o déspota personifica o Estado, a nação, o povo. Os esclarecidos foram aqueles governantes despóticos tidos (autoatribuídos) como detentores de saberes e que agiam, supostamente – e apenas segundo sua vontade e seu 78 julgamento – voltados para o bem do Estado e do povo, conforme sua concepção de bem. Entre algumas medidas adotadas por esses monarcas estavam reformas no campo religioso, político, social e econômico como, por exemplo, melhorar as formas de tributação, combater a corrupção e os privilégios da nobreza e do clero, incentivo ao desenvolvimento industrial, comercial e agrícola e a abolição da servidão entre a população. Na Espanha, o rei Carlos III, ocorreu um incentivo ao mercado interno e vários monopólios mercantis foram abolidos, mas o monarca ficou extremamente conhecido por criar uma rede de educação pública. Em Portugal, com Dom José I, atividades semelhantes com a da Espanha aconteceram devido a atuação de seu ministro Marquês de Pombal. Além disso, ocorreu a perda de privilégios da nobreza e, também como na Espanha, os jesuítas foram expulsos dos territórios sobre sua administração, e a própria Inquisição, principal instituição católica desde a Contrarreforma, teve seus poderes limitados. Em relação ao Brasil, Marquês de Pombal tomou importantes medidas buscando melhorias nas economias de Portugal como, por exemplo, aumentou o monopólio comercial entre a metrópole e a colônia; transferência a capital do Brasil de Salvador para o Rio de Janeiro (1763); e criou companhias para o transporte e comercialização de escravizados para as diversas províncias do Brasil. Figura 21:Marquês de Pombal Fonte: Wikipedia. Disponível em: https://bit.ly/3Aj5zyP. Acessado em 30 de maio de 2021 às 17h12. https://bit.ly/3Aj5zyP 79 Na Rússia, Catarina II buscou modernizar a administração pública, reformou a cidade de São Petersburgo, na época capital do Império, tomou terras da Igreja Ortodoxa e buscou construir hospitais e escolas para a população do reino. Apesar dessas medidas, a nobreza continuou tendo privilégio sobre as terras na Rússia. Catarina II teve forte contato com os pensadores iluministas Voltaire, D’Alembert e Diderot. Entre 1740 a 1786, a Prússia, região da Alemanha, foi administrada por Francisco II que buscou a modernização da economia e chegou a escrever alguns textos inspirados nos ideais Iluministas. Figura 22: Frederico II da Prússia Fonte: Wikipedia. Disponível em https://bit.ly/3abGJpZ. Acessado em 30 de maio de 2021 às 17h14 5.5 AS CONSEQUÊNCIAS DO ILUMINISMO O mundo atual foi moldado com vários princípios dos ideais do Iluminismo do século XVIII. De acordo com Falcon (1991, p. 06-07): Para o mundo de hoje o Iluminismo é algo bastante presente, tanto que é capaz de produzir debates e tomadas de posição de mais variados tipos. Enquanto para os historiadores a palavra Iluminismo remete à noção de um movimento intelectual ocorrido na Europa do século XVIII – o https://bit.ly/3abGJpZ 80 ‘século das Luzes’ [...] – para nós, hoje, o Iluminismo reveste-se de muitas outras significações. Podemos, por exemplo tentar compreender, o Iluminismo como culminação de um processo, ou como um começo. Enquanto ponto de chegada, o Iluminismo aparece como o clímax de uma trajetória cujos começos se identificam com o Renascimento, mas que só alça voo realmente com a Revolução Científica do século XVII. Considerado como um ponto de partida, o Iluminismo passa a constituir o primeiro momento de uma aventura intelectual que também é nossa. [...] Somente hoje, de fato, de uma forma ou de outra herdeiros do Iluminismo. E o somos em escala bem mais significativa do que muitos parece dispostos a reconhecer ou assumir; pois, quer como estilo de pensamento, quer como realidade política, o fato é que o Iluminismo ainda vive. Já para Rouanet (1987, p. 26-27), a Ilustração (o Iluminismo) está em crise no mundo contemporâneo Teria ainda a Ilustração forças para influenciar o nosso presente? Seu legado ainda existe, mas está em crise. Sua bandeira mais alta, a da razão, está sendo contestada. Sua fé na ciência é denunciada como uma ingenuidade perigosa, que estimulou a destrutividade humana e criou novas formas de dominação, em vez de promover a felicidade universal. [...] Essas críticas não são de todo falsas, mas são unilaterais. A Ilustração foi, apesar de tudo, a proposta mais generosa de emancipação jamais oferecida ao gênero humano. Ela acenou livre de tirania e da superstição. Propôs ideais de paz e tolerância [...]. Seu ideal de ciência era o de um saber posto a serviço do homem, e não o de um saber cego [...] Sua moral era livre [...] pregando uma ordem em que o cidadão não fosse oprimido pelo Estado, o fiel não fosse oprimido pela religião, e a mulher não fosse oprimida pelo homem. [...] Esses temas são importantes e correspondem de perto àsexigências contemporâneas. O Iluminismo, como já falado, foi responsável por importantes movimentos históricos posteriores como a independência dos EUA, a independência das colônias Espanholas e do Brasil e a Revolução Francesa que impactou fortemente a Europa no final do século XVIII. No campo político, as formas representativas de governo baseadas nos ideais de Montesquieu, da divisão de três poderes, são exercidas na maioria dos países do mundo. Os representantes são escolhidos por meio do voto, assim como defendia Rousseau. No campo econômico, os ideais dos fisiocratas ajudaram a desenvolver o pensamento liberal que tem como base o livre mercado, a livre concorrência e a defesa da não intervenção do Estado na Economia. No campo religioso, na maioria dos países do mundo ocidental existe a 81 separação de poderes da Igreja e do Estado, ou seja, existe uma sociedade laica. No campo científico, o pensamento iluminista permitiu avanços tecnológicos e científicos que perduram até os dias de hoje. Após o século XVIII, a ciência deveria ajudar a promover o desenvolvimento da sociedade por meio do progresso e melhorar a vida da população. Pensamento que esteve presente fortemente no século XIX, como veremos em História Contemporânea. 82 FIXANDO CONTEÚDO 1. (UFF 2010) O escritor e filósofo francês Voltaire, que viveu no século XVIII, é considerado um dos grandes pensadores do Iluminismo ou Século das Luzes. Ele afirma o seguinte sobre a importância de manter acesa a chama da razão: “Vejo que hoje, neste século que é a aurora da razão, ainda renascem algumas cabeças da hidra do fanatismo. Parece que seu veneno é menos mortífero e que suas goelas são menos devoradoras. Mas o monstro ainda subsiste e todo aquele que buscar a verdade arriscar-se-á a ser perseguido. Deve-se permanecer ocioso nas trevas? Ou deve-se acender um archote onde a inveja e a calúnia reacenderão suas tochas? No que me tange, acredito que a verdade não deve mais se esconder diante dos monstros e que não devemos abster-nos do alimento com medo de sermos envenenados”. Identifique a opção que melhor expressa esse pensamento de Voltaire: a) Aquele que se pauta pela razão e pela verdade não é um sábio, pois corre um risco desnecessário. b) A razão é impotente diante do fanatismo, pois esse sempre se impõe sobre os seres humanos. c) Aquele que se orienta pela razão e pela verdade deve munir-se da coragem para enfrentar o obscurantismo e o fanatismo. d) O fanatismo e o obscurantismo são coisas do passado e por isso a razão não precisa mais estar alerta. e) A razão envenena o espírito humano com o fanatismo. 2. (UFPR 2010) A respeito do iluminismo, movimento filosófico que se difundiu pela Europa ao longo do século XVIII, considere as seguintes afirmativas: 1) Muitos filósofos franceses, entre eles Montesquieu, Voltaire e Diderot, foram leitores, admiradores e divulgadores da filosofia política produzida pelos ingleses, como John Locke com sua crítica ao absolutismo. 2) Quanto à organização do Estado, os filósofos iluministas não eram contra a monarquia, mas contra as ideias de que o poder monárquico fora constituído pelo direito divino e de que ele não poderia ser submetido a nenhum freio. 83 3) A descoberta da perspectiva e a valorização de temas religiosos marcaram as expressões artísticas durante o iluminismo. 4) Em Portugal, o pensamento iluminista recebeu grande impulso das descobertas marítimas. Assinale a alternativa correta. a) Somente a afirmativa 1 é verdadeira. b) Somente as afirmativas 1 e 2 são verdadeiras. c) Somente as afirmativas 1, 2 e 4 são verdadeiras. d) Somente as afirmativas 3 e 4 são verdadeiras. e) Somente as afirmativas 2, 3 e 4 são verdadeiras. 3. (Enem 2013) “Os produtos e seu consumo constituem a meta declarada do empreendimento tecnológico. Essa meta foi proposta pela primeira vez no início da Modernidade, como expectativa de que o homem poderia dominar a natureza. No entanto, essa expectativa, convertida em programa anunciado por pensadores como Descartes e Bacon e impulsionado pelo Iluminismo, não surgiu “de um prazer de poder”, “de um mero imperialismo humano”, mas da aspiração de libertar o homem e de enriquecer sua vida, física e culturalmente.” (CUPANI, A. A tecnologia como problema filosófico: três enfoques. Scientiae Studia, São Paulo, v. 2, n. 4, 2004 (adaptado)). Autores da filosofia moderna, notadamente Descartes e Bacon, e o projeto iluminista concebem a ciência como uma forma de saber que almeja libertar o homem das intempéries da natureza. Nesse contexto, a investigação científica consiste em: a) expor a essência da verdade e resolver definitivamente as disputas teóricas ainda existentes. b) oferecer a última palavra acerca das coisas que existem e ocupar o lugar que outrora foi da filosofia. c) ser a expressão da razão e servir de modelo para outras áreas do saber que almejam o progresso. d) explicitar as leis gerais que permitem interpretar a natureza e eliminar os discursos éticos e religiosos. 84 e) explicar a dinâmica presente entre os fenômenos naturais e impor limites aos debates acadêmicos. 4. (Enem 2017) Fala-se muito nos dias de hoje em direitos do homem. Pois bem: foi no século XVIII — em 1789, precisamente — que uma Assembleia Constituinte produziu e proclamou em Paris a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. Essa Declaração se impôs como necessária para um grupo de revolucionários, por ter sido preparada por uma mudança no plano das ideias e das mentalidades: o Iluminismo. (FORTES, L. R. S. O Iluminismo e os reis filósofos. São Paulo: Brasiliense, 1981 (adaptado)). Correlacionando temporalidades históricas, o texto apresenta uma concepção de pensamento que tem como uma de suas bases a: a) modernização da educação escolar. b) atualização da disciplina moral cristã. c) divulgação de costumes aristocráticos. d) socialização do conhecimento científico. e) universalização do princípio da igualdade civil. 5. (CESGRANRIO) O movimento conhecido como Ilustração ou Iluminismo marcou uma revolução intelectual, ocorrida na sociedade europeia ao longo do século XVIII. O Iluminismo, em seu âmbito intelectual, expressou a: a) negação do humanismo renascentista baseado no experimentalismo, na física e na matemática. b) aceitação do dogmatismo católico e da escolástica medieval. c) defesa dos pressupostos políticos e das práticas econômicas do Estado do Antigo Regime. d) consolidação do racionalismo como fundamento do conhecimento humano. e) supremacia da ideia de providência divina para a explicação dos fenômenos naturais. 6. (FUVEST) Sobre o chamado despotismo esclarecido é correto afirmar que a) foi um fenômeno comum a todas as monarquias europeias, tendo por característica a utilização dos princípios do Iluminismo. b) foram os déspotas esclarecidos os responsáveis pela sustentação e difusão das 85 ideias iluministas elaboradas pelos filósofos da época. c) foi uma tentativa bem intencionada, embora fracassada, das monarquias europeias reformarem estruturalmente seus Estados. d) foram os burgueses europeus que convenceram os reis a adotarem o programa de modernização proposto pelos filósofos iluministas. e) foi uma tentativa, mais ou menos bem sucedida, de algumas monarquias reformarem, sem alterá-las, as estruturas vigentes. 7. (UFV) O Marquês de Pombal, ministro do rei D. José I (1750-1777), foi o responsável por uma série de reformas na economia, educação e administração do Estado e do império português, inspiradas na filosofia iluminista e na política econômicado mercantilismo, cabendo a ele a expulsão dos padres jesuítas da Companhia de Jesus dos domínios de Portugal. O Marquês de Pombal foi um dos representantes do chamado: a) Despotismo Esclarecido. b) Socialismo Utópico. c) Socialismo Científico. d) Liberalismo. e) Parlamentarismo Monárquico. 8. (ENEM) “Os produtos e seu consumo constituem a meta declarada do empreendimento tecnológico. Essa meta foi proposta pela primeira vez no início da Modernidade, como expectativa de que o homem poderia dominar a natureza. No entanto, essa expectativa, convertida em programa anunciado por pensadores como Descartes e Bacon e impulsionado pelo Iluminismo, não surgiu “de um prazer de poder”, “de um mero imperialismo humano”, mas da aspiração de libertar o homem e de enriquecer sua vida, física e culturalmente”. (CUPANI, A. A tecnologia como problema filosófico: três enfoques, Scientiae Studia. São Paulo, v. 2 n. 4, 2004 (adaptado)).Autores da filosofia moderna, notadamente Descartes e Bacon, e o projeto iluminista concebem a ciência como uma forma de saber que almeja libertar o homem das intempéries da natureza. Nesse contexto, a investigação científica consiste em: 86 a) expor a essência da verdade e resolver definitivamente as disputas teóricas ainda existentes. b) oferecer a última palavra acerca das coisas que existem e ocupar o lugar que outrora foi da filosofia. c) ser a expressão da razão e servir de modelo para outras áreas do saber que almejam o progresso. d) explicitar as leis gerais que permitem interpretar a natureza e eliminar os discursos éticos e religiosos. e) explicar a dinâmica presente entre os fenômenos naturais e impor limites aos debates acadêmicos. 87 A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL 6.1 INTRODUÇÃO Durante a Idade Média e a Idade Moderna, os produtos manufaturados eram feitos por artesãos em suas corporações. Entre os séculos XVI e XVII, houve uma forte expansão das atividades econômicas e comerciais na Europa e boa parte da produção de manufaturados começou a ser realizada em âmbito doméstico. Ao longo do tempo, a organização do trabalho passou por várias mudanças. No século XV, o modo de produção era artesanal. O trabalhador dominava todas as etapas da produção. Com o aumento da demanda, mais pessoas começaram a participar na produção e com o seu crescimento, as oficinas ajudaram no desenvolvimento das manufaturas no qual ampliaram o controle dos empresários sobre o trabalhador. Ao longo do século XVIII, grandes inovações tecnológicas foram realizadas na Inglaterra como, por exemplo, a criação da máquina de fiar, a máquina a vapor e outros. Essas mudanças causaram severas transformações na rotina de trabalho e deram origens ao processo conhecido como Revolução Industrial. E por que consideramos ela um processo de Revolução? De acordo com Fernandes (1981, p. 01): A palavra ‘revolução’ encontra empregos correntes para designar alterações contínuas ou súbitas que ocorrem na natureza ou na cultura (coisas que devemos deixar de lado e que os dicionários registram satisfatoriamente). No essencial, porém, há pouca confusão quanto ao seu significado central: mesmo na linguagem de senso comum, sabe-se que a palavra se aplica para designar mudanças drásticas e violentas da estrutura da sociedade. Daí o contraste frequente de ‘mudança gradual’ e ‘mudança revolucionária’ que sublinha o teor da revolução como uma mudança que ‘mexe nas estruturas’, que subverte a ordem social imperante na sociedade. Além de alterar as formas e organização do trabalho, ela mudou completamente a vida das pessoas em sociedade. De acordo com Perry (2002, p. 352): Erro! Fonte de referênci a não encontra da. 88 No final do século XVIII, enquanto a revolução pela liberdade e igualdade acontecia na França e se propagava por toda a Europa, um tipo diferente de revolução, a revolução na indústria, transformava a vida. No século XIX, a Revolução Industrial difundiu-se pelos Estados Unidos e pelo continente europeu. [...] Novas formas de energia, particularmente o vapor, substituíram a força animal e os músculos humanos. Descobriram-se maneiras melhores de obtenção e utilização de matérias-primas, e implantou- se uma nova forma de organizar a produção e os trabalhadores – a fábrica. No século XIX, a tecnologia avançou [...] com um ímpeto sem precedente na história humana. A explosão resultante na produção e produtividade econômicas transformou a sociedade com uma velocidade surpreendente. No sistema industrial, a produção é dividida em etapas e cada trabalhador especializa-se em uma dessas etapas. A divisão em fases na produção possibilitou o aumento da produção. 6.2 O PIONEIRISMO INGLÊS Entre um dos principais motivos para que ocorresse o pioneirismo da Inglaterra no processo de industrialização estava o acúmulo de capitais. No século XVI, as colônias da América e da África permitiram a acumulação de capitais pela burguesia inglesa, fora a conseguida pelas relações mercantis com outros países europeus. No século XVIII, com o desenvolvimento de sua marinha, a Inglaterra transformou-se numa importante potência militar. Entre algumas medidas adotadas pelo governo inglês para favorecer a burguesia estava a diminuição das taxas de juros para os empréstimos com bancos e o estímulo de investimentos em vários setores comerciais. Desta forma, a burguesia conseguiu uma grande quantidade de capital que pode ser utilizado para a implantação das primeiras fábricas e com elas criando o processo de industrialização. Além disso, o processo conhecido como cercamentos de terras comunais, que ocorreu entre os séculos XVI e XVIII, permitiu que a burguesia inglesa se tornasse uma grande proprietária de terras. Esses territórios passaram a ser utilizados para atividades comerciais como, por exemplo, criação de animais, principalmente pastagens de carneiros. As lãs retiradas desses animais foram a matéria-prima principal da industrial têxtil que começava a se desenvolver. Romero (1991, p. 12) assinala que: 89 Braudel [...] nos explica que não foram as populações estritamente agrícolas que forneceram a mão de obra barata para a Revolução Industrial, mas si aquelas populações de regiões pobres de agricultura decadente. Segundo ele, as novas culturas forrageiras, que caracterizam o novo sistema de cultura, exigem solos leves (arenosos), o que transforma as regiões que os contém em terras ricas da Inglaterra. Por outro lado, as regiões de solos pesados (argilosos), até então consideradas as melhores para o cultivo de cereais, pouco adaptáveis às culturas de forrageiras, são condenadas pela baixa do preço do trigo provocada pelos altos rendimentos obtidos com o novo sistema nas regiões de solos leves. Estas regiões que se tornam desfavorecidas vão procurar se reequilibrar sobretudo através da indústria artesanal rural [...] A partir do momento que a manufatura capitalista urbana se afirma (final do século XVIII) este artesanato será destruído, liberando a mão de obra, composta de pequenos artesão e de um proletariado mais ou menos habituado às atividades artesanais, que irá se constituir no ‘exército industrial de reserva’, à disposição do capital. Devido ao cercamento, famílias camponesas começaram a mudar para as cidades em busca de trabalho e, devido a não existência de trabalhos para todos, aumentou-se consideravelmente o desemprego.O alto desemprego gerou uma situação em que as pessoas aceitavam qualquer trabalho por baixos salários. Aproveitando-se disso, a burguesia começou a contratar essas pessoas com salários miseráveis e condições degradantes para trabalhar. Essas pessoas aceitavam essas condições para sobreviver emantinham-se em longas jornadas de trabalho. De acordo com Hobsbawm (2006, p. 54): As condições adequadas estavam visivelmente presentes na Grã- Bretanha, onde mais de um século se passara desde que o primeiro rei tinha sido formalmente julgado e executado pelo povo e desde que o lucro privado e o desenvolvimento econômico tinham sido aceitos como os supremos objetivos da política governamental. A solução britânica do problema agrário, singularmente revolucionária, já tinha sido encontrada na prática. Uma relativa quantidade de proprietários com espírito comercial já quase monopolizava a terra, que era cultivada por arrendatários empregando camponeses sem terra ou pequenos agricultores. Um bocado de resquícios, verdadeiras relíquias da antiga economia coletiva do interior, ainda estava para ser removido pelos Decretos de Cerca (Enclosure Acts).[...] As atividades agrícolas já estavam predominantemente dirigidas para o mercado; as manufaturas há muito tinham disseminado por um interior não feudal. Vale ressaltar que outro fator importante para o desenvolvimento industrial inglês foi os recursos naturais disponíveis nas ilhas britânicas: ferro e carvão. O carvão foi a principal fonte de energia nessa primeira etapa da industrialização e o ferro era fortemente utilizado na indústria locomotiva, ferrovias e máquinas em 90 geral. 6.3 AS MUDANÇAS SOCIAIS A sociedade inglesa passou por diversas transformações devido aos processos de industrialização e urbanização que caminharam juntos desde o início da mecanização das fábricas. As relações de trabalho passaram por profundas transformações. Por exemplo, houve a mudança de condições das pessoas, os artesãos que antes possuíam os instrumentos e matérias-primas para a confecção dos produtos precisaram vender sua força de trabalho para os donos de fábricas e tornaram-se trabalhadores assalariados. Dessa forma, a produção doméstica foi diminuindo e o artesão perdeu sua autonomia. Essa mudança não aconteceu de forma acelerada, até meados do século XIX havia muitas produções domésticas artesanais ainda, mas sua importância econômica diminuiu drasticamente comparada a produção industrial. Para acelerar a produção das mercadorias nas fábricas, começou o trabalhador a ser submetido a uma disciplina, criando uma rotina única e monótona no ritmo de produção. Ocorreu uma divisão de trabalho e a industrialização aumentou os rendimentos de capitais para a burguesia, mas o trabalhador continuava sem valorização e com atividades cada vez mais simplificadas nas fábricas. Isso resultava em baixos salários e condições de trabalhos péssimas para a sobrevivência. Os trabalhadores tinham condições de vida péssimas e os salários não possibilitaram melhorias de vida, muitos moravam em residências precárias ou cedidas pelas fábricas que trabalhavam. O custo da locomoção era alto e poucos conseguiram morar em bairros afastados das fábricas. Convivendo diariamente com as fábricas e sua poluição, muitos trabalhadores começaram a adquirir algumas doenças como, por exemplo, as respiratórias e cardiovasculares. Na obra Fábricas e homens, Decca e Meneguello (1999, p. 59) trazem relatos da rotina de um trabalhador fabril https://bit.ly/3abVwAT 91 Íamos para o trabalho às seis da manhã sem nada para comer e sem fogo para nos aquecer. Por cerca de um ano nós nunca paramos para café da manhã. O café da manhã era trazido para a fábrica em canecas de lata em grandes bandejas. Era leite, mingau e bolo de aveia. Eles traziam isso, e cada um pegava uma lata e tomava seu café como podia, sem parar de trabalhar. Fazíamos uma parada ao meio dia, e tínhamos uma hora para o almoço, mas tínhamos que fazer a faxina durante aquela hora. Levávamos cerca de meia hora para limpar e colocar óleo nas máquinas. Então íamos comer o almoço, que cinco dias por semana era torta de batata. A vida dos trabalhadores das fábricas era extremamente desgastante e cansativa. Não havia naquela época férias e trabalhavam por volta de 16h por dia. As fábricas eram lugares úmidos, escuros e com pouquíssima ventilação. O proletariado tinha sempre um vigia para ver se estavam realmente trabalhando e era comum acidentes de trabalho. Quando acontecia algum acidente, o trabalhador não tinha nenhum direito. No século XIX, metade dos trabalhadores fabris eram mulheres. Elas não possuíam nenhum direito à licença-maternidade e recebiam salários mais baixos que os dos homens. Muitas mulheres começaram a levar as crianças desde cedo ao trabalho de fábrica, devido muitos não terem acesso à educação e não possuírem com quem deixar os filhos. Por volta dos nove anos, as crianças começavam a trabalhar em jornadas de 10 a 12 horas diárias e recebiam pouco. Era mais comum acidentes de trabalhos envolvendo crianças do que os adultos. Thompson (1987, p. 209-210) assinala que: O trabalho infantil não era uma novidade. A criança era parte intrínseca da economia industrial e agrícola [...] conforme declarou uma das testemunhas do Comitê de Sadler. [...] ‘Vi algumas crianças correndo para a fábrica, com lágrimas nos olhos, levando um pedaço de pão nas mãos, seu único alimento até o meio-dia; chorando por meio de estarem muito atrasadas’ [...] o dia realmente começava desta forma para muitas crianças, e o trabalho não terminava antes das setes ou oito horas da noite. No final da jornada, elas já estavam chorando ou adormecidas em pé [...] Seus pais davam-lhe palmadas para mantê-las acordadas, enquanto os contramestres rondavam com correias. Nas fábricas rurais, dependente de energia hidráulica, eram comuns os turnos à noite ou as jornadas de quatorze a dezesseis horas diárias, em épocas de muito trabalho. De acordo com a Organização Internacional do Trabalho (2001, p. 29): Entre 1780 e 1840, período em que as transformações na produção estavam 92 em curso, com a introdução do sistema de fábrica, crianças trabalhavam nas minas de carvão e nas fábricas, “quase todas doentias, franzinas, frágeis, além de andarem descalças e malvestidas. Muitas não aparentavam ter mais de 7 anos’, escreveu um médico, sobre as que trabalhavam em uma fábrica de Manchester. As jornadas eram longas, tanto quando as dos adultos, variando de 12 a 18 horas diárias. Os salários eram muito baixo, apenas um complemente para a pequena renda familiar; e as fábricas, sujas, escuras, malventiladas. Embora o trabalho infantil não fosse novidade já nessa época, segundo Thompson [...] a diferença entre o que era antes realizado, no âmbito familiar e o sistema fabril, é que este último herdou as piores feições do sistema doméstico, numa situação em que não existiam as compensações do lar, utilizando o trabalho de crianças pobres, explorando-as com brutalidade tenaz. Em busca de maiores lucratividade na fábrica, a burguesia buscou organizar o sistema de produção fabril para acelerar o ritmo de produção e diminuir os custos. A rotina era rígida para os trabalhadores fabris e em sua organização ocorria a especialização do trabalho. Antes um artesão conhecia todas as etapas da produção, nas fábricas o operário se especializava em apenas uma etapa no processo de fabricação das mercadorias. A respeito do trabalho fabril, Smith (1996, p. 60-61) assinalava que: Um homem estica o arame, outro o endireita, um terceiro corta-o, um quarto o aponta, um quinto o achata na extremidade e que ficará a cabeça, para fazer a cabeça são necessárias duas ou três operações diferentes; fabricá-lo é uma tarefa peculiar; branqueá-lo é outra; é uma verdadeira arte, também espetá-los no papel.... Vi pequenas fábricas dessas onde trabalhavam apenas dez homens, alguns deles realizando duas ou três operações diferentes. Esses homens podiam, quandose esforçavam, fabricar cerca de cinco quilos de alfinetes em um dia. Em um quilo de alfinetes há uns oito mil alfinetes de tamanho médio. Essas dez pessoas, portanto, poderia ao todo produzir cerca de oito mil alfinetes em um dia... Mas se trabalhassem separadas e independentemente, com certeza cada qual não produziria vinte, talvez nenhum alfinete por dia. Em oposição ao estilo de vida do trabalho, do outro lado estava a burguesia em constante ascensão social. Os donos das fábricas desfrutavam de luxos e moravam em bairros afastados de suas fábricas. E o cotidiano dessas pessoas não estavam ligadas ao trabalho, mas a divertimento como os serões (reuniões privadas). De acordo com Perrot (1991, p. 210-211): 93 Os serões em família são frequentemente ocupados por jogos de cartas e dados. [...] os serões são um momento privilegiado para a música e o teatro de amadores. Entre amigos, não raro formam-se grupos de instrumentistas ou cantores que se encontram com regularidade, na casa de um ou de outro, principalmente na província, onde as diversões culturais são mais restritivas. É interessante assinalarmos que uma das mudanças sociais mais significativas na sociedade foi a relação do homem com o tempo após a Revolução Industrial. Anteriormente ao processo de industrialização, a vida humana era regida pelo tempo da natureza, estações e épocas de colheita e plantio. Não havia um ritmo cotidiano de trabalho e a vida do trabalhador era baseada em ritmos naturais e em suas tarefas domésticas. Pra e Meneguello (1999, p. 34-35): Antes do aparecimento das fábricas, [...] o relógio não era necessário. Porém, quando as relações de trabalho se transformaram, mudou também a orientação que as pessoas tinham com relação ao tempo. O assalariamento gerou a necessidade de controlar a produtividade, ou seja, de criar uma jornada de trabalho. Simultaneamente, começaram a se difundir os relógios. A mesma perspectiva a respeito do tempo é compartilhada por Thompson (2008, p. 272) que assinala que: Essa medição incorpora uma relação simples. Aqueles que são contratados experienciam uma distinção entre o tempo do empregador e o seu ‘próprio’ tempo. E o empregador deve usar o tempo de sua mão de obra e cuidar para que não seja desperdiçado: o que predomina não é a tarefa, mas o valor do tempo quando reduzido a dinheiro. O tempo agora é moeda: ninguém passa o tempo, e sim o gasta. Dessa forma, percebemos que o ritmo do tempo teve que se adaptar ao ritmo do relógio e da fabricação dos produtos. O tempo teve que ser ritmado pelo trabalho fabril e sofreu uma uniformização. 6.4 O IMPACTO DA INDUSTRIALIZAÇÃO NAS CIDADES Como dito anteriormente, muitos trabalhadores do campo mudaram-se para as cidades. Houve um aumento considerável no número de fábricas existentes na Europa, não apenas de tecidos, mas sapatos, alimentos e outros. Além dos trabalhadores fabris, houve um aumento dos trabalhadores domésticos nas casas da burguesia. 94 As cidades cresciam em ritmo acelerado como as indústrias e vários problemas começaram a acontecer devido à habitação e saúde pública serem precárias (?). Em lugares mais pobres, não havia escoamento de esgoto, sem calçadas e lixos acumulados. Muitas pessoas moravam em uma mesma residência e isso facilitava a propagação de doenças respiratórias oriundas das fábricas. De acordo com Thompson (1987, p. 187): Apesar dos esforços sistemáticos, em larga escala, para alargar as ruas... aumentar e aperfeiçoar a drenagem e a rede de esgotos... nas regiões em que residem as classes mais ricas, nada foi feito para melhorar as condições dos distritos habitados pelos pobres. A locomoção passou por transformações após a industrialização. No século XVIII, devido aos motores a vapor, as formas de locomoção passaram por transformações e criaram novos mecanismos: as ferrovias. Inicialmente, os trilhos das ferrovias eram feitos de madeiras e as ferrovias foram fortemente utilizadas para escoamento de carvão. Posteriormente, os trilhos e as rodas das máquinas a vapor passaram a ser de ferro. As locomotivas mudaram totalmente o transporte pelo mundo, possibilitando maior escoamento de produtos e encurtando as distâncias entre os trajetos. Essas transformações no transporte possibilitaram um aumento considerável no ritmo de chegada das mercadorias e a quantidade total que era escoada. De acordo com Schafer (1997, p. 119-120): Da Inglaterra o sistema ferroviário desdobrou-se rapidamente pela Europa e pelo mundo. A França teve sua primeira ferrovia em 1828, enquanto os Estados Unidos e a Irlanda as tiveram em 1834, a Alemanha em 1835, o Canadá em 1836, a Rússia em 1837, a Itália em 1839, a Espanha em 1848, a Noruega e a Austrália em 1854, a Suécia em 1856 e o Japão em 1872. [...] De todos os sons da Revolução Industrial, os dos trens com o passar do tempo, parecem ter assumido as mais aprazíveis associações sentimentais. A famosa pintura Rain, Steam and Speed (Chuva, Vapor e Velocidade) do pintor J. M. W. Turner (1844), com suas locomotivas avançando diagonalmente em direção ao espectador, foi o primeiro lírico inspirado pela máquina a vapor. Foi também um pintor que captou a mudança que sobreviria na epopeia das estradas de ferro. Em 1920, as principais linhas da Europa (embora não da Inglaterra e da América do Norte) foram sendo eletrificadas, e a mudança é registrada na melancolia das paisagens [...] onde silenciosos trens soprando fumaça desaparecem da vista na distância extrema. 95 Figura 23: Rain, steam and speed de J. M. W Turner (1844) Fonte: Wikipedia. Disponível em: https://bit.ly/3Dg341T. Acessado em 31 de maio de 2021 às 22h46. Além disso, vários problemas ambientais aconteceram na Inglaterra e em outros países industrializados. Em diversos países que passaram pelo processo de industrialização, tiveram um forte desmatamento decorrente da busca de matérias- primas, isso desencadeou uma enorme perda de fauna e flora. Vale assinalar que a poluição causada pelas indústrias trouxeram diversos problemas ao meio ambiente e doenças respiratórias para a população em seu entorno. 6.5 A LUTA DOS TRABALHADORES Devido às condições de trabalho extremamente precárias a que eram submetidos, os trabalhadores começaram a ter contato com os ideais socialistas e anarquistas através de jornais e panfletos. Na obra, A formação da classe operária inglesa, Thompson relata a história de Susannah Wright que foi flagrada vendendo jornais de caráter subversivo, foi presa e mandada a julgamento. Sem condições de https://bit.ly/3Dg341T 96 pagar um advogado, ela realizou a própria defesa. De acordo com o autor ela, Solicitou permissão para se retirar e amamentar o nenê que estava chorando. Foi-lhe concedida, e ficou ausente do Tribunal por vinte minutos. Ao retornar, foi aplaudida e aclamada em altas vozes por milhares de pessoas reunidas, todas a encorajá-la a ter ânimo e perseverar. (THOMPSON, 1987, p. 325-326) Mesmo com apoio da população, Sussanah foi condenada e foi presa, acompanhada do seu nenê durante seis meses (THOMPSON, 1987, p. 326). Jornais e panfletos de caráter socialista e anarquistas criticavam a exploração dos trabalhadores das fábricas e denunciavam as condições de vida do proletariado. Muitos operários, inconformados com o tratamento que recebiam, começaram a organizar greves e motins. No século XIX, surgiu o movimento ludista, que começaram a invadir as fábricas e quebrar os maquinários existentes. Eles encaravam que as máquinas eram os problemas de suas explorações e misérias. Muitas revoltas de trabalhadores estavam relacionadas aos baixos salários que não permitiam a eles teremuma vida digna e manter coisas básicas como alimentos para sua alimentação. O nome do movimento é derivado de Ned Ludd. Os proprietários de fábricas recebiam cartas assinadas por Ludd, mandando que os donos tirassem as máquinas. O governo inglês condenou duramente os ataques e muitos participantes foram mandados para a forca. Mas, o ludismo não ficou restrito à Inglaterra, para Coggiola (2010, p. 16): O ludismo não foi um movimento exclusivamente inglês, tendo-se registrado movimentos semelhantes na Bélgica, na Renânia, na Suíça e na Silésia. O ludismo inglês teve o seu momento culminante no assalto noturno à manufatura de William Cartwright, no condado de York, em abril de 1812. No ano seguinte, na mesma cidade, teve lugar o maior processo contra os ludistas: dos 64 acusados de terem atentado contra a manufatura de Cartwright, treze foram condenados à morte e dois à deportação para as colônias. Apesar da dureza das penas o movimento não amainou, refletindo as péssimas condições de vida dos operários. Finalmente, a generalização da indústria (factory system) e a criação das primeiras trade unions (futuros sindicatos) limitaram as revoltas ludistas, fazendo com que entrassem em declínio em meados do século XIX. Em 1830, um novo movimento de trabalhadores foi criado pela Associação dos Trabalhadores de Londres, que ficou conhecido como cartismo. O novo movimento (?) derivou-se devido uma Carta do Povo, enviado para o Parlamento. Os trabalhadores pediam uma reforma para poderem ter uma maior participação 97 política, mas as reivindicações não foram acatadas. Posteriormente, novas cartas foram enviadas ao Parlamento solicitando a criação de leis trabalhistas. Entretanto, mais uma vez o Parlamento se recusou e isso gerou greves e motins por toda a Inglaterra. Só a partir de 1842, foram conquistados alguns direitos aos trabalhadores como a redução da jornada de trabalho. Aos poucos, os trabalhadores começaram a organizar associações. Inicialmente elas receberam os nomes de trade unions que eram formadas por diferentes profissionais de várias áreas. As trade unions foram as bases das organizações sindicais que surgiram ao longo do século XIX. Sobre a organização dos trabalhadores, Thompson (2008, p. 294) assinala que: A primeira geração de trabalhadores nas fábricas aprendeu com seus mestres a importância do tempo; a segunda, formou seus comitês em prol de menos tempo de trabalho no movimento pela jorna de dez horas; a terceira geração fez greves pelas horas extras ou pelo pagamento de um percentual adicional (1,5%) pelas horas trabalhadas fora do expediente. Eles tinham aceito as categorias de seus empregadores e aprendido a revidar os golpes dentro desses preceitos. Haviam aprendido muito bem a sua lição, a de que tempo é dinheiro. As associações de trabalhadores começaram a reivindicar melhores condições de trabalho. Por volta da década de 1830, as primeiras conquistas dos trabalhadores foram alcançadas. Foi o momento que alcançamos a aprovação e regulamentação do trabalho das crianças, crianças entre 9 e 13 anos poderiam trabalhar 6 horas diárias. Posteriormente, as mulheres conseguiram a redução das jornadas de trabalho e, por volta de 1850, os homens conseguiram sua redução. 98 FIXANDO CONTEÚDO 1. (UFG-2013) Leia as informações a seguir: “Em meados do século XVIII, James Watt patenteou na Inglaterra seu invento, sobre o qual escreveu a seu pai: “O negócio a que me dedico agora se tornou um grande sucesso. A máquina de fogo que eu inventei está funcionando e obtendo uma resposta muito melhor do que qualquer outra que tenha sido inventada até agora”. (Disponível em: https://bit.ly/3FmqmoM. Acesso em: 29 out. 2012.(Adaptado). A revolução histórica relacionada ao texto, a fonte primária de energia utilizada em tal máquina e a consequência ambiental de seu uso são, respectivamente: a) puritana, gás natural e aumento na ocorrência de inversão térmica. b) gloriosa, petróleo e destruição da camada de ozônio. c) gloriosa, carvão mineral e aumento do processo de desgelo das calotas polares. d) industrial, gás natural e redução da umidade atmosférica. e) industrial, carvão mineral e aumento da poluição atmosférica. 2. (Aman-2015) O acúmulo de capitais, a modernização da agricultura, a disponibilidade de mão de obra e de recursos naturais e a força do puritanismo ajudam a explicar o pioneirismo da __________ na Revolução Industrial. (BOULOS Jr, p.421) Das opções abaixo listadas, o país que melhor preenche o espaço acima é: a) Alemanha b) Holanda c) Itália d) Inglaterra e) Espanha 3. (Fuvest) Sobre a inovação tecnológica no sistema fabril na Inglaterra do século XVIII, é correto afirmar que ela: a) foi adotada não somente para promover maior eficácia da produção, como também para realizar a dominação capitalista, à medida que as máquinas https://bit.ly/3FmqmoM 99 submeteram os trabalhadores a formas autoritárias de disciplina e a uma determinada hierarquia. b) ocorreu graças ao investimento em pesquisa tecnológica de ponta, feito pelos industriais que participaram da Revolução Industrial. c) nasceu do apoio dado pelo Estado à pesquisa nas universidades. d) deu-se dentro das fábricas, cujos proprietários estimulavam os operários a desenvolver novas tecnologias. e) foi única e exclusivamente o produto da genialidade de algumas gerações de inventores, tendo sido adotada pelos industriais que estavam interessados em aumentar a produção e, por conseguinte, os lucros. 4. (PUC-Campinas) Dentre as consequências sociais forjadas pela Revolução Industrial pode-se mencionar: a) o desenvolvimento de uma camada social de trabalhadores, que destituídos dos meios de produção, passaram a sobreviver apenas da venda de sua força de trabalho. b) a melhoria das condições de habitação e sobrevivência para o operariado, proporcionada pelo surto de desenvolvimento econômico. c) a ascensão social dos artesãos que reuniram seus capitais e suas ferramentas em oficinas ou domicílios rurais dispersos, aumentando os núcleos domésticos de produção. d) a criação do Banco da Inglaterra, com o objetivo de financiar a monarquia e ser também, uma instituição geradora de empregos. e) o desenvolvimento de indústrias petroquímicas favorecendo a organização do mercado de trabalho, de maneira a assegurar emprego a todos os assalariados. 5. (PUC-Campinas) O novo processo de produção introduzido com a Revolução Industrial, no século XVIII, caracterizou-se pela: a) implantação da indústria doméstica rural em substituição às oficinas. b) realização da produção em grandes unidades fabris e intensa divisão do trabalho. c) mecanização da produção agrícola e consequente fixação do homem à terra. d) facilidade na compra de máquinas pelos artesãos que conseguiam financiamento para isso. 100 e) preocupação em aumentar a produção, respeitando-se o limite da força física do trabalhador. 6. (PUC-Campinas) "O duque de Bridgewater censurava os seus homens por terem voltado tarde depois do almoço; estes se desculparam dizendo que não tinham ouvido a badalada da 1 hora, então o duque modificou o relógio, fazendo-o bater 13 badaladas." Este texto revela um dos aspectos das mudanças oriundas do processo industrial inglês no final do século XVIII e início do século XIX. A partir do conhecimento histórico, pode-se afirmar que: a) os trabalhadores foram beneficiados com a diminuição da jornada de trabalho em relação à época anterior à revolução industrial. b) a racionalização do tempo foi um dos aspectos psicológicos significativos que marcou o desenvolvimento da maquinofatura. c) os empresários de Londres controlavam com mais rigoros horários dos trabalhadores, mas como compensação forneciam remuneração por produtividade para os pontuais. d) as fábricas, de modo em geral, tinham pouco controle sobre o horário de trabalho dos operários, haja vista as dificuldades de registro e a imprecisão dos relógios naquele contexto. e) os industriais criaram leis que protegiam os trabalhadores que cumpriam corretamente o horário de trabalho. 7. (PUC-SP) Para o processo de industrialização na Inglaterra do século XVIII, foi decisivo (a): a) a relação colonial, mantida com a Índia e a América do Norte, que possibilitou um grande acúmulo de recursos financeiros. b) o estímulo ao desenvolvimento inglês, promovido pela concorrência tecnológica com os americanos. c) a união dos interesses nacionais em torno de um esforço de desenvolvimento, logo após a expulsão das tropas napoleônicas do território inglês. d) o incentivo à inovação tecnológica como resultado da ação dos ludistas que destruíram as máquinas consideradas obsoletas. 101 e) o acordo comercial conhecido por Tratado de Methuen, que estabeleceu a abertura de mercados alemães. 8. (Enem) A Segunda Revolução Industrial, no final do século XIX e início do século XX, nos EUA, período em que a eletricidade passou gradativamente a fazer parte do cotidiano das cidades e a alimentar os motores das fábricas, caracterizou-se pela administração científica do trabalho e pela produção em série. (MERLO, A. R. C.; LAPIS, N. L. A saúde e os processos de trabalho no capitalismo: reflexões na interface da psicodinâmica do trabalho e a sociologia do trabalho. Psicologia e Sociedade, n. 1, abr. 2007.) De acordo com o texto, na primeira metade do século XX, o capitalismo produziu um novo espaço geoeconômico e uma revolução que está relacionada com a: a) proliferação de pequenas e médias empresas, que se equiparam com as novas tecnologias e aumentaram a produção, com aporte do grande capital. b) técnica de produção fordista, que instituiu a divisão e a hierarquização do trabalho, em que cada trabalhador realizava apenas uma etapa do processo produtivo. c) passagem do sistema de produção artesanal para o sistema de produção fabril, concentrando-se, principalmente, na produção têxtil destinada ao mercado interno. d) independência política das nações colonizadas, que permitiu igualdade nas relações econômicas entre os países produtores de matérias-primas e os países industrializados. e) constituição de uma classe de assalariados, que possuíam como fonte de subsistência a venda de sua força de trabalho e que lutavam pela melhoria das condições de trabalho nas fábricas. 102 PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL 6.6 100 ANOS DA PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL: O QUE MUDOU? A Primeira Guerra Mundial marcou o mundo de tal maneira que ainda sentimos seu impacto até os dias atuais. Foi devido a primeira guerra que a humanidade experimentou a tentativa da criação de um sistema internacional diplomático – a Liga das Nações – considerada a mãe daquilo que irá se tornar a Organização das Nações Unidas. Foi com a Primeira Guerra Mundial que se inicia o processo de construção da primeira sociedade auto-declarada socialista na história da humanidade – a Revolução Russa. Foi por conta do conflito entre as principais potências do continente europeu (especialmente Inglaterra, França, Alemanha e Itália) , na busca por novos satélites coloniais na África e na Ásia que se inicia a reconfiguração de muitos estados nacionais tais quais conhecemos atualmente, conforme veremos ao longo desta unidade. Conseguimos observar brevemente algumas permanências da primeira guerra em nosso cotidiano. A palavra socialismo ainda é bastante interpretada – seja pelo espectro à direita e à esquerda – como categoria política que marca um divisor de águas, causa debates inflamados e participa da nossa vida cotidiana. Como veremos ao longo deste material, a Revolução de Outubro de 1917 ainda divide a opinião de muitos intelectuais e dos cidadãos comuns. Sem a Primeira Guerra Mundial, talvez não estaríamos falando da construção de uma Organização Mundial da Saúde- órgão internacional vinculado às Nações Unidas, derivada da experiência da Liga das Nações, conforme exposto anteriormente. Mas afinal, em cem anos, o que fundamentalmente mudou desde a Primeira Guerra Mundial? Desde 1945, o mundo não se vê diante de uma confrontação beligerante direta entre grandes potências. A tendência, do ponto de vista historiográfico e intelectual, é encarar a Guerra Fria como um período violentamente focado em “guerras de aproximação” - em inglês, as proxy wars. Havia uma “paz armada” entre as duas maiores forças político-ideológicas, que disputavam, no plano da Erro! Fonte de referênci a não encontra da. 103 diplomacia, da espionagem, da guerra comercial e de batalhas específicas entre aliados de ambas, a hegemonia mundial. Foi o momento em que todos falavam neurótica e apreensivamente de uma Terceira Guerra Mundial. Esse tema apocalíptico também faz parte do nosso cotidiano. Afinal, quem nunca ouviu falar de um senso comum compartilhado, principalmente em nosso país, de que a “próxima Guerra Mundial será pela disputa da água”? Na situação pandêmica em que nos encontramos, muito se tem falado numa eventual “Segunda Guerra Fria” entre Estados Unidos e China. Documentários sobre o tema começam a circular, com altas doses de teorias da conspiração e sentimentos xenófobos anti-chineses, especialmente no Ocidente. Tais previsões são inerentes a um mundo relativamente equilibrado e pacífico, se comparado a tempos outros. Quem experimenta muito a paz tende a construir horizontes pessimistas de expectativa. Ao olhar para o passado, percebe-se o quão violento é a construção da humanidade e suas civilizações. Mesmo nesse período de paz não se pode, contudo, ignorar as inúmeras batalhas das grandes potências em busca de recursos estratégicos e melhores posições geopolíticas, em especial nas disputas entre as nações dependentes e periféricas. Na disputa entre si mesmas, as nações mais desenvolvidas tendem a produzir um outro tipo de disputa pela hegemonia, focada especialmente na trincheira da batalha comercial. A trincheira do direito internacional é utilizada como ferramenta para as sanções contra os países que desafiam as normas da ONU e, ao mesmo 104 tempo, questionam as posições geoestratégicas e políticas dos países desenvolvi- dos. Por mais que não possamos relativizar a violência, é consenso entre alguns historiadores, observadores da longa duração, que o mundo vive um período de relativa paz (FRANKOPAN 2016). Segundo Frankopan (2016, p. 151, tradução nossa) “nosso mundo é melhor quase que em todos os aspectos que o mundo do passado” Se considerarmos 1945 a nossa última grande confrontação sem precedentes, o mundo encontra-se, “aos trancos e barrancos”, num segundo grande período contemporâneo de longa paz entre as grandes potências. Apesar de polêmica, a consideração de Frankopan (2016) merece ser levada a sério. Em meio a uma pandemia de um vírus desconhecido e sem precedentes, nossa forma de encará-lo supera e muito aquela de governantes e estadistas de 100 anos atrás. Envoltos também numa guerra mundial, os estadistas das principais potências mundiais (Inglaterra, França, Estados Unidos e Alemanha) se enfrentaram nas trincheiras e tiveram que lutar, ao mesmo tempo, contra o inimigo biológico da Influenza H1N1, popularmente conhecida como a Gripe Espanhola (1918-1919). No ano de 2020, os governos de muitos desses mesmos países atuam em cooperação a partir de órgãos internacionais, cujo objetivo é, acima de tudo, salvar o maior número de vidas. Apesar das diferençasno método de tratamento e da reprodução de discursos obscurantistas pautados por teorias da conspiração por conta das vacinas que serão administradas ao povo, dos privilégios políticos das nações mais industrializadas, que querem monopolizar os equipamentos e insumos médicos no combate ao Corona Vírus (Sars-CoV2), não temos que praticar o isolamento social empunhados em armas e em luta contra outras nações. O último ciclo de paz de longa duração equivalente ao de nossos tempos Para saber mais sobre a pandemia da Gripe Espanhola e seu impacto no Brasil e no mundo acesse: https://bit.ly/3dA1Nrj. Acesso em: 30 mar. 2021. O livro “A Primeira Guerra Mundial” (2013) de Lawrence Sondhaus. Esta obra descreve em detalhes as forças envolvidas, a eclosão do conflito e suas várias frentes em todo o planeta. Dsponível em: https://bit.ly/2PYs2zA. Acesso em: 30 mar. 2021 https://bit.ly/3dA1Nrj https://bit.ly/2PYs2zA 105 atuais ocorreu entre 1815 e 1914. Foi construído um ambiente de gradativo desenvolvimento das sociedades burguesas da época, num clima histórico pautado por noções lineares e evolucionistas de progresso. Foi também o período de consolidação da cultura nacionalista, de afirmação dos Estados-Nação e da disputa concorrencial, no plano econômico, dos Impérios e grandes potências nacionais, especialmente europeus. A competição, demarcada pelo seu contorno nacionalista, estimulou uma cultura de defesa sem precedentes. Essa busca pelo desenvolvimento tecnológico- militar, cujo objetivo era armar os Estados-Nação para protegerem seus territórios e fronteiras no ultramar colonial, levou à confrontação de populações inteiras e à lógica de guerra total, dizimando populações inteiras a cifras ainda não vistas, na órbita dos milhões. Se por um lado as grandes potências promoveram uma corrida armamentista para criarem escudos de proteção, aguardando a iminência da guerra, por outro, o período do início do século XX avistou, já em sua primeira década, importantes rebeliões nacionalistas, de corte popular. Foi o início de uma era das revoluções de novo tipo. Para ficar em poucos exemplos, destacamos as profundas transformações propostas pelas Revolução Mexicana (1910), Turca (1908) e, aquela que “eclipsou” ambas: a Revolução Russa (1905 e 1917). Essa chave de interpretação dupla – a competição pelo desenvolvimento das “tecnologias da morte”; e as revoltas populares internas nos países, ocasionando nas revoluções – são fundamentais para entender as causas que levaram à deflagração do primeiro confronto mundial no século XX. 6.7 NO MEIO DE UM ASSASSINATO HAVIA VÁRIAS PEDRAS: AS CAUSAS DA PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL Tanto para o insuspeito marxista inglês Hobsbawm (1998) quanto para o Ex- Secretário de Estado estadunidense do governo de Richard Nixon, Kissinger (2001), cabe muito mais entender a disputa mais ampla das nações e de seus respectivos desejos por hegemonia que necessariamente encontrar “os culpados pela guerra”. A constituição de dois blocos políticos que promoveram a polarização que levou adiante à belicosidade (a Tríplice Aliança, composta por Alemanha, Império Austro- Hungaro e Itália; e a Tríplice Entente, uma adesão surpreendente de Inglaterra, 106 França e Rússia) só pode ser explicada se entendermos os aspectos econômicos e geopolíticos no seio da disputa imperialista. A corrida armamentista é uma destas facetas. A título de exemplo, a frota alemã ampliou bruscamente seus gastos no setor naval, passando de 90 milhões em 1890 para 400 milhões de marcos no ocaso da guerra (1913-1914) (HOBSBAWM, 1995). Havia um consórcio público-privado, no qual o governo era responsável por estimular e oferecer subsídios à iniciativa privada no setor industrial para ampliar seus gastos e lucros com tecnologia militar. Tal perspectiva ocorre em larga escala na Alemanha, entretanto é possível observar uma tendência de crescimento em toda a Europa. Como bem salienta Friederich Engels à época, a chamada indústria da guerra tornou-se uma necessidade política (apud HOBSBAWM, 1995). E no caso específico alemão, o fato de terem sido palco de muitas guerras, sendo em grande parte mais vítimas que agressores ao longo do século XVIII com as guerras dinásticas e as batalhas napoleônicas, havia um “trauma político” inculcado na memória histórica dos generais e estadistas, que abandonaram as posições moderadas de Bismarck. Assim Kissinger (2001, p. 181) descreve o “espírito do tempo” da Alemanha pós-bismarckiana: A falta de raízes intelectuais foi a principal causa da política externa sem rumo da Alemanha. A lembrança de ter sido, tanto tempo, o maior campo de batalha da Europa, deixou arraigada uma sensação de insegurança no povo alemão. Apesar de o império de Bismarck ser agora a potência mais forte do continente, os governantes alemães sentiam-se vagamente ameaçados, como prova a obsessão com o preparo militar, agravado pela retórica belicosa. Os planejadores militares alemães adotavam a hipótese de lutar simultaneamente contra todos os vizinhos da Alemanha. Preparados para o pior cenário, ajudaram a realiza-lo. Pois uma Alemanha forte para derrotar a coalizão de todos os vizinhos era também capaz, obviamente, de esmagar qualquer um individualmente. Diante do colosso militar em suas fronteiras, os vizinhos da Alemanha agruparam-se em proteção mútua, transformando a busca alemã de segurança num fator de sua própria insegurança (KISSINGER, 2001, p.181). A função dessa corrida era recolocar as potências numa nova situação geopolítica, cujo objetivo era a de assumir a ponta da liderança mundial e/ou o controle de um novo território específico, seja na região dos Bálcãs, no Oriente Médio, na Ásia, na África ou por meio de um controle indireto na América Latina. Essa situação internacional de competição visava à dominação de “zonas ultramarinas de conquistas e partilhas coloniais” (HOBSBAWM, 1995 p. 429). Nesse 107 sentido, o assassinato do arquiduque Francisco Ferdinando em 28 de junho de 1914 na cidade de Sarajevo é a ponta do iceberg deste clima histórico de intensa belicosidade diplomática e militar. Conforme aponta Kissinger (2001), se durante o período da Guerra Fria a principal função da diplomacia era evitar o conflito bélico, no início do século ela foi um terreno de utilização de mensagens sublimes, carregadas por “leviandades” e “falta de moderação” (KISSINGER, 2001). A Alemanha assume tamanha postura “defensiva” de forma simultânea as demais nações vizinhas da Europa, como França e a Grã-Bretanha, esta última uma já consolidada potência naval e mercantil. Portanto, para entender esse período é preciso identificar os conflitos de interesses internacionais. Todos os atores, apesar de possuírem interesses antagônicos, permitiam-se a negociações diplomáticas. A Alemanha se viu diante de uma “sinuca de bico” entre São Petersburgo e Viena. Ao ter de escolher posições político-militares mais próximas e condizentes com suas zonas de interesse, os alemães optaram por reforçar as posições do Império Austro-húngaro na região dos Bálcãs, que sofria um forte antagonismo com o Império Russo, especialmente após a anexação da Bósnia-Herzegovina por parte do primeiro, em 1878. A opção unilateral pelos austro-húngaros demarcou uma posição de menor moderação no campo diplomático, oriunda da “lógica bismarckiana” que precedia a classe dirigente germânica. Nesse sentido, russos e franceses podiam operar em convergência nas relações internacionais. No caso da França, os descendentes do império napoleônico reivindicavam o território da Alsácia-Lorena, anexado pelos alemães em 1871. Essa união franco-russa ganhou a adesão surpreendente – nas palavras de Hobsbawm – da Inglaterra, formando a Tríplice Entente (1904).O objetivo de confrontação da Inglaterra era a busca pelo “equilíbrio de poder” (HOBSBAWM, 1995). Nesse aspecto, tanto as interpretações de Hobsbawm como de Kissinger convergem: a tentativa de contenção alemã implicou na busca de uma luta de “soma zero”, ou seja, de equilíbrio no cenário europeu. Por parte dos britânicos, o investimento naval alemão gerava um clima ainda maior de animosidade, que disputavam oceanos similares e territorialmente encontravam-se praticamente numa posição de frontalidade. Somado ao concerto europeu, duas outras potências emergentes foram im- portantes para gerar uma nova configuração da disputa da ordem mundial: os Estados Unidos e sua política da “América para os americanos”; e o Japão, recém 108 vitorioso numa guerra conflagrada contra os russos em 1904-1905, gerando a primeira revolução russa, de caráter liberal-burguês (1905). A derrota para os japoneses fez com que as potências imperialistas se sentissem ainda mais ameaçadas, uma vez que a Rússia, uma importante jogadora no cenário geopolítico, apontara fragilidades que poderiam ser aproveitadas por outras nações não-europeias. Os aspectos de dominação territoriais expressam o caráter expansionista do capitalismo. Desconhecedor de fronteiras, o sistema exigia o aumento da produtividade e o consequente crescimento econômico para sua manutenção. Os respectivos Estados-Nacionais imperialistas começaram a criar uma lógica defensiva, cujo objetivo era a proteção de seus “mercados” – leia-se: a manutenção da lucratividade das suas respectivas burguesias nacionais. Toda “grande nação” começara a ser identificada como uma “grande economia”. Apesar disso, seria correto afirmar que os “homens de negócios” foram os principais responsáveis e eram favoráveis à guerra, em especial aqueles envolvidos com a indústria bélica? Tal afirmação segue uma lógica determinista e opera sob a chave historiográfica tradicional da “busca dos culpados” pela guerra, uma vez que muitos se opuseram a ela naquele contexto, pois sabiam que a dizimação de populações inteiras poderia ser um mau negócio (HOBSBAWM, 1995). Retomando o aspecto geopolítico, é importante destacar o papel das regiões ligadas à produção petrolífera como uma das causas da guerra. Tanto o Oriente Médio e o norte da África- sob influência de França (Marrocos), Grã- Bretanha (Egito) e Itália (Líbia) e parcelas do Império Otomano em decomposição, que interessavam tanto alemães quanto ingleses, foram regiões que viveram por um processo de intensa dominação ocidental. Também havia o interesse da ocupação de parcelas importantes do decadente império Português na região da África subsaariana, cobiça também de Berlin e Londres. Para Hobsbawm (1995, p. 439, grifo nosso): [...] o que se tornou o bloco anglo-franco-russo começou com o “entendimento cordial” anglo-francês (Entente Cordiale) de 1904, essencialmente uma negociação imperialista através da qual os franceses desistiram de reivindicar o Egito, e , em troca, a Grã- Bretanha apoiaria suas reivindicações relativas ao Marrocos- uma vítima na qual a Alemanha também estava de olho. Entretanto, todas as nações, sem exceção estavam com ânimo expansionista e conquistador. Até a Grã-Bretanha- cuja postura era fundamentalmente defensiva, dado que seu problema era como 109 proteger seu domínio global, até então incontestado, contra os novos intrusos- atacou as repúblicas sul-africanas; ela também não hesitou em pensar em dividir as colônias de outro Estado europeu, Portugal, com a Alemanha. No oceano do planeta, todos os Estados eram tubarões e todos os estadistas sabiam disso. De toda a literatura historiográfica contemporânea que se preocupa com a perspectiva da totalidade, não há melhor trecho-síntese para descrever o que ficou amplamente conhecido como a Partilha da África pelos Estados imperialistas. Tamanha cobiça expansionista, certamente esbarraria em conflitos irredutíveis no campo da geopolítica e dos interesses econômicos de tais países, formando blocos que visavam a demarcação territorial e que, consequentemente, levaram à guerra. Por fim, chegamos à ponta do iceberg. O assassinato do arquiduque Francisco Ferdinando em 28 de junho de 1914 na Sérvia levou a uma série de exigências por parte do Império Austro-Húngaro, inaceitáveis pelo governo de Sarajevo. Receosa com a perda de posições e mais disposta a “defender atacando” do que “jogar parada”, a Alemanha toma parte no conflito, fazendo com que, quase numa reação em cadeia, todos os demais tubarões imperialistas assumam um lado nessa história. Mal imaginavam que entrariam em um conflito que duraria quatro longos anos... Parafraseando Carlos Drummond de Andrade, em meio ao assassinato havia várias pedras. Mal sabiam também que, três anos após o início da primeira guerra, o Império Russo, trono dos “Césares dos Romanov” (czar em russo significa César), tão sólido e consistente, se desmantelaria como um castelo de cartas, por meio de uma revolução socialista que iria impactar o mundo inteiro. 6.8 A GRANDE PEDRA NO CAMINHO: A REVOLUÇÃO RUSSA DE 1917 Conforme dito anteriormente, a estabilidade político-econômica do capitalismo de fins do século XIX e do início do século XX, em especial no mundo desenvolvido, gerou um clima de otimismo, levando a acreditar que o progresso e a prosperidade seriam adquiridos por meio de uma evolução linear ao longo do tempo. Entretanto, havia quem duvidasse dessa tese. A consolidação de partidos de massa (1880) de caráter socialista marcou este período, apontando para a luta de classes como hipótese de superação das desigualdades sociais, em detrimento do mundo criado “em céu de brigadeiro” oriundo dos tempos da Belle époque. Ao mesmo tempo, tanto na Inglaterra quanto na França “graças à maturidade e força 110 da tradição liberal, o movimento das classes trabalhadoras tendia a ser absorvido em ações parlamentares ‘reformistas’” (HILL, 1967). O mundo capitalista realmente existente gerou antagonismos inconciliáveis. Se por um lado era possível observar o mundo desenvolvido, situado majoritariamente na Europa ocidental e nas potências emergentes como Estados Unidos e Japão, por outro existiam países que tinham um pé no mundo antigo feudal, como a Rússia. A Rússia era dual: industrial e moderna em São Petersburgo e servil nas suas regiões mais profundas, distantes de Moscou e da sua faceta ocidental. O dualismo russo produziu aquilo que Lênin chamou de “material inflamável”. Conforme descrito por Hill (1967, p. 20): Em fins do século dezenove o telégrafo e a máquina a vapor vieram tornar a autocracia um tipo acabado de anacronismo, mas as instituições tendem a sobreviver muito além do desaparecimento das causas de sua existência: Nicolau II, em pleno século vinte, ainda insistia na ideia de ser czar por direito divino e ter por obrigação moral não consentir qualquer interferência na estrutura do absolutismo, o qual assim deveria manter-se ou cair como um todo. Em certo sentido, ele tinha razão. A Rússia dos Romanov era um império considerado em situação de colapso devido à essa ambiguidade e indecisão civilizatória. Sua parte moderna era conduzida por uma classe dirigente mantenedora de relações de servidão camponesa até a sexta década do século XIX (1861), que via na tradição e no respeito indissociável e sagrado ao poder da Igreja Católica Ortodoxa os pilares de sua dominação cultural e política. O Estado pré-revolucionário russo era gigante e ineficiente. Não possuía forças armadas competitivas se comparadas àquelas existentes na Europa ocidental. Tamanha precarização fora observada durante a guerra da Crimeia (1854-1856), quando teve de se confrontar com uma aliança anglo-francesa pela disputa da região.A Rússia dos Romanov, apesar da sua condição de atraso, conseguiu se forjar como uma potência cerealista entre 1860 e 1900. Tal condição agroexportadora deixava-a numa condição delicada no cenário internacional, altamente dependente dos preços externos (HOBSBAWM, 1995). Entretanto, no que diz respeito à sua logística e integração regional, apresentava grandes dificuldades de comunicação (HILL, 1967). Além disso, mesmo sendo uma grande 111 produtora de alimentos, os camponeses enfrentavam grandes dificuldades de sobrevivência. A fome de 1891 foi uma das crises anteriores à primeira guerra mais memoráveis e trágicas cravadas no seio da população. O desenvolvimento industrial russo (1890-1904) foi feito por um estado anacrônico. A sua modernização centralizada e autoritária, situada em regiões excepcionais desenvolveu um minoritário, porém politicamente potente proletariado urbano, situado mais a oeste dos Montes Urais, principalmente em São Petersburgo. Os partidos vinculados a classe operária e camponesa surgem nesse período. De um lado havia a formação do chamado populismo russo, os narodiniks, cuja intenção principal era retomar o espírito do povo russo, estimulando seu sentido comunitário, do tão analisado mir – comunidades camponesas que sobreviveram ao longo do século XIX e início do XX. Karl Marx via um potencial revolucionário nele, acreditando que a classe camponesa russa poderia avançar no processo de construção do socialismo a partir desta estrutura remanescente do período servil. Entretanto, o mir foi gradativamente esvaziado com o desenvolvimento do capitalismo agrário e o surgimento dos kulaks- uma categoria de camponeses ricos, que contratava o trabalho de camponeses médios e pobres (HILL, 1967). Os narodiniks defendiam ações diretas na luta contra o czarismo. Tais ações envolviam atentados terroristas nas grandes cidades e tentativas de assassinato. Uma de suas ações “bem sucedidas” ocorreu em 1881, ao assassinarem o Czar Alexandre II. Com isso, a repressão aumentou e os narodinikis logo foram se dissolvendo, tendo que criar outras formas de organização política, o Partido social- revolucionário. Importante destacar que uma de suas principais lideranças, Alexandre Ulyanov, um dos responsáveis pelo atentado ao czar, era irmão mais velho de Vladimir Lênin, principal liderança da ala Bolchevique do Partido Social- Democrata russo. Seu irmão foi assassinado pela polícia política do czar. O Partido-Social-Democrata foi a força política de esquerda mais importante de oposição ao governo czarista. Dentro desse partido operário, composto por uma incipiente classe média de profissionais liberais (Lenin era advogado) e um insurgente proletariado urbano, liderado, a partir da ala bolchevique do Partido-Social-Democrata. [...] Nós costumamos acompanhar o avanço do grupo específico de revolucionários marxistas que finalmente prevaleceu, ou seja, aquele 112 liderado por Lenin [...] Por mais relevante que possa ser [...] é preciso lembrar de três coisas. Os bolcheviques [maioria, em russo] eram apenas uma entre várias tendências dentro ou próximo da social- democracia russa (por sua vez diferente de outros partidos socialistas de base nacional do império). De fato, eles só se transformaram em partido autônomo em 1912, quando quase certamente se tornaram a força majoritária da classe trabalhadora organizada. Em terceiro lugar, para os socialistas estrangeiros, como provavelmente para a massa dos trabalhadores russos, as distinções entre diferentes tipos de socialistas ou eram incompreensíveis ou pareciam secundárias, todos sendo igualmente merecedores de apoio e solidariedade como inimigos do czarismo. A principal diferença entre os bolcheviques e os outros era que os camaradas de Lenin eram mais bem-organizados, mais eficientes e mais confiáveis (HOBSBAWM, 1995, p. 409). A socialdemocracia dividiu-se entre bolcheviques (maioria) e mencheviques (minoria, em russo). Para além deles, é importante lembrar que para além da ala mais à esquerda, também existiam os setores liberais de oposição à autocracia russa, liderados por Kerenski. A vida no início do século para a família Romanov e não foi fácil. Acossados pelo fracasso na guerra russo japonesa (1904-1905), expuseram as entranhas, debilidades, e fragilidades sócio econômicas da Rússia autocrata. Ao impor uma guerra considerada injusta pela maioria da população, assistiu movimentos de massas estimulados pela oposição, gerando com isso um processo considerado revolucionário, porém liberal. Segundo Lênin a revolução de 1905 foi “uma revolução burguesa realizada por meios proletários”. A principal conquista da revolução de 1905 foi a abertura democrática, viabilizada pela abertura do parlamento (Duma) e a elaboração de uma frágil Constituição. Nesse sentido, é claro para o movimento revolucionários as limitações concretas daquele período, cuja liderança era pautada por uma visão democrática, liberal e tradicionalmente burguesa. Apesar da liderança democrático-liberal, tanto Lenin quanto a família Romanov sabiam das limitações objetivas da classe burguesa no país, uma vez que ela “[...] era numérica e politicamente fraca demais para assumir o governo após o czarismo, da mesma maneira como a empresa capitalista privada russa era fraca demais para modernizar o país sem as iniciativas das empresas estrangeiras e do Estado” (HOBSBAWM, 1995, p. 412). Já em 1907, percebe-se a retirada de todos os limitados direitos concedidos pelo czarismo em 1905, retomando a dominação anterior da autocracia russa. Em meio à institucionalidade liberal frágil criada em 1905, os trabalhadores 113 russos começam a criar mecanismos próprios de tomada de decisão para suas lutas. A criação de conselhos nas fábricas e no Exército – os sovietes – organizaram greves, deram consistência para os futuros levantes populares no país e contribuíram para a retirada da Rússia da Primeira Guerra Mundial. Conduzidos pelo grupo majoritário do Partido Bolchevique, os sovietes serão o “embrião” para a Revolução de Outubro de 1917. Em março deste mesmo ano, o czarismo é derrotado, mais uma vez sob a hegemonia dos partidos conservador e liberal. Foi demandada a abdicação de Nicolau II. Foi instituído um governo provisório, prometendo a redistribuição das terras e reformas mais profundas, com o intuito de sinalizar um apoio para os grupos políticos instalados nos sovietes. Entretanto, o que se viu foi a força do “poder paralelo” criado pelos sovietes e a fundação de seu Congresso, agora já espalhado pelo interior, na capital (Moscou) e por diversas camadas das maiorias trabalhadoras. Esse poder paralelo, sob a liderança de Lênin – que retornava do exílio, defende a retirada do país da guerra, a promoção da paz, a defesa da distribuição das terras e o fim da miséria. O lema “Paz, Terra e Pão” foi a grande bandeira do Partido Bolchevique, que logo entraria numa rota de colisão com o Governo Provisório de Kerenski e seria colocado mais uma vez na ilegalidade. A vacilação do Governo Provisório quanto ao seu posicionamento sobre a guerra aumentara ainda mais os níveis de insatisfação popular, gerando as condições concretas para a tomada do poder a partir do Congresso de Sovietes, o órgão vocalizador da classe trabalhadora. Os sovietes já contavam com a maioria do Exército (HILL, 1967) e, consequentemente, tomaram o “poder de assalto”, sem, no entanto, terem um grande derramamento de sangue. Com isso, foi firmado em https://bit.ly/3cOXaur https://bit.ly/3sSA9wn 114 Brest-Litovsk um acordo de paz com os alemães em “termos bastante rigorosos” (HILL, 1967). A Revolução de Outubro havia consolidado um poder político,o que não significa que no futuro próximo teria consolidado um processo pleno de paz. De 1918 em diante, os remanescentes do poder anterior recebem ajuda do estrangeiro para derrotar a primeira revolução de caráter socialista do planeta Terra. A guerra civil produziu novas mortes e um ambiente interno de extrema barbárie. A “paz” para os soviéticos significou, em certo sentido, a continuidade de uma guerra indireta com as demais potências vitoriosas da primeira guerra mundial, ávidos em extirpar o comunismo do planeta. O término desse conflito se dará somente 5 anos após o início da Revolução, com a vitória do Exército Vermelho contra o Exército Branco – este último formado por antigos generais do Czar e apoiados pelas potências estrangeiras (Inglaterra, França e Estados Unidos, principalmente) – no ano de 1922, com a proclamação da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). 6.9 CONCLUSÃO: O FIM DA GUERRA E SEUS DESDOBRAMENTOS Do ponto de vista alemão, a guerra possuía grandes dificuldades de manobra. Na frente ocidental tinham que lidar com a marinha britânica e as trincheiras bem instaladas nas fronteiras francesas. Do lado oriental, auxiliavam Áustria-Hungria e Itália na contenção das forças russas e do leste europeu. Somado a isso, a entrada dos estadunidenses na guerra ao lado da Tríplice Entente gerou a situação de xeque-mate por parte dos aliados, deficitária em tecnologia e pessoal militar se vista por todos os seus aspectos, seja ele naval, aéreo ou terrestre. Esse dilema levou ao desgaste insustentável no longo prazo pelo império germânico, contrariando sua estratégia de solução rápida da guerra. O bem efetuado entrincheiramento da frente ocidental, principalmente, acelerou o Para se ter uma versão conservadora, ou seja, “dos vencidos” na guerra, recomendamos o filme “Dr. Jivago” (1965), baseado num romance de Boris Pasternak.Assista o trailer em: https://bit.ly/3fJ251P. Acesso em: 30 mar. 2021. https://bit.ly/3fJ251P 115 desgaste. Além disso, a mudança de posição dos italianos em 1915 a partir da assinatura de um Tratado diplomático secreto em Londres selou definitivamente a correlação desfavorável de força na guerra. Mesmo com o acordo de paz assinado entre os alemães e revolucionários soviéticos em Brest-Litovsk (1918), com a entrega de territórios e zonas de influência importantes da Rússia, não foi o suficiente para a vitória alemã e a contenção da frente ocidental. A rendição alemã após o armistício em 1918 leva os beligerantes a assinarem um tratado de fim da guerra em Versalhes (1919). Ele reconfigurou toda a Europa. Surgiram, com a desintegração do Império Austro-Húngaro, Russo e Otomano, pequenos estados nação, especialmente na região dos Bálcãs. Os eslavos são divididos de acordo com suas relações geográficas e tradições culturais previamente estabelecidas (Iugoslávia – “os eslavos do sul”; Eslovênia – antiga Áustria; Croácia -antiga Hungria; Montenegro – antigo reinado autônomo; e a Tchecoslováquia – os eslavos do ocidente) (HOBSBAWM, 1995). A Alemanha sofreu grandes punições com o Tratado de Versalhes. Perdeu territórios no ultramar, o “corredor polonês” e a Alsácia-Lorena. Além disso, foi imposta a manter um contingente restrito de soldados ativos, em até 100.000 homens (HOBSBAWM, 1995). Tamanho constrangimento irá gerar o terreno fértil para o nascimento do nazismo, tema que será recorrente nas nossas próximas unidades. Por fim, com o objetivo de prevenir outra guerra e almejar uma paz internacional duradoura, foi criada a Liga das Nações. Liderada pelo então presidente dos Estados Unidos, Woodrow Wilson, a Liga teria como objetivo acabar com a diplomacia secreta e os acordos bilaterais que porventura poderiam aumentar as tensões bélicas. O uso de intervenções públicas para a solução de conflitos inaugura uma nova era para a constituição da nova ordem mundial. Mesmo que do ponto de vista prático, a Liga não tenha surtido o efeito necessário, uma vez que o próprio governo americano não permaneceu nela, ela deixou um importante legado para repensar o sistema internacional no pós-segunda guerra. 116 FIXANDO O CONTEÚDO 1. (AMEOESC 2018) Não é uma das causas da Revolução Russa: 2. (Enem-2014) Três décadas — de 1884 a 1914 — separam o século XIX — que terminou com a corrida dos países europeus para a África e com o surgimento dos movimentos de unificação nacional na Europa — do século XX, que começou com a Primeira Guerra Mundial. É o período do Imperialismo, da quietude estagnante na Europa e dos acontecimentos empolgantes na Ásia e na África. ARENDT, H. As origens do totalitarismo. São Paulo: Cia. das Letras, 2012. O processo histórico citado contribuiu para a eclosão da Primeira Grande Guerra na medida em que a) A Alemanha era a principal potência da Tríplice Aliança. Seu poderio naval e bélico ameaçou os impérios britânico e francês, reivindicando parcelas territoriais no ultra-mar (África) pertencentes a eles. b) A Rússia era a nação mais bem situada no conflito. Havia demonstrado poderio bélico robusto durante a guerra contra o Japão e tinha um dos maiores poderios militares, graças a sua indústria bem distribuída por todo o território continental. a) difundiu as teorias socialistas. b) acirrou as disputas territoriais. c) superou as crises econômicas. d) multiplicou os conflitos religiosos. e) conteve os sentimentos xenófobos. 3. Assinale a alternativa CORRETA. a) Grande desigualdade social. b) Despotismo dos Czares. c) Situação da Rússia na guerra. d) Tratado de Maastricht. A influência bismarckiana entre os soviéticos. 117 c) A Inglaterra se viu ameaçada, na medida em que o poderio naval russo crescia e os japoneses aumentavam seu poderio no Pacífico. Por isso, aliam-se aos alemães como forma de contenção dos seus principais inimigos (Japão e Rússia). d) A França não consolidou bases defensivas sólidas de defesa por meio do entrincheiramento de suas fronteiras. Também não contava com um poderio militar capaz de conter os alemães na sua ofensiva. Saiu como uma das grandes derrotadas da guerra, perdendo o território da Alsácia-Lorena para o seu vizinho alemão. e) O Tratado de Versalhes impôs uma grande vitória para os alemães, gerando uma série de medidas expansionistas, dentre elas o recrutamento ilimitado de soldados ativos. 4. Sobre a Rússia Pré-Revolucionária e Revolucionária, é CORRETO afirmar: a) Era um país com altos níveis de industrialização, homogeneamente distribuídos por todo o seu território. Possuía um campo com tecnologia avançada, tornando-a uma importante produtora cerealista. b) Os bolcheviques defendiam uma revolução burguesa comandada por revolucionários. Apoiaram o governo provisório de Kerenski e foram contrários ao poder dos sovietes (conselhos) em outubro de 1917. c) Os mencheviques – ala minoritária do Partido Social-Democrata Russo – defendiam, junto aos bolcheviques, a luta armada e a deposição do Governo Provisório. Eram favoráveis ao poder dos sovietes (conselhos) em outubro de 1917. d) A Rússia era um país considerado dual: possuía índices elevados de industrialização na sua região ocidental (principalmente em São Petersburgo); ao mesmo tempo, tinha uma massa camponesa miserável, que trabalhava em condições servis. e) A Revolução Russa de 1917 foi um período de conflitos, iniciado em 1917, que inseriu a monarquia em território russo sendo, de Vladimir Lênin, o Primeiro Czar. 5. Sobre as causas que levaram a Primeira Guerra Mundial e seus desdobramentos: I - Por mais que a corrida armamentista tenha sido financiada em grande parte por industriais do setor militar, seria incorreto afirmar que eles são os únicos responsáveis118 pela guerra. Estadistas e lideranças militares orientados por uma Realpolitik europeia – ou seja, a defesa de uma política voltada para o interesse nacional e o acúmulo de poder – foram também responsáveis pela corrida armamentista e pela disputa territorial. II - A Alemanha estava numa posição geopolítica favorável, uma vez que tinha consigo aliados (Itália e Austria-Hungria) com alto poderio tecnológico e militar, capazes de estabelecerem um cordão de defesa na região dos Bálcãs e na Europa Ocidental. III - O Tratado de Versalhes (1919) foi um acordo favorável por parte dos alemães e do Imperio Austro-Hungaro. No caso do primeiro, por mais que houvesse uma imposição de restrição de soldados, parte do orçamento poderia agora ser investido em políticas econômicas que competissem com os demais impérios. No caso do segundo, várias nações nasceram com a sua morte, criando pequenos, porém resistentes, potentados eslavos. De acordo com as afirmações, estão corretas a) I. b) II. c) III. d) I e III. e) I, II e III 6. (UFF-Adaptada) Muitos historiadores consideram a Primeira Guerra Mundial como fator de peso na crise das sociedades liberais contemporâneas. Assinale a opção que contém argumentos todos corretos a favor de tal opinião. a) Derrotadas na Primeira Guerra Mundial, as grandes potências liberais foram, por tal razão, impotentes para conter, a seguir, o desafio comunista e o fascismo. b) A Alemanha foi a principal responsável pela corrida armamentista e, consequentemente, pelo início da guerra. Ameaçadora da paz europeia, procurou se armar de forma indiscriminada com relação aos demais países, levando, portanto, à inevitabilidade do conflito. c) Durante a guerra, foi preciso instaurar regimes autoritários e ditatoriais em países 119 antes liberais como a França e a Inglaterra, em um prenúncio do fascismo ainda por vir. d) A guerra transformou Estados antes liberais em gestores de uma economia militarizada que utilizou de novo o trabalho servil para a confecção de armas e munições, em flagrante desrespeito às liberdades individuais. e) A economia de guerra levou a um intervencionismo de Estado sem precedentes; a “união sagrada” foi invocada em favor de sérias restrições às liberdades civis e políticas e, em função da guerra recém-terminada, eclodiram em 1920 graves dificuldades econômicas que abalaram os países liberais sobretudo através da inflação. 7. (Mundo da Educação )Os países envolvidos na I Guerra Mundial dividiram-se em duas coligações de nações que se enfrentaram durante os anos da guerra, formadas inicialmente por seis países. Qual das alternativas indica corretamente as coligações de nações e os países participantes? a) Eixo, formado por Alemanha, Itália e Japão; e os Aliados, composto por França, Inglaterra e Estados Unidos. b) Tríplice Aliança, composta pela Alemanha, Áustria-Hungria e Itália; e a Tríplice Entente, formada pela França, Inglaterra e Rússia. c) Eixo, formado por Alemanha, Itália e Japão; e Tríplice Entente, formada pela França, Inglaterra e Rússia. d) Tríplice Aliança, composta pela Alemanha, Áustria-Hungria e Itália; e os Aliados, composto por França, Inglaterra e Estados Unidos. e) Eixo, formado por Itália, Suiça, Suecia, Países Baixos; e os Aliados, composto por Estados Unidos, Japão e Brasil 8. (VUNESP- Adaptada) A Proposta Curricular do Estado de São Paulo, para a disciplina História, propõe que na 3ª série do Ensino Médio, durante o primeiro bimestre, se trabalhe com o tema: “Conflitos entre os países imperialistas e a I Guerra Mundial”. Acerca dessa temática, é correto considerar que 120 a) a I Guerra Mundial foi provocada pelo recorrente desrespeito da França com as colônias inglesas na África e na Ásia, além da aliança militar entre o Império Turco-Otomano e o Império Russo. b) a I Guerra Mundial foi provocada pela Inglaterra e pela França, ambas inte- ressadas na ampliação dos seus domínios neocoloniais na África e na Ásia e preocupadas com a expansão territorial do Império Russo. c) o frágil equilíbrio europeu foi quebrado em virtude das tensões revolucionárias socialistas na Rússia e na Alemanha e a I Guerra Mundial se originou da tentativa de conter essa onda de revoluções. d) para se compreender as origens da I Guerra Mundial, é necessário identificar os conflitos entre as potências imperialistas da Europa na disputa por espaços de exploração neocoloniais. e) apesar da oposição das potências europeias ao confronto bélico que ficou conhecido como I Guerra Mundial, esse conflito foi provocado pelos Estados Unidos, interessados na decadência da Europa. 121 ENTREGUERRAS: A GRANDE DEPRESSÃO DE 1929 E A NOVA CRISE DO CAPITALISMO 7.1 O CRASH DA BOLSA E CRISE DO LIBERALISMO A crise de 1929 é um dos maiores traumas da história, marcando a história de todos os povos. Ela gerou uma reviravolta gigantesca e até hoje é lembrada por governantes, especialistas e intelectuais em geral como a principal turbulência econômica dos últimos 111 anos. Na nossa memória recente, ela foi evocada após a chamada Grande Recessão de 2008, quando o sistema financeiro americano e seu vínculo com a especulação imobiliária, gerou uma reação em cadeia de tamanha magnitude, afetando, principalmente, a economia dos países desenvolvidos – intimamente ligados às estruturas bancárias norte-americanas, porque também fundidas em ações e investimentos. A crise de 1929 e a crise de 2008 tiveram motivos semelhantes, dentre eles, grosso modo, o caráter concentrador do sistema econômico de tipo capitalista. Ao mesmo tempo, ambas crises apontam para índices socioeconômicos semelhantes, levando-nos a constatar que o desenvolvimento capitalista possui determinados padrões cíclicos estruturais. Separadas por 79 anos, as crises de 1929 e 2008 escancararam as desigualdades sociais oriundas da concentração de renda nos Estados Unidos e em grande parte do mundo sob hegemonia do sistema capitalista. Tais eventos levam ao aprofundamento da discussão sobre a natureza desse modelo econômico e civilizatório. Entretanto, existem diferenças fundamentais entre ambas as crises, dentre elas o questionamento dos valores e princípios fundamentais da democracia liberal. Se em 2008 tal discussão ficou concentrada em movimentos sociais com pouco poder de contestação estrutural, em 1929 a crise do capitalismo nos Estados Unidos contribuiu para colocar a visão de mundo ocidental em xeque, pressionada pela hipótese civilizatória socialista em construção “no Oriente”, a União Soviética (HOBSBAWM, 1995). A Europa do Pós-Guerra colocou também os valores liberais em xeque. Mer- gulhados numa crise econômica, com inflação, perdas territoriais e dívidas sem Erro! Fonte de referênci a não encontra da. 122 precedentes, na Alemanha e Itália surgem projetos políticos pautados em um nacionalismo agressivo, ressentido pelas derrotas da Primeira Guerra e intimamente expansionista. Inicia-se um resgate de um passado de cunho romântico como força ideológica fundamental. No caso italiano, inicia-se uma sistematização de “retorno ao passado” do Império Romano; no caso alemão, inspirado também pelos movimentos ocorridos na Itália, tentava-se consolidar, somada a essa inspiração, uma visão de mundo pautada na superioridade racial ariana, cujo estímulo era a ocupação de territórios situados no Leste Europeu – o chamado Lebensraum, “A Terra Prometida”. Para se fazer valer desse sentimento, foi necessário, portanto, construir uma espécie de 3ª Via Ideológica, anti-liberal, mas, acima de tudo, anticomunista. Uma vez que para o comunismo a utopia política se fundava no fim das classes sociais, na extinção das nacionalidadese na “construção do novo homem”, tanto para o fascismo italiano quanto o nazismo alemão o bolchevismo russo era a grande chaga a ser enfrentada. Para entendermos a crise durante o período entreguerras no contexto europeu e russo e as distinções ideológicas que culminarão no desabar da ordem mundial inaugurada no primeiro pós-guerra com a Liga das Nações, é necessário assinalar os motivos e as consequências que levaram ao ocaso da Grande Depressão. Em primeiro lugar, é preciso entender a ideia de crise no sistema capitalista. Ela não era algo desconhecido e tampouco não formulado, desde o ponto de vista das teorias clássicas da economia – ou seja liberais, promotoras e defensoras da auto-regulação do mercado (laissez-faire). Acreditava-se, entre meados do século XIX e os anos 1920, que as crises de produção ocorriam dentro de um determinado ciclo temporal, entre 7 a 11 anos. Do ponto de vista da escola marxista, que apostava na hipótese concentradora do capital, as crises possuíam ciclos de longo prazo, além de ondas consideradas curtas, conforme explicadas pelas teorias clássicas. O primeiro a formular tal tese para além de Karl Marx no campo do materialismo histórico e dialético foi o economista soviético Nikolai Kondratiev. Segundo ele, era possível perceber uma certa constante, de longa duração nos padrões de desenvolvimento econômico, produzindo “longas ondas” de acumulação. Elas teriam em média 50 a 60 anos e, segundo suas previsões, esta “longa onda” de desenvolvimento e 123 exacerbado crescimento econômico, perceptível do ponto de vista global desde meados do século XIX, estava para terminar (HOBSBAWM, 1995). Se pela teoria liberal as crises de superprodução poderiam ser superadas a partir de determinados mecanismos internos ao próprio capitalismo, para Marx e seus seguidores o capital possuía uma natureza de produção insuperável de determinadas contradições internas. Dentro dessa leitura, o sistema econômico capitalista estaria inerentemente sujeito à sua própria falência. Uma das causas estruturais para a crise de 1929 foi a expansão contínua do crescimento econômico, acarretando numa superprodução. Nesse sentido, dentro dos termos liberais, a oferta superou em muito a procura mundial dos produtos, levando a, por um lado, um vertiginoso crescimento dos lucros dos homens de negócios e de setores dirigentes da sociedade; e por outro, produziu-se uma massa de trabalhadores com salários restritos, com baixo poder de consumo. Nesse sentido, a alta taxa de lucro levou a uma especulação financeira sem precedentes no mundo de até então e, consequentemente, na construção de um mercado de compradores – leia-se: trabalhadores - incapaz de se auto sustentar. Conforme indicado por Breen (1992, p. 568): A explicação básica para a Grande Depressão está no fato de que as fábricas dos Estados Unidos produziam mais bens do que o povo americano poderia comprar. Havia outras causas correlatas- condições econômicas instáveis na Europa, o declínio da agricultura desde 1919, administração deficiente das empresas e corporações e especulação excessiva- mas no fundo as pessoas simplesmente não tinham dinheiro suficiente para comprar os bens de consumo que saiam das linhas de montagem. Veja o que diz Breen sobre o cotidiano do povo durante a Grande Depressão: “É difícil medir os custos humanos da Grande Depressão. As dificuldades materiais já eram demasiado ruins. As famílias moravam em barracos de sobras de madeira e de lata e viveram sem carne e verduras frescas durante meses, subsistindo com uma dieta de sopa e feijão. O fardo psicológico era ainda maior. Os americanos sofreram anos e anos de pobreza sem nenhuma esperança à vista. Os desempregados faziam fila horas e horas à espera de um cheque de auxílio-desemprego. Veteranos de guerra vendiam maçãs ou lápis nas esquinas das ruas, questionando sua própria humanidade. Na área rural, os produtos apodreciam nos campos porque os preços eram tão baixos que não valia a pena colher” (BREEN, 1992, p.569). 124 Segundo Hobsbawm (1995), é preciso salientar que, apesar de ser tratada como uma Depressão, o crescimento econômico ainda se manteve, mesmo com taxas reduzidas. Portanto, seria equivocado dizer que não houve crescimento eco- nômico durante esse período. Ainda segundo o historiador inglês, os Estados Unidos cresceram a uma taxa de 0,8% ao ano entre os anos de 1913 e 1938, mostrando uma tendência de “expansão contínua”, mesmo após a crise. Isso contudo não quer dizer que sua economia não tenha sido fortemente atingida, provocando um desemprego em massa, a quebra de pequenos, médios e grandes negócios e uma consequente redução drástica em sua produtividade, ou seja, no seu desenvolvimento industrial. Além disso, as taxas de importação de produtos estrangeiros também foram largamente reduzidas. Do ponto de vista do comércio exterior e das finanças, para se ter uma ideia, o fluxo de empréstimos oferecidos pelos norte-americanos para outros países foi reduzido em 90% (!). Com a Grande Depressão e a quebra da Bolsa de Valores de Nova Iorque, as classes populares perderam seus empregos e se viram totalmente desamparadas. As cidades no interior dos Estados Unidos presenciaram a fome e a miséria, com agricultores sem condições de plantio. Nos grandes centros urbanos, o desemprego atingiu níveis extraordinários, ocasionando no aumento da marginalidade e da violência. Em resumo: o mundo durante esse período chacoalhou, como bem observa Hobsbawm (1994, p. 87) no seguinte trecho: Não surpreende, portanto, que os efeitos da Grande Depressão tanto sobre a política quanto sobre o pensamento público tivessem sido dramáticos e imediatos. Infeliz o governo por acaso no poder durante o cataclismo, fosse ele de direita, como a presidência de Herbert Hoover nos EUA (1928-32), ou de esquerda, como os governos trabalhistas na Grã-Bretanha e Austrália. A mudança nem sempre foi tão imediata quanto na América Latina, onde doze países mudaram de governo ou regime em 1930-1, dez deles por golpe militar. Mesmo assim, em meados da década de 1930 havia poucos Estados cuja política não houvesse mudado substancialmente em relação ao que era antes do crash. Na Europa e Japão, deu-se uma impressionante virada para a direita, com exceção da Escandinávia, onde a Suécia entrou em seu governo social-democrata de meio século em 1932, e na Espanha, onde a monarquia Bourbon deu lugar a uma infeliz e, como se viu, breve República em 1931. Falaremos mais disso no próximo capítulo, embora se deva dizer logo que a quase simultânea vitória de regimes nacionalistas, belicosos e agressivos em duas grandes potências militares — Japão (1931) e Alemanha (1933) — constituiu a consequência política mais sinistra e de mais longo alcance da Grande Depressão. Os portões para a Segunda Guerra Mundial foram abertos em 1931. 125 Se o epicentro da já maior economia do mundo passou por uma profunda destruição, no caso dos países europeus a situação foi ainda pior, em especial a já mencionada Alemanha. No caso latino-americano, em especial o brasileiro, dependente da venda de matérias-primas como café, viu-se uma redução drástica da demanda no comércio exterior. O futuro presidente, Getúlio Vargas, para evitar uma quebra ainda maior da oligarquia cafeeira e de nosso principal produto no mundo, ordenou a compra das sacas de café estocadas em excesso nas fazendas de São Paulo, com o intuito de reequilibrar a demanda de mercado. Inspirado pelo clímax antiliberal no mundo, Vargas irá inaugurar, a partir da Revolução de 1930, um período de intervenção estatal na economia, visando a industrialização econômica e a reformulação e ampliação do Estado nacional. Para alguns especialistas ehomens da época, Vargas era visto como o “Roosevelt dos Trópicos”, para outros era um líder que flertava com a experiência fascista de Mussolini, observável a partir da criação de uma estrutura sindical corporativista a partir da Carta do Trabalho e a instauração de uma ditadura de 1937, conhecida como Estado Novo. Para outros, foi um líder nacionalista antiliberal, que flertou com muitas ideias de caráter socialista. Enfim, como se vê, o período inicial do chamado varguismo no Brasil é palco para diversos debates no campo da historiografia. Também sinaliza o turbulento sinal dos tempos oriundos do cataclisma civilizatório da Grande Depressão. Cabe agora compreendermos as experiências políticas internacionais mais relevantes deste período que, num breve espaço de tempo, iriam se chocar numa guerra sem precedentes na história: a Segunda Guerra Mundial. 7.2 A CONSTRUÇÃO DO BEM-ESTAR SOCIAL: O NEW DEAL NOS ESTADOS UNIDOS E O ABALO DO LIBERALISMO NAS AMÉRICAS Com a eleição de Franklin Roosevelt e sua política de reformas conhecida como New Deal (Novo Acordo), o Estado teve maior participação nas atividades econômicas. Inspirado nos ideais de John Maynard Keynes, Roosevelt criou programas de assistência social e recuperação financeira, realizou diversas obras públicas, gerando novos postos de trabalho em todo o país. Nesse sentido, a economia reaqueceu, uma vez que os trabalhadores puderam novamente ter poder de compra e, com isso, fazer com que houvesse um giro de capital, 126 reequilibrando as condições de oferta e demanda do mercado. Afinal, quais eram as características desse novo sistema político e econômico? A primeira delas é a de tentar desenvolver reformas mais profundas, porém mantenedoras de uma estrutura produtiva de tipo capitalista. O Estado seria concebido como uma entidade que promoveria maiores marcos regulatórios na sua relação com as instituições financeiras. Foi a partir disso que se desenvolveu a política rooseveltiana, assentada na retaguarda de intelectuais específicos para cada área com o intuito de estabelecer uma regulação que moralizasse o serviço público e, consequentemente, sua relação com as instituições privadas, até então atacadas pela opinião pública, responsáveis pela fraude e a ganância que caracterizaram a elite política e econômica daquele período. Nas palavras do escritor da época, Scott Fitzgerald, os anos 1920 foram os “tempos de excessos” da sociedade americana. Tal regulação foi gerida por um corpo de intelectuais mais conhecida como Brain Trust (“Conselho de Cérebros”) disposta a auxiliar o presidente a tomar as melhores decisões em nome da razão de Estado e a sua consequente recuperação econômica. Esse grupo foi responsável por aprofundar não somente as reformas institucionais, como também por propor medida consideradas heterodoxas, de inspiração keynesiana, para alavancar novamente a economia norte-americana, criando uma sociedade que almejasse o pleno emprego. Para se ter uma imagem mais aprofundada sobre a Crise de 1929, acesse a obra “História, Economia, Política e Sociedade no Século XX”, de Karina Kosicki Belloti (2019). Disponível em: https://bit.ly/2PZtUYM. Acesso em: 30 mar. 2021. Para se ter uma ideia desse período, recomendamos o filme “O Grande Gatsby”, estrelando Leonardo DiCaprio, acessível no Youtube: https://bit.ly/3mjWBMn. Acesso em: 30 mar. 2021. https://bit.ly/2PZtUYM https://bit.ly/3mjWBMn 127 Figura 24: Imagem de um jornal que deu a alcunha para o Conselho de Cérebros. Ao centro está a imagem de Franklin Delano Roosevelt Fonte: Disponível em: https://bit.ly/3cRtNYn. Acesso em: 30 mar. 2021. A primeira medida de Roosevelt foi recuperar a saúde bancária do país. Roosevelt fechou todos os bancos. Posteriormente, apresentou uma legislação que previa a supervisão e o auxílio financeiro governamental às instituições financeiras privadas. Com isso estabeleceu um parâmetro de diferenciação: os bancos “mais fortes abririam com o governo federal, os fracos seriam fechados, e os que estives- sem em dificuldades seriam socorridos com empréstimos do governo” (BREENER, 1992, p. 572). As grandes obras públicas, cujo objetivo era a modernização de áreas rurais atrasadas deram o “tom keynesiano” no estilo da sua política econômica. Dentre elas, destaca-se a grande obra fluvial situada na região do Vale do Tennessee (Tennessee Valley Authority-TVA). https://bit.ly/3cRtNYn 128 Figura 25: Construção do TVA em 1935, em processo de finalização Fonte: Disponível em: https://politi.co/31Mq48j. Acesso em: 30 mar. 2021 Roosevelt criou inúmeras instituições que visavam um alcance estatal aos mais desfavorecidos. Eram órgãos que visavam reduzir o desemprego em todas as áreas, passando pelo trabalho industrial, rural e até mesmo no campo da cultura, no qual vários escritores e artistas foram contratados pelo governo para “retratar a vida americana”. Dentre eles, destaca-se a obra Invisible Man (O Homem Invisível) de Ralph Ellison. O autor foi financiado em 1937 pelo Projeto Federal de Escritores (Federal Writers’ Project). No setor rural, foi proposto um plano de recuperação industrial agrícola, cuja meta era estabelecer “códigos de concorrência estimulantes” (BREENER, 1992, p. 573) para manter limites realistas de produção, evitando, com isso, a superprodução. A medida consistia em dar subsídio aos produtores agrícolas, mantendo parte de suas terras com uma porcentagem de produtividade inferior ao tempo de superprodução e, ao mesmo, tempo, que garantisse uma linha de crédito que não causasse maiores prejuízos. A tentativa de busca de um equilíbrio de preços a partir dessa metodologia mostrou-se eficiente por um lado, aumentando a produtividade real dos produtos. No entanto, ela foi feita às custas dos pequenos e médios agricultores, em grande parte arrendatários de grandes terras que foram utilizadas pelos grandes fazendeiros para se adequarem ao programa de benefícios do governo. Segundo Breener (1992), a política econômica e social mais bem sucedida de FDR se deu em favor dos desempregados e mais necessitados. O New Deal criou um sistema de auxílio desemprego – A Corporação de Reconstrução Financeira (Reconstruction Finance Corporation) de cerca de US$ 500 bilhões destinados aos https://politi.co/31Mq48j 129 estados para auxiliar a população. Tal medida “remou contra a maré” do seu opositor e ex-presidente Robert Hoover, favorável ao combate à pobreza no terreno da “política de caridade voluntária” sem, portanto, a participação estatal na condução dos auxílios emergenciais. Em 1935 é criado um plano de Previdência Social. Considerado uma afronta ao modo de vida americano, pautado no self-made man, a ideia de um auxílio governamental àqueles desprotegidos numa sociedade industrial enfrentou muitas resistências no Congresso e, especialmente, nos Tribunais Superiores, de claro corte conservador. Um plano de benefícios para os trabalhadores, pago por empresários e contribuintes era visto como algo que “contrariava as mais profundas e enraizadas convicções americanas” (BREENER, 1992, p. 579). Além disso, a plataforma do New Deal também colocou em vigor uma legislação trabalhista, que estabelecia a negociação entre entidades sindicais e empresariais para estabelecer padrões lícitos de trabalho. Isso fortaleceu as entidades que num primeiro momento abrigavam os trabalhadores rurais e urbanos não ligados à atividade industrial. Com a consolidação das leis trabalhistas e do movimento sindical, os trabalhadores do ramo automobilístico também começaram a fazer parte das negociações, estabelecendo metas e acordos coletivos para a melhoria dos seus salários. Entre oplano de recuperação e a realidade, Roosevelt e seus aliados depararam-se com uma sociedade de hegemonia conservadora e condução liberal. Além disso, os planos e metas estabelecidos nem sempre conseguiram alcançar os objetivos almejados, como podemos observar nas medidas de recuperação agrícola. Roosevelt também teve que lidar com crises econômicas internas, destacando-se a de 1937, que recrudesceu o desemprego para 10 milhões de trabalhadores e reduziu a atividade industrial em cerca de 30% (BREENER, 1992). Apesar disso, aquilo que será chamado como a “segunda etapa do New Deal”, que demarca o período de entrada dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial, será o momento de maior prosperidade sob o governo rooseveltiano, atingindo o pleno emprego, principalmente entre os anos de 1941-1942, onde o desemprego atingiu os menores índices desde o início da crise de 1929 (menos de um milhão). 130 Roosevelt deixou um legado que marca até hoje a sociedade norte- americana, sendo o líder carismático habilidoso, capaz de falar com a população de forma simples e direta, dando as condições psicológicas para as massas suportarem as dificuldades e o medo da Grande Depressão. Também foi conhecido pela sua capacidade de concertação política entre conservadores e liberais situados no espectro da esquerda norte-americana. Acima de tudo, adotou um estilo moderado e que produziu importantes alterações na forma de condução social do capitalismo industrial. Para observadores situados mais à esquerda, tais reformas produziam “camadas finas” de regulamentação. Para um observador mais conservador, Roosevelt pode ser encarado como um “proto-socialista”, uma vez que promoveu uma intervenção excessiva do Estado na economia. Acima de tudo, trata-se de uma figura controversa e habilidosa, responsável por criar um legado que ainda influencia o imaginário político e social contemporâneo. Observe as ideias de John Maynard Keynes, o economista defensor do pleno emprego e do Estado de Bem-Estar Social na sua obra Teoria Geral do Emprego, do Juro e do Dinheiro: “Ademais, o argumento de que o desemprego que caracteriza um período de depressão se deva à recusa da mão-de-obra em aceitar uma diminuição dos salários nominais não está claramente respaldado pelos fatos. Não é muito plausível afirmar que o desemprego nos Estados Unidos em 1932 tenha resultado de uma obstinada resistência do trabalhador em aceitar uma diminuição dos salários nominais, ou de uma insistência obstinada de conseguir um salário real superior ao que permitia a produtividade do sistema econômico. Amplas são as variações por que passa o volume de emprego sem que haja qualquer mudança aparente nos salários reais mínimos exigidos pelo trabalhador ou em sua produtividade. O trabalhador não se mostra mais intransigente no período de depressão que no de expansão, antes pelo contrário. Também não é verdade que a sua produtividade física seja menor. Estes fatos, emanados da experiência, constituem, prima facie, o motivo para pôr em dúvida a adequação da análise clássica” (KEYNES, 1983, p. 20). 131 7.3 O NAZIFASCISMO: BREVE ABORDAGEM CONCEITUAL E HISTORIOGRÁFICA Essa palavra, de todas ligadas ao vocabulário político contemporâneo, foi uma das que mais aceitou diferentes significados e abordagens de interpretação. Atualmente, percebe-se uma utilização massiva, principalmente por grupos mais à esquerda do espectro político brasileiro. Tendencialmente, a caracterização de um “fascista” hoje se dá pelo seu aspecto autoritário e intolerante, avesso às diferenças democráticas e ao respeito à liberdade de opinião. Para caracterizar movimentos contemporâneos de direita e extrema-direita, grupos partidários e alguns setores mais restritos da opinião pública tem-se utilizado do termo neofascismo, numa clara alusão de continuidade dos projetos políticos consolidados na Europa Ocidental nos anos 1930. Entretanto, é possível assumir tamanha abrangência para caracterizar o que se chama de fascismo histórico? O componente conservador e autoritário são elementos suficientes para demarcar tal posição? Conforme assinalado por Falcon (2008), o fascismo tornou-se uma “ideia descarnada” de sua origem histórica. O risco, segundo o autor, é a construção de uma análise pautada em anacronismos e em essencialismos que não condizem com a realidade material do significado político do fascismo. É preciso observar a polissemia deste conceito. Cabe a nós, historiadores, compreendermos que o fascismo possui múltiplas interpretações históricas adotadas não somente por diferentes espectros ideológicos, como também de abordagens divergentes no campo das ciências sociais. Nesse sentido, as escolhas epistemológicas e políticas irão produzir diferentes interpretações sobre esse período histórico peculiar. No nosso caso, escolhemos uma abordagem historicista para a interpretação do fenômeno do fascismo, seguindo as orientações dos especialistas Falcon e Michael Mann. Tal abordagem procura entender a construção da identidade do fascismo no seu contexto de criação e formulação ideológica, Para se ter uma representação sobre Franklin Delano Roosevelt, assista ao filme “Um final de semana em Hyde Park” (2013), interpretado pelo ator Bill Murray . Assista o trailer em: https://bit.ly/3cRyWQ7. Acesso em: 30 mar. 2021. https://bit.ly/3cRyWQ7 132 apontando as bases de sustentação política e social que deram condições objetivas para sua experiência de governo, em especial no caso italiano. A origem da palavra remete ao termo do italiano fascio, que remete a união, feixe. Ela procura recuperar uma força simbólica dos magistrados da Roma Antiga. Ela está associada ao fascio di combattimento, movimento de antigos combatentes da Primeira Guerra Mundial criado em 1919 por Benito Mussolini. Segundo Falcon (2008, p. 14, grifo do autor): A palavra fascismo designa, assim, um movimento político-ideológico liderado por Mussolini, e, a partir de 1922, o regime político estabelecido, aos poucos, na Itália que deveria constituir a base para a construção do Estado Fascista. Pouco a pouco, no entanto, foram sendo denominados fascistas, ou assim autodenominando, diversos movimentos e partidos nacionalistas situados à extrema-direita do espectro político. Em comum, eles possuem estruturas centradas na liderança de um chefe – tal como, na Itália, a figura de Il Duce – e são visceralmente antiliberais, antidemocráticos, antibolchevistas . Dentro desta abordagem historicista, o fascismo é encarado como um “desenvolvimento do autoritarismo moderno”, num contexto de derrota dos movimentos operários e de “rendição do Estado Liberal” ao autoritarismo moderno de corte político fascistizante (FALCON, 2008, p.15). Do ponto de vista intelectual, Nolte (apud FALCON (2008) aponta para o fato de que o fascismo surge como uma reação ao anti-bolchevismo em ascensão na Itália e na Europa. Nesse sentido, o principal inimigo político do fascismo seria a hipótese comunista. Tal interpretação legitima essa tese do ponto de vista das alianças e da consolidação da base social. Mesmo antiliberal do ponto de vista discursivo, o fascismo não hesitou em promover uma aliança com as classes dirigentes, composta por empresários e frações das aristocracias, representadas na perspectiva anti-marxista, temerosa da Revolução Russa e do seu impacto político em toda a Europa Ocidental. https://bit.ly/3sRxNxK 133 Afinal, para além dos aspectos mais adjetivos, quais são as características mais específicas que dão substância e peculiaridade à hipótese fascista? Segundo Mann (2008), o fascismo é caracterizado pela consolidação de quatro fontes de poder social: o ideológico, o econômico, o militare o político. Tais dimensões eram conduzidas por uma lógica nacionalista, que procurava a construção de uma “particularidade essencial” romântica de diferenciação. Segundo o historiador estadunidense, o fascismo consolidou um “nacionalismo de limpeza”, vinculado a uma “lógica estatista” que promovia o enfrentamento direto nas ruas a partir de grupos políticos paramilitarizados. Figura 26: Mussolini (de faixa ao centro) discursa para seus simpatizantes em Nápoles, em 24 de outubro de 1922 Fonte: Disponível em: https://bit.ly/3sRxNxK. Acesso em 30 mar. 2021 O nacionalismo de limpeza era caracterizado pela afirmação de uma nação orgânica, de um corpo unificado, integral, em oposição ao pluralismo e à diversidade; estimulava a luta contra os inimigos estranhos à pátria, reivindicando um espírito nacional purificador; e, em terceiro lugar, promovia a limpeza étnica, cujo método se daria a partir do enfrentamento dos inimigos por meio da sua remoção física (HOBSBAWM, 1995). O Estado seria o grande provedor de um “projeto moral para a sociedade”. Mussolini defendia uma sociedade orgânica, assentada na divisão do trabalho, no qual cada coletivo seria parte de um todo homogêneo, porém dividido em funções distintas. Essa lógica corporativista foi a base ideológica de sustentação dos seus princípios autoritários, que seriam consolidadas e constituídas por um partido de elite, no qual a figura do líder carismático era central, uma espécie de https://bit.ly/3sRxNxK 134 elemento síntese da vontade coletiva da nação. É deste estilo político que o poder do Duce cresce, tornando-se o condottiero de corte autoritário e homogeneizador. O terceiro elemento das características do fascismo é a transcendência. Haveria um corpo moral condutor dirigido pelo Estado capaz de transcender os conflitos entre as classes sociais. Esse estadismo transcendental submetia-as ao particularismo essencial da nação. O Estado, ao subordinar a particularidade individual a um corpo orgânico nacional, assumiria as responsabilidades concretas do planejamento da sociedade. Do ponto de vista prático, a estratégia fascista procurava estabelecer uma relação com velhos regimes que remontam o passado nacional “glorioso “– leia-se autoritário. Propôs uma aliança orgânica entre as classes altas e baixas e procurou distinguir-se do sistema financeiro, em grande parte estereotipada como de origem semita/judia. A construção do bode expiatório antissemita – ou seja, intolerante aos judeus – foi mais perceptível no nazismo alemão, apesar de ter sido aceita de forma implícita pela experiência fascista italiana. O quarto e último elemento que caracteriza o fascismo é a construção de um partido político militarizado, cujo objetivo era a construção de milícias armadas, compostas por setores da classe operária que se dispusessem a implementar o projeto de limpeza nacionalista, confrontando-se nas ruas, principalmente, com sindicalistas e militantes do Partido Comunista Italiano. Veja o que diz Michael Mann a respeito do contexto geopolítico da Europa no pós- Primeira Guerra Mundial e os motivos que levaram a ascensão do fascismo: 135 7.3.1 Quais foram as causas que culminaram na ascensão do fascismo? Conforme já mencionamos, o período pós-Primeira Guerra foi de suma importância para a geração de um ressentimento no seio da sociedade italiana e de nações ao seu Leste, como a Romênia, Áustria e Hungria, no qual os movimentos autoritários de direita tiveram grande força e impacto. Mussolini soube se aproveitar deste sentimento. Além disso, os aspectos econômicos e sociais da crise econômica de meados dos anos 1920. Entretanto, tal dimensão não pode ser destacado como o motivo principal para a ascensão de regimes autoritários de direita no continente. Tanto Inglaterra quanto Estados Unidos, também fortemente atingidos pela crise, mantiveram suas estruturas políticas liberais sem que fossem levadas para governos de caráter mais autoritário. Foram a confluência das crises do pós-guerra, da Grande Depressão, a crise militar. Ideológicas e políticas que criaram as condições favoráveis para a ascensão de tais regimes no chamado Velho Mundo (MANN, 2008). Afinal, como o fascismo conseguiu se consolidar como um pensamento político “universal da extrema-direita”? autoritários, enquanto que os do noroeste da Europa permaneceram liberais democráticos (e a União Soviética permaneceu distinta). Para cada país, o mapa dá a data em que o principal grupo de direita autoritária atacou. Isso simplifica minha primeira pesquisa numa pergunta: por que apenas uma região geográfica se tornou autoritária? O surgimento do autoritarismo de direita ocorreu principalmente em resposta à crise econômica, militar, política e ideológica gerada ou intensificada pela Primeira Guerra Mundial. Antes da guerra, a Europa estava lentamente caminhando em direção à democracia. Embora fascistas já existissem, eles eram formados apenas de pequenos grupos de militares e intelectuais. Se não tivesse tido a Guerra e as crises que ela trouxe, não teria surgido nenhuma figura autoritária expressiva, e o fascismo teria sido apenas uma nota de rodapé na história mundial. Não teria existido o regime de Hitler, nem o Holocausto e, provavelmente, a Segunda Guerra Mundial não teria acontecido também. Portanto, as crises pós-guerra são extremamente importantes para explicar o fascismo. Elas envolvem as quatro fontes de poder. Trecho extraído de MANN, Michael. Ascensão e Queda do Fascismo. In: Parada, Marcelo (org.). Fascismos: Conceitos e Experiências. Rio de Janeiro: Mauad X, 2008. 136 Para Hobsbawm (1995), o fascismo italiano recebeu um aliado indispensável para essa expansão em 1933, na medida em que sua versão alemã - o nazismo - assumiu o poder, dando fim à República de Weimar e instituindo o regime de parti- do único. Sob a liderança de Hitler e o Partido Nacional-Socialista, a Alemanha consolidou um desenvolvimento econômico e industrial, por meio de uma estrutura estatal verticalizada e altamente militarizada. A partir do momento em que retoma esse desenvolvimento, a Alemanha hitlerista passa a assumir, no plano geopolítico, um papel cada vez mais confrontador. A elevação desta postura bélica acarretará a eclosão da Segunda Guerra Mundial, tópico que trataremos na próxima unidade. Para além das questões comuns do fascismo italiano, como o culto à Totalitarismo: uma comparação possível? O nazi-fascismo é um dos temas mais controversos na história intelectual, na história política e na historiografia. Existem diversas abordagens a serem levadas em consideração. Uma das opções interpretativas mais recorrentes e nem por isso pouco controversa é aquela produzida por Hannah Arendt em seu Origens do Totalitarismo. Nela, a filosofa judio-alemã erradicada nos Estados Unidos faz uma abordagem comparativa das experiências nazi-fascistas e o regime stalinista soviético. Atualmente, tal abordagem tem sido largamente questionada, em especial pelo campo marxista, representado pelo filósofo e historiador italiano Domenico Losurdo. Para saber mais sobre esse tema recomendamos a leitura da Parte III (O movimento totalitário) das Origens de Hannah Arendt e o artigo de Domenico Losurdo, publicado pela revista Crítica Marxista, da UNICAMP, disponível em: https://bit.ly/3dxg73U. Acesso em: 30 mar. 2021. Acesso em: 30 mar. 2021. https://bit.ly/3dxg73U https://bit.ly/2R4jDep 137 personalidade, a mobilização de massas por meio de um nacionalismo de limpeza e o enfrentamento miliciano de natureza ideológica antimarxista e antiliberal, o nazismo alemão conseguiu inventar suas próprias tradições supostamente modernas. Inspirados pela teoriagenética, ainda influenciada pelo clímax cultural criado pelo darwinismo social de fins do século XIX – uma distorção interpretativa de corte conservador das teorias da evolução de Charles Darwin – cuja premissa não era a interpretação da raça humana como uma entidade universal, mas a manutenção estrutural das diferenças fenotípicas entre os homens a partir da cor de sua pele ou de seu status cultural conforme um entendimento arbitrário do que seria uma sociedade evoluída ou não. Nesse sentido, a genética aplicada – a eugenia – criaria um escalonamento evolutivo “das raças humanas”. A utopia hitlerista, disfarçada de moderna, buscaria, com isso, a constituição de um super-humano “a partir da reprodução selecionada e a eliminação dos inaptos” (HOBSBAWM, 1995, p.118, tradução nossa). Figura 27: Descendência racial sendo determinada pela medição de uma orelha no Instituto Kaiser Wilhelm na Alemanha. Fonte: A Enciclopédia do Holocausto. Disponível em: https://bit.ly/3fLiymi. Acesso em 30 mar. 2021 https://bit.ly/3fLiymi 138 Num contexto de migração em massa e a organização da luta dos trabalhadores em diversas partes do mundo industrializado e não industrializado, o ressentimento traduziu-se em um tipo de nacionalismo de limpeza. A irracionalidade nazifascista aproveitou-se do pânico gerado pelas transformações em andamento, somado pelas profundas crises políticas e econômicas, alimentando, com isso falsos bodes expiatórios existentes. Para além do bode expiatório comunista, alimentado por todo o mundo ocidental, o nazismo culpabilizou os judeus pela decadência econômica, moral e intelectual de todo o povo alemão. Tratado como raça inferior e gananciosa, uma vez presente em alguma medida no mundo comercial, os judeus começaram a ser perseguidos, tiveram seus bens confiscados e foram parar em campos de extermínio. Essa política de ódio ficou mundialmente conhecida como Holocausto. A junção do imaginário nazifascista, alimentado pela visão antissemita compartilhada em larga medida pelo mundo ocidental (HOBSBAWM, 1995), técnicas de comunicação de massa (rádio e cinema) e um planejamento industrial em larga escala de extermínio de inimigos (bolcheviques, judeus, liberais, raças inferiores à ariana, etc.), fez com que o fim dos anos 1930 se preparasse para mais um conflito de proporções inimagináveis. Foi o momento em que a tradição iluminista, pautada nos princípios de igualdade, liberdade, fraternidade e justiça, em seus mais variados espectros e matizes (liberal, socialdemocrata, socialista, comunista, etc.) se uniu numa Frente Ampla de luta contra o nazi-fascismo e seus aliados na Europa e em todo o mundo. Esse será o tema da nossa próxima unidade. https://bit.ly/3cQkWWJ 139 FIXANDO O CONTEÚDO 1. (CONSESP 2018- Adaptada) O principal fator que contribuiu para a Crise de 1929 foi a expansão de crédito, emitido pelo Federal Reserve System – Sistema de Reserva Federal – (uma espécie de Banco Central Americano) desde 1924, ainda sob o governo do presidente Calvin Coolidge. Para se entender o porquê de a expansão de crédito ter gerado a crise, é necessário compreender um pouco do contexto econômico da década de 1920. (Fonte: http://historiadomundo.uol.com.br/. Acesso em dezembro de 2017) As consequências da crise de 1929 para os trabalhadores foram sentidas da seguinte forma: a) diminuição dos financiamentos em bancos. b) falta de alimentos e diminuição dos postos de trabalho somente no campo na atividade agrícola. c) aumento dos preços das mensalidades escolares dos filhos. d) aumento do desemprego e o atraso dos salários. e) Nenhuma das altermativas. 2. (CONSESP 2018- Adaptada) A crise de 1929 acarretou as principais consequências iniciais para os trabalhadores: a) aumento do desemprego com manutenção dos salários. b) aumento dos preços das mensalidades escolares dos filhos e dos itens da cesta básica. c) diminuição dos financiamentos em bancos para aquisição de bens imóveis. d) falta de alimentos e diminuição dos postos de trabalho na atividade agrícola. e) O aumento da produtividade e a queima de estoques com o objetivo de regularizar a oferta e a demanda. 3. (FUNDEP/2019-Adaptada) A partir da década de 30 do século XX, algumas democracias adotaram políticas intervencionistas de matriz keynesiana para recuperar a economia, abalada pela chamada Grande Depressão de 1929. 140 De acordo com Eric Hobsbawn, em sua obra A Era dos extremos: O breve século XX: 1914-1991, o principal desdobramento da Grande Depressão foi a(o) a) surgimento da chamada contracultura, que teve seu ápice na década de 1960, criticando valores tradicionais do status quo. b) fortalecimento da direita radical calcada em valores nacionalistas e anticomunistas inspirada pelo movimento fascista. c) proliferação de regimes socialistas no Ocidente, sob liderança geopolítica da União Soviética. d) reerguimento dos pilares liberais clássicos oriundos da modernidade, por meio das apropriações das doutrinas de Adam Smith. e) Consolidação da ordem diplomática internacional e a solução pacífica dos conflitos. 4. (VUNESP/ 2012- Adaptada) Leia a notícia. Um jovem preso por planejar um massacre contra alunos da Universidade de Brasília (UnB) é suspeito de atuar como representante de grupos neonazistas no Distrito Federal. A Policia Federal (PF) investiga a ligação de Marcelo Valle Silveira Mello. 26 anos. com radicais da Região Sul que pregam o ódio a negros, homossexuais e judeus. Disponível em: http:/www.correiobraziliense.com.br Acesso em 14.05.2012. Adaptado Prática como essa tem como modelo o regime nazista (1933-45), que defendia a) o pluripartidarismo e o anticomunismo. b) a xenofobia e o intemacionalismo. c) a democracia liberal e o nacionalismo de limpeza. d) o nacionalismo de limpeza e o darwinismo social. e) O universalismo e o particularismo. 5. FAFIPA (2015)- Adaptada A partir do final da década de 1920, o capitalismo mer- gulhou numa grande depressão que ficou conhecida como a crise de 1929. Ela explodiu inicialmente nos Estados Unidos da América, mas rapidamente se 141 espraiou para todo o mundo capitalista. A razão para a dimensão mundial desta crise se explica pela(o) a) importância da economia estadunidense que era hegemônica no sistema capitalista mundial. b) mal planejamento das economias dos países capitalistas adeptos do liberalismo. c) crise do sistema capitalista, que ao produzir exclusivamente para o lucro, provocou uma crise de excesso de dinheiro. d) produção em pequena escala e alto poder aquisitivo, em face do que, as mercadorias começaram a faltar no mercado. e) A crise d 1929, não afetou a nenhum outro país, somente aos Estados Unidos. 6. (Pref. Santa Fé do Sul-Adaptada) A crise de 1929 acarretou as principais consequências: a) Muitos países que estavam atrelados ao sistema de crédito americano não sofreram uma grande recessão em suas economias b) crescimento econômico e o aumento dos salários. c) Países como Brasil, por exemplo, emprestaram dinheiro para os Estados Unidos. d) falta de alimentos e diminuição dos postos de trabalho na atividade agrícola. e) Foram criados milhares de empregos, em setores como o agrícola; 7. (CESPE/ CEBRASPE- 2008-Adaptada) Rumo ao abismo econômico Por que a economia capitalista não funcionou entre as guerras? A situação nos EUA é parte essencial de qualquer resposta a essa pergunta. Pois, se era possível responsabilizar, ao menos parcialmente, as perturbações da Europa na guerra e no pós-guerra, ou pelo menos nos países beligerantes da Europa, pelos problemas econômicos ali ocorridos, os EUA tinham estado muito distantes do conflito,embora por um curto e decisivo período tivessem se envolvido nele. Assim, longe de perturbar sua economia, a Primeira Guerra Mundial, como a Segunda, beneficiou-os espetacularmente. Em 1913, os EUA já se haviam tornado a maior economia do mundo, arcando com mais de um terço da produção industrial mundial. Além disso, a guerra não apenas reforçou sua posição como 142 maior produtor do mundo, como os transformou no maior credor do mundo. Em suma, não há explicação para a crise econômica mundial sem os EUA. Isso não pretende subestimar as raízes exclusivamente europeias do problema, em grande parte, de origem política. Eric Hobsbawm. Era dos extremos: o breve século XX. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p. 101-2 (com adaptações). Assinale a opção correta com relação às ideias do texto. a) A crise mundial a que se refere o texto teve seu clímax durante a grande depressão econômica do início da década de 30 do século XX. b) Entre as raízes europeias do problema aludidas no texto, identifica-se a política adotada na Conferência de Paz de Versalhes (1919) de impor à Alemanha o menor pagamento possível relativo às chamadas reparações, para que esse país pudesse recuperar-se economicamente. c) Os EUA, por serem a maior economia do mundo no período da grande depressão, sofreram menos os efeitos desta. d) A economia dos EUA não teve um bom desempenho entre as duas guerras mundiais porque esse país teve de socorrer financeiramente as potências beligerantes da Europa. e) As perturbações da Europa na guerra e no pós-guerra, ou pelo menos nos países beligerantes da Europa, as soluções econômicos ali ocorridos, os EUA tinham estado muito distantes do conflito, embora por um curto e decisivo período tivessem se envolvido na guerra. 8. (UPENET-Adaptada) A Primeira Guerra Mundial teve seu fim no ano de 1918, aproximadamente 4 anos após o seu início, deixando um saldo de mais de 120 milhões de mortos e um número muito maior de feridos. Apesar de toda a devastação, as rusgas que levaram as potências à guerra não foram resolvidas, fazendo com que, no período entre 1918 e 1939, a tensão permanecesse latente. Sobre as consequências do fim desse conflito e do período conhecido como “entre guerras”, analise os itens abaixo: I. Crise econômica capitalista em 1929, tendo como seu ápice o “crack” da bolsa de valores de Nova Iorque e os primeiros anos seguintes. 143 II. Ascensão do nazi-fascismo com Hitler, na Alemanha, Mussolini na Itália e a consolidação do socialismo com Stalin na União Soviética. III. Ascensão dos Estados Unidos como potência mundial no cenário econômico, político e militar. Está(ão) CORRETO(S): a) I e II, apenas. b) I e III, apenas. c) II e III, apenas. d) II, apenas. e) I, II e III. 144 SEGUNDA GUERRA MUNDIAL 8.1 PREPARANDO PARA A GUERRA TOTAL A primeira metade do século XX pode ser caracterizada por uma obsessão inigualável pela defesa militar e a seguridade nacional. Quem busca se proteger de forma paranoide, tende a criar motivos para atacar de forma defensiva. Tende a assumir uma ofensiva em busca de novos territórios, em nome de uma nacionalidade especial e/ou uma ideologia que consolida um destino manifesto para a agressão. O messianismo do mundo até 1945 era pendulado pela justificativa da guerra total (HOBSBAWM, 1995). Segundo o historiador britânico, a geração que viveu e liderou a política nos anos 30 viveu assombrada pelo trauma de mais uma nova guerra, em um curto intervalo de tempo (HOSBAWM, 1995). Cabe lembrar que já na segunda metade dos anos 1930, o General Francisco Franco promove um golpe militar na Espanha, cujo intuito era a aniquilação da “República de Trabalhadores” (VILAR, 2008), proclamada por grupos políticos situados à esquerda do espectro político (anarquistas, socialistas e comunistas) e democratas liberais. A tentativa de golpe promovida por Franco e largamente munida militarmente por Hitler levou a uma Guerra Civil que durou 3 anos. Os republicanos também receberam apoio, porém mais modestos, da União Soviética. A guerra ideológica contou com a participação de jovens do mundo inteiro, organizados em Brigadas Internacionalistas, cujo objetivo era a Revolução e a derrocada do fascismo espanhol. Dentre as personalidades que participaram da Guerra, destacamos a atuação do brasileiro comunista Apolônio de Carvalho e do então correspondente de guerra e escritor Ernest Hemingway. Erro! Fonte de referênci a não encontra da. https://bit.ly/3dwkYlW 145 Em 1937, o Japão entrava em conflito com a China, ocupando a região da Manchúria. Ficava cada vez mais claro que o Japão aumentara seus interesses im- periais no extremo oriente, desejando aumentar sua “fatia do bolo” na Ásia e no Pacífico. A Itália fascista comandada por Mussolini se desloca gradualmente da aliança feita com a Tríplice Entente, aumentando suas expectativas imperiais, perceptível a partir da anexação da Etiópia em 1935. Para Kissinger (2001), tal invasão acirrou os ânimos e abriu as feridas da Liga das Nações, mostrando sua fragilidade em lidar com eventuais agressões e, consequentemente, mostrando-se incapaz de promover sanções contra os agressores. O consenso em torno da formação do Eixo entre Alemanha, Japão e Itália se dava por dois motivos: o primeiro dizia respeito aos acordos desfavoráveis feitos no Tratado de Versalhes. No caso alemão, como vimos na primeira unidade, por ter sido o principal derrotado da guerra, sofreu importantes restrições militares e perda de territórios; no caso italiano, mesmo tendo sido parte da Entente, sentiu-se desfavorecida com os acordos então feitos, desejando ampliar sua zona de influência, especialmente na África. O segundo motivo que unia os três países era o ceticismo no sistema de diplomacia e segurança internacional criado com o advento da Liga das Nações. No caso italiano, a Liga mostrou-se incapaz de promover uma sanção de bloqueio petrolífero devido à invasão da Etiópia, conforme discutido anteriormente. Mesmo assim, a Alemanha iniciou seu projeto de domínio continental europeu logo em 1936, quando ocuparam a região do Reno, próximo à fronteira francesa e dos Países Baixos. A transgressão do Tratado de Versalhes quanto à restrição militar havia sido quebrada por parte dos alemães. A reação de franceses e britânicos frente a ameaça nazista foi pautada por meio de uma política de apaziguamento (KISSINGER, 2001). Era uma estratégia fundada na ortodoxia da Liga das Nações, cuja premissa era a solução de conflitos por meio de negociações e intervenções na esfera pública. A postura adotada pelos europeus e ratificada pelos americanos, agora liderados por Franklin Delano Roosevelt, levou à debacle e à retomada do rearmamento agressivo no Velho Continente e, consequentemente, em todo o mundo (BRINKLEY, 2014). A ofensiva de ocupação dos territórios feita por Hitler era justificada pela política do ressentimento do Tratado de Versalhes. O uso dessa lógica deu condições bélicas mais robustas para a anexação da Áustria e de uma parcela da 146 Tchecoslováquia, em especial àquela ocupada em sua maioria por alemães. Berlim mostrava, por meio de sua tática de blitzkrieg – a “Guerra Relâmpago” – que desejava a ocupação rápida da Polônia e dos territórios situados ao Leste Europeu- zona de influência soviética. As democracias liberais subestimaram as ofensivas iniciais do nazismo. O trauma da Primeira Guerra e a ortodoxia da política idealizada em torno da Liga das Nações fez com que britânicos e franceses não fossem capazes de mensurar o tamanho do desenvolvimento bélico alemão. Muitas das tratativas feitas a partir de uma políticade apaziguamento fizeram com que o nazismo ganhasse posições por meio da ameaça iminente da guerra e da invasão. Ao mesmo tempo, a lógica do apaziguamento não operava com a dinâmica do rearmamento, deixando as potências do continente cada vez mais vulneráveis à força naval e terrestre dos alemães. Afinal, conforme assinala Kissinger (2001, p. 315-316) “Reza a Realpolitik que, independentes de Hitler, as relações da Alemanha com seus vizinhos seriam guiadas pelo poder relativo”. Ainda em 1934, o futuro primeiro-ministro conservador do Império Britânico Winston Churcill defendia uma resposta contundente por meio do rearmamento bélico, uma vez que os alemães se mostravam progressivamente capazes de invadirem a França e tomarem as águas que eram da zona de influência da esquadra britânica. Muitos colegas do seu partido acusavam-no de alarmista, afirmando que o nazismo “não era uma ameaça”. Ao mesmo tempo em que os britânicos geravam acordos multilaterais com França e Itália, conforme fizeram na Conferência de Stresa em 1935, também se dispunham a negociarem diretamente com os alemães, enfraquecendo em muitos momentos os acordos coletivos pautados no sistema internacional recém-criado. Quanto mais Hitler avançava a partir de sua justificativa de “ressentimento”, mais desmoralizadas ficavam as potências capitalistas do ocidente. A decadência moral deste bloco se deu em 1937, quando o enviado britânico Lorde Halifax se encontra com Hitler em território alemão: A política do apaziguamento, que a França aceitara desconfiada, a Inglaterra seguia com entusiasmo. Em 1937, o ano seguinte à remilitarização da Renânia [região do Reno], Lord Halifax, então ministro do exterior, marcou o recuo moral das democracias ao visitar o ninho-de-águia de Hitler, em Berchtesgaden. Elogiou a Alemanha nazista como ‘o baluarte da Europa contra o bolchevismo’ e listou os itens em que ‘possíveis alterações poderiam ocorrer com o tempo. 147 Dantzig, Áustria e Tchecoslováquia, na lista. O único embargo de Halifax referiu-se ao modo de realizar as mudanças. ‘A Inglaterra tinha interesse em que quaisquer alterações se dessem por evolução pacífica e se evitassem método sujeitos a provocar distúrbios de fortes consequências’ (KISSINGER, 2001, p. 329). A vacilação em torno do real ator político ameaçador da paz na Europa, somada à debilidade de seus aliados, em especial a França, fez com que a Inglaterra se colocasse numa “sinuca de bico” ao negociar com Hitler. A postura ofensiva e beligerante do nazismo, marcada por uma visão ideológica nacionalista de corte reacionário, racista, cujo destino manifesto se materializaria na união do “povo ariano” de toda a Europa, não estabelecia limites para o seu plano de expansão, já anunciados em seu livro Mein Kampf (Minha Luta). A confluência em torno da ocupação dos territórios habitados pela população eslava de descendência alemã na Tchecoslováquia – os sudenteland – foi a última “risca de giz” feita pelos adeptos da política de apaziguamento na Europa Ocidental. A Inglaterra assumiu a vanguarda de negociação da ocupação alemã daquele território, descumprida logo após a assinatura do acordo. Nesse sentido, por mais que a política de apaziguamento tivesse mostrado seus limites e claras debilidades, por outro lado, o seu uso até o limite com os alemães fez com que Hitler também entrasse numa “sinuca de bico”, principalmente na sua lógica de reivindicar uma vitimização por conta do mau acordo feito em Versalhes: na medida em que ocupou a Tchecoslováquia em sua totalidade, desrespeitando as demarcações feitas com Chamberlain – então primeiro-ministro da Inglaterra, foi acendida, por fim, a luz vermelha de enfrentamento ao nazismo na Europa ocidental. A gota d’água foi, finalmente, a invasão da Polônia em 1939. Ela sepultou a política idealista da Liga das Nações e pôs fim as ilusões sobre a possibilidade de contenção do nazismo por meio do diálogo e da moderação: Quando Hitler reivindicou Dantzig, em 1939, buscando modificar o Corredor Polonês, os problemas imediatos não eram, em essência, diferentes daqueles do ano anterior. Dantzig era uma cidade inteiramente alemã, e seu status de cidade livre desafiava, de todo, o princípio da autodeterminação, como também o fizera a adjudicação do território dos Sudetos à Tchecoslováquia. Embora a população do Corredor Polonês fosse mais misturada, algumas adaptações de fronteiras, mais condizentes com o princípio da autodeterminação, eram viáveis- pelo menos teoricamente. Todavia, o que mudara sem Hitler compreender era que, depois que ele cruzou a linha do moralmente tolerável, o mesmo perfeccionismo 148 moral que havia gerado a flexibilidade nas democracias transformou-se em intransigência sem precedentes. Após a Alemanha ocupar a Tchecoslováquia, a opinião pública inglesa não toleraria mais nenhuma concessão: a partir dali, a Segunda Guerra Mundial era uma questão de tempo- a menos que Hitler ficasse quieto, o que para ele era psicologicamente impossível (KISSINGER, 2001, p.431) Por mais que os princípios wilsonianos de autodeterminação dos povos tenham sido constantemente violados por Hitler, demonstrando uma eventual fraqueza institucional da Liga das Nações, paradoxalmente o fato de tê-la defendido com tanto afinco pelo futuro bloco dos Aliados - formado majoritariamente por Estados Unidos, União Soviética, Inglaterra e França – fez com que o nazismo tivesse também uma “oposição implacável” (KISSINGER, 2001). Na frente oriental, foi assinado um Pacto de Não-Agressão entre Moscou e Berlim em 1939, devido ao temor natural de uma eventual aliança do nazi-fascismo com as potências imperialistas no combate ao bolchevismo – conforme percebido pela declaração de Lorde Halifax em 1937. Entretanto, a decisão hitlerista de 1941, em busca da terra prometida a ser colonizada pelos nazistas – o chamado Lebensraum- nos domínios soviéticos mudou o curso da guerra (HOSBAWM, 1995). A entrada de Stálin no conflito acirra ainda mais o combate ao nazi-fascismo, futuramente “espremido” entre dois fronts. Com isso, ocorreu uma aliança de “gregos e troianos” no bloco dos Aliados – formado por potências capitalistas -as democracias, segundo os termos de Kissinger – e a União Soviética - consolidou o que se costumou chamar de Frente Ampla contra o nazi-fascismo. 8.2 O PODER DO BLITZKRIEG: A EUROPA OCUPADA (1940); A ENTRADA DOS SOVIÉTICOS E AMERICANOS NA GUERRA A grande estratégia adotada pelos alemães tinha como objetivo uma vitória rápida e fulminante contra seus inimigos. Isso se daria a partir de dois elementos: em primeiro lugar, um estudo do “passado”, ou seja, das batalhas travadas na Pri- meira Guerra. Muitos dos métodos utilizados naquele período ainda eram tratados como doutrinas militares modernos, dentre elas a batalha por densas trincheiras, tais quais as feitas pelos franceses. O desenvolvimento de uma doutrina militar que colocava em primeiro lugar tanques rápidos (Pantzers) como rompedores das linhas de defesa e uma frota 149 aérea (Luftwaffe) robusta – a mais temida da Europa naquele momento – foi a forma enxergada por Berlim para superar as barricadas de defesa no continente europeu. Mostrou-se bem-sucedido, ocupando surpreendentemente toda a França em seis semanas de batalha e os países baixos e a Noruega em curto espaço de tempo: [...] Pagando o preço de uma década e meia de dúvidas e evasivas, a França desabou. Apesar de a eficiência militar alemã já estar bem comprovada, os observadores ficaram abismados com a velocidade com que a França caiu. Na Primeira Guerra Mundial, os exércitos alemães levaram quatro anos tentando, e não chegaram a Paris; cada quilômetro teve um enorme custo humano. Em 1940, ablitzkrieg alemã penetrou a França, e, no final de junho, tropas alemãs desfilaram na avenida de Champs-Elysées. Hitler parecia estar senhor do continente (KISSINGER, 2001, p. 380). Em 27 de setembro de 1940, Alemanha, Japão e Itália assinam o Pacto Tripartite, “obrigando-se à guerra contra qualquer país que, doravante se unisse ao lado inglês” (KISSINGER, 2001, p. 383). A velocidade permanente imprimida poderia dar um xeque-mate no front ocidental, deixando os ingleses sitiados na Europa. O recuo nas praias francesas de Dunquerque mostrou que o poderio militar britânico deveria ser incrementado. Caso contrário, sofreria as duras penas de uma eventual chegada por mar e ar dos nazistas em Londres, responsável por implacáveis bombardeios nos arredores da cidade. Com a Europa ocupada, as posições nas colônias britânicas na África e no Oriente Médio estavam sob ameaça. O sucesso nazista no ocidente fez com que a Alemanha iniciasse sua marcha rumo ao Lebensraumt – a terra eslava prometida, conforme citamos anteriormente. De todos os países adversários, Hitler considerava a União Soviética aquela com menor poder de resistência e a “grande inimiga”, desde o início da guerra. A https://bit.ly/31O4foH https://bit.ly/2Pvxw5c 150 Operação Barbarossa - nome da intervenção militar no Front Oriental - dera início em 1941. O eixo deveria agora defender duas grandes linhas de comunicação. Tanto em Kissinger como em Hobsbawm, é consenso que a entrada dos soviéticos no campo de batalha junto aos aliados mudaria o curso da guerra. O ex- secretário de Estado destaca que, com a invasão alemã ao território soviético, a Segunda Guerra tornou-se a maior batalha terrestre da história da humanidade. Para Hobsbawm, criava-se um contexto de cerco ao nazismo, somado ao fato de que a entrada dos norte-americanos na guerra ao lado dos aliados era uma questão de tempo. Os japoneses tentaram de todas as formas criar uma arena de disputa na região do Pacífico contra os EUA. Os americanos, por outro lado, mantiveram uma postura de não-intervenção, apesar de apoiarem indiretamente a marinha britânica no Atlântico e estabelecer sanções contra os japoneses devido à sua intervenção na China, em especial na região da Manchúria. As relações entre Roosevelt e Churchill eram cada vez mais explícitas em torno de uma concertação aliada. Apesar de se ver impedido de entrar na guerra logo no início do conflito devido às Leis de Neutralidade aprovadas em 1938, geradas por um sentido isolacionista, o presidente americano auxiliou a Inglaterra com a entrega de destroyers – navios caracterizados por seu alto poderio bélico - obsoletos por bases militares; aprovou uma lei que visava a produção de “armas e munição dos Estados Unidos, desde que pagassem em dinheiro e levassem suas compras em navios próprios ou neutros” (KISSINGER, 2001, p.415); proferiu discursos que deixava clara uma posição contra “as ditaduras” e “os agressores que atentavam contra a paz mundial”, numa clara alusão aos representantes do Eixo. Roosevelt, enfim, tentava convencer o povo americano de que a segurança americana estava em jogo se caso a Marinha Britânica perdesse o conflito com os nazistas na região do Atlântico. Roosevelt não buscava um equilíbrio de poder, mas uma ordem mundial compatível com os ideais democráticos e sociais americanos como melhor garantia da paz (KISSINGER, 2001). Para se fazer concretizar essa ordem, assina um tratado informal com Churchill, a famosa Carta do Atlântico de 1941. Ela estabelecia os princípios que visavam o desarmamento e a solução pacífica dos conflitos. Pode-se afirmar que a Carta do Atlântico gerou as bases para a Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas em 1948. 151 Em 7 de dezembro de 1941, os japoneses resolvem atacar a base militar de Pearl Harbor no Havaí, conflagrando finalmente a entrada dos estadunidenses na guerra. Os japoneses haviam criado um império na região do pacífico, porém não ofereciam a resistência bélica, política e econômica dos alemães. Para os norte- americanos, a Alemanha era o “inimigo principal” das forças do Eixo, por ser uma potência global competitiva. A história comprovou esse fato, uma vez que, a partir de 1941, com a entrada de soviéticos e americanos, a Alemanha ofereceu uma resistência de três anos e meio para ser invadida, enquanto os japoneses foram superados e ocupados em três meses (HOBSBAWM, 1995, p.41). Voltando ao front oriental, a União Soviética era considerada o principal inimigo para os nazistas. No mundo despótico hitlerista, ali era o território da “terra prometida”, somado fato de o próprio nazi-fascismo ser um projeto civilizatório fundamentalmente anticomunista, conforme discutimos na unidade anterior. Os soviéticos foram subestimados não somente pelos nazistas, como também por ingleses, alegando que os próprios poloneses possuíam um exército superior. Para Stalin, desde que assumiu o posto de Secretário-Geral do Partido, a guerra na Europa era “inevitável”. Diante disso, não somente tentou protelar o conflito e distanciá-lo do território soviético, como também procurou preparar seu complexo industrial e militar para uma eventual beligerância. Esse foi o motivo pelo qual foi assinado o Pacto de Não-Agressão com os alemães, como uma forma de adiar ao máximo aquilo que era considerado um dado da realidade. Tal tratado, ideologicamente controverso, até hoje divide a opinião de especialistas, historiadores, políticos e intelectuais em geral. Na medida em que os nazistas avançavam e ocupavam toda a Europa e, consequentemente, atacaram os soviéticos em 1941, rompendo com o Pacto, Stalin procurou recuar suas linhas de defesa, atraindo os invasores para um terreno de difícil penetração, principalmente no inverno. Também organizou diversas ações para cortar as linhas de comunicação entre os Pantzers e a infantaria de soldados nazistas. Tudo isso feito homens, mulheres e jovens, organizando diversas formas de sabotagem contra o invasor. Apesar de todos os esforços, o potente poderio militar nazista conseguiu chegar a 90 km da região de Moscou. Entretanto, ao invés de preferir atacar a capital, orientou a maior parte da infantaria para atacar Stalingrado, uma 152 importante região logística próxima do Rio Volga, capaz de receber suprimentos com comunicação pelo mar, além de ser uma importante cidade industrial, produtora dos resistentes tanques T-34. Além disso, para Hitler, a invasão de Stalingrado era importante do ponto de vista da propaganda nazista, uma vez que levava o nome do principal líder da União Soviética. A resistência feita por meio de uma manobra em pinça, cercando os batalhões alemães na cidade de Stalingrado entre 1942 e 1943 foi a primeira grande derrota dos nazistas em toda a guerra, não sem custo: aproximadamente 1,5 milhão de pessoas morreram nessa batalha, considerada um turning point, da Segunda Guerra Mundial junto com a invasão da Normandia, na França, pelo lado Ocidental, um ano depois. A chegada de soldados americanos e britânicos na costa francesa foi também chamada de Dia D (a sigla “D” remete a death, em inglês “morte”), um dos dias mais sangrentos da maior guerra da história da humanidade. De todas as nações, a União Soviética foi a que mais sofreu com as baixas: cerca de 24 milhões de habitantes, entre soldados e civis, foram mortos. A maioria dos campos de concentração nazista, voltada unicamente para a destruição racial dos judeus e comunistas, encontrava-se no Leste europeu. Foi nessa região em que a barbárie de assassinato em massa – o Holocausto – foi rea- lizada. A ideia de “purificação da terra prometida” do hitlerismo, utilizando-se de meios modernos, criou uma indústria de extermínio jamaisvista na história. Em 1945, 2 em cada três judeus na Europa haviam sido assassinados nos campos de concentração. Isso significa uma cifra de cerca de 6 milhões de pessoas. A capitulação do Eixo já era algo previsto pelos aliados já em fins de 1942 (HOSBAWM, 1995). A defesa de duas frentes feita quase que sozinha pelos alemães- os italianos ofereciam pouca resistência, enfrentavam guerrilhas urbanas internas no seu próprio território e tinham um arsenal muito inferior – já apontava para o desfecho do conflito. Mais uma vez os alemães, assim como na Primeira Guerra, se https://bit.ly/3s1bJzz 153 viram no mesmo dilema. 8.3 A DERROTA DO NAZISMO E A EUROPA PACIFICADA Entre os anos de 1943 e 1945, as lideranças e diplomatas dos países aliados se reuniram entre tratados de paz e reuniões para definir o curso da guerra – Moscou (outubro/novembro de 1943); Teerã (novembro/dezembro de 1943); Yalta (fevereiro de 1945) e Potsdam (julho/agosto de 1945). O objetivo delas era discutir os rumos da guerra e organizar o futuro do mundo após a queda do Eixo. Na medida em que os soviéticos se aproximavam de Berlim, após uma bem- sucedida contraofensiva em seu próprio território, ampliavam sua zona de influência com exércitos de ocupação do extremo Leste Europeu, passando por Bulgária, Romênia, Tchecoslováquia, Hungria e a região da Polônia. Stalin estava decidido a formar um bloco novo, cuja direção estaria nas mãos do Partido Comunista de cada um desses países. Do lado ocidental, na medida em que as tropas americanas, britânicas e francesas iniciavam o processo de desmantelamento do governo de Vichy – liderado pelos nazistas – na França; e na Itália, com a derrubada de Mussolini – importante destacar a importante contribuição dos militares brasileiros para esse feito – os governos eram devolvidos a antigos parceiros e aliados do Ocidente. Fato é que, conforme o Eixo caminhava para a derrota, uma ordem mundial nascia com novos contornos, novas potências emergentes – especialmente Estados Unidos e União Soviética – e uma nova reconfiguração das zonas de influência, transformando de vez a Realpolitik do século XX. 154 No dia 25 de abril de 1945, liderados pelo General Zhukov, os soviéticos iniciam o cerco a Berlim, junto aos Aliados da Frente Ocidental. Hitler, incapaz de ser render, comete suicídio no dia 30 e, no dia 2 de maio, o General Weiding- substituto de Hitler e do chefe de propaganda nazista e Chanceler à época, Joseph Goebbels, também morto naquele momento- ordena a suspensão do confronto. Da recém-destruída Berlim e os restos do nazismo surge uma Nova Ordem mundial. 8.4 O PÓS-GUERRA E O INÍCIO DA GUERRA FRIA A questão da paz e da construção de uma nova ordem oriunda dos escombros da segunda guerra mundial possuía diferentes versões, especialmente entre as três grandes potências vitoriosas do conflito. Percebe-se que tanto Inglaterra como União Soviética operavam sob a lógica da Realpolitik europeia, baseado nos conceitos de equilíbrio de poder e zonas de influência. De um lado, Churchill sentia a ameaça da ampliação da zona de influência soviética, com tropas em toda a Europa Central, cujo objetivo era a consolidação de um “sistema social” semelhante àquele existente na Rússia e que iria até a Alemanha. Para os ingleses, a melhor maneira de manter sua zona de influência seria a reconstrução da França e Alemanha por intermédio da nova potência global – os Estados Unidos – como forma de contenção do bloco soviético. Do outro, Stalin queria ampliar ao máximo sua zona de influência, justamente para manter distante qualquer nova ameaça ou agressão em território soviético. Para isso, apoiou os governos, dirigidos pelos partidos comunistas desses países. Roosevelt possuía outra lógica para compreender as relações internacionais. Queria consertar os erros cometidos pela Liga das Nações, porém gostaria de manter sua concepção de autodeterminação, desarmamento e solução pacífica dos conflitos por intermédio de um governo internacional. Além disso, desejava a construção de novas nações a partir das antigas colônias. Tal desejo gerou uma insatisfação por parte de ingleses e franceses. Os segundos, aliás, sequer eram tratados como uma potência emergente considerável para os assuntos de segurança internacional. Para isso, procurou estabelecer um meio-termo entre o idealismo wilsoniano da Liga das Nações com a lógica da Realpolitik do equilíbrio de poder: propôs um 155 governo dos Quatro Grandes (Estados Unidos, Inglaterra, União Soviética e China) que teria como objetivo a garantia da segurança internacional frente as ameaças de agressão. Churchill conseguira convencer a inclusão também da França, o que viria se tornar o atual Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas. Após a capitulação, a Alemanha é dividida em quatro zonas de ocupação dirigida por França, Inglaterra e Estados Unidos, situadas na porção ocidental de Berlim; e a União Soviética, compondo o lado oriental. Toda a Europa é reconfigurada dentro da lógica das zonas de influência demarcadas em Berlim, culminando numa guerra de novo tipo, a Guerra Fria. Os japoneses, no entanto, permanecem em conflito com os aliados, capitulando em 2 de setembro de 1945. Nesse mesmo dia, os Estados Unidos agora liderados por Truman, soltam duas bombas atômicas nas cidades de Hiroshima e Nagasaki. Esse evento marcou simbolicamente a emergência de uma potência militar, além de ter criado todo um imaginário no futuro. Afinal, com o uso de armas nucleares em larga escala, era possível até mesmo que a humanidade fosse extinta. A segunda metade do século XX é caracterizada pela corrida armamentista para o desenvolvimento das bombas nucleares. Dos resultados da guerra nascem também uma nova organização responsável pela segurança internacional: a Organização das Nações Unidas (ONU). A Carta Universal dos Direitos Humanos – o manifesto de fundação da ONU – foi assinada por 51 membros fundadores, dentre eles o Brasil. O pós-1945 é um período de democratização, que sucumbe velhas monarquias e regimes autoritários antes vigentes, descoloniza inúmeros territórios e cria um organismo democrático para as relações internacionais (REMOND, 2003). A ONU, nesse sentido, torna-se a arena de futuros embates diplomáticos entre as duas grandes potências vitoriosas: os Estados Unidos e a União Soviética. A guerra ideológica entre capitalismo e socialismo ganha outros contornos e irá demarcar todo o resto do século XX, conforme veremos na próxima unidade. 156 FIXANDO O CONTEÚDO 1. (ESFCEX- Adaptada) “As duas potências fascistas fizeram, num alinhamento formal, o Eixo Berlim-Roma, enquanto Alemanha e Japão faziam um pacto “Anti- Comintern”. Em 1937, sem surpreender ninguém, o Japão invadiu a China. (...) Em 1938, a Alemanha também achou que chegara a hora da conquista. A Áustria foi invadida e anexada em março (...) o acordo de Munique despedaçou a Tchecoslováquia e transferiu grandes partes dela para Hitler, mais uma vez pacificamente. O resto foi ocupado em março de 1939, encorajando a Itália (...) a ocupar a Albânia. Quase imediatamente, uma crise polonesa mais uma vez resultante de novas exigências territoriais alemãs paralisou a Europa. Disso veio a guerra europeia de 1939-1941, que se tornou a Segunda Guerra Mundial.” Eric Hobsbawm. Era dos Extremos: o breve século XX. 1914-1991 A chamada II Guerra Mundial teve seu início em setembro de 1939, primeiramente na Europa. Um dos motivos para sua deflagração foi a) o sucesso do isolamento político e econômico dos movimentos fascistas e sua relativa tolerância às manobras militares dos liberais que antecederam o início da guerra, em 1939, em aliançacom os países socialistas. b) a alta das exportações alemãs para parceiros comerciais que estavam fora da Europa ocidental, que impulsionou o governo nazista a imprimir uma política imperialista que visava estabilizar as tensões na Ásia e norte da África. c) a expansão cultural alemã motivada, em parte, pelo tratado de Versalhes, que se mostrou capaz de refrear o conflito até meados da década de 30, quando o partido nazista foi expulso do poder após romper acordos com os liberais. d) o apoio estratégico das democracias liberais aos regimes totalitários que se aliavam para combater o socialismo soviético em franca expansão no leste, ameaçando o capitalismo ocidental de cunho liberal e intervencionista. e) o fracasso da chamada política de apaziguamento, que permitiu aos governos nazi-fascistas relativa liberdade de movimento em suas manobras de anexação territorial antes de setembro de 1939, originando tensões que desembocaram na guerra. 157 2. (UNEB-BA/POLÍCIA MILITAR/2020- Adaptada) Assinale a alternativa correta. Os combates da Segunda Guerra (1939 e 1945) ocorreram principalmente na Europa e no Oceano Pacífico, mas esse conflito pode ser considerado "mundial", porque a) os países participantes envolveram suas colônias americanas, africanas e asiáticas nos conflitos estenderam as ações armadas a todos os continentes oceanos. b) não era possível a nenhum país manter-se neutro diante do choque entre Alemanha, Itália e Japão versus os liderados por Inglaterra e França. c) todos os países do Ocidente tiveram parte de sua população dizimada nos confrontos e contaram mortos e feridos durante o conflito e mesmo após seu desfecho. d) os únicos países que se mantiveram afastados da luta foram Estados Unidos e União Soviética, as chamadas superpotências, que representavam a força do capitalismo e do socialismo. e) os seus efeitos políticos e econômicos atingiram as diversas partes do planeta e provocaram alterações importantes nas relações internacionais, durante e após os conflitos. 3. (Instituto Excelência- Adaptada) A Segunda Guerra Mundial foi o maior conflito da história da humanidade no século XX, ocorrido entre 1939 e 1945. Com base nessa informação analise as afirmativas abaixo: I. O conflito foi dividido em três fases: As vitórias do Eixo (1939-1941); O equilíbrio das forças (1941-1943); A vitória dos Aliados (1943-1945). II. A 2ª Guerra Mundial, se iniciou com a invasão da Polônia pela Alemanha no dia 1º de setembro de 1939. III. As principais frentes de batalha eram formadas pelas: As nações do Eixo (integrado por Alemanha, Itália e Japão); As nações Aliadas (Grã-Bretanha, União Soviética e Estados Unidos). 158 Assinale a alternativa CORRETA. a) Apenas I e II. b) Nenhuma das alternativas. c) I, II e III. d) Apenas I e III. e) Apenas II. 4. (FUNDEP- Adaptada) A invasão da União Soviética (URSS), realizada pela Alemanha de Adolf Hitler em 22 de junho de 1941, corresponde, para muitos historiadores, à data decisiva da Segunda Guerra Mundial. A respeito desse episódio, assinale a alternativa correta. a) A invasão foi planejada e considerada eficaz por Adolf Hitler, na medida em que não comprometia o exército nazista nas frentes ocidentais e orientais na Europa. b) Desde as primeiras invasões à URSS, o exército nazista sofreu derrotas em sequência, que culminaram na derrota final em Stalingrado, decisiva para a derrocada alemã. c) A vitória soviética pode ser entendida por meio de um conjunto de fatores que perpassam a valentia e o patriotismo dos russos, aliados a um certo menosprezo inicial das forças alemãs em relação às forças russas. d) O conflito entre Alemanha e União Soviética colocou sob suspeita a ideia de superioridade do sistema capitalista, provocando, portanto, a entrada dos Estados Unidos na Guerra. e) Foi a maior invasão militar da história e a aposta arriscada com a qual Adolf Hitler procurou virar decisivamente a seu favor o destino da Segunda Guerra Mundial. Foi um dos maiores acertos de Adolf Hitles, em relação aos combates da Segunda Guerra Mundial. 5. Assinale a alternativa correta. a) Churchill e Roosevelt compartilhavam da mesma visão sobre a segurança e as relações internacionais, pautada no conceito de equilíbrio de poder e zonas de influência. 159 b) Stalin tinha como objetivo a permanência da guerra total a partir da ocupação de Berlin, como medida de contenção do avanço norte-americano – que buscava a ocupação da Europa Central com bases militares próprias. c) A proposta dos Quatro Grandes (Estados Unidos, China, União Soviética e Reino Unido) enfrentou desconfianças entre os países, porém culminou na solução para a construção do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas. Foi o meio termo encontrado entre a política do equilíbrio de poder com o idealismo wilsoniano, inscrito na Liga das Nações. d) A Liga das Nações, foi um órgão criado para esquematizar combates e ataques da Segunda Guerra Mundial, visto que era muito importante essa reestruturação da guerra. e) a,b e c estão corretas 6. Sobre a geopolítica do nazismo alemão, assinale a alternativa correta. a) Enquanto esteve amparado pela “política do ressentimento” oriunda do Tratado de Versalhes, conquistou territórios e desobedeceu as sanções militares, que restringiam o tamanho do seu Exército. b) Tinha como principal inimigo a União Soviética e almejava a ocupação da região eslava, entendida como uma raça inferior a ser escravizada. Tal raça, segundo Hitler, abrigava a Lebensraum – a Terra Prometida, conforme defendia em seu livro Mein Kampf. c) Com a declaração de guerra contra os americanos e as derrotas sofridas na região de Stalingrado, a Alemanha se viu diante do mesmo dilema da primeira guerra mundial, em que teve de defender dois fronts de batalha distantes entre si. d) a, b e c estão corretas. e) Nenhuma das alternativas. 7. (FAFIPA-Adaptada) O Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães, organização criada por Adolf Hitler, ascendeu ao poder em 1933, depois de alguns anos de crise e agitação social na Alemanha, no contexto da República de Weimar que se instaurou depois da Primeira Guerra Mundial. Sobre o nazismo, é CORRETO afirmar que foi 160 a) um regime racista, nacionalista e antiburguês que governou a Alemanha entre 1933 e 1945. b) um regime autoritário que dominou a Alemanha entre 1933 e 1945 e se caracterizava por ser nacionalista, anticomunista e antissemita. c) um regime democrático e liberal que vigorou na Alemanha entre 1933 e 1945, sob o domínio do Partido Nazista. d) uma ditadura liberal burguesa, antitotalitária, pluripartidária e multirracial que vigorou na Alemanha entre 1933 a 1945. e) No início dos anos 1920, Adolf Hitler assume o controle do Partido Nacional- Socialista dos Trabalhadores Alemães, rebatizando-o para Partido Nazista, pautando-se em ideais inspiradas no liberalismo e na democracia. 7. (IBADE- Adaptada) Ainda acerca da temática dos direitos humanos, pode-se compreender a Declaração Universal dos Direitos Humanos em seu contexto histórico como a) uma resposta dos países capitalistas as desigualdades crescentes no mundo, tendo em vista a expansão dos países socialistas. b) emerge diante da experiência colonial de exploração dos povos africanos e asiáticos, e as barbaridades cometidas por ambos os lados na luta de libertação. c) surge da iniciativa de ativistas e intelectuais ocidentais preocupados com o crescente papel opressivo dos aparelhos de estado. d) uma resposta às barbáries cometidas durante a segunda guerra mundial, principalmente os horrores do nazismo e da geopolítica pautada única e exclusivamentepela lógica das zonas de influência e do equilíbrio de poder. e) uma iniciativa claramente socialista com o objetivo de impor essa doutrina aos países livres do ocidente e do oriente. 161 GUERRA FRIA 9.1 A GUERRA IDEOLÓGICA E A REPARTIÇÃO DO MUNDO EM MUNDOS Em nosso dia a dia, sempre quando reclamamos da qualidade de nossos serviços públicos, da situação das nossas rodovias ou do nosso atraso tecnológico, temos o costume de justificar esse problema por sermos “um país de Terceiro Mundo”. Nesse sentido, aqueles que estariam em condições melhores que a nossa, mais “avançados”, geralmente são vistos como “países de Primeiro Mundo”. Afinal, qual é a origem histórica dessa divisão? No contexto da Guerra Fria, os países de Terceiro Mundo seriam os chamados “países pobres” e representantes do “hemisfério sul” do globo. Somados a eles, também estariam os representantes dos países “não-alinhados” às duas grandes potências mundiais e seus respectivos blocos de poder: os Estados Unidos, representando o chamado bloco do “Primeiro Mundo” ou “Capitalista”- constituído pelos países europeus do hemisfério ocidental (Inglaterra, França, Alemanha Ocidental); na Ásia contava com o apoio do Japão; e a União Soviética, liderando o “Bloco Socialista” e o “Segundo Mundo”, exercendo sua influência geopolítica no Leste Europeu até a Alemanha Oriental. Do ponto de vista político, cultural e econômico, o bloco capitalista se constituía a partir de uma visão de mundo pautada no livre-mercado, na intervenção moderada ou minoritária do Estado na economia e na defesa de um sistema democrático inspirado nos ideais do liberalismo. Mas o que significa cada um desses princípios e valores? Defender o livre mercado significa condicionar a participação do Estado na economia. Quando se fala em menos regulação, menos impostos, defende-se que os agentes responsáveis pelo mercado, empresários, industriais, comerciantes etc., possam ditar os rumos do desenvolvimento de um determinado país. Nesse sentido, as sociedades alcançariam determinada prosperidade social com menor regulação governamental na economia, sem a participação, portanto, do Estado como Erro! Fonte de referênci a não encontra da. 162 agente de desenvolvimento. Obviamente que, do ponto de vista prático, as ideias políticas sofrem altera- ções quando aplicadas no mundo real. Do ponto de vista do “capitalismo realmente existente”, a desregulamentação do Estado provocou inúmeras desigualdades sociais advindas da concentração de renda, culminando na criação de uma distância enorme entre as classes sociais mais ricas e empoderadas e a classe trabalhadora. A reconstrução da Europa e Japão no pós-Guerra foi proposta pelos Estados Unidos. Lançado em 1947, o Plano Marshall reestruturou a infraestrutura econômica e financeira dos países ocidentais. Para que o Plano tivesse o apoio das potências europeias e pudesse fazer frente ao avanço geopolítico do Bloco Socialista, foi preciso chegar a um massivo investimento no setor militar e nas políticas públicas de maneira geral. Tais experiências foram identificadas como Estados de Bem Estar Social. Segundo Hobsbawm (1995), os países europeus edificaram formas de governo e políticas públicas que atendessem gratuitamente toda a população, principalmente nas áreas da saúde e da educação. Dessa maneira, o Estado atuaria como financiador e prestador desses serviços considerados como direitos universais. O Estado de Bem-Estar Social representou uma construção de desenvolvimento induzido nos marcos da visão de mundo capitalista. Do ponto de vista estratégico, foi uma experiência reativa, como contenção da influência soviética no Ocidente. Proporcionou uma intervenção moderada na economia, se comparada aos Estados Socialistas, mantendo a composição das classes sociais desses países, qual seja: a existência de grupos empresariais e industriais como principais protagonistas e condutores do mercado. Do ponto de vista militar, o Hemisfério Ocidental se organizou em torno de uma aliança que culminou na criação da OTAN – Organização do Tratado dos Países do Atlântico Norte. Em suma, tais países procuraram criar um bloco de contenção, contra o avanço do Bloco dos países Socialistas e sua aliança geopolítico-militar, o Pacto de Varsóvia. Os países do “Segundo Mundo” eram representados pela União Soviética e os demais países que compunham sua zona de influência, especialmente os países do Leste Europeu e autodeclarados socialistas. Do ponto de vista das Américas, 163 com a Revolução Cubana e a declaração do status de país socialista em 1961, o governo de Havana passa a compor esse campo. A Revolução Cubana de 1959 e a Invasão da Baía dos Porcos Liderados por Fidel Castro e o médico argentino Che Guevara, um grupo inicial de 80 combatentes consegue organizar o Movimento Revolucionário 26 de Julio (MR-26). Composto em larga medida por trabalhadores rurais e alocado inicialmente na selva da Sierra Maestra, o movimento de luta contra a ditadura de Fulgencio Batista aos poucos começou a receber apoio dos modestos centros urbanos em Cuba, com a participação de estudantes universitários, pequenos comerciantes e trabalhadores urbanos. Apoiado pelo governo americano, Batista é destituído do poder e, em 1 de janeiro de 1959, Fidel Castro marcha por Havana apoiado pela maioria da população. Dois anos após o início de seu governo, Fidel Castro anuncia, em abril de 1961 que a Revolução Cubana assumiria “um caráter socialista”. É importante lembrar que a grande “guia ideológica” do Movimento Revolucionário 26 de Julio (MR-26) era José Marti, um liberal latino- americano que lutou pela independência de Cuba, ocorrida em fins do século XIX (1898). Ao afirmar tal perspectiva, o governo cubano – que já vinha sendo acompanhado com certa desconfiança pelos americanos – cria uma situação de tensão geopolítica na região do Caribe e da América Latina. Na medida em que se alinha com a União Soviética, o governo de John Kennedy inicia planos de invasão da ilha, que fica a centenas de quilômetros da costa da Florida. O governo americano envia então um grupo destacado de agentes secretos, com o objetivo de apoiar dissidentes internos, contrários à política socialista defendida pelo governo. Planeja uma intervenção da Playa Girón (mais conhecida em português como a Baía dos Porcos) com cubanos dissidentes treinados pela CIA para destituir Fidel Castro e desconstruir um importante posto geopolítico do bloco socialista. A mal-sucedida operação terminou com a prisão dos agentes e dissidentes da CIA, causando um mal- estar ainda maior entre os governos. 164 Do ponto de vista político, econômico e cultural, os países do campo socialis- ta, inspirados pela Revolução de 1917, assumiam a perspectiva teórica do marxismo-leninismo- ou seja, o marxismo inspirado nas ideias formuladas pelo principal líder bolchevique, Vladimir Ilich Ulianov, o “Lênin”- como visão de mundo. Em linhas gerais, como forma de confrontação às desigualdades sociais e na busca por justiça social, defendiam que a orientação do desenvolvimento econômico deveria ser feita, em um primeiro momento, por um Estado dirigido pela classe trabalhadora. Fundamentalmente, a visão de mundo em questão era um contraponto ao individualismo liberal, identificado com a “ideologia burguesa” dos países capitalistas do hemisfério ocidental. Nesse sentido, a organização da sociedade nos seus aspectos políticos e culturais seria pautava pela construção coletiva, visando a unidade dos trabalhadores. Do ponto de vista econômico, o Estado seria o indutor da economia, a partir de uma planificação total da produção. Não haveria, assim, espaçopara uma orientação produtiva por meio da iniciativa privada, ou seja, pela “burguesia” - leia-se: industriais, comerciantes e banqueiros. No “socialismo realmente existente” é possível afirmar também que os princípios filosóficos tiveram que se adaptar às realidades nacionais específicas de cada país. Ao mesmo tempo, o socialismo do ponto de vista prático teve que lidar https://bit.ly/3t5E2OF https://bit.ly/3fKmMKI https://bit.ly/3wugbKi 165 com inúmeros problemas, dentre eles a excessiva burocratização no processo produtivo. Dirigido por um Partido Único que buscava representar os trabalhadores e que possuía, portanto, uma visão anti-liberal sobre a ideia de democracia, as decisões de pequeno e grande porte eram decididas em um espaço centralizado e pouco sofisticado, ocasionando em tomadas de decisão por vezes equivocadas. Nesse sentido, a regulação de oferta e demanda no universo produtivo não era conduzida por especialistas, fazendo com que determinados produtos fossem produzidos em excesso, enquanto outros produtos de maior demanda pela população fossem produzidos em menor escala. Outro dilema foi a experiência de coletivização centralizada das terras nas experiências socialistas, gerando problemas de violência, fome e extermínio dos trabalhadores do campo (camponeses e proletários rurais). Na União Soviética, mesmo com tantos problemas, a estrutura socialista, devido a sua estrutura planificada, conseguiu expandir de forma acelerada o seu desenvolvimento industrial. Garantiu acesso a saúde e educação gratuitas. E, por fim, travou uma disputa tête-à-tête no campo científico com a Corrida espacial e no campo esportivo durante as Olímpiadas. A Corrida Espacial Mais do que uma mera disputa de “egos ideológicos”, a luta do domínio espacial fora muito além da mera propaganda. Tanto União Soviética quanto os Estados Unidos possuíam interesses militares e tecnológicos ao desafiar os limites da gravidade. A investida científica tinha como objetivo a testagem de lançamento de mísseis de qualquer parte do globo, aproveitando-se da gravidade como força de direcionamento. Certamente, o fato de Estados Unidos e União Soviética buscarem superar os limites científicos a partir de uma ferrenha competição gerava consequentemente boas peças de propaganda política. Os soviéticos foram os pioneiros da corrida espacial, devido ao fato de terem sido os primeiros a sobrevoarem a órbita da Terra com uma nave especial conduzida por um ser humano – no caso o cosmonauta Yuri Gagarin Do lado americano, a Missão Apollo 11 conduziu Neil Armstrong e Buzz Aldrin a pisarem pela primeira vez na Lua. Para maiores informações assistam ao filme russo “Gagarin: o primeiro no espaço” (2013) e o documentário “Apollo 11” (2019), disponíveis no Youtube 166 A luta ideológica ferrenha entre as duas potências e a repartição do mundo em mundos foram as principais características que ditaram as regras do jogo durante a Guerra Fria. 9.2 A DISPUTA IDEOLÓGICA E GEOPOLÍTICA Do ponto de vista de ambos os países, muitas visões de mundo extremistas foram se consolidando. No caso dos Estados Unidos, em 1950 o Senador Joseph McCarthy iniciou uma mobilização de patrulha ideológica anticomunista. Era consi- derado subversivo e traidor dos interesses americanos todos aqueles simpatizantes com os ideais comunistas. Apoiado pelo Diretor do Federal Bureau of Investigation (FBI) – a Polícia Federal norte-americana – John Edgar Hoover, tal movimento começou a produzir “listas negras”, contendo o nome de artistas, lideranças políticas e intelectuais que fossem considerados uma ameaça à “segurança nacional’ O Macarthismo se expandiu de tal maneira que iniciou uma perseguição generalizada a artistas, intelectuais e cidadãos norte-americanos que porventura tivessem uma posição crítica ao governo, valores e princípios do “American Way of Life”, ou seja, o modo americano de vida. Importante ressaltar também que, na zona de influência ocidental, mesmo nas democracias liberais, em alguns países foi proibida a participação dos partidos comunistas nas disputas eleitorais, como é o caso do Brasil, no qual o PCB oscilou ao longo do século XX entre a legalidade e a ilegalidade. Aqueles que estivavam submetidos à zona de influência soviética também Para se ter uma ideia mais precisa do impacto dos esportes na disputa entre ambos os países, leia a seguinte notícia, sobre um filme que retrata a acirrada disputa de Basquete entre Estados Unidos e União Soviética nos Jogos de Munique de 1972. Acesse em: https://bit.ly/2PGBNTl. https://bit.ly/2PGBNTl 167 tiveram suas liberdades políticas condicionadas ao regime de poder dominante. Muitas perseguições ocorreram em várias regiões do Leste Europeu, chegando ao ponto de ocorrerem inúmeros protestos. Dentre eles, destaca-se a Revolta da Tchecoslováquia mais conhecida como Primavera de Praga, em 1968. A postura reformista do governo Dubcek levou a invasão de tropas soviéticas no país, cancelando todas as propostas que tinham como objetivo a descentralização da economia e a criação de uma visão social-democrata – um meio termo entre a visão de mundo comunista, combinada com aspectos do liberalismo- na região. O enfrentamento direto de União Soviética e Estados Unidos não foi levado adiante devido a ameaça nuclear iminente entre ambas. Na medida em que eram proprietários da maioria das bombas termonucleares produzidas no planeta, o mundo ao longo do século XX foi coordenado a partir da “insanidade” de se ter uma guerra nuclear. Nesse sentido, o equilíbrio de poder bélico evitou uma catastrófica confrontação direta. Entretanto, tal balanço foi ameaçado entre os dias 16 e 28 de outubro de 1962, o “ano em que o mundo parou”, quando da Crise dos Mísseis. Este talvez seja um dos episódios mais marcantes da história contemporânea. A crise foi conflagrada quando o serviço secreto norte-americano, com a ajuda de satélites e outras tecnologias de rastreamento, descobriu que o governo cubano começava a instalar uma base de mísseis nucleares com o apoio do governo soviético. Seria uma resposta de Nikita Khruschev – então Secretário-Geral do Partido Comunista e Presidente do Conselho de Ministros - à instalação de mísseis nucleares em bases americanas na Itália e Turquia. Dali em diante, foram iniciadas as negociações para pôr fim a instalação dos mísseis em Cuba, sob a condição de que o mesmo fosse feito na Itália e na Turquia. Também foi pautado o compromisso por parte do governo americano de não invasão do território cubano. Durante 13 dias, o mundo viveu sob um clima apocalíptico, que resultou na retirada dos mísseis da ilha e, consequentemente, a “História, Economia, Política e Sociedade no Século XX”, de Karina Kosicki Belloti (2019)na Disponível em: https://bit.ly/2PZtUYM. Acesso em: 02 abr. 2021. https://bit.ly/2PZtUYM 168 criação de uma linha direta de comunicação presidencial entre Estados Unidos e União Soviética. Os americanos utilizavam no seu serviço secreto a sigla M.A.D – Mutually Assured Destruction (em português, a sigla significa “loucura” e o seu significado por extenso “Destruição Mutuamente Assegurada”) - para se referir ao contexto da Guerra Fria. Para Hobsbawm, tal equilíbrio de poder seria o elemento de distribuição global de força. Entretanto, por mais que a havia essa divisão bipolar fosse a grande marca dessa era, não se pode dizer que a União Soviética estaria em pé de igualdade no que diz respeito ao desenvolvimento econômico e quanto à influência cultural no mundo se comparada a força estadunidense. É preciso lembrar que a reconstrução do país após a guerra exigiu grandes esforços, enquanto que os americanosnão tiveram seu território sequer invadido, à exceção do ataque a Pearl Harbor, que marcou a presença mais efetiva dos americanos na guerra e, consequentemente, sua liderança político-militar na Frente Ocidental. Para se ter uma visão norte-americana sobre o episódio da Crise dos Mísseis, assista ao filme “13 Dias que Abalaram o Mundo” com Kevin Costner e de direção de Roger Donaldson (2001). Disponível em: https://bit.ly/3mmXwLX. https://bit.ly/3mmXwLX https://glo.bo/2RcmGS0 https://bit.ly/2Q1asec 169 Outro elemento importante diz respeito à difusão dos valores, da arte e da propagação em massa da indústria cultural norte-americana. Ela, simbolizada pelo desenvolvimento do cinema produzido no subúrbio de Los Angeles – Hollywood – exerceu um papel crucial para a construção ideológica dos Estados Unidos em outras partes do globo, especialmente no mundo ocidental. A cultura de consumo, do rock e do uso da calça jeans sintetizam a capacidade de vanguarda cultural do imaginário estadunidense durante o período, influenciando nossos costumes e valores até os tempos atuais. Portanto, pode-se dizer que havia uma ordem bipolar, porém sob a hegemonia econômica e cultural dos Estados Unidos (HOBSBAWM, 1994). Tal perspectiva é importante do ponto de vista historiográfico, uma vez que percebemos a construção de um senso comum por vezes distorcido, situando Estados Unidos e União Soviética “em pé de igualdade” no que diz respeito ao poderio econômico e militar. Esse mitificado equilíbrio é bastante orquestrado por narrativas de corte conservador que buscam justificar a implementação das ditaduras militares apoiadas pela Casa Branca nos países da América Latina. Ao não situarem a autonomia nacional e a autodeterminação dos povos, tais narrativas justificam os períodos autoritários como “um mal necessário” no continente, uma vez que os golpes foram orquestrados para “evitar a expansão do comunismo”, estimulada por “inimigos internos”, ou seja, cidadãos nacionais que possuíam uma visão de mundo atrelada ao heterogêneo e complexo imaginário das esquerdas socialistas daquele período. É importante ressaltar tal heterogeneidade, uma vez que os integrantes do próprio bloco socialista chegaram a se enfrentar em regiões fronteiriças no ano de 1969. O chamado conflito sino-soviético mostrou que as discussões ideológicas entre Mao Tse-Tung e Nikita Kruschev apontavam profundas diferenças desde a morte de Stalin em 1956 e o início do período de “desistalinização” da União Soviética. Também mostrou que, para além da camada ideológica da disputa política, a disputa por territórios e fronteiras foi um elemento fundamental, se não o mais importante, durante toda a Guerra Fria. A geopolítica seria, portanto, a grande ciência condutora da tomada de decisões dos governantes ao longo do século XX. A fratura do bloco socialista foi aproveitada pelo governo Nixon. Em 1974, o presidente eleito pelo Partido Republicano assina uma parceria (O Comunicado de Xangai) com os chineses, aumentando sua zona de influência no continente 170 asiático, deixando o governo soviético cada vez mais isolado na região. Segundo o então Secretário de Estado de Nixon, Kissinger (2001, p. 768): “[...] a ruptura entre a China e a União Soviética prejudicou a pretensão de Moscou a líder de um movimento comunista unido. Os acontecimentos indicavam que havia campo para uma nova flexibilidade diplomática”. Na opinião do governo dos Estados Unidos, para se ter um equilíbrio de poder, era de fundamental importância a proteção dos interesses chineses no continente asiático como forma de contenção da postura “expansionista soviética “. Ao construir um canal de comunicação com os chineses e estabelecer, nas palavras de Kissinger (2001), uma “diplomacia triangular”. Nixon conseguiu ampliar suas opções no “tabuleiro diplomático”. Com a distensão político militar com os chineses e a retomada das relações diplomáticas, os soviéticos se viram diante de uma situação de “cerco”: pelo lado ocidental, estavam pressionados pela OTAN; e agora, no Oriente, aumentaram suas preocupações na medida em que chineses e estadunidenses desenvolveram uma aliança de facto entre os dois países como forma de “conter a dominação mundial” de uma potência. Tal medida foi fundamental para a China, sitiada e isolada após uma violenta luta interna entre seus dirigentes, principalmente entre os anos de 1966 e 1967, com a Revolução Cultural. Liderada por Mao Tse-Tung, a construção de uma “Revolução dentro da Revolução” foi feita por meio da organização de comunas nos grandes centros urbanos e rurais. A juventude e os trabalhadores promoveram consequentemente uma perseguição contra autoridades – dirigentes partidários, professores, intelectuais e “contra-revolucionários” em geral- gerou inúmeros distúrbios, rebeliões e revoltas em toda a China, deixando-a cada vez mais isolada no cenário internacional. Segundo Kissinger (2001), Mao procurou na aliança com os Estados Unidos estabelecer uma política externa com sentido mais prático e que contemplasse os interesses nacionais de longo prazo da China. Essa também era a perspectiva de Nixon, que havia mudado sensivelmente a postura norte-americana no que diz respeito à sua política externa, retomando uma prática mais voltada para os interesses nacionais, realista, em contraposição à diplomacia de cunho mais idealista. O resultado da aproximação entre chineses e americanos vai gerar impactos profundos na reorganização do poder mundial. Após a morte de Mao e liderada 171 por Deng Xiaoping, na medida em que a China propõe medidas com o objetivo de reformar suas estruturas econômicas internas com o “Plano de Reforma e Abertura”, cujo objetivo era de atrair empresas multinacionais – especialmente americanas- para desenvolver a indústria local, explorando uma mão-de-obra barata, a China passa a consolidar um padrão incrivelmente constante e alto de crescimento econômico. 9.3 O TERCEIRO MUNDO: A POBREZA HETEROGÊNEA DOS NÃO-ALINHADOS. Estados Unidos e União Soviética não se enfrentaram abertamente ao longo do século XX. Porém, em outras regiões, ambas potências patrocinaram grupos políticos de acordo com seus interesses econômicos e geopolíticos. A disputa ideológica entre capitalismo versus socialismo no contexto da descolonização do continente tornou-se o palco “quente” da Guerra Fria, uma vez que a disputa política se deu a partir do conflito armado. Eram nos territórios do chamado Terceiro Mundo que foram conflagrados os grandes conflitos de libertação nacional e das revoluções socialistas. Afinal, como podemos caracterizar os países do Terceiro Mundo? Segundo Linhares (2005, p.48): Aos dois primeiros mundos outorgava-se, ainda nos parâmetros da propaganda internacional, o privilégio de serem desenvolvidos, já que detentores do controle tecnológico (sobretudo atómico), cabendo ao Terceiro Mundo, sob este título, um novo adjetivo, o de subdesenvolvido. O subdesenvolvimento nascia, assim, já carregado da ideologia do capitalismo ao qual caberia a tarefa de elaborar políticas de ajuda e de assistência a essa outra parte do planeta, o mundo à parte, isto é, a América Latina, a África, o Sudeste da Ásia e os arquipélagos do Pacífico. A luta pela descolonização não traduz somente o desejo de libertação ante os impérios dominadores. Ela é também, na maioria dos casos, parte da construção de uma nova História da humanidade em meio a um poder internacional em fase de redefinição (capitalismo versus socialismo) e aos milhões de condenados da Terra. Os países desse bloco se situavam ao “sul” do poder global. Era caracterizado por serem países pobres e não alinhados com as duas grandes potências dos hemisférios. Tendencialmente,os países que conquistaram sua independência durante o século XX- como a Argélia, o Congo Belga e a Guiné- Bissau – possuíam uma relação mais próxima com o campo socialista. Ao mesmo tempo, a Iugoslávia tinha uma postura não-alinhada e de conflito com a União Soviética. 172 A postura política de autonomia e independência das potências dominantes fez com que as lideranças da recém-independente Índia (Jawaharlal Nehru) , Indonésia (Sukarno) , Egito (coronel Nasser) e a Iugoslávia (Tito) consolidassem esse movimento. Reunidos em 1955 em Bandung, na Indonésia, tais representantes criam o Movimento das Nações Não-Alinhadas. Porém, como aponta Hobsbawm (1994), a maioria das lideranças eram “ex-revolucionários coloniais radicais”. Muitos se diziam “anti-imperialistas” e “socialistas” e tinham suas “simpatias pela União Soviética, recebendo de bom grado seu apoio militar. Além das contradições políticas internas, é necessário destacar que o Terceiro Mundo era composto por nações heterogêneas no que diz respeito aos seus respectivos desenvolvimentos internos. Havia as nações que consolidaram um processo de rápida industrialização, como México, Brasil, Índia e os chamados “Tigres Asiáticos” – Taiwan, Singapura e Coreia do Sul. Eles também eram colocados no mesmo “guarda-chuva” conceitual que países bem mais pobres, como as novas nações africanas, a Papua-Nova Guiné. Tais diferenças econômicas são importantes, uma vez que a condução da sua política interna e externa estão condicionadas a tais condições. Tais países eram colocados no mesmo “balaio de gato”, devido à sua condição subdesenvolvida, ou seja, subordinada, incapaz e dependente de outros centros econômicos, variando seu grau de dependência conforme o volume de sua riqueza. Entretanto, todos os países em questão apresentavam contrastes e desigualdades semelhantes, cabendo colocá-los nessa condição de “limbo” na ordem mundial bipolarizada. 9.4 A DESCOLONIZAÇÃO, A LUTA PELA LIBERTAÇÃO NACIONAL E AS REVOLUÇÕES Por outro lado, havia as antigas colônias, herança ainda da partilha da África https://bit.ly/3rUVHH2 173 no século XIX e das colônias na Indochina - dominada principalmente pelas potências europeias -e os países dominados principalmente pelo exercício do poderio estadunidense na América Latina. Segundo Hobsbawm (1994), o Terceiro Mundo foi uma “zona de revoluções” Entre 1945 e 1983 a guerra pela libertação nacional produziu 20 milhões de mortos. Destes, 3,5 milhões ocorreram no continente africano. A guerra pela libertação nacional também produziu diferentes caminhos do ponto de vista dos sistemas políticos, apesar de em larga escala ter sido apoiada pelo bloco socialista, uma vez que tais movimentos foram fortemente influenciados e liderados por quadros políticos socialistas. A estratégia a ser adotada, a partir desse prisma, era a luta anti-imperialista, cuja meta era a emancipação nacional e o fim do domínio colonial na África, América Latina e Ásia. É possível perceber que existiria, segundo a corrente marxista-leninista uma contradição econômica e política de novo tipo e que irá demarcar as relações sociais de produção mundial no século XXI. A era de uma suposta livre concorrência de capitais é substituída pela concentração monopolizada nos grandes centros nacionais, mais desenvolvidos do ponto de vista econômico e geopolítico-militar. Essa concentração produziria uma contradição fundamental entre tais nações e aquelas situadas na periferia do sistema capitalista. Os países dependentes tecnologicamente dos grandes centros, predominantemente agrários e as antigas colônias passariam a exercer um papel central na destruição do modo de produção capitalista. Tal perspectiva, ao que se percebe, foi utilizada em grande medida pelos operadores e lideranças políticas dos movimentos revolucionários do Terceiro Mundo. Ter o imperialismo como inimigo central foi importante para caracterizar as classes sociais internas de cada país. A luta não se daria em uma confrontação direta ao capitalismo, uma vez que havia formas ainda pré-capitalistas do ponto de vista econômico, político e cultural que deveriam ser extintas do Terceiro Mundo. Nesse sentido, as burguesias e pequeno-burguesias eram situadas no campo político dos aliados estratégicos para tais movimentos de libertação nacional. 174 Do ponto de vista tático, a Guerra de Guerrilhas foi o principal método de ação revolucionária nas diferentes regiões do mundo. Esta tática foi conhecida por dispor de uma ação de forças político militares irregulares. Assim se deu a chamada Guerra Popular Prolongada na China pré-socialista liderada por Mao Tse-Tung e na libertação da Indochina e na posterior independência do Vietnã, que se inicia com Ho Chi Minh na sua luta contra o colonialismo francês, japonês e, posteriormente, da intervenção norte-americana na região. A guerra de guerrilhas influenciou todo o Terceiro Mundo, em especial as lutas travadas em Cuba no final dos anos 50 (1957-1959) e das revoluções na África, em especial no Congo, na luta de libertação na Argélia, ocorridas ao longo dos anos 1960. Além delas, também influenciou a luta contra o Apartheid sul-africano. Liderados pelo Congresso Nacional Africano- um movimento político armado – os militantes e lideranças que buscavam acabar com a opressão imposta pelos brancos descendentes de colonos holandeses (boêres) na África do Sul foram assassinados ou mantidos por um longo período na prisão, como foi o caso do jovem Nelson Mandela, encarcerado por 27 anos pelo regime separatista . No continente ocorreu uma onda pan-africana, cuja visão de mundo era pautada pelos interesses supranacionais. Não somente ali, mas o mundo Árabe também tentou produzir uma rede de solidariedade ideológica dos movimentos de luta contra o colonialismo. A tentativa de uma grande República Árabe Unida do Egito e da Síria foi ventilada, porém, sem sucesso. Como aponta Hobsbawm (1995), os movimentos supranacionais mostraram as dificuldades objetivas de exportação Para saber mais de Nelson Mandela e a luta contra o Apartheid sul-africano, recomendamos o filme “Mandela: Longo Caminho para a Liberdade” (2013) estrelado por Idris Elba. Disponível em: https://bit.ly/3dBUM9E. https://bit.ly/3dBUM9E 175 das fronteiras e a exportação das revoluções. Do ponto de vista econômico, os governos recém independentes tiveram que tomar decisões baseadas num contexto de recursos escassos e pouca experiência de governabilidade. Dentre eles, citamos o exemplo de Gana. Kwame Nkrumah tentou consolidar um tipo de desenvolvimento pautado num sistema radical de planificação, cujo objetivo principal foi criar condições para a substituição das importações. Investimentos na faixa dos U$$ 200 milhões na indústria criaram uma enorme crise financeira, uma vez que o pagamento se dava a partir da principal matéria-prima. Em resumo, a luta contra o atraso agrário na África pós-colonial e no Terceiro Mundo constatou insuficiências e demonstrou o tamanho da complexidade do problema. A tendência desse universo pós-colonial foi o reforço da dependência agrária e a consequente re-satelitização das antigas metrópoles com relação as novas economias nacionais. 9.5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Apesar das dificuldades e uma reconfiguração da exploração da mão-de- obra feita pelos países centrais, a luta pela libertação anti-colonial redesenhou a ordem mundial, especialmente a partir dos anos 1960. Ela também transformou a consciência de povos inteiros que antes viam o branco europeu como um sujeito superior (LINHARES, 2008) subjugados pelo racismo e o complexo de inferioridade impostos pelo sistema colonialista. Diante dascomplexidades, as novas nações ganham voz e representação nos fóruns internacionais (como a Organização das Nações Unidas) e assumem o desafio de caminharem com as “próprias pernas”. Entretanto, como percebemos, os problemas relacionados as desigualdades e a condição dependente e subdesenvolvida destes países, hoje chamados de “emergentes” ou “em desenvolvimento”, ainda permanecem. Esse é um tema para outra unidade, assim como o fim da Guerra Fria e a Ordem Bipolar no mundo. 176 FIXANDO O CONTEÚDO 1. De acordo com o conteúdo trabalhado, a Guerra Fria pode ser caracterizada por a) uma Ordem Bipolar, de igualdade de disputa bélica, econômica e militar entre Estados Unidos e União Soviética. b) uma Ordem Unipolar, de supremacia do capitalismo ocidental e de inferioridade do “Segundo Mundo” socialista. c) uma Ordem Bipolar, de equilíbrio de forças entre o Primeiro e Segundo Mundos. d) uma Ordem Bipolar, de equilíbrio de forças, porém com hegemonia norte- americana. e) uma ordem multipolar, conhecida com a Nova Ordem Mundial, hegemonizando Estados Unidos, China e México. 2. “Embora a maioria dos especialistas soviéticos tivesse advertido Nixon de que boas relações com a China azedariam as relações soviético-americanas, o contrário aconteceu. Antes de minha viagem secreta à China, Moscou estava protelando, havia mais de ano, uma reunião de cúpula entre Brejnev e Nixon. Por meio de uma espécie de linkage [ligação] ao contrário, tentava tornar o encontro dependente de toda uma lista de condições. Então, dentro de um mês após minha visita a Pequim, o Kremlin mudou de ideia e convidou Nixou a visitar Moscou. Todas as negociações soviético americanas começaram a acelerar-se, a partir do momento em que os líderes soviéticos desistiram de extrair concessões unilaterais. [grifo nosso]”. Depoimento de Henry Kissinger sobre as negociações diplomáticas sino- americanas ocorridas nos anos setenta. Trecho retirado de KISSINGER, Henry. Diplomacia. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves Editora, 2001, pg.798. A partir do trecho indicado, é possível afirmar que a Diplomacia Triangular de Nixon: a) Estabeleceu uma aliança com os chineses, com o intuito de promover um conflito armado contra os soviéticos. 177 b) Procurou atrair os chineses com o intuito de trai-los, utilizando-os como uma peça de negociação mais lucrativa com os soviéticos. c) Era uma política que não visava o interesse nacional americano e, ao mesmo tempo, procurava apoiar o expansionismo soviético na Ásia e no mundo. d) Nixon também afirmou que o país iria fornecer um escudo nuclear para qualquer país aliado ameaçados ou uma área ameaçada considerada importante para a segurança dos EUA. e) Foi uma política que atraiu americanos para promover um conflito armado contra os armênios. 3. Para os americanos e soviéticos, a Corrida Espacial foi a) uma forma de disputa entre os dois países, procurando demonstrar a superioridade tecnológica a partir da insígnia ideológica (capitalismo versus socialismo). b) uma corrida ideológica e militar, na qual um dos principais objetivos seria o domínio de conhecimento para futuros lançamentos de mísseis. c) Uma corrida de armas biológicas, para tentar frear o avanço dos ataques vietnamita em regiões da Camboja. d) uma corrida militar, cujo objetivo era o preparo iminente contra a Guerra Nuclear fomentada e desejada pelos dois países. e) um problema entre dois estados Brasileiros para indicação de presidentes, sem direito a reeleição. 4. “Pois o governo soviético, embora também demonizasse o antagonista global, não precisava preocupar-se com ganhar votos no Congresso, ou com eleições presidenciais e parlamentares. O governo americano precisava. Para os dois propósitos, um anticomunismo apocalíptico era útil, e portanto tentador, mesmo para políticos não de todo convencidos de sua própria retórica ou do tipo do secretário de Estado da marinha do presidente Truman, James Forrestal (1882- 1949), clinicamente louco o bastante para suicidar-se porque via a chegada dos russos de sua janela no hospital. [...] Mais concretamente, a histeria pública tornava mais fácil para os presidentes obter de cidadãos famosos, por sua ojeriza a pagar impostos, as imensas somas necessárias para a política americana. E o 178 anticomunismo era genuína e visceralmente popular num país construído sobre o individualismo e a empresa privada, e onde a própria nação se definia em termos exclusivamente ideológicos, (“americanismo”) que podiam na prática conceituar-se como o pólo oposto ao comunismo.” Trecho retirado de HOBSBAWM, Eric. A Era dos Extremos. São Paulo: Companhia das Letras,1994, pg. 185. A partir do trecho acima e das reflexões feitas nessa unidade, o Macarthismo: I. Foi uma construção ideológica de perseguição racial contra os russos, cujo objetivo seria afirmar a supremacia branca norte-americana. II. Foi uma construção ideológica de criminalização dos valores considerados comunistas, promovendo a perseguição a intelectuais, artistas e cidadãos norte-americanos em geral críticos às tradições e costumes do seu próprio país. III. Criou um sistema de identificação ideológica dos seus cidadãos por meio dos aparelhos repressivos do Estado, com destaque para o FBI, em defesa da “segurança nacional” e a “ameaça comunista”; Estão corretas a) I e III. b) II e III. c) Todas as alternativas. d) Nenhuma das alternativas. e) I e II. 5. De acordo com as discussões levantadas nessa unidade, o Movimento dos Países Não-Alinhados: a) Foi o bloco dos países socialistas situados no Terceiro Mundo. Seriam os países que conquistaram sua independência recentemente. Tinha como objetivo criar um bloco alternativo à União Soviética. b) Constituído pelas ex-colônias, os países pobres do Hemisfério Sul e a Iugoslávia, foi um movimento que lutou pela autonomia da Ordem Bipolar no contexto da 179 Guerra Fria. Entretanto, seus líderes possuíam uma inclinação ideológica anti- imperialista, nacionalista e socialista. c) Buscava uma autonomia total e consolidou uma ideologia alternativa, cujo objetivo era negar tanto o capitalismo como o socialismo. d) Esse bloco de países deu origem ainda ao termo Primeiro Mundo, que passaria a caracterizar também os países da América Latina. e) Uma das consequências dessa iniciativa foi o fato de a Liga das Nações passar a exercer uma maior pressão sobre as antigas potências econômicas europeias e os EUA, no sentido de garantir o reconhecimento da autonomia dos países anglo-saxônico. 6. Sobre as alianças político-militares e as instituições internacionais: I. O Pacto de Varsóvia foi um bloco cujo objetivo era conter a ofensiva capi- talista na zona de influência soviética. II. A Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) defendia os interesses dos países de corte liberal-democrata, especialmente situados próximos ao oriente soviético. III. A OTAN representa os interesses de defesa e segurança nacional das principais potências europeias no ocidente e Estados Unidos, cujo objetivo inicial era conter o avanço do bloco socialista na sua região. Estão corretas a) I e III. b) Todas as alternativas. c) Nenhuma das alternativas. d) II e III. e) II. 7. (TJ-SC- Adaptada) A Guerra Fria, conceito utilizado para explicar as relações internacionais após a Segunda Guerra Mundial, pode ser definida como: 180 a) Período em que a URSS ocupou a China negando-lhes reconhecimento diplomático e intercâmbio econômico. b) Período de oposição entre socialismo e capitalismo, levado ao extremo pela bipolarização política, ideológica e militar que submeteu as relaçõesinternacionais aos interesses norteamericanos e soviéticos. c) Período em que o continente asiático tornou-se palco de disputas coloniais entre as nações européias. d) Período de luta dos soviéticos pela derrubada do Muro de Berlim, construído em agosto de 1961 e que separava os dois lados da Alemanha. e) O conjunto de guerras pela independência dos países do norte da Ásia. 8. (TJ-SC-Adaptada) Sobre o período da Guerra Fria leia as proposições abaixo: I. Após 1945 a oposição entre capitalistas e socialistas foi levada ao extremo pela bipolarização política, ideológica e militar que submeteu as relações internacionais aos interesses norte americanos e soviéticos. II. A Guerra Fria durou quase meio século, iniciou após a Segunda Guerra Mundial e foi até o esfacelamento da URSS em 1991. III. Com objetivo de combater o comunismo e a influência soviética, em março de 1947 o presidente norte americano Harry Truman proferiu um discurso no Congresso no qual afirmou que os Estados Unidos se posicionariam a favor das nações que desejassem resistir às tentativas de dominação dos socialistas. IV. O Plano Marshall foi um programa de investimentos e de recuperação econômica para os países europeus em crise após a 2a Guerra Mundial. Assinale a alternativa correta. a) Apenas as proposições I, II, III e IV estão corretas. b) Apenas as proposições I, II, III estão corretas. c) Apenas as proposições II, III e IV estão corretas. d) Apenas as proposições II, IV e estão corretas. e) Todas as proposições estão corretas. 181 O FIM DA HISTÓRIA? OS ANOS 1990 E O INÍCIO DA GLOBALIZAÇÃO Em matéria recente à Folha de São Paulo, a socióloga e Presidente da Sociedade Brasileira de Pecuaristas Teresa Vendramini afirma que um os três maiores eventos dos últimos trinta anos foram: “[...] a queda do Muro de Berlim, que gerou a reorganização política e econômica, o 11 de Setembro, com reorganização da segurança internacional, e a pandemia, que força uma nova reorganização agora da sanidade humana e vegetal” (VENDRAMINI, 2021, online) Dos três eventos citados por Vendramini, sem sombra de dúvidas aquele que gerou o maior abalo político, cultural, econômico e ideológico foi a Queda do Muro de Berlim e o fim da União Soviética. O fim da diplomacia de contenção entre dois diferentes e polarizados blocos (Capitalismo versus Socialismo) marcam o fim do século XX. O fim da União Soviética é um tema muito incandescente na história política e intelectual. Ainda em meio aos seus escombros, importantes pensadores como Francis Fukuyama e François Hartog elaboraram diferentes visões sobre a relação do ser humano com a experiência do tempo histórico. Para o sociólogo americano, a queda do Muro e a desintegração do socialismo representava “o fim da história”. A grosso modo, Fukuyama (1989) afirma que o mundo não seria mais pautado pelo combate ao capitalismo por meio de uma utopia teleológica que se alimentava da crítica contundente ao atual sistema de produção. A alternativa seria a melhoria pontual. Assim o autor descreve sua tese no calor dos eventos de 1989: Erro! Fonte de referênci a não encontra da. https://bit.ly/31RsySQ 182 O que nós estamos testemunhando pode não ser somente o fim da Guerra Fria, ou a passagem de uma história particular do pós-guerra, mas o próprio fim da história: ou seja, o ponto final da evolução ideológica da humanidade e a universalização da democracia ocidental liberal como a forma final de governança. Isso não quer dizer que não haverá mais eventos para serem destaques na seção de relações internacionais da Foreign Affairs, a vitória do liberalismo ocorreu primeiramente no mundo das ideias e da consciência e ainda está incompleta no mundo real ou material. Mas existem razões poderosas em acreditar que o ideal irá governar o mundo material no longo prazo (FUKUYAMA, 1989, p. 02, tradução nossa). Do ponto de vista dos conflitos geopolíticos, a beligerância seria cada vez mais focalizada em específicas regiões. Segundo Fukuyama (1989), os anos 1990 representaram uma “vitória descarada do liberalismo”. A democracia liberal, promotora da abertura e do livre mercado seria a grande vencedora, em contraposição ao sistema autoritário dirigido pelo partido único em prol do socialismo. Apesar da afirmação, vista até hoje como pretenciosa por muitos intelectuais e representantes da chamada “esquerda marxista”, Fukuyama (1993) não descarta a hipótese de, diante do “tédio da pós-história” a história – ou seja, a confrontação ideológica bipolarizada- possa ser novamente, o motor do desenvolvimento entre as civilizações. No caso do historiador Hartog (2003), a experiência do tempo histórico passaria por uma transformação na forma de se enxergar o futuro, simbolicamente marcada pela queda da União Soviética e a primeira hipótese socialista materializada no mundo. O fim do socialismo representou uma vitória desta nova forma de experiência sobre o tempo histórico, cuja perspectiva se daria por uma lógica ausente de horizontes ampliados de expectativa. Por essa forma de enxergar o tempo presente de forma alongada, sem grandes perspectivas de transformação https://bit.ly/31PS4rv 183 e, portanto, ausente de futuro, denominou-se de “regime presentista de historicidade” ou seja, o fim do “regime moderno de historicidade”, a partir de uma noção de progresso, que pautou nossa experiência de tempo desde 1789 (HARTOG, 2003). A ideia de que o socialismo seria a “etapa final” desse progresso, como única alternativa de superação do capitalismo e sua versão política- a democracia liberal- foi drasticamente colocada em xeque: Então chegou 1989, inesperadamente, marcando o fim efetivo da ideologia que sempre se apresentara como o fio de corte do modernismo ou futurismo, e, se minha hipótese for tomada em consideração, uma nítida quebra ou mesmo o fim do regime moderno de historicidade. Pelo menos pode-se concordar que temos experenciado nos últimos vinte e cinco anos uma mudança profunda e veloz em nossas relações com o tempo. 1989 é a ocasião de tomarmos ciência dessa mudança e começar a trabalha-la e dar-lhe um sentido [...] Escrever uma história dominada pelo ponto de vista do futuro, como uma teleologia, não é mais possível [...] (HARTOG, 2003, p. 30-32). Do ponto de vista da ordem global, diante dos escombros da bipolaridade nasceria uma tendência à abertura homogênea dos Estados e seus respectivos mercados, em prol do livre comércio. No que tange aos conflitos, Fukuyama (1993) afirma que eles continuariam a existir, porém sob outras formas mais pontuais, como o nacionalismo e a religião. Entretanto, o aspecto econômico iria tendencialmente se sobrepor à questão estratégica nacional. 10.1 A UNIÃO SOVIÉTICA E O FIM DA PRIMEIRA HIPÓTESE COMUNISTA Para entender a derrocada da segunda maior potência, representante do ideal civilizatório anti-capitalista e a primeira experiência socialista da história da humanidade, é importante destacar os principais fatores políticos e econômicos que levaram a União Soviética ao seu esfacelamento. Do ponto de vista econômico, é preciso levar em consideração o modelo centralizado de planificação, organizado prioritariamente pela elite do Partido Comunista. Um grupo minoritário de especialistas era responsável pela organização https://bit.ly/3sWyZj9 184 produtiva de um vasto território, levando a complicações inerentes de produção obsoleta de produtos manufaturados, por lado; e o desabastecimento de produtos agrícolas por outro. Era mais fácil, mesmo com o tamanho da Rússia, importar grãos e cereais, como o próprio trigo de países satélites ou de mercados capitalistas,que necessariamente resolver o problema da sua produção agrícola, devido à patológica corrupção interna e a ineficiência da planificação 100% estatal dirigida pelo Partido. A ineficiência de uma planificação pautada numa tecnocracia interna acarretou desequilíbrios econômicos não somente observáveis na União Soviética de meados dos anos 80. A China pós-Revolução Cultural, liderada pelo pragmático Deng Xiaoping inicia seu processo de reforma e abertura econômica rumo ao “socialismo de mercado” em 1978. Segundo o líder chinês, era impossível fazer com que o “socialismo prosperasse na pobreza”. Era preciso desenvolver e modernizar a sociedade chinesa de uma tal maneira que, sem a intervenção mais livre da iniciativa privada, tal objetivo seria inalcançável. Tal medida implicara na concessão da produção para o setor privado e a atração de empresas multinacionais em regiões industriais e portos marítimos específicos, as Zonas Econômicas Especiais (ZEE’s). O programa de reforma e abertura é considerado um caso de sucesso, sem, porém, inúmeros custos políticos, sociais e ambientais. Apesar da China apresentar taxas de crescimento econômico elevadas por tanto tempo – são quase 40 anos apresentando índices de quase dois dígitos (entre 7 e 15% ao ano) – o desenvolvimento industrial e a modernização oriundas das reformas também levaram ao aumento expressivo da poluição e a uma exploração de baixo valor da mão-de-obra nacional. Por outro lado, o pacto com as multinacionais fez com que a China pudesse desenvolver um parque industrial próprio a partir da transferência de tecnologias. Também conseguiu atrair investimentos de todo o Ocidente. Sobre o socialismo de mercado chinês, analisaremos em outro tópico referente ao tema. As reformas de mercado e política na União Soviética não tiveram o mesmo destino de sucesso. Conclamadas pelo então Secretário Geral do PCUS Mikhail Gorbatchov , a perestroika e a glasnost tinham por objetivo a “modernização” do país por meio da introdução de elementos não somente da economia de mercado, mas sua expressão política, a democracia liberal. Segundo Reis Filho (2008, p. 167): 185 Em outubro de 1985 apareceu uma nova palavra, que se tornaria mundialmente conhecida: perestroika, ou seja, recolocar as coisas em construção, reconstruir, reestruturar. Tratava-se, portanto, de algo bem mais profundo do que apenas pôr o pé no acelerador, era preciso considerar fatores de ordens diversas, estruturais, imaginar reformas que pusessem em questão as estruturas económicas do país.O livro escrito por M. Gorbachev, com o título, justamente, de Perestroika (Gorbachev, 1987), virou campeão de vendas na URSS e em todo o mundo. Fazia uma análise sem concessões dos males mais evidentes da economia soviética: desperdícios, negligência ante as demandas dos consumidores, preocupação exagerada com a quantidade e subestimação de critérios qualitativos, centralismo excessivo. E apontava para novos horizontes: uma sociedade produtiva, autónoma, harmónica, comprometida com a paz e a prosperidade. Tanto para Hobsbawm (1995) como para Kissinger (2001), elas chegaram muito tardiamente no país. Também apresentaram inúmeras dificuldades para serem implementadas, uma vez que o próprio corpo técnico-científico, político e militar da União Soviética encarou muitas das medidas com resistência, especialmente no que diz respeito à política de desarmamento e redução do contingente militar nas zonas de influência do bloco socialista. Para Hobsbawm (1995), um dos motivos que levou a União Soviética a reformar seu sistema político, envolto em casos de corrupção e burocracia ineficaz, foi a falsa sensação de otimismo com a crise do petróleo em meados dos anos 1970. Durante esse período, a sociedade soviética apresentava índices de satisfação social elevados, tendo as condições básicas de sobrevivência, melhores que muitos já haviam visto, em especial aqueles que participaram ou tiveram pais que lutaram na Segunda Guerra Mundial. Diante da ineficiência econômica e da possibilidade de um abalo cataclísmico, a União Soviética de Brezhnev preferiu postergar eventuais mudanças, gerando um ambiente ainda maior de endividamento, tanto com o aumento de gastos a partir da manutenção de políticas sociais, mas principalmente, com as “aventuras militares” feitas em nome da manutenção da “zona de influência” geopolítica do bloco socialista. Dentre elas, destaca-se a de maior custo financeiro e humano, a intervenção soviética no Afeganistão em 1978. Para os americanos, a Guerra promovida entre fundamentalistas islâmicos – apoiados pelos americanos – e representantes internos de Moscou em Cabul foi “a Guerra do Vietnã” da União Soviética. No entanto, ela tinha o agravante de ter sido deflagrada em um território próximo ao país, em 186 comparação com a longa e brutal intervenção americana, distante de seu território nacional (HOBSBAWM, 1996). Diante dos dilemas econômicos e militares, Gorbatchov assume o papel de moderador das tensões com o Ocidente, assumindo a agenda de desarmamento nuclear e da redução do corpo de influência. Isso se deu por motivos também econômicos, uma vez que a manutenção do quadro militar conforme defendido pela Doutrina Brejnev (KISSINGER, 2001) já mostrava sinais de esgotamento. Gorbatchov entra num período de longas negociações com o então presidente dos Estados Unidos, o ex-ator hollywoodiano Ronald Reagan. O líder conservador assume o governo sob o lema de combate à União Soviética, o “império do Mal” que deveria ser eliminado. Apesar da retórica anti-comunista, Reagan conseguiu a façanha de ser um importante negociador em defesa do desarmamento nuclear. Tal agenda tinha como objetivo retirar da União Soviética o seu único papel relevante no cenário internacional, uma vez que demonstrava sinais mais evidentes de esgotamento político interno devido ao seu endividamento e dos países do Pacto de Varsóvia. Na medida em que são assumidas as políticas de reforma de mercado, somado ao fato da redução de 500.000 soldados, proposta por Gorbatchov, da retirada de tropas em locais considerados estratégicos na Ásia (Mongólia) e na Europa Central (contingenciamento e manutenção de soldados somente para a defesa), a União Soviética dava demonstrações de absoluta fraqueza no cenário geopolítico (KISSINGER, 2001). Suas ações drásticas também combinavam com o flerte de ideias de cunho liberal no campo das relações exteriores. Nesse sentido, era perceptível, na visão do Ex-Secretário de Estado norte- americano, um deslocamento ideológico da luta de classes para a interdependência global de corte liberal-wilsoniana. O desdobramento da distensão veio junto aos movimentos de luta contrários a lógica de zona de influência na região da Europa Central. Dentre eles, destaca-se o movimento Solidariedade, uma aliança entre sindicalistas liberais e a Igreja Católica, que denunciavam a permanência do Partido Comunista no poder e a presença de tropas soviéticas no país. Na medida em que a lógica das zonas de influência foi abandonada por Gorbatchov, as chamadas “revoluções democráticas internas” começaram a ganhar força dentro do bloco socialista. Eis que a “tempestade perfeita” para a desintegração completa da União 187 Soviética estava por vir. Em 1989, nas comemorações do bicentenário da Revolução Francesa, o Muro construído em 1961 na cidade de Berlim, que representava a divisão bipolar da Guerra Fria, começa a desmoronar. E, com ele, de maneira fulminante, começa a cair a primeira hipótese socialista da história. Na medida em que os governos satélites vão perdendo força na Polônia, Hungria e Romênia e com a unificação da Alemanha e sua integração completa como membro da OTAN, a União Soviéticaassiste ao esfacelamento do Pacto de Varsóvia. Somado a isso, as reformas promovidas por Gorbatchov, ao invés de produzirem melhorias em uma economia já ineficiente, promovem a desorganização do Estado e, consequentemente, a queda do conglomerado de nações socialistas edificado a partir de 1917 com a Revolução Russa. As reformas de Gorbatchov enfrentaram um dilema interno fundamental: a elite política forjada no socialismo com maior capacidade técnica assumia os postos dirigentes dentro do Partido Comunista. Por outro lado, o Estado se mantinha “esvaziado” de lideranças políticas com maior alcance intelectual, gerando uma burocracia ineficaz. Com o objetivo de democratizar o Estado e, consequentemente, retirar parte do poder emanado do Partido de Lênin, Gorbatchov propôs a reconstrução do Conselho dos Sovietes, no entanto, com uma feição democrática de corte liberal. Com isso permitiu eleições locais nos países que compunham a União Soviética, visando a descentralização política. Tal perspectiva entrou em choque direto com a cultura política tradicional russa, acostumada com os anos de centralização do Estado, que em certo tempo mostrou ser eficiente, especialmente nos tempos de entreguerras, no início do pós-guerra: [...] Ao transportar sua base, do partido comunista para o lado governamental do sistema soviético, Gorbatchov confiou sua revolução a um exército de funcionários de segundo escalão. O estímulo de Gorbachov à autonomia regional levou a um impasse semelhante. Ele descobriu a conciliação impossível de seu anseio de criar uma alternativa popular ao comunismo com sua desconfiança leninista da vontade popular. Criou, então, um sistema de eleições essencialmente locais, em que partidos nacionais- exceto o partido comunista- eram proibidos. Mas, quando, pela primeira vez na história russa, governos locais e regionais puderam ser popularmente eleitos, os pecados da história russa teriam que ser pagos. Durante trezentos anos, a Rússia incorporou nacionalidades, na Europa, na Ásia e no Oriente Médio, mas fracassou em harmonizá-las sob o centro governante. Não surpreende, então, que a maioria dos recém-eleitos governos não-russos, representando quase metade da 188 população soviética, começassem a desafiar seus senhores históricos (KISSINGER, 2001, p. 874). O empoderamento local permitiu uma contestação ainda maior do poder central. A conjuntura nada favorável na Europa Central também levou ao aceleramento do desgaste na União Soviética, acarretando, após a queda do muro de Berlim, na dissolução do primeiro Estado socialista. A Ucrânia reivindicou sua independência, assim como as demais nações menores. A criação da Comunidade de Estados Independentes em 1991, liderada pelo então presidente da Federação Russa Boris Yeltsin levara à completa desintegração da União das Republicas Socialistas Soviéticas. A dissolução oficializada por Gorbatchov não foi feita por um consenso. Ela quase foi abortada na medida em que o setor militar tentou evitá-la, visando a recuperação de seus poderes e a imposição da ordem. Mesmo com um considerável apoio popular para um golpe militar, sua adesão foi passiva, fazendo com que a confrontação se resumisse a uma briga interna entre as elites políticas e intelectuais da chamada nomenklatura. Com isso, somada a pressão internacional, o chamado golpe de agosto não se efetiva. Em dezembro do mesmo ano, Gorbatchov pede renúncia de um país que passaria a existir somente na memória histórica do socialismo. O fim do século XX é marcado pelo golpe mortal contra a hipótese comunista no mundo. Tempos outros, de hegemonia unilateral norte- americana, estavam por vir. O desastre de Chernobyl O acidente da usina nuclear de Chernobyl, como bem lembra o professor Reis Filho (2008) foi um evento que criou um desgaste ainda maior no bloco socialista. Vale a pena assistir à minissérie produzida pela HBO sobre o período, para se ter uma versão ocidental sobre tal evento. Também recomendamos o documentário “Hora Zero - O Desastre de Chernobyl” produzido pelo canal Discovery, disponível em: https://bit.ly/3mp1Wll. https://bit.ly/3mp1Wll 189 10.2 A HEGEMONIA UNILATERAL NORTE-AMERICANA E DO IDEÁRIO NEOLIBERAL Com a derrota da União Soviética e, consequentemente, da hipótese comunista em todo o mundo, os Estados Unidos assume o status de potência global, configurando, durante os anos 1990, sua posição hegemônica única. Esses tempos foram conhecidos pela prevalência do capitalismo como sistema natural, e o 190 ideário neoliberal como estratégia política adotada globalmente. “Não existe alternativa”, já dizia em meados dos anos 80 a primeira-ministra britânica Margareth Thatcher (conhecida pela alcunha de “a Dama de Ferro”), impondo, como força natural, a existência do capitalismo como único modo de produção viável e eficaz para a reprodução da espécie humana. Com a naturalização de uma orientação política voltada para a satisfação dos mercados, ou seja, da manutenção do status quo de grandes empresários e corporações, em detrimento de um projeto de desenvolvimento alicerçado em bases públicas por meio da intervenção do Estado, diversos países, especialmente àqueles identificados como “nações em desenvolvimento”, iniciaram um processo inédito de privatizações de suas empresas públicas. No Brasil, o caso mais emblemático foi a entrega da Companhia Vale do Rio Doce para uma multinacional canadense e norte-americana durante o governo Fernando Henrique Cardoso (FHC-1994/2002). Empresa conquistada a partir de uma troca diplomática entre Getúlio Vargas e o governo norte-americano, a Vale foi vendida a um preço muito abaixo de seu valor real à época, o que causou uma indignação, porém tímida, de alguns setores de oposição ao governo. Prevaleceu a ideia encrustada no senso comum, de que “a empresa dava prejuízo” e era necessário, portanto, “gerar lucro com ela”. É nessa ideia força simples, porém potente que percebemos a vitória do ideário neoliberal na América Latina e em todo o mundo. No caso da Rússia, os anos 1990 foram os mais tormentosos desde a Segunda Guerra Mundial. Nesse período, o país enfrentou uma alta na inflação e viu seu complexo industrial-militar ser privatizado por antigos membros da nomenklatura ou por seus aliados próximos, criando uma oligarquia nacional poderosa a partir das ruínas da União Soviética. A desigualdade social galopou e atingiu níveis não antes vistos, além de ter sofrido uma dura desindustrialização e um grande impacto logístico de mercado, uma vez que, com a URSS desarticulada, cada país começara a negociar acordos bilaterais com outros países, prejudicando a integração econômica, política e comercial da região. De todas as nações do bloco socialista, a China conseguiu sobreviver aos turbilhoes externos e internos de finais dos anos 1990. Mesmo apresentando índices econômicos que agradavam a maioria de sua população, ainda teve que lidar com a força rebelde de jovens estudantes liberais, duramente reprimidos em 1989 191 naquilo que ficou conhecido, no Ocidente, como o Massacre da Praça Tiananmen. Ao manter suas Zonas Econômicas Especiais e oferecer bons subsídios para a instalação de inúmeras multinacionais estadunidenses nessas regiões, a China conseguiu desenvolver seu parque industrial, mantendo níveis de crescimento econômico não antes visto com tanta regularidade na história. Trataremos esse tema na próxima unidade. 192 FIXANDO O CONTEÚDO 1. A perestroika foi a) um conjunto de reformas de caráter socialista, cuja intenção era fortalecer a já bem-sucedida política externa da chamada Doutrina Brezhnev. b) um conjuntode reformas que tinha proximidade com ideias liberais, visando a construção de um programa de abertura política e econômica na União Soviética. Entretanto, com o desenrolar de sua execução, acabou por desintegrar o primeiro estado socialista da história. c) elaborada por Gorbachev, contou com diversos problemas de implementação, especialmente dentro da nomenclatura, dividida entre cargos públicos estatais e de membros do Partido Capitalista. d) A política que tinha como objetivo aproximar a população das decisões políticas realizadas pelo governo, anteriormente controlada pelos burocratas do país. e) a maior participação dos civis comuns, na política e liberdade de se manifestar. Essa política também tinha a proposta de combater com a corrupção dentro do Estado. 2. Segundo o cientista político Francis Fukuyama a) o Fim da história significa a vitória do ideário liberal perante a hipótese socialista. b) o liberalismo, após enfrentar a “batalha dos extremos” entre o fascismo e o socialismo ao longo do século XX, prevaleceu. c) a incorporação de elementos de mercado nos regimes socialistas é prova cabal da vitória esmagadora do liberalismo perante o sistema criado no Leste Europeu. d) O liberalismo político é muito importante, para que os países possam deixar de ter problemas em relação ao deenvolvimento econômico. e) A, B e C estão corretas. 3. De acordo com Kissinger (2001) e Hobsbawm (1995), analise as afirmativas sobre os motivos que levaram ao fim da União Soviética: 193 I. As reformas propostas por Gorbachov, dentre elas a redução do aparato militar na zona de influência da Europa Central, foram bem aceitas pelos movimentos democráticos, que iniciaram novos governos de coalizão junto aos Partidos Comunistas dos respectivos países. II. O desequilíbrio no investimento militar e o endividamento econômico acenderam a luz vermelha da nomenklatura, que foi incapaz de dar prosseguimento a um programa de abertura e da construção de um “socialismo de mercado”. III. A política externa americana durante o governo de Ronald Reagan, uma mescla de conservadorismo anti-comunista com uma visão cristã apocalíptica anti-nuclear, se consolidou de tal maneira que conseguiu desarmar, no campo diplomático, seu principal adversário geopolítico. Estão corretas a) I. b) II. c) III. d) I e III. e) II e III. 4. Analise as alternativas: I. A Doutrina Brejnev foi concebida como o auge do socialismo no mundo, com altos índices de aprovação social e de maior influência global, apesar dos problemas militares no Afeganistão. II. OS anos 1970 na União Soviética foram marcados por uma ilusória pros- peridade financeira, o que causou o endividamento interno e, provavelmente, teria atrasado o processo de reformas. III. A Queda do Muro de Berlim não significou o fim imediato do bloco socialista. O seu esfacelamento perdurou ainda por muitos anos no Leste Europeu, chegando até aos dias atuais. Estão corretas 194 a) I. b) II. c) III. d) Todas as alternativas. e) Nenhuma das alternativas. 5. (ESFCEx-Adaptada) “Na verdade veio, como tinha de vir, do topo. Ainda não está claro de que maneira, exatamente, um reformista comunista obviamente apaixonado e sincero veio a ser sucessor de Stálin à frente do PC soviético em 15 de março de 1985, e continuará pouco claro até que a história soviética das últimas décadas se torne tema mais da história do que de acusação e auto- exculpação.” (Eric Hobsbawm. Era dos extremos: O breve século XX. 1914-1991) A partir do fragmento de texto, é correto afirmar que a) o aumento dos acordos entre a China e a URSS marcou esse período em meio a desafios que buscavam manter as estruturas construídas pela revolução. b) a revolução Bolchevique do início do século XX permitiu uma ampla aliança com a burguesia local em meio às disputas pela hegemonia do comércio global. c) a chegada dos reformistas ao poder na URSS permitiu uma sobrevida da perspectiva socialista com novas conquistas territoriais e acordos com as potências do período. d) o chamado fim do socialismo real foi marcado pelas reformas de Mikhail Gorbachev, último líder da então União Soviética, atual Rússia, com implicações sociais e econômicas de dimensões globais. e) No ano de 1985, o estadista Mikhail Gorbatchev assumiu o controle do Partido Comunista Soviético com idéias conservadoras. Entre suas maiores metas governamentais, Gorbatchev empreendeu duas medidas: a perestroika ( conservar) e a glasnost (regressista ). 6. (ESFCEx-Adaptada) Analise as afirmativas abaixo sobre fatores que influenciaram o processo de desintegração da União Soviética e, a seguir, assinale a alternativa 195 correta. I. O rígido controle da economia exercido pela burocracia e o estabelecimento de metas elevadas para os setores produtivos foram motivos do processo de desintegração. II. Movimentos de contestação no leste europeu, a exemplo do sindicato polonês "Solidariedade", expressavam as reivindicações dos trabalhadores e, rapidamente, assumiram uma dimensão política. III. O retorno do pluripartidarismo se iniciou a partir da Perestroika, reforma política iniciada por Gorbachev, em 1985. a) Somente I e II estão corretas. b) Somente I e III estão corretas. c) Somente I está correta. d) Somente II está correta. e) Somente III está correta. 7. (FEPESE-Adaptada) Em 1989 os alemães derrubaram o muro de Berlim, um dos fatos mais importantes do século XX. Analise as afirmações abaixo a respeito desse acontecimento e assinale as verdadeiras. 1. Esse fato histórico (a queda do muro de Berlim) é considerado um dos marcos do fim da Guerra Fria. 2. Alguns meses após a queda do muro de Berlim ocorreu a reunificação da Alemanha. 3. Entre as consequências desse acontecimento está o desaparecimento da República Federal da Alemanha. 4. A Alemanha tinha sido dividida, durante o governo nazista, em dois países separados por um muro, cercas de arame farpado e casamatas, o chamado muro de Berlim. Assinale a alternativa que indica todas as afirmações corretas. a) São corretas apenas as afirmações 1 e 2. 196 b) São corretas apenas as afirmações 2 e 3. c) São corretas apenas as afirmações 2, 3 e 4. d) São corretas apenas as afirmações 1, 2 e 4. e) São corretas as afirmações 1, 2, 3 e 4. 8. (Instituto AOCP-Adaptada) Ao assumir o posto de secretário-geral do Partido Comunista Soviético, Mikhail Gorbachev inicia seu governo na URSS em 1985 e adota medidas para tentar tirar o país de uma profunda crise. Motivado por essa meta, realiza as reformas perestroika e a glasnost, que podem ser entendidas como a) estratégias para a dinamização do sistema produtivo agrário, a partir da criação de orçamentos participativos populares, e apoios político e econômico vindos de governantes e empresas chinesas, cubanas e vietnamitas. b) propostas econômicas, políticas e sociais que manifestavam a disposição de intensificar as perseguições contra os opositores ao regime socialista, a estatização de empresas estrangeiras e uma ampla reforma agrária. c) reformas na educação e nas artes direcionadas à exaltação dos mártires da revolução de outubro, Lênin e Trotsky, e à produção e distribuição de biografias para reverenciar o heroísmo de Stalin frente aos oposicionistas do socialismo soviético. d) medidas econômicas e políticas que apresentavam, entre seus objetivos, a libertação de presos políticos, o fim da censura aos meios de comunicação, a abertura da economia ao capital estrangeiro e o estímulo à competitividade entre as empresas. e) Mikhail Gorbachev inicia seu governo na URSS em 1985, com medidas importantes. Entre suas maiores metasgovernamentais, Gorbatchev empreendeu duas medidas: a perestroika ( conservar) e a glasnost (regressista ). 197 SÉCULO XXI E OS TEMPOS PANDÊMICOS: CRISE DA GLOBALIZAÇÃO E A RECONFIGURAÇÃO DA ORDEM MUNDIAL 11.1 OS GOVERNOS PROGRESSISTAS DA AMÉRICA LATINA É o fim da “triste noite neoliberal”, dizia Rafael Correa, em menção aos anos 1990, no ato de posse como presidente do Equador, em 2007. Principal condutor da chamada “Revolução Cidadã”, o economista formado nos Estados Unidos, membro do Banco Mundial e ex-ministro, Correa inicia seu governo estabelecendo uma série de medidas de caráter protecionista e em defesa do desenvolvimento nacional, que vão desde a regulamentação dos meios de comunicação; a realização de uma auditoria da dívida pública externa, que atingiu as elites econômicas locais e estrangeiras; e a nacionalização e expansão do investimento público do setor petrolífero. Afinal, por que Correa define os anos 1990 como uma “triste noite”? O que caracteriza o que é chamado, especialmente pelos grupos mais à esquerda do espectro político, como neoliberalismo, especialmente na América Latina? Conforme discutido na unidade anterior, os anos pós-Guerra Fria foram marcados pela liderança unívoca dos Estados Unidos nos assuntos econômicos, políticos e militares em todo o mundo. A derrota da União Soviética abriu caminhos para um desenho institucional das relações internacionais que estimulasse a democracia de mercado em todos os cantos do mundo, a abertura e o livre comércio. Os anos 1990 dão início ao que ficou mais conhecido como a era da globalização. Erro! Fonte de referênci a não encontra da. 198 Esse período ficou marcado pela chamada abertura dos mercados. A alternativa econômica e política para os Estados nacionais latino-americanos passaria pela diminuição de tarifas alfandegárias e estimulo de investidores dos países mais desenvolvidos – especialmente, Estados Unidos, Canadá, Inglaterra, Alemanha, França e Japão- para a instalação de empresas e indústrias multinacionais em seu território. Somado a isso, também foi incentivada como política de geração de empregos a redução da máquina estatal. As recomendações vindas de instituições forjadas logo após a Segunda Guerra Mundial como o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial sugeriam um programa de “desestatização”, ou seja, de privatizações do patrimônio público como alternativa para a redução dos gastos, a manutenção do superávit primário e, consequentemente, para a redução da inflação: Durante anos consolidou-se uma visão segundo a qual era preciso redefinir as atribuições do Estado nacional preparando-o para uma nova ordem econômica global já em andamento e que, cedo ou tarde, forçaria todos os países a caminharem numa mesma direção: a das democracias de livre mercado, mais abertas aos fluxos comercias e de investimento. Apenas dessa forma é que os países, principalmente aqueles cujos Estados estivessem com grandes dificuldades financeiras, encontrariam um meio apropriado e moderno de financiar o seu desenvolvimento. Os que mais prontamente se inserissem a essa nova ordem, mais rápido também dela tirariam proveito (COUTINHO, 2006, p. 110). O Brasil adotou tal fórmula nos anos 1990. Durante os governos Collor e Fernando Henrique Cardoso (1994-2002), a tônica foi a de redução drástica do patrimônio público como garantia dos investimentos externos. Para FHC, a dependência econômica em tempos de globalização era uma realidade que deveria ser encarada “tal qual ela era” (OTONI, 2011). De nada adiantaria fugir desse fenômeno, que parecia encurtar as distâncias do mundo, torna-lo mais integrado e harmonioso, uma vez que as pessoas começavam a se conectar umas às outras de dentro de casa a partir da internet e por meio de uma integração das cadeias produtivas. Para isso, era necessário pensar em uma reforma monetária que estivesse de acordo com os desafios de integração com o novo mundo. Dessa maneira, FHC deu continuidade ao Plano Real, tendo sido Ministro da Fazenda durante o governo Itamar. O Plano buscava emancipar o país da inflação, que corroía salários e precarizava a vida do cidadão brasileiro. Como 199 forma de atrair investimentos externos, o Plano Real defendia algumas regras que são seguidas até hoje e defendidas pela escola neoclássica econômica brasileira, como a manutenção do superávit primário para o pagamento da dívida pública- na qual grande parte dela tem como credor bancos estrangeiros e acionistas vinculados ao sistema financeiro (a chamada responsabilidade fiscal) ; uma alta taxa de juros como forma de evitar a implosão de créditos e, portanto, uma eventual hiper desvalorização monetária; e, por fim, um câmbio flutuante, que obedeça as regras impostas pelos mercados, em grande parte estrangeiros. Tal medida ficou conhecida como tripé macroeconômico e foi aplicada como orientação de governo no seu segundo mandato. Com o mesmo espírito privatista e pró-mercado, o mandatário tucano planejou a privatização da Companhia Vale do Rio Doce e dos serviços de telefonia pública já em 1998, ao fim do seu primeiro mandato. Do ponto de vista prático, o que se observou com as medidas de austeridade fiscal obedientes aos padrões das instituições financeiras formuladas pelos centros europeus e os Estados Unidos foi um avanço rumo à desindustrialização e a recondução do Brasil e dos países latino-americanos que adotaram tais medidas nos anos 90 à condição de economias essencialmente agrário-exportadoras (COUTINHO, 2006). Com a baixa participação de setores que geravam postos de trabalho massificado, com melhores condições e renda, a América Latina adentrou num período de aumento da pobreza extrema e do desemprego. Foi um período marcado por muitas revoltas e grandes manifestações de massa nas ruas. O caso argentino exemplifica o que se costumou chamar de “triste noite neoliberal”: a ineficiência da austeridade fiscal e o atrelamento unilateral da moeda nacional frente ao dólar, com câmbio flutuante: em 2001 o país teve, em 12 dias, 5 mandatários e uma fervorosa manifestação nas ruas, saques em supermercados, enfim, uma intensa ebulição social. Em maior ou menor grau, todos os governos de esquerda de fins do segundo milênio e do início do século XXI na América Latina assumiram uma agenda semelhante àquela proposta por Correa, um acerto de contas após a euforia da política liberal de ajustes do ciclo anterior (COUTINHO, 2006). Hugo Chávez, já em 1998 assume o poder com a promessa de realizar uma nova Constituição, cujo objetivo seria garantir com que as riquezas oriundas do vasto parque petrolífero 200 venezuelano fossem destinadas para a construção de políticas sociais para os mais pobres. As chamadas missões tiveram esse objetivo, que perpassavam a erradicação do analfabetismo, a redução do déficit de moradia, a contratação de médicos cubanos para atuarem em regiões socioeconomicamente precárias, construção de mercados populares, o investimento maciço na criação das universidades bolivarianas, etc., fazendo com que a Venezuela se tornasse o país com o segundo maior número de estudantes universitários matriculados por habitante na América do Sul e o quinto maior do mundo (UNESCO, 2014) durante o governo Chávez. Cabe lembrar, no entanto que tamanhas mudanças foram feitas em meio a um clima de tensões ideológicas e confrontações diretas entre os chavistas e opositores do governo, com os primeiros ocupando as ruas, criando espaços de mobilização de massas, de caráter contestatório e revolucionário. Desde o fim do século XX, o país encontra-se dividido e polarizado, em meio a uma disputa entre chavistas e opositores, enfrentandoaltos níveis de inflação e instabilidade econômica, devido à manutenção de políticas assistenciais, seguida de uma baixa performance industrial, mantendo-se dependente dos preços do petróleo no mercado internacional. Para Colete Capriles, o chavismo é expressão de uma ideologia totalitária e anti-democrática. Recentemente, a mídia liberal dominante e parte da literatura acadêmica historiográfica tendem a enxergar o governo atual de Nicolas Maduro como “populista”, situando-o junto a líderes com posições políticas mais à direita no globo, como o próprio ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump, Bolsonaro e Viktor Orban, na Hungria. No caso brasileiro, as propostas dos governos Lula e Dilma foram também direcionadas por uma visão ideológica progressista. Entretanto, o grau de mobilização popular e de transformações institucionais foram mais moderados. Buscando legitimar determinados direitos já prescritos na Constituição, como o acesso à moradia com o Programa Minha Casa, Minha Vida (governo Dilma); do investimento na exploração de petróleo em aguas profundas (Pré-Sal); da erradicação da fome e da pobreza extrema com o programa de assistência social Bolsa Família, investimento em universidades públicas e institutos federais e a aprovação de ações afirmativas em concursos públicos e processos seletivos como formas de combate ao racismo estrutural, os petistas se utilizaram de políticas públicas e da inserção institucional como forma de consolidação de sua 201 governança ao longo de 14 anos. Guardadas as devidas proporções, os governos de Nestor e Cristina Kirchner tiveram um estilo de governança semelhante ao petismo brasileiro, dando enfoque nos arranjos e acordos institucionais com parlamentares, apesar do seu respaldo popular e liderança carismática- concentrada especialmente em Lula, no caso brasileiro. O fim da “triste noite neoliberal” tem na recusa dos países integrantes do Mercosul à entrada na Área de Livre Comércio das Américas (ALCA), projeto formulado durante os governos Bill Clinton e George W. Bush. A utopia americana pós-Guerra Fria, ou seja, de consolidação unilateral da livre circulação de capitais e hegemonia geopolítica sofreu um importante abalo no Encontro de Mar del Plata, no ano de 2005. Do Peronismo moderado de Nestor Kirchner e do petismo Lulista, passando pela Revolução Bolivariana de Hugo Chávez; todos em uníssono rejeitaram o projeto econômico e político de corte neoliberal estadunidense. As limitações da onda progressista na América Latina logo apareceram na segunda década do século XX. O aumento dos gastos públicos e a associação deste com esquemas de corrupção e uso da máquina pública para a auto- perpetuação do poder logo foram utilizados como motes por oposicionistas para derrubarem governos e implementarem, pela segunda vez, políticas de abertura de mercado de corte neoliberal. No caso brasileiro, Dilma enfrentou uma grande onda de manifestações em junho de 2013. Em meio a Copa das Confederações e as vésperas da Copa do Mundo de 2014, a mandatária petista enfrentou resistência nas ruas e dentro do próprio Congresso, oriundas da crise econômica que começava a abater a credibilidade de seu mandato devido à brusca queda do preço das commodities após o superboom no seu valor em 2008. O país também enfrentava uma alta queda na industrialização, levando também à precarização da geração de emprego e renda. A defesa, logo no início de uma política de austeridade fiscal gerou desconfiança entre apoiadores e, por parte dos oposicionistas, foi a oportunidade de explorar as fragilidades internas da aliança entre o Partido dos Trabalhadores e o Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB). Ao se opor à candidatura de Eduardo Cunha para a presidência da Câmara e, simultaneamente, ter de enfrentar acusações de corrupção no seu e no governo Lula, devido a operação orquestrada pelo Ministério Público Federal 202 de Curitiba, que ficou conhecida como Operação Lava Jato e um processo de Impeachment que a indiciava por irregularidades de suplementação financeira – popularmente conhecidas como pedaladas fiscais – Dilma Rousseff foi a primeira presidente afastada do cargo, cometendo crime de responsabilidade, sem, porém, ter perdido seus direitos políticos. Em decorrência do seu Impeachment, o ex-presidente Lula é preso em 2018, alvo de acusações de corrupção em esquemas da Petrobras, envolvendo a compra de um apartamento – um Triplex na praia do Guarujá, em São Paulo – e a reforma de um Sítio em Atibaia, a 90 km da capital paulista, pagos por eventuais propinas oferecidas pela empreiteira baiana Odebrecht. O tema sobre um eventual golpe de estado, golpe brando, parlamentar, etc. ou se a retirada de Dilma Rousseff obedecera aos trâmites legais e políticos necessários para um Impeachment ainda é um tema controverso entre especialistas e cidadãos brasileiros. Entretanto, revelações recentes feitas pelo site The Intercept apontam para o fato de um suposto abuso de poder entre representantes do Ministério Público e o ex- Juiz da 4ª Vara Federal de Curitiba responsável por julgar os casos da Operação, o ex-ministro do governo Bolsonaro e atual advogado de uma empresa norte-americana que cuida dos processos da própria Odebrecht, Sergio Moro. Setores progressistas, advogados juízes do Supremo Tribunal Federal e colunistas até mesmo declaradamente vinculados ao mainstream liberal acusam Moro de ter infringido a regra da imparcialidade entre acusação e defesa. O juiz, entretanto, se defende, dizendo que as publicações feitas de suas mensagens foram “adulteradas” e foram obtidas ilegalmente por meio de hackers. O mesmo comportamento do sistema judiciário foi observável em outros países da América Latina, colocando os governos progressistas em rota de colisão com juízes. No Equador, Rafael Correa foi condenado por lavagem de dinheiro e recebimento de propina da empreiteira brasileira, responsável por obras em diversos países da região. A própria Lava-Jato foi utilizada como subsídio para provar as acusações. Na Argentina, a ex-presidente e então Senadora Cristina Kirchner sofreu acusações parecidas. No Peru, o ex-mandatário peruano Ollanta Humala também é preso por acusações de corrupção por conta da Rodovia do Pacífico, feita pela Odebrecht. No mesmo bojo de acusações está o ex-presidente Alan Garcia, que, ao saber que seria preso, comete suicídio. No caso boliviano, 203 após uma reeleição contestada e alegações de fraude interna, somada as acusações de corrupção em seu governo, Evo Morales pede renúncia em meio a um levante militar articulado com setores da oposição no ano de 2019. Partindo de uma visão panorâmica, intelectuais do campo progressista identificam o fenômeno de desestruturação dos governos progressistas de lawfare. Trata-se de uma utilização da justiça de forma premeditada, cujo objetivo seria o desgaste por meio de instrumentos supostamente legais, dificultando, com isso, a defesa de que as prisões e acusações seriam injustas, uma vez que se pautavam dentro das regras do Estado de Democrático de Direito. Para Souza (2017) esse tipo de prática evidencia e constrói uma narrativa de corrupção ingênua -chamada pelo sociólogo de corrupção dos tolos – cuja lógica seria a de silenciar a real corrupção do atual sistema democrático-liberal de nossos tempos, pautada ainda numa leitura atrasada da sociedade brasileira, explicada univocamente pela ideia de patrimonialismo como uma espécie de chaga genética da formação do Estado nacional: Se compararmos nosso capitalismo com o narcotráfico, do qual ele não se separa a não ser por exterioridades, a política e os políticos são os aviõezinhos que sujam as mãos, se expõem à polícia seletiva e ficam