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TRADIÇÕES RELIGIOSAS NO BRASIL Me. Lilian Bairros GUIA DA DISCIPLINA 1 Tradições Religiosas no Brasil Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 1. FUNDAMENTOS TEÓRICOS DAS TRADIÇÕES RELIGIOSAS DO BRASIL Objetivo Depreender como as tradições religiosas no Brasil foram inseridas ao longo do tempo. Introdução As Tradições religiosas são sistemas de crenças, valores, rituais e práticas que são transmitidos de geração em geração dentro de uma determinada comunidade ou grupo religioso. Elas são moldadas pela história, pelo contexto social e cultural dos ancestrais, pelas escrituras sagradas e ensinamentos que são considerados fontes de orientação e autoridade, e ainda pela experiência espiritual e cultural dos membros da comunidade. As tradições religiosas têm um papel fundamental na vida das pessoas, fornecendo um senso de identidade e comunidade, conforto espiritual, orientação moral e ética, além de um senso de propósito e significado para a vida. Elas também influenciam a maneira como as pessoas se relacionam com o mundo ao seu redor, incluindo suas relações com outras pessoas, com a natureza e com o divino. A importância das tradições religiosas pode ser vista em vários aspectos da vida cotidiana, como em festas e cerimônias religiosas, nos ensinamentos transmitidos pelos religiosos, nas crenças que orientam a vida espiritual e moral dos indivíduos e na maneira como a religião influencia a cultura e a sociedade em geral. No entanto, é importante lembrar que as tradições religiosas também podem ser fonte de conflitos, tanto dentro de uma comunidade religiosa quanto entre diferentes grupos religiosos. Por isso, o estudo das tradições religiosas deve levar em conta não apenas seus aspectos positivos, mas também as tensões e conflitos que podem surgir em seu contexto. 1.1. As tradições religiosas Desde o início, sabemos, por meio de pesquisas cientificas que os humanos vivem em grupos. É no grupo que ele se forma como pessoa, constrói a sua personalidade, cria 2 Tradições Religiosas no Brasil Universidade Santa Cecília - Educação a Distância e avança projetos de vida, agindo simultaneamente uns sobre os outros; um constrói e reconstrói o outro e, ao mesmo tempo, um é dependente do outro. No ato de construir a sociedade e construir a si mesmo, o homem projeta um mundo para si e para o seu povo, tentando atender às suas necessidades antropológicas. Essas necessidades são atendidas quando ele pode se exteriorizar por meio de atividades físicas e mentais incorporadas em ações objetivas, como fabricar ferramentas, objetos, utensílios, inventar a linguagem, construir valores, estabelecer instituições, enriquecer o mundo e criar sua cultura. Diferentes formas de vivenciar o que é considerado como sagrado são representadas no mundo por tradições religiosas que utilizam seus lugares, seus rituais, seus símbolos e seus textos sagrados para tornar a essa vivência concreta e racional. Porém, o que se pode considerar “Sagrado”? O homem pressente que o Cosmos goza de uma estabilidade que advém de fontes poderosas que vão além do esforço humano e para conseguir explicar, ou justificar isso, cria a religião com a finalidade de sacralizar o universo e seus mistérios e ao mesmo tempo, explicar a essa complexidade que a razão humana não consegue entender. Nasce então à ideia do sagrado. O homem o concebe como um poder misterioso que está fora do entendimento humano que transcende a vida normal, mas que, ao mesmo tempo, há uma relação de proximidade entre eles. O sagrado não se faz presente na rotina do cotidiano e sim, em lugares e situações significativas. (BERGER, 1985 p. 48) A religião geralmente nasce de uma experiência extraordinária do sagrado que uma determinada pessoa vivenciou. Com o tempo, a experiência com o sagrado se torna conhecida, ganha espaço, credibilidade e adeptos. É preciso então institucionalizá-la, criar normas que regularizem a doutrina, definam os princípios, a prática do culto e a formação da comunidade religiosa. Assim o Cosmos postulado pela religião transcende e ao mesmo tempo incluí o homem. O homem enfrenta o sagrado como uma realidade imensamente poderosa distinta dele. Essa realidade a ele se dirige, no entanto, e coloca a sua vida numa ordem, dotada de significado [...] O sagrado não se faz presente na rotina do cotidiano e sim, em lugares e situações significativas. (BERGER, 1985 pp. 39- 48). A religião não é um fenômeno que ocorre nas pessoas individualmente, não é apenas uma crença individual, mas requer a determinação de um grupo, pessoas que acreditem na mesma fé, absorvem os mesmos princípios, seguem as mesmas normas, formando assim uma comunidade social. Esse fenômeno está presente no mundo através 3 Tradições Religiosas no Brasil Universidade Santa Cecília - Educação a Distância da socialização e em sua vida cotidiana. Existe uma relação muito estreita entre a religião e a prática da solidariedade social. Qualquer que seja a religião, qualquer que seja sua legitimação, ela se justifica na prática coletiva. (BERGER, 1985. p.85) Porém, a escolha da crença é pessoal, mas a prática é coletiva. A fé se realiza vivendo em conjunto com os outros. É uma prática coletiva, um compromisso de viver uma fé no sagrado que se manifestou entre as pessoas, assume-se como requisito primordial. O coletivo, portanto, se reúne em torno da fé, de um sistema de normas, de cerimônias e, sobretudo, em torno de histórias sagradas que contam sobre a origem do Universo, da Terra e do Homem, podendo incluir as dúvidas diversas e inexplicáveis, sobretudo, entre essas dúvidas a que mais preocupa o ser humano: é o significado da vida após a morte, o que fica mais claro nessa citação: a sociedade é constituída de pessoas que se unem perante a morte. E estas pessoas aceitam e aderem à religião na medida em que ela orienta e significa o fenômeno da morte. Os seres humanos se envolvem na materialidade da vida até que em determinado momento, se deparam como fenômeno da morte. Quando isso acontece retoma seus velhos propósitos e procura buscar no coletivo, novamente, motivos que justifiquem sua existência e explique e signifique o fim da vida. (BERGER, 1985. p. 64) A principal missão de uma tradição religiosa é transmitir, oralmente ou por escrito, tudo o que as gerações herdam das gerações anteriores. É a transmissão de narrativas, valores espirituais, fé, memória, rituais, costumes que mantêm as experiências sagradas vividas pelos ancestrais e as tornam eternas. As manifestações do sagrado diferem de cultura para cultura, ou seja, sua compreensão só pode ser feita de acordo com cada realidade. 1.2 As tradições religiosas no Brasil O Brasil é conhecido como um país onde a maioria de seus habitantes adere à fé católica, ou pelo menos afirma vir de uma família onde o catolicismo é praticado. O catolicismo se tornou uma das principais marcas identitárias do Brasil. A Igreja Católica era a única instituição religiosa reconhecida oficialmente até o início da República e se manteve amplamente hegemônica durante a maior parte do século XX. Brasileiro era, praticamente, 4 Tradições Religiosas no Brasil Universidade Santa Cecília - Educação a Distância sinônimo de católico. Atualmente, houve o crescimento dos evangélicos e de outras religiões, além de uma queda entre os fiéis católicos, como demonstra o gráfico abaixo. Disponível: https://www.ecodebate.com.br/2022/10/12/a-aceleracao-da-transicao-religiosa-no-brasil-1872-2032-artigo- de-jose-eustaquio-diniz-alves/ acesso 21 Abril 2023. Cabe ressaltar, além das religiões cristãs, o país apresenta várias tradições religiosas herdadas dos povos originários e afrodescentes que ainda estão vivas e estimulando expressões religiosas ao povo brasileiro. Nesse sentido, é comum encontrar pessoas que professama fé católica e ao mesmo tempo passam por outras tradições religiosas sem que isso seja um problema para elas. Ou seja, a herança do colonizador ainda transita nas consequências da atuação da igreja no processo de reprodução cultural da sociedade. O conceito de cultura tem sido objeto de diversas abordagens. Para o senso comum, muitas vezes é confundido com a quantidade de conhecimento acumulado durante a formação escolar. Então, alguém tem uma cultura quando frequenta uma universidade. Mas a cultura é apenas sobre o conhecimento acumulado através da escola? É algo mais amplo e complexo porque, segundo André Maurois1, “a cultura é o que fica depois de esquecer 1Escr itor francês, nasc ido em 1885, em Elbeuf, o seu verdadeiro nome era Émile Herzog. Mais do que um romancista, fo i um ensaísta e um narrador hábi l , tanto no conto fantást ico, em Le Peseur d'Âmes ou La Machine à L ire les Pensées, como no conto in fant i l , e m Le Pays des Trente-Six Mi l le Volontés. As suas obras Les Si lences du Colonel Bramble e Les Discours du Docteur O'Grady são repassadas de um cer to humor mas foram sobretudo as suas biograf ias, ao mesmo tempo eruditas e romanceadas, que o tornaram célebre: Ar ie l , Disrael i , Byron e Prométhée ou la Vie de Balzac. Tornou -se membro da Academia https://www.ecodebate.com.br/2022/10/12/a-aceleracao-da-transicao-religiosa-no-brasil-1872-2032-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/ https://www.ecodebate.com.br/2022/10/12/a-aceleracao-da-transicao-religiosa-no-brasil-1872-2032-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/ 5 Tradições Religiosas no Brasil Universidade Santa Cecília - Educação a Distância tudo o que se aprendeu”. Para os cientistas sociais, e especialmente para os antropólogos, a cultura tem sido abordada sob diversas perspectivas. Para a corrente evolutiva, que considera a cultura como um fenômeno natural, ou seja, passa por um processo evolutivo, as diferenças entre as pessoas são explicadas, portanto, pelas limitações de seu aparato biológico e pela modificação do meio. Um dos criadores dessa corrente teórica foi um antropólogo inglês Edward Tylor2, que em 1871 definiu cultura como todo comportamento aprendido, como conhecimento, crenças, artes, moral, leis e costumes. A primeira resposta ao evolucionismo começa com o antropólogo alemão Franz Boas3, que apontou a importância da investigação histórica deste ou daquele traço cultural, pois cada cultura segue seus próprios caminhos dependendo dos diversos eventos históricos que enfrentou. A contribuição de Boas abriu, assim, lançou novos caminhos para a compreensão das diferenças culturais e permitiu dizer que cada pessoa é resultado do meio cultural em que foi socializada. Francesa em 1938. Faleceu em 1967. Disponível : ht tps :/ /www. infopedia.pt /apoio/art igos/$andre -maurois acesso 22 Abr i l 2023. 2 Edward Burnett Ty lor (Londres, 2 de outubro de 1832 - Wel l ington, 2 de janeiro de 1917) fo i um antropólogo br i tânico e professor de antropologia[ . . . ] sua obra mais inf luente, Pr imit ive Culture ( 1871) [ . . . ] impor tante seu estudo minucioso da c iv i l ização humana e contr ibuições para o emergente campo da antropologia, mas por sua inegável inf luênc ia sobre um punhado de jovens estudiosos, como J. G. Frazer, que se tornar iam discípulos de Tylor e contr ibuir iam muito para o desenvolv imento c ientí f ico. estudo da antropologia nos anos poster iores. As ideias de Tylor t ip i f icam o evoluc ionismo cultura l do século XIX. Disponível : ht tps :/ /pt.wik ipedia.org/wik i /Edward_Burnett_Ty lor . acesso: 22 Abr i l 2023. 3 Franz Ur i Boas (Minden, 9 de julho de 1858 — Nova Iorque, 21 de dezembro de 1942) fo i um antropólogo teuto-amer icano, um dos p ioneiros da antropologia moderna que tem sido chamado de "Pai da Antropologia Americana ” . Estudando na Alemanha, Boas fo i premiado com um doutorado em 1881 em fís ica, enquanto estudava geograf ia. Em seguida, part ic ipou de uma expedição geográf ica ao norte do Canadá de 1883 a 1884, onde f icou fasc inado com a cultura e a l íngua da i lha de Baf f in se tornando o pr imeiro estudioso a envolver -se em trabalho de campo prolongado com o Inui ts.Em 1887 emigrou para os Estados Unidos, onde trabalho u pela pr imeira vez como um curador do museu no Smithsonian, e em 1899 tornou-se professor de antropologia da Univers idade de Columbia, onde permaneceu pelo resto de sua carre ira. inf luenciou profundamente o desenvolv imento da antropologia norte -americana. Entre seus a lunos mais s igni f icat ivos estão A. L. Kroeber, Ruth Benedic t, Edward Sapir , Margaret Mead, Zora Neale Hurs ton e Gi lber to Freyre. Disponível : ht tps :/ /pt .wik ipedia.org/wik i /Franz_Boas acesso 22 Abr i l 2023. 6 Tradições Religiosas no Brasil Universidade Santa Cecília - Educação a Distância A cultura é o que diferencia as pessoas e, em última análise, o que as torna humanas. É nessa perspectiva que queremos propor uma discussão sobre a religião nas sociedades contemporâneas, ou seja, como forma de dar sentido à experiência humana. Nesse sentido, Clifford Geertz4 define a religião como um sistema cultural, ou seja, um conjunto consistente de símbolos, práticas e rituais, valores, crenças e regras de conduta, capaz de fornecer respostas quando outros sistemas de resposta falham, ou seja, em situações liminares. Desta forma, a religião tem razão de ser não só porque dá sentido à vida das pessoas, mas sobretudo quando há uma ameaça de falta de sentido. Na história das formações culturais e religiosas no Brasil, o catolicismo foi imposto pelos colonizadores aos que já habitavam o país e posteriormente aos africanos escravizados. Para os invasores europeus, os indígenas estavam em um estágio inferior de desenvolvimento e, portanto, como "crianças" deveriam aceitar a fé cristã para se tornarem adultos e seres humanos, pois eram considerados pessoas "sem fé, sem lei e sem um rei". Isso nos remete a reflexão da obra de Vitor Meirelles sobre a Primeira Missa realizada no Brasil. Primeira Missa no Brasil, óleo sobre tela do gênero de pintura histórica, é considerada a primeira grande obra do pintor brasileiro Victor Meirelles. A tela foi feita entre 1859 e 1861. Disponível: https://pt.wikipedia.org/wiki/Primeira_Missa_no_Brasil_%28Victor_Meirelles%29 acesso 22 Abril 2023. 4Cli f ford James Geertz (São Franc isco, 23 de agosto de 1926 — F i ladél f ia , 30 de outubro de 2006) fo i um antropólogo estadunidense, professor eméri to da Univers idade de Pr inceton, em Nova Jérsei , nos Estados Unidos. Seu trabalho no Ins t i tute for Advanced Study de Pr inceton se destacou pela anál ise da prát ica s imból ica no fato antropológico. Foi cons iderado, por três décadas, o antropólogo mais in f luente nos Estados Unidos. Disponível : h ttps: / /pt .wik ipedia.org/wik i /Cl i f ford_Geertz acesso 22 Abr i l 2023. https://pt.wikipedia.org/wiki/Primeira_Missa_no_Brasil_%28Victor_Meirelles%29 7 Tradições Religiosas no Brasil Universidade Santa Cecília - Educação a Distância A pintura representa a primeira missa celebrada no Brasil a partir dos relatos de viagem de Pero Vaz de Caminha, ou seja, do ponto de visto eurocêntrico. Nela, o momento é representado numa organização circular em torno da figura principal, o monge Henrique de Coimbra, que também ocupa o centro físico da tela no gesto de erguer o cálice. Os grupos que Meirelles representa, os índios e os portugueses, diferem tanto nas características físicas quanto nas atitudes em relação ao ritual religioso, enquanto, os portugueses se ajoelham e mantêm uma postura séria diante do altar, os índios se acomodam entre as árvores e o chão, conversando e desenhando o estranhamento causado pelo acontecimento, portanto, ficando muito claro na obra, as diferençasculturais entre os grupos presentes. O mesmo acontecia com os escravos africanos que, ao desembarcarem em solo brasileiro, eram batizados e proibidos de cultuar suas divindades. A intolerância com as religiões afro-brasileiras não é algo muito distante em nossa história, pois até 1960 era preciso pedir autorização à polícia para praticá-las. Ao longo dos séculos, porém, o catolicismo colonial, que já incluía tradições celtas e romanas em suas origens, foi de certa forma "contaminado" por tradições religiosas nativas americanas e africanas e vice-versa, desencadeando um processo sincrético entre essas diferentes formas de religião, cultuar o sagrado com feições nitidamente íntimas, como nos ex-votos populares por toda parte. Se, por um lado, temos estas práticas no âmbito privado, por outro, temos uma grande variedade de festas devocionais apoiadas por confrarias e irmandades, que de certa forma são um local para a integração destas diferentes tradições, onde o sagrado e o profano aparecem de formas diferentes, uma forma unificada para o povo, ou seja, como duas formas de um mesmo sagrado que se entrelaçam e se complementam. Entre as características destas festividades, destaca-se o colorido e a alegria expressa nas danças, na fartura de comidas e bebidas partilhadas entre todos, nos fogos de artifício e no toque dos sinos, bem como na capacidade de organização da folia. Tudo isso evidentemente permeado pela mediação do sagrado, expressa na devoção aos santos e à Virgem Maria, a quem as graças recebidas devem ser retribuídas em forma de festa. Um exemplo disso são as festas religiosas realizadas nas áreas rurais e urbanas do Brasil. Se durante o período colonial o catolicismo abriu espaço para expressões religiosas populares e assim permitiu a fusão de tradições religiosas, o mesmo não aconteceu durante 8 Tradições Religiosas no Brasil Universidade Santa Cecília - Educação a Distância o período da chamada romanização, ocorrido na segunda metade do século XIX, voltou-se mais para o culto privado e atividades educativas com o objetivo de educar as pessoas, especialmente a elite católica, que posteriormente deveria intervir na esfera política. Os Carismáticos católicos, ou "renovação conservadora do catolicismo", como o escritor Carlo Prandi denomina: é um movimento leigo típico da classe média, que, por meio da música e da expressão corporal, proporciona aos seus adeptos uma experiência mais direta com o sagrado e, consequentemente, com o tratamento dos males que todos sofrem. O processo de protestantização do catolicismo começou na década de 1940, porque procurou "criar em si a imagem de uma religião interiorizada na qual, com base numa análise racional e científica do mundo, apela à consciência do indivíduo, nem que seja para o envolver na renovação do rumo da história. Da mesma forma, diz o mesmo autor, no protestantismo observa-se um processo paralelo mas inverso, ou seja, é catolicizante na medida em que se acentua uma devoção individual à fé, a instauração de uma ética de rejeição do mundo como o reino do mal e um estrito controle da moralidade, só realizando com o rigor clássico do protestantismo o sonho de conversão moral da consciência, que proclamava a Igreja Católica aos seus fiéis nos anos 1930 e 1940. Esse processo fica mais claro, nessa citação: Se, por um lado, houve esse movimento de mudança tanto no catolicismo quanto no protestantismo, em que este último foi de alguma forma "influenciado" pelo primeiro, seja doutrinária ou devocionalmente, envolvendo símbolos católicos como a cruz, e ressignificando-os, por outro, existe um traço diacrítico capaz de demarcar as fronteiras permeáveis entre os dois sistemas de crenças, que é a devoção à Virgem Maria na tradição católica. Neste sentido, as devoções marianas imprimem um rosto particular ao catolicismo e constitui-se numa importante mediação entre o catolicismo “oficial”, este voltado mais para a doutrinação, e o “popular”, para as práticas devocionais, como novenas, romarias, promessas etc. Entretanto, este último tem a sua expressão principal no âmbito da festa, quando uma vasta gama de relações é acionada, realimentada a cada novo ciclo festivo. (SILVA, 2003, p.28) Por fim, a construção de uma nação envolve um conjunto de costumes, tradições, valores, hábitos, comportamentos, receitas, fórmulas e palavras que definem tanto a identidade de uma família como a de um grupo, ou seja, a cultura é um patrimônio que vai além dos espaços privados. Sendo assim, a religião e as tradições estão entrelaçadas nesse conceito da construção social de uma nação. 9 Tradições Religiosas no Brasil Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Lembrando que a cultura é parte fundamental da memória, circulando continuamente no imaginário da sociedade, estabelecendo a identidade, a linguagem, a ideia de pertencimento, e ainda rede de práticas compartilhadas no cotidiano, portanto, a cultura é a estrutura fundamental, que apresenta o modo de pensar, sentir e agir de determinado grupo social. Cabe mencionar, que o coerente é sempre compreender que existem várias culturas, sendo assim, não em uma cultura única, melhor ou superior a outra tipo de cultura, portanto, ao tratarmos do termo “cultura”, é preciso pensá-lo na pluralidade, na diversidade e na multiplicidade de experiências. Ou seja, nas tradições religiosas seria impossível definir, pois o Brasil possuí uma extensa diversidade étnica e em relação as tradições religiosas não poderiam ser diferentes. BERGER, L. Peter. O Dossel Sagrado: elementos para uma teoria sociológica da Religião. São Paulo: Paulinas, 1985. SILVA, S. A. da. (2003). Tradições religiosas e culturas no Brasil. TRAVESSIA - Revista Do Migrante, (46), 27–30. https://doi.org/10.48213/travessia.i46.78. Acesso 22 Abril 2023. https://doi.org/10.48213/travessia.i46.78 10 Tradições Religiosas no Brasil Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 2. RITUAIS FÚNEBRES NO BRASIL Objetivo Depreender sobre a tradição religiosa nos rituais fúnebres se ressignificaram ao longo do tempo e do espaço geográfico, além da permanência de algumas culturais regionais na relação com a morte. Introdução Todos os povos ritualizam suas mortes e apresentam uma forma semelhante de reagir à perda de um ente querido. Há registros arqueológicos de práticas de rituais fúnebres desde a pré-história, sugerindo que o surgimento da consciência coincidiu com o surgimento de uma preocupação com a finitude, por meio do cuidado ritualizado dos entes queridos falecidos. Sugere-se compreender as implicações das manifestações humanas diante da morte para a vida dos indivíduos e da sociedade, uma vez que esse tema está intimamente ligado ao modo como as pessoas significam o tema da morte e do morrer e como elaborar as perdas por óbito. O ritual está intimamente relacionado com a maneira como as pessoas resolvem problemas relacionados ao desenrolar da vida social da qual a morte faz parte. Nesse sentido, entende-se que a forma de ritualização de uma sociedade revela como essa sociedade se organiza e se reorganiza diante das mudanças e como ela simboliza esses momentos. Os rituais fúnebres no Brasil variam de acordo com a região, cultura, religião e tradição regional. O enterro é o ritual mais comum no Brasil e consiste em enterrar o corpo do falecido em um cemitério. Antes do funeral, familiares e amigos sempre se reúnem para uma breve oração ou despedida. Atualmente, algumas famílias estão optando pela cremação, neste caso, o corpo é levado ao crematório e após o processo as cinzas são entregues à família que quando a recebem geralmente realizam alguma outra forma de despedida. 11 Tradições Religiosas no Brasil Universidade Santa Cecília - Educação a Distância O velório éum ritual comum em todo o país e consiste em um momento de despedida onde o corpo do falecido é exposto para amigos e familiares prestarem suas condolências, durante o velório é comum conter uma coroa de flores, que geralmente é enviado por amigos e familiares como sinal de respeito e solidariedade. Por último temos o luto, é período pelo qual familiares e amigos passam após a perda de um ente querido. Algumas pessoas mais tradicionais, usam roupas escuras e evitam atividades sociais por um período que pode variar de acordo com a cultura ou religião local. As famílias católicas celebram missas em datas específicas em memória dos seus entes falecidos. Vale lembrar que o Brasil, é o quinto maior país do mundo em área territorial, com um total de 8.515.767 km, é m dos países mais populosos também, contudo é considerado pouco povoado, e isso se deve ao tamanho de sua área. O Brasil possui uma enorme diversidade cultural, étnica, religiosa e também no que se refere aos aspectos naturais, como vegetação, clima, relevo, fauna e flora. Devido a essa imensa extensão territorial os temas propostos precisam ser compreendidos em partes ou regiões, como por exemplo, os rituais supracitados são os mais comuns realizados no Brasil, porém, devemos levar em consideração que existem rituais indígenas e de outras religiões de matriz africana que realizam outros cultos e ritos de passagem. 2.1. De dentro para fora No final do século XVII, após as decisões do Concílio de Trento e a postura pública da Contrarreforma, foi-se afirmando gradualmente que os enterros não deveriam mais ser realizados no interior das Igrejas ou Templos. Com o aumento das taxas de mortalidade ao longo do tempo, as sepulturas dentro das igrejas abertas para o sepultamento de novos corpos foram preenchidas com novos cadáveres em intervalos mais curtos. Dadas as condições perigosas da calafetagem, os odores emitidos pelos corpos em decomposição mantiveram-se quase constantes. No Brasil católico, o sepultamento fora do templo religiosa era reservado aos católicos: protestantes, judeus, muçulmanos ou escravos e presidiários. O costume de sepultar em igrejas devia-se principalmente à noção religiosa de que isso aumentava as chances do falecido de "ajuste de contas póstumo". Assim, a renúncia a esse direito tornou-se um choque para a cultura do mundo cristão. Funerais e enterros 12 Tradições Religiosas no Brasil Universidade Santa Cecília - Educação a Distância ocorreram ao longo do tempo na tradição católica romana. Enquanto o funeral estava sendo coberto, o local do enterro estava sendo preparado dentro da igreja, como demonstra a ilustração a seguir. Disponível: http://memoriasantista.com.br/?p=6236 acesso 23 Abril 2023. Certamente essas novas medidas religiosas estavam associadas ao crescimento das cidades e devido as doenças epidêmicas, ou seja, devido a um crescimento populacional nas cidades, consequente, levando ao aumento da população funerária. Como medida sanitária, os cadáveres eram inicialmente transportados para locais abertos, preferencialmente fora dos limites da cidade, em áreas denominadas Campos Santos associadas a igrejas ou fraternidades. Apenas na segunda metade do século XIX, devido a fatores decorrentes da urbanização, como o aumento da população funerária gerando problemas de saúde pública, em diversos países estabeleceram-se normas para sepultamento em local adequado. A situação pode ser descrita de forma muito simples: pouca densidade populacional nos núcleos povoados, portanto poucos mortos, ainda assim divididos por vários templos e pelas próprias capelas particulares. Com o aumento da densidade urbana, associada à proliferação de epidemias decorrentes da falta de saneamento básico e informação preventiva, aumentou consideravelmente o número de óbitos em curto espaço de tempo, inviabilizando o processo anterior de sepultamento por falta absoluta de espaço físico. Tornava-se inevitável e inadiável a criação de um equipamento capaz de atender à premente necessidade, daí o surgimento dos cemitérios extramuros no Brasil. (BITTAR, 2018, pp. 185-187) http://memoriasantista.com.br/?p=6236 13 Tradições Religiosas no Brasil Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Ou seja, tal forma de sepultamento, somente foi oficializada no Brasil a partir de meados do século XIX, porém, era praticada entre povos de outras regiões e religiões como japoneses, chineses e judeus. Protestantes também utilizavam tal solução, conforme foi incorporado na Corte com a implantação do Cemitério dos Ingleses5 em 1811, junto ao Saco da Gamboa, no Rio de Janeiro, antes mesmo de decisões oficiais. A liberação do espaço do Cemitério dos Ingleses foi produto de um acordo celebrado entre o Governo Inglês e a Corte Portuguesa no Brasil, incluído entre diversas outras exigências para proteção e cooperação além-mar. (BITTAR, 2018, p. 184). Disponível; https://pt.wikipedia.org/wiki/Cemit%C3%A9rio_dos_Ingleses_(Rio_de_Janeiro) acesso 23 Abril 2023 Vale ressaltar que existiu e ainda existe diferenciação dos sepultamentos, entre pessoas desvalidas e abastadas, ou seja, a ocupação dos cemitérios, denominados como campos sagrados, traduz, mesmo na morte, a estratificação social que se verifica entre os vivos. Há pouco tempo registrou-se no Brasil a implementação de cemitérios verticais e o processo de cremação dos restos mortais. Devido à burocracia imposta e às formalidades legais, esta última solução, muito viável devido aos preços extorsivos cobrados por sepulturas à dificuldade cada vez mais presente em grandes centros urbanos, carentes de espaço, que abomina a proximidade com cemitérios (medo ancestral de fantasmas associado à desvalorização da propriedade) torna-se ainda quase inviável (BITTAR, 2018, p. 197). Segue a foto do cemitério Memorial de Santos, onde encontra-se atualmente um 5 O Br i t ish Bur ial Ground, mais conhec ido co mo Cemitér io dos Ingleses, é uma necrópole par t icu lar , de or ientação or ig inalmente protestante, local izada no bairro da Gamboa, na c idade do Rio de Janeiro. Fundado em 1811, é o cemitér io a céu aberto mais ant igo do Bras i l a inda em at iv idade. Disponível; ht tps :/ /pt.wik ipedia.org/wik i /Cemit%C3%A9r io_dos_Ingleses_(Rio_de_Janeiro) acesso 23 Abr i l 2023. 14 Tradições Religiosas no Brasil Universidade Santa Cecília - Educação a Distância mausoléu de Pelé, falecido recentemente em 2023. Em uma pequena análise, pode-se perceber que o espaço parece um condomínio, ou seja, uma ressignificação do espaço macabro de alguns cemitérios mais antigos. Disponível: http://www.memorialcemiterio.lwsite.com.br/ acesso 23 Abril 2023 É possível notar, que as diferenças sociais entre a magnitude de mausoléus e sepulturas luxuosas (estruturas surreais), diferentes de alguns espaços públicos que comportam apenas covas rasas comuns, com modestas cruzes de estuque ou de madeira, com apenas um número simples para identificar os ocupantes, ou ainda, algumas instituições públicas disponibilizam as chamadas “gavetas” funérias nos cemitérios públicos, por um determinado período. Nas desde as sepulturas, registra-se nas lápides a vontade e a saudade dos vivos, verdadeiro ou falso, expressas em mármore ou madeira, para que todos saibam deste sentimento represado, essa prática ainda é utilizada atualmente. (BITTAR, 2018, p. 196) 2.2 “Beber” o morto. Não é de hoje, a intensa a visita aos cemitérios, velórios ou rituais fúnebres, sobretudo, com comportamentos diferenciados de acordo com as tradições locais. Há aqueles que se reúnem em torno dos túmulos de seus entes queridos e ali passam seus dias, como se estivessem realmente trancados ali; há aqueles que trazem comida e bebida para alimentar as almas dos mortos; existem aqueles que carregam velas e flores para iluminare iluminar sua 15 Tradições Religiosas no Brasil Universidade Santa Cecília - Educação a Distância última casa. Em algumas regiões do Brasil é comum a associação do ritual de passagem para o “outro lado” com gurufins e festas regadas a bebida e pontilhada por “causos” e anedotário no decurso do velório – “beber” o falecido é atitude comum no sul da Bahia. (BITTAR, p. 184) Em algumas comunidades rurais do Brasil, encontramos traços culturais enraizados no modo de vida de determinadas populações que mantêm tradições e identificam peculiaridades vivenciadas em momentos relevantes de sua história. Esses sujeitos sociais constroem suas memórias, representações e histórias em relação às atividades e heranças compartilhadas no encontro de curtos e longos tempos no espaço rural, o preparo de bebidas e comidas que fazem parte desses rituais que são mantidos por gerações. Memórias são pessoas e fatos, conhecimentos e ações que perduram por gerações. Dessa forma, contextualizamos tradições passadas sobre determinados costumes na hora do nascimento e da morte que prevalecem nas comunidades rurais da Bahia e também no interior de Sergipe, sobretudo, é interessante pensar nessas origens e nas permanências culturais, porém, o fato é que em vários lugares do Brasil existem costumes semelhantes. O ritual "beber o morto", geralmente, no mínimo refere-se a beber cachaça, essa prática cultural de beber cachaça à noite durante o velório, conforme as histórias se desenrolavam, risos e lágrimas se misturavam numa celebração nostálgica. Algumas vezes o velório se tornava uma festa. O historiador João José Reis, em seu livro A morte é uma festa, conta muitos enterros que se tornaram uma festa de rememoração da vida do defunto. Na época da chegada dos portugueses, no século XVI, há relatos de visitantes que dizem que os índios também transformaram alguns enterros em festas. Embora seja um evento doloroso para a família, a morte exige o compromisso de realizar uma festa com muita comida e bebida. Essa tradição é comumente conhecida como "beber morto". A tradição de beber aos mortos é muito antiga, originando-se no momento do despertar, quando os conhecidos do falecido se reúnem para homenagear os mortos e fazer os preparativos para o funeral. Sob a influência do álcool e das lembranças dos vivos, os velórios acabaram se tornando festivos. Quando alguém morre tiver poder aquisitivo, serve-se um banquete de carne, frango e muito álcool, caso contrário, só serve cachaça. 16 Tradições Religiosas no Brasil Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Em alguns lugares, essa tradição religiosa é tão intensa, que algumas pessoas deixam de visitar seus familiares se não tiverem álcool para oferecer. A ausência de bebidas alcoólicas pode ser caracterizada como desrespeito à figura do falecido. A prática de beber os mortos retrata o valor simbólico que tal evento representa na vida desta comunidade. 2.3 As carpideiras O ofício das carpideiras é uma tradição que remonta ao período colonial do Brasil e ainda são encontradas em algumas áreas do país, especialmente no Nordeste. Historicamente, mulheres negras e pobres que tinham poucas oportunidades de trabalho, encontravam sua fonte de renda na profissão de carpideira, porém, o fator étnico racial para tal prática não é uma regra. Disponível: https://www.facebook.com/photo/?fbid=1230074063740069&set=carpideiras-do-s%C3%A9culo- xixa-carpideira-%C3%A9-uma-profissional-feminina-cuja-fun%C3%A7%C3%A3o-co acesso 28 Abril 2023. As mulheres carpideiras se vestiam de preto e choravam intensamente durante a vigília, muitas vezes em tom dramático e comovente, para criar uma atmosfera de tristeza e luto em torno do falecido. Às vezes, os enlutados também cantavam ou recitavam poesia para homenagear o falecido. Em algumas regiões do país, principalmente no Nordeste, a tradição das carpideiras ainda existe, mas é cada vez mais rara. Algumas famílias ainda contratam carpideiras para o enterro de seus entes queridos, principalmente em comunidades tradicionais onde a https://www.facebook.com/photo/?fbid=1230074063740069&set=carpideiras-do-s%C3%A9culo-xixa-carpideira-%C3%A9-uma-profissional-feminina-cuja-fun%C3%A7%C3%A3o-co https://www.facebook.com/photo/?fbid=1230074063740069&set=carpideiras-do-s%C3%A9culo-xixa-carpideira-%C3%A9-uma-profissional-feminina-cuja-fun%C3%A7%C3%A3o-co 17 Tradições Religiosas no Brasil Universidade Santa Cecília - Educação a Distância prática ainda é valorizada como forma de demonstrar respeito e luto. No entanto, existem críticas a essa tradição, principalmente de algumas ativistas e feministas, que argumentam que a prática pode reforçar estereótipos nocivos sobre as mulheres e perpetuar as desigualdades de gênero. BITTAR, William S. M. DA MORTE, DE VELÓRIOS E DE CEMITÉRIOS NO BRASIL. Disponível: https://revistas.ufrj.br/index.php/ph/article/view/22039. Acesso 23 Abril 2023. MENEZES, Sônia de Souza Mendonça; BERTONI, Luci Mara; SANTOS, Rosangela Vasconcelos Raimundo. Bebidas e comidas em celebrações de nascimento e morte: um estudo em comunidades rurais de Sergipe e Bahia. Disponível: https://revistas.ufg.br/atelie/article/download/54416/34215/271247 , acesso 23 Abril 2023. https://revistas.ufrj.br/index.php/ph/article/view/22039 https://revistas.ufg.br/atelie/article/download/54416/34215/271247 18 Tradições Religiosas no Brasil Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 3. RITUAIS FÚNEBRES DOS POVOS ORIGINÁRIOS Objetivo Depreender como os povos originários do Brasil rememoram os rituais fúnebres de acordo com a sua etnia Introdução Antes mesmos da chegada dos colonizadores, os povos indígenas já estavam organizados e possuíam sua cultura, que incluía rituais de iniciação e de morte, culto aos Deuses, entre outros. Vale lembrar que, com a invasão europeia, parte dessa cultura e desses povos foram disseminadas, porém, algumas etnias indígenas, ainda resistem até a atualidade. Essa resistência é mantida por exemplo, através dos rituais religiosos, da língua, das pinturas corporais e com a interação com a natureza. Os mitos contam como as coisas se tornam o que são. Eles contam como diferentes deuses, pessoas, animais e plantas são. Os rituais, por sua vez, seguem o caminho inverso da mitologia. E, não por acaso, muitas vezes estão dispostos a contar mitos, recriar mitos, promovendo uma espécie de retorno a uma era universalmente indiscriminada em que deuses, pessoas, animais e objetos reais se comunicam e recriam memórias. Perder esta comunicação, esta interação é entregar-se à inércia, permanência num mundo sem sentido. Por exemplo, os ritos de iniciação dos povos originários do Brasil, envolvem separar novas pessoas da vida social e, assim, mergulhá-las em um estado de isolamento em que os limites do mundo humano e social estejam restritos e distantes. Somente superando esse estado limitado, o calouro pode retornar a este mundo, agora de forma transformada. Os ritos funerários, por outro lado, incluem a separação dos vivos dos mortos, o retorno dos mortos à vida após a morte, o mundo não humano. Pode-se dizer que essa comunicação ritual se estabelece entre humanos e seres não humanos, como espíritos, deuses etc. Os rituais indígenas são uma celebração da diferença. Primeiro, a diferença entre os seres vivos no universo. O ser humano sabe que muito do que ele tem - o que chamamos de cultura - não foi meramente 'inventado' por ele mesmo, mas foi tirado, em tempos míticos, de outras espécies, e até de inimigos que não via há muito tempo. 19 Tradições Religiosas no Brasil Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Os rituais funerários das culturas indígenas do Brasil são muito diversos e divergem de acordo com as tradições de cada povo. Em resumo, os rituais funeráriosdas culturas indígenas do Brasil variam de acordo com as tradições e crenças de cada povo. Eles são uma forma importante de homenagear os mortos e manter viva a memória e as tradições dos ancestrais. 3.1. Funeral Bororo O funeral é o mais longo e importante de todos os rituais Bororo6. A maneira como essas pessoas se despedem de seus mortos traduz e atualiza muitos elementos de sua cultura. Durante muito tempo e com a intensidade com que se realizou, o simbolismo e a identidade ali se afirmaram e os costumes foram transmitidos às novas gerações com elementos como o canto, a dança, além da produção artesanal, da caça e da pesca. Por exemplo, pode-se citar os ensinamentos de membros mais velhos sobre técnicas para fazer objetos que são revelados apenas no contexto de um funeral. Do ponto de vista das relações sociais, embora haja uma classificação rígida e complexa entre eles para distingui-los de acordo com seus papéis e funções, nos ritos fúnebres, os Bororos apresentam o conceito de unidade e complementaridade de diferentes atores como membros do grupo. É justamente na separação de seus companheiros que os Bororos fortalecem suas alianças e a coesão do grupo. Nesse ponto, ocorre uma reorganização social, onde inclusive novos vínculos são feitos, trazendo novos elementos ao complexo sistema de parentesco bororo. Nesse período, o uso de práticas agrícolas mecanizadas, introduzidas a partir do contato interétnico é suspenso, pois serão resgatados os costumes como: a caça e a pesca coletivas, as situações são de grande importância na realização do ritual. 6 Bororo é o nome mais comum que ident i f ica o povo indígena outrora habitante de grande par te do Centro-Oeste brasi le iro e que, atualmente, se encontra d isseminado em pequenas aldeias, na fa ixa sul do Estado de Mato Grosso. A área está s ituada entre os r ios das Mor tes e Garças, cor tada ao meio pelo r io Barre iro, onde os Bororo estão presentes desde tempos imemor iáveis. Disponível : ht tp:/ /bororo.museuv ir tual.unb.br/ index.php/pt / acesso 24 Abr i l 2023. 20 Tradições Religiosas no Brasil Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Quanto à iconografia, os ritos fúnebres destacam conceitos de vida e morte, ancestralidade, relação com a natureza, tempo e sobrenatural. Em termos de simbologia, os rituais fúnebres destacam as noções de vida e morte, ancestralidade, relações com a natureza, tempo e sobrenatural. Ocasionalmente, todos os mortos são lembrados por meio de seus representantes vivos, proporcionando uma oportunidade de reconquistar a sociedade dos vivos. Dessa forma, ficam evidentes as concepções advindas das relações entre vivos e mortos, da não finitude e da continuidade da alma, além do próprio sentido da vida. Nessa cultura, a morte não é vista como um fim, mas como uma passagem para uma nova vida. Nesse sentido, o fim do corpo terreno simboliza o renascimento, o início da existência na aldeia dos mortos. Este facto contextualiza, em grande medida, o comportamento muitas vezes festivo presente ao longo do ritual, desde a morte propriamente dita até ao enterro definitivo. Outro fator fundamental a ser mencionado é a abordagem do ritual como expressão estética, motivo de orgulho dos Bororo. O rito, em seu sentido mais amplo, demonstra poder criativo em termos de performance. No velório Bororo, o corpo material é o centro a partir do qual se realizam as atividades. A desfiguração e refiguração dos corpos demonstra a importância da materialidade para atingir os aspectos imateriais e imaginários da cultura Bororo. O corpo é visto, nessa percepção, como memória. As manipulações, tanto simbólicas quanto literais, desempenham um papel central no acesso do espírito ao mundo celeste, por meio do qual ocorrem as transformações e purificações necessárias para o ingresso na morada definitiva. Entre as crenças Bororo está a figura do Bope, entidade sobrenatural responsável por todos os processos transformacionais como nascimento, puberdade e morte. Ao morrer, a alma (Aroe) da pessoa ocupa o corpo de um animal. A caçada a esse animal representa a vingança dos mortos contra o Bope. Esta caçada será liderada por um membro da aldeia escolhido para representar o falecido. Este indivíduo passará a ser, a partir deste momento e para além deste contexto ritual, o representante social do falecido. 21 Tradições Religiosas no Brasil Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Dessa forma, garante-se a continuidade da categoria social do falecido. Uma vez abatido o animal, termina o luto e começam as cerimônias que indicam a vitória da vida sobre a morte. Os Bororo praticam o enterro secundário, ou seja, inicialmente é realizada a inumação (primeiro enterro) e posteriormente a exumação (desenterro). O corpo do morto é envolto em esteiras e enterrado em cova rasa e aberta, no pátio central da aldeia. Para acelerar a decomposição do corpo, a cova é regada diariamente. No final do processo, que dura de dois a três meses, os ossos são ornamentados e, depois, definitivamente enterrados. Esse ritual é composto de cinco etapas: o moribundo, o primeiro enterro, a exumação, a ornamentação dos ossos e o cortejo final e o Mori: a vingança do morto. O Moribundo, seria a decoração corporal, prevista a hora da morte, suspende-se a alimentação do paciente e aí começam as primeiras atividades fúnebres. Todo o seu corpo é coberto com tinta de urucum e decorado com plumas e penas. Disponível: http://bororo.museuvirtual.unb.br/index.php/pt/ acesso 24 Abril 2023 Ao analisarmos atentamente a abordagem da morte na cultura Bororo, é possível perceber como as pessoas percebem os processos transformacionais. Tendo em vista que o indivíduo passará por uma transformação física para chegar ao seu lugar na aldeia dos mortos, ele terá que se preparar especificamente para os processos desfigurantes pelos quais passará. O cabelo do indivíduo é cortado tradicionalmente, o corpo é untado com urucum, as pinturas faciais e as joias de penas são dispostas de forma a seguir os padrões típicos do clã ao qual pertencem. 22 Tradições Religiosas no Brasil Universidade Santa Cecília - Educação a Distância A chegada da morte é marcada pela perda do alento vital. A partir do momento em que é notada a ausência desse sopro, pelos membros do clã responsáveis por tratar o indivíduo na despedida, o rosto do morto é coberto com uma bandeja de palha. Em seguida, no pátio central da aldeia, o corpo envolto em uma esteira é enterrado em uma cova rasa preparada pelas mulheres. Além da decomposição do corpo, estimulada diariamente pela rega, todos os bens do defunto devem ser queimados ou destruídos. Disponível: http://bororo.museuvirtual.unb.br/index.php/pt/ acesso 24 Abril 2023 Tudo o que este indivíduo representou materialmente deve desaparecer com sua morte. O estado do corpo e os odores exalados são examinados de tempos em tempos. Portanto, não se deve nem pronunciar o nome do falecido após sua morte. Os ritos a serem celebrados dependem então do clã do defunto e dos recursos materiais disponíveis. Enquanto a matéria do morto é transformada pela decomposição, são realizadas iniciações para os jovens da aldeia. Os ossos do morto são levados para o rio onde devem ser cuidadosamente lavados pelo aroe maiwu, seu representante social. O representante do defunto participará ativamente da mutilação e posterior refiguração do defunto. Em troca, recebe da família do falecido inúmeros enfeites com arco, nomes e a possibilidade de se casar com uma mulher do clã do falecido 23 Tradições Religiosas no Brasil Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Disponível: http://bororo.museuvirtual.unb.br/index.php/pt/ acesso 24 Abril 2023 Após a lavagem, os ossos são cuidadosamente colocados em um cesto de palha, que serálevado de volta à aldeia e entregue à mãe ritual do falecido, que se encarrega de levar o cesto até a casa do homem, onde serão enfeitados. Enquanto dança no pátio central, o aroe maiwu carrega um objeto que pertenceu a uma pessoa morta. Esse contato estabelecido entre o representante e o falecido demonstra o vínculo aqui embutido. A decoração dos ossos ocorre em um ambiente confinado, construído com paredes de esteiras de palha, dentro da casa de um homem. A almofada é colocada de forma que mulheres e crianças não possam ver os ossos decorados. Cabe ao aroe maiwu colorir os ossos maiores e o crânio, que é especialmente preparado e decorado com penas em padrão que lembra o usado pelo clã do falecido. Para essa sociedade, o adorno faz parte do processo de transformar o osso em alma, o que torna ainda mais intenso o envolvimento ali realizado. Disponível: http://bororo.museuvirtual.unb.br/index.php/pt/ acesso 24 Abril 2023 Depois de decorados, os ossos são colocados em uma bandeja de palha, entregues aos parentes do falecido e usados com cuidado semelhante ao de um bebê. A cesta 24 Tradições Religiosas no Brasil Universidade Santa Cecília - Educação a Distância contendo os ossos é costurada e o cabelo trançado de parentes do falecido é usado para amarrá-lo. A mãe ritual do morto carrega o cesto no percurso ritual pela aldeia, que termina na sua casa, onde os ossos repousarão durante vários dias. O luto só termina quando a vingança do falecido é tomada por seu representante. O objetivo do abate do animal é salvar o sopro de vida produzido pelo pai ritual do falecido após ser retirado do animal e alojado na abóbora do necrotério, que então será tocada pelo caçador. A pele do animal é entregue à mãe ritual do falecido. Esta pele é então enviada para os parentes masculinos do falecido e os dentes para as mulheres enlutadas. Disponível: http://bororo.museuvirtual.unb.br/index.php/pt/ acesso 24 Abril 2023. Existe a preocupação de que o morto, agora em forma de espírito (aroe), fique satisfeito com o ritual realizado para que não interfira na vida dos sobreviventes. Essa jornada tem a mesma duração da cerimônia fúnebre, é o tempo necessário para que ele se livre de todos os males aplicados em sua vida mundana. "Pode parecer paradoxal, mas é exatamente por meio do funeral que a sociedade Bororo reafirma a vitalidade de sua cultura. Este é um momento especial na socialização dos jovens, não só porque é nessa época que muitos deles são formalmente iniciados, mas também porque é por meio de sua participação nos cantos, danças, caçadas e pescarias coletivas, realizados nessa ocasião, que eles têm a oportunidade de aprender e perceber a riqueza de sua cultura. Mas por que fazer de um momento de perda, como a morte de uma pessoa, um momento de reafirmação cultural e até mesmo de recriação da vida?” Sylvia Caiuby Novaes. Disponível: http://bororo.museuvirtual.unb.br/index.php/pt/ acesso 24 Abril 2023. http://bororo.museuvirtual.unb.br/index.php/pt/ 25 Tradições Religiosas no Brasil Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 3.2. Kuarup Kuarup é uma madeira que dá nome a um ritual indígena que para os índios significa a despedida dos mortos e o fim do luto. O ritual tem origem na lenda sobre a tentativa do Pajé Mavutsinim de ressuscitar seis mortos. Segundo os índios do Alto Xingu, o pajé preparou seis toras de madeira que ganhariam vida e orientou que as pessoas que tivessem praticado atos sexuais naquela noite para não saírem de casa. A experiência da ressurreição começou a surtir efeito quando se aproximou um índio curioso, que não obedeceu ao aviso. Nesse momento, os troncos pararam de se mexer. Muito descontente, o Pajé disse que a partir daquele momento só tentaria ressuscitar as almas dos mortos. Desde então, os índios acreditam que através do Kuarup os espíritos dos mortos se libertarão e viverão em outro mundo. Kuarup é uma festa muito importante de dois dias realizada uma vez por ano no Parque Indígena do Alto Xingu. Durante as comemorações, há um momento de comida, dança, canto, oração e lamento quando são erguidas na aldeia arcas de madeira pintadas com faixas amarelas e vermelhas e alguns objetos dos falecidos. Disponível: https://www.significados.com.br/kuarup/ acesso 25 Abril 2023. O ritual Kuarup é realizado uma vez por ano, entre os meses de julho e setembro, sendo marcado por prantos e lamentações, numa saudação dos índios a seus mortos ilustres, encerrando o período de luto. https://www.significados.com.br/kuarup/ 26 Tradições Religiosas no Brasil Universidade Santa Cecília - Educação a Distância O último ritual fúnebre foi realizado nos dias 28 e 29 de outubro de 2022, na aldeia Ipawu Kamaiurá, localizada no Xingu (MT). Participaram mais de 900 indígenas, além de outros convidados. O Kuarup ocorre sempre há um ano após a morte dos familiares indígenas. Os troncos de madeira representam cada homenageados Eles são colocados no centro do pátio da aldeia, enfeitados, como ponto principal de todo o ritual. Ao seu redor, a família presta homenagem aos mortos. Eles passam a noite inteira acordados, chorando e orando por seus familiares perdidos. E assim, com orações e muitas lágrimas, eles se despedem, pela última vez. É durante o Kuarup que o acontece o rito de passagem para meninas que estão entrando na idade adulta, antes do Kuarup, eles ficam confinados em suas casas por um ano para refletir sobre o período da puberdade. Disponível: https://www.significados.com.br/kuarup/ acesso 25 Abril 2023 No segundo dia, começa a luta chamada Huka Huka. Os guerreiros, anfitriões do ritual, assim como os convidados, passam a noite anterior acordados, se arrumam, arranham com os dentes de um peixe, esfregam as ervas em toda a pele e pintam o corpo e cabelo, com jenipapo e urucum. Tudo isso com um objetivo: enfrentar seus adversários e assim vencer a luta. 27 Tradições Religiosas no Brasil Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Durante o Huka Huka, jovens guerreiros se enfrentam. O objetivo é acertar a coxa do adversário ou derrubá-lo agarrando sua perna. Ao final da luta, os ornamentos colocados nos troncos são retirados e entregues às famílias dos mortos homenageados. Em seguida, os troncos são atirados na Lagoa Ipavu, para que a alma deles seja liberta. Para Kotoc Kamaiurá, cacique geral da aldeia, explicou que a realização do ritual sagrado preserva a cultura e tradição de seu povo https://www.gov.br/funai/pt-br/assuntos/noticias/2018/kuarup-o-ritual- funebre-que-expressa-a-riqueza-cultural-do-xingu acesso 25 Abril 2023. Novaes, Sylvia Caiuby. “TRANÇAS, CABAÇAS E COUROS NO FUNERAL BORORO—A PROPÓSITO DE UM PROCESSO DE CONSTITUIÇÃO DE IDENTIDADE.” Revista de Antropologia, vol. 24, 1981, pp. 25–36. JSTOR, http://www.jstor.org/stable/41615990. Acesso 25 Abril 2023. https://www.gov.br/funai/pt-br/assuntos/noticias/2018/kuarup-o-ritual-funebre-que-expressa-a-riqueza-cultural-do-xingu%20acesso%2025%20Abril%202023 https://www.gov.br/funai/pt-br/assuntos/noticias/2018/kuarup-o-ritual-funebre-que-expressa-a-riqueza-cultural-do-xingu%20acesso%2025%20Abril%202023 28 Tradições Religiosas no Brasil Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 4. SINCRETISMO RELIGIOSO E AS TRADIÇÕES RELIGIOSAS NO ANO NOVO Objetivo Depreender sobre o sincretismo religiosas e as tradições religiosas no Ano Novo. Introdução A religião representa uma das mais importantes formas de manifestação cultural de um povo, além de direcionar a conduta e o modo de agir das pessoas, pois significa o meio pelo qual os indivíduos buscam seu lugar em um mundo melhor, geralmente, se forem dignos, conforme julgamento da sua divindade. É por meio da pesquisa das diversas manifestações religiosas, temos a oportunidade de percebercomo os homens se relacionam entre si, assim como seu contato com a natureza e com o desconhecido, o sobrenatural. O objetivo de compreender a origem do Candomblé, esta religião, assim como outras de origem africana, há muito foi reprimida e perseguida, sendo seus rituais e cultos considerados bruxaria. Posterirormente, surgiu a Umbanda no Brasil, outra religião de matriz africana. No entanto, eles sentiram a necessidade de buscar conforto em suas entidades. É uma das funções da religião, confortar os corações aflitos e, considerando a situação em que se encontravam, buscar força pela fé, que era necessária. Os africanos escravizados também sentiam a necessidade de cultuar seus orixás e sua religião. A partir do momento em que a Igreja Católica funde os elementos culturais desse povo à religiosidade, já configura uma forma de sincretismo religioso. Ou seja, surgiu um sincretismo de origem afro com a religião católica, na tentativa de camuflar suas crenças, totalmente proibidas em um país católico. 4.1. Sincretismo Religioso no Brasil O sincretismo é a fusão de diferentes doutrinas para criar uma nova, seja de natureza filosófica, cultural ou religiosa. O sincretismo mantém as características típicas de todas as suas doutrinas básicas, sejam rituais, superstições, processos, ideologias e outros aspectos. Quando o contato é feito entre esses grupos, ocorrem adaptações em diferentes 29 Tradições Religiosas no Brasil Universidade Santa Cecília - Educação a Distância áreas culturais, e assim um grupo acaba absorvendo o conjunto de crenças do outro. Ou seja, o sincretismo religioso é um fenômeno que ocorre quando duas ou mais religiões diferentes se misturam, originadas em novas crenças e práticas. No Brasil, essa mistura é comum e pode ser observada em diversas tradições religiosas, como no candomblé, na umbanda e na religião católica. A religião afro-brasileira do candomblé, sobretudo, é uma mistura de tradições africanas com elementos do catolicismo. No candomblé, os orixás (divindades africanas) são associados aos santos católicos. Por exemplo, Xangô é associado a São Jerônimo, Ogum a São Jorge e Oxóssi a São Sebastião. Além disso, as festas dos orixás são celebradas em datas próximas às festas católicas, como a festa de Iemanjá que é comemorada em 2 de fevereiro, dia de Nossa Senhora dos Navegantes. Outra religião afro-brasileira que apresenta sincretismo é a Umbanda, nessa vertente religiosa os orixás são associados aos santos católicos, mas também há influências do Espiritismo, devido as práticas de Umbanda ocorrem fenômenos mediúnicos e no Espiritismo também. A Umbanda celebra diversos dados que misturam elementos das religiões africanas, católicas e espíritas. Por exemplo, no dia 13 de maio é comemorado o dia de Santa Sara Kali, a protetora dos ciganos, que é associada a um espírito guia da Umbanda. Imagem do Museu Afro. Disponível: https://www.cultura.sp.gov.br/5-curiosidades-sobre-a-religiao-umbanda/ acesso 25 Abril 2023. A religião católica também apresenta influências do sincretismo religioso no Brasil. Na época da colonização, os missionários católicos encontraram dificuldades para https://www.cultura.sp.gov.br/5-curiosidades-sobre-a-religiao-umbanda/ 30 Tradições Religiosas no Brasil Universidade Santa Cecília - Educação a Distância converter os povos indígenas e os escravos africanos à sua religião. Por isso, eles acabaram incorporando elementos das religiões nativas e africanas em suas práticas. Um exemplo disso é a celebração do Natal, que no Brasil é comemorado com muitas festas e tradições que têm raízes nas culturas indígenas e africanas. A maior parte das pessoas enfeitam seus lares com símbolos natalinos como o Papai Noel, trenós, renas e pinheiros, enquanto, algumas regiões do Brasil seguem a tradição regional, esses enfeites incluem bois de pano e de couro, cangaceiros, reis, rainhas, palhaços, embaixadoras e pastoras saúdam o nascimento de Jesus, por meio de festas regionais com danças, roupas coloridas e muita alegria. Em Minas Gerais e São Paulo, com maior representatividade no Nordeste, existem os Reisados e Guerreiros, cujas origens remontam ao vasto ciclo de representações derivadas das janeiras e reis portugueses, autos comemorativos do Natal. Outras comemorações também apresentaram influências do sincretismo religioso no Brasil. Um exemplo é a Festa do Divino, que é uma celebração católica que acontece em diversas cidades do país. Durante a Festa do Divino7, são realizadas diversas manifestações culturais e religiosas que mesclam elementos da cultura indígena, africana e europeia. As festividades incluem procissões, missas, danças, cantorias e comidas típicas, como a famosa sopa do Divino. 7 A tradição da Festa fo i t raz ida ao Bras i l pelos por tugue ses e aqui adquir iu caracterís t icas especí f icas e locais, sendo geralmente comemorada entre maio e junho, não necessar iamente atre lada à data do Pentecostes. Como não era uma festa of ic ia l do calendár io cr istão e, portanto, não havia sobre e la o contro le r íg ido da Igreja, a comemoração adquir iu feições e caracterís t icas populares que resul taram no contraste entre momentos sagrados e profanos d is tr ibuídos ao longo das fest iv idades. A Festa do Div ino é celebrada de nor te a sul do país, em c idades como Pir inóp olis (GO), Mogi das Cruzes e São Luiz do Parai t inga (SP) , São João del -Rei (MG), Poções (BA) , São Luís (MA) entre mui tas outras. Os festejos duram cerca de 20 d ias, em meio a a lvoradas, rezas, cortejos , missas, danças e apresentações musicais de grupos tra dic ionais. ht tp:/ /www.museuafrobras i l .org.br /pesquisa/ indice -biograf ico/mani fes tacoes- cultura is /festa-do-div ino-espir i to-santo acesso 27 Abr i l 2023. 31 Tradições Religiosas no Brasil Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Disponível: http://www.paratyonline.com/jornal/2020/04/festa-do-divino-em-paraty-foi-adiada/ acesso 27 Abril 2023. Outra festa que apresenta influências do sincretismo religioso é o Carnaval, uma das maiores festas populares do Brasil. O carnaval tem origem nas festas pagãs que eram realizadas na Europa antes do cristianismo, mas também incorpora elementos das religiões africanas e indígenas. Na Bahia, por exemplo, o carnaval é marcado pela presença do bloco afro, que resgatou as tradições culturais africanas e é um dos símbolos da luta contra o racismo. Esses exemplos mostram como o sincretismo religioso está presente em diversas comemorações e tradições culturais no Brasil. Essa mistura de crenças e práticas é uma característica importante da cultura brasileira, que reflete a diversidade étnica e religiosa do país. O sincretismo religioso também é uma forma de resistência das culturas tradicionais, que preservam suas tradições e incorporam elementos das culturas dominantes. Atualmente a Igreja Católica, entre as Igrejas cristãs, é uma das únicas que vive esta perspectiva do diálogo entre si e entre as outras religiões, isso por conta dos passos dado no Concílio Vaticano II, haja vista, no concilio a dialogicidade é afirmada como elemento constitutivo da identidade eclesial. (IWASHITA E MARTINS, 2017, P. 50). http://www.paratyonline.com/jornal/2020/04/festa-do-divino-em-paraty-foi-adiada/ 32 Tradições Religiosas no Brasil Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 4.2. O sincretismo religioso no Ano Novo. O costume de comemorar a chegada de um novo ciclo do calendário não é novidade. Ele existe há mais de 4.000 anos. Mas naquela época, em vez de um novo "ano", a passagem do tempo era contada pelas estações. O primeiro povo a celebrar a festa da passagem teria sido a Mesopotâmia, região que hoje corresponde aos territórios do Iraque, Kuwait, Síria e Turquia. Por dependerem da agricultura parasobreviver, comemoravam o fim do inverno e o início da primavera, quando começava uma nova época de plantio. Se hoje certos rituais visam atrair prosperidade e dinheiro - como vestir a cor amarela na véspera de Ano Novo ou comer lentilhas - os cultos de 4.000 anos atrás pediam comida e abundância. Com isso, o festival de passagem da Mesopotâmia não acontecia na noite de 31 de dezembro para 1º de janeiro, mas de 22 de março para 23 de março, data do início da primavera no hemisfério norte. A comemoração ao “Ano Novo” acontecia de forma desornada até a introdução de um novo calendário no Ocidente em 1582 - o calendário gregoriano, adotado pelo papa Gregório XIII no lugar do calendário juliano – assim, o primeiro dia do ano novo passou a ser 1º de janeiro, cabe ressaltar que as comemorações também representavam esperança, ou seja, a construção social de um ano “salvador” só começou com a prática do novo calendário católico do século XVI. A nobreza brasileira foi uma das que abraçaram o réveillon, mas o sincretismo religioso característico do passado histórico do país fez com que as celebrações aqui acrescentassem novos personagens, costumes e comidas às festividades do réveillon. Em Salvador, a Igreja do Senhor do Bonfim é a principal ponto da cidade na última sexta-feira do ano, chamada “Sexta da Gratidão”. Devotos de todo o país vão ao templo pedir proteção para o próximo ano e levam objetos para serem abençoados, como colares, as famosas fitas do Bonfim, chaves de casa, fotos e até o carro. Segue imagem da Festa da Gratidão, realizada em 2022. 33 Tradições Religiosas no Brasil Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Disponível: https://g1.globo.com/ba/bahia/noticia/2022/12/30/fotos-fieis-lotam-igreja-do-bonfim-na-sexta-feira- da-gratidao.ghtml acesso 27 Abril 2023. Em todas as praias do Brasil, os seguidores de Iemanjá costumam passar o Réveillon no litoral fazendo oferendas8 ou pulando sobre as sete ondas. Iemanjá, a rainha do mar, é uma divindade africana originária da Nigéria, descendente da chamada tradição iorubá, e incorporada ao candomblé e à umbanda no Brasil. Na Nigéria, o ritual de Iemanjá é comemorado no dia 2 de fevereiro, mas no Brasil também ocorre nos últimos dias do ano e no Ano Novo. Segundo o professor da Unirio Zeca Ligiéro: “Iemanjá tornou-se popular nas religiões afro-brasileiras, como Umbanda, Tambor de Mina e Candomblé pela força desse arquétipo feminino que ela representa: mãe, mulher vaidosa que ama perfumes, flores e guloseimas e protetora de gestantes mulheres” [...] "Essa nova religião de origem africana, a Umbanda, misturou diversas tradições ameríndias, espíritas e católicas, criando uma nova imagem para Iemanjá, uma espécie de Vênus cabocla, cujos quadris são mais cheios que os seios". Sua tradição familiar mostra como a figura de Iemanjá se popularizou no Brasil, principalmente nas décadas de 1950 e 1960, quando seu ritual passou a ser praticado nas praias da famosa zona sul do Rio de Janeiro, ganhando visibilidade nacional. Segue imagem da praia de Copacabana. 8 Signi f icado de oferenda: aqui lo que se oferece; presente, dádiva, ofer ta. No (Cr ist ianismo) ofer ta fe ita a Deus ou aos santos ou a seus representantes com intenção p iedosa. Nas re l ig iões afro -bras i le iras, nome dado a sacr i f íc ios r i tualís t icos em que os prat icantes se desfazem de um bem mater ial em homenagem a um or ixá ou ent idade espir i tual. Disponível : ht tps :/ /pt.wikt ionary .org/wik i /oferenda acesso 27 Abr i l 2023. https://g1.globo.com/ba/bahia/noticia/2022/12/30/fotos-fieis-lotam-igreja-do-bonfim-na-sexta-feira-da-gratidao.ghtml%20acesso%2027%20Abril%202023 https://g1.globo.com/ba/bahia/noticia/2022/12/30/fotos-fieis-lotam-igreja-do-bonfim-na-sexta-feira-da-gratidao.ghtml%20acesso%2027%20Abril%202023 34 Tradições Religiosas no Brasil Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Disponível: https://www.metropoles.com/brasil/feliz-2022-veja-fotos-do-reveillon-na-praia-de-copacabana acesso 27 Abril 2023. A tradição de pular as sete ondas na virada do ano, fazendo sete pedidos diferentes, também está ligada à Umbanda e ao culto a Iemanjá. O sete é um número cabalístico, que na Umbanda representa Exu, filho de Iemanjá. Também tem relação com as Sete Linhas de Umbanda, conceito de organização dos espíritos sob o comando de um orixá. Cada pulo, nesse caso, seria o pedido a um orixá diferente. Ainda de acordo com a tradição grega, o mar possui um poder espiritual capaz de renovar as energias. A relação dos brasileiros com as praias na virada do ano, porém, não é exclusividade dos seguidores dos praticantes das religiões de matrizes africanas. É possível identificar na virada do Ano Novo tanto na praia quanto nas residências, o ritual de vestir-se de branco, ao contrário dos umbandistas, não tem significado religioso, apenas espiritual ou ainda uma tradição popular. Porém, vale ressaltar que a tradição em usar roupas brancas no Réveillon tornou-se comum no Brasil na década de 1970, quando os membros do candomblé e da Umbanda começaram a fazer suas oferendas e homenagens na praia de Copacabana. https://www.metropoles.com/brasil/feliz-2022-veja-fotos-do-reveillon-na-praia-de-copacabana%20acesso%2027%20Abril%202023 https://www.metropoles.com/brasil/feliz-2022-veja-fotos-do-reveillon-na-praia-de-copacabana%20acesso%2027%20Abril%202023 35 Tradições Religiosas no Brasil Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Disponível: https://orlario.com.vc/wp-content/uploads/2019/10/706dc027414c757b9e01aa06e13f918e.jpg acesso 27 Abril 2023. É importante lembrar que as tradições religiosas podem variar amplamente entre as diferentes culturas e religiões, portanto, é sempre importante respeitar as crenças e práticas de cada indivíduo e da comunidade. Lembrando que o Brasil tem as suas raízes coloniais europeias, africanas e indígenas, além das comunidades de imigrantes de diversas partes do mundo que buscaram morada e construíram suas histórias através das suas culturas e costumes em terras brasileiras, criando uma imensa miscigenação cultural entre essas nações. MARTINS, Alan Christian Pedroso; IWASHITA, Pedro K. SINCRETISMO: UMA RELAÇÃO ENTRE O CATOLICISMO E AS RELIGIÕES AFRO-BRASILEIRAS. Revista Eletrônica Espaço Teológico ISSN 2177-952X. Vol. 11, n. 20, jul/dez, 2017, p. 38-54 SANTOS, Guilherme Alexandre. O SINCRESTISMO RELIGIOSO DO CANDOMBLÉ E A IGREJA CATÓLICANO BRASIL; Educon, Aracaju, Volume 12, n. 01, p.1-7, set/2018 | www.educonse.com.br/xiicoloquio. Disponível: https://ri.ufs.br/bitstream/riufs/9489/4/3.pdf acesso 27 Abril 2023. SILVA, Alissan Maria da. Giros e ondas de uma escrita ancestral: A performance das Saias de Axé. Rio de Janeiro: UNIRIO. PPGAC – UNIRIO; Doutorado; Orientador Prof. PhD Zeca Ligiéro. Licenciatura em Teatro – IFF; Profª EBTT; CAPES – Programa Pro doutoral Docente 36 Tradições Religiosas no Brasil Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 5. O SINCRETISMO RELIGIOSO NA FESTA DO BONFIM Objetivo Conhecer umas mais festas religiosas que estão inseridas no contexto do sincretismo religioso no Brasil, a Festa do Bonfim. Introdução A Festa do Bonfim é uma das festas religiosas mais importantes da cidade de Salvador, Bahia. A festa ocorre em homenagem a Nossa Senhora da Conceição da Praia e ao Senhor do Bonfim, homenageando os padroeiros da cidade. A início começa na segunda-feira que antecede o segundo domingo de janeiro e dura cerca de uma semana. A festa tem suas raízes na tradição católica portuguesa, mas também é marcada pela influência da cultura afro-brasileira e indígena. Durante a celebração, os fiéis participaram de diversas atividades religiosas, como missas, procissões e novenas, além de rituais que misturam elementos religiosos e culturais.Uma das principais atrações da Festa do Bonfim é a Lavagem do Bonfim, que acontece na quinta-feira da semana da festa. Nessa ocasião, centenárias de baianas vestidas com trajes típicos e carregando potes de água de cheiro percorreram as ruas de Salvador até a Igreja do Bonfim, onde lavam as escadarias da igreja em um ritual simbólico de purificação. A lavagem é seguida por milhares de pessoas, que dançam ao som de músicas típicas e fazem oferendas aos santos. Outra tradição importante da Festa do Bonfim é a distribuição de fitinhas. As fitinhas são coloridas e representam uma promessa ou um pedido que o fiel faz aos santos. Elas são amarradas nos pulsos ou nas notas da igreja e são usadas como amuletos de boa sorte. Além das atividades religiosas, a Festa do Bonfim também é marcada por eventos culturais, como shows de música, apresentações de capoeira e dança afro, e feiras de artesanato e comida típica. 37 Tradições Religiosas no Brasil Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Em resumo, a Festa do Bonfim é uma celebração religiosa e cultural rica em tradições e símbolos. Ela reflete a diversidade cultural e religiosa da Bahia e é um evento importante no calendário cultural do Brasil. 5.1. Da Construção ao Patrimônio Histórico Imaterial Senhor do Bonfim é uma representação de Jesus Cristo que é alvo de intensa devoção no catolicismo. O culto ao Senhor do Bonfim é semelhante ao que acontece com a Virgem Maria, que recebe devoção sob diferentes nomes. O Senhor do Bonfim é devotado por meio da imagem de Jesus crucificado. Nos cultos afrocatólicos, o Senhor do Bonfim é sincretizado com Oxalá, segundo Pierre Verger, "sem outra razão aparente senão a de ter ele, nesta cidade, um enorme prestígio e inspirar fervorosa devoção aos habitantes de todas as categorias sociais" (VERGER, 1997, p. 259). Ocorre também uma aproximação entre a festa católica e a dos cultos afro-brasileiros, as "Águas de Oxalá". (BOMFIM, 2000, p.2). O culto ao Senhor do Bonfim foi trazido ao Brasil no século XVIII, através do capitão naval e de guerra da marinha portuguesa, Teodósio Rodrigues de Faria, de quem também era o proprietário de três navios negreiros da costa africana e membro da a Comissão Reguladora do Tabaco. Teodósio teria feito uma promessa: caso sobrevivesse a uma tempestade marítima, traria para o Brasil imagens do Senhor do Bonfim e da Nossa Senhora da Guia. Com a promessa feita, Teodósio trouxe uma imagem equivalente (réplica) à existente que estava em Setúbal, Portugal, chegou a Salvador (BA) em 1745, media mais de um metro. Mesmo não obtendo o apoio esperado da irmandade religiosa, iniciou a construção da igreja, enquanto a obra não ficava pronta, a imagem do Senhor do Bonfim foi depositada na Capela da Penha, e foi nesse local no qual Teodósio e outros portugueses criaram uma devoção para o Senhor do Bonfim. Em 24 de junho de 1754, com uma série de festejos e com a transferência da imagem da Capela da Penha para a Colina do Bonfim foi inaugurou a capela. A Basílica de Nosso Senhor do Bonfim, localizada na Colina Sagrada, foi tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), em 1938, com registro no Livro de Belas Artes. Segue imagem da Igreja do Bonfim em fotografia de Ben Mulock, de 1860. 38 Tradições Religiosas no Brasil Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Disponível: http://www.salvador-antiga.com/bonfim/igreja-bonfim.htm acesso 27 abril 2023 A “Lavagem do Bonfim” é tradicionalmente considerada a festa mais importante de Salvador. Acredita-se que o rito da purificação tenha se originado na época em que os escravos eram obrigados a trazer água para lavar as escadas da Basílica para a festa dos brancos, pois esse tempo era o agradecimento do povo pela graça. O ano de 1804 é considerado o primeiro ano oficial de lavagem. A comemoração começou com a característica dos arraiás portugueses, sendo depois o Senhor do Bonfim sincretizado com Oxalá, mudando o estilo da festa. Segundo Clarival do Prado Valadares a decorrência desse sincretismo foi a ‘lavagem do Bonfim’ proibida pelo Arcebispo D. Luiz Antônio dos Santos, em 1889, porém retomada em diferentes datas, ou no mínimo reconduzida, tanto quanto permitida” (VALLADARES, 1967, p. 40, apud, (BOMFIM, 2000, p.2). O ponto alto da festa aconteceu no Largo do Bonfim, bem em frente à igreja, no alto da Colina Sagrada, na última quinta-feira antes do fim da novena e foi marcado por baianas lavando escadas e pátios. A partir de 1773 passaram a ser feitas com data móvel (sempre no mês de janeiro). Os festejos religiosos (a parte sacra da festa) consistem num novenário que se encerra no segundo domingo após o Dia de Reis. (BOMFIM, 2000, p.2). http://www.salvador-antiga.com/bonfim/igreja-bonfim.htm 39 Tradições Religiosas no Brasil Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Disponível: https://piauihoje.com/noticias/brasil/lavagem-do-bonfim-acontece-nesta-quinta-feira-12-em- salvador-27357.html acesso 27 Abril 2023. A festa é tão tradicional e importante para a cultura popular brasileira que, em 2013, foi tombada pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), ganhando o título9 de Patrimônio Imaterial do Brasil. As baianas vestidas de paramentos brancos, carregam uma bacia de água perfumada na cabeça para lavar o chão da igreja, arrumam as flores para decorar o altar. O ponto alto da festa acontece no Largo do Bonfim, bem em frente à igreja, no alto da Colina Sagrada, na última quinta-feira antes do final do novenário e é marcada pela lavagem da escadaria e do adro da igreja por baianas vestidas a caráter, trazendo na cabeça potes com água de cheiro (muito disputada entre os fiéis) para lavar o chão da igreja, além de flores para enfeitar o altar. (BOMFIM, 2000, p.2). A respeito da lavagem, não existe uma precisão de quando essa tradição foi iniciada. Sabe-se que a lavagem das escadarias da Igreja do Bonfim começou em algum momento do século XIX. Alguns falam que essa tradição foi iniciada por um português que havia sobrevivido à Guerra do Paraguai. Outros falam que esse costume foi criado por um devoto de Oxalá. 9 O regis tro da Festa de Nosso Senhor do Bonf im como Patr imônio Cul tura l Bras i le iro foi aprovado em 05 de junho de 1913, pelo Conselho Consul t ivo do Patr imônio Cul tura l. Real izada sem interrupção desde o ano de 1745, a fes ta, que atra i para a capita l baiana o maior número de part ic ipantes, depois do carnaval , ar t icu la duas matr izes re l ig iosas d ist intas – a cató l ica e a afro-bras i le ira – assim como envolve d iversas expressões da cultura e da v ida soc ia l soteropol i tana. Mais que uma grande manifestação rel ig iosa da Bahia, a celebração é uma referênc ia cul tura l impor tante na af i rmação da cul tura baiana, a lém de representar um momento s igni f icat ivo de v is ib i l idade para os d iversos grupos soc ia is . ht tp:/ /por ta l . iphan.gov.br /not ic ias/detalhes/357/festa -do-senhor-do-bonf im-em- salvador-ba-recebe- t i tu lo-de-patr imonio-cultura l-do-bras i l acesso 27 Abr i l de 2023 . https://piauihoje.com/noticias/brasil/lavagem-do-bonfim-acontece-nesta-quinta-feira-12-em-salvador-27357.html%20acesso%2027%20Abril%202023 https://piauihoje.com/noticias/brasil/lavagem-do-bonfim-acontece-nesta-quinta-feira-12-em-salvador-27357.html%20acesso%2027%20Abril%202023 http://portal.iphan.gov.br/noticias/detalhes/357/festa-do-senhor-do-bonfim-em-salvador-ba-recebe-titulo-de-patrimonio-cultural-do-brasil http://portal.iphan.gov.br/noticias/detalhes/357/festa-do-senhor-do-bonfim-em-salvador-ba-recebe-titulo-de-patrimonio-cultural-do-brasil 40 Tradições Religiosas no Brasil Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Outra hipótese afirma ainda que a lavagem das escadarias surgiu quando
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