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gestão empresarial comunicação e expressão Coesão e CoerênCia em doCumentos empresariais e em textos midiátiCos 16 ObjetivOs da Unidade de aprendizagem Ao final da aula, o aluno deverá ser capaz de identificar falta de coesão e coerência em textos noticiosos e em propagandas, filtrar informações e ainda escrever um texto empresarial mantendo a coerência e a coesão. COmpetênCias Compreensão do processo de identificação de falhas de coesão e coerência em textos midiáticos. Habilidades Compreensão do processo de identificação de falhas de coesão e coerência em textos midiáticos comunicação e expressão Coesão e CoerênCia em doCumentos empresariais e em textos midiátiCos ApresentAção É comum, no ambiente empresarial, que textos causem excelente impressão sem que o leitor saiba exatamente por quê. É o caso de textos que, além de coerentes, são coesos. Coerência é um conceito simples de entender e atendê-la requer, sobretudo domínio do assunto trata- do e atenção. Coesão é, ao menos a princípio, uma ideia menos intuitiva, mas muito importante, como demons- tra esta aula. E, em relação aos textos midiáticos, essa aula também examina coerência e coesão na mídia, es- pecialmente no texto noticioso. Esse estudo auxiliará o gestor a exercer um olhar crítico sobre o que lê e reforça os conceitos de coerência e coesão. pArA ComeçAr É muito comum que erros sejam cometidos em empre- sas por redação defeituosa de textos, com consequente dificuldade de compreensão. Mas o que torna um tex- to organizacional inteligível? Algumas características do bom texto são fáceis de entender: termos claros e bem definidos, construção direta sempre que possível e au- sência de palavras desnecessárias. Outras propriedades do texto organizacional adequado não são tão óbvias, inclusive e principalmente a coerência e a coesão. Um texto coerente, como já foi visto, é o texto livre de inconsistências e contradições. É muito importante no mundo empresarial ser lógico e consistente. Parece fácil, não? Mas não é exatamente. A falta de coerência nem sempre é óbvia, como será demonstrado ainda nesta aula. O conceito de coesão é mais complexo, como você já percebeu nas aulas anteriores. Mas certamente você já viu muitas e muitas vezes, por exemplo, cartas que começavam na 3ª pessoa (a empresa decidiu...) e lá pe- las tantas mudava para a 1ª pessoa (resolvemos que as ações serão...). Outro exemplo é o uso indiscriminado de Comunicação e Expressão / UA 16 Coesão e Coerência em Documentos Empresariais e em Textos Midiáticos 4 singular e plural com a intenção de significar exatamente a mesma coisa, como um relatório que menciona “o gerente” em um determinado pará- grafo e “os gerentes” um pouco mais adiante. Vamos, então, ver como reconhecer essas armadilhas que se põem no caminho da coerência e da coesão dos textos empresariais. É importante ressaltar que muitos desses textos organizacionais são muito comuns em formato midiático. O texto midiático é também muito utilizado nas organizações e tem particular importância. Embora vários sejam os gêneros a ele associados (publicitário, ficcional – novelas, políti- co), vamos fixar no noticioso que, de certa maneira, é capaz de esclarecer o modo como certas características se desenvolvem nos textos da mídia. É claro que uma notícia tem de ser escrita com coerência. Imagine um jogo de futebol noticiado como tendo acontecido na estação espacial or- bital: evidentemente, lá não há espaço para isso... Ou um anúncio que prometa emagrecimento de 50 quilos por dia. Existem certas incoerências grosseiras – as mencionadas, por exemplo. Fáceis de perceber. Ninguém acreditaria na possibilidade do tal jogo em espaço tão pequeno e, ainda por cima, sem a força da gravidade. Da mesma forma, qualquer pessoa, por menos esclarecida que seja, tem consciência da impossibilidade de perder 50 quilos em um único dia. Mas, às vezes, o que é claro para um não o é para o outro. Nesta aula vamos estudar a forma como a coerência é construída nos textos empresariais e midiáticos, jornalísticos e publicitários. A coesão também será observada como forma de melhoria textual. Dica Ter cuidado evita problemas! Erros de coerência e coesão são detectáveis e podem ser corrigidos a partir do entendimento dos conceitos e atenção ao produzir o texto. FundAmentos Fávero e Koch (1998) afirmam que todo falante de uma língua é capaz de distinguir um texto coerente de um aglomerado incoerente de enun- ciados e esta é especificamente uma competência linguística em sentido amplo. Comunicação e Expressão / UA 16 Coesão e Coerência em Documentos Empresariais e em Textos Midiáticos 5 Lembremos que coesão e coerência são fatores de textualidade com- plementares e nem sempre aparecem separados. Para alguns autores como Koch (2000), a coesão é um fenômeno distinto que diz respeito ao modo como os elementos linguísticos presentes na superfície textual se encontram interligados. Para esta autora, a coesão se constitui sobree duas bases: a remissão e a sequenciação. A primeira ocorre no texto por meio da referenciação anafórica ou catafórica, formando cadeias coesivas mais ou menos longas – são elementos que retomam referentes princi- pais ou temáticos e estão presentes, geralmente, no texto inteiro. Você já estudou esse assunto na aula 14, lembra? A coerência se configura em um aspecto externo ao texto, uma vez que está relacionada aos contextos de situação. Nesse sentido, estão envolvi- dos os diversos fatores interpessoais, além e outras formas de influência recebida pelo falante em situação de comunicação. Isso significa dizer que o contexto no qual está inserido o falante é significativo para a construção da coerência textual. Os erros de coerência e coesão no texto organizacional são, na maior parte das vezes, parecidos uns com os outros. É nos erros mais comuns que vamos nos concentrar de modo a que você possa aperfeiçoar seu método de análise e produção de textos. conceito A coesão refere-se à forma como os elementos gramaticais se relacionam no texto e a coerência refere-se ao contexto. 1. COerênCia Os aspectos da coerência que vamos examinar são: 1.1. Causalidade; 1.2. Certeza; 1.3. Consequência. 1.1 Causalidade A causalidade é tornada evidente quando se estabelecem relações de cau- sa e efeito; seus nexos são: porque, já que, pois, por causa de, suposto que, como que. Um erro comuníssimo em textos empresariais acontece quando se es- creve que algo é importante (ou mesmo muito importante) sem explicar o motivo. Por alguma razão, as pessoas que cometem esse erro gostam http://pt.wikilingue.com/es/Nexo Comunicação e Expressão / UA 16 Coesão e Coerência em Documentos Empresariais e em Textos Midiáticos 6 muito da expressão “é fundamental”. Praticamente todos os que traba- lham em organizações já viram isso. Segue exemplo de e-mail extraído de uma empresa de engenharia: → Seu relatório omite informações importantes. Pedimos que o revise. Nesse caso real, a frase entre aspas não menciona quais as informações importantes que foram omitidas e cuja ausência provoca a necessidade de revisão. Explicitar as relações de causa e efeito, nesse caso, evitará dúvidas e retrabalho. O texto correto seria: → Seu relatório omite informações importantes como: (mencionar as in- formações importantes). Solicitamos (ou pedimos) que o revise. Outro caso, na mesma empresa: → É fundamental que o relatório não ultrapasse duas páginas. Trata-se de erro frequente. Não foi explicado o motivo da limitação do número de páginas do relatório. O correto seria mencionar a(s) causa(s) dessa importância. Exemplos: → É fundamental que o relatório não ultrapasse duas páginas para ga- rantir que seja lido na sua totalidade. → É fundamental que o relatório não ultrapasse duas páginas por ser esta a norma da empresa. atenção A afirmação de importância ou relevância de determinado assunto ou fato desacompanhada das causas dessa impor- tânciatransmite falta de real conhecimento do assunto ou desleixo ao produzir o trabalho. Outro erro comum envolvendo causalidade é a inversão de causa e efeito. Trata-se de uma inconsistência particularmente comum em discussões entre clientes e fornecedores. Veja este caso: uma empresa de grande porte na área de construção enviou uma carta a um cliente importante alegando que “[...] os atrasos Comunicação e Expressão / UA 16 Coesão e Coerência em Documentos Empresariais e em Textos Midiáticos 7 na obra foram provocados pelas medidas tomadas pela fiscalização”. O cliente pode entender que a fiscalização agiu por causa dos atrasos. Isso configura uma inversão de causa e efeito. Quem escreve em ambiente empresarial deve ter atenção a afirmações que, não explicadas, passem por inversão de causa e efeito. Um modo correto de escrever seria, por exemplo, “os atrasos na obra foram provocados por exigências da fiscalização fora do escopo de con- trato: relatórios diários, apresentação de procedimentos escritos antes de se executar os trabalhos e testes não usuais.” Aqui não há possibilidade de duplicidade de interpretação. 1.2 Certeza A certeza reforça as ideias que o autor apresenta no texto, ou seja, signifi- ca uma afirmação que não admite ser contestada. Seus nexos são: eviden- temente, seguramente, de fato, claro, ademais. Colocada em um documen- to organizacional, deve ter base sólida, ou poderá destruir a credibilidade do texto. Leia o exemplo retirado de um relatório técnico: → Nossa experiência permite afirmar conclusivamente que existe ine- ficiência operacional. Essa frase (elaborada por gerente de empresa metalúrgica) concluiu um relatório em que eram somente apontados sinais de má operação, sem nada de conclusivo. Nesse caso, a certeza foi utilizada com improprieda- de. Melhor seria dizer: → Nossa experiência permite apontar para indícios de ineficiência ope- racional. De um modo geral, as afirmações de certeza devem ser evitadas e subs- tituídas por fatos. Quando em maio de 2010 o presidente da Telefônica disse, sobre a compra da Vivo: “Nós não temos nenhuma dúvida de que os acionistas da Portugal Telecom aprovarão a venda”, ele substanciou a informação com um fato: “A oferta é impecável. Ambas as companhias se beneficiarão com o acordo”. Ainda que se entenda que um negócio de grande porte provoque envolvimento emocional do presidente da empre- sa compradora, aquele executivo faria melhor se tivesse falado somente nas vantagens para as duas organizações e não mencionasse a certeza, dispensável. Aliás, o negócio acabou se complicando... http://pt.wikilingue.com/es/Nexo Comunicação e Expressão / UA 16 Coesão e Coerência em Documentos Empresariais e em Textos Midiáticos 8 1.3 ConsequênCia A consequência relaciona a continuidade das ideias, conforme o encade- amento de frases, orações ou parágrafos. Alguns de seus nexos são: pois, deste modo, depois, portanto. Os erros mais comuns de consequência, presentes com frequência em textos de propostas organizacionais, estão listados e comentados a seguir. a. Afirmação do consequente: ocorre quando o consequente não é re- sultado de um argumento baseado no antecedente. Por exemplo, “como se sabe, uma boa proposta leva à vitória em licitações. Como vencemos a licitação, podemos concluir que desenvolvemos uma boa proposta”. Quem trabalhou em empresas sabe que, às vezes, uma proposta é mal escrita e mesmo assim a empresa vence a con- corrência. Esse tipo de erro é particularmente pernicioso, pois difi- culta as melhorias nos textos. b. Negação do antecedente: acontece quando o antecedente é negado com recurso à ausência do consequente. Por exemplo, “se perdemos a licitação, isso significa que nossa proposta foi mal feita”. Aplicam-se aqui observações análogas às do item anterior, ou seja, o fato de per- der não significa que o texto da proposta tenha sido mal elaborado. c. Argumento de antiguidade: é muito comum que se justifique uma ati- tude ou ação a partir da tradição como único argumento. Veja, por exemplo este texto: “a empresa está no mercado há 40 anos – se re- solveu cortar mão de obra operacional, deve estar certa”. Um texto correto seria: “a empresa, que está no mercado há 40 anos, detectou excesso de mão de obra e resolveu cortá-lo por estar segura de que esse corte não afetará sua capacidade operacional.” A antiguidade pode até compor a argumentação, mas não pode ser o único argu- mento. d. Non sequitur (não segue): conclusão que não se sustenta nos an- tecedentes. Veja, por exemplo, este texto: “Esse gerente tem nome alemão. Deve ser muito competente”. Nesse caso, mesmo em uma multinacional de origem alemã, o fato de um indivíduo ser alemão não lhe confere competência. e. Apelo à autoridade: bastante comum em organizações, trata-se de conclusão a partir de apelo à autoridade como único argumento. Por exemplo, observe esta construção: → Se o diretor disse que é indispensável que trabalhemos todos os sábados, deve estar com a razão. Comunicação e Expressão / UA 16 Coesão e Coerência em Documentos Empresariais e em Textos Midiáticos 9 A autoridade concedida ao diretor não esclarece o motivo da neces- sidade do trabalho fora de horário normal. Melhor seria dizer, por exemplo: → O diretor disse que é indispensável que trabalhemos todos os sá- bados para recuperar o atraso no projeto. 2. COerênCia nO textO jOrnalístiCO Leia o texto a seguir: Texto no 11 Tem melhor data para o Dia dos Namorados que um sábado à noite? Pois vocês já sabem: restaurantes, bares e até botecos lotadíssimos. Como vocês podem perceber, esse primeiro texto apresenta uma impro- priedade lógica: se bares, restaurantes e botecos estão lotadíssimos no sábado à noite, aqueles não seriam os melhores lugares para namorados festejarem, afinal é de se supor que eles prefiram ambientes mais aconche- gantes que uma fila enorme. Haverá barulho, confusão, demora no aten- dimento, o que também não combina com a intimidade esperada para a data. Esse é um exemplo de falta de coerência em um texto jornalístico. Clareza é uma das características indispensáveis dos textos jornalísti- cos. Para que sejam coerentes, é preciso evitar implícitos que os tornem inconsistentes. Texto no 22 Seminário “Novos Cenários para a Política Nacional Antidrogas” Com o objetivo de promover o debate sobre a condução da Política Na- cional Antidrogas, está sendo realizado o Seminário “Novos Cenários para a Política Nacional Antidrogas”, nos dias 26 e 27 de março corrente, no Auditório do Palácio Itamaraty. O Seminário, promovido pela Secretaria Nacional Antidrogas do Gabi- nete de Segurança Institucional, conta com a participação de representan- tes de órgãos do Governo Federal, da comunidade científica e da socie- dade civil, presidentes e membros dos Conselhos Estaduais e Municipais Antidrogas/Entorpecentes, entre outros. 1. Giacomo Mancini, Correio da Bahia, em 6/6/2010. 2. Disponível em www.itamaraty.gov.br /sala-de-imprensa/ notas-a-imprensa/ 2003/03/27/ Comunicação e Expressão / UA 16 Coesão e Coerência em Documentos Empresariais e em Textos Midiáticos 10 Ao final do Seminário, no dia 27 de março, às 18h30, será realizada Con- ferência de Imprensa, na Assessoria de Comunicação Social do Itamaraty. O texto no 2 é claro e apresenta todos os dados referentes ao seminário, tema da notícia. Não há espaço para duplas interpretações. Há coerência entre tema e corpo da notícia. Texto no 33 O Movimento Socialista Pan-helênico (Pasok), liderado por Giorgio Papan- dreu, obteve hoje a maioria absoluta nas eleições parlamentares gregas, segundo as primeiras pesquisas de boca de urna. O Pasok recebeu até 44% dos votos, com o apoio de 159 dos 300 deputados do Parlamento. Uma conta muito simples mostra que o número 159 corresponde a 53% de 300, e não a 44%. E 53% é mais da metade do número de deputados, o que obviamente não acontece com 44%, que não é maioria absoluta... Provavelmente a porcentagem refere-se aonúmero de votantes, dos quais 44% votaram no partido, mas isso não fica claro. Se fosse dito que os votos proporcionaram a eleição de 159 dos 300 deputados ficaria claro. É preciso lembrar que números, por serem exatos, parecem demons- trar confiabilidade e emprestam credibilidade aos textos. No entanto, a propósito de seu emprego na mídia jornalística, os profissionais da área costumam ter uma formação que não privilegia os números. Isso provoca, muitas vezes, impropriedades textuais que causam incoerências. Vejamos exemplos específicos de incoerências na utilização dos núme- ros na mídia jornalística. Exemplo 1: → Pesquisadores anunciam um novo remédio que é 50% mais efetivo que o remédio tradicional. Como não está claro sobre qual valor incidem os 50%, é possível que o leitor pense que 50% do total de pacientes terão seus problemas resol- vidos. No caso, o remédio tradicional funcionava em 4% dos casos. Se o desempenho do medicamento melhorou 50%, isso significa que o novo medicamento atinge 6% dos pacientes e não 50% como é a impressão inicial do leitor desavisado. 3. Agência EFE, 4/10/2009. Comunicação e Expressão / UA 16 Coesão e Coerência em Documentos Empresariais e em Textos Midiáticos 11 Se outros números fossem colocados na reportagem, os resultados seriam: → 30% tomaram um placebo, sem qualquer tratamento médico, e melhoraram; → 34% dos que usaram o remédio antigo melhoraram; → 36% dos que usaram o novo remédio melhoraram. Um jornalista com desembaraço com números se sentiria seguro para perguntar o que, afinal, significariam os tais 50% e poderia fornecer a in- formação ao leitor sem produzir incoerência entre o fato e a notícia. Exemplo 2: → Entre 1985 e 1994, 62 por cento das fêmeas de urso polar estu- dadas escavaram tocas na neve. De 1998 a 2004, apenas 37 por cento o fizeram. Esses são os únicos números fornecidos pela reportagem e o leitor aten- to questiona vários pontos: por cento de quanto? Dez ursos? Mil ursos? O primeiro período (1985 a 1994) cobre dez anos, mas o segundo somen- te sete anos. E o que aconteceu em 1995, 96 e 97? Se o período integral de dez anos for mostrado, quais os resultados? É preciso que a notícia apresente elementos conclusivos, ou coloque claramente uma questão não respondida para evitar que o leitor tenha interpretação equivocada. Faltam dados, ou seja, falta coerência. A coerência exige completude de informação. Essa notícia apareceu em vários jornais norte-americanos do modo como apresentado em itálico. Nenhum jornalista fez os questiona- mentos que aparecem no final do parágrafo precedente. A incoerência verificada, motivada pela incompletude das informações, não permite que apresentemos a você uma correção. Texto no 44 [...] Engaiolado, espremido, na classe econômica, você termina a viagem - seja qual for a opção - com os ossos moídos. E já desce do bonde andan- do, porque não há tempo para o descanso: é preciso ir às ruas (lugar de repórter) e observar, conversar, ouvir histórias. (Isso – alô estudantes de jornalismo! – faz parte do romanceado gla- mour da vida de correspondentes internacionais). 4. Bernardo Pombo, Globo On-Line, 19/6/2010. Comunicação e Expressão / UA 16 Coesão e Coerência em Documentos Empresariais e em Textos Midiáticos 12 Mas, enfim, isso aqui não é uma queixa: apenas um registro sobre a melhor profissão do mundo. O texto número 4 mostra um tipo bastante interessante de incoerência proposital que necessita de esforço do leitor para sua compreensão. Trata- -se da figura de linguagem ironia. Compare o primeiro parágrafo, que fala de problemas e das inúmeras tarefas do profissional de jornalismo, com o segundo e terceiros parágrafos, que mostram, ironicamente, a opinião que se tem sobre o correspondente internacional. Como você pode observar, glamour não combina com engaiolado, espremido, ossos moídos, falta de tempo para descanso... Da mesma forma, não faz sentido considerar uma profissão com tantos percalços, como a melhor do mundo. O que o jornalis- ta quis dizer, em mensagem implícita, é que os benefícios da profissão são suficientemente importantes para que se relevem os malefícios. Dica Coesão e Coerência: dois fatores de textualidade que não podem ser desprezados durante a construção do texto midi- ático, sob pena de comprometerem sua compreensão. 3. COesãO Você já sabe o que é coesão. Os erros mais comuns no texto empresarial estão relacionados a: 2.1. Arranjo formal; 2.2. Sequenciamento e ordenação; 2.3. Uso de conectivos; 2.4. Encadeamento de frases. 3.1 arranjo formal Todos os textos empresariais devem ter, de algum modo: uma introdu- ção, com os objetivos do texto; uma explicação sobre os antecedentes (contexto que levou à produção do documento); um desenvolvimento e uma conclusão. Isso se aplica mesmo a e-mails, em que o objetivo pode estar, por exemplo, no título; ou em uma carta, em que o objetivo pode vir declarado formalmente no início, ou ao menos em uma linha, na apre- sentação do assunto. Como se sabe, uma carta deve ter, depois da data, o destinatário e, em seguida, uma linha com a apresentação do assunto. Comunicação e Expressão / UA 16 Coesão e Coerência em Documentos Empresariais e em Textos Midiáticos 13 São comuns textos em que não se explica o objetivo no início. Isso faz com que, às vezes, o leitor chegue ao final da leitura sem saber o que o autor realmente pretendia. Infelizmente, essa falha é muito comum em relatórios. Lembre-se Um relatório deve iniciar com uma explicação concisa do ob- jetivo, para que o leitor saiba, imediatamente e sem muito esforço, sobre que assunto vai ler. Segue um exemplo de e-mail cujo título era “impacto no projeto”, elabora- do por empresa de mineração: → Em tempo adequado, foram identificadas dificuldades que impac- taram no projeto. Esses impactos foram ajustados, absorvidos e consolidados nos aditivos contratuais emitidos. A dinâmica do em- preendimento, no entanto, não permitiu o cumprimento das metas. Constantes adaptações, ajustes e principalmente modificações de última hora introduzidas pela fiscalização, acabaram por impactar no desenvolvimento do projeto. Esse texto está tão confuso, que não se sabe se solicitava mais prazo, outro aditivo contratual ou se era simplesmente um relato. Além de não evidenciar o objetivo, que esclareceria parte do texto, a falta de coesão representada pela má escolha de termos compromete ainda o entendi- mento. Exemplos de mau uso de palavras: “tempo adequado” – não é apropriada ao contexto; “dinâmica do empreendimento” – expressão que não explica a que se refere; “no entanto” – termo deslocado. O texto afir- ma que dificuldades impactaram o projeto, mas não diz quais foram essas dificuldades. Não se sabe se os impactos da primeira e da última frase são os mesmos. Se o autor tivesse explicitado um objetivo, talvez fosse possí- vel entender o que quis dizer. Outro item do arranjo formal que pode ser fonte de equívocos é o ta- manho dos parágrafos, que não devem ser curtos ou compridos demais. Propostas e relatórios extensos podem ter, após a declaração de objeti- vos, um sumário executivo, que se destina à leitura rápida de quem está interessado no assunto, mas não tem tempo para ler os detalhes. Esse sumário pode consistir de um único parágrafo longo ou ser dividido em parágrafos menores. Comunicação e Expressão / UA 16 Coesão e Coerência em Documentos Empresariais e em Textos Midiáticos 14 3.2 sequenCiamento e ordenação O sequenciamento é uma das fontes mais comuns de erros de coesão no texto organizacional. Um exemplo mostra como esse tipo de erro acon- tece. Veja a seguir, uma enumeração de itens retirada de um texto orga- nizacional: a. A pesquisa dos antecedentes é necessária; b. Desenvolver um plano de ação; c. Cálculo de custos; d. Benefícios. Ainda que essa lista esteja coerente, há algo errado com ela: cada item da enumeração está escrito de um modo diferente. Não se sabe, por exem- plo, se a pesquisade antecedentes, que é necessária, já foi feita. Não se sabe, também, o que será feito a respeito dos benefícios: se serão só lis- tados ou se também calculados. De qualquer modo, a diferença entre as maneiras de escrever os itens não dá fluência à ideia de ações sequenciais. A maneira correta de enu- merar passa pela coesão dos elementos iniciais de cada item. Se você escolher elencar com verbos no infinitivo, faça-o em todos os itens, con- forme exemplo a seguir, que elimina as incertezas comentadas: a. Pesquisar os antecedentes; b. Desenvolver um plano de ação; c. Calcular os custos; d. Listar e calcular os benefícios. Note que não há, agora, dúvida sobre o encadeamento dos itens. Enu- merações e sequências devem, pelas razões citadas, obedecer à mesma forma gramatical, em um procedimento que se denomina paralelismo. Como exercício, troque por substantivos os verbos que aparecem no Infinitivo na lista apresentada. Elabore as adequações necessárias. atenção A mensagem que se passa ao leitor, usando construções di- ferentes em uma sequência ou enumeração é a de que os itens não pertencem à mesma ação. Comunicação e Expressão / UA 16 Coesão e Coerência em Documentos Empresariais e em Textos Midiáticos 15 3.3 uso de ConeCtivos Os conectivos, como visto em aulas anteriores, são elementos importan- tes de coesão. Os erros mais comuns no texto organizacional relaciona- dos ao uso desses elementos são listados e comentados a seguir. Todos os exemplos foram extraídos de documentos reais. a. Uso de elementos de outra categoria gramatical, com destaque para má utilização do pronome relativo “onde”. Exemplo: → Esta é uma proposta para um cliente importante, onde deve ser feita com cuidado. O pronome relativo onde só pode ser usado quando se refere a lu- gar, conforme você já observou em aula anterior. O certo é: → Esta é uma proposta para um cliente importante, portanto deve ser feita com cuidado; ou → Esta é uma proposta para um cliente importante e deve ser feita com cuidado. Outra palavra muito usada de maneira inadequada é “entretanto” para significar “no entanto”. Exemplo: → Trabalhamos durante todo o fim de semana, entretanto o traba- lho não ficou pronto. O correto seria: → Trabalhamos durante todo o fim de semana, no entanto, o traba- lho não ficou pronto. b. Uso de conectivos inadequados para estabelecimento de uma rela- ção lógica. Por exemplo: → O projeto originalmente definido no processo licitatório mostrou-se inexequível desde limitações do hardware fornecido pelo cliente. O certo é: → O projeto originalmente definido no processo licitatório mostrou-se inexequível devido a limitações do hardware fornecido pelo cliente. Comunicação e Expressão / UA 16 Coesão e Coerência em Documentos Empresariais e em Textos Midiáticos 16 c. Ausência de conectivos necessários. Por exemplo, um e-mail de 2010 com justificativa de atraso para uma reunião importante diz: “che- gamos atrasados à reunião tivemos problemas no trânsito”. Como você pode observar, faltou um conectivo e o leitor sente claramente a ausência de um termo de ligação. Como exercício, formule a frase de forma correta. d. Uso de gerúndio para evitar conectivos: essa imprecisão coesiva não é exatamente um erro gramatical, mas certamente empobrece o tex- to empresarial. Por exemplo: “foram realizadas ações de marketing melhorando a perspectiva de vendas”. Mais correto será escrever “foram realizadas ações de marketing que melhoraram a perspectiva de vendas”. Note-se que a perspecti- va de venda poderia ter sido melhorada por outra providência e que as ações de marketing poderiam ter outra finalidade. O conectivo elimina qualquer dúvida! Dicas Como o gerúndio se tornou hábito para a maioria das pes- soas, revise seu texto procurando “ndo” com a ferramenta de procura do Word. Em cada gerúndio encontrado, procure possibilidades de uso de conectivos. Dá certo! 3.4 enCadeamento de frases A digitação de textos em computador trouxe benefícios importantes, mas trouxe também, entre outras possibilidades de erros, as frases soltas. O texto é modificado, às vezes com pressa, e permanecem as tais frases sol- tas. Como em outros aspectos relativos à coesão, revisões antes do texto final são, na maior parte dos casos, suficientes para evitar esse tipo de fa- lha. Segue um exemplo retirado de uma carta, de 2009, relativa a contrato que envolvia quantias elevadas. → Após a ocorrência dos problemas citados, foi nomeado um novo fiscal com poderes decisórios e foram modificadas as atribuições do geren- te do contrato. Papel de observador sem interferir em decisões. Comunicação e Expressão / UA 16 Coesão e Coerência em Documentos Empresariais e em Textos Midiáticos 17 A última frase, solta, não mostra se o papel de observador é só do gerente ou se de mais alguém. Aliás, não há certeza de que a última frase pertença ao contexto. O certo seria: → Após a ocorrência dos problemas citados, foi nomeado um novo fis- cal com poderes decisórios e foram modificadas as atribuições do gerente do contrato, que passou a exercer o papel de observador sem interferir em decisões. 4. COesãO nO textO jOrnalístiCO A seguir, vamos observar problemas de coesão no discurso jornalístico. Você vai, na análise dos textos, perceber a aplicação do que aprendeu até agora em aulas anteriores. Lembre-se de que a coesão ocorre na super- fície textual, por meio de conectivos e outros elementos de ligação corre- tamente colocados. Texto no 15 Rio – Defeito em uma das portas do trem do metrô, que seguia para a Central do Brasil, na manhã desta sexta feira, fez com que a empresa retirasse os passageiros e embarcassem em outro trem. Há aqui um desvio de foco e de sintaxe, provocado por utilização equi- vocada de conectivo. O texto correto deveria ser: “Defeito em uma das portas do trem do metrô, que seguia para a Central do Brasil, na manhã desta sexta-feira, fez com que a empresa retirasse os passageiros para que embarcassem em outro trem”. Texto no 26 Mas a paixão por Júlio Cesar é tanta que Daiane Cristina não quer nem arriscar quem vai fazer os gols. O texto no 2 fala de uma leitora do jornal, que se apresenta como grande fã de Júlio Cesar, goleiro da seleção brasileira de futebol. Na redação des- se texto, observa-se a falta do verbo principal: dizer. Falta também uma vírgula. Da forma como está escrito, não fica claro se Daiane não quer arriscar errar um prognóstico ou arriscar a integridade do jogador. Para 5. Jornal O Dia, 18/6/2010. 6. Jornal O Dia, 18/6/2010. Comunicação e Expressão / UA 16 Coesão e Coerência em Documentos Empresariais e em Textos Midiáticos 18 evitar essa duplicidade de entendimento, o texto deveria ficar da seguinte forma: “Mas a paixão por Júlio Cesar é tanta, que Daiane Cristina não quer nem se arriscar a dizer quem vai fazer os gols. Texto no 37 Na última rodada, a Dinamarca enfrenta o Japão e Camarões, a Holanda. Conforme já comentado, o discurso jornalístico deve, a bem da clareza, evitar duplos sentidos, assim é preciso especial atenção aos problemas de coesão, que ocorrem também por erros da pontuação. No texto 3, que fala dos jogos da Copa do Mundo 2010, não fica claro, em uma primeira leitura, que a Dinamarca enfrenta o Japão e que Camarões enfrenta a Ho- landa. Do jeito como aparece, a primeira impressão é de erro grosseiro ou de deslocamento indevido da vírgula. Lê-se que a Dinamarca enfrenta Japão e Camarões. Nesse caso, a Holanda estaria fora do contexto. Só em uma segunda leitura, com esforço, se torna claro o que realmente o repórter quis dizer. A questão se resolve com a pontuação adequada do texto. Veja: “Na última rodada, a Dinamarca enfrenta o Japão, e Camarões, a Holanda”. 5. COerênCia nO textO pUbliCitáriO Se de um lado, o discurso jornalístico necessita da coesão e da coerência para evitar duplicidade de compreensão, por outro, o discurso da propa- ganda às vezes apela propositalmente à incoerência para justamente pro-vocar tal duplicidade. Como se trata de um discurso passional, com forte apelo ao desejo de consumir, não mostra claramente sua pretensão, mas deixa pistas sobre aquilo que quer provocar no consumidor. Uma propaganda de cerveja que mostre um cidadão rodeado de mulheres deslumbrantes e extremamente satisfeitas sugere que con- sumir aquela marca de cerveja faz com que lindas moças sejam atraí- das pelo indivíduo. É evidente que a mensagem não é verdadeira e que os consumidores têm consciência disso. Mas essa é justamente a men- sagem que permanece no inconsciente do consumidor. A intenção do anunciante é essa ação sobre o inconsciente. Onde está a incoerência? No fato de que consumir qualquer marca de cerveja não atrai mulheres bonitas (nem feias). 7. Jornal O Dia, 18/6/2010. antena pArAbóliCA Com as necessidades de certificação de qualidade que de- ram um salto na primeira década do século XXI, indústrias como a de medicamentos e a de construção passaram a exigir documentação cada vez mais apurada. As empresas de projetos e obras não demoraram a perceber que tinham em seus quadros engenheiros eficientíssimos em projetar e construir, mas que escreviam mal. Documentos foram rejei- tados e pagamentos atrasados por falta de documentação apropriada. As empresas procuraram professores de Por- tuguês para melhorar seus textos e experimentaram outra dificuldade: os professores nem sempre conseguiam en- tender a tecnologia envolvida. A partir daí, engenheiros que escrevem bem passaram de personagens semifolclóricos a peças importantes naquelas organizações. E em relação aos textos midiáticos, a propaganda enga- nosa tem sido uma preocupação da sociedade desde que a propaganda existe. Apesar disso, nessa mídia, a falácia ainda aparece com certa frequência. Diferentemente do que se possa pensar, esse fato ocorre mundialmente, inclu- sive em países desenvolvidos. Ficou famosa a punição da empresa que fabrica as sopas Campbell que, para mostrar que a sopa possuía muitos pedaços de alimentos sólidos, fez um ator esvaziar diante das câmeras uma lata de sopa cheia de... bolas de gude! No Brasil, a indústria da propa- ganda criou, para evitar ações judiciais que se arrastassem por anos, o CONAR, Conselho Nacional de Autorregulação. Trata-se de entidade privada que tem suas decisões sempre respeitadas. e AgorA, José? Você viu como utilizar conceitos de coerência e coesão em textos empresariais. Também aprendeu a identificar esses mesmos conceitos em textos midiáticos. Agora é importan- te repassar todas as aulas para sedimentar esse conteúdo em sua aprendizagem. Comunicação e Expressão / UA 16 Coesão e Coerência em Documentos Empresariais e em Textos Midiáticos 20 reFerênCiAs CHARAUDEAU, P. �Discurso das Mídias. São Paulo: Contexto, 2006. CHAVES, M. G. D. �Manual Prático de Redação Empresarial. São Paulo: Edifieo, 2007. AVERO, L. Coesão e Coerência Textuais. São Paulo: Ática, 2004. FAVERO, L. L.; KOCH, I. V. �Línguística Textual – Introdução. 3a ed. São Paulo: Cortez, 1994. FIORIN, J. L.; SAVIOLI, F. P. �Para Entender o Texto: Leitura e Redação. São Paulo: Áti- ca, 2009. KOCK, I. V. �Coesão e Coerência Textuais. São Paulo: Contexto, 2008. SCIPIONI, U. �Do Texto ao Texto – Curso práti- co de leitura e redação. São Paulo: Editora Scipioni, 2006. TABOADA, M. T. Building Coherence and Co- hesion. Amsterdam: John Benjamins, 2004.
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