Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO - CED CURSO DE PEDAGOGIA CARLOS HENRIQUE DE MORAES BARBOSA DOCÊNCIA MASCULINA NA EDUCAÇÃO INFANTIL: QUESTÃO DE GÊNERO E MERCADO DE TRABALHO Florianópolis 2022 CARLOS HENRIQUE DE MORAES BARBOSA DOCÊNCIA MASCULINA NA EDUCAÇÃO INFANTIL: QUESTÃO DE GÊNERO E MERCADO DE TRABALHO Trabalho Conclusão do Curso de Graduação em Pedagogia do Centro de Ciências da Educação da Universidade Federal de Santa Catarina como requisito para a obtenção do título de Licenciado em Pedagogia Orientadora: Profa. Dra. Jocemara Triches Coorientadora: Profa. Dra. Patrícia Laura Torríglia Florianópolis 2022 CARLOS HENRIQUE DE MORAES BARBOSA DOCÊNCIA MASCULINA NA EDUCAÇÃO INFANTIL: QUESTÃO DE GÊNERO E MERCADO DE TRABALHO Este Trabalho Conclusão de Curso foi julgado adequado para obtenção do título de licenciado em Pedagogia e aprovado em sua forma final pelo Curso Pedagogia. Florianópolis, 13 de maio de 2022. ________________________ Profa. Dra. Patricia de Moraes Lima Coordenadora do Curso Banca Examinadora: ________________________ Profa. Jocemara Triches, Dra. Orientadora EED/CED/UFSC ________________________ Profa. Patricia Laura Torriglia, Dra. Coorientadora EED/CED/UFSC ________________________ Prof. e Pedagogo Fabrício Zimmermann Souza, Me. Avaliador RME-Fpolis-SC ________________________ Prof. e Pedagogo Ismael Andrada Bernardes, Me. Avaliador PPGE/CED/UFSC ________________________ Profa. Marcia Buss Simão, Dra. Avaliadora suplente EED/CED/UFSC Este trabalho é dedicado aos meus pais, amigos e professores que me apoiaram e me apoiam diariamente para me tornar uma pessoa melhor. AGRADECIMENTOS À minha mãe, Rosa Maria de Moraes, e ao meu pai, José Carlos Barbosa, pessoas que me ensinam diariamente a acreditar em mim nos momentos de tomada de decisões mais difíceis. O longo percurso de quatro anos e meio não foi fácil para nenhum de nós, mas no final sei que conseguimos e tudo que conquistei é graças a vocês. Amo vocês! Obrigado por me ensinarem a ser quem eu sou. À minha tia, Maria Edite Barbosa (in memoriam), que é uma das pessoas que mais me inspiram a lutar pelos meus sonhos. Pessoa que me viu crescer, mesmo que por pouco tempo, e deixou as melhores memórias vividas na minha infância. Aos meus amigos: Matheus Silva dos Santos, que ao entrar em uma universidade pública me fez acreditar que este lugar também pertence a mim; Daniel Fraga Santana, Everton Santos Salomão, Débora Brendel Nunes de Oliveira e Letícia Marques Jesus, por serem protagonistas da construção da pessoa que eu me tornei hoje. Falar sobre infância e não falar destes amigos não faria o menor sentido para mim. Deixo todo meu respeito e agradecimentos a todos os momentos compartilhados entre nós. Às escolas e às universidades públicas. Esses espaços pertencem à classe trabalhadora! À minha orientadora, Prof.ª Dra. Jocemara Triches, um exemplo de professora, que esteve presente em diversos momentos durante minha graduação. Aceitou ser minha orientadora com o projeto em andamento, e soube lidar com muita paciência para me orientar até o fim do trabalho. À minha coorientadora, Prof. Dra. Patricia Torriglia, que aceitou o meu convite e me deu todo o apoio pedagógico necessário para a realização do meu projeto de TCC. A todos os profissionais da educação, agradeço por me ajudarem a me constituir enquanto professor. A todos os meus colegas de profissão que me ajudaram e contribuíram tanto para a minha formação acadêmica quanto para a minha formação pessoal, em especial, à estudante Amanda Suelen dos Passos. Para além da universidade construí laços importantíssimos! Agradeço também à Maitêh da Silva, à Nathalya Rodrigues dos Santos e à Ana Carolina Alves, amigas que estiveram e permanecem comigo em todos os momentos importantes e difíceis da minha trajetória acadêmica. À equipe do Núcleo de Desenvolvimento Infantil (NDI), da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), por um dia terem acreditado em mim e terem me concedido a oportunidade de estágio não-obrigatório. Tenho orgulho de dizer que já fiz parte do grupo docente desta Instituição. Obrigado pelo acolhimento e me fazer ter certeza de que a educação está para além dos muros das escolas. Ao Programa de Educação Tutorial/ PET na qual fiz parte por dois anos e sem sombra de dúvidas ajudou a construir a minha formação acadêmica. Aos docentes que compuseram a banca de avaliação deste trabalho, pelo interesse e disponibilidade. Por fim, agradeço a todas as pessoas que me ajudaram chegar até aqui e construir um novo degrau para o meu desenvolvimento acadêmico, profissional e sobretudo pessoal. Vocês fazem parte de uma das maiores conquistas da minha vida! “Educar é realizar a mais bela e complexa arte da inteligência. Educar é acreditar na vida e ter esperança no futuro, mesmo que os jovens nos decepcionam no presente. Educar é semear com sabedoria e colher com paciência”. (CURY, 2018). RESUMO Ao observarmos a composição dos trabalhadores professores que atuam na educação infantil, logo constatamos que nesta etapa da educação básica, o corpo docente é predominantemente feminino. A presença do pedagogo homem na educação infantil ainda consiste em um desconforto na sociedade, pois há um senso comum de que este é um lugar de trabalho quase que exclusivamente para o sexo feminino. Predomina a visão do cuidar, quase como única função dessa etapa, e o entendimento dessa função como a extensão do lar e atribuição para as mulheres. O objetivo deste trabalho foi compreender a relação estabelecida entre a docência do sexo masculino na educação infantil, mercado de trabalho e a questão de gênero. Almejou-se ainda mapear a ocupação dos professores homens na educação infantil e refletir a respeito das causas relacionadas a falta desses profissionais nesta etapa. Os procedimentos metodológicos adotados foram estudos de produções acadêmicas acerca das questões de gênero, transformações do mundo do trabalho e características do trabalho docente e mapeamento quantitativo de dados do Censo da Educação da Educação Básica divulgados pelo INEP/MEC no recorte temporal de 2010 a 2021. Entre os resultados alcançados estão: as análises a respeito dos sistemas e organizações sociais no mundo do trabalho, mesmo passados uma década e muitos avanços dos debates das questões de gênero, isso não foi suficiente para alterar o quadro de docentes homens na educação infantil; a média de pedagogos atuando na educação infantil foi de 4% comparado com o número de mulheres; os homens docentes atuando nesta etapa ainda carregam consigo discriminações e representações devido ao fato da profissão ser considerada socialmente feminina e a sociedade ser permeada de preconceitos quanto a questão de gênero no mercado de trabalho. Palavras-chave: Docência e gênero. Docência masculina. Pedagogos homens. Educação infantil. Mundo do trabalho e educação. LISTA DE GRÁFICOS Nenhuma entrada de sumário foi encontrada.– Comparativo de docentes por ano e por sub-etapa da Educação Infantil no Brasil, entre 2010 a 2021............................................................................................43 LISTA DE QUADRO E TABELAS Quadro 1 - Quantitativode docentes da educação básica, entre 2010 e 2021, por sexo…………………………………………………………………………………………..40 Tabela 1 - Comparativo de docentes por sexo conforme sub-etapas da Educação Básica no Brasil, entre 2010 a 2021...........................................................................41 Tabela 2 - Comparativo de docentes por sexo conforme sub-etapas da Educação infantil no Brasil, entre 2010 a 2021...........................................................................43 Tabela 3 - Comparativo de docentes por sexo entre mulheres e homens nas regiões do Brasil, entre 2010 a 2021......................................................................................46 Tabela 4 - Comparativo por faixa etária de docentes homens no Brasil, entre 2010 a 2021. ..........................................................................................................................48 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS BNCC – Base Nacional Comum Curricular IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira MEC – Ministério da Educação NDI – Núcleo de Desenvolvimento Infantil PET – Programa de Educação Tutorial Saeb – Sistema de Avaliação da Educação Básica UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO ....................................................................................... 14 1.1. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS E ORGANIZAÇÃO DO TEXTO .................................................................................................. 21 2. TRANSFORMAÇÕES NO MUNDO DO TRABALHO E O TRABALHO DOCENTE ............................................................................................. 23 2.1. MUNDO DO TRABALHO E EDUCAÇÃO .............................................. 26 3. RELAÇÃO DE GÊNERO E TRABALHO DOCENTE ........................... 31 4. REFLEXÕES A RESPEITO DE DOCENTES HOMENS NA EDUCAÇÃO INFANTIL: O QUE OS DADOS MOSTRAM ..................... 39 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................... 50 REFERÊNCIAS ...................................................................................... 53 14 1. INTRODUÇÃO Minha entrada para o curso de Pedagogia não foi uma surpresa apenas para aqueles que me conheciam, mas para mim também. O curso de Pedagogia nunca tinha sido uma opção até o momento em que eu pensei em me tornar professor de teatro. Quando tive essa vontade, pensei em fazer licenciatura em Artes Cênicas, uma vez que é o caminho mais comum a ser seguido para aqueles que têm vontade em exercer a docência na área. Todavia, já havia estudado teatro e sabia que o mercado de trabalho para tal área é muito difícil, uma vez que, infelizmente, o Brasil não é um país que valoriza muito as áreas artísticas. Foi neste momento em que acreditei que cursar Pedagogia abriria um leque maior para a minha inserção no mercado de trabalho, pois acredito que a educação seja um dos setores primordiais para o desenvolvimento social. Assim, como nas Artes Cênicas que encontrei muitas barreiras ao longo da formação, na Pedagogia não se fez diferente. Ao decidir seguir a formação neste Curso, tinha consciência de que o caminho a ser trilhado não seria fácil, pois precisei mudar de cidade e sair completamente da minha zona de conforto. Também tinha consciência de que era um curso predominantemente ocupado por mulheres. Apesar disso, confesso que, mesmo assim, nos primeiros semestres, me surpreendi com o número superior de estudantes mulheres em relação ao número de alunos homens. No início na minha jornada no Curso, em 2017, fazia parte de uma turma de aproximadamente 30 estudantes, onde apenas quatro do sexo masculino. Contudo, isto nunca foi um problema, sempre me senti muito confortável e, sobretudo, acolhido pela turma, o que felizmente me fez amar ainda mais o curso. Quando iniciei meu estágio não-obrigatório no Núcleo de Desenvolvimento Infantil da Universidade Federal de Santa Catarina (NDI/UFSC)1, em 2018, percebia muitos olhares e atitudes diferentes com relação a mim, especialmente quando fazia alguma atividade que se caracterizava como “papel da mulher” ou que precisasse de mais delicadeza e cuidados higiênicos. Isso começou a me incomodar e me fez 1 O Núcleo de Desenvolvimento Infantil, fundado em 8 de maio de 1980, é uma escola de educação infantil vinculada ao Centro de Ciências da Educação que atende em torno de 200 crianças de 0 a 6 anos. Disponível em: https://ndi.ufsc.br/apresentacao-do-ndi/. Enquanto bolsista no NDI atuei com duas faixas etárias, com crianças de 1 a 2 anos e com crianças de 4 a 5 anos. 15 perceber que, apesar do aumento de homens hoje no Curso de Pedagogia, ainda assim é um Curso predominantemente construído por mulheres e que existe ainda muito preconceito e tabus sobre a atuação de homens na educação infantil. Foi a partir dessa experiência que surgiu minha intenção de pesquisar este tema, para que possamos dialogar e refletir a respeito das causas relacionadas à falta de profissionais homens na etapa de educação infantil e quais os lugares e espaços educacionais estes atuam. Apesar de parecer um assunto extremamente pertinente para a área da educação, os desdobramentos a respeito de gênero e do trabalho docente, ao buscar inspirações de temas – dentre as listas de assuntos já pesquisados no Curso como trabalho final, disponibilizada pela Professora Patrícia Torríglia na disciplina de Pesquisa em educação II –, percebi um grande déficit de trabalhos a respeito do assunto e confesso que isso me motivou ainda mais a continuar com esse tema até o fim. Dentre eles, encontrei o TCC de Lia Siqueira, defendido em 2021, intitulado “Perigosos, libidinosos, carnais e gays: a docência masculina na Educação Infantil a partir dos comentários de uma notícia” (SIQUEIRA, 2021). Outro trabalho apresentado recentemente – ao final do semestre 2021.2 – foi o da estudante Bianca Mondo, intitulado “Professores homens na educação infantil: o que dizem as produções científicas recentes?” (MONDO, 2022). Trata-se de uma pesquisa que fez uma espécie de estado da arte sobre o mesmo tema, contudo, temos recortes que se diferenciam, conforme veremos na sequência. Nessa direção, minha intenção foi de pesquisar para compreender a relação estabelecida entre o docente do sexo masculino na Educação Infantil com as mudanças no mercado de trabalho e a questão de gênero. Minha intencionalidade em focar na educação infantil para os estudos deste trabalho estão nas provocações que o tema traz, como docência e masculinidade em um mesmo contexto. Durante a minha trajetória nas primeiras etapas da educação básica, não me recordo de ter professores do sexo masculino atuando dentro de sala de aula. Como acadêmico e futuro Pedagogo homem, entendo ser importante a produção de trabalhos científicos a respeito de um tema que não está socialmente predestinado ao sexo masculino. 16 As instituições de educação infantil destinam-se desde sua origem ao atendimento de crianças pequenas, na qual passa por um período chamado infância. A infância é um conceito cultural e sociológico, que retrata uma fase da vida e é construída em diferentes contextos históricos e sociais. Ao mesmo tempo é uma fase da vida humana dada em função da criança (CALDEIRA, 2010) As primeiras instituições destinadas ao atendimento à infância surgiram na França, em 1769, com a criação da escola de principiantes ou escola de tricotar, criada por Friedrich Oberlin. O objetivo destas instituições era atender crianças pobres e/ou órfãs e também filhos de operários, para que seus pais pudessem trabalhar. Mesmo com caráter assistencialista,tinha uma perspectiva pedagógica e também apresentavam atividades educativas e formadoras (CAMPOS; PEREIRA, 2015). No Brasil essas instituições surgem por causa da necessidade de atendimento assistencialista para a criança e sua família. Segundo Kuhlmann Jr (2011), até 1874 apenas tinha institucionalmente a Casa dos Expostos ou Roda destinada ao atendimento à criança abandonada. Segundo ele, Até então, apenas crianças pequenas sem família eram atendidas em instituições. As Casas de Expostos recebiam os bebês abandonados nas “rodas” – cilindros de madeira que permitiam o anonimato de quem ali deixasse a criança – para depois encaminhá-los a amas que os criariam até a idade de ingressarem em internatos. (KUHLMANN JR, 2011, p. 473) Para o autor, nesse período o principal objetivo das instituições de educação infantil era dar suporte às famílias mais pobres, para que houvesse menos chances de abandonarem seus filhos pequenos na Casa dos Expostos. Expõe Kuhlmann Jr, (1998, p.78) que a creche: “foi vista como muito mais do que um aperfeiçoamento das Casas de Expostos, que recebiam as crianças abandonadas; pelo contrário, foi apresentada em substituição ou oposição a estas, para que as mães não abandonassem suas crianças”. Portanto, a ideia de proteção à infância constituiu-se como motor que impulsiona o surgimento de associações e instituições para cuidar da criança, a fim de diminuir as altas taxas de mortalidade infantil, fornecendo ambientes para proteger e guardar a criança. São educadores, médicos, industriais, juristas, políticos que se articulam em função da criação de instituições e associações que dessem atendimento amplo à criança Com a Constituição Federal de 1988 e a partir de 1996, com a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), a Lei n. 9.394/96 (BRASIL, 1988; 17 1996), a educação infantil integrou-se da Educação Básica, fazendo parte desta também o ensino fundamental e o ensino médio. Como consta no artigo 29 da LDB/96: A educação infantil, primeira etapa da educação básica tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade. (BRASIL, 1996, sem negrito no original) Apesar do trecho acima mencionar que a primeira etapa da educação básica envolve crianças com até 6 anos de idade, a LDB foi alterada em 2013, em respeito a Emenda Constitucional n. 59/2009 define então a educação infantil para crianças de 0 a 5 anos. (BRASIL, 2009) Segundo o Art. 30 da LDB/96, a educação infantil é composta por: “I – Creches, ou entidades equivalentes, para crianças de até três anos de idade; II – Pré-escolas, para as crianças de 4 (quatro) a 5 (cinco) anos de idade”. (BRASIL, 1996). Ela é de direito e parte dela obrigatória (a partir dos 4 anos de idade) e deve ter um currículo e forma de trabalho diferente das demais etapas da educação básica. O papel da educação infantil é a relação do cuidar e do educar as crianças dentro de um espaço formal, com ênfase no pleno desenvolvimento da criança (BRASIL, 1996). Vale aqui ressaltar que não cabe a educação infantil alfabetizar as crianças. Essa relação de aprendizagem deve ocorrer a partir do lúdico e do brincar, sendo possível trabalhar com as crianças os seguintes eixos: movimentos, musicalidades, linguagens, natureza, sociedade entre outros. Portanto, um dos princípios da educação infantil é estimular a desenvolver e descobrir suas curiosidades nas diferentes áreas do desenvolvimento, através de um planejamento lúdico e brincadeira (BRASIL, 1998; VIANA, 2015). Com base nos dados buscados na Sinopse do Censo Escolar do ano de 2021, divulgados pelo INEP/MEC em 2022, tínhamos no ano passado, 8.319.399 sujeitos matriculados na educação infantil, sendo 3.417.210 em creches e 4.902.198 em pré- escola. Essas matrículas estavam em diferentes tipos de instituições, com predomínio de matrícula em instituições públicas municipais. Em questão de quantidade de docentes atuando nesta etapa da educação básica, tínhamos 595.397 docentes 18 presentes da educação infantil, no entanto, desta relação de docentes apenas 25.905 docentes são do sexo masculino (BRASIL, 2022)2. Compreender qual o papel do professor homem na educação infantil e em quais espaços estes profissionais estão atuando, possibilitará desdobramentos sobre inúmeras questões no que se refere às relações de gêneros e de trabalho na atualidade. Esses dados permitem um questionamento: a docência a partir do ensino fundamental I, sempre se constituiu como um campo de trabalho feminino? Ao estudarmos a história da profissão docente no Brasil vemos que não. Partindo de uma perspectiva histórica e social, no Brasil, os primeiros sujeitos que atuavam nos cursos intitulado normal, criado em 1835, que tinha como objetivo formar professores para atuarem no ensino primário, foram do gênero masculino. Entretanto, com o passar dos anos e com o desenvolvimento da industrialização os homens foram se afastando desta ocupação, partindo para outros espaços de atuação, por exemplo, para as fábricas e indústrias. Assim, abrindo caminhos para a atuação das mulheres no espaço formal educativo. Entender o retorno e o crescimento do número de homens atuando nos ambientes escolares com crianças pequenas parece ser uma questão social difícil, uma vez que esse retorno da figura masculina nestes ambientes, numa sociedade contemporânea, criada com outros sentidos e valores, dificultam a naturalização deste fato. A construção da ideia de que o cuidado junto às crianças – especialmente na educação infantil – se dá em comparação aos cuidados maternos está bastante naturalizado; sendo assim, fica representado no imaginário de muitas pessoas que estas relações de cuidar e educar se configuram como um papel único e exclusivo da mulher. Por consequência, a ocupação dos homens nestes espaços se dificulta. Conforme nos apresenta Silva (2014, p. 49) A escola da educação infantil, seus professores e todos os envolvidos na unidade escolar, na rede de ensino, é espaço para se refletir na desconstrução de que esse espaço é feminino e que a presença de um homem é ameaçadora, incompatível com a realidade: um fracassado trabalhador da indústria ou do comércio que tenta a sorte num trabalho mais “leve” de olhar crianças. 2 Estes e outros dados encontrados da Sinopse do Censo Escolar serão analisados com maior profundidade na seção 4. 19 Na mesma direção, esta pesquisa buscará desconstruir esta ideia de que tal profissão é destinada para um gênero específico – o feminino – como se fosse uma atividade nata das mulheres; e que a presença de pedagogos homens para com as crianças pequenas torna-se uma ameaça e não pertencendo a eles alguns ambientes escolares, como as salas na educação infantil. Como já mencionado acima, minhas experiências em estágio durante a graduação com bebês e com crianças pequenas muitas vezes me fizeram questionar atitudes de outras profissionais da educação; quando me retiravam de qualquer atividade relacionada aos cuidados de higiene ou me substituía por outra estagiária – feminina – como se eu não pudesse ou não quisesse realizar nenhuma destas atividades. Também, enquanto eu realizava troca de fraldas ou banho, por exemplo, muitas vezes tinha um outro adulto presente com um olhar de vigilância e não de orientação, o que dificilmente aconteceria com as outras estagiárias mulheres. Sobre isso, Ramos (2011, p. 61) afirma que: Para serem aceitos pela comunidade escolar, os professores do sexo masculino passam pelo crivo e pela vigilância dos adultos, especialmente quando a função no interior da instituição infantil exige a execução das funções relacionadas ao cuidado das crianças. Estes medose associações da figura masculina como ameaça enquanto docente na educação infantil são de longe os principais fatores para pensarmos nas dificuldades de pedagogos homens se inserirem no mercado como professores de educação infantil – especialmente dentro dos espaços educativos. Trata-se de preconceitos, que, na maioria das vezes, levam os pedagogos a não atuarem com crianças pequenas (especialmente de 0 a 3 anos de idade) e ocupar outros cargos, inclusive considerados superiores, como gestão, coordenação pedagógica etc. Outra questão que permeia este estudo é a questão de gênero. Podemos considerar que gênero é um conceito socialmente novo nos debates acadêmicos, mas suas relações são tão antigas quanto a existência humana. Santos (2005) entende a diferenciação sexo/gênero, os sistemas de gênero, enquanto mecanismos culturais elaborados para lidar com as diferenças de sexo e questões relativas à reprodução social e biológica. Sexo seria relacionado com a identidade biológica do homem e da mulher, e gênero relacionado aos aspectos socialmente construídos das diferenças biológicas e sexuais. Importante ressaltar que 20 o termo gênero, para as ciências sociais e humanas, é histórico e socialmente determinado. E, como toda categoria que expressa a realidade objetiva, a prática social, conforme os debates a partir dos diferentes estudos, se modifica através de diferentes tempos, espaços e culturas na história e se referem aos papéis psicológicos e culturais que determinada sociedade atribui a cada um, do que considera “masculino” ou “feminino”. Falar de gênero é falar de determinados comportamentos já pré-estabelecidos pela sociedade para caracterizar ou classificar os indivíduos. Assim o termo gênero, também se refere para definir as atitudes e comportamentos que são esperados de cada um dos sexos. Entretanto, apesar de vincularmos o termo gênero a comportamentos sociais e culturais, não podemos pensar que as diferenças a partir das características biológicas entre pessoas do sexo feminino e masculino justifiquem diferenças comportamentais nos grupos sociais. Scott (1994, p.12), segundo sua teoria pós-estruturalista, apresenta e explica que: [...] gênero significa o saber a respeito das diferenças sexuais. Uso saber, seguindo Michel Foucault, com o significado de compreensão produzida pelas culturas e sociedades sobre as relações humanas, no caso, relações entre homens e mulheres. É muito comum escutarmos ou até mesmo falarmos expressões que estereotipam o termo gênero, como “isso é coisa de menina” ou “homem não chora”, frases ou expressões que estão inteiramente relacionados aos estereótipos de gênero, uma vez que se estabelece uma relação de cobrança social, no sentido de esperar atitudes e comportamentos limitados de como ser e/ou existir no mundo. Além disso, “as diferenças percebidas entre o corpo feminino e o masculino foram transformadas em desigualdades através de um processo histórico-cultural cujo resultado foi a naturalização de vários estereótipos de feminilidade e masculinidade” (OLIVEIRA, 2016, p. 13). Pesquisas apontam (OLIVEIRA, 2018; ALMEIDA; PIRES, 2019) que mulheres ainda dedicam o dobro do tempo nas tarefas domésticas e aos cuidados dos filhos, do que o tempo dedicado pelos homens. Vivemos em uma realidade na qual o papel da mulher na maternidade é entendido, equivocadamente, como funções explicitamente femininas. Ademais, entender os processos de criação de crianças apenas relacionados aos cuidados maternos, reforça ainda mais uma concepção 21 machista, no sentido que homens não devem ou tenham a capacidade de cuidar e educar crianças pequenas, o que também chamamos de “maternagem”. O mesmo ocorre no trabalho com crianças na educação infantil. Homens e mulheres podem, sim, exercer a mesma função nesta etapa a partir do momento que eles tiverem a mesma formação e terem competências para tal. 1.1. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS E ORGANIZAÇÃO DO TEXTO Trata-se de uma pesquisa exploratória, com análise bibliográfica e documental, que, conforme explicitado, busquei compreender a relação estabelecida entre o docente do sexo masculino na educação infantil com as mudanças no mercado de trabalho e a questão de gênero. Entre os objetivos específicos estão: 1. Compreender quais foram as transformações do trabalho docente historicamente, especialmente aqueles destinados ao trabalho com as crianças pequenas; 2. Identificar quais as dificuldades dos profissionais docentes homens na educação infantil; 3. Mapear a ocupação de docentes homens atuando na Educação Básica e, particularmente na Educação Infantil. A investigação teve cunho mais exploratório, num viés qualitativo e quantitativo. Em outras palavras, as estratégias utilizadas foram: mapeamento de dados quantitativos sobre a ocupação de docentes na educação básica a partir de dados divulgados pelo INEP/MEC, na Sinopse da Educação Básica, com dados do Censo Escolar de 2010, 2015, 2019 e 2021 (BRASIL, 2011; 2016; 2020; 2022); e, levantamento bibliográfico acerca de gênero dentro do mercado de trabalho e trabalho docente. Usei principalmente como referência para esse debate os estudos de Sayao (2005), Felix (2012) e Oliveira (2012). A partir de autores marxista produzi algumas reflexões sobre o conceito de trabalho, transformações do mundo do trabalho e trabalho docente na atualidade. A principal referência para esse estudo foi: Caetano (2009) e PREVITALI e Maciel (2012). Com a intenção de garantir rigor científico, tendo por base Minayo (2004), Menezes (2019), a metodologia é muito mais do que seguir algumas técnicas, dando 22 atenção também às articulações da teoria e dos pensamentos sobre a realidade. A autora, com esta trajetória, "a metodologia inclui simultaneamente a teoria da abordagem (o método), os instrumentos de operacionalização do conhecimento (as técnicas) e a criatividade do pesquisador (sua experiência, sua capacidade pessoal e sua sensibilidade)” (MINAYO, 2008, p. 14). O trabalho está organizado, além desta introdução, em mais três seções de exposição do conteúdo e mais as considerações finais. Na seção que segue, n. 2, intitulada “Transformações do mundo do trabalho e o trabalho docente”, procurei apresentar o trabalho como uma atividade tipicamente humana e como foi dada às transformações no mundo do trabalho e seus impactos no trabalho docente, conceituando o fenômeno trabalho para que possamos aprofundar e relacionar com os demais debates. Na terceira seção, denominada “Relação de gênero e trabalho docente” apresento a relação de gênero com o trabalho docente e como foi estabelecido historicamente a inserção das mulheres e o distanciamento dos homens no que tange principalmente a Educação Infantil. Ainda na nesta seção busquei apresentar os principais motivos da ausência de pedagogos homens atuando na educação infantil, com a intenção de relacionar tal ausência com os papéis de gênero estabelecidos pela sociedade. Na seção quatro, denominada “Reflexões a respeito de docentes homens na Educação Infantil: o que os dados mostram?”, foi desenvolvido análises comparativas do quantitativo de homens e mulheres atuando na Educação Infantil e algumas informações que nos permitem conhecer quem são os docentes homens que atuaram na educação infantil entre os anos de 2010 a 2021, a fim de corroborar com o debate construído nas seções anteriores. Por fim, nas considerações finais, retomo os objetivos da pesquisa, buscando apontar alguns dos resultados alcançados. 23 2. TRANSFORMAÇÕES NO MUNDO DO TRABALHO E O TRABALHO DOCENTE Antes de falarmos a respeito da historicidade e da contextualização do mercado de trabalho na educação infantil, acredito ser de suma importância abrir um espaço para um diálogo, no que diz respeito ao trabalho em um sentidoamplo e sobretudo de uma visão social. Mas o trabalho que conhecemos hoje sempre foi dado da mesma maneira? Quais as suas transformações do seu sentido ao longo do tempo? A intenção dessa seção é encontrar algumas respostas ou indicativos para estas perguntas gerais, referente a categoria trabalho. O trabalho, assim como outras atividades humanas, não “nasceu” de um dia para o outro e muito menos permaneceu com as mesmas concepções e sentidos de sua origem. Podemos afirmar que o trabalho decorre de um processo histórico, social e econômico e que seu processo caminha paralelamente e de diferentes formas com o contexto social. Não é uma tarefa fácil fazer uma análise que envolve toda a complexidade do conceito do trabalho humano, então, para isso farei uso das contribuições teóricas a partir das ideias marxistas referente ao tema. Marx (1983) define o trabalho como uma atividade humana. Atividade que tenha a capacidade de dar significado à natureza por meio de uma atividade planejada, tal ação que diferencia o trabalho humano de quaisquer outros animais. Para o autor, é a natureza que serve como alicerce para todo o trabalho humano, pois é por meio da natureza que se dá os meios de subsistência pelo trabalho. Todavia, o sistema capitalista, que surge a partir do século XIII, transformou a força de trabalho como uma mercadoria, como qualquer outra (MARX, 1985) e criou a possibilidade de enriquecimento de alguns grupos sociais via exploração da força de trabalho a partir do trabalho não pago, ou seja, extração da mais valia. Em outras palavras, Marx (1983) entende que no trabalho inserido em um sistema capitalista existe uma configuração entre dois agentes: o trabalho assalariado e os meios de produção. Mesmo a sociedade sendo dividida em classes, com diferentes costumes, regras, ideologias, todas elas estão inseridas em um sistema denominado modo de produção capitalista, levando em consideração que esta divisão de trabalho – os que 24 detém os meios de produção (capitalistas) e os que vendem a sua força de trabalho (assalariados). Sendo assim, “a divisão do trabalho e a especialização das atividades em classes, é basicamente a divisão dos meios de produção e da força de trabalho” (CAETANO, 2009, p. 7). E nesta relação estabelecida (proletariado x burguesia) no que tange ao trabalho no sistema capitalista – o trabalhador atuando com sua força de trabalho, e o capitalista atuando como dono de todos os meios de produção, resulta, infelizmente, na geração de desigualdades sociais. Nas palavras de Caetano (2009, p. 27). O estado de alienação do proletariado, resultado da divisão do trabalho, se reflete nas formas de dominação da burguesia. Marx afirma que o Estado é um instrumento criado pela burguesia para garantir seu domínio econômico sobre o proletariado, preservando e protegendo a propriedade privada dos meios de produção. O aparato jurídico, por sua vez, seria o responsável por garantir a igualdade entre os homens, camuflando a divisão da sociedade entre classes sociais distintas e com interesses opostos. A ideologia seria a encarregada de difundir a visão de mundo e os valores burgueses, legitimando e consolidando seu poder. É com a crise de 1960 que se apresenta um novo modelo de organização das políticas públicas e um drástico desequilíbrio no que tange a economia mundial. O sistema capitalista na qual se configurava como um modelo de internacionalização, neste contexto de rupturas sociais passa a ter um caráter de universalização ou mundialização do capital (CHESNAIS, 1996 apud PREVITALI; MACIEL, 2012). Dado este novo contexto social, Bernardo (1998) analisa o surgimento de novas instituições denominadas empresas transnacionais, iniciativas de bases construtivas e corporativas, modelos na qual se tornaram de grande relevância para o novo cenário do comércio. Devido a tais mudanças no cenário político mundial, torna-se necessário uma reestruturação do papel do Estado em relação ao trabalho, pois o Estado passa a interferir na gestão e na atuação do novo modelo do sistema social. O sistema capitalista se sustenta na acumulação de capital e para manter a reprodução precisa de novos ajustes estruturais, para sustentar uma expansão sem limites. Ajustes que vêm sendo construídos desde a acumulação primitiva com o grande aumento constante das forças produtivas, resultando na passagem da manufatura à grandes indústrias e futuramente denominados conglomerados internacionais (PREVITALI; MACIEL, 2012). Quando determinado modelo econômico e político de uma determinada sociedade passa por um enfraquecimento em sua estrutura, um novo modelo social é 25 posto para substituí-lo para fins de respostas às crises; resultando em diversas transformações no processo de produção. Um dos grandes estudiosos a respeito da organização e do processo do trabalho foi Frederick Taylor (1865-1915), que desenvolveu o modelo de gestão denominado Taylorismo. O Taylorismo é um sistema de organização do trabalho. Um sistema na qual tem como princípio a sistematização de como o trabalho deveria ser feito dentro de uma indústria – estabelecendo uma relação entre planejamento e execução – para que assim alcançassem: melhoria contínua, maior e mais rápida a produção (PREVITALI; MACIEL, 2012). Dentro desta perspectiva, a administração científica, ou organização científica do trabalho, nome pelo qual é conhecido o taylorismo, surge como resposta à necessidade de uma redefinição do trabalho, para que pudesse atender à velocidade e ao novo ritmo de produção das fábricas, onde se introduziram novos instrumentos de trabalho (HELOANI, 2003, p. 25). Neste sistema organizacional, a ciência e a técnica são colocadas como base para o desenvolvimento e o crescimento da mais-valia e, tendo como consequência o aumento e a acumulação do capital. Para Antunes (2010) foi a partir do início do século XX que as mudanças no mundo do trabalho tomaram o sentido e significado do que entendemos dessa atividade nos dias de hoje: Esse processo produtivo transformou a produção industrial capitalista, expandindo-se a princípio para toda a indústria automobilística dos Estados Unidos e depois para praticamente todo o processo industrial nos países capitalistas. Ocorreu também sua expansão para grande parte do setor de serviços. Implantou-se uma sistemática baseada na acumulação intensiva, uma produção em massa executada por operários predominantemente semiqualificados, que possibilitou o desenvolvimento do operário-massa (mass worker), o trabalhador coletivo das grandes empresas verticalizadas e fortemente hierarquizadas. A introdução da organização científica taylorista do trabalho na indústria automobilística e sua fusão com o fordismo acabaram por representar a forma mais avançada da racionalização capitalista do processo de trabalho ao longo de várias décadas do século XX, sendo somente entre o final dos anos 60 e início dos anos 70 que esse padrão produtivo, estruturalmente comprometido, começou a dar sinais de esgotamento. (ANTUNES, 2010, p. 37-38). Ainda na visão de Marx (1983), a divisão do trabalho no sistema capitalista se assemelha muito às sociedades tradicionais da antiguidade, principalmente no sentido quando correspondem aos papéis de gêneros. O sistema capitalista não reestrutura apenas a produção material de uma sociedade, mas a produção espiritual, resultando na hierarquização das relações de trabalho e de status sociais, ou seja, lógica de 26 funcionamento da sociedade capitalista altera e interfere em todas as esferas da vida, interferindo no ser, estar e atuar nesta sociedade, inclusive na educação. Conforme a sociedade capitalista foi se complexificando, inclusive com mudanças nos meios de produção, a preparação da força de trabalho precisou ser modificada e adequada às necessidades de uma nova visão da reestruturaçãode produção – o Toyotismo3. Com isso, foi necessário traçar um novo perfil de trabalhador, uma vez que o trabalho não era mais caracterizado pela força física – muscular, com a mera repetição e fragmentação do trabalho e produção em série, mas, sim pela capacidade cognitiva para solucionar outros tipos de problemas. Para tanto, desde então, o sistema educacional precisou passar por transformações a fim de desenvolver estes novos perfis exigidos, pautada em “[...] uma formação polivalente, ou seja, uma formação que lhe permita realizar tarefas diversas e, além disso, transitar com mais facilidade de um emprego para o outro, pois a estabilidade já não faz parte desta nova forma de produção” (TONET, 2012, p.14). Assim, no discurso, o trabalhador teria uma formação na qual poderia ter empregabilidade e flexibilidade. 2.1 MUNDO DO TRABALHO E EDUCAÇÃO Os impactos das mudanças do mundo do trabalho na educação são imensos, cabendo a ela preparar um novo tipo de trabalhador. Agora, cabe uma educação que: [...] especialize para funções complexas e qualifique para atividades simples, que esteja dirigida para trabalhadores empregados, mas também desempregados, subempregados etc. Trabalhadores pertencentes a massa de pessoas jovens e adultas pauperizada, que dificilmente encontrarão comprador de sua força de trabalho, mas que o capital precisa para manter vivos, para desenvolver atividades braçais simples na indústria ou no comercio, assim como nos setores de serviços em geral (limpeza, transporte) terceirizados e no campo da informalidade. (AMORIM; JIMEZES; BERTOLDO, 2017, p.84). 3 “O Toyotismo – também conhecido como acumulação flexível – é um modelo de produção industrial idealizado por Eiji Toyoda (1913-2013) e difundido pelo mundo a partir da década de 1970 após a sua aplicação pela fábrica da Toyota, empresa japonesa que se despontou como uma das maiores empresas do mundo na fabricação de veículos automotivos. A característica principal desse modelo é a flexibilização da produção, ou seja, em oposição à premissa básica do sistema anterior — o fordismo, que defendia a máxima acumulação dos estoques —, o toyotismo preconiza a adequação da estocagem dos produtos conforme a demanda. Assim, quando a procura por uma determinada mercadoria é grande, a produção aumenta, mas quando essa procura é menor, a produção diminui proporcionalmente”. 27 A educação no contexto atual começa a ser demandada cada vez mais como tendo a função de formar trabalhadores que possam servir como instrumento dos interesses do mercado de trabalho, formando força de trabalho para quaisquer áreas e empresas, sem focar em especialização, mas sim na generalização da mão de obra qualificada, sobretudo barata (PREVITALI; MACIEL, 2012). À proporção que a crise estrutural foi crescendo, o desemprego também sofreu os mesmos impactos. No entanto, a crise e o desemprego jamais foram vistos como consequências de uma falha do sistema capitalista. De maneira oposta, discursivamente a culpabilização do desemprego sempre foi destinada exclusivamente ao indivíduo, sendo assim condizente com o discurso meritocrático que permeia este sistema. Para tanto, entende-se que as oportunidades não estão ao alcance de todos os cidadãos, mesmo com a educação e qualificação oferecida a todos, não é possível atingir a igualdade e a justiça em um sistema capitalista. Enguita (1989, p. 6) entende que: [...] nossa sociedade nutre uma imagem de existência de oportunidades para todos que não corresponde à realidades. Motivo pelo qual e apesar do qual o efeito para a maioria é a sensação de fracasso, a perda de estima e auto culpabilização. A suposição da igualdade de oportunidades converte a todos, automaticamente, em ganhadores e perdedores, triunfadores e fracassados [...]. A educação nunca foi e não será a solução da desigualdade social, uma vez que a desigualdade de classe é condição fundante do capitalismo. Nesse sentido, embora constitua-se como campo de disputa, a educação formal atua predominantemente como instrumento de produção e reprodução do sistema capitalista. A educação de qualidade para todos nunca foi uma prioridade para o capital, pois não é um sistema que valoriza a formação de pensamentos críticos. A boa educação para o capitalismo é aquela que forma a força de trabalho, mas que nos deforma enquanto humanidade. Ademais, o sistema educacional além de se adaptar às exigências do capital, passa a ser visto como um negócio rentável, resultando em um processo mercantil. Contudo, compreendo que a escola não é apenas uma ferramenta criada pelo capital, mas também, um espaço de contradições que toma determinada direção de acordo com a luta de classe, pois “[...]não é da natureza da escola ser capitalista, 28 senão que por ser o modo de produção social da existência dominante capitalista, tende a mediar os interesses do capital” (FRIGOTTO, 1989, p. 18 apud PREVITALI; MACIEL, 2021). Entretanto, conforme indicado, a educação escolar, de forma geral, vem atendendo às necessidades desse modo de produção da vida dominante. Por sua vez, o trabalho docente e a formação de professores não foge destas “trapaças” do sistema capitalista. O professor é um trabalhador que vende sua força de trabalho assim como qualquer outro profissional proletariado (no setor privado ou público). O processo do trabalho docente vem sendo transformado, organizado e administrado de forma a alimentar o aumento da produtividade e competitividade em prol dos sujeitos atingirem as expectativas/requisitos do mercado de trabalho para processo de valorização do capital (BASTOS, 2005). Estudos recentes como: As influências do modelo neoliberal na Educação (LOPES; CAPRIO, 2008), Neoliberalismo, política educacional e ideologia: as ilusões da neutralidade da Pedagogia como técnica (ROMAN, 1999); trazem a respeito das políticas educacionais e a reforma do ensino discutem as influências da globalização econômica e da hegemonia política do neoliberalismo a respeito da educação Brasileira. Estes estudos tendem a relacionar estas transformações no campo educacional e no trabalho docente às crises econômicas, pós-guerras, de um novo modelo econômico que no que tange os impactos da revolução científica e os avanços tecnológicos, provenientes do neoliberalismo, mudou fortemente as relações de trabalho e a subjetividade dos sujeitos e dos grupos sociais. O Brasil desde a última década do século XX, sob a ótica do neoliberalismo vem combinando as reformas políticas educacionais e de ensino com as formas de planejamentos e controle central na formulação das políticas e descentralização administrativa e financeira na sua implantação, que oportunizou várias parcerias na gestão pedagógica e administrativa no âmbito escolar (GARCIA; ANADON, 2009 apud PREVITALI; MACIEL, 2012). Novos modelos de gestão têm sido fortemente implantados pelas reformas das últimas décadas do século XX, resultando na precarização do trabalho docente. Garcia e Anadon (2009, p. 67) compreendem que: Entre os aspectos e as mudanças que apontam para a precarização do trabalho dos professores podem-se destacar a desqualificação da formação profissional dos docentes pela pedagogia oficial das competências, a intensificação do trabalho dos professores em decorrência do alargamento 29 das funções no trabalho escolar e as jornadas de trabalho, os baixos salários docentes que não recompuseram as perdas significativas que sofrem nos anos da ditatura militar. Também a padronização dos currículos do ensino básico e da formação docente e a instituição de exames nacionais favoreceram a emergência de novas estratégias de controle, baseadas na auditoria no desempenho e no recrudescimento da culpa e da autorreponsabilização docentes. O trabalho docente atualmente não se caracterizacomo um trabalho atrativo aos olhos de muitos. A precariedade nos ambientes escolares devido a diversos fatores, tais como a lotação de salas, jornadas de trabalhos abusivas e cansativas, a falta de reconhecimento, poucas expectativas de crescimento profissional e baixa remuneração do professor, apenas acentuam a desvalorização do professor. Barbosa (2011, p. 152) entende que: Além dos baixos salários contribuírem para não atrair profissionais mais qualificados para a docência, há a dificuldade para reter aqueles que optam por esse caminho. Muitos trabalhadores docentes não permanecem na carreira, abandonando a profissão por outras carreiras que sejam melhor remunerados e valorizados, ou ainda deixam a sala de aula para atuar em outros cargos do sistema de ensino, como a coordenação pedagógica, a direção e a supervisão escolar, também melhor remunerados que a docência e, normalmente, com maior reconhecimento e valorização social. Assim, compreende-se a necessidade da valorização e reconhecimento político e social do trabalho dos professores, também será possível promover uma educação de qualidade, pois apesar de não ser a única e exclusiva ferramenta para enfrentar todos os problemas sociais, consideramos este ofício como essencial para a formação cidadã. De acordo com Jacomini e Penna (2016, p.197): Se o professor é peça-chave na promoção da qualidade do ensino, para que esse profissional possa dar conta dos anseios e das expectativas sociais depositados na escolarização, se faz necessário propiciar condições para seu desenvolvimento profissional, relativas, entre outros aspectos, à implementação da carreira docente. Resta saber o quanto, de fato, existe de espaço, nas agendas neoliberais dos governos, para a valorização do magistério, para além de políticas que, em direção contrária, visem ao controle e à intensificação de seu trabalho. Portanto, o que conhecemos como trabalho docente atualmente deve ser levado em consideração todas as mudanças históricas ao longo do tempo. O trabalho docente ainda que permaneça em constante mudanças advindas das transformações sociais, enfrenta diversas barreiras construídas pelas reformas políticas educacionais nos séculos passados que, infelizmente, refletem negativamente até os dias de hoje. São extremamente próximas as relações construídas entre o mercado de trabalho e 30 o trabalho docente, uma vez que caminham juntamente com os modos e condutas sociais. Toda sociedade se organiza a partir da forma como produzem a subsistência. Ou seja, nós produzimos a nossa subsistência a partir da lógica capitalista. Diante disso, todas as esferas da vida são organizadas a partir dessa mesma lógica: a educação, a política, o direito, a religião etc. então, as relações capitalistas determinam a educação, tanto a educação formal que acontecem nas escolas, universidades quanto a educação em sentido amplo, que é produzida em todas as demais relações que o sujeito estabelece com o mundo. Na próxima seção discutiremos a respeito de gênero como construção social e quais são suas relações com o mercado de trabalho docente. 31 3. RELAÇÃO DE GÊNERO E TRABALHO DOCENTE Nesta seção, tenho como objetivo entender os significados da categoria gênero – feminino e masculino – e como esta vem se relacionando com as transformações sociais. Para além do conceito de gênero trazidos ao longo desta seção, também busco estabelecer os caminhos que levaram o trabalho docente a ter em sua particularidade uma demarcação tão expressiva de gênero. Tendo a intenção de questionar o que comumente está naturalizado na área da educação infantil com as sucessivas afirmações da sociedade que reforçam o senso comum de que a docência de crianças pequenas é “profissão feminina”, questionando as masculinidades e feminilidades presentes no contexto educativo. Assim, acredito na importância de ressignificar estas concepções, entendendo-as como um problema social e não com uma verdade. As relações de gênero para com a profissão docente dedicada principalmente à pequena infância são caracterizadas por uma grande diferença pela divisão sexual do trabalho. É importante considerarmos a partir de uma perspectiva histórica esta divisão sexual na educação até os dias atuais e por este motivo irei apresentar uma contextualização das interseções entre o pedagogo homem e seu envolvimento com a docência na educação infantil. O que significa homem e o que significa mulher? Quando fazemos esta pergunta iniciamos um processo de “desnudar” o aspecto desta questão. Acredita-se que ser homem no Brasil significa a mesma coisa do que ser homem na Nova Guiné? Se a resposta for não, assim como a minha, seguimos que para cada civilização e para cada recorte de tempos-espaciais ser homem significa uma coisa. E seguindo neste mesmo raciocínio, no século XVIII, por exemplo, na corte francesa, ser homem significava usar maquiagem (pó de arroz e batom), meia calça e peruca. Podemos concordar que este conceito de masculinidade atualmente não se enquadra na maioria das sociedades modernas. Para Scott (1995), o termo gênero tem seu uso para designar relações sociais entre os sexos masculinos e femininos, não levando em consideração as explicações 32 biológicas que encontram um denominador comum para diversas formas de subordinação feminina. Ela explica que: O termo "gênero" torna-se, antes, uma maneira de indicar "construções culturais" - a criação inteiramente social de ideias sobre papéis adequados aos homens e às mulheres. Trata-se de uma forma de se referir às origens exclusivamente sociais das identidades subjetivas de homens e de mulheres. "Gênero" é, segundo essa definição, uma categoria social imposta sobre um corpo sexuado. Com a proliferação dos estudos sobre sexo e sexualidade, "gênero" tornou-se uma palavra particularmente útil, pois oferece um meio de distinguir a prática sexual dos papéis sexuais atribuídos às mulheres e aos homens (SCOTT, 1995, p. 75). Simone de Beauvoir no O Segundo Sexo (1943), uma das principais obras dela, a autora, há quase oitenta anos, causou grande impacto quando disse que: “Ninguém nasce mulher, torna-se mulher”. Ou seja, gênero é um processo de socialização e que, nascer com o órgão genital masculino ou feminino não define o gênero de um indivíduo e sim qual o papel que ele interpreta no meio social. Nas palavras de Felix (2012, p. 15), o conceito de gênero: [...] serve para questionar e problematizar as desigualdades sociais que se sustentam em características definidas como diferenças (corporais, psíquicas e sociais, dentre outras) que importam, quando se trata de classificar e hierarquizar indivíduos como homens e mulheres, uma vez que incorpora o pressuposto de que não são diferenças dadas pela natureza e, sim, produzidas na/pela cultura. Gênero inclui, ainda, a problematização dos modos pelos quais aprendemos e somos ensinados (pelos artefatos culturais, pelas instituições sociais, pelos sujeitos com os quais convivemos) a nos tornarmos homens e mulheres, masculinos e femininos, isto é, sujeitos de gênero […]. Reforço que a categoria gênero é performado como uma ação socialmente construída ao longo da história. É uma ação múltipla, na qual deve ser tratada em sua totalidade, mas sim, envolvendo todos os aspectos que ultrapassam a construção de categorias sociais como as de classes e raças/ etnia. Reafirmo que gênero, neste trabalho, é compreendido como uma construção social que define condutas, modos de se vestir, relacionar, de se comportar, o que é apontado como certo ou errado para homens e mulheres. Em outras palavras, como sinalizou Marlucy Paraíso (2016), é o que se materializa em um corpo biológico. Essa construção social, do que é ser homem e mulher, terá impacto na formação e no trabalho docente, aliado às mudanças no mundo do trabalho, conforme indicadona seção anterior. Apesar de não encontrar um dado histórico de marcação da inserção de mulheres no magistério, estudos apontam que podemos localizá-lo no fim do século 33 XIX como marco para o início da entrada das mulheres como educadoras (MENEZES, 2019). Em meados de 1730, as mulheres tinham acesso à aprendizagem da leitura, se estas fossem encaminhadas a conventos, porém não eram todas as mulheres que tinham esta oportunidade, apenas mulheres brancas e filhas de colonizadores que tinham dinheiro, tinham acesso à educação conventual. A educação de meninas em casa era limitada no aprender a cozinhar, limpar, servir entre outros serviços domésticos. Nas palavras de Menezes (2019, p. 35): Consolidada nas bases religiosas e patriarcais, a educação das mulheres era fundamental para que a colônia continuasse a difundir as ideias cristãs, à instrução voltada para a fé. Além disso, a preparação das mulheres para o casamento era importante também para o fortalecimento da naturalização do papel da mulher, além de carregar o estigma de frágil e incapaz, já que assim era vista socialmente. Até o processo de independência do Brasil, ter acesso aos conventos, para muitas mulheres, significava poder aprender a ler, aprendizagem que fossem além daquelas associadas ao papel de dona de casa. Portanto, a educação as mulheres, é ofertada apenas em 1827, consequência da criação da primeira lei da educação no Brasil, a qual exigia a criação de Escolas de Primeiras Letras em todas as cidades ou locais mais populosos do país, em uma tentativa de expandir a formação e a instrução primária no Brasil Império (MENEZES, 2019). Em virtude da ampliação do acesso à educação, se fez necessário a capacitação de novos profissionais, e “como não se tolerava a co-educação e os tutores deveriam ser do mesmo sexo de seus alunos, um espaço para a profissionalização feminina foi aberto, ao mesmo tempo em que se expandia a própria instrução da mulher” (BRUSCHINI; AMADO, 1988, p. 5). O magistério era visto com uma extensão direta do cuidado do lar e consistiu em uma ideia de profissão mais próxima das atividades do lar exercidas pelas mulheres. Então, a presença de mulheres no magistério em meados de 1910 aumenta em grande escala, dominando as classes primárias de ensino, portanto, vai se ampliando até os dias atuais. Rosemberg e Saparolli (1996) explicam que “a profissão de educador infantil” não constitui um trabalho feminino pelo comum fato de que há um número maior de mulheres no mercado de trabalho, mas sim, porque exercem uma função de um 34 gênero vinculada à esfera da vida reprodutiva, qual seja: “cuidar e educar crianças pequenas”. A educação infantil – tanto na vertente creche quanto na vertente pré-escola – é uma atividade historicamente vinculada à "produção humana" é considerada de gênero feminino, tendo, além disso, sido sempre exercida por mulheres, diferentemente de outros níveis educacionais, que podem estar mais ou menos associados à produção da vida e de riquezas. Isto é, diferentemente de outras formas de ensino, que eram ocupações masculinas e se feminizaram, as atividades do jardim-de-infância e de assistência social voltadas à infância pobre iniciaram-se como vocações femininas no século XIX, tendo ideais diferentes das ocupações masculinas que evoluíam no mesmo período. (ROSEMBERG, 1999, p. 11) Assim, evidencia-se que o machismo caracterizado como uma esfera estrutural também é um dos maiores obstáculos para o acesso de homens à educação infantil. Um dos fatores para isto, pode ser pelas relações estabelecidas com a docência na infância serem subjugadas como um trabalho “fácil” e inferior a outras etapas da educação, sendo desvalorizada e mal remunerada e com isto, esses espaços deixam de ser ocupados por homens. Com relação a construção da profissionalidade, especificamente quando me refiro à educação da pequena infância, os homens comumente são atraídos por funções que não estejam ligadas a uma condição de gênero, ou seja, ao papel materno, o cuidar. Cameron (2006) em seus estudos afirma que a profissionalidade baseada em cuidados maternais, ideia bastante forte para áreas como pedagogia e enfermagem, constitui um obstáculo ao acesso de homens nessas áreas. É de extrema importância conseguirmos distanciar dois conceitos: o machismo e a masculinidade, pois apesar de serem conceitos que caminham juntos são diferentes. O machismo atua com a subordinação do sexo feminino dada em função de um contexto histórico firmado a partir de um determinismo biológico. Sua origem está na antiguidade e no período em que a agricultura era o principal meio de trabalho/ produção e a força física e serviços braçais eram sobrepostos a quaisquer atividades humanas. A categoria gênero cria as desigualdades que consequentemente gera o machismo, pois os papéis atribuídos a estes são caracterizados numa escala hierárquica. Enquanto o machismo está ligado a uma estrutura social, por sua vez, a masculinidade está voltada ao comportamento que o homem apresenta na sociedade. Oliveira (2012) apresenta o modelo de masculinidade hegemônica no patriarcado como: 35 Esse modelo de masculinidade hegemônica, ao incorporar dogmas do sistema patriarcal, legitima e valoriza, sobretudo, a agressividade e a virilidade, que vão refletir em questões da esfera pública e da esfera privada, potencializando, dentre outros males, a ocorrência de situações de violência contra mulheres. (OLIVEIRA, 2012, p. 25-26) No entanto, a partir da segunda metade do século XX, devido ao período da industrialização, dos avanços científicos e a luta de grupos feministas, temos um movimento de rompimento do que se chamava divisão público-privado e as mulheres começaram a ter uma participação maior nas esferas políticas e econômicas – fruto da luta de movimentos sociais e da necessidade de ajudar externamente a buscar o sustento da família. Porém, mesmo com tais avanços na desconstrução de muitos aspectos do determinismo biológico e dos estigmas atribuídos a estes gêneros, a sociedade moderna ainda se encontra fortemente marcada por uma lógica patriarcal e machista. Levando em conta estes aspectos, compreende-se que assim como as mulheres são marcadas por estereótipos de seus comportamentos, sendo direcionadas a apresentarem determinados papéis na sociedade, de outro lado, temos também este modelo de masculinidade que o homem deve seguir para sustentar uma estrutura patriarcal e machista. Essa figura do homem à virilidade e a força faz parecer nato ao ser masculino, construindo uma relação de poder, onde o gênero masculino é representado como dominante e o gênero feminino como dominado. Cabe questionarmos, ou talvez, afirmarmos, que uma profissão dada como “profissão para mulher”, como é o caso da docência na educação infantil, não seja atrativa para os homens, sendo um dos motivos a desvalorização de uma carreira profissional, desmerecedor do prestígio social. Ademais, esta desigualdade entre homens e mulheres ainda se encontram tão presentes nas relações que são naturalizadas, o que infelizmente sustenta a ideia de que ser professora de crianças pequenas significa apenas uma extensão do trabalho doméstico e dos cuidados dos filhos, posto que ainda perpetua a essência de que o homem, para não colocar sua masculinidade em risco, não atue na educação infantil. Outro fator é que a figura masculina vem sendo vista/ projetada como uma ameaça constante, devendo ficar longe do corpo dos bebês e crianças pequenas da primeira etapa da educação. Ou 36 seja, mesmo que não se fale abertamente, há uma ideia de possível abuso sexual ou falta de cuidado dos docentes homens para com as crianças pequenas. Dentre os desconfortos gerados, o principal deles é o medo da possível agressão, consolidada a partir da ideia construída da masculinidadeem que o homem é incapaz de ser delicado, sensível, cuidadoso etc. Para Bello, Zanette e Felipe (2020, p. 563), “Essa masculinidade específica nos conduz a formação de um “homem” que é portador de uma sexualidade incontrolável, sujeito que escapa à cultura, sujeito que se constitui a partir de seus instintos mais básicos”. De um ponto de vista social-histórico, e não individualizado, no que diz respeito a profissionalização do homem na docência infantil, não podemos deixar de considerar apenas o estranhamento da figura masculina na creche ou pré-escola, mas também o desconforto que ultrapassa os ambientes físicos da instituição, dada em função das diferentes formas de educar e cuidar – especificamente na educação infantil – que estão inteiramente relacionadas ao controle do corpo das crianças, ocasionando o medo do abuso sexual, a pedofilia. Neste contexto é de suma importância destacarmos que os homens não detêm o monopólio de abusos e das violências sexuais destinadas a crianças. Ainda que um número quase insignificante, a fim de problematizar, vale ressaltar que o Ministério da Saúde (2018), aponta que entre os anos de 2011 e 2018 obteve um registro de 4% de mulheres como autoras de violência sexual contra crianças e adolescentes. (SETUBAL et al, 2019 apud BELLO, ZANETTE; FELIPE, 2020, p. 563). Ademais, os registros da violência infantil indicam que predomina como violador homens próximos ao ambiente familiar e não escolar. Destaco que a minha intenção não é mudar o cenário e colocar as mulheres como papel de que colocam a vida e integridade das crianças em risco, mas sim, reconhecermos que as mais diferentes formas de abuso e violência não estão presente em um determinado gênero e que mulheres, assim como os homens, podem fazer parte destes atos como promotoras de violência e abuso. Para além do ponto de vista da profissionalidade e das identidades de gênero destes profissionais, não podemos esquecer da representação construída pelas crianças. Sobre isso, Sayao (2005) denomina este aspecto de “presente-ausente” tendo em vista que, a ausência de homens na educação infantil, ao mesmo tempo em que atua no distanciamento da representatividade do homem exercendo a profissão 37 de educar e cuidar, aproxima destas crianças a crença de que tal papel é destinado ao gênero feminino, principalmente aquelas crianças que não têm a presença masculina, seja paterna ou não, dentro do seu grupo familiar. Por outro lado, para a pesquisadora, a escola com profissionais homens pode ser um ambiente de “compensação” dessa ausência, representando de forma positiva para o desenvolvimento da criança. Nessa direção, para a pesquisadora, […] quanto maior o envolvimento de homens na Educação Infantil, aumentaria a opção de carreira para eles contribuindo para que se desfizesse a imagem de que esta etapa da educação básica é um trabalho apenas para as mulheres, alterando, dessa maneira, a imagem da profissão e, quem sabe, melhorando significativamente os salários e o status da carreira (SAYÃO, 2005, p. 16). Apesar de ser triste esta pressuposição que Sayao (2005) traz a respeito de uma valorização da carreira de milhares de pedagogas, não podemos simplesmente fechar os olhos e não aceitar que a desvalorização dessa profissão está inteiramente relacionada a segregação de uma maioria de profissionais do sexo feminino na educação infantil. No Brasil, o número de professores homens atuando em instituições de Educação infantil é insignificante quando comparamos com o número de mulheres ocupando o mesmo cargo, conforme exploraremos na seção seguinte. Segundo o censo da Educação Básica (Saeb), feito em 2010 pelo MEC, apenas 19,1% dos professores da educação básica brasileira eram do sexo masculino, e na educação infantil essa porcentagem de homens atuando como professores caia para 3,4% (BRASIL, 2010). Não é por menos que a presença de homens, não apenas na educação infantil, mas também nos anos iniciais do ensino fundamental, é motivo de estranhamento por parte do corpo docente, composto predominantemente por mulheres em tais instituições, como também por parte dos grupos familiares, comunidades e estudantes que frequentam os ambientes escolares. Essa falta de afinidade com a presença da figura masculina em salas de aulas de crianças pequenas se dá também por causa de uma compreensão construída socialmente do que se entende por masculinidade, na qual “expressa mudanças em relação à aceitação social do arbitrário poder masculino e de sua hegemonia dentro do regime de gênero vigente nas culturas contemporâneas ocidentais” (OLIVEIRA, 2004, p. 142). 38 Na medida em que a empregabilidade em determinados cargos vai sendo composta em grande parte por mulheres, tenta-se controlar de uma determinada forma os conteúdos e os processos desses empregos. Assim, a desqualificação do trabalho docente constitui um conjunto de forças atuantes sobre o trabalho classificado como trabalho feminino. Como dito anteriormente, o processo do trabalho docente a partir do ensino fundamental I, era uma atividade exercida por homens, no entanto, ao longo do tempo, assim como outras ocupações no mercado de trabalho, houve transformações tão bruscas entre os séculos XIX e XX, período de industrialização, que passamos de trabalho masculino para o trabalho feminino (exceto na Educação Infantil que se constituía como um trabalho feminino e permanece construído grande parte por docentes mulheres). Do ponto de vista histórico, quando nos referimos à remuneração e/ou prestígio social de um trabalho, precisamos também relacionar ao debate de gênero, pois, como vimos em parágrafos anteriores, historicamente foi relegado a mulher o papel de cuidar de crianças, educá-las dentre outras funções domésticas como passar roupa, cozinhar, limpar – atividades que quando inseridas no mercado de trabalho não levam tamanho prestígio e, consequentemente, são consideradas como “sub-profissões”. Em uma linha histórica todos os trabalhos relegados as mulheres eram considerados trabalhos improdutivos e após a reforma social que veio com a revolução industrial os trabalhos improdutivos não deveriam ser remunerados. Levando em consideração estes aspectos a desvalorização do trabalho docente, sobretudo do trabalho docente na educação infantil, são resquícios social- histórico de uma divisão de trabalho vinculada ao debate de gênero. As transformações sociais-históricas são capazes de mudar tal cenário, como vem mudando a cada dia. No entanto, sabemos que barreiras e construções sociais através de reformas políticas devem ser desconstruídas para que possamos caminhar em um sentido que nos leve a maior equidade. Em síntese, busquei abordar nessa seção, a partir de uma visão mais crítica, as razões pelas quais ainda permanecem amarrados há tantos preconceitos, que resultam na desigualdade de gênero, a questão da presença masculina na docência na educação infantil, que dificultam a ressignificação e transformação do nosso atual contexto histórico. 39 4. REFLEXÕES A RESPEITO DE DOCENTES HOMENS NA EDUCAÇÃO INFANTIL: O QUE OS DADOS MOSTRAM Nesta seção tenho como objetivo apresentar alguns dados quantitativos de docentes homens atuando na educação infantil, dos anos de 2010, 2015, 2019 e 2021, buscados na Sinopse Estatística da Educação Básica no Brasil, na qual, traz um resumo dos principais dados coletados no Censo Escolar da Educação Básica, coletados e divulgados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas (INEP)4. Segundo o MEC, o Censo Escolar é a mais completa fonte de informações sobre a educação básica brasileira e deveria embasar a formulação de políticas públicas. O Censo Escolar existe desde 1991 e é aplicado anualmente pelo INEP. A Sinopse traz dados quantitativos de grande importância para diversas análises no campo da Educação5.Em 2021, por exemplo, conta com mais de 200 planilhas classificadas em etapas e modalidades da Educação. Conforme os debates ao longo da construção deste trabalho, vimos que o trabalho docente vem sendo transformado ao passar do tempo e os dados trazidos nessa seção irão ao encontro com as nossas interpretações anteriores. A fim de observar as mudanças no quadro de docentes homens e mulheres na educação, selecionei os relatórios dos anos 2010, 2015, 2019 e 2021 (BRASIL, 2010; 2015; 2019; 2021)6. Considerei necessário o recorte em pouco mais de uma década para enxergarmos as transformações e mudanças que ocorreram em liderança de governos diferentes, com mudanças tanto na esfera federal e estadual, com municipal. Apesar dos anos 2019 e 2021 serem próximos e, possivelmente, termos mudanças menos significativos na questão de números, me parece necessário vermos as mudanças apresentadas em um contexto de pandemia e o que talvez tenhamos tido 4 O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) é uma autarquia federal vinculada ao Ministério da Educação (MEC), cuja missão é promover estudos, pesquisas e avaliações sobre o Sistema Educacional Brasileiro com o objetivo de subsidiar a formulação e implementação de políticas públicas para a área educacional a partir de parâmetros de qualidade e eqüidade, bem como produzir informações claras e confiáveis aos gestores, pesquisadores, educadores e público em geral. 5 Disponível em: https://www.gov.br/inep/pt-br/acesso-a-informacao/dados-abertos/sinopses- estatisticas/educacao-basica 6 Cabe lembrar que a Sinopse é divulgada no início do ano seguinte da coleta dos dados, portanto, os dados de 2021 foram divulgados no corrente ano. 40 como influência deste período pandêmico, sendo o primeiro ano de mais controle de isolamento social e o outro de retomada presencial das escolas devido ao início da vacinação. Em outras palavras, o recorte temporal realizado, contribuiu para maior acompanhamento e mapeamento do movimento de trabalhadores docentes da etapa supracitada. Para tal estudo comparativo dos dados, primeiramente, optei por pesquisar de forma geral o número de docentes atuando na educação básica do país nos anos de 2010 e 2021, pois entendo ser importante termos uma visão das mudanças que ocorreram nesta última década. Desta forma, o panorama geral que tínhamos era: Quadro 1 – Quantitativo de docentes da educação básica, entre 2010 e 2021, por sexo. Quantidade total de docentes atuando na educação básica: 1.999.518 docentes 2010 Quantidade de docentes do sexo masculino na educação básica: 377.602 docentes Quantidade de docentes do sexo masculino na educação infantil: 13.217 docentes Quantidade total de docentes atuando na educação básica: 2.190.943 docentes 2021 Quantidade de docentes do sexo masculino na educação básica: 453.777 docentes Quantidade de docentes do sexo masculino na educação infantil: 25.905 docentes Fonte: produção própria a partir das Sinopses da Ed. Básica de 2010 e 2021, divulgadas pelo INEP/MEC (BRASIL, 2011; 2021). Com base nos dados apresentados acima, apesar de serem generalizados, podemos perceber um aumento no número de docentes homens tanto na Educação Básica como um todo quanto especificamente na Educação Infantil. Em 2010 a porcentagem de docentes homens na educação básica era de aproximadamente 19% enquanto as mulheres ocupavam 81% do corpo docente. Em 2021 essa porcentagem de homens cresce apenas 2%, representando 21%, enquanto as mulheres ocupavam 79%. No entanto, quanto estes números se expressam quando comparamos com a quantidade de mulheres atuando na educação, no mesmo nível de ensino? Em que etapa da educação básica os docentes homens atuam? Na seção 2 vimos que historicamente a docência na educação infantil é constituída em sua grande parte por mulheres, mas que com o passar dos anos a 41 inserção de homens nestes espaços tem aumentado. As identidades construídas para a profissionalização pautadas na educação infantil são marcadas pelo gênero feminino em virtude do senso comum de que as profissões que têm em seu conjunto de obrigações, o caráter de cuidar, devem ser destinadas a um determinado gênero, o feminino. A seguir, apresentarei uma tabela com dados de docentes da educação básica em 2021 demarcada por etapas da educação básica para que possamos perceber a relação estabelecida entre o cuidar e o educar, e como isso se expressa no aumento de docentes homens com o passar das etapas da educação. Tabela 1 – Ocupação de docentes do sexo masculino na educação básica no Brasil, por etapas e sub-etapas em 2021. Etapas/sub-etapa da Ed. Básica TOTAL DE DOCENTES (somando homens e mulheres) QUANTIDADE DE DOCENTES HOMENS Educação infantil 595.397 26.562 Ensino Fundamental - anos iniciais 741.161 88.520 Ensino Fundamental - anos finais 752.667 252.086 Ensino Médio 516.484 218.459 Fonte: Produção própria a partir dos dados da Sinopse da Educação Básica de 2021 (BRASIL, 2022) Ao analisar a Tabela 1 conseguimos concluir que na educação infantil o número de homens docentes atuando nesta etapa da educação básica é extremamente baixo em relação ao total de docentes atuando na mesma etapa. Entretanto, conforme passamos as etapas da educação conseguimos observar um aumento significativo no número de docentes homens. Enquanto na educação infantil temos uma representação de apenas 4% de docentes homens, em contrapartida, na última etapa da educação básica, Ensino Médio, temos representado quase a metade em relação ao número total de docentes, apresentando 42% do corpo docente do sexo masculino. Nos anos iniciais do Ensino fundamental temos aproximadamente 12% do corpo docente formado por professores do sexo masculino, o triplo em relação a Educação 42 Infantil. Quando passando para os anos finais do Ensino Fundamental essa ocupação de docentes homens sobe para 33%. Portanto, concluímos que conforme temos os avanços nas etapas da Educação Básica também temos o crescimento de homens no corpo docente, conforme mostra no gráfico abaixo: Gráfico 1 - Comparativo de docentes por sexo, conforme etapas da Educação Básica no Brasil em 2021. Fonte: produção própria a partir dos dados de Sinopses da Educação Básica entre 2010 a 2021 (BRASIL, 2010; 2015; 2019; 2021) Vale questionarmos o porquê deste número de docentes homens crescer tanto conforme a passagem das etapas da educação. Essa discrepância entre a quantidade de mulheres e homens exercendo a docência na educação infantil e ensino fundamental, pode ser explicada pela feminização do magistério, como vimos nas seções anteriores. Sendo assim, conforme a educação vai sendo desvinculada do ato de cuidar e se caracterizando no campo do ensino sistematizado, com a ideia de nessas etapas teria mais conhecimento científico do que nas primeiras, o número de homens vai tomando proporção até chegar a quase a metade do corpo docente, como é o caso do Ensino Médio. Este quadro se repete quando separamos a educação infantil em sub etapa, sendo elas a creche e a pré-escola. O que se constatou com essa separação é que quanto menor é a idade das crianças, menor é o número de docentes homens no trabalho docente. Para corroborar com tal afirmação, decidi apresentar em forma de tabela, levando em consideração os anos de 2010, 2015, 2019 e 2021, separados por sexo – mulheres e homens – e sub-etapa da educação infantil, conforme a Tabela 2. 43 Tabela 2 – Comparativo de docentes por sexo conforme sub-etapas da Educação Infantil no Brasil, entre 2010 a 2021. COMPARATIVO POR ANO E SUB-ETAPA DA ED. INFANTIL ANOS Creche Pré-escola Total na Ed. infantil Mulheres Homens Mulheres Homens Mulheres Homens 2010 140.747 3.018 253.081 10.199 393.828 13.217
Compartilhar