Buscar

Psicologia Clínica e Cultura Contemporanea-11

Prévia do material em texto

51Grupo multifamiliar com adolescentes que cometeram abuso sexual
o atendimento do GM possa contribuir com a justiça na conclusão dos casos de abuso 
sexual. 
Como todo método de intervenção, o GM apresenta alguns limites. O GM pode apre-
sentar um menor controle sobre os casos, e dessa forma pode comprometer a eficácia 
da terapêutica. Identificou-se também que há a possibilidade do terapeuta não se en-
volver ativamente com alguma família, uma vez que o grupo que é o cliente, e não uma 
família específica. O GM oferece perigo de uma identificação predominantemente pro-
blemática com outras famílias que têm funcionamento semelhante ao dele, e permite 
que a pressão sobre os terapeutas, para provocar mudanças, estenda-se a um grupo 
mais numeroso de co terapeutas. Além do exposto, a própria temática do abuso sexual 
é um fator de complicação, por tocar numa dimensão muito privada da experiência hu-
mana – a intimidade – dificultando o conhecimento sobre os conflitos inerentes deste 
tipo de violência sexual (Narvaz, 2010; Costa et al., 2005).
Como�se�faz�o�GM
É preciso informar que essa descrição aqui apresentada foi baseada em uma pesquisa 
qualitativa cujo contexto de realização foi o Centro de Orientação Médico-Psico pedagó-
gica – COMPP, órgão pertencente à Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal 
(SES-DF). O objetivo do COMPP é prestar atendimentos de natureza multi e interdisci-
plinar em saúde mental (neuropediatras, psiquiatras, psicólogos, nutricionistas, fono-
audiólogos, pedagogos, psicopedagogos, assistentes sociais, enfermeiros e professores 
de educação física) à criança, ao adolescente e seus respectivos familiares do Distrito 
Federal e do entorno, em diferentes níveis de prevenção (primária, secundária e terciá-
ria). A Unidade acolhe tanto pacientes que apresentam sofrimento psíquico leve, como 
grave (neurose, psicose, transtornos invasivos do desenvolvimento, entre outros). A mé-
dia anual de atendimentos é de 34 mil. A adoção de métodos grupais visa maximizar 
atendimentos e otimizar tanto filas de espera como encaminhamentos provenientes do 
sistema de Justiça.
Seleção das famílias - Para a seleção das famílias participantes utilizou-se como instru-
mento de apoio uma entrevista semiestruturada com a finalidade de obter informações 
sobre a estrutura familiar, as condições socioeconômicas, as regras familiares, caracte-
rísticas da violência cometida pelo adolescente, entre outras informações. Essa entrevis-
 52
ta é realizada antes do início do GM. Os critérios de inclusão no GM são: adolescentes 
do sexo masculino, com idade entre 12 e 18 anos incompletos, encaminhados pela rede 
de proteção do Distrito Federal e do entorno (Conselho Tutelar – CT, Centro de Referên-
cia de Assistência Social – CRAS, Ministério Público do Distrito Federal e Territórios 
– MPDFT – e Vara da Infância e da Juventude – V. I. J.), que abusaram sexualmente de 
alguma criança da família ou de alguma criança de convivência próxima. Os critérios de 
exclusão são adolescentes com deficiência mental que cometeram abuso sexual, adoles-
centes sem vínculos familiares e adolescentes com 18 anos completos. 
Procedimentos - Após a seleção das famílias, o GM se iniciou com um planejamento de 
sete encontros. Cada encontro teve a duração média de três horas. Em relação à equipe 
de atendimento, esta foi composta por cinco psicólogos (um do sexo masculino e qua-
tro do sexo feminino), uma assistente social, dois estagiários de psicologia (um do sexo 
masculino e uma do sexo feminino) e uma estagiária de pedagogia. A infraestrutura foi 
composta por uma sala grande o suficiente para reunir todos os membros de todas as 
famílias, mais três salas médias para realizar atividades com grupos específicos. 
Os subgrupos eram de pais e mães (alocados na sala grande e tiveram como profissio-
nais responsáveis uma psicóloga, uma assistente social e o apoio de um estagiário de 
psicologia, que foi responsável pelo registro dos encontros), de adolescentes que come-
teram abuso sexual (alocados em uma das salas médias e tiveram como profissionais 
responsáveis um psicólogo, uma psicóloga e o apoio de uma estagiária de psicologia, 
quem foi responsável pelo registro dos encontros), de adolescentes do sexo feminino 
(alocados em sala média e tiveram como profissional responsável uma psicóloga e o 
apoio de uma estagiária de pedagogia, quem foi responsável pelo registro dos encon-
tros) e de crianças (alocados na outra sala média com uma psicóloga infantil). Antes 
de prosseguir, é importante fazer a seguinte nota. O subgrupo de adolescentes do sexo 
feminino foi estabelecido na medida da necessidade, em função desse grupo conter 
muitas adolescentes meninas. 
Os temas dos encontros foram adaptados da proposta de Costa et al. (2011), que contem-
pla a discussão dos temas da proteção e do cuidado tanto de crianças, como de adoles-
centes que cometeram ofensas sexuais; a sexualidade de todos os membros familiares; 
a responsabilização dos adolescentes que cometeram abuso sexual pelo ato cometido, 
assim como a responsabilidade dos pais e das mães; a transgeracionalidade da violência 
53Grupo multifamiliar com adolescentes que cometeram abuso sexual
e um projeto de futuro das relações familiares. Dessa forma, os encontros foram assim 
estabelecidos: primeiro encontro: “Proteção: eu preciso proteger outras crianças, mas 
ainda preciso de proteção”; segundo encontro: “Sexualidade: o que é e como expresso?”; 
terceiro encontro: “Fantasias: quebrando o tabu e compartilhando segredos”; quarto 
encontro: “Violência é um crime: nenhum tipo de violência tem justificativa”; quin-
to encontro: “Genograma: precisamos conhecer as histórias de nossos antepassados”; 
sexto encontro: “Apresentação dos Genogramas: Vamos compartilhar o que temos em 
comum e o que temos de diferente”; sétimo encontro: “Projeto de futuro da Relações 
Familiares: organizar o presente para um futuro consciente”. Essa proposta possibilitou 
oferecer aos participantes um espaço de escuta para o sofrimento particular de cada 
família e de cada membro familiar, assim como suas dúvidas, sentimentos e pensamen-
tos, de modo a promover mudanças na relação intrafamiliar.
Dinâmica do GM - Cada encontro do GM se desenvolveu em três etapas definidas. A 
primeira etapa foi o aquecimento, na qual todas as famílias foram reunidas com o obje-
tivo de promover a integração do grupo, bem como preparar todos os participantes para 
a conversação do tema específico do encontro. A etapa seguinte – desenvolvimento – 
aprofunda os objetivos do tema do dia. Nessa etapa, subdivide-se o grupo por critério de 
idade: adultos, adolescentes e crianças. Essa subdivisão permite a adequação da conver-
sação referente a cada grupo etário: jogos dramáticos, debates, role playing, desenhos, 
colagens. Ao final desta etapa, cada subgrupo elabora um informe do que foi produzido 
em grupo. E por fim, o último momento – fechamento – consiste na reunião de todos 
os presentes com o objetivo de compartilhar o informe elaborado na etapa anterior. 
Planejamento�dos�Encontros
1º�Encontro:�Proteção: eu preciso proteger outras 
crianças, mas ainda preciso de proteção 
A escolha do tema proteção como ponto de partida para ao início do trabalho, se fun-
damenta nas orientações de Fishman (1996) que afirma que ao atender famílias que 
se comunicam por meio da violência é necessário fazer uma rica e profunda reflexão 
sobre as consequências negativas do uso da violência nas relações e sobre a proteção. 
A proposta é que as famílias atualizem o seu contrato relacional, e que a regra de não 
 54
cometer mais violência possa dirigir as ações entre os membros familiares. Para atingir 
este objetivo adotamos a estratégia abaixo descrita.
Momento Aquecimento - O primeiro momento do GM aconteceu com a apresentação 
da equipe de trabalho, com a explanação da proposta dos encontros e respectivos obje-
tivosdo grupo. Em seguida, foi solicitado a cada participante que falasse, brevemente, 
sobre si próprio, enquanto enrolava um pedaço de barbante no dedo indicador de uma 
das mãos. Após este momento, foi proposto o jogo dramático “O gato e o rato”. Neste 
jogo, um participante, por livre escolha, fez o papel do gato, e outros três escolheram 
fazer o papel do rato. Os demais participantes do grupo fizeram uma grande roda com 
as mãos dadas. O objetivo do gato é furar a roda e pegar os ratos que estão dentro da 
roda. O objetivo do grupo é proteger o rato, fazendo da união dos corpos uma muralha. 
Após os comentários sobre essa brincadeira, foi feita a divisão do grupo em subgrupos 
de pais, adolescentes masculinos, adolescentes femininos e crianças.
Momento Desenvolvimento: Subgrupo de Adolescentes - O início da atividade ocorreu 
com o debate sobre o conceito da palavra proteção entre os adolescentes. Após o debate, 
foi solicitado aos adolescentes que relatassem os momentos em que eles se sentiram 
protegidos e os momentos que eles tiveram que proteger alguém. E em seguida, foi 
solicitado que eles relatassem os momentos em que eles se sentiram desprotegidos ao 
longo da vida. Foi promovida uma reflexão profunda, isto é, procurou-se saber quais 
eram as implicações emocionais e comportamentais de estar em uma situação de des-
proteção. Por fim, foi trabalhada a reflexão com os adolescentes quando eles mesmos 
se colocam em risco. A intenção de aprofundar essas reflexões é instrumentalizar o 
adolescente a procurar ajuda, de poder analisar melhor as situações em que eles estão 
inseridos e de tomar decisões conscientes. Ao final do debate, os adolescentes elabora-
ram uma síntese do que foi discutido com a finalidade de apresentar para os demais 
subgrupos no momento do fechamento.
Momento Fechamento - Ao final do encontro, cada subgrupo apresentou para os de-
mais participantes do GM o material produzido. Após as apresentações, foi solicitado às 
famílias que conversassem sobre o que foi discutido no encontro e que nova proposta de 
relação e organização familiar pudesse ser dialogada entre os membros de cada família. 
Ao fim do encontro foi feita uma dinâmica de grupo com o objetivo de avaliar como 
55Grupo multifamiliar com adolescentes que cometeram abuso sexual
foi o encontro. Posicionou os participantes e terapeutas em roda, e todos avaliaram o 
encontro em uma palavra.
2º�Encontro: Sexualidade: o que é e como expresso?
A razão de se enfocar essa temática fundamenta-se em experiências anteriores do pró-
prio GM nas quais os adolescentes confundem os conceitos de sexo e sexualidade. Ou-
tra razão diz respeito aos adolescentes trazerem, na própria história de expressão de sua 
sexualidade, a associação entre sexualidade e violência e a dissociação entre sexo e afeto 
(Costa, 2012). A utilização de um discurso de gênero como recurso de intervenção para 
o desenvolvimento da associação entre sexo e afeto e a dissociação entre sexualidade e 
violência, para o presente autor e a presente autora, é a melhor estratégia. Nesse mo-
mento, é fundamental a reflexão com os adolescentes de como é a experiência de ser 
homem. Nessa discussão, subtemas, como a virilidade e as provas sexuais que os ado-
lescentes passam para provar a própria masculinidade, entra em reflexão. A justificativa 
para refletir essas questões fundamenta-se na tese de Bourdieu (1998), que a virilidade 
tem como objetivo a honra masculina, que é realizada na exploração e dominação de 
pessoas em desvantagem (mulheres e crianças). 
Momento Aquecimento – O encontro tem início com a vivência de uma dinâmica de 
integração grupal. A proposta do jogo foi: com um pedaço de barbante em uma das 
mãos, o participante enrolava o fio no dedo indicador da outra mão, enquanto ele falava 
um pouco sobre o seu cotidiano. Após enrolar todo o barbante no dedo, o participante 
parava de falar e entregava o barbante para outra pessoa.
Momento Subgrupo com Adolescentes - A atividade iniciou com a apresentação do 
tema para os adolescentes, e logo em seguida pediu-se que eles relatassem como com-
preendem sexualidade, e quais palavras ou imagens poderiam estar relacionadas com 
essa palavra. Com base nas associações dos adolescentes, propôs-se uma discussão so-
bre o tema do encontro. Ao fim da atividade, os adolescentes elaboraram uma síntese 
do que foi discutido.
Momento Fechamento - No final do encontro, cada subgrupo apresentou suas produ-
ções e compartilhou suas posições. Esse momento possibilitou que pais e adolescentes 
conversassem sobre sexualidade e negociassem regras intrafamiliares em relação ao

Continue navegando