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Psicologia Clínica e Cultura Contemporanea-12

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tema. A intenção de promover esse diálogo, não foi para facilitar a determinação de 
regras, mas sim para enfocar o tema em pauta como tabu familiar.
3º�Encontro:�Fantasias: quebrando o tabu e compartilhando segredos
As fantasias eróticas fazem parte dos scripts sexuais intrapsíquicos, que “... utilizam 
elementos simbólicos fragmentários, cenários culturais mais amplamente compartilha-
dos e elementos de experiência pessoal –, que são organizados em esquemas cognitivos 
estruturados e tomam a forma de sequências narrativas, planos e fantasias sexuais” 
(Bozon, 2004, p. 130). Este script coordena a vida mental e o comportamento social de 
modo a discriminar situações sexuais e os estados corporais.
É importante frisar que estes scripts são uma construção sócio-histórica-cultural (Bozon, 
2004; Vance, 1995; Weeks, 2000), de modo que as fantasias sexuais (como também os 
outros atos sexuais) e os significados sexuais são variáveis (Heilborn, 1999; Loyola, 
1999), ou seja, a importância social e o significado subjetivo dependem da definição 
e da compreensão das diferentes culturas em seus diferentes períodos históricos. Em 
outras palavras, essas construções organizam e significam a experiência sexual coletiva 
por meio do impacto das identidades, definições, ideologias e regulações sexuais. Dessa 
forma, compreende-se que as fantasias sexuais são vivências subjetivas derivadas de um 
determinado momento histórico.
Com base nessa compreensão sobre fantasias sexuais e fantasias eróticas, a razão de 
escolhermos essa temática para fazer parte dos conteúdos discutidos no GM funda-
menta-se na associação entre sexo e violência, e na intenção de se promover reflexões 
sobre como foram construídas as fantasias que os adolescentes expressaram. Além de 
refletir sobre o que essas fantasias, subjacentemente, comunicam a respeito dos papéis 
masculinos e femininos e tentar promover fantasias sexuais cujas regras sejam a con-
sensualidade. 
Momento Aquecimento - No início do encontro, cada participante falou um pouco sobre 
como foi a sua semana. Em seguida, foi proposto um jogo dramático para a integração 
das famílias. A intenção deste jogo foi para a construção de redes de apoio entre os 
participantes do GM. O jogo adotado para este fim foi a dinâmica do cordão. O grupo 
recebeu um rolo de barbante e cada membro tinha que pegar uma parte do barbante, 
57Grupo multifamiliar com adolescentes que cometeram abuso sexual
enrolar no dedo e falar seu nome, idade, o que faz e características pessoais. Em segui-
da a pessoa escolhia alguém aleatoriamente para dar prosseguimento com a dinâmica. 
Após todos falarem, mostrava ao grupo a figura que foi criada com o barbante eviden-
ciando que o grupo tinha histórias e características em comum e que isso os ligava uns 
aos outros.
Momento Subgrupo com Adolescentes - Quando o grupo de adolescentes se reuniu, foi 
apresentado o tema do encontro. Foi solicitado aos participantes que dissessem o que 
eles compreendem como fantasias e quais fantasias sobre sexo eles têm. Após essas 
falas, foi proposto aos adolescentes se dividirem em dois grupos e cada grupo deveria 
criar uma história por meio de colagens de revistas masculinas ou desenhos, sobre 
essas fantasias.
Momento Fechamento - Cada subgrupo apresentou a sua síntese, com exceção dos ado-
lescentes. A decisão de não apresentarem o produto da discussão (os cartazes), foi toma-
da pelo fato da natureza íntima dos cartazes, e por se considerar que havia crianças nes-
se momento final. Contudo, foi dito para as famílias que poderiam/deveriam expressar 
suas curiosidades, sobre o tema do trabalhado, em casa.
4º�Encontro: Violência é um crime: nenhum 
tipo de violência tem justificativa
Como relatado anteriormente, os adolescentes que cometeram abuso sexual foram en-
caminhados pela rede proteção do DF e do entorno, sendo que alguns adolescentes 
estão cumprindo atendimento sob obrigação, como parte da aplicação de medida socio-
educativa (ECA, 1990). Mas a medida – ação do sistema legal – em si não significa que 
eles assumiram a autoria (fenômeno psicológico) da violência cometida. A admissão 
legal não implica, nem é sinônimo de responsabilização psicológica. Por isso, não raro, 
encontra-se adolescentes que não admitem o cometimento do abuso sexual. Por isso, 
considera-se fundamental a inclusão desse item de discussão. 
Ao considerar o exposto, o GM foi estruturado com a cautela de ser uma ação afirmativa 
e cooperadora com as intervenções normativas e legais, mas sem deixar de considerar os 
princípios e as diretrizes da saúde mental e dos direitos humanos. Em outras palavras, 
afirma-se que a reflexão da responsabilidade psicológica deve ser mediada por meio da 
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empatia e da compreensão (processos psicológicos) do profissional, de modo que este 
consiga identificar os processos mediadores que possibilitaram o desenvolvimento de 
uma expressão sexual ofensiva. Alerta-se que a identificação desses processos não pode 
ter o objetivo de desculpar o adolescente que cometeu o abuso sexual.
É importante considerar que um dos processos que contribuem no desenvolvimento de 
uma sexualidade ofensiva é a violência praticada por outros membros da família, prin-
cipalmente da parte dos pais e das mães direcionada aos filhos (Costa, 2012; Marshall, 
2001). Dessa forma, a razão de tratar este tema no GM é para promover a responsabi-
lização psicológica de todos os membros familiares que utilizaram da violência para se 
comunicar.
Momento Aquecimento - Neste encontro houve atrasos da maioria dos participantes 
que relataram dificuldades no trânsito. Como o tempo do encontro foi reduzido, a equi-
pe decidiu, para a atividade do aquecimento, realizar apenas a dinâmica do barbante, 
que já foi descrita no segundo encontro. 
Momento Subgrupo com Adolescentes - Para trabalhar o tema do encontro foi escolhi-
do um recorte de vídeo da novela Fina Estampa da Rede Globo que abordou o tema da 
violência intrafamiliar. A partir daí, foi proposto aos adolescentes um júri simulado para 
decidir se um dos protagonistas de uma cena de violência era culpado ou não.
Momento Fechamento - Nesse momento, cada subgrupo apresentou uma síntese do 
que foi trabalhado. Após a fala de cada representante do subgrupo, os próprios partici-
pantes começaram a negociar mudanças nas regras familiares.
5º�Encontro: Genograma: precisamos conhecer 
as histórias de nossos antepassados
Usamos o Genograma por representar graficamente a composição da família e dos re-
lacionamentos em, pelo menos, três gerações (Carter & McGoldrick, 1995). Por meio 
desse diagrama estrutural é possível obter diferentes informes sobre a família, como a 
estrutura familiar, os vínculos, a posição de cada membro na estrutura familiar, aspec-
tos importantes do relacionamento familiar em nível intergeracional e transgeracional, 
conflitos, padrões repetitivos, ocorrências importantes como doenças, alcoolismo, uso 
59Grupo multifamiliar com adolescentes que cometeram abuso sexual
de drogas, prisão, violência, separações, nascimentos, entre outras informações (Carter 
& McGoldrick, 1995; McGoldrick, Gerson & Petry, 2012; Penso, Costa & Ribeiro, 2008). 
Além disso, a importância da utilização do Genograma é que este instrumento dará 
continuidade na proposta do tema anterior, isto é, a compreensão dos processos psíqui-
cos repetitivos facilitará que a família desenvolva uma percepção sistêmica da violência 
cometida pelo adolescente, e dessa forma, os pais e as mães poderão expressar empatia 
e compreensão ao filho.
Ademais, não é incomum, no público estudado, que as relações entre os filhos que 
cometeram abuso sexual e os pais e as mães sejam afetivamente instáveis e com as 
fronteiras difusas. Os responsáveis demonstram sentimentos ambíguos como tristeza, 
raiva e mágoa como forma de expressar a decepção com a rejeição dos filhos, e ansieda-
de, angústia e tensão como formade expressar a preocupação com o futuro deles. Parte 
dessa postura se fundamenta por uma compreensão atomizada da violência cometida 
pelo adolescente, e não por uma compreensão sistêmica da atitude do filho.
Procedimento – Neste encontro, todo o tempo foi destinado exclusivamente para a cons-
trução do genograma de todas as famílias. Cada membro da equipe ficou como respon-
sável por uma família que estava participando tanto da pesquisa, como do atendimento. 
Esse momento teve um critério diferente, do até então adotado, que foi a reunião de 
todos os membros de cada família, e não o critério de subdivisão por idade.
6º�Encontro:�Apresentação dos genogramas: vamos compartilhar 
o que temos em comum e o que temos de diferente
Neste encontro, assim como no anterior, todo o tempo foi destinado exclusivamente à 
apresentação dos Genogramas de cada família para os demais participantes. As famí-
lias, quando estavam na posição de ouvintes, compartilharam seus posicionamentos 
diante dos conflitos da família que apresentava o Genograma. 
Em experiências anteriores, percebemos que participantes do GM assume uma posição 
de co terapeutas, após a apresentação do Genograma de cada família, na medida em que 
as características da presença da violência são observadas, percebidas e discutidas por 
todos os presentes. É essa integração entre os participantes que reforça a importância 
desse espaço, pois se identificou a solidificação da construção de redes sociais de apoio 
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entre eles. Muitas famílias se identificam com as histórias e as experiências das outras 
famílias. Após a revelação do abuso sexual, as famílias tendem a se isolar socialmente 
(Costa, 2012), e consequentemente, aumentam o risco de entrarem em outras situações 
de vulnerabilidade (Sluzki, 2006). A integração obtida durante o GM possibilita o au-
mento da rede, configurando em um espaço de fator de proteção (Costa, 2012; Penso, 
Conceição, Costa & Carreteiro, 2012).
7º�Encontro:�Projeto de futuro das relações familiares: 
organizar o presente para um futuro consciente
O último encontro considerou o fato de que algumas famílias que passaram por situa-
ções de estresse e conflito, como o abuso sexual, paralizam o seu projeto de vida familiar 
(Carter & McGoldrick, 1995). A razão deste encontro se fundamenta na importância de 
promover a reorganização das famílias e a construção de novos projetos familiares e in-
dividuais. Com os adolescentes é necessário refletir sobre a própria expressão sexual no 
futuro, por meio da reflexão sobre um projeto de namoro. Esse momento configura em 
um espaço próprio para os adolescentes colocarem suas dúvidas sobre namoro, sexo, 
formas de abordar uma pessoa que tem interesse e como cuidar e construir a relação 
afetivo-sexual.
Procedimento – Para o objetivo de reorganizar as famílias e construir novos projetos fa-
miliares, cada família andou sobre uma fita adesiva, a qual representava a linha do tem-
po. O início da linha representou o tempo atual e o fim da linha representou o tempo 
da família após 10 anos. Ao longo da caminhada pais, mães e filhos relataram desejos, 
projetos e expectativas a serem alcançados. Com os adolescentes, foi feito uma roda de 
conversa, onde os aspectos citados acima sobre namoro eram debatidos entre eles com 
a mediação dos terapeutas.
Potencialidades,�Limites�e�Desafios
O método do GM permite muitos avanços no atendimento a essa população, princi-
palmente no âmbito das instituições públicas. Mas, o mais importante, é que viabiliza 
uma necessidade amplamente apoiada por estudiosos dos adolescentes que cometeram 
ofensa sexual (Hengeller, Chapman, Borduin, Schewe & McCart, 2009; Marshall, 2001;

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