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SUSP E O ENFRENTAMENTO DA DESIGUALDADE RACIAL NO BRASIL 
 
 
 
 
0
nd 
 
 
SUSP E O ENFRENTAMENTO DA DESIGUALDADE RACIAL NO BRASIL 
 
 
 
 
1
Presidência da República 
Luiz Inácio Lula da Silva 
Ministério da Justiça e Segurança Pública 
Flávio Dino de Castro e Costa 
Secretaria Nacional de Segurança Pública 
Francisco Tadeu Barbosa de Alencar 
Diretoria de Ensino e Pesquisa 
Michele Gonçalves dos Ramos 
Coordenação-Geral de Ensino 
Ana Claudia Bernardes Vilarinho de Oliveira 
Coordenação Pedagógica 
Joyce Cristine da Silva Carvalho 
Coordenação de Ensino a Distância 
Renata Guilhões Barros Santos 
Gerente de Curso 
Raimundo Carlos Viana Mendes 
Conteudistas 
Ynaê Lopes dos Santos 
Thales Monteiro e Vieira 
Jalba Santiago dos Santos Segundo 
Revisão Técnica 
Givânia Maria Sila 
Lucilene Costa 
Revisão Pedagógica 
Evânia Santos Assunção Motta 
Revisão Textual 
Itamara Esteves da Cunha 
Programação e Edição 
Renato Antunes dos Santos 
Fábio Nevis dos Santos 
Designer 
Zulmiro José Machado Filho 
Design Instrucional 
Luana Manuella de Sales Mendes
 
 
SUMÁRIO 
APRESENTAÇÃO DO CURSO ................................................................................................... 3 
OBJETIVOS DO CURSO ............................................................................................................. 3 
ESTRUTURA DO CURSO ........................................................................................................... 4 
MÓDULO I – HISTÓRIA DO RACISMO E SUA RELAÇÃO COM O DESENVOLVIMENTO DO 
ESTADO BRASILEIRO ............................................................................................................... 5 
APRESENTAÇÃO DO MÓDULO ................................................................................................. 5 
OBJETIVOS DO MÓDULO .......................................................................................................... 5 
ESTRUTURA DO MÓDULO ......................................................................................................... 6 
AULA 1 – O CONCEITO DE RACISMO ESTRUTURAL ............................................................... 7 
AULA 2 – O PASSADO ESCRAVISTA E O HISTÓRICO DO RACISMO NO BRASIL ................ 19 
AULA 3 - O NASCIMENTO DA POLÍCIA MILITAR EM MEIO A UMA SOCIEDADE ESCRAVISTA 
E RACISTA. ............................................................................................................................... 31 
AULA 4 - RACISMO CIENTÍFICO E SUA CAPILARIDADE NO BRASIL: O NASCIMENTO DO 
MITO DA DEMOCRACIA RACIAL.............................................................................................. 40 
AULA 5 - O NASCIMENTO DA REPÚBLICA EXCLUDENTE ..................................................... 50 
FINALIZANDO............................................................................................................................ 59 
MÓDULO II – LETRAMENTO E SENSIBILIZAÇÃO ANTIRRACISTA ...................................... 60 
APRESENTAÇÃO DO MÓDULO ............................................................................................... 60 
OBJETIVOS DO MÓDULO ........................................................................................................ 60 
ESTRUTURA DO MÓDULO ....................................................................................................... 60 
AULA 1 – O MITO DA DEMOCRACIA RACIAL E SUAS IMPLICAÇÕES CONTEMPORÂNEAS 61 
AULA 2 – ESTIGMA, ESTEREÓTIPO E VIOLÊNCIA RACIAL ................................................... 66 
AULA 3 – BRANQUITUDE, BRANQUEAMENTO E AS HIERARQUIAS DE HUMANIDADE ...... 73 
AULA 4 - BRANQUITUDE E VIOLÊNCIA POLICIAL: REFLEXÕES SOBRE RACISMO 
ESTRUTURAL NO BRASIL........................................................................................................ 76 
AULA 5 – O ANTIRRACISMO COMO PRÁTICA ........................................................................ 84 
FINALIZANDO............................................................................................................................ 87 
MÓDULO III – SUSP E O ENFRENTAMENTO AO RACISMO .................................................. 88 
APRESENTAÇÃO DO MÓDULO ............................................................................................... 88 
OBJETIVOS DO MÓDULO ........................................................................................................ 88 
ESTRUTURA DO MÓDULO ....................................................................................................... 89 
AULA 1 – RACISMO SOB A PERSPECTIVA INSTITUCIONAL ................................................. 90 
AULA 2 – CURRÍCULO OCULTO ............................................................................................ 100 
AULA 3 – GESTÃO ANTIRRACISTA ....................................................................................... 103 
AULA 4 – RACISMO E O OPERADOR DO SUSP ................................................................... 110 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................................ 113 
 
 
 
SUSP E O ENFRENTAMENTO DA DESIGUALDADE RACIAL NO BRASIL 
 
 
 
 
3
 
APRESENTAÇÃO DO CURSO 
Caras alunas e caros alunos, 
Neste curso, iremos tratar de uma questão que é essencial para as ações dos 
órgãos de Segurança Pública do Brasil: o enfrentamento da desigualdade racial no 
país. 
Nossa ideia é entender um pouco melhor o que é o racismo, as implicações que 
ele tem na história e na sociedade brasileiras e, principalmente, como ele ainda pauta 
uma série de ações na área da segurança pública, para que possamos pavimentar 
uma transformação efetiva em prol de um país mais justo e igualitário. 
Esperamos que todos e todas tenham um bom curso! 
 
OBJETIVOS DO CURSO 
 
Objetivo geral 
Este curso tem, como objetivo, desenvolver, no profissional de segurança 
pública, a mentalidade de trabalho alicerçada nos princípios do Estado de Direito, no 
respeito aos direitos humanos, nas relações raciais, na consciência crítica e ética 
quanto à diversidade de nossa sociedade e numa atuação técnico-operacional, em 
estreito relacionamento com a comunidade, a fim de promover mudanças na cultura 
e na estrutura organizacionais. 
Objetivos específicos 
• reconhecer os aspectos históricos do racismo no Brasil; 
• distinguir o racismo estrutural do racismo institucional; 
• diferenciar os conceitos de estigma, de estereótipo e de violência racial; 
SUSP E O ENFRENTAMENTO DA DESIGUALDADE RACIAL NO BRASIL 
 
 
 
 
4
• entender os métodos de atuação policial para enfrentar o fenômeno da 
criminalidade e da violência em contextos de vulnerabilidade social, com 
destaque para os grupos étnico-raciais; 
• conhecer as implicações jurídicas de comportamentos racistas e do 
descumprimento da doutrina e da técnica na atuação do profissional do Susp; 
• discutir o racismo científico no Brasil e suas implicações na atuação do 
profissional do Susp. 
 
ESTRUTURA DO CURSO 
Este curso, de 40 horas, compreende os seguintes módulos: 
Módulo 1 - História das desigualdades e do racismo e sua relação com o 
desenvolvimento do Estado brasileiro; 
Módulo 2 - Letramento racial; 
Módulo 3 - Susp e o enfrentamento ao racismo. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
SUSP E O ENFRENTAMENTO DA DESIGUALDADE RACIAL NO BRASIL 
 
 
 
 
5
MÓDULO I – HISTÓRIA DO RACISMO E SUA RELAÇÃO COM O 
DESENVOLVIMENTO DO ESTADO BRASILEIRO 
 
APRESENTAÇÃO DO MÓDULO 
O enfrentamento da desigualdade racial é um ponto fundamental na construção 
de uma sociedade democrática. Todavia, para que esse enfrentamento aconteça, o 
ponto de partida deve estar no reconhecimento do caráter estrutural do racismo no 
Brasil e suas implicações e desdobramentos na Segurança Pública e nas ações 
policiais. Neste módulo, vamos aprofundar as definições sobre racismo estruturale 
realizar um sobrevoo crítico na história brasileira, a fim de entender como esse 
racismo foi um dos pilares de sustentação do Estado nacional e, consequentemente, 
na fundação e nas ações da polícia e demais forças de segurança do país. 
Acreditamos que o (re)conhecimento e a responsabilização são passos fundamentais 
no processo de transformação do qual este curso faz parte. 
 
OBJETIVOS DO MÓDULO 
Este módulo tem, por objetivos: 
 apresentar o conceito de racismo estrutural; 
 analisar o passado escravista e as consequências do racismo durante a 
vigência da escravidão e no primeiro século do pós-abolição e a ausência de 
políticas públicas para a inclusão da população negra brasileira na sociedade; 
 contextualizar, historicamente, a criação e o uso instrumental do Racismo 
como ferramenta de dominação, inclusive pelo Estado Nacional brasileiro e 
sua força policial. 
 
SUSP E O ENFRENTAMENTO DA DESIGUALDADE RACIAL NO BRASIL 
 
 
 
 
6
ESTRUTURA DO MÓDULO 
Este módulo compreende as seguintes aulas: 
Aula 1 - O conceito de racismo estrutural; 
Aula 2 - O passado escravista e o histórico do racismo no Brasil; 
Aula 3 - O nascimento da polícia militar em meio a uma sociedade escravista; 
Aula 4 - O racismo científico e sua capilaridade no Brasil: o nascimento do mito 
da democracia racial; 
Aula 5 - O nascimento da República excludente e a criminalização do negro. 
 
 
SUSP E O ENFRENTAMENTO DA DESIGUALDADE RACIAL NO BRASIL 
 
 
 
 
7
AULA 1 – O CONCEITO DE RACISMO ESTRUTURAL 
 
Um curso que pretende reconhecer e combater a desigualdade racial no Brasil 
precisa começar pela constatação do óbvio: o Brasil é um país racista. 
Existe uma diferença fundamental entre dizer que o Brasil é um país de 
racistas e em afirmar que o Brasil é um país racista. Enquanto, no primeiro 
caso, o racismo pode aparecer como um problema de outro - que, muitas vezes, 
podemos entender como algo distante de nós, no segundo caso há uma 
implicação coletiva, que pressupõe que o racismo é algo experimentado pela 
totalidade da população brasileira - mesmo que de formas diferentes. Essa 
última perspectiva é conhecida como racismo estrutural. 
 
Esse conceito é uma perspectiva analítica que defende que o racismo estrutura 
as relações políticas, econômicas, sociais e culturais da modernidade das quais o 
Brasil faz parte. Dito de outra forma, o racismo organiza a sociedade brasileira. 
Nesta aula, iremos analisar, com mais cuidado, o que é o racismo estrutural, 
reforçando, assim, uma afirmação que deve atravessar todo o curso: o Brasil foi, e 
continua sendo, um país racista. E, para que isso mude, ações de diferentes naturezas 
devem ser tomadas. A reeducação é uma delas. 
Mas, afinal de contas, o que é, de fato, o racismo estrutural? 
No Brasil, durante muito tempo, o racismo foi entendido como um conjunto de 
práticas discriminatórias e/ou excludentes que tinham como base o preconceito racial, 
ou o preconceito de cor. Sendo assim, o racismo era entendido a partir de ações 
individuais contra indivíduos pertencentes a grupos raciais específicos. Tais ações 
poderiam variar desde as “piadas de mau gosto”, passando para ações mais violentas, 
como xingamentos com teor racista (basta lembrarmos os episódios que diferentes 
jogadores negros de futebol experimentaram nos últimos anos), e chegando à 
interdição efetiva de pessoas negras, quilombolas, mestiças e indígenas em espaços 
de representação e de poder, assim como de acesso aos bens sociais, como saúde, 
educação, moradia e trabalho digno; e às ações de violência física mais extrema, que 
SUSP E O ENFRENTAMENTO DA DESIGUALDADE RACIAL NO BRASIL 
 
 
 
 
8
ocasionam mortes biológicas, culturais, psicológicas, que podem afetar as pessoas 
vítimas de racismo. 
Pois bem, essa é apenas a ponta do iceberg, a parte facilmente visível do racismo. 
E, como veremos ao longo deste módulo do curso, acreditar que, no Brasil, o racismo 
se restringe apenas a essas ações individuais foi uma ideia muito bem construída, 
com o intuito de mascarar a força e a dimensão estrutural que ele teve, e continua 
tendo, em nossa sociedade. 
Um dos maiores argumentos daqueles que defendiam a ideia de que o Brasil era 
um país no qual o racismo não era um problema de grandes dimensões estava na 
comparação entre a sociedade brasileira e a sociedade estadunidense. Como nos 
Estados Unidos existiram leis segregacionistas - conhecidas como as leis Jim Crow, 
algo que não ocorreu no Brasil, se difundiu uma ideia equivocada de que, no Brasil, o 
racismo seria mais brando e pontual. No entanto, é fundamental sublinhar que a 
ausência de leis abertamente segregacionistas não significa ausência de racismo. O 
que vamos ver aqui é que o Estado Nacional brasileiro e boa parte da elite do país 
criaram diferentes tipos de dispositivos (inclusive legais) para garantir a segregação 
racial como um elemento ordenador da nação, sem que isso ficasse explicitado. É 
neste ponto que reside a grande diferença entre a experiência estadunidense e a 
brasileira. Lá, o racismo é algo reconhecido; aqui, no Brasil, ainda existe uma espécie 
de grande véu que encobre as profundezas do nosso racismo. Nosso objetivo aqui é 
tirar esse véu. 
Antes de adentrarmos nas explicações mais conceituais do que é o racismo 
estrutural, gostaria que pensássemos em duas situações recentes na sociedade 
brasileira. Na primeira delas, peço que vocês observem, com atenção, as duas 
fotografias abaixo. Ambas foram tiradas no ano de 2015, no Rio de Janeiro, uma 
cidade na qual a população autodeclarada negra girava em torno de 50% na época. 
 
 
 
 
SUSP E O ENFRENTAMENTO DA DESIGUALDADE RACIAL NO BRASIL 
 
 
 
 
9
Figura 1 - Contraste racial e social em duas imagens 
 
 Fonte: Mídia Ninja, 2015. 
Disponível em: 
https://www.facebook.com/MidiaNINJA/photos/a.164308700393950/1022446454580166/ 
 
A primeira fotografia é dos formandos de medicina da UFRJ - Universidade 
Federal do Rio de Janeiro. Já a segunda foto registra os garis da mesma cidade, que 
participavam de um movimento grevista por melhores salários. O que essas imagens 
informam sobre o racismo no Brasil? 
No caso dos formandos de medicina - um dos cursos superiores mais elitistas do 
país, vemos um grupo de, aproximadamente, 40 pessoas, no qual é possível contar a 
presença de duas pessoas negras. Já a imagem dos garis - uma atividade essencial 
para o funcionamento da cidade, porém pouco valorizada e mal remunerada -, o que 
observamos é uma imensidão de homens negros. Lidas em conjunto, essas imagens 
SUSP E O ENFRENTAMENTO DA DESIGUALDADE RACIAL NO BRASIL 
 
 
 
 
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ilustram o que é o racismo estrutural e a segregação social e racial que ele gera no 
Brasil. Enquanto uma das atividades mais prestigiosas do país é ocupada quase que 
exclusivamente por pessoas brancas, há uma predominância significativa de pessoas 
negras numa atividade enquadrada como inferior ou menos qualificada. Além disso, 
eis o que também é estarrecedor: essas imagens não causam nenhum espanto no 
Brasil, porque nós fomos treinados a entender como normal que pessoas brancas 
estejam em lugares de prestígio, enquanto pessoas negras se restringem à 
subalternidade. 
Muitos podem afirmar que não se trata de um problema racial, mas social, uma 
vez que as fotos retratam pessoas de classes sociais distintas. Sim, isso é verdade, 
mas, no Brasil, a questão racial ordena as classes sociais. Então, para que isso fique 
evidenciado, convido todos e todas a examinarem, com calma, o gráfico abaixo: 
Gráfico 1: Evolução salarial por grau de instrução (2014) 
 
Fonte: RAIS, 2014. Disponível em: <<https://exame.com/wp-
content/uploads/2016/09/size_810_16_9_grafico_negros1.jpg?quality=70&strip=all?quality=70&strip=all&strip
=all>> 
Esse gráfico demonstra que, mesmo dentro da mesma classe social, ainda existeuma disparidade salarial entre a população negra e branca - uma realidade que 
aparece em meio à população mais pobre, e que vai se tornando cada vez mais 
acentuada à medida que o recorte socioeconômico se torna mais alto. Quanto mais 
rica é a classe social, maior a diferença salarial entre negros e brancos (mesmo 
SUSP E O ENFRENTAMENTO DA DESIGUALDADE RACIAL NO BRASIL 
 
 
 
 
11
quando ambos têm instrução superior). Que outra razão poderia explicar essa 
disparidade senão o racismo? 
A segunda situação que gostaria de tratar aqui diz respeito, diretamente, ao tema 
do nosso curso: a segurança pública no Brasil. 
Gráfico 2: População negra e negros mortos pela polícia em 2020 (%) 
 
Fonte: Rede de Observatórios de Segurança (2020). 
Disponível em: <<https://cesecseguranca.com.br/reportagens/estudo-diz-que-86-dos-mortos-em-acoes-
policiais-no-rj-sao-negros-apesar-de-grupo-representar-517-da-
populacao/#:~:text=A%20popula%C3%A7%C3%A3o%20negra%20no%20RJ,de%20mortes%2C%20com%2
0415%20registros>> 
 
Em 2020, a Rede de Observatórios de Segurança mapeou, por meio de pesquisa, 
a violência policial em seis estados brasileiros. Em todos eles, observou-se que a 
porcentagem de pessoas negras mortas em ações policiais é significativamente maior 
que o percentual da população negra em cada um dos estados. Como explicar o 
porquê de negros e negras serem os maiores alvos de letalidade da polícia brasileira? 
Antes que a resposta se restrinja a uma explicação socioeconômica, pontuando 
que a população negra é mais pobre e, consequentemente, mora em mais áreas de 
risco, é importante frisar que o gráfico 2 demonstra uma discrepância significativa 
entre o percentual de mortos e o percentual da população negra nos estados Se o 
racismo não fosse um fator influenciador das ações policiais, o máximo que 
SUSP E O ENFRENTAMENTO DA DESIGUALDADE RACIAL NO BRASIL 
 
 
 
 
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observaríamos seria uma equivalência entre o percentual da população negra e o 
percentual de pessoas mortas nas ações policiais. E ainda há o outro lado da moeda: 
as mesmas ações policiais que acarretam maior letalidade da população negra 
também matam mais policiais negros do que brancos, mesmo quando a porcentagem 
de efetivos negros é menor. Ou seja, independente de que lado estejamos tratando, 
o resultado é o mesmo: pessoas negras morrem numa proporção muito maior em 
circunstâncias mais críticas, que envolvem a garantia da segurança (e o bem-estar) 
dos cidadãos brasileiros. 
Essas duas situações foram trazidas para ajudar a sedimentar o conceito de 
racismo estrutural, mas poderíamos ter analisado outros aspectos da sociedade 
brasileira, como a superlotação dos presídios, a pouca representatividade negra nas 
novelas e demais veículos do audiovisual brasileiro, ou até mesmo o menor grau de 
escolaridade da população negra, quando comparada com a população branca. 
Mas é preciso sublinhar que os dados trazidos aqui, a título de exemplo, 
demonstram que a) brancos ocupam espaços de privilégio; b) negros são a maioria 
em serviços considerados subalternos; c) dentre a mesma classe social, brancos 
ganham mais do que negros; d) as ações da polícia brasileira acarretam uma 
letalidade significativamente maior da população negra (tanto entre os civis, como 
entre os policiais mortos). Talvez, um dos aspectos mais perversos em tudo o que foi 
elencado acima é este: nós não vemos nenhum problema em nenhuma das 
observações levantadas, porque todas fazem parte da nossa “normalidade”. Vale 
destacar que, entre “as mortes normais ou por balas perdidas”, além de serem 
majoritariamente negras, muitas delas são crianças e adolescentes, que, por vezes, 
são alvejadas no interior de suas casas e escolas. 
 
Uma maneira simples de explicar o que é racismo estrutural seria exatamente essa: a 
normalidade com a qual encaramos e experimentamos as diferenças raciais no Brasil, como 
se fosse “natural” que negros que concluíram o Ensino Superior ganhem menos do que seus 
colegas brancos de profissão; ou então que seja quase banal o fato de que a população 
negra segue sendo desproporcionalmente atingida por ações violentas das forças de 
segurança. 
Na Prática 
SUSP E O ENFRENTAMENTO DA DESIGUALDADE RACIAL NO BRASIL 
 
 
 
 
13
A questão é que essa aparente normalidade não existe na natureza, não faz 
parte do “ar que respiramos”. Ela é fruto da construção de um sistema de poder 
que tem uma história longa, de raízes profundas. Esse sistema de poder é o que 
chamamos de racismo. 
Sendo assim, uma das formas mais eficientes de entender a dimensão estrutural 
do racismo é justamente entendê-lo como um sistema de poder. Essa é uma 
percepção fundamental, porque permite que tenhamos uma compreensão mais densa 
do que ele é e de como ele funciona. No Brasil, é comum que o preconceito racial, 
quando reconhecido, seja tratado como um “problema do negro”. Existem estudos de 
diferentes áreas do conhecimento que tentam compreender como o racismo impacta 
a vida da população negra. Embora essa seja uma dimensão importante, pois negros 
e negras são as vítimas do racismo, é crucial perguntarmos: qual a implicância que a 
população branca tem numa sociedade racista? Ou melhor dito: quais as 
responsabilidades e os privilégios que as pessoas brancas têm numa sociedade 
racista? Se olharmos para o Congresso Nacional brasileiro, as Supremas Cortes, os 
tomadores de decisões em relação aos destinos de nosso país, as camadas mais 
favorecidas e o mundo empresarial, não demoramos para encontrar a resposta. 
É possível que poucas pessoas (sobretudo brancas) já tenham feito a si mesmas 
esse tipo de pergunta. Além disso, a ausência de um questionamento que implique a 
população branca na lógica racista é, nada mais, nada menos, do que o racismo em 
pleno funcionamento. No entanto, se formos seguir um pensamento lógico, vamos nos 
deparar com a seguinte encruzilhada: se pessoas negras, mestiças e indígenas e 
quilombolas são vítimas das mais variadas formas de violência, alguém é racialmente 
violento com elas. Então, voltando à afirmação que abriu essa aula, nós somos uma 
sociedade racista, porque somos uma sociedade de pessoas racistas. 
Reconhecer e entender que a população branca faz parte da dinâmica de 
funcionamento do racismo é o ponto de partida para compreender que o 
racismo estrutural é um sistema de poder. 
 
SUSP E O ENFRENTAMENTO DA DESIGUALDADE RACIAL NO BRASIL 
 
 
 
 
14
Esse sistema tem como premissa o fato (irreal) de que a humanidade está dividida 
em raças. Por muito tempo, acreditou-se que essas eram biologicamente diferentes, 
e essas crenças foram cruciais na organização de uma sociedade, que tomava as 
características fenotípicas como atributos para hierarquizar as experiências humanas. 
Foram construídos estereótipos negativos sobre a população negra baseadas em 
traços físicos, capacidade intelectual, moralidade e cultura, tornando-os bases para 
inferioridade, definindo, assim, que existiam alguns tipos de vidas humanas que eram 
superiores a outros tipos. Ou seja, existiam umas que importavam mais do que outras. 
Embora, desde o começo do século XX, a ciência já tenha comprovado que raças 
humanas não existem, o conceito de raça continuou fazendo sentido para entender e 
explicar a organização social, política, econômica e cultural do mundo. 
Se estamos tratando o racismo como um sistema de poder, isso significa dizer 
que, nesse sistema, existem pessoas que detêm poder, enquanto outras, não. A 
questão central é que esse preconceito determina que as pessoas que detêm o poder 
sejam as pessoas brancas, enquanto todos os demais grupos não-brancos ficam à 
margem dos espaços de poder e prestígio. Desse modo, existe uma ideia de 
supremacia branca que embasa todo esse sistema: brancos detêm o poder porque 
são considerados - e se consideram - superiores aos demais. E, neste caso,não 
estamos falando apenas do poder político e econômico, mas também do poder 
simbólico que a pele branca tem, como se o fato de ter nascido branco garantisse uma 
série de vantagens (que também são chamadas de privilégios), que nem o homem 
negro mais rico poderá alcançar. 
Para ajudar na compreensão da complexa trama do racismo, é interessante 
dialogar com pensadores que estão analisando essa questão há muito tempo. Um 
importante nome nos estudos sobre racismo é o do sociólogo jamaicano Charles W. 
Mills. Ele desenvolveu uma teoria na qual defende que, desde o século XV, a 
humanidade vive sob um pacto racial. Esse tem como base o princípio da supremacia 
branca (também conhecido como branquitude). No entanto - e aí temos a “jogada de 
mestre” deste pacto -, o princípio dessa supremacia não é revelado, ele se camufla 
na ideia de universalismo. Dito de outra forma, tudo o que é considerado universal 
está diretamente ligado à experiência branca e eurocentrada, enquanto todo o 
restante da humanidade é racializado e entendido como minoria social. 
Palavra do 
SUSP E O ENFRENTAMENTO DA DESIGUALDADE RACIAL NO BRASIL 
 
 
 
 
15
Um exemplo fácil que comprova esse aspecto do contrato racial está no fato de 
não nos referirmos às pessoas brancas como pessoas brancas; na lógica do racismo, 
essas são apenas pessoas. Mas, quando estou me referindo a um sujeito não-branco, 
a sua condição racial é rapidamente acionada. Isso acontece em situações do nosso 
dia a dia, quando descrevemos ou nos referimos a alguém, ou quando, na escola, 
aprendemos a história da Europa como se ela fosse a história universal (e, 
consequentemente, a mais importante). 
Esse sistema nos faz crer que tudo que advém da Europa, por ser universal, 
abarca toda a existência humana. Um exemplo clássico disso é o pouco (ou quase 
nada) que estudamos nas nossas trajetórias escolares sobre os demais continentes. 
O africano, por exemplo, da forma como é apresentado nos livros didáticos, nos leva 
a construir uma ideia de país, e não de um continente com diversos países, cultura, 
idiomas, economias, biomas, organizações sociais e políticas diferentes. Para falar do 
continente africano, o foco sempre se volta para as guerras, a fome e a miséria. 
Essa percepção ordena todas as dimensões do nosso cotidiano, fazendo com 
que, desde muito cedo, nós sejamos ensinados a naturalizar os privilégios que o 
racismo cria para todas as pessoas brancas, mesmo aquelas que não 
necessariamente concordem com a existência desses privilégios. Além de uma gama 
enorme de vantagens materiais que o racismo cria para a população branca, há, 
também, o enorme benefício dessa população não se pensar de forma racializada. 
Não por acaso, frases, como “eu não vejo cor, só vejo pessoas”, são comumente 
ditas por pessoas brancas quando confrontadas em alguma situação na qual a 
discriminação racial fica explícita. Pois bem, em meio ao contrato racial que nos 
organiza, apenas as pessoas brancas têm o luxo de não enxergarem a cor de sua 
pele como um atributo que define grande parte de suas vidas. Isso significa que essas 
não sofram, não passem dificuldades e não sejam marginalizadas? De forma alguma, 
mas é importante pontuar que, mesmo as dores e dificuldades que pessoas brancas 
passam, não são, em grande medida, definidas pela cor de sua pele. 
É importante reconhecer os privilégios que o racismo cria para a população 
branca para que possamos compreender outros dois conceitos problemáticos, 
que costumam ser muito evocados quando o assunto é racismo: meritocracia 
e racismo-reverso. 
SUSP E O ENFRENTAMENTO DA DESIGUALDADE RACIAL NO BRASIL 
 
 
 
 
16
A meritocracia é um conceito falho, pois ele parte do pressuposto simplista 
que basta o esforço pessoal de um indivíduo para que ele consiga sucesso na 
vida. Se esse princípio estivesse correto, nossa segunda conclusão seria que, 
salvo raras exceções, no Brasil apenas pessoas brancas seriam esforçadas, pois 
a experiência de sucesso costuma ser branca. Na realidade, a própria ideia de 
merecimento está diretamente vinculada à vida de pessoas brancas. Ainda que o 
esforço pessoal seja uma característica importante na trajetória de um indivíduo, 
o alcance dele está diretamente ligado à sua pertença racial. Como vivemos em 
uma sociedade profundamente desigual, uma pessoa pobre e preta terá que se 
esforçar mais do que uma pessoa branca de classe média - e mesmo esse esforço 
hercúleo não garante que o sucesso desejado seja alcançado. Claro que existem 
exceções, mas, como diz o ditado popular, “são as exceções que confirmam a 
regra”. 
Racismo-reverso também é um conceito falho, porque ele pressupõe a 
possibilidade de uma pessoa negra ser racista e uma pessoa branca sofrer racismo. 
Acontece que ser racista significa estar num espaço de poder e de privilégio que as 
pessoas negras têm mais dificuldade de alcançar, justamente por serem o que são: 
pessoas negras. Embora algumas possam compactuar com práticas racistas, elas não 
podem o ser, porque isso significa exercer um poder que lhes foi negado a priori, não 
importando o quanto ricas/famosas essas pessoas negras possam vir a ser. 
É crucial apontar que esse caráter estrutural do racismo também fundamenta a 
organização e o funcionamento do Estado. Como dito por Charles Mills, 
 
 
 “o contrato racial estabelece um regime político racial, um Estado racial e um 
sistema jurídico racial nos quais o status de brancos e não-brancos está claramente 
demarcado, seja por lei, seja por costume.” (MILLS, 2023, p. 46). 
 
 
SUSP E O ENFRENTAMENTO DA DESIGUALDADE RACIAL NO BRASIL 
 
 
 
 
17
Ou seja, o contrato racial que funda o sistema de poder, que é o racismo, também 
define que as instituições sejam racistas - não um aberto e declarado que costuma 
aparecer em situações de governos mais autoritários e extremistas, mas por meio de 
leis e costumes que entendem as desigualdades existentes entre brancos, negros e 
indígenas como atributos naturais da experiência humana. Um exemplo bem 
elucidativo é o fato de, no Brasil, termos pouquíssimos presidentes de empresas 
negros, e isso não ser um problema ou fator de indignação. 
Como explicar que, num país no qual 56% da população se autodeclara negra, 
nem 10% dos maiores empresários sejam negros? Será que eles não se esforçam o 
suficiente, ou será que apesar dos esforços, há um sistema que impede ou limita as 
possibilidades de ascensão social de um homem e de uma mulher negra? Outro 
exemplo pode ser atestado pela baixa representatividade negra no Congresso 
Nacional. É complexo encontrar outra resposta que nos mostre o porquê de, num país 
que tem mais da metade da população autodeclarada negra, apenas 20% dos 
parlamentares sejam negros, que não o racismo. 
É curioso que a mesma naturalidade com a qual vemos espaços de poder e 
privilégio como atributos quase exclusivos da população branca também é acionada 
quando nos deparamos, por exemplo, com os dados da Justiça, ou então os índices 
da Segurança Pública brasileira. Não há nenhuma perplexidade quando observamos 
sentenças expedidas pelo poder Judiciário, que definem penas distintas para pessoas 
negras e brancas que cometeram o mesmo crime, ou, então, que membros desse 
mesmo Judiciário façam uso de teorias abertamente racistas (como a antropologia 
criminal) para determinar a culpa de um réu negro. Também, parece não haver 
incomodo algum quando nos deparamos com os dados de letalidade nas ações 
policiais citados acima: negros sempre foram mais mortos pela polícia, não é mesmo? 
Um outro exemplo elucidativo pode ser visto na pesquisa realizada pela 
Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Quilombolas do Brasil e pela 
ONG Terra de Direitos em 2018. Ela não só revela o alto índice de assassinatos de 
pessoas quilombolas, mas também demonstra que o sistema de justiça não fez quase 
nenhummovimento que gerasse algum tipo de punição. Esses dados estão disponível 
em: http://conaq.org.br/noticias/a-publicacao-racismo-e-violencia-contra-quilombos-
no-brasil-esta-disponivel-para-download/ 
SUSP E O ENFRENTAMENTO DA DESIGUALDADE RACIAL NO BRASIL 
 
 
 
 
18
 
Como foi dito no começo desta aula, a violência endêmica das forças 
policiais contra as pessoas negras e indígenas do país é a ponta de um iceberg, 
que nada mais é do que nosso racismo estrutural. Mas essa ponta também é 
parte do problema, e deve ser bem estudada. 
 
Este curso é uma das medidas necessárias para que comecemos a (re)conhecer 
o caráter estrutural do racismo no Brasil e, a partir de então, elaborarmos ações e 
políticas públicas que coloquem em xeque a ordem racista que nos estrutura. O 
preconceito racial é uma das principais engrenagens da sociedade brasileira. Assim, 
como bem disse a advogada e professora Thula Pires, é fundamental que coloquemos 
pedras para interromper o funcionamento dessas engrenagens. Há séculos, negros e 
indígenas vêm sendo as pedras massacradas pelas máquinas do racismo, mesmo 
porque não tenha havido, e ainda haja, muita escolha para essas populações. Desse 
modo, quem se compromete com a luta pelo fim da desigualdade racial está se 
propondo a ser pedra também. Essa é uma escolha que causará incômodos, dores, 
angústias, mas é a única forma de mudarmos a estrutura racial que temos. 
Nas próximas aulas deste módulo, iremos fazer um passeio sobre a história do 
Brasil, em meio a uma perspectiva crítica, para que possamos entender como e por 
que a Segurança Pública brasileira foi, e continua sendo, ordenada pelo racismo. 
Imaginamos que esse possa ser um bom começo para as mudanças necessárias. 
 
 
 
 
 
 
Na Prática 
SUSP E O ENFRENTAMENTO DA DESIGUALDADE RACIAL NO BRASIL 
 
 
 
 
19
AULA 2 – O PASSADO ESCRAVISTA E O HISTÓRICO DO RACISMO 
NO BRASIL 
Pensar na trajetória histórica do racismo estrutural no Brasil significa um recuo 
imenso. É possível, inclusive, afirmar que não há história do Brasil sem racismo, 
sobretudo se estivermos pensando na Constituição e nas amarras do pacto racial do 
qual nos fala Charles Mills (conforme visto na Aula 1). Além disso, há uma instituição 
da história brasileira (uma das mais longevas) que nos ajuda a compreender a 
estruturação que o racismo desempenhou no Brasil, essa instituição é a escravidão. 
Entender o racismo estrutural de hoje significa compreender a Constituição e a 
vigência da supremacia branca, que, por sua vez, deita suas raízes no passado 
escravista. Acontece que essa relação causal é pouco evidenciada. Assim como o 
racismo, a escravidão costuma ser pensada e trabalhada como um problema do 
negro, como um fato histórico que se encerrou com a falha “abolição”, tendo em vista 
que somente as pessoas negras (e também as indígenas) eram passíveis de serem 
escravizadas. No entanto, uma sociedade de escravizados também é uma sociedade 
de senhores de escravos, e pouco, ou nada, se fala sobre essa dimensão da nossa 
história e do impacto que ela tem nos dias atuais. Esse é mais um dos silêncios que 
constitui a história brasileira. 
Mas, como bem colocado por Cida Bento: 
 
“É urgente fazer falar o silêncio, refletir e debater essa herança 
marcada por expropriação, violência e brutalidade para não 
condenarmos a sociedade a repetir indefinidamente atos anti-
humanitários similares. Trata-se de uma herança inscrita na 
subjetividade do coletivo, mas que não é reconhecida 
publicamente. O herdeiro branco se identifica com outros herdeiros 
brancos e se beneficia dessa herança, seja concreta, seja 
simbolicamente.” (BENTO, 2022, p.24). 
 
SUSP E O ENFRENTAMENTO DA DESIGUALDADE RACIAL NO BRASIL 
 
 
 
 
20
Nesta aula, nós iremos entender um pouco melhor como a escravidão se 
constituiu em uma herança perversa que ajudou a determinar privilégios e poderes do 
Brasil racista. 
Em primeiro lugar é fundamental pontuar que a escravidão é uma instituição que 
existiu em diferentes momentos e diferentes partes da história da humanidade. Em 
segundo lugar, precisamos sublinhar que existem sociedades que têm escravizados 
e as sociedades escravistas. As primeiras são aquelas que não dependem da mão de 
obra escravizada para funcionar – podemos tomar como exemplo o Brasil atual, no 
qual nos deparamos com inúmeras situações de trabalhadores em condições 
análogas à escravidão, mas o trabalho livre e assalariado é a norma. Já as sociedades 
escravistas são aquelas que dependem do trabalho escravo. Conhecemos o exemplo 
do Império Romano e da escravidão moderna que foi empregada na colonização das 
Américas. 
Uma diferença fundamental entre a escravidão romana e a moderna é o fato de a 
segunda ter sido racializada. Ou seja, apenas pessoas de determinados grupos raciais 
poderiam ser escravizados. Essa condição tem reflexo até hoje, marcando as relações 
modernas de trabalho, as quais definem quem são os trabalhadores e as 
trabalhadoras urbanos(as) e rurais que podem usufruir de direitos constitucionais ou 
não. Em meio à construção do racismo estrutural, a escravidão racializada foi um dos 
primeiros privilégios usufruídos pela população branca: eles não poderiam ser 
escravizados. Isso significa que todos os negros e indígenas eram escravizados? Não. 
Mas, além de todos eles estarem sujeitos a essa condição, a escravidão também se 
tornou uma espécie de mancha, de mácula que acompanhou a vida de todos os 
homens e todas as mulheres negros, negras, indígenas e quilombolas. Uma dor que 
nem a Abolição da escravidão foi capaz de dissolver, inclusive pelo seu caráter 
ilusório. 
Pois bem, assim como em outras localidades do continente americano, a 
escravidão foi uma instituição que organizou e dinamizou a colonização portuguesa 
na América. 
Como bem se sabe, quando os portugueses chegaram ao território que hoje 
chamamos de Brasil, em 1500, essa era uma terra densamente habitada por milhares 
SUSP E O ENFRENTAMENTO DA DESIGUALDADE RACIAL NO BRASIL 
 
 
 
 
21
de povos indígenas. Os primeiros anos da colonização foram marcados por uma 
ocupação incipiente do território, fazendo com que a presença portuguesa não 
passasse de iniciativas individuais e privadas. A transformação na situação ocorreu 
de maneira abrupta a partir da metade da década de 1530. Isso se deveu a uma 
combinação de fatores, incluindo os reveses enfrentados pelos portugueses em suas 
empreitadas nas rotas do Índico e as investidas de outras potências europeias que 
buscavam conquistar o novo território. 
Em 1534, após a expedição liderada por Martim Afonso de Souza, o rei 
português Dom João III, apelidado de "O Colonizador", empreendeu sua primeira 
tentativa de organizar a posse americana, introduzindo o sistema de capitanias 
hereditárias. No entanto, diante dos resultados insatisfatórios desse modelo, o 
rei instituiu, em 1548, o Governo Geral, uma estrutura administrativa portuguesa 
voltada para a centralização do poder e a implementação de mecanismos para 
fortalecer e estimular a administração colonial. 
Do ponto de vista econômico, a colonização das Américas se tornou uma 
empreitada extremamente atraente e rentável para a Coroa portuguesa, graças ao 
advento do açúcar e ao complexo sistema econômico que girava em torno dele. O 
cultivo do açúcar nos engenhos das capitanias do Nordeste resultou em uma dinâmica 
econômica que, posteriormente, serviria como modelo em outras colônias 
americanas, caracterizada pela produção em larga escala de um único produto 
tropical, sendo a mão de obra formada predominantemente por africanos 
escravizados e seus descendentes. 
Por muito tempo, a história inicial do Brasil foi marcada por uma abordagem 
superficial e preconceituosa, especialmente em relação à mudança na força de 
trabalho explorada pelos portugueses. Gerações de brasileiros aprenderam, nas 
escolas,que a substituição da mão de obra indígena era justificada pela alegada 
aversão dos nativos ao trabalho árduo em contraposição à suposta superioridade 
física dos africanos. Essas visões, de teor marcadamente racista, perpetuaram a ideia 
errônea de que os indígenas eram preguiçosos, enquanto os africanos eram 
considerados "animais de carga", destinados a realizar trabalhos pesados. 
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22
Embora os africanos tenham desempenhado um papel essencial na produção de 
açúcar, foram os indígenas escravizados que compuseram a mão de obra inicial dos 
primeiros engenhos, entre os anos de 1550 e 1580. Nas décadas seguintes, era 
comum observar indígenas e africanos trabalhando lado a lado nesses ambientes. 
Apesar de o tráfico transatlântico já ter sido iniciado pelos portugueses, a sua 
organização e sistematização nas Américas portuguesas demoraram algumas 
décadas para se consolidarem. Nesse meio-tempo, os africanos escravizados eram 
significativamente mais caros que os indígenas escravizados, o que explicava a 
manutenção sistemática da escravidão de sociedades indígenas até os primeiros anos 
do século XVII. 
É importante pontuar que a substituição sistêmica de indígenas escravizados por 
africanos nas mesmas condições contou com o forte apoio e a legitimação da Igreja 
Católica. Antes mesmo dos portugueses chegarem ao que hoje chamamos de Brasil, 
essa já havia dado permissão para que os reis lusitanos escravizassem africanos. Em 
1455, o papa Nicolau V publicou uma bula papal dirigida ao rei português D. Afonso 
V, definindo que: 
 
“Guinéus e negros tomados pela força, outros legitimamente 
adquiridos foram trazidos ao reino, o que esperamos progrida até a 
conversão do povo ou ao menos de muitos mais. Por isso nós, tudo 
pensando com devida ponderação concedemos ao dito rei Afonso a 
plena e livre faculdade, entre outras, de invadir, conquistar, subjugar a 
quaisquer sarracenos e pagãos, inimigos de Cristo, suas terras e bens, 
a todos reduzir à servidão e tudo praticar em utilidade própria e dos 
seus aos mesmos D. Afonso e seus sucessores, e ao infante. Se 
alguém, indivíduo ou colectividade, infringir essas determinações, seja 
excomungado.” 
 
As justificativas para a escravização dos africanos e de seus descendentes foi 
encontrada a partir da leitura de determinadas passagens do Antigo Testamento, 
sobretudo as histórias vinculadas a Caim e a Cam. Em ambos os casos, os africanos 
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eram punidos pelos pecados cometidos por seus antepassados, e a punição residia 
justamente no fato de eles serem negros. 
Ainda que fossem entendidos como sociedades inferiores, os indígenas ocuparam 
outro lugar dentro da lógica católica. Vistos como pagãos, aos indígenas foi concedida 
a “dádiva” da catequese, um processo de aprendizagem que impunha os valores 
cristãos e europeus para sociedades nativas. Aqueles que se recusassem à 
catequese poderiam (e deveriam) ser escravizados. 
Como o Brasil era uma colônia de dimensões continentais, o que se observou foi 
que, a partir de meados do século XVII, africanos escravizados passaram a trabalhar 
em atividades vinculadas ao mercado externo, e a presença de indígenas 
escravizados era mais frequente em espaços destinado à economia interna da 
colônia, mas, muitas vezes, esse padrão foi alterado. De todo modo, o que tivemos, 
ao longo da experiência colonial, foi a confirmação reiterada de um dos primeiros 
pressupostos do racismo científico: o fato de que apenas os grupos racializados eram 
passíveis de serem escravizados. 
O modelo de produção de açúcar em plantations, que se tornou característico, só 
foi plenamente estabelecido a partir das primeiras décadas do século XVII. No entanto, 
a escravização dos indígenas não foi totalmente abolida, e o tráfico de africanos 
escravizados continuou a crescer, principalmente nas plantations, resultando em 
lucros dobrados para a metrópole portuguesa. E, agora, é fundamental abrir um 
subcapítulo para tratar do tráfico transatlântico de africanos escravizados. O infame 
comércio (como era chamado) pode ser entendido como o ciclo econômico de ampla 
envergadura e longa duração, impactando, significativamente, o desenvolvimento da 
América portuguesa e, depois de 1822, do Brasil. 
No entanto, havia outro fator a ser levado em consideração: o tráfico transatlântico 
de africanos escravizados era uma atividade altamente lucrativa. A rentabilidade do 
tráfico é um ponto fundamental na compreensão do porquê a escravidão africana ter 
sido amplamente difundida no Brasil. Esse mercado foi um dos maiores e mais 
nefastos crimes contra a humanidade. Sua lógica estava organizada a partir de um 
processo de desumanização sistemático das sociedades africanas que, conforme 
visto acima, eram entendidas como inferiores aos europeus. A compra e venda de 
SUSP E O ENFRENTAMENTO DA DESIGUALDADE RACIAL NO BRASIL 
 
 
 
 
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africanos escravizados tornou-se uma das empresas mais lucrativas de todo o mundo, 
viabilizando a) criação de fortunas, b) acumulação primitiva de capital, c) 
financeirização da economia mundial e surgimentos de bancos. Durante 200 anos, 
nada dava mais dinheiro no mundo do que comprar e vender gente negra. 
A dinâmica do tráfico começava com o sequestro de homens, mulheres e crianças 
em diferentes partes do continente. Essas pessoas eram levadas para cidades 
litorâneas nas quais existiam portos de embarque, e ficavam presas em barracões por 
semanas, ou até mesmo meses, vivendo em condições insalubres e mal alimentadas 
– o que levava muitas dessas pessoas à morte. O embarque nos navios negreiros era 
o momento mais traumático do processo. Em primeiro lugar, porque muitos africanos 
e muitas africanas não sabiam o que existia do outro lado do Oceano (em algumas 
sociedades africanas, imaginava-se que o Atlântico fosse um extenso rio que dividia 
o mundo dos vivos para o mundo dos mortos). Em segundo lugar, porque a entrada 
no navio negreiro era uma espécie de morte em vida: as pessoas se despediam de 
um território que conheciam para serem escravizadas num lugar completamente 
desconhecido e por pessoas desconhecidas. 
Por fim, a travessia Atlântica – que poderia durar de 8 a 14 semanas – era 
absolutamente terrível. Para ampliar os lucros, os traficantes chegavam a colocar 300 
africanos nos porões de navios que comportariam de 100 a 150 pessoas. Isso 
significava que não havia espaço, nem comida, nem água potável para todos. A falta 
de condições mínimas de higiene era responsável pela difusão de inúmeras mortes: 
20 a 30% dos africanos embarcados morriam na travessia e tinham seus corpos 
jogados ao mar. Não por acaso, outro nome dado a esses navios era tumbeiro. 
Aqueles que sobreviviam à travessia recebiam a escravidão como recompensa. 
SUSP E O ENFRENTAMENTO DA DESIGUALDADE RACIAL NO BRASIL 
 
 
 
 
25
Figura 2 – Planta baixa de um navio negreiro
 
Fonte: Gravura publicada em 1830 no livro Notices of Brazil in 1828 and 1829, de R. Washl. Domínio 
público, Arquivo Nacional – Ministério da Justiça Disponível em: https://multirio.rio.rj.gov.br/index.php/historia-
do-brasil/america-portuguesa/8739-o-tr%C3%A1fico-negreiro. 
 
 Temos poucos registros em primeira pessoa de africanos que vivenciaram esse 
processo. Um dos mais importantes é o relato de Baquaqua, um homem nascido no 
atual país do Benin (África Ocidental), que foi capturado como escravizado em 1845. 
 
 Os seus horrores, ah! Quem poderá descrever? Ninguém poderá 
representar tão verdadeiramente os seus horrores como o pobre infeliz, 
miserável desgraçado que foi confinado dentro dos seus portais. Ó amigos 
da humanidade, tenham piedade do pobre africano, que foi ludibriado e 
vendido do convívio dos seus amigos e do seu lar, e enviado para o porãode um navio negreiro, para esperar por mais horrores e misérias em uma 
terra distante, no meio dos religiosos e benevolentes. Sim, exatamente no 
meio deles; mas rumo ao navio! Fomos lançados no porão do navio em 
estado de nudez, os homens espremidos de um lado e as mulheres do 
outro; o porão era tão baixo que não conseguíamos ficar de pé, mas 
éramos obrigados a nos agachar sobre o piso ou a nos sentarmos; dia e 
noite eram a mesma coisa para nós, o sono nos era negado pela posição 
de confinamento dos nossos corpos, ficamos desesperados com o 
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sofrimento e a fadiga. [...] A única comida que tínhamos durante a viagem 
era milho cozido mergulhado em água. Não consigo dizer quanto tempo 
ficamos confinados daquela maneira, mas pareceu um período muito 
longo. Nós sofremos muitíssimo com a falta d'água, mas nos era negado 
tudo o que precisávamos. Meio litro por dia era tudo o que era permitido, e 
nada mais; e um grande número de escravos morreu na travessia.” 
(Baquaqua, 1854) 
 
É preciso repetir, uma vez mais, que a desumanização de africanos negros foi o 
ponto de partida, e o ponto de chegada da empresa mais lucrativa que existiu entre 
os séculos XVII e XIX. Foi esse processo que permitiu que o tráfico transatlântico de 
africanos escravizados se expandisse ao longo dos séculos, atingindo o seu apogeu 
no século XIX. O comércio impulsionou consideravelmente a entrada de africanos na 
América portuguesa, consolidando a escravidão como um sistema profundamente 
enraizado. A presença e o papel dos traficantes brasileiros foram fundamentais para 
o influxo maciço de africanos, estabelecendo um ciclo de comércio bilateral que 
fortaleceu os laços entre o Brasil e algumas sociedades africanas. Não por acaso, o 
Brasil foi a localidade das Américas que mais recebeu africanos escravizados: 4,8 dos 
12 milhões de africanos sequestrados de suas terras de origem desembarcaram e 
trabalharam no Brasil - o último país a abolir a “escravidão” nas Amáricas. 
Esse enorme volume do tráfico é o principal fator que explica por que o 
escravizado se tornou o tipo de propriedade privada mais acessível em toda a colônia 
e também nas primeiras décadas do Império do Brasil. A alta lucratividade na compra 
e venda de pessoas africanas fez com que muitos brasileiros se tornassem traficantes, 
o que, por sua vez, facilitou o acesso da população aos escravizados. Ainda que o 
africano escravizado fosse uma propriedade significativamente cara, até mesmo 
pessoas de condições mais módicas poderiam comprá-lo, pois os traficantes 
brasileiros criaram cartas de crédito que facilitavam a aquisição de um cativo. 
Justamente por isso, os senhores de escravizados eram uma classe diversificada, 
abarcando indivíduos com diferentes níveis de riqueza e influência. Ainda que a maior 
parte deles tivessem de 1 a 3 escravizados como propriedade, existiam aqueles que 
possuíam dezenas e até mesmo centenas de pessoas em condição de escravidão. 
SUSP E O ENFRENTAMENTO DA DESIGUALDADE RACIAL NO BRASIL 
 
 
 
 
27
A disseminação do escravizado como a principal propriedade privada no Brasil 
tinha como razão principal o fato de que ele era uma propriedade e, ao mesmo tempo, 
um investimento. Tanto no período colonial, como no Império, os escravizados negros 
(africanos e nascidos no Brasil) realizaram as mais variadas atividades: trabalharam 
na produção de açúcar, café, algodão, tabaco; criaram gado; extraíram ouro e pedras 
preciosas; cuidaram de todas as atividades domésticas (inclusive a amamentação das 
crianças brancas); trabalharam numa variada gama de atividades nos principais 
centros urbanos - vendiam produtos, carregavam mercadoria nas alfândegas, 
calçaram ruas, eram músicos, boticários, quituteiras. 
É necessário pontuar que boa parte dessas atividades eram executadas a partir 
de saberes e tecnologias que africanos e africanas trouxeram de suas sociedades de 
origem, tais como a pecuária extensiva e a metalurgia (ambas desconhecidas pelos 
portugueses), e uma série de processos de cura executados pelos mestres 
sangradores, pelas parteiras e pelos boticários. A presença dos escravizados era 
tamanha que, durante a vigência da escravidão, eles podem ser entendidos como 
sinônimo de trabalho - uma condição que era herdada pelos seus descendentes, 
mesmo aqueles que conseguiam comprar sua liberdade por meio da carta de alforria. 
No Brasil, até 1888, os negros e as negras eram, antes de mais nada, trabalhadores 
e trabalhadoras. 
Era a exploração sistemática do trabalho escravo que tornou os escravizados algo 
tão atraente para os proprietários, mesmo aqueles mais pobres. Em tese, a 
administração dos escravizados era uma responsabilidade dos proprietários, que 
determinavam todos os aspectos de suas vidas, incluindo alimentação, trabalho e até 
casamentos. Grosso modo, os assuntos relacionados aos escravizados estavam 
circunscritos à esfera privada das relações, porque o escravizado era uma 
propriedade privada. Tanto era assim que os proprietários podiam dispor dos seus da 
forma como bem quisessem. Não se tratava apenas da exploração de seu trabalho, 
mas também da violência de seus corpos, o que poderia acontecer tanto pelo estupro, 
como pela aplicação de castigos (que, muitas vezes, levavam à morte proposital da 
pessoa escravizada). 
Justamente por isso, quando a luta daqueles em situação de escravidão pela 
liberdade colocava a ordem escravista em xeque, o que se observava era a aliança 
SUSP E O ENFRENTAMENTO DA DESIGUALDADE RACIAL NO BRASIL 
 
 
 
 
28
entre poderes metropolitanos, eclesiásticos e colonos sendo profundamente eficaz - 
uma aliança que era orquestrada por homens brancos, que pareciam ter uma 
percepção racial apurada. Nesse sentido, as primeiras ideias de policiamento que 
foram implementadas no período colonial tinham a função de fazer valer os interesses 
dessa parcela específica da população, mantendo a ordem escravista por meio de 
atuações violentas contra corpos de pessoas escravizadas (sobretudo negras). 
Todavia, é importante dizer que uma característica que atravessou a história do Brasil 
desde o período colonial é o fato de as elites políticas, que detinham o poder (e, muitas 
vezes, eram os representantes máximos do Estado), terem plena consciência da 
importância de não fomentar uma identidade racial e meio a uma sociedade racial e 
desigualmente estruturada. 
Não por acaso, boa parte dos órgãos de repressão que foram criados 
contaram com a participação efetiva da população pobre e, muitas vezes, negra 
e mestiça. Muitos capitães-do-mato eram homens de cor livres, que ganhavam 
a vida capturando escravizados negros foragidos. O Terço dos Henriques (uma 
milícia armada do período colonial formada apenas por homens negros e 
mestiços) era um corpo militar frequentemente solicitado quando o assunto era 
o desmantelamento de mocambos e quilombos. Ainda que negros e mestiços 
fossem vistos como seres inferiores, era fundamental que existisse uma 
diferenciação dentre eles para que o fomento de uma identidade racial não 
acontecesse. Dito de outra forma, uma maneira eficaz de manter a ordem 
escravista no Brasil colônia e no Brasil Império era organizar forças de 
repressão compostas por homens negros (livres e libertos). Essa foi uma lição 
que o Estado brasileiro aprendeu muito bem, e que foi adaptada para a 
experiência republicana, até porque, quando organizadas de acordo com os 
interesses que visavam à manutenção dos privilégios, a presença negra e 
mestiça nesses órgãos de repressão garantiam que o lado mais frágil das duas 
pontas às ações policiais fossem pessoas negras. 
Voltando para o período colonial, é possível afirmar que uma das maiores 
heranças legadas para o Império do Brasil foi a escravidão negra. Isso significa dizer 
reconhecer não só a dependência queo Brasil tinha em relação ao trabalho realizado 
pelos escravizados, como também pontuar que essa dependência criou uma 
SUSP E O ENFRENTAMENTO DA DESIGUALDADE RACIAL NO BRASIL 
 
 
 
 
29
sociedade na qual o oposto de ser escravo era ser senhor de escravos. Isso mesmo: 
no Brasil, uma das condições mais almejadas durante séculos era ser proprietário de 
alguém, e esse alguém sempre era uma pessoa negra. 
Essa era uma condição tão entranhada na sociedade brasileira que, em meio a 
uma das transformações políticas mais significativas da nossa história – o Processo 
de Independência em 1822 -, as elites brancas do país refizeram o pacto em nome da 
escravidão e da segurança de seu lugar como proprietário de escravizados. Essa 
talvez tenha sido a maior aposta daquele período; o Brasil, independente e soberano, 
apostava na escravidão para o futuro. 
Contudo, é preciso ressaltar que, quando o Brasil se tornou um país 
independente, a escravidão era uma instituição combatida não só pelos escravizados, 
mas também por um movimento abolicionista crescente. No início do século XIX, a 
Inglaterra (que havia sido a maior traficante de africanos escravizados do mundo) se 
tornou uma espécie de bastião da causa abolicionista, pressionando seus parceiros 
comerciais a abolirem a escravidão. Um dos países pressionados foi Portugal. O rei 
português D. João VI criou diferentes estratégias diplomáticas para adiar ao máximo 
a abolição do tráfico transatlântico para o Brasil. A principal razão para isso era que o 
rei luso precisava atender aos interesses de seus súditos, e os mais ricos súditos 
brasileiros daquele momento eram os traficantes. 
Na verdade, o que se observa no período joanino (1808-1821) era um incremento 
do tráfico transatlântico para o Brasil. Dito de outra forma: nunca tantos africanos 
escravizados entraram nos portos brasileiros. D. Pedro I herdou de seu pai o 
compromisso em abolir o tráfico transatlântico, e assim como ele tentou adiar essa 
tarefa ao máximo, porque para governar seu novo Império, precisava atender às 
demandas e exigências de seus súditos mais importantes e ricos: os traficantes e os 
senhores de escravos. 
Desse modo, como bem colocado pelo historiador Luis Felipe de Alencastro: o 
Brasil foi uma nação que apostou na escravidão, lançando-a para seu futuro. Foi a 
partir do lugar de senhor de escravo que as elites brasileiras se reconheceram e 
construíram o Império do Brasil. Essa foi uma aposta tão pactuada que fez com que 
essas mesmas elites e o Estado Nacional brasileiro se colocassem contra uma lei que 
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30
havia sido elaborada e promulgada pelo Congresso do país. Explico: depois de anos 
de pressão, em 1831 o governo regencial finalmente assinou a lei que abolia o tráfico 
transatlântico no Brasil. Os principais portos de desembarque foram desativados e 
políticos mais progressistas comemoraram o feito. No entanto, a crescente demanda 
do mercado internacional pelo café brasileiro fez com que os cafeicultores (muitos 
deles políticos brasileiros) exercessem forte pressão pela reabertura do tráfico. Em 
1835, num grande acordo entre cafeicultores e esses políticos, o tráfico transatlântico 
de escravizados foi reaberto, só que essa reabertura se deu na ilegalidade com a 
anuência do Estado Nacional. Entre 1835 e 1850, mais de 800 mil africanos 
escravizados entraram no Brasil, a despeito das leis do próprio país. 
Esse acordo é uma das maiores provas do peso que a escravidão exerceu no 
Brasil Independente (por meio de uma escolha deliberada das elites do país), e da 
responsabilidade que o Estado Nacional brasileiro (independente e soberano) teve na 
manutenção do tráfico e na propagação da escravização ilegal de africanos em 
território nacional. A constatação dessa ilegalidade do Estado foi um dos principais 
argumentos para que, em 2012, o Supremo Tribunal Federal fosse convencido da 
necessidade em aprovar as cotas raciais nas universidades brasileiras. Essa 
aprovação era o reconhecimento da implicância do próprio Estado frente às piores 
condições econômicas, sociais e políticas que a população negra tinha - uma 
população que era descendente de homens e mulheres negros que foram ilegalmente 
escravizados. 
A aprovação da Lei de Cotas foi um importante ato de responsabilização do 
Estado na luta contra a desigualdade racial. Entender a formação das forças policiais 
no Brasil e como elas foram operadas a mando de uma classe senhorial escravista, 
que comungava com os pressupostos do racismo científico, é outra importante forma 
de tal Estado se responsabilizar pela sua implicância e manutenção de práticas 
racistas. Esse será o tema de nossas próximas aulas. 
 
SUSP E O ENFRENTAMENTO DA DESIGUALDADE RACIAL NO BRASIL 
 
 
 
 
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 AULA 3 - O NASCIMENTO DA POLÍCIA MILITAR EM MEIO A UMA 
SOCIEDADE ESCRAVISTA E RACISTA. 
A história da polícia no Brasil começa antes mesmo de o Brasil existir enquanto 
uma nação independente e soberana. Durante a longa experiência colonial, a ideia de 
policiamento se fez sentir de diferentes formas, a depender das características dos 
lugares em questão - uma variação que dizia muito sobre a diversidade e 
complexidade que compunham as diversas regiões da colônia. De maneira geral, a 
função policial ficou a cargo de ações conjuntas do vice-rei e ouvidores gerais, e 
também sob a responsabilidade dos governadores de capitanias. É preciso lembrar 
que uma dimensão importante da ideia de policiamento se fez sentir na materialidade 
e organização urbanística das vilas e cidades, que tinham as cadeias como um dos 
edifícios que representavam a presença do poder colonial. 
 
No entanto, foi apenas no contexto da transferência da Corte 
portuguesa que temos a criação das duas primeiras instituições policiais do 
Brasil: a Intendência Geral da Polícia da Corte, criada em 1808, e a Guarda 
Real de Polícia, fundada em 1809, ambas no Rio de Janeiro, que se tornava 
a nova sede do Império lusitano. Como pontuado pelo historiador Marcos 
Bretas, esses foram os “primeiros organismos públicos a carregarem o 
nome e a acepção de polícia” (BRETAS, 1997, p.167). 
 
A Intendência Geral da Polícia da Corte do Brasil foi instituída pelo Príncipe 
Regente D. João, por meio do Alvará de 10 de maio de 1808. A instituição tinha as 
mesmas atribuições da Intendência existente em Lisboa, que, por sua vez, havia sido 
inspirada no modelo francês de policiamento. O objetivo de D. João era criar uma 
instituição que não só garantisse a ordem e a boa administração da nova Corte, mas 
que também tivesse condições de manter a segurança do Império português frente a 
possíveis espiões franceses de Napoleão – que, naquele momento, era inimigo 
declarado de Portugal. 
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Não por acaso, o Intendente Geral de Polícia da Corte tinha status de ministro, 
ficando responsável por: 
 
“todos os órgãos policiais do Brasil [...], inclusive, sobre ouvidores 
gerais, alcaides mores e pequenos, corregedores, inquiridores, 
meirinhos e capitães de estradas e assaltos. Era também sua tarefa 
a organização da Guarda Real de Polícia da Corte. Em resumo, as 
atribuições da Intendência Geral cobriam as funções de justiça, de 
governo e de administração interna.” (MINAYO, SOUZA, 
CONSTANTINO, 2008, p.44) 
 
Sem sombra de dúvidas, a Intendência se tornou um dos órgãos administrativos 
de maior importância na nova Corte portuguesa, pois também ficavam a cargo da 
instituição os assuntos ligados às obras públicas, à segurança coletiva e pessoal, a 
vigilância da população, a investigação de crimes e a punição de criminosos. Durante 
o período Joanino (1808-1821), o rei tinha reuniões quase diárias com Paulo 
Fernandes Vianna, o primeiro homem a ocupar o cargo de Intendente da Polícia da 
Cortedo Brasil. 
As informações sobre a Guarda Real são mais escassas. Criada em 13 de maio 
de 1809 para auxiliar a Intendência Geral de Polícia da Corte, essa instituição era uma 
força policial uniformizada de tempo integral, que tinha autoridade judicial sobre delitos 
menores, tendo como funções principais perseguir os criminosos e manter a ordem. 
Tanto a Intendência Geral de Polícia da Corte como a Guarda Real foram mantidas 
após o processo de Independência do Brasil. Os historiadores Marcos Bretas e 
Thomaz Holloway apontam que essa seria a Instituição que fundou a Polícia Militar no 
Brasil, dando as bases para a implementação de políticas públicas acerca da 
segurança nacional, como bem demonstra a promulgação do Código Criminal em 
1830. 
Em 1831, a Guarda Real foi extinguida pelo Regente Antônio Feijó. Vale lembrar 
que esse foi um ano especialmente atribulado na história política do país, marcado 
SUSP E O ENFRENTAMENTO DA DESIGUALDADE RACIAL NO BRASIL 
 
 
 
 
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pela abdicação de D. Pedro I e o início do Período Regencial (1831-1840). Um dos 
momentos de tensão se deu justamente no Rio de Janeiro, quando tropas rebeldes 
de Guarda Real participaram de motins que, dentre outras coisas, reivindicava o fim 
dos castigos físicos contra os negros pertencentes às corporações. 
Em resposta a esse movimento, e imbuído de princípios liberais que preconizavam 
uma percepção mais racial e humanizada de segurança pública, o Regente Feijó 
extinguiu a Guarda Real, substituiu-a pelo Corpo de Guardas Municipais Permanentes 
por meio da lei de 10 de outubro de 1831. A lei determinava que: 
 
 Art. 1º O Governo fica autorizado para criar nesta Cidade um Corpo de 
guardas municipais voluntários a pé e a cavalo, para manter a tranquilidade 
publica, e auxiliar a Justiça, com vencimentos estipulados, não excedendo o 
número de seiscentas e quarenta pessoas, e a despesa anual a cento e 
oitenta contos de réis. 
 
 Art. 2º Ficam igualmente autorizados os Presidentes em Conselho para 
criarem iguais corpos, quando assim julguem necessário, marcando o 
número de praças proporcionado. 
 
 Art. 3º A organização do corpo, pagamento de cada indivíduo, a nomeação 
e despedida dos Comandantes, as instruções necessárias para a boa 
disciplina, serão feitas provisoriamente pelo Governo, que dará conta na 
futura sessão para a aprovação da Assembleia Geral. 
 
 Art. 4º Ficam revogadas todas as Leis em contrário. Manda, portanto, á 
todas as Autoridades, a quem o conhecimento, e execução da referida Lei 
pertencer, que a cumpram, e façam cumprir, e guardar tão inteiramente como 
nela se contém. O Secretario de Estado dos Negócios da Justiça a faça 
imprimir, publicar e correr. Dada no Palacio do Rio de Janeiro aos dez de 
Outubro de mil oitocentos trinta e um, decimo da Independência e do Império. 
 
 
 
Como é possível observar, o Corpo de Guardas Municipais era uma organização 
paramilitar e civil, remunerada, uniformizada e cujo alistamento era voluntário. – e que 
por isso é considerada a instituição que deu origem à Polícia Militar no Brasil. À 
semelhança de outras instituições policiais existentes na Europa, Feijó desejava que 
as Guardas Municipais tivessem uma atuação menos bruta, agindo de modo a 
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prevenir e reprimir delitos vinculados ao cotidiano da vida na Corte, apostando numa 
maior e melhor proximidade com a sociedade civil - a ideia era mesmo vigiar e punir 
(quando necessário). Ainda que essa fosse uma instituição policial permanente e 
uniformizada, o Regente Feijó fez questão de desvinculá-la do Exército, colocando-a 
como atribuição do Ministério da Justiça, definindo melhores soldados e garantindo a 
proibição de castigos físicos. 
As principais funções do Corpo de Guardas Municipais Permanentes eram: 
 autorizar e se responsabilizar por eventos públicos, controlando e prendendo 
pessoas que estivessem em agitações; 
 revisitar pessoas suspeitas; 
 prender quem estivesse cometendo crimes; 
 controlar o ajuntamento de pessoas; 
 realizar patrulhas na cidade, tanto no centro, como nos subúrbios. 
 
Como a lei de 1831 deixava entrever, outras províncias do Império também 
poderiam criar suas próprias Guardas Municipais Permanentes. A preocupação com 
as ações policiais do Império também se fez sentir com a criação da Guarda Policial 
em 1833, um corpo armado constituído a partir de voluntários locais cujas ações 
estavam atreladas aos juízes de paz de cada distrito, apresentando uma dimensão 
descentralizada das ações policiais. Tal dimensão foi ratificada com o Ato Adicional 
de 1834, que definia a maior autonomia provincial na administração de sua polícia. 
O que se observa a partir de então é que o Corpo de Guardas Municipais 
Permanentes e a Guarda Policial passam a existir nas províncias do Brasil, embora 
as duas instituições se estruturassem de formas distintas. Assim, cito Bruna Teixeira: 
 
“A Guarda Policial Permanente deveria atuar como a força de polícia da 
capital e sublinhar apenas as localidades provinciais que estivessem sua 
ordem perturbada [...]a administração da Guarda Municipal Permanente 
era feita diretamente entre presidente de província e comandante do corpo. 
Já a Guarda de Polícia era a força das demais localidades provinciais, ou 
sejam a instituição se configurou como inúmeros corpos de polícia 
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espalhados pelo interior e litoral provincial. Nesse sentido, sua 
administração era feita de maneira a envolver além do presidente da 
província e comandante do corpo, uma série de agentes locais, como juiz 
de paz, prefeito, delegado, subdelegado, chefe de polícia e ainda as 
Câmaras Municipais.” (TEIXEIRA, 2019 p. 36) 
 
A partir de 1835, as diferentes províncias do Império do Brasil fizeram uso da 
autonomia garantida pelo Ato Adicional e criaram suas Guardas Municipais 
Permanentes e suas Guardas Policiais, cujas atuações foram marcadas pelas 
especificidades de cada província. 
No entanto, a perspectiva liberal de atuação da Polícia que o Regente Feijó 
defendeu na implementação da Guarda Municipal e da Guarda Policial ficou distante 
daquilo que se via nas ruas das vilas e cidades do Império. Em primeiro lugar, é 
importante pontuar quem eram os homens que compunham essas guardas: em 
ambos os casos, o que observamos são instituições formadas por homens pobres e 
de baixa instrução. Além disso, ao entrarem nessas corporações, esses homens não 
experimentaram nenhum tipo de ascensão social ou mudança real de status social. 
Outra questão que diferenciava a teoria da prática era o fato de a maior parte dos 
alistados não serem voluntários, mas homens jovens que foram recrutados, por meio 
da força, a fazerem parte de uma instituição que continua lhes pagando mal, o que, 
em grande parte, explica por que a maioria deles deixava a instituição depois dos 3 
anos “obrigatórios” de serviços. Também, é preciso sublinhar que não havia uma 
formação sistemática dentro dessas corporações, cujos membros atuavam a partir de 
uma espécie de “senso comum” compartilhado. 
Desse modo, a ideia de uma polícia que fosse racional e cuja atuação se desse 
por meio da vigilância não aconteceu. O que se observa, ao longo do século XIX, é a 
atuação de uma polícia mal remunerada (por vezes vítima de castigo físico), com 
pouquíssima instrução e que fazia uso da força e da brutalidade na sua forma de agir. 
Um dos exemplos notórios disso ocorreu quando a Guarda Permanente esteve sob o 
comando do major Luís Alves de Lima e Silva, futuro Duque de Caxias. Além de 
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sufocar duas rebeliões – fazendo uso deliberado da violência, o então major também 
redefiniu as atribuições das duas corporações recém-criadas. 
A força e a brutalidadedas ações policiais ficavam especialmente evidentes no 
trato das forças policiais com a população escravizada e negra do Império. Conforme 
visto na Aula 2, até meados do século XIX, o Brasil foi uma sociedade que se 
organizou por meio da escravidão. Tanto foi assim, que a pessoa escravizada era o 
tipo de propriedade privada mais adquirido, até mesmo dentre a população mais pobre 
(que conseguia comprar um escravizado a prazo). Assim, boa parte das ações 
policiais tinham, como objetivo, controlar a população escravizada, sobretudo nas 
grandes cidades do país. 
Thomas Holloway, um dos primeiros historiadores a se debruçar sobre a história 
da Polícia no Brasil, aponta que, ao longo do século XIX, no Rio de Janeiro (capital do 
país), grande parte do trabalho da polícia se concentrava na vigilância, no controle e 
na punição da população escravizada. Essa não era uma tarefa simples, pois os 
escravizados chegaram a compor de 30 a 40% da população desses centros urbanos, 
e eram a mão-de-obra primordial para o funcionamento das cidades, trabalhando 
principalmente nas ruas e em espaços públicos. Dessa maneira, a polícia precisava 
atuar com cautela para que mantivesse a ordem, sem ferir o direito que todo cidadão 
brasileiro tinha naquela época em ter um escravizado e tratá-lo como bem quisesse. 
Essa era uma equação difícil de ser executada, porque a alta concentração de 
escravizados nas maiores cidades do Brasil fazia com que esses fossem espaços 
potencialmente perigosos. Fuga de escravizados, maltas de capoeiras, constituições 
de mocambos e quilombos, pequenos motins, e até mesmo rebeliões foram 
protagonizados nesses espaços, o que fazia com que a preocupação com a população 
escravizada fosse constante. A imagem abaixo é uma litogravura que foi feita pelo 
artista britânico Augustus Earle, que esteve no Brasil na década de 1820. A obra 
retrata um jogo de capoeira jogado, provavelmente, por escravizados da cidade do 
Rio de Janeiro que estava prestes a ser interrompido pela ação de um soldado da 
Guarda Real. 
 
 
 
SUSP E O ENFRENTAMENTO DA DESIGUALDADE RACIAL NO BRASIL 
 
 
 
 
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Figura 3 - Capoeira (Rio de Janeiro c. 1820) 
 
Fonte: Augustus Earle, Negroes fighting, c. 1820, Biblioteca Nacional da Austrália. Disponível em: 
https://pt.wikipedia.org/wiki/Augustus_Earle#/media/Ficheiro:CapoeiraEarle.JPG. 
 
Uma das medidas tomadas foi a proibição de ajuntamentos de mais de três 
escravizados, e também o controle daqueles que trabalhavam nas ruas. 
Contudo, essa medida cautelar não era suficiente e, para manter a ordem na 
Corte, a partir da década de 1820, a polícia passou a ter o direito legal de punir 
os escravizados que praticassem capoeiragem, bem como açoitá-los, de acordo 
com as leis municipais, e aprisioná-los no Calabouço (uma prisão específica para 
a população escravizada, localizada no Morro do Castelo). 
Se isso não bastasse, é fundamental lembrar que, mesmo numa sociedade 
marcada pela escravidão racializada, como o Brasil, população escravizada e 
população negra não eram sinônimos. Isso porque existia um percentual significativo 
de negros e negras que eram homens e mulheres livres e libertos, muitos deles 
cidadãos e trabalhadores brasileiros, que se somavam aos escravizados na execução 
das mais variadas atividades cotidianas. Nos grandes centros urbanos, era muito 
difícil distinguir, dentre a população negra, quem era escravizado e quem era livre. 
Sendo assim, umas das estratégias de policiamento desenvolvidas ainda na 
década de 1820, foi tratar a população negra como sinônimo de escravizada, por meio 
SUSP E O ENFRENTAMENTO DA DESIGUALDADE RACIAL NO BRASIL 
 
 
 
 
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do princípio da suspeição generalizada. Todo(a) negro(a) poderia ser um 
escravizado(a) e, por isso mesmo, deveria ser tratado(a) como suspeito(a). Dito de 
outra forma, primeiro se prendia a população negra para, depois, averiguar se a 
pessoa em questão era ou não escravizada. No Rio de Janeiro, o coronel Miguel 
Nunes Vidigal e seus granadeiros ficaram conhecidos por conta do policiamento 
ostensivo e da repressão truculenta contra a população negra, uma prática que se 
estendeu a outras corporações policiais do Brasil. Embora essas ações não 
contassem com aporte legal e, em tese, fossem criticadas pelo alto escalão dos 
órgãos policiais, pouco - ou nada - foi feito para impedir o uso desmedido de violência 
contra a população negra. 
Ações de natureza semelhantes aconteceram durante as décadas de 1870 e 
1880, quando o movimento abolicionista brasileiro cresceu e ganhou maior adesão da 
população brasileira. Enquanto o Exército brasileiro se posicionou favorável à pauta 
abolicionista, ainda na década de 1870, as forças policiais foram amplamente 
utilizadas pelo Estado Nacional para tentar frear essa onda que inundava o Brasil. O 
uso desenfreado da força física e da brutalidade se tornaram frequentes nas tentativas 
de contenção e repressão dos Comícios Abolicionistas feitos em espaços públicos. E, 
não por acaso, as maiores vítimas dessas ações continuavam sendo homens e 
mulheres de pele preta, pouco importante se eram ou não escravizados. A imagem 
abaixo foi tirada da Revista Illustrada, um importante veículo do Movimento 
Abolicionista. A ilustração representa as forças policiais da província de São Paulo 
tentando controlar uma fuga de escravizados, orquestrada em conjunto com 
abolicionistas de Campinas. 
Figura 4 - Policiais da Província de São Paulo tentando impedir a fuga de escravizados em Campinas 
 
Fonte: Revista Illustrada. Rio de Janeiro: [s.n], ano 12, n. 468, 1887. Disponível em 
http://www.memoriaescravidao.rb.gov.br/revista_ilustrada.php?pg=4 
 
SUSP E O ENFRENTAMENTO DA DESIGUALDADE RACIAL NO BRASIL 
 
 
 
 
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Na realidade, como veremos na próxima aula, ao longo do século XIX, o racismo 
científico foi uma pseudociência que não só legitimou a brutalidade e truculência 
contra negros e negras, como ofereceu uma falsa sustentação moral e científica para 
que tais ações acontecessem. Além disso, os pressupostos dessa ciência irreal 
ordenaram as ações policiais, não só no século XIX, como em boa parte do século 
XX. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
SUSP E O ENFRENTAMENTO DA DESIGUALDADE RACIAL NO BRASIL 
 
 
 
 
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AULA 4 - RACISMO CIENTÍFICO E SUA CAPILARIDADE NO BRASIL: 
O NASCIMENTO DO MITO DA DEMOCRACIA RACIAL 
 
Raça é um conceito que teve diferentes definições ao longo da história. Conforme 
visto na nossa Aula 2, por muito tempo esse conceito esteve atrelado às explicações 
do mundo elaboradas pela Igreja Católica, uma das instituições mais poderosas da 
humanidade, e que, por séculos, teve papel central no desenvolvimento e na 
disseminação do conhecimento em todo o Ocidente. Contudo, a partir do final do 
século XVIII, o movimento Iluminista catapultou a ciência como novo sistema de 
explicação do mundo. Foi neste contexto que surgiu o racismo científico. 
O legado do Iluminismo desempenhou um papel crucial no desenvolvimento do 
racismo científico, uma pseudociência que defendia que a humanidade estava dividida 
em raças biologicamente definidas, ressaltando, ainda, que essas raças não eram 
iguais entre si. Haveria uma escala evolutiva entre a raça humana mais primitiva e 
inferior (a negra) até a raça humana mais evoluída e superior (a branca), e a 
organização do mundo deveria se dar a partir dessa percepção. Os pressupostos do 
racismo científico legitimaram uma série de ações violentas e criminosas da nossa 
história, de forma que cito aqui três exemplos: o processo de invasão e colonização 
da África, da Ásia e Oceania; experimentos científicos e a criação de campos de 
concentração em algumas localidades do continente africano; e também o holocausto 
judeu e cigano na Segunda Guerra Mundial. 
Não podemos esquecer que foi no contexto do racismo científico que a 
eugenia foi desenvolvida.

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