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PROCESSO PENAL I Sistemas Processuais Princípios Inquérito Policial Ação Penal THALES DE ANDRADE Graduado em Direito pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA) Especialista em Direito Público pela PUC/MG Mestrando em Direito e Instituições do Sistema da Justiça pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA) Advogado atuante nas áreas do Direito Público e Criminal Advogado membro do corpo de procuradores da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA) 1. INTRODUÇÃO Quando o Estado, pelo Poder Legislativo, elabora leis penais, cominando penas àqueles que praticarem o delito, surge para ele o direito de punir num plano abstrato (jus puniendi in abstracto) e, para o particular, o dever de abster-se da prática de infrações penais. A partir do momento em que alguém pratica a conduta delituosa prevista no tipo penal, o direito de punir do Estado “desce” do plano abstrato e se transforma no jus puniendi in concreto, passando o Estado a ter uma pretensão punitiva. Prof. Thales de Andrade – Processo Penal I 1. INTRODUÇÃO A pretensão punitiva é o poder de o Estado exigir de quem comete um ilícito criminal a submissão à lei penal. Contudo, a pretensão punitiva não pode ser materializada sem um processo. A pretensão punitiva nasce insatisfeita, pois o Direito Penal é um direito substantivo. Já o processo penal, é um direito adjetivo, isto é, é o instrumento por meio do qual o Estado se vale para impor a sanção penal ao autor do fato delituoso. Prof. Thales de Andrade – Processo Penal I 1. INTRODUÇÃO O Estado não pode punir conforme seu bel prazer, pois da aplicação da sanção penal resulta uma restrição ao direito fundamental de liberdade do indivíduo, razão pela qual o processo penal possui inúmeras regras, sempre tendo como norte o necessário e indispensável respeito aos direitos e liberdades individuais do agente. Isso se dá porque os direitos e garantias fundamentais condicionam a legitimidade da atuação do próprio aparato estatal num Estado Democrático de Direito. Prof. Thales de Andrade – Processo Penal I “a diferença fundamental entre as duas formas antitéticas de regime político, entre a democracia e a ditadura, está no fato de que somente num regime democrático as relações de mera força que subsistem, e não podem deixar de subsistir onde não existe Estado ou existe um Estado despótico fundado sobre o direito do mais forte, são transformadas em relações de direito, ou seja, em relações reguladas por normas gerais, certas e constantes, e, o que mais conta, preestabelecidas, de tal forma que não podem valer nunca retroativamente. A consequência principal dessa transformação é que nas relações entre cidadãos e Estado, ou entre cidadãos entre si, o direito de guerra fundado sobre a autotutela e sobre a máxima ‘Tem razão quem vence’ é substituído pelo direito de paz fundado sobre a heterotutela e sobre a máxima ‘Vence quem tem razão’; e o direito público externo, que se rege pela supremacia da força, é substituído pelo direito público interno, inspirado no princípio da ‘supremacia da lei’ (rule of law).” Norberto Bobbio, in “As ideologias e o poder em crise”. SISTEMAS PROCESSUAIS PENAIS Sistema Inquisitorial Sistema Acusatório Sistema Francês 2. SISTEMAS PROCESSUAIS PENAIS 2.1. SISTEMA INQUISITORIAL Adotado a partir do século XIII, era o sistema característico do Direito Canônico Posteriormente, com o enfraquecimento do Estado e o fortalecimento da igreja, tal sistema propagou-se por toda a Europa. Tem como principal característica a concentração das funções de acusar, defender e julgar encontrarem-se numa só pessoa, no caso, o juiz inquisidor. Prof. Thales de Andrade – Processo Penal I 2. SISTEMAS PROCESSUAIS PENAIS 2.1. SISTEMA INQUISITORIAL Em virtude dessa concentração de poderes e do consequente comprometimento da imparcialidade do juiz, não há que se falar em contraditório, eis que acusação e defesa estão numa só pessoa. No sistema inquisitorial, o acusado geralmente permanecia encarcerado preventivamente, sendo mantido incomunicável. O Juiz inquisidor era dotado de ampla iniciativa probatória, podendo conduzir a produção de provas a seu bel prazer atingindo a decisão que desejasse, sem qualquer limitação. Prof. Thales de Andrade – Processo Penal I 2. SISTEMAS PROCESSUAIS PENAIS 2.1. SISTEMA INQUISITORIAL No processo penal inquisitorial, considera-se possível a descoberta de uma verdade absoluta, por isso, predomina neste sistema o Princípio da verdade real. Por tal princípio, o acusado acaba sendo mero objeto do processo, não sendo considerado sujeito de direitos. Admitia-se inclusive a tortura para que a confissão fosse obtida. O processo inquisitivo era, em geral, escrito e sigiloso. Prof. Thales de Andrade – Processo Penal I 2. SISTEMAS PROCESSUAIS PENAIS 2.1. SISTEMA INQUISITORIAL “Como se percebe, há uma nítida conexão entre o processo penal e a natureza do Estado que o institui. A característica fundamental do processo inquisitório é a concentração de poderes nas mãos do juiz, aí chamado de inquisidor, à semelhança da reunião de poderes de administrar, legislar e julgar nas mãos de uma única pessoa, de acordo com o regime político do absolutismo.” - Renato Brasileiro. In: Manual de Processo Penal Prof. Thales de Andrade – Processo Penal I 2. SISTEMAS PROCESSUAIS PENAIS 2.1. SISTEMA INQUISITORIAL O sistema inquisitorial é, portanto, rigoroso, secreto, adota a tortura como meio de atingir uma impossível verdade real, não havendo contraditório e ampla defesa. Por tudo isso, o processo inquisitório é incompatível com os direitos fundamentais e, portanto, não se coaduna com a Constituição Federal e a própria Convenção Americana de Direitos Humanos (art. 8º, nº 1). Prof. Thales de Andrade – Processo Penal I 2. SISTEMAS PROCESSUAIS PENAIS 2.2. SISTEMA ACUSATÓRIO O sistema acusatório, por sua vez, caracteriza-se pelo chamado actum trium personarum, isto é, a presença de partes distintas, contrapondo-se acusação e defesa em igualdade de condições, havendo uma separação das funções de acusar, defender e julgar em três órgãos distintos. O processo tem como características a oralidade (atos produzidos verbalmente em audiência) e a publicidade (de livre acesso e conhecimento de todos). Prof. Thales de Andrade – Processo Penal I 2. SISTEMAS PROCESSUAIS PENAIS 2.2. SISTEMA ACUSATÓRIO Aplica-se ao sistema acusatório o conhecido princípio da presunção de inocência. A regra, no sistema acusatório, é o acusado permanecer solto durante o processo. Quanto ao Juiz, este não era dotado do poder de determinar de ofício a produção de provas, já que estas deveriam ser produzidas pelas próprias partes. Ao Juiz é dado um papel mais passivo na gestão das provas, sendo um mero garante das regras do jogo. A iniciativa probatória do Juiz é subsidiária. Prof. Thales de Andrade – Processo Penal I 2. SISTEMAS PROCESSUAIS PENAIS 2.2. SISTEMA ACUSATÓRIO O sistema acusatório vigorou durante quase toda a Antiguidade Grega e Romana. Na Idade Média, virogou nos domínios do direito germânico. A partir do século XIII entrou em declínio, passando a haver uma prevalência do sistema inquisitorial. Atualmente, o processo penal inglês é o que mais se aproxima de um sistema acusatório puro. Prof. Thales de Andrade – Processo Penal I 2. SISTEMAS PROCESSUAIS PENAIS 2.2. SISTEMA ACUSATÓRIO O sistema acusatório foi adotado expressamente pela Constituição Federal de 1988 (art. 129, I). O que diferencia os sistemas acusatório e inquisitorial são a posição dos sujeitos procesuais e a gestão da prova. No sistema acusatório, o princípio da verdade real não tem mais lugar, sendo substituído pelo Princípio da busca da verdade, sendo o acusado encarado como um sujeito de direitos, não sendo toleradas violações a seus direitos fundamentais a pretexto de atingir-se uma suposta verdade processual. Prof. Thales de Andrade – Processo Penal I 2. SISTEMAS PROCESSUAIS PENAIS 2.3. COMPARAÇÃO Prof.Thales de Andrade – Processo Penal I SISTEMA INQUISITORIAL SISTEMA ACUSATÓRIO Não há separação das funções de acusar, defender e julgar, que estão concentradas na figura do juiz inquisidor. Separação das funções de acusar, defender e julgar, havendo um actum trium personarum, contrapondo-se acusação e defesa, sobrepondo-se a ambas um juiz imparcial. Princípio da verdade real Princípio da busca da verdade O Juiz inquisidor possui ampla iniciativa acusatória e probatória. A iniciativa probatória recai sobre as partes, o juiz é mero garante das regras do jogo. É incompatível com a garantia de imparcialidade do juiz, logo, com a Constituição Federal e o princípio do devido processo legal. O juiz é mantido de forma equidistante das partes, tendo sua imparcialidade preservada. Sendo o acusado sujeito de direitos, o processo devido deve observar as garantias fundamentais. 2. SISTEMAS PROCESSUAIS PENAIS 2.4. SISTEMA MISTO OU FRANCÊS Surgiu com o Code d’Instruction Criminelle, de 1808, sendo relativamente recente. É chamado de misto porque se desdobra em duas fases distintas: 1) a primeira fase é tipicamente inquisitorial, com instrução secreta e escrita, fase na qual se busca averiguar materialidade a autoria do fato delituoso; 2) a segunda fase é acusatória, havendo um actum trium personarum, publicidade e oralidade. Prof. Thales de Andrade – Processo Penal I 2. SISTEMAS PROCESSUAIS PENAIS 2.4. SISTEMA MISTO OU FRANCÊS Quando o Código de Processo Penal passou a vigorar, prevalecia o entendimento de que adotava o sistema francês. A fase inicial da persecução penal – o inquérito policial – era inquisitorial, enquanto que o processo propriamente dito, era a fase acusatória. Com o advento da CF, que prevê expressamente o actum trium personarum, o contraditório e a ampla defesa, além da presunção de inocência, entende-se hoje que o Brasil adota um sistema acusatório. Prof. Thales de Andrade – Processo Penal I 2. SISTEMAS PROCESSUAIS PENAIS 2.4. SISTEMA MISTO OU FRANCÊS OBS: Embora adote o sistema acusatório, o Brasil não o adota na sua forma mais pura, eis que o Código de Processo Penal possui nítida inspiração no modelo fascista italiano. Prof. Thales de Andrade – Processo Penal I PRINCÍPIOS - 3. PRINCÍPIOS DO PROCESSO PENAL 3.1. PRESUNÇÃO DE NÃO CULPABILIDADE “Um homem não pode ser chamado réu antes da sentença do juiz, e a sociedade só lhe pode retirar a proteção pública após ter decidido que ele violou os pactos por meio dos quais ela lhe foi outorgada.” - Cesare BECCARIA, “Dos delitos e das penas”, 1764 Tal direito de não ser declarado culpado enquanto ainda há dúvida foi acolhido em pelo artigo 9º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789). Prof. Thales de Andrade – Prática Penal 3. PRINCÍPIOS DO PROCESSO PENAL 3.1. PRESUNÇÃO DE NÃO CULPABILIDADE Inúmeros instrumentos internacionais prevêem tal princípio, como: - Declaração Universal de Direitos Humanos (1948); - Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais (1950); - Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (1966); - Convenção Americana de Direitos Humanos (1978). Prof. Thales de Andrade – Prática Penal 3. PRINCÍPIOS DO PROCESSO PENAL 3.1. PRESUNÇÃO DE NÃO CULPABILIDADE Com a CF/88, tal princípio foi erigido à categoria constitucional em seu art. 5º, LVII: “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória.” Tal princípio, portanto, consiste no direito de não ser declarado culpado senão mediante sentença transitada em julgado, ao término do devido processo legal. OBS: Atente-se que a maioria dos diplomas internacionais traz a tal princípio a nomenclatura de “presunção de inocência”, mas a CF menciona somente a não culpa, razão pela qual esta terminologia é mais adequada. Prof. Thales de Andrade – Prática Penal 3. PRINCÍPIOS DO PROCESSO PENAL 3.1. PRESUNÇÃO DE NÃO CULPABILIDADE Do princípio da presunção de não culpabilidade derivam duas regras fundamentais: A) Regra probatória: Também conhecida como regra de juízo ou in dubio pro reo. A parte acusadora tem o ônus de demonstrar a culpabilidade do acusado além de qualquer dúvida razoável, e não este de provar sua inocência. O ônus da prova recai sobre a acusação. Prof. Thales de Andrade – Prática Penal 3. PRINCÍPIOS DO PROCESSO PENAL 3.1. PRESUNÇÃO DE NÃO CULPABILIDADE A) Regra probatória: Tal regra deve ser usada sempre que houver dúvida sobre fato relevante para a decisão do processo. OBS: O in dubio pro reo somente incide até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória ou absolutória imprópria, portanto, na Revisão Criminal, aplica-se o in dubio contra reum. Prof. Thales de Andrade – Prática Penal 3. PRINCÍPIOS DO PROCESSO PENAL 3.1. PRESUNÇÃO DE NÃO CULPABILIDADE B) Regra de tratamento: Por tal regra, a privação cautelar da liberdade é excepcionalíssima, isto é, a regra é responder o processo penal em liberdade, a exceção é estar preso no curso do processo. Veda-se, com tal regra, prisões processuais automáticas ou obrigatórias. Prof. Thales de Andrade – Prática Penal 3. PRINCÍPIOS DO PROCESSO PENAL 3.1. PRESUNÇÃO DE NÃO CULPABILIDADE B) Regra de tratamento: Apesar disso, tal princípio não proíbe a prisão cautelar ditada por razões excepcionais. Destarte, o acusado poderá ser preso preventiva ou temporariamente, desde que preenchidos os requisitos legais. Por tal regra, por muito tempo vedou-se também a execução provisória ou antecipada da sanção penal. Ocorre que o panorama mudou em 17/02/2016. Prof. Thales de Andrade – Prática Penal 3. PRINCÍPIOS DO PROCESSO PENAL 3.1. PRESUNÇÃO DE NÃO CULPABILIDADE STF – HC 126.292 (Rel. Min Teori Zavascki, 17.02.2016) STF: “A execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não viola o princípio constitucional da presunção de inocência.” Prof. Thales de Andrade – Prática Penal 3. PRINCÍPIOS DO PROCESSO PENAL 3.1. PRESUNÇÃO DE NÃO CULPABILIDADE Com tal decisão o STF alterou sua posição jurisprudencial, que antes afirmava ser necessário o trânsito em julgado para a execução da pena. A partir de tal decisão, o STF passou a admitir a execução provisória da pena. Execução provisória em prisão penal, não somente na prisão cautelar. Tal se deu, por inúmeros motivos, sendo o motivo inicial, o próprio texto da CADH. Prof. Thales de Andrade – Prática Penal 3. PRINCÍPIOS DO PROCESSO PENAL 3.1. PRESUNÇÃO DE NÃO CULPABILIDADE CADH: Art. 8º, §2º. Toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não for legalmente comprovada sua culpa. CF: Art. 5º, LVII. Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Como se percebe, a CF e a CADH possuem diferentes limites temporais no que tange à aplicação do princípio da presunção de inocência. Prof. Thales de Andrade – Prática Penal 3. PRINCÍPIOS DO PROCESSO PENAL 3.1. PRESUNÇÃO DE NÃO CULPABILIDADE LIMITE TEMPORAL DA CF: Até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória. LIMITE TEMPORAL DA CADH: Enquanto não for legalmente comprovada sua culpa. A CADH também prevê o duplo grau de jurisdição, então o momento da comprovação legal da culpa é até o exercício do duplo grau de jurisdição. Prof. Thales de Andrade – Prática Penal 3. PRINCÍPIOS DO PROCESSO PENAL 3.1. PRESUNÇÃO DE NÃO CULPABILIDADE Historicamente, desde a CF/88 até o ano de 2008, as Cortes Superiores do país sempre adotaram o entendimento de permitir a execução provisória da pena, pois os recursos extraordinários não possuem efeito suspensivo. O argumento para tal posicionamento era o art. 637 do CPP, pelo qual: Prof. Thales de Andrade – Prática Penal Art. 637. O recurso extraordinário não tem efeito suspensivo, e uma vez arrazoados pelo recorrido os autos do traslado, os originais baixarão à primeira instância, para a execuçãoda sentença. 3. PRINCÍPIOS DO PROCESSO PENAL 3.1. PRESUNÇÃO DE NÃO CULPABILIDADE Ocorre que, no ano de 2009, no julgamento do HC 84.078, o STF alterou sua posição dominante, afirmando que a interpretação não permite a alteração do texto constitucional. A partir dali, passou a ser permitido o acusado recorrer em liberdade até o final trânsito em julgado da sentença penal condenatória, que se daria com o julgamento de eventuais RE e/ou RESP. Não se admitia mais a execução provisória da pena, em razão da regra de tratamento do Princípio da Presunção de Não Culpa Prof. Thales de Andrade – Prática Penal 3. PRINCÍPIOS DO PROCESSO PENAL 3.1. PRESUNÇÃO DE NÃO CULPABILIDADE Contudo, em 17 de fevereiro de 2016, em julgamento polêmico, mais uma vez o STF mudou seu entendimento, tendo entendido o Plenário que a execução da pena após a confirmação da sentença em segundo grau não ofende a presunção de inocência. A decisão foi aplaudida pelos órgãos representantes do Ministério Público, da Magistratura e também da sociedade civil, mas altamente questionada pela doutrina. O largo intervalo de tempo entre a data do fato e o trânsito em julgado nos casos concretos, contribuiu para a decisão (ex: Caso Pimenta Neves – 11 anos entre o fato e o trânsito em julgado). Prof. Thales de Andrade – Prática Penal 3. PRINCÍPIOS DO PROCESSO PENAL 3.1. PRESUNÇÃO DE NÃO CULPABILIDADE Por outro lado, a CF foi claramente ignorada e isso não pode se perder de vista, haja vista que, historicamente, relativizar-se direitos fundamentais por clamores populares, sempre costumam dar início a um processo gradativo de degeneração de tais direitos que paulatinamente vão perdendo força. Dentre os argumentos utilizados pelo STF para chegar a tal decisão, pode-se destacar 7 deles. Prof. Thales de Andrade – Prática Penal 3. PRINCÍPIOS DO PROCESSO PENAL 3.1. PRESUNÇÃO DE NÃO CULPABILIDADE 1) A presunção de inocência deve ser equilibrada com a efetividade da função jurisdicional, que deve levar em conta não somente os direitos do acusado, mas os anseios da sociedade. 2) Nas instâncias ordinárias já se exaure a possibilidade de exames de fatos e provas e a própria responsabilidade do acusado. Os recursos extraordinários examinam somente questões de direito, e não questões de fato, não possuindo amplo efeito devolutivo. Prof. Thales de Andrade – Prática Penal 3. PRINCÍPIOS DO PROCESSO PENAL 3.1. PRESUNÇÃO DE NÃO CULPABILIDADE 3) Se o Tribunal de 2º grau examinou exaustivamente fatos e provas que não mais poderão ser revistos em sede de Cortes Superiores, então a solução mais ponderada seria relativizar-se o princípio da presunção de não culpabilidade para o caso concreto. 4) A Lei da Ficha Limpa (LC 135/2010) consagrou expressamente como causa de inelegibilidade a existência de sentença condenatória, proferida por colegiados, por crimes nela relacionados. Prof. Thales de Andrade – Prática Penal 3. PRINCÍPIOS DO PROCESSO PENAL 3.1. PRESUNÇÃO DE NÃO CULPABILIDADE 5) Em nenhum país no mundo, depois de observado o duplo grau de jurisdição, a execução da condenação fica suspensa, aguardando referendo da Corte Suprema. 6) A jurisprudência que assegurava a presunção de inocência vinha permitindo excessiva interposição de recursos protelatórios, visando à configuração da prescrição, eis que o último marco interruptivo da prescrição antes do início do cumprimento da pena é a publicação da sentença ou acórdão recorríveis. Prof. Thales de Andrade – Prática Penal 3. PRINCÍPIOS DO PROCESSO PENAL 3.1. PRESUNÇÃO DE NÃO CULPABILIDADE 7) Existem instrumentos capazes de inibir consequências danosas para o condenado em caso de execuções provisórias indevidas, como medidas cautelares de efeito suspensivo ao RE e ao RESP, bem como os Habeas Corpus. Prof. Thales de Andrade – Prática Penal 3. PRINCÍPIOS DO PROCESSO PENAL 3.2. CONTRADITÓRIO A Constituição estabelece em seu art. 5º, LV que: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.” O contraditório sempre foi conceituado como a ciência bilateral dos atos ou termos do processo e a possibilidade de contrariá- los. O núcleo do contraditório está ligado à discussão dialética dos fatos da causa. Prof. Thales de Andrade – Prática Penal 3. PRINCÍPIOS DO PROCESSO PENAL 3.2. CONTRADITÓRIO Às partes deve ser assegurado não somente o direito à defesa, mas também a opotunidade de fiscalização recíproca dos atos praticados no curso do processo. Para referir-se a contraditório a doutrina sempre usou a expressão “audiência bilateral” (audiatur et altera pars). O contraditório, portanto, possui dois elementos: a) direito à informação e b) direito de participação. Prof. Thales de Andrade – Prática Penal 3. PRINCÍPIOS DO PROCESSO PENAL 3.2. CONTRADITÓRIO O contraditório é a necessária informação às partes e a possível reação a atos desfavoráveis. O direito à informação é consectário lógico do contraditório, razão pela qual os meios de comunicação dos atos processuais (citação, intimação e notificação) possuem considerável importância. O direito de participação também deriva do contraditório, sendo compreendido como a possibilidade de reação, manifestação ou contrariedade à pretensão da parte contrária. Prof. Thales de Andrade – Prática Penal 3. PRINCÍPIOS DO PROCESSO PENAL 3.2. CONTRADITÓRIO No processo penal, não basta se assegurar ao acusado apenas o direito à informação e à reação em um plano formal, como no processo civil. A liberdade de locomoção é o bem jurídico em jogo, portanto, ainda que o acusado não tenha interesse em oferecer reação à pretensão acusatória, o próprio ordenamento jurídico impõe a obrigatoriedade de assistência técnica de um defensor. Se antes o contraditório limitava-se ao direito de informação e participação, hoje passou a ser visto como paridade de armas. Prof. Thales de Andrade – Prática Penal 3. PRINCÍPIOS DO PROCESSO PENAL 3.2. CONTRADITÓRIO Paridade de armas pois não adianta assegurar uma possibilidade formal de reação, se não são outorgados à parte meios para fazê- lo. Deve ser assegurado um equilíbrio entre acusação e defesa. OBS: Prevalece na doutrina o entendimento de que a observância do contraditório só é obrigatória, no processo penal, na fase processual, e não na fase investigatória. Prof. Thales de Andrade – Prática Penal 3. PRINCÍPIOS DO PROCESSO PENAL 3.2. CONTRADITÓRIO A Constituição menciona “em processo judicial ou administrativo”. Sendo o inquérito procedimento administrativo, predomina que o contraditório não se aplica na fase de inquérito. Por força do contraditório, a palavra prova só pode ser usada para se referir aos elementos de convicção produzidos sob o manto do contraditório e da ampla defesa. Prof. Thales de Andrade – Prática Penal 3. PRINCÍPIOS DO PROCESSO PENAL 3.2. CONTRADITÓRIO CONTRADITÓRIO PARA A PROVA x CONTRADITÓRIO SOBRE A PROVA: O contraditório para a prova é chamado de contraditório real e demanda que as partes atuem na própria formação do elemento de prova, sendo que sua produção se dá na presença do órgão julgador. Ex: prova testemunhal em audiência O contraditório sobre a prova é chamado de contraditório diferido ou postergado, sendo o reconhecimento da atuação do contraditório após a formação do elemento de prova. O contraditório é observado posteriormente, dando ao acusado possibilidade de contestar o elemento colhido. Ex: interceptação telefônica. Prof. Thales de Andrade – Prática Penal 3. PRINCÍPIOS DO PROCESSO PENAL 3.3. AMPLA DEFESA O princípio da ampla defesa também tem fulcro no art. 5º, inciso LV da CF. O princípio da ampla defesa está ligado diretamente ao contraditório, mas com ele não se confunde. A defesa garante o contraditório e por ele se manifesta. A ampla defesa só é possível por conta de um dos elementos do contraditório – o direito à informação. Da mesma forma, exprime- se por seu outroelemento – a reação. Prof. Thales de Andrade – Prática Penal 3. PRINCÍPIOS DO PROCESSO PENAL 3.3. AMPLA DEFESA Apesar da relação próxima, ambos não se confundem. É possível violar-se o contraditório sem que se viole a ampla defesa. O contraditório não diz respeito exclusivamente à defesa ou aos direitos do réu. O contraditório aplica-se a ambas as partes e também deve ser observado pelo próprio Juiz. A ampla defesa diz respeito apenas ao réu. Prof. Thales de Andrade – Prática Penal 3. PRINCÍPIOS DO PROCESSO PENAL 3.3. AMPLA DEFESA A ampla defesa abrange a defesa técnica (processual) e a autodefesa (material). Pela ampla defesa, o acusado pode ser tratado de maneira desigual em relação à acusação, isso por questões de equidade, haja vista o maior poderio estatal no que tange ao exercício do direito de punir, quando comparado ao acusado isoladamente. Por conta da ampla defesa, o acusado tem diversos privilégios quando comparado com a acusação, tais como: recursos privativos da defesa; non reformatio in pejus; in dubio pro reo; revisão criminal somente pro reo, enfim, o princípio do favor rei. Prof. Thales de Andrade – Prática Penal 3. PRINCÍPIOS DO PROCESSO PENAL 3.3. AMPLA DEFESA – 3.3.1. DEFESA TÉCNICA A defesa técnica é aquela exercida por profissional da advocacia, com capacidade postulatória. A defesa técnica pode ser exercida por advogado constituído, advogado nomeado ou defensor público. Para ser ampla, tem de ser necessária, indeclinável, plena e efetiva. Não é possível alguém ser processado sem defensor técnico. Prof. Thales de Andrade – Prática Penal 3. PRINCÍPIOS DO PROCESSO PENAL 3.3. AMPLA DEFESA – 3.3.1. DEFESA TÉCNICA Diz-se indisponível e irrenunciável porque mesmo que o acusado queira ser processado sem defesa técnica, e ainda que seja revel, o juiz deve nomear um defensor. Conforme o art. 261 do CPP: “nenhum acusado, ainda que ausente ou foragido, será processado ou julgado sem defensor.” Assim, havendo alguém processado sem defensor, o processo será absolutamente nulo, por afronta à ampla defesa. Prof. Thales de Andrade – Prática Penal 3. PRINCÍPIOS DO PROCESSO PENAL 3.3. AMPLA DEFESA – 3.3.1. DEFESA TÉCNICA OBS: A defesa técnica só pode ser exercida por quem tem capacidade postulatória. Mesmo que o réu seja juiz ou promotor e, com isso, tenha um conhecimento jurídico considerável, não poderá defender a si próprio, eis que não é advogado. Um dos desdobramentos também da defesa técnica é o direito de escolha do defensor. A defesa técnica deve ainda ser plena e efetiva. É necessário que se perceba efetiva atividade defensiva do advogado no sentido de assistir seu cliente. Prof. Thales de Andrade – Prática Penal 3. PRINCÍPIOS DO PROCESSO PENAL 3.3. AMPLA DEFESA – 3.3.2. AUTODEFESA A autodefesa é a defesa exercida pelo próprio acusado, em momentos cruciais do processo. Diferentemente da defesa técnica, é disponível, pois não há como se obrigar o acusado a, por exemplo, exercer seu direito ao interrogatório. A autodefesa se manifesta no processo penal principalmente de três formas: a) direito de audiência; b) direito de presença; c) direito a postular pessoalmente. Prof. Thales de Andrade – Prática Penal 3. PRINCÍPIOS DO PROCESSO PENAL 3.3. AMPLA DEFESA – 3.3.2. AUTODEFESA a) Direito de audiência É o direito que o acusado tem de apresentar ao juiz da causa a sua defesa pessoalmente. Materializa-se pelo interrogatório, no qual o acusado, em contato com o juiz, traz sua versão dos fatos que está sendo acusado. Prof. Thales de Andrade – Prática Penal 3. PRINCÍPIOS DO PROCESSO PENAL 3.3. AMPLA DEFESA – 3.3.2. AUTODEFESA b) Direito de presença Por meio desse direito, assegura-se ao acusado a oportunidade de acompanhar todos os atos da instrução, ao lado de seu advogado. Podem ser prestadas declarações durante a instrução que só o acusado saiba detectar. O direito de presença é um direito, e não uma obrigação do acusado, sendo obrigatória somente a presença de seu defensor. Prof. Thales de Andrade – Prática Penal 3. PRINCÍPIOS DO PROCESSO PENAL 3.3. AMPLA DEFESA – 3.3.2. AUTODEFESA b) Direito de presença a Prof. Thales de Andrade – Prática Penal
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