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Professora Ana Paula Correia de Souza Direito Processual Penal I PRINCÍPIOS PROCESSUAIS Princípio, segundo consta no dicionário Aurélio, significa o primeiro impulso dado a uma coisa; ato de principiar uma coisa; origem; causa primária. Logo, os princípios que regem o direito processual penal constituem o marco inicial da construção de toda a dogmática jurídico-processual penal, tomando por base os princípios gerais do direito. Cumpre ressaltar que o Direito Processual Penal é essencialmente, um Direito de fundo constitucional, pois seus princípios se apresentam como normas fundamentais do sistema processual, os quais cumprem a tarefa de proteção aos direitos fundamentais. São os princípios constitucionais que vão efetivamente constituir um processo penal. Sendo assim, importante se faz a análise de alguns princípios constitucionais: 1. Princípios constitucionais: 1.1 – Princípio da dignidade da pessoa humana: Constitui não só um princípio, mas um fundamento republicano, conforme o disposto no artigo 1º, inciso III, da CF. Este princípio fundamental deve nortear toda a edição, interpretação e aplicação das regras jurídicas. Decorrente disto, tem-se no inciso III do artigo 5º da CF que "ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante", tendo o constituinte especificado indiretamente duas garantias processuais, quais sejam: a) o processo penal não pode servir como meio para a aplicação da pena de tortura ou da pena de morte ou para a sujeição de quem quer que seja a tratamento desumano ou degradante, como sanção final; b) o processo penal não pode assumir ele mesmo forma desumana, com procedimentos que exponham o homem a posições ou situações degradantes, torturantes ou vexatórias. 1.2 - Princípio da Legalidade: O art. 5º, inciso XXXIX, da CF estabelece que “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal” (nullum crimen, nulla poena sine praevia lege). Disso decorrer afirmar que a possibilidade de instauração de persecução penal é vinculada à existência de elementos mínimos indicativos da prática de infração penal (crime ou contravenção). 1.3 - Princípio do Devido Processo Penal: A Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso LIV, estabelece que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”. Tal preceito é uma garantia de que todo cidadão terá seus direitos respeitados sem nenhuma restrição, senão diante da tramitação regular e legal de um processo. Professora Ana Paula Correia de Souza Direito Processual Penal I Observa-se que o constituinte não especificou o tipo de liberdade, como feito em outros incisos do mesmo artigo (a exemplo, XIII e XVII), não podendo, portanto, ser feita uma interpretação restritiva do citado dispositivo legal. Logo, entende-se que a expressão da liberdade compreende não só a liberdade de locomoção, mas toda e qualquer liberdade prevista no ordenamento jurídico. “Forma é garantia, e o descumprimento do procedimento tipificado é causa de nulidade por evidente violação ao princípio do devido processo penal” (MARCÃO, p. 59). Para Paulo Rangel (2013, p.05), “o devido processo penal é o princípio reitor de todo o arcabouço jurídico processual. Todos os outros derivam dele”. 1.4 – Princípio do juiz e promotor naturais: A Constituição Federal, em seu artigo 5º, incisos XXXVII e LIII, respectivamente, estabelece que “não haverá juízo ou tribunal de exceção” e que “ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente”. Tais dispositivos constitucionais garantem a todos os sujeitos de direitos de serem julgados por um órgão jurisdicional pertencente a jurisdição ordinária, comprometido com os princípios constitucionais da igualdade, impessoalidade e anterioridade, constituído com base nas normas comuns de competência preestabelecidas. A CF e o CPP adotaram o sistema de distribuição de competências entre os órgãos da jurisdição (lugar da infração; natureza da infração e/ou distribuição aleatória; de conexão; continência; de prevenção ou prerrogativa de função). Disso decorre não apenas a exigência de um juiz regularmente investido no cargo, mas que ele seja o juiz competente para o caso. Acerca do princípio do promotor natural, Nery Junior (2004, p.125) estabelece que, extrai-se da locução “processar”, constante no inciso LIII citado acima, sentido de que é a atribuição que se confere ao Ministério Público para mover ação judicial, pois somente ele pode “processar” alguém; não mais o juiz, a quem se aplica o vocábulo “sentenciar” constante da mesma norma constitucional em exame. No entanto, este não é um entendimento unânime. Para alguns doutrinadores, tal princípio não está previsto de forma expressa em nenhum dispositivo legal, o qual decorre logicamente do sistema processual e de garantias fundamentais adotadas. Para Paulo Rangel (p. 36), o princípio do promotor natural é decorrente da dedução lógica do princípio da independência funcional (art. 127, §1º/CF), bem como da garantia constitucional da inamovibilidade (art. 128, §5º, inciso I, “b”/CF), o que garante exercício do ofício livre de qualquer pressão, inclusive no caso de avocação de um IP ou processo do âmbito das atribuições de um membro do MP pelo PGR. 1.5 - Princípio da publicidade: Professora Ana Paula Correia de Souza Direito Processual Penal I A publicidade dos atos processuais integra o devido processo legal e representa uma das mais sólidas garantias do direito da defesa e está expressamente previsto no art. 5º, LX, c/c art. 93/CF). No direito brasileiro vigora, em regra, o princípio da publicidade absoluta (ou externa), já que qualquer pessoa pode assistir (fiscalizar) de perto a atividade jurisdicional. No entanto, existem casos previstos em lei que vigora a publicidade interna restrita, como no caso da votação na sala secreta no Tribunal do Júri (art. 485/CPP). 1.6 - Princípio da presunção de inocência (estado de inocência ou presunção de não culpabilidade): A origem deste princípio remete-se ao artigo 9º da Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão (1789), o qual dispõe que “todo acusado é considerado inocente até ser considerado culpado”. Tal dispositivo foi oriundo do “Iluminismo”, que teve à frente Beccaria, Rousseau, Montesquieu. Foi uma época de rompimento com a mentalidade de que o acusado era objeto do processo, sem qualquer garantia, em que vigoravam acusações secretas e torturas (sistema processual penal inquisitório). Este princípio foi consagrado também na Declaração Universal dos Direitos do Homem, da ONU, em 1948. Corroborando o disposto no enunciado acima, o artigo 8º, §2º, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de são José da Costa Rica - 1969), adotado pelo brasil em 1993, pelo Decreto 678, estabelece que “toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprovar legalmente sua culpa”. O princípio em comento também está previsto de forma expressa na CF, em seu artigo 5º, LVII, da CF, segundo o qual “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Deste princípio se extrai a ideia de que milita em favor do acusado a presunção relativa (juris tantum) de que é inocente, de tal modo que cabe ao ACUSADOR o ônus de prova em sentido contrário (Dimensão interna do princípio em comento, segundo Aury Lopes [p.220]). Logo, se ao final do processo restar dúvida (da autoria e/ou da materialidade), está será interpretada em favor do causado, devendo este ser absolvido (art. 386, V ou VII/CPP). Incide o princípio do in dubio pro reo. Além desta regra probatória em relação ao acusado, o princípio em comento remete a uma outra regra específica, que é a de tratamento, em que o estado de inocência (e não a presunção) encontra efetiva aplicabilidade,sobretudo no campo da prisão provisória, principalmente depois do advento da lei nº 12.403/2011 (Lei que alterou dispositivos do Código de Processo Penal, relativos à prisão processual, fiança, liberdade provisória, demais medidas cautelares, e dá outras providências.). Professora Ana Paula Correia de Souza Direito Processual Penal I O princípio exige que toda privação de liberdade antes do trânsito em julgado deve ostentar natureza cautelar, ou seja, proíbe a antecipação dos efeitos da condenação (prisão), quando não fundada em razões de extrema necessidade. Aury Lopes Jr (p. 220) ainda ressalta a importância do citado princípio no que diz respeito à dimensão externa ao processo, no qual se exige uma proteção contra a publicidade abusiva e a estigmatização do réu. “O bizarro espetáculo montado pelo julgamento midiático deve ser coibido pela eficácia da presunção de inocência”. 1.7 - Princípio do contraditório: Princípio previsto no artigo 5º, inciso LV da CF, o qual estabelece que “aos litigantes (partes de processos não punitivos, titulares de interesses conflitantes), em processo judicial ou administrativo (gênero [≠ procedimento administrativo, como o IP]), e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. O contraditório conduz ao direito de audiência e às alegações das partes de forma dialética. Trata-se de princípio extraído do brocado audiatur et altera pars (que a outra parte seja também ouvida). Ou seja, o contraditório é observado quando se criam as condições ideais de fala e oitiva da outra parte, ainda que ela não queira utilizar-se de tal faculdade. É, essencialmente, o direito de ser informado e de participar do processo (dois elementos: informação e reação). A doutrina moderna caminha para a inclusão no princípio em comento, do princípio da paridade de armas. Assim, para que o direito ao contraditório seja efetivamente garantido, é necessário garantir a oportunidade de resposta na mesma intensidade e extensão. O princípio em análise, em alguns casos, tem um efeito postergado, pois é incompatível com a natureza da medida que se precisa adotar, como no caso a interceptação telefônica (Lei nº, 9.296/96, art. 1º: A interceptação de comunicações telefônicas, de qualquer natureza, para prova em investigação criminal e em instrução processual penal, observará o disposto nesta Lei e dependerá de ordem do juiz competente da ação principal, sob segredo de justiça). A decretação da medida e a ciência ao acusado da adoção da mesma, pelo menos naquele ato, são incompatíveis. Neste caso, o devido processo legal exige a presença do contraditório após a colheita do material probatório, sob pena de nulidade. O contraditório admite exceções? NÃO, na fase processual. 1.8 - Princípio da ampla defesa: Princípio previsto no artigo 5º, inciso LV da CF, o qual estabelece que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. Tal princípio se que traduz na liberdade inerente ao indivíduo (no âmbito do Estado Democrático) de, em defesa de seus interesses, alegar fatos e propor provas. Professora Ana Paula Correia de Souza Direito Processual Penal I A ampla defesa deve ser observada sobre 2 enfoques que se complementam: 1) Defesa Técnica: É aquela exercida por profissional habilitado (advogado ou defensor público). A exigência de um advogado no processo criminal visa garantir a igualdade de partes, do ponto de vista técnico, visto que a acusação é feita, em regra, pelo Ministério Público. A propósito, o STF sumulou o seguinte entendimento: “No processo penal, a falta da defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu.” (Sumula 523). Sendo assim, exige-se, além da presença formal de um defensor, a defesa substancial, sendo ela efetiva, atuante e tecnicamente ampla. O CPP confirma a necessidade de defesa técnica, o que traduz o caráter indeclinável da defesa técnica: “Art. 261. Nenhum acusado, ainda que ausente ou foragido, será processado ou julgado sem defensor”. “Art. 263. Se o acusado não o tiver, ser-lhe-á nomeado defensor pelo juiz, ressalvado o seu direito de, a todo tempo, nomear outro de sua confiança, ou a si mesmo defender-se, caso tenha habilitação”. 2) Autodefesa: Consiste na intervenção direta da pessoa do acusado no processo. Se manifesta, por exemplo, pelo direito de audiência (garantia de apresentar- se diante da autoridade – policial ou judicial - para dar sua versão aos fatos - interrogatório) e direito de presença (garantia de acompanhar, com seu advogado, odos os atos de instrução do processo). A autodefesa, ou contrário da defesa técnica, é renunciável pelo acusado, visto que a ele é também garantido o direito constitucional de permanecer em silêncio (artigo 5º, LXIII/CF). 1.9 - Princípio da razoável duração do processo: O Princípio está previsto na CF, em seu artigo 5º, LXXVIII, da CF, segundo o qual “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”. Tal dispositivo, apesar de ser relativamente novo, por ter sido incluído na Carta Magna pela Emenda Constitucional nº 45, em 2004, não inovou o ordenamento jurídico brasileiro, visto que o Brasil é signatário do Pacto de São José da Costa Rica (1969), qual assegura a toda pessoa o direito de ser ouvida perante um juiz ou tribunal dentro de um prazo razoável. Artigo 8. Garantias judiciais Professora Ana Paula Correia de Souza Direito Processual Penal I 1. Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza. Não há na legislação brasileira determinação expressa indicando qual seria a duração razoável do processo. Atrelado a este princípio, deve ser aplicado o princípio da razoabilidade. Segundo Paulo Rangel (p. 43), trata-se de uma norma programática, que não possui instrumentalidade efetiva. “Achar que um processo foi feito para andar rápido é ingenuidade de quem não conhece o sistema judicial brasileiro”. A jurisprudência é unanime no sentido de que não há violação do citado princípio se a demora na instrução criminal for justificada pela complexidade da ação penal, consubstanciada por exemplo, na necessidade de expedição de cartas precatórias, julgamento de incidentes processuais, bem como de realização de exames e perícias e outras diligências, tais como degravação de conversas telefônicas interceptadas, expedição de ofícios, a pluralidade de acusados e de testemunhas, assim como a existência de autos muito volumosos, que demandem maior tempo para a análise e ordenação dos atos. VOCÊ SABIA? O Brasil, por exemplo, já foi condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, no caso Ximenes Lopes. O processo penal deste caso foi extremamente tumultuado e a forma como ele foi conduzido foi censurada pela Corte Interamericana. A denúncia foi incompleta, obrigando a que houvesse posterior aditamento para inclusão de mais réus, gerando inegável tumulto processual. A Corte entendeu que haviam sido violados os arts. 4º (direito a vida), 5º (direito a integridade física), 8º (direito às garantias judiciais) e 25 (direito à proteção judicial) do Pacto de San José da Costa Rica, em razão de excessiva demora na prestação da tutela cível e penal, tendo considerado como fundamentos para a condenação a complexidade do caso, a atuaçãoprocessual dos interessados e do Estado (LOPES JÚNIOR, págs.175 a 178). 1.10 - Princípio da fundamentação das decisões judiciais: Esse princípio está expresso no art. 93, IX, da CF, ao estabelecer que todas as decisões do Poder Judiciário serão fundamentadas, sob pena de nulidade. Este princípio visa controlar a eficácia do contraditório e do devido processo legal e serve para o controle da racionalidade da decisão judicial. A fundamentação se presta a demonstrar qual a interpretação foi dada pelo juiz às provas dos autos, bem como Professora Ana Paula Correia de Souza Direito Processual Penal I da regra jurídica aplicável ao caso, seu conhecimento do processo, impessoalidade e senso de justiça. A fundamentação deve estar presente não apenas na “sentença”, mas em todas as decisões interlocutórias, principalmente aquelas que implicam restrições de direitos e garantias fundamentais (decretação de prisão preventiva, deferimento de interceptação telefônica, busca e apreensão, etc). 1.11 - Princípio do "nemo tenetur se detegere" (nada a temer por se deter): Está previsto no artigo 5º, inciso LXIII, da CF: “o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado”. Corresponde ao direito constitucional do acusado de permanecer em silêncio e de não produzir provas contra si mesmo, sem que dessa inércia resulte prejuízo jurídico para ele. O CPP também prevê o princípio em comento, ao dispor, no seu artigo 186 o seguinte: Art. 186. Depois de devidamente qualificado e cientificado do inteiro teor da acusação, o acusado será informado pelo juiz, antes de iniciar o interrogatório, do seu direito de permanecer calado e de não responder perguntas que lhe forem formuladas. Parágrafo único. O silêncio, que não importará em confissão, não poderá ser interpretado em prejuízo da defesa. 2. Princípios gerais processuais: 2.1 – Princípio da legalidade/obrigatoriedade (art.24/CPP): O princípio da legalidade ou da obrigatoriedade está demonstrado no artigo 24, caput, do Código de Processo Penal, o qual dispõe o seguinte: Art. 24. Nos crimes de ação pública, esta será promovida por denúncia do Ministério Público, mas dependerá, quando a lei o exigir, de requisição do Ministro da Justiça, ou de representação do ofendido ou de quem tiver qualidade para representá-lo. Dispondo o Ministério Público de elementos mínimos para a propositura da ação penal (prova da materialidade e indícios suficientes de autoria), deverá promovê-la, sem a intervenção de critérios políticos, de utilidade social ou conveniência e oportunidade. 2.2 – Princípio da iniciativa das partes (impulso oficial): Professora Ana Paula Correia de Souza Direito Processual Penal I Após o ajuizamento da ação penal, o juiz deverá proceder de ofício em relação ao seu andamento; ao curso da marcha processual ou processamento do feito. Com esse princípio, se impede a paralisação do processo pela inércia ou omissão das partes. A título de exemplo, cita-se os artigos 251 e 156, inciso II do CPP. 2.3 – Princípio da oficialidade: A Constituição Federal assegura no caput do artigo 5º a segurança a seus cidadãos, sendo considerado um direito individual, cabendo ao Estado promovê-la: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) Diante disso, a persecução penal é obrigação Constitucional imposta ao Estado, que a desenvolve por seus órgãos oficiais legitimados: polícias (civil e federal – art.144/CF); Ministério Público (art. 129/CF) e Poder Judiciário (art. 92/CF). Diante do bem jurídico tutelado, o Estado, para agir, não depende de provocação, agindo por si (“de ofício”). O fundamento desse princípio é o interesse público e a defesa social. Esse princípio está ligado diretamente com os princípios da legalidade e da obrigatoriedade. As ações penais privadas são exceções à titularidade ativa da ação penal. No entanto, o particular ofendido só detém o direito ajuizar a ação (jus persequendi in judici) e não do poder de punir (jus puniendi). A execução da pena ou medida de segurança em processo de ação penal privada é atribuição do Estado. 2.4 – Princípio da verdade Real: É essencial que o poder punitivo estatal, quando do exercício do jus puniendi, o promova de forma pontual, objetiva e exitosa. Não pode se admitir erros dentro do processo penal, razão pela qual a verdade real dos fatos deve ser trazida à baila de todas as maneiras possíveis, devendo, ainda, o magistrado promover diligências no sentido de corroborar para o levantamento dos fatos nos autos. Parte da doutrina critica a aplicação do princípio em comento sob o argumento de que a possibilidade do juiz atuar de ofício para produção de novas provas para formar sua convicção são resquícios do sistema processual inquisitivo. Entendem que o juiz não investiga para absolver, até por que se não tiver provas, deve o réu ser absolvido. Esta crítica é rebatida sob o argumento de que este princípio não deve ser analisado de forma isolada, pois ele deve estar concatenado com os demais princípios constitucionais que abarcam o processo penal, tais como: princípio do contraditório, da Professora Ana Paula Correia de Souza Direito Processual Penal I ampla defesa, da persuasão racional ou do livre convencimento motivado, da motivação dos atos judiciais, entre outros. Mesmo com algumas criticas por parte da doutrina, há que se destacar que em sua maioria defende amplamente a aplicação do Princípio da Verdade Real para a consecução do processo penal, defendendo ainda, que para a solução do caso concreto não deve o magistrado ficar adstrito apenas a verdade formal, aquela trazida aos autos elas partes integrantes do processo. Mas sim, o magistrado imbuído na autorização dada pelo artigo 156 do CPP, proceder dentro dos limites legais e das garantias constitucionais, evidenciar todos os meios que possa levar a elucidação do caso com a máxima efetivação da prestação jurisdicional. Segundo Paulo Rangel (p. 7), aplica-se ao processo penal o princípio da verdade processual, pois a verdade que baseia uma sentença é a verdade de dentro dos autos e nem sempre a verdade processual condiz com a realidade fática ocorrida. Até porque o conceito de verdade é relativo. “A verdade dos autos é processual. São os elementos de prova que se encontram dentro dos autos que são levados em consideração pelo juiz em sua sentença”. O STJ reconhece a aplicabilidade do princípio da busca da verdade real no Direito Processual penal, in verbis: Ementa: PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. AUSÊNCIA DE PROCURAÇÃO. NÃO CONHECIMENTO. SÚMULA 115/STJ. PRECEDENTES. ROUBO MAJORADO. RECONHECIMENTO FOTOGRÁFICO REALIZADO DURANTE O INQUÉRITO POLICIAL. NULIDADE SUSCITADA POR AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL E POR INOBSERVÂNCIA DO ART. 226 DO CPP. INOCORRÊNCIA. DILIGÊNCIA INVESTIGATIVA PERMITIDA. ART. 6º, III, DO CPP. PROVA ATÍPICA. PRINCÍPIO DA BUSCA DA VERDADE REAL. RECONHECIMENTO QUE PODERÁ SERRATIFICADO DURANTE A FASE PROBATÓRIA. ART. 226 DO CPP. MERA RECOMENDAÇÃO. INOBSERVÂNCIA. AUSÊNCIA DE NULIDADE. PRECEDENTES. EVENTUAL IRREGULARIDADE NO INQUÉRITO POLICIAL. AUSÊNCIA DE CONTAMINAÇÃO DA AÇÃO PENAL. PRECEDENTES. RECURSO ORDINÁRIO NÃO PROVIDO. (...) II - O rol de diligências investigativas previsto nos arts. 6º e 7º do Código de Processo Penal é meramente exemplificativo, podendo a autoridade policial coletar outras provas, ou seja, adotar outras diligências, nos termos do art. 6º, III, do Código de Processo Penal, dentre elas a colheita de prova atípica, isto é, daquela nãoprevista em lei ou cujo procedimento de obtenção não esteja disciplinado no ordenamento jurídico, sempre que tal diligência for necessária para a investigação e desde que não seja ilícita (expressamente vedada em lei) ou moralmente ilegítima, em obediência ao princípio da busca da verdade real. (STJ. Professora Ana Paula Correia de Souza Direito Processual Penal I RHC 81376 / MT RECURSO ORDINARIO EM HABEAS CORPUS 2017/0041899-3. Min. Relator: FELIX FISCHER. QUINTA TURMA. DJe 30/10/2017). O princípio em comento não é absoluto, existindo algumas situações que o relativizam, a exemplo: a) Infração de menor potencial ofensivo, pois nesses casos admite-se a transação penal e a suspensão condicional do processo (art. 76 e 89, respectivamente, da Lei nº 9.099/95), ocasiões em que o Estado se contenta com o que está acordado entre o Ministério Público e o suposto autor do fato, sem aprofundar nas circunstâncias em que o fato fora praticado. b) Após uma absolvição transitada em julgado, não pode ela ser rescindida, mesmo quando surjam provas contundentes contra o agente. c) Omissão ou desídia do querelante que provoca a perempção. d) Causas de extinção da punibilidade. 2.5 – Princípio do Favor rei: Segundo o princípio da Favor rei, o qual deriva do princípio da presunção de inocência, o operador do direito, ao se deparar com norma que traga interpretações antagônicas, deve optar pela que atenda favoravelmente ao acusado. O favor rei é o que autoriza a absolvição do réu quando se verifica ter ocorrido a prescrição, ou ainda, no caso em que havendo a ocorrência de vício processual que autorize a declaração de invalidade do processo ao mesmo tempo que há provas que autorizem a absolvição, devendo esta prevalecer. Outros exemplos: art. 386, inciso VII; art. 615, §1º; art. 609; art. 621, todos do CPP. 2.6 – Princípio da imparcialidade do juiz: A imparcialidade constitui um dos pressupostos de validade para a constituição da relação processual. O juiz não atua em nome próprio, tampouco sustenta conflito de interesse com qualquer das partes. De nada adianta a adoção de um sistema processual penal atrelado a diversos princípios fundamentais, se o julgamento da pretensão não for proferido por órgão imparcial. Com vistas a assegurar a imparcialidade, por exemplo, a CF veda a criação de juízo ou tribunal de exceção (art. 5º, XXXVII); dispõe a respeito das garantias da magistratura (art. 95, I, II, e III). Já o CPP prevê hipóteses de impedimento (art. 252 e 253) e suspeição (art. 254). Segundo Paulo Rangel (p.21), este é um dos princípios mais difíceis de serem adotados pelo juiz da causa, pois ele poderá, até inconscientemente, se colocar no lugar Professora Ana Paula Correia de Souza Direito Processual Penal I dos pais da vítima de um crime de estupro de vulnerável, por ter uma filha da mesma idade da vítima, ou poderá já ter sido vítima de um roubo semelhante ao que está julgando. 2.7 – Princípio do ne bis in idem: Este princípio veda a perseguição penal pelo mesmo fato ou circunstância. Tal princípio visa preservar a estabilidade da ordem jurídica, da qual deriva a presunção de verdade da coisa julgada. Entretanto, a condenação, pode ser rediscutida em sede de revisão criminal, se surgirem novas provas, desde que tal revisão seja mais favorável ao réu. Não há possibilidade jurídica de revisão pro societate.
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