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ARTRITES INFECCIOSAS Artrite séptica é sinônimo de infecção em uma articulação • As artrites infecciosas/sépticas: agudas (não gonocócicas e gonocócicas) e crônicas (micobactérias e fungos) • É considerada uma emergência clínica, pois o seu atraso no diagnóstico e/ou tratamento pode levar a uma irreversível destruição articular e aumento de mortalidade. • As artrites bacterianas são didaticamente divididas em não gonocócica e gonocócica FISIOPATOLOGIA A artrite infecciosa ou séptica não gonocócica é frequentemente uma bacteriemia oculta. A sinóvia é altamente vascularizada, e a falta de uma membrana protetora torna -a vulnerável ao crescimento bacteriano. • Geralmente, o patógeno alcança o espaço articular por disseminação hematogênica a partir de um processo infeccioso a distância (p. ex.: pneumonia) • A disseminação por outras vias também pode ser observada: como nos casos em que há osteomielite adjacente (sobretudo em crianças), inoculação direta de bactérias na articulação por meio de artrocentese ou artroscopia (iatrogênica) ou por trauma penetrante. Consequências: • A proliferação bacteriana no líquido sinovial induz aumento da atividade fagocítica dos polimorfonucleares e das células sinoviais. • Dentro de poucas horas, a sinóvia torna--se infectada, levando à sua proliferação e provocando degradação enzimática, neovascularização e desenvolvimento do tecido de granulação. • À medida que elementos purulentos se acumulam, a pressão intra--articular aumenta e o fluxo sanguíneo sinovial fica tamponado, resultando em anóxia dessa cartilagem e contribuindo para a necrose da cartilagem. ETIOLOGIA • Bactérias Gram--positivas (75 a 80%) predominam como agente etiológico mais prevalente nas artrites sépticas não gonocócicas. • Principal agente: S. aureus (60%), seguido do estreptococo beta--hemolítico (30%). • Bacilos Gram--negativos, como E. coli, Klebsiella pneumoniae, Salmonella spp. e Pseudomonas spp, são encontrados em grupos de risco, enquanto a Pseudomonas aeruginosa é mais comumente observada em usuários de drogas IV. • Bactérias anaeróbias (geralmente após mordeduras humanas e quando úlceras de decúbito ou abscessos intra--abdominais disseminam--se para articulações adjacentes) QUADRO CLÍNICO • Em geral, o acometimento é monoarticular (80-90%), de início súbito, doloroso, com derrame articular extenso e limitação dos movimentos ativos e passivos da articulação pela dor • Quadro febril de instalação súbita, calafrios quando há bacteriemia e queda do estado geral. • Articulação: Calor, vermelhidão e edema com prejuízo variável da mobilidade. • Principais articulações: joelhos (50%) e quadris (15%) • Tornozelo (9%), cotovelo (8%), punho (6%) e ombro (5%). • O envolvimento poliarticular é visto em cerca de 10 a 20% dos casos, principalmente nos portadores de quadros gonocócicos • O acometimento do esqueleto axial é raro. Nas crianças menores de 2 anos, o quadro clínico inicial pode ser sistêmico, com: • febre, irritabilidade, anorexia, espasmo muscular e pseudoparalisia do membro envolvido. LABORATÓRIO • Hemoculturas (positivas em até 50% dos casos) • Hemograma (leucocitose) • velocidade de hemossedimentação (VHS) (elevado) • proteína C reativa (elevado) EXAMES DE IMAGEM Radiografia simples, ultrassonografia, cintilografia óssea, tomografia computadorizada e ressonância magnética. Estas modalidades, embora avaliem a integridade da articulação, a presença e a extensão de inflamação, não oferecem de forma acurada a distinção entre infecção e inflamação • A radiografia simples é de pouco auxílio, podendo revelar edema periarticular, deslocamento muscular por distensão da cápsula e até subluxação. • A ultrassonografia é de especial ajuda em casos de dúvida de diagnóstico clínico e em articulações de difícil avaliação, como o quadril. Esse exame detecta derrames articulares precocemente, podendo ainda servir de orientação para a escolha do melhor local de punção. DIAGNÓSTICO Artrocentese com Análise do líquido sinovial. Análise do líquido sinovial: • Analisa--se a coloração pelo método de Gram, contagem de leucócitos total e diferencial, cultura e pesquisa de cristais • O líquido sinovial deve ser preferencialmente coletado antes do início da antibioticoterapia. • Na artrite séptica bacteriana o fluido sinovial costuma ser purulento, de cor amarelada, opaco, com leucócitos acima de 50.000/mm³, predominando polimorfonucleares. Valores inferiores a 50.000/mm³ podem ser observados em pacientes que estão em vigência ou receberam antibióticos ou imunodeprimidos • A cultura é positiva em mais de 60% dos casos. • Artrite séptica pode coexistir com artropatia por cristais, portanto, a presença destes não exclui infecção. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL O diagnóstico diferencial de artrite séptica bacteriana inclui doenças inflamatórias reumáticas e outras doenças infecciosas dentro de um contexto clínico que envolva mono ou oligoartrite, associada a febre e alteração do estado geral: • Outras artrites infecciosas por micobactérias, fungos, espiroquetas e vírus. • Artropatias por cristais como gota e doença por depósito de pirofosfato de cálcio. • Artrite traumática. • Artrite relacionada às espondiloartrites: reativa, psoriásica, espondilite anquilosante e doença inflamatória intestinal. • Artrite associada a outras doenças autoimunes como artrite reumatoide, lúpus eritematoso sistêmico, doença de Behçet, vasculites sistêmicas. • Artrites associadas a lesões metastáticas e sinovite vilonodular pigmentada A sinovite transitória do quadril é um distúrbio inflamatório autolimitado do quadril que comumente afeta crianças entre 2 e 12 anos de idade. • O diagnóstico diferencial mais importante a descartar é a artrite séptica do quadril. • É mais comum em meninos. • Apresenta-se agudamente com claudicação e dor leves a moderadas no quadril. • O tratamento é de suporte, com restrições da atividade e anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs) conforme necessários. TRATAMENTO É necessário iniciar a antibioticoterapia com base no quadro clínico, presença de fatores de risco e coloração de Gram, até que o resultado das culturas e do antibiograma seja conhecido. • Levando-se em consideração que a destruição articular é rápida, que o método de Gram tem baixa positividade para as bactérias intra-articulares e que o resultado da cultura poderá ser avaliado em 72 horas, indica-se a introdução de antibioticoterapia empírica baseada nos agentes etiológicos mais prováveis para a faixa etária do paciente em questão. Com o resultado definitivo da cultura, reavaliar a antibioticoterapia utilizada. Antibioticoterapia: • Os antibióticos devem ser administrados inicialmente por via parenteral, por 2 a 4 semanas. • Se houver evolução favorável, após 2 semanas, o esquema poderá então ser convertido em dose equivalente oral e que a droga tenha equivalência de espectro e biodisponibilidade adequada. • Em caso de artrite séptica por Gram--negativo e S. aureus, recomenda--se terapia endovenosa por 4 semanas A drenagem da articulação acometida por artrocentese ou por via cirúrgica é parte da abordagem terapêutica (pois essa condição representa um abscesso fechado) • Drenagem da articulação por meio de artrocentese com agulha ou via cirúrgica (artroscopia ou artrotomia) é considerada essencial para o adequado manejo da artrite séptica • A artrocentese por agulha pode ser realizada diariamente. É utilizada para articulações de fácil acesso como o joelho e permite a cada aspiração avaliar a citologia do líquido sinovial, colher cultura e, assim, acompanhar, juntamente com a evolução clínica (redução de edema e calor), a resposta terapêutica. • A drenagem cirúrgica geralmente é necessária para articulações como ombro e quadril e em casos de infecção associadaà presença de prótese articular. Também pode ser utilizada em situações em que a artrocentese seriada não foi associada a melhora do quadro articular ou quando, mesmo em articulações de fácil acesso, a aspiração para drenar líquido sinovial purulento não é efetiva. • Nos casos de artrite séptica de joelho, ombro e punhos, quando se opta pelo método cirúrgico de drenagem, a artroscopia geralmente é preferível. Para as infecções em quadril a drenagem aberta (artrotomia) geralmente é requerida. • A abordagem cirúrgica é mandatória em casos de infecção de prótese articular. • Durante todo o tratamento do quadro infeccioso recomendam--se medidas fisioterápicas com objetivo de evitar contraturas, promover mobilização, manutenção ou ganho gradual de amplitude de movimentos COMPLICAÇÕES E PROGNÓSTICO • Mortalidade: 10 a 20% (fatores de risco: como idade acima de 65 anos, imunossupressão, doenças coexistentes) • Em infecção por S. aureus, 50% dos pacientes apresentam perda da função articular; dos pacientes que tiveram infecção por pneumococo, 95% retornam a função articular a níveis basais • A piora permanente da função articular é observada em cerca de 40% dos pacientes acometidos. ARTRITE SÉPTICA EM PRÓTESES ARTICULARES • A artrite séptica em próteses articulares costuma ser caracterizada por quadro mais indolente, uma vez que os microrganismos produzem biofilmes sobre a prótese, dificultando a penetração de antibióticos e a ação fagocítica do sistema imune. • Na suspeita de artrite séptica relacionada à prótese, faz--se necessária a coleta de material para análise do líquido sinovial e culturas; os valores de leucócitos totais nestes casos podem estar abaixo daqueles esperados para infecções em articulações naturais • a antibioticoterapia deve ser direcionada contra bactérias produtoras de biofilme e geralmente é essencial ser associada à remoção da prótese. • Após antibioticoterapia prolongada, a implantação de uma nova prótese pode ser aconselhada. As infecções que ocorrem em menos de 3 meses de pós--operatório provavelmente são causadas por S. aureus ou bacilos Gram--negativos, em razão de contaminação cirúrgica: • Esses casos podem cursar com febre elevada, drenagem de secreção purulenta pela ferida operatória, dor, eritema e edema articular. Em casos em que a infecção se dá após 3 meses da cirurgia, além do S. aureus ou dos bacilos Gram- -negativos, a cobertura antibiótica precisa também incluir estreptococos, outros estafilococos e bactérias anaeróbias. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE OSTEOMIELITE • A osteomielite pode cursar isoladamente, como complicação de uma artrite séptica ou mesmo levando a uma artrite séptica, seja em adultos ou crianças. • A bactéria pode atingir o osso seguindo três caminhos: invasão direta hematogênica a partir de uma bacteriemia, eventualmente uma septicemia; invasão a partir de um foco contíguo de infecção (geralmente uma celulite/paniculite) e por inoculação direta seguida a um trauma ou ato cirúrgico. • Principal agente: S. aureus • Clínica: febre de intensidade variável, mal--estar, dor na região acometida (porém muitas vezes não há correlação entre a intensidade dos sintomas e gravidade da osteomielite) • diagnóstico etiológico: isolamento do microrganismo causador a partir de material obtido diretamente por punção óssea ou de estruturas anatômicas contíguas ao osso • Imagem: cintilografia óssea (fornece certeza da existência de lesão óssea) Tratamento: cuidados gerais, antibioticoterapia (cobrir S. aureus) e às vezes intervenção ortopédica, como punção e drenagem cirúrgica com lavagem • Crianças após o período neonatal está indicada oxacilina 200 mg/kg/dia. • Adultos/idosos, clindamicina 30 a 50 mg/kg/dia, endovenosa, vancomicina 50 mg/kg/dia em 4 tomadas por dia e teicoplamina 8 mg/kg/dia em duas tomadas por 2 dias (dose de ataque), seguida de 6 mg/kg/dia em dose única diária. • O tempo de uso vai depender da curva térmica da evolução laboratorial com diminuição das provas inflamatórias como PCR, VHS e da clínica, mas geralmente não usar por menos de 4 a 6 semanas. ARTRITE GONOCÓCICA A artrite gonocócica ou infecção gonocócica disseminada (IGD) resulta da propagação hematogênica do patógeno N. gonorrhoeae, tendo como porta de entrada uma infecção, sexualmente adquirida, de mucosa. • A artrite gonocócica é a principal complicação do sistema musculoesquelético da gonorreia • É a causa mais comum de artrite séptica aguda em jovens sexualmente ativos. • Apesar disso, a proporção geral de casos de artrite séptica causados por N. gonorrhoeae é baixa • O envolvimento articular pode ser único ou múltiplo, sendo que a tenossinovite ocorre em 1/3 dos pacientes. • A maioria dos pacientes do IGD nega sintomas genitourinários, anorretais ou faríngeos, apesar de a infecção gonocócica nesses sítios poder ser identificada em 70 a 80% deles ou em seus parceiros sexuais. Etiologia • N. gonorrhoeae é um diplococo Gram-negativo que infecta exclusivamente humanos. • O gonococo infecta superfícies mucosas, incluindo a uretra, endocérvice, faringe, reto e, por contaminação cervicovaginal, a conjuntiva no recém--nascido. • A artrite gonocócica ocorre por disseminação hematogênica a partir dessas portas de entrada. QUADRO CLÍNICO • Sua apresentação típica é a tríade: poliartrite, tenossinovite e lesões cutâneas. Em geral, apresenta duas fases: bacterêmica (caracterizada pela tríade: poliartrite, tenossinovite e dermatite) e supurativa. Bacterêmica: febre alta (calafrios), poliartrite aditiva ou migratória, tenossinovites (mais comum no dorso das mãos) e dermatite. • As lesões cutâneas são indolores, não pruriginosas, podendo não serem percebidas pelos pacientes, e ocorrem em tronco e extremidades, poupando a face. • Classicamente, são pápulas ou vesículas, contudo, também podem se apresentar como pústulas, vasculite, bolhas hemorrágicas, eritema multiforme, eritema nodoso e urticária. • A tenossinovite ocorre com maior frequência em dorso das mãos, dedos e pés. • Essa fase dura de 48 a 72 horas e pode se resolver espontaneamente. Supurativa: monoartrite (caracterizada pelos sinais clássicos de artrite séptica de qualquer etiologia) de grandes articulações periféricas, em particular joelhos, punhos, ombros e cotovelos. • Esternoclaviculares e temporomandibulares podem ocasionalmente ser envolvidas. • Artrite em mais de uma articulação também pode ser vista, assim como ausência da fase de bacteremia É possível que ocorram complicações graves, tais como endocardite, bloqueios de condução, osteomielite e meningite. EXAMES COMPLEMENTARES • Exames laboratoriais: leucocitose, às custas de polimorfonucleares, elevação de velocidade de hemossedimentação e proteína C reativa são frequentes, mas inespecíficas. • Hemoculturas: positivas em torno de 50% dos casos, principalmente em pacientes na fase bacteriêmica • Exames de imagem: normalmente não são necessários para o diagnóstico de IGD e pouco acrescentam em relação ao exame físico, apesar de mais sensíveis na detecção de artrite e tenossinovite. Artrocentese com Análise Do Líquido Sinovial (celularidade, Gram e cultura): deve ser realizada em todo paciente com derrame articular e suspeita de IGD • O líquido sinovial na artrite gonocócica geralmente contém de 10 mil a 100 mil células/mm³, com predomínio de polimorfonucleares. • A presença de diplococos Gram--negativos ocorre em menos de 25%, e as culturas são positivas em menos de 50% dos casos • O centro de laboratório deve ser avisado da suspeita de infecção gonocócica para que as culturas sejam processadas adequadamente, devendo idealmente serem semeadas à beira do leito em ágar chocolate ou Thayer--Martin. As colônias de N. gonorrhoeae podem precisar de mais de 48 horas de incubação para crescer. Pesquisa demucosas: na suspeita de IGD, amostras de secreção uretral, cervical, faríngea e retal devem ser coletadas, mesmo na ausência de sintomas nesses locais. • Os testes de amplificação de ácido nucleico (PCR) são os mais sensíveis e são positivos em mais de 90% dos pacientes não tratados. Se indisponíveis, a cultura é o teste alternativo preferido. • Aproximadamente 80% dos pacientes têm uma cultura positiva de algum sítio mucoso, sendo o trato genitourinário o de melhor rendimento. • As culturas do parceiro sexual também devem ser obtidas e podem ser positivas mesmo que as do paciente não sejam DIAGNÓSTICO • O diagnóstico definitivo da IGD é feito pela identificação da N. gonorrhoeae em amostra de sangue, líquido ou tecido sinovial, lesão cutânea ou outro local não mucoso. • Se estas forem negativas, o diagnóstico presuntivo pode ser feito em um paciente com evidência microbiológica de N. gonorrhoeae em mucosa e uma apresentação clínica compatível com IGD. • Nos casos em que todos os testes microbiológicos forem negativos, o diagnóstico é assumido com base em uma apresentação clínica típica, ausência de causa alternativa e resposta à terapia apropriada. TRATAMENTO Hospitalização está indicada quando o diagnóstico não está bem definido, em pacientes com artrite purulenta franca, ou com sintomas de difícil alívio Ceftriaxona 1 g/dia IV ou intramuscular (IM) a cada 24 horas, associado com azitromicina 1 g, via oral, em dose única. • Alternativa: ceftizoxima ou cefotaxima, ambas 1 g, intravenoso, a cada 8 horas e associadas com azitromicina na mesma dose. • A doxiciclina 100 mg, via oral, a cada 12 horas, durante 7 dias, pode ser usada como alternativa à azitromicina, juntamente com a cefalosporina parenteral. A associação com azitromicina ou doxiciclina possui duplo efeito, tanto na redução da resistência bacteriana como no tratamento da clamídia, comumente presente como coinfecção. • De modo geral, a melhora clínica é muito rápida, dentro de 24 a 48 horas do início da antibioticoterapia, o que ajuda na confirmação dos casos com diagnóstico presumido. • A terapia parenteral deve ser mantida em torno de 48 horas após a melhora clínica e então substituída por terapia via oral, para completar 7 a 10 dias. • Para continuação do tratamento oral, pode--se usar a cefixima 400 mg, a cada 12 horas. • Para pacientes com artrite purulenta ou com alguma comorbidade, pode ser necessário um tratamento parenteral mais prolongado, de 7 a 14 dias. O parceiro sexual, com contato até dois meses antes do diagnóstico, deve ser tratado, tanto para N. gonorrhoeae como para clamídia. Pode ser usado ceftriaxone 250 mg, intramuscular, associado a azitromicina 1 g, via oral, em dose única, ou a doxiciclina 100 mg, a cada 12 horas, por 7 dias. PROGNÓSTICO • O prognóstico é bem favorável, geralmente sem sequelas, sobretudo quando o diagnóstico e a terapêutica são precoces