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VERSÃO REVISADA - 2024-2025 (C) TODOS OS DIREITOS RESERVADOS. USO EXCLUSIVO DOS ALUNOS DO CURSO. MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 1 http://psicanaliseclinica.com Módulo IV - O Método Psicanalítico Índice 1. A técnica da psicanálise para Freud 8 1.1. Freud e a Técnica da Psicanálise 8 2. O método da Associação Livre 13 2.1. O início da Psicanálise e a Associação Livre hoje 14 2.2. A gênese da Associação Livre 15 2.3. O significado de “Livre” 17 3. O início do tratamento e as entrevistas preliminares 21 3.1. O que Freud chamou de “tratamento de ensaio” 23 3.2. Para que servem as Entrevistas Preliminares? 26 4. O “meio” do tratamento: seu manejo 31 4.1. Resistências, transferência e contratransferência 32 4.2. A Psicanálise Selvagem 33 4.3. O erro e o dado em Psicanálise 35 4.4. Alteridade: o outro e o Grande Outro 41 5. Recursos e ferramentas que podem integrar a Associação Livre 47 5.1. O recurso da Atenção Flutuante 48 5.2. O método socrático (maiêutica) em Psicanálise 50 5.3. O recurso da interpretação dos sonhos 53 5.4. O recurso da análise dos mecanismos de acesso ao inconsciente 55 6. Uma síntese sobre os Procedimentos de Análise 59 7. Fim do Tratamento em Psicanálise e a ideia de Cura 63 7.1. O que não é cura em psicanálise? 64 7.2. A cura psicanalítica para Freud 66 7.3. A cura psicanalítica para Lacan 67 7.4. Análise terminável e interminável 69 7.5. Sobre o conceito de Alta 71 7.6. Encaminhamento de paciente a psiquiatra 74 7.7. Recusa ou interrupção do tratamento pelo psicanalista 76 7.8. Os objetivos de um tratamento em psicanálise 78 7.9. Reconhecer (ou constituir) seu próprio desejo 79 8. Mecanismos de acesso ao inconsciente 85 8.1. Chistes 86 8.2. Atos falhos 90 8.2.1. Definição de ato falho 91 8.2.2. Tipos de atos falhos 94 8.2.2.1. Atos falhos de linguagem 95 8.2.2.2. Atos falhos de esquecimento 97 MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 2 http://psicanaliseclinica.com 8.2.2.3. Atos falhos de comportamento 99 9. Teoria Topográfica: Primeira Tópica Freudiana 102 9.1. Conceituação da Teoria Topográfica 103 9.1.1. Como representar a Teoria Topográfica? 106 9.2. Instâncias psíquicas da teoria topográfica 106 9.2.1. O Consciente 106 9.2.2. O Pré-Consciente 114 9.2.3. O Inconsciente 119 9.3. Processo primário e processo secundário 125 9.4. Processos de funcionamento do Inconsciente 134 9.5. A topografia de personalidade 139 10. Teoria Estrutural: a segunda tópica freudiana 141 10.1. Em que consiste a Teoria Estrutural? 141 10.2. Instâncias psíquicas da teoria estrutural 143 10.2.1. O Id 144 10.2.2. O Ego 148 10.2.3. O Superego 151 10.3. O funcionamento das instâncias 154 10.3.1. O funcionamento do Id 154 10.3.2. O funcionamento do Ego 158 10.3.3. O funcionamento do Superego 164 10.4. A personalidade e sua dinâmica na Teoria Estrutural 167 11. Uma representação visual para as duas tópicas 169 11.1. Revisão: Primeira e Segunda Tópicas 171 12. Quizzes (Enquetes) 175 13. Referências bibliográficas 187 MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 3 http://psicanaliseclinica.com Introdução Esta é a apostila base referente ao módulo IV da parte teórica do Curso. Nesse módulo, vamos aprofundar alguns conceitos centrais que estruturam a clínica psicanalítica, isto é, começaremos a abordar a metapsicologia freudiana (ou seja, a psicanálise falando de si mesma, analisando-se enquanto método) e da relação entre analista e analisando. Ao longo da apostila, logo ao final de alguns capítulos, estão indicadas leituras, vídeos e/ou filmes que são importantes para o curso de formação, haja vista a relevância desses conteúdos no desenvolvimento profissional. Quando as leituras forem opcionais, haverá a indicação no próprio material. Temos também vídeo-aulas e lives de revisão dos módulos (na área de membros), que resumem os assuntos dos módulos. Para fins de realização de prova, a leitura das apostilas é suficiente. Na fase final do Curso (Supervisão), isto é, após você concluir os 12 módulos teóricos, você terá encontros ao vivo por videoconferência (transmissões ao vivo por vídeo), em que serão debatidos estudos de casos, a dinâmica da clínica psicanalítica e suas técnicas, bem como serão revisados alguns conceitos teóricos essenciais à melhor interpretação dos casos. À primeira vista, você pode pensar que a leitura desta apostila é muito extensa. Porém, a organização dos conteúdos foi feita para ser bastante didática. Você vai perceber que a leitura flui bem, porque a apostila faz revisões frequentes, traz resumos, mapas mentais e enquetes, com o objetivo de fixar os conteúdos mais importantes. Na fase final do Curso (Supervisão), isto é, após você concluir os 12 módulos teóricos, você terá encontros ao vivo por vídeo-conferência (transmissões ao vivo por vídeo), em que serão debatidos estudos de casos, a dinâmica da clínica psicanalítica e suas técnicas, bem como serão revisados alguns conceitos teóricos essenciais à melhor interpretação dos casos. MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 4 http://psicanaliseclinica.com Estamos adicionando quizzes ou enquetes nos módulos. Este módulo 4 já tem enquetes, ao final desta apostila. As enquetes servem para revisar e fixar conteúdos. Importante: a prova do módulo (contendo 10 perguntas de múltipla escolha e uma redação) é diferente das enquetes (que são perguntas de verdadeiro ou falso). O que constata que você de fato terminou um módulo é fazer a prova deste módulo (10 questões de múltipla escolha + redação). Depois de ter feito a prova de um módulo, você já pode imediatamente começar os estudos do módulo seguinte. Para todos os módulos, a parte obrigatória do Curso de Formação são Apostilas + Vídeo e Provas (questões + redação) cujos links foram marcados com flechas em vermelho (acima). Estude a apostila e faça a prova (10 questões + uma redação) para concluir um módulo (então, faça o módulo seguinte, até o módulo 12). Já os materiais complementares (indicados com flechas azuis acima) são opcionais. Dedique-se ao máximo às leituras e demais materiais. Embora a formação on-line possibilite uma autonomia de tempo e andamento para a MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 5 http://psicanaliseclinica.com compreensão dos conteúdos, a qualidade do entendimento das temáticas fundamentais à formação e prática profissional depende muito do comprometimento e da seriedade com que você irá se dedicar. Aproveite bem os materiais e bons estudos! MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 6 http://psicanaliseclinica.com IMPORTANTE Estamos constantemente revisando e melhorando nosso material. Você está recebendo esta que é a nova versão da apostila do Módulo 4, atualizada para 2023-2024. Nossos materiais são revisados e melhorados com certa frequência. Recomendamos que, após concluir o Curso, você revise os módulos já estudados: servirá para você aprofundar seu aprendizado e para verificar novas versões de nossos materiais. Este material pertence ao Curso de Formação em Psicanálise Clínica (www.psicanaliseclinica.com). Sua divulgação paga ou gratuita não é permitida sem prévia autorização do nosso Instituto Brasileiro de Psicanálise Clínica (CNPJ 28.447.037/0001-81). Informe-nos qualquer uso não autorizado, pelo e-mail contato@psicanaliseclinica.com. Este material é parte das aulas do Curso de Formação em Psicanálise. Proibida a distribuição onerosa ou gratuita por qualquer meio, para não alunos do Curso. MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 7 http://www.psicanaliseclinica.com mailto:contato@psicanaliseclinica.com http://psicanaliseclinica.com 1. A técnica da psicanálise para Freud Embora haja uma modificação dos conceitos teóricos de Freud ao longode sua obra, dois pontos são mantidos no que concerne à sua importância: ● o papel central da sexualidade, que se origina desde a vida infantil; e ● o inconsciente. No que diz respeito à técnica da Psicanálise, após passar a adotar o método da associação livre, Freud não abandonará mais este método. Este método é, também, uma constante na obra de autores pós-freudianos. Ao associar livremente suas ideias, o paciente no decorrer do tratamento vai superando as suas resistências e deste modo os conteúdos do inconsciente são trazidos para a consciência. 1.1. Freud e a Técnica da Psicanálise O paciente neurótico é aquele no qual o conflito psíquico entre consciente e inconsciente é intenso. O recalque incide sobre o neurótico e sua satisfação é realizada nas “formações de compromisso”, principalmente por meio dos sintomas. Segundo Freud, a mola mestra da clínica psicanalítica é a transferência, que é ambígua, ou seja, positiva e negativa: amor transferencial e hostilidade. MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 8 http://psicanaliseclinica.com A transferência é, então, a “permissão” que o analisando concede para que o analista esteja imerso na rede de significados deste analisando, permitindo ao analista indagar e propor interpretações. É através dessa inserção do psicanalista na cadeia de representações do paciente que o psicanalista pode, por meio da interpretação e construção, dar prosseguimento à análise. Como a doença (ou sintoma, ou demanda) inicial do paciente não é estática, com a transferência ela se transforma em neurose de transferência. Segundo Freud, “eliminar essa neurose equivale a eliminar a doença inicial”. A construção designa a atividade do analista de completar aquilo que foi esquecido, a partir dos traços que foram deixados pelo paciente (analisando). A interpretação indica o desejo. A psicanálise pelo método da associação livre se contrapõe à sugestão hipnótica; esta tenta solucionar os sintomas por meio de sugestões, e por outro lado o seu próprio emprego acarreta no encobrimento do recalque. A psicanálise é uma análise causal, isto é, busca identificar evidenciar as relações entre causa e consequência, sendo: ● a causa: aquilo que está recalcado (a representação-meta); ● a consequência: os sintomas ou os incômodos que o paciente relata (as representações substitutas daquilo que foi interditado no inconsciente). A Psicanálise se propõe a identificar e remover suas causas. Apesar disso, a Psicanálise não incide só sobre as raízes dos fenômenos, mas possa também refletir sobre as consequências (a forma de ver os sintomas, por exemplo). Deste modo, a Psicanálise com seu arcabouço teórico se insere no campo da ética, e, como tal, se revela a ética do impossível, já que não impõe MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 9 http://psicanaliseclinica.com uma determinada moral aos seus pacientes, mas deixa a cargo dos mesmos tomar a decisão por si mesmos. MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 10 http://psicanaliseclinica.com INDICAÇÃO DE LEITURA (OPCIONAL) Em algumas de nossas apostilas, indicaremos artigos relacionados aos assuntos do módulo. A leitura desses artigos é opcional para fins de prova, mas recomendamos que você busque sempre essas (e outras) fontes para se aprofundar nos temas abordados. ● Artigo: O que é o Método Psicanalítico? ● Artigo: Etapas da Terapia Psicanalítica ● Artigo: Conceito de Representação em Freud LIVES MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 11 https://www.psicanaliseclinica.com/o-que-e-metodo-psicanalitico/ https://www.psicanaliseclinica.com/etapas-terapia/ https://www.psicanaliseclinica.com/representacao/ http://psicanaliseclinica.com Acesse sua área de membros e, depois, clique em “Lives & Gravações”. Você terá acesso a dezenas de lives gravadas, muitas delas abordando assuntos debatidos neste Módulo. Além disso, também na área de membros você encontra vídeo-aulas sobre os assuntos deste Módulo. MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 12 http://psicanaliseclinica.com 2. O método da Associação Livre Teremos oportunidade de aprofundar outros aspectos da clínica psicanalítica, como transferência, contratransferência e resistência. Faremos isso nos módulos seguintes e nos estudos de casos práticos na etapa de Supervisão do nosso Curso. Por ora, convém abordar a essência da clínica psicanalítica, que é a técnica ou método da associação livre. Vimos nos módulos anteriores que Freud substituiu a primazia da sugestão hipnótica em favor da associação livre. Isso significa dizer que a associação livre passa a ser o método psicanalítico por excelência, o que permanecerá durante toda a trajetória de Freud. Em outras palavras, a associação livre é a forma mais notadamente psicanalítica para conduzir uma sessão de análise. O paciente fala e, falando, já há um alívio psicofísico, pelo simples fato da mobilização mecânica descarregar parte da tensão psíquica. Mas, além deste aspecto quantitativo, há a dimensão qualitativa, isto é, do conteúdo: falando o que lhe vier na cabeça (sem autocensura, sem censuras do analista e sem censuras das representações sociais ou morais), o paciente “distrai” seus mecanismos de defesa, permitindo aflorar aspectos inconscientes. Nesse sentido, não há certo ou errado, não há “perder o foco”. Ou melhor, Freud diria que “perder o foco” é exatamente a chave para encontrar o inconsciente. Afinal, os sonhos, os atos falhos e os chistes são exemplos desses ricos “erros”. Nós nos basearemos na contribuição de LAPLANCHE & PONTALIS, para aprofundarmos a reflexão sobre a associação livre. MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 13 http://psicanaliseclinica.com A associação livre é um método que consiste em exprimir indiscriminadamente todos os pensamentos que ocorrem ao espírito, quer a partir de um elemento dado (palavra, número, imagem de um sonho, qualquer representação), quer de forma espontânea. O processo de associação livre é constitutivo da técnica psicanalítica. Não é possível definir uma data exata de sua descoberta, que se deu de modo progressivo entre 1892 e 1898, e por diversos caminhos. 2.1. O início da Psicanálise e a Associação Livre hoje Vimos nos módulos anteriores que Sigmund Freud, nos seus trabalhos com Jean-Martin Charcot e Josef Breuer, usou da sugestão hipnótica e do método catártico. Vimos também que, mesmo nessa fase inicial, já existiam sinais de uma nascente associação livre. E que, depois que Freud seguiu sua MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 14 http://psicanaliseclinica.com atuação mais autônoma, rejeitou a hipnose e a sugestão, para desenvolver reflexões sobre o seu método definitivo: a associação livre. Então, hoje não é possível o psicanalista “escolher” qual método usar, pois aconselhamentos, sugestões e hipnose não integram fazer psicanalítico, embora tudo isso tenha uma importância na gênese da psicanálise como campo do saber. Também, a nosso ver, a atenção flutuante, a interpretação dos sonhos ou a maiêutica não são outros métodos da psicanálise. A nosso ver, são ferramentas que podem integrar a Associação Livre. Falaremos sobre todos estes assuntos a seguir. 2.2. A gênese da Associação Livre Como é demonstrado pelos Estudos sobre a histeria (Freud, 1895), a associação livre emana de métodos pré-analíticos de investigação do MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 15 http://psicanaliseclinica.com inconsciente que recorriam à sugestão e à concentração mental do paciente em uma determinada representação; a procura insistente do elemento patogênico desaparece em proveito de uma expressão espontânea do paciente (entenda melhor este aspecto lendo os comentários de Freudao caso Emmy Von N., abaixo sintetizado). Os Estudos sobre a histeria põem em evidência o papel desempenhado pelos pacientes nesta evolução. Paralelamente, Freud utiliza o processo de associação livre na sua auto-análise e particularmente na análise dos seus sonhos. Aqui, é um elemento do sonho que serve de ponto de partida para a descoberta das cadeias associativas que levam aos pensamentos do sonho. As experiências anteriores à Freud consistiam no estudo das reações e dos tempos de reação (variáveis segundo o estado subjetivo) a palavras indutoras. Isto é, o analista sugeria algumas palavras e o analisando respondia rapidamente, com o que lhe vinha à cabeça. Carl Gustav Jung põe em evidência o fato de que as associações que assim se produzem são determinadas pela totalidade das idéias em relação a um acontecimento particular dotado de uma coloração emocional, totalidade à qual dá o nome de complexo. Freud, em A história do movimento psicanalítico (1914), admite o interesse dessas experiências “para se chegar a uma confirmação experimental rápida das constatações psicanalíticas e para mostrar diretamente ao estudante esta ou aquela conexão que um analista apenas pode relatar”. Talvez convenha ainda fazer referência a uma fonte que o próprio Freud indicou em Uma nota sobre a pré-história da técnica analítica (1920): o escritor Ludwig Börne, que Freud leu na juventude, recomendava, para alguém “se tornar um escritor original em três dias”, escrever tudo o que ocorre ao espírito, e denunciava os efeitos da autocensura sobre as produções intelectuais. MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 16 http://psicanaliseclinica.com Essas ideias, sem dúvidas, influenciaram a livre associação de Freud, que, depois, aproveitaria a noção da livre expressão de ideias como forma de minimizar a autocensura. Além disso, Freud não focaria no processo de induzir o paciente com palavras sugestivas de forma aleatória, mas sim aproveitando de conteúdos trazidos pelo próprio analisando (seus sonhos, seus atos falhos, seus desejos relatados etc.). No mais das vezes, a iniciativa das escolhas sobre o que falar se originavam do próprio analisando, sendo o analista alguém que faz apontamentos curtos, em geral na forma de perguntas que provocam no analisando o sentido por trás de suas associações. 2.3. O significado de “Livre” Nesse sentido, a título de conclusão, o termo “livre” na expressão “associação livre” exige as seguintes observações: MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 17 http://psicanaliseclinica.com ● Mesmo nos casos em que o ponto de partida é fornecido por uma palavra indutora (experiência de Zurique) ou por um elemento do sonho (método de Freud em A interpretação de sonhos, 1900), pode-se considerar que é “livre” o desenrolar das associações, na medida em que esse desenrolar não é orientado e controlado por uma intenção seletiva; ● Essa “liberdade” acentua-se no caso de não ser fornecido qualquer ponto de partida. É nesse sentido que se fala de regra de associação livre como sinônimo de regra fundamental para a Psicanálise. ● Na verdade, não se deve tomar liberdade no sentido de uma indeterminação: a regra de associação livre visa em primeiro lugar eliminar a seleção voluntária dos pensamentos, ou seja, segundo os termos da primeira tópica freudiana, pôr fora de jogo a censura dos processos secundários (entre o consciente e o pré-consciente). A associação livre ajudaria a revelar, assim, as defesas inconscientes, quer dizer, a ação da primeira censura (entre o pré-consciente e o inconsciente), a censura daquilo que está mais profundamente recalcado. ● Por fim, o método das associações livres destina-se a pôr em evidência uma ordem determinada do inconsciente: “Quando as representações-metas conscientes são abandonadas, são representações-metas ocultas que reinam sobre o curso das representações”, diz Freud. Explicando esta última frase de Freud: uma ideia fixa trazida à terapia (por exemplo, uma fobia específica) é uma representação consciente, isso pode ir se relacionando a outras ideias (livremente associadas), de modo a sugerir um sistema de funcionamento psíquico que motivaria a fobia e todo aquele constructo, até então oculto. MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 18 http://psicanaliseclinica.com Verifique esta ideia sobretudo no que Freud nos relata da sua paciente Emmy Von N. Respondendo à solicitação insistente de Freud, que busca a origem de um sintoma, ela lhe diz “... que [Freud] não deve ficar sempre perguntando de onde vem isto ou aquilo, mas deixá-la contar o que tem para contar” (Estudo sobre a histeria, 1895). Sobre a mesma paciente, Freud nota que ela parece ter-se apropriado do seu processo”: “As palavras que me dirige [...] não são tão inintencionais como parecem; reproduzem antes com fidelidade as recordações e as novas impressões que agiram sobre ela desde a nossa última conversa e emanam muitas vezes, de modo inteiramente inesperado, de reminiscências patogênicas de que ela se liberta espontaneamente pela palavra.” (idem) MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 19 http://psicanaliseclinica.com INDICAÇÃO DE LEITURA (OPCIONAL) ● Artigo: O Método da Associação Livre em Psicanálise ● Artigo: Associação Livre para Freud e a Psicanálise ● Artigo: Freud, Charcot e a Hipnose na paciente Emmy Von N. ● Artigo: Freud e o Inconsciente MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 20 https://www.psicanaliseclinica.com/metodo-da-associacao-livre-em-psicanalise/ https://www.psicanaliseclinica.com/associacao-livre-freud/ https://www.psicanaliseclinica.com/freud-charcot-e-a-hipnose-na-paciente-emmy/ https://www.psicanaliseclinica.com/freud-e-o-inconsciente/ http://psicanaliseclinica.com 3. O início do tratamento e as entrevistas preliminares Quando dizemos que uma pessoa está fazendo análise, queremos dizer que esta pessoa está fazendo um tratamento clínico com psicanálise, ou seja, ela faz terapia com um psicanalista. Neste texto, você aprenderá como é o início de um processo de análise, e falaremos também sobre a diferença entre demanda e desejo. Utilizaremos a teoria de Freud e algumas elaborações de Jacques Lacan, fazendo referência principalmente a Jacques Alain Miller. Também a Psicanálise se utiliza das entrevistas em seu método clínico, porém o faz com algumas peculiaridades em relação às terapias de natureza comportamentais. Vejamos alguns pontos centrais. Na Psicanálise, para que seja possível o início do tratamento, é recomendado que seja realizado durante um período entrevistas preliminares. Durante esse período, é realizada uma sondagem diagnóstica para que seja possível iniciar o tratamento. Essa sondagem não se resume a um questionário de anamnese com perguntas e respostas no formato “sim” ou “não”. Mas um diálogo entre potenciais analista-analisando no qual seja possível o sujeito fazer uma narrativa de sua própria vida, da sua história. As entrevistas preliminares podem durar uma única sessão, ou mesmo algumas semanas. São necessárias para que se possa conhecer as motivações que levaram o paciente a procurar o Psicanalista. Algumas vezes, MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 21 http://psicanaliseclinica.com ● uma sessão é suficiente para o início de uma compreensão inicial e para firmar o contrato terapêutico, ● embora algumas sessões seguintes ainda façam parte de uma compreensão mais completa, nesta fase de tratamento de ensaio. Aqui, neste texto, quando falarmos da entrevista psicanalítica estaremos entendendo, via de regra, não somente a primeira sessão, mas sim as primeiras sessões necessárias para cumprir os objetivos do tratamento de ensaio. Além de ter a motivação diagnóstica, de possibilitar a identificação, ou pelomenos, gerar uma suspeita de qual tipo de estrutura Psíquica (neurose, psicose ou perversão) o sujeito está enquadrado, é o período em que o profissional traça a direção do tratamento mais adequado para aquele paciente. A sondagem diagnóstica possibilita diferenciar se os sintomas apresentados são de uma neurose histérica ou obsessiva, ou de o início de um desencadeamento de uma psicose, que só poderá ser percebido após um período, ou pelo menos crie suspeitas desse possível diagnóstico. A Psicanálise não é composta de métodos pré-definidos, com causas e efeitos determinados. MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 22 http://psicanaliseclinica.com 3.1. O que Freud chamou de “tratamento de ensaio” Freud, em “Sobre o início do tratamento” (1913), menciona a importância do que chamava de tratamento de ensaio. Este ocorria antes da análise propriamente dita, e nesta etapa Freud decidia se aceitaria ou não o paciente. Posteriormente, Lacan irá falar em entrevistas preliminares, que seriam correlatas ao tratamento de ensaio de Freud. Esta fase seria anterior ao paciente “deitar-se no divã”, ou seja, é a fase de estabelecimento do contrato psicanalítico. Veja que, como “contrato”, entende-se a formação de um “acordo de entendimento” sobre o paciente (e suas demandas iniciais), o analista, os horários, os pagamentos e o funcionamento do método da associação livre. Isso não significa um contrato escrito. Assim, embora existam diferenças entre autores, é possível compreender como sinônimos: MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 23 http://psicanaliseclinica.com Tratamento de Ensaio Entrevistas Preliminares Entrevista Psicanalítica ou Analítica Formação do contrato psicanalítico Início do tratamento O objetivo principal das entrevistas preliminares consiste em ● direcionar a transferência àquele analista específico; simultaneamente, serve para ● elaborar uma hipótese diagnóstica, a produção de um sintoma analítico – o qual não é necessariamente aquele do qual o sujeito chega se queixando – e a produção de uma demanda de análise propriamente (Quinet, 1991). As entrevistas preliminares marcam que o início de uma análise não se dá com a entrada do paciente (também chamado de analisando) no consultório do analista. É o fim das entrevistas preliminares que cumpre a função de estabelecer um corte, marcando a entrada no discurso analítico. Numa primeira vista, essa diferença pode não ser facilmente perceptível, pois as entrevistas preliminares seguem as mesmas regras da análise: também nas entrevistas preliminares o sujeito deve associar livremente, isto é, mencionar livremente “o que lhe vier à cabeça”. Contudo, não se interpreta o discurso do paciente durante essas entrevistas. Nesse momento, o analista fala o mínimo possível, apenas o suficiente para que o sujeito prossiga em seu discurso. Isto porque está em jogo a questão diagnóstica: deixa-se o paciente falar para que uma hipótese possa ser formulada acerca da estrutura do sujeito (neurose, perversão, MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 24 http://psicanaliseclinica.com psicose), e também porque é próprio paciente quem introduz os significantes que irão “guiar” sua análise. É nesse momento que o analista decide se irá ou não acatar aquela demanda de análise. “O fato de receber alguém em seu consultório não significa que o analista o tenha aceito em análise” (Quinet, 1991, p.15). O analista pode recusar-se a autorizar uma análise se, por exemplo, perceber uma estrutura psicótica (se entender que há riscos de desencadeamento de um surto, pelo qual terá que se responsabilizar), ou porque o paciente já se encontra num estágio que o analista acha por bem não levar adiante – lembremo-nos daquela máxima que uma análise só vai até o ponto onde foi a análise do analista. É importante reforçar que a informação anterior foi apenas a título de exemplo. Há psicanalistas que trabalham com pacientes psicóticos. Vamos reforçar este aspecto: o analista, após formado, segue fazendo sua própria análise, isto é, deve ser ele analisando de outro psicanalista. Além disso, deve ter vínculo com Instituto, Associação ou Psicanalista mais experiente, que lhe acompanhe na supervisão dos casos que estiver atendendo. Se o analista não enfrenta suas questões em sua análise e supervisão e, depois, se depara com um paciente cujas demandas vão além daquelas que o próprio analista já estudou e analisou em si mesmo (junto a outro profissional), dizemos que a análise foi além do ponto de análise do analista, este analista não estará apto para aceitar aquele paciente. A rigor, sem ser analisado e ser supervisionado, o analista não pode seguir atuando. MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 25 http://psicanaliseclinica.com 3.2. Para que servem as Entrevistas Preliminares? As entrevistas preliminares servem também para que se configure o sintoma analítico enquanto tal. O sintoma do qual o sujeito chega ao consultório se queixando expressa, geralmente, uma demanda de cura, ou demanda de amor (no sentido de “ter a dedicação de atenção” do analista), MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 26 http://psicanaliseclinica.com mas não uma demanda de análise: esta deverá ser produzida através da retificação subjetiva. Quando o sujeito procura o analista, ele se apresenta a este através de seu sintoma: um significante. Por exemplo, se a demanda do paciente é uma angústia insuportável, este é o significante a partir do qual a entrevista partirá. É este significante que irá representar o paciente, num primeiro momento, ao menos para o analista. O paciente é esta angústia. O analista, por sua vez, é um outro significante, um significante qualquer fabricado pelo analisando em sua fantasia. Como regra, o analisando atribui ao analista um significante de autoridade, ou de alguém que irá resolver suas dores, ou de alguém que não levará o paciente a lugar nenhum: essas ideias são criadas pelo paciente em decorrência de sua trajetória, de sua formação mental e deste contato inicial com o psicanalista. Este analista passa a ser, na visão do paciente, o que Jacques Lacan chama de sujeito suposto-saber. Isto é, o analista é o sujeito que o analisando supõe ter um notório saber e que poderá “resolver seu problema”. Isso, no início, é fundamental para a formação do par analítico (analista-analisando) e da relação transferencial. Assim, o sujeito, no início do processo, acredita que o analista detém um saber ou um poder de cura, e coloca o analista no lugar de autoridade, que Lacan denominou de sujeito suposto-saber. Se no início do processo a demanda do sujeito é a de se desvencilhar, de se curar de um sintoma, a retificação subjetiva fará com que o sintoma inicial passe ao estatuto de sintoma analítico (ou seja, um sintoma que agora estabelece o vínculo entre analista e analisando), constituindo uma demanda de análise propriamente dita, endereçada àquele analista específico. Ao mesmo tempo, estabelece-se a transferência, que tem um caráter simbólico, em relação ao analista. Este fenômeno é essencial para que se dê uma análise. Ao se configurar o sintoma analítico, este passa a ser um enigma a ser decifrado pelo sujeito analisando (com o suporte do analista). Este MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 27 http://psicanaliseclinica.com enigma aponta para uma divisão do analisando: uma parte de si é o paciente que livre-associa, a outra parte de si é aquele enigma (sintoma) que buscará ser desvendado. É o que se chama de histericização do discurso. É como se a energia afetiva do paciente se voltasse menos para o sintoma em si e mais para o sintoma analítico (aquele demandado pelo analisando e sintetizado pelo par analítico nas entrevistas preliminares)e para a forma como esse sintoma analítico ajudou a criar o vínculo de transferência com o analista. Esse sintoma analítico é a imagem inicial criada pelo par analítico que responde à demanda do analisando e que resume respostas a perguntas como: “qual ideia inicial sobre mim mesmo?” e “qual sintoma me identifica ou me define?”. Obviamente que este sintoma analítico tende a ser constantemente reformulado (via de regra, complexificando-se) com o andamento das sessões. Assim, resumidamente, as entrevistas preliminares cumprem as seguintes funções: ● instaurar a transferência num nível simbólico e estabelecer o vínculo terapêutico (diz-se que a transferência é o motor da análise); ● apresentar a demanda de cura, que inicialmente é acolhida pelo analista (por exemplo, quando o sujeito diz “tenho depressão”); ● realizar a retificação subjetiva dessa demanda, transformando a demanda de amor ou de demanda de cura em demanda de análise; ● implicar (isto é, comprometer) o sujeito (analisando) no sintoma, para que se configure um sintoma analítico (“você disse que tem depressão, mas como é para você ‘ter depressão’?”); ● colocar o sujeito a questionar-se sobre seu sintoma, histericizando seu discurso e ● permitir a elaboração, por parte do analista, de uma hipótese diagnóstica inicial. MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 28 http://psicanaliseclinica.com Resumindo, sobre o começo do tratamento: Quando ocorrem as entrevistas preliminares? A partir do momento em que o potencial analisando procura o psicanalista, com uma demanda analítica ou demanda de cura. Quanto tempo duram? Pode durar uma sessão, duas sessões, um mês etc. Não há tempo pré-definido. As Entrevistas Preliminares duram o tempo necessário para o psicanalista criar uma hipótese terapêutica e o analisando se localizar no ambiente de confiança para livre-associar. Para que servem? - Estabelecer o vínculo terapêutico - Recolher e retificar a demanda de cura - Permitir uma hipótese diagnóstica inicial MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 29 http://psicanaliseclinica.com INDICAÇÃO DE LEITURA (OPCIONAL) ● Artigo: Entrevistas preliminares e o início do tratamento MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 30 https://www.psicanaliseclinica.com/inicio-do-tratamento/ http://psicanaliseclinica.com 4. O “meio” do tratamento: seu manejo No tópico anterior, abordamos o início do tratamento: as entrevistas preliminares. Não há um marco muito objetivo para se saber quando acaba este tratamento de ensaio e começa o "meio do tratamento". De toda forma, esse "meio" aconteceria depois de já haver um reconhecimento inicial: sobre o paciente, sobre sua demanda inicial e, pelo paciente, sobre o funcionamento do método da associação livre e sobre o analista. É importante lembrar que tudo que vamos falar nos próximos tópicos sobre “meio do tratamento” se aplicam também ao início e ao fim do tratamento. Não há um método diferente para cada “etapa” do tratamento. O tratamento, inclusive, é marcado por muitas idas e vindas, sendo que a ideia positivista de progresso precisa ser vista com cautela. MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 31 http://psicanaliseclinica.com 4.1. Resistências, transferência e contratransferência O que entendemos é que este “meio” é normalmente a parte mais extensa de um tratamento, onde tudo relacionado à análise pode acontecer. Por ser mais extenso, é onde a análise se complexifica e onde ficam mais nítidos fenômenos como: ● resistências: por exemplo, o paciente empregando os mecanismos de defesa durante as sessões de terapia, para interditar um maior aprofundamento sobre suas dores e seus desejos; ● transferência: haveria um fortalecimento do vínculo entre analista e analisando, o que pode se dar tanto pelo que Freud chama de transferência negativa (o tratamento arredio ou fechado que o analisando pode adotar para com o terapeuta) quanto a transferência positiva (que é o aspecto deste vínculo que favorece o analisando sentir-se mais seguro na análise e livre-associar mais); MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 32 http://psicanaliseclinica.com ● contratransferência: é possível que o analista tente implicar no seu próprio desejo e na sua visão de mundo (do analista) o analisando. Também é possível que o analista assuma um lugar de "conselheiro", o que é indesejável à psicanálise. Sobre os mecanismos de defesa (vistos em módulos anteriores), é importante destacar que integram a vida psíquica do sujeito dentro e fora da terapia. Quando ocorrem na terapia, costuma-se dizer que estão funcionando como resistências à clínica. Como regra, a contratransferência tende a ser prejudicial ao progresso da análise, pois rompe com os princípios da neutralidade e abstinência pelo analista. Lembrando que o analisando não precisa ser neutro, mas isso é um princípio ou uma meta na ética do analista. 4.2. A Psicanálise Selvagem MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 33 http://psicanaliseclinica.com Em conexão com o tema da contransferência, há o que Freud chamou de psicanálise selvagem; tal psicanálise seria aquela conduta despreparada e apressada do psicanalista em interpretar e “oferecer respostas” ao analisando. Além da pressa na análise, o psicanalista selvagem usa ideias de conceitos entendidos superficialmente para definir o analisando. É nítido que a psicanálise selvagem é um ato narcisista do analista, porque o analista se coloca como o juiz e como a medida de todas as coisas, mesmo quando seu conhecimento ainda se encontra em um nível raso para isso. O psicanalista selvagem age como Procusto, no mito clássico grego, em que as vítimas precisavam ter o tamanho exato do leito ou cama desse carrasco: ● se fossem menores que o leito, Procusto as esticava até ficarem do tamanho da cama; ● se fossem maiores, Procusto serrava parte de seus corpos (cabeça ou pernas); De um jeito ou de outro, as vítimas ficavam do tamanho exato do leito de Procusto. Trata-se de uma alegoria da psicanálise selvagem e também da pretensão humana de aniquilar as diferenças e as especificidades, adequando à visão de mundo do intérprete aquilo tudo que lhe é exterior e lhe seria desconhecido. Uma forma de reconhecer o desconhecido. Entende-se que a contratransferência indevida e a psicanálise selvagem são evitadas (ou atenuadas) quando o analista leva a sério sua atuação, seguindo o método psicanalítico e seguindo seu tripé psicanalítico, mesmo depois de formado: ● aprendendo e revisando constantemente a teoria psicanalítica, por meio do estudo de novos cursos e livros; ● sendo supervisionado por psicanalista mais experiente, para debater os casos que estiver atendendo; e MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 34 http://psicanaliseclinica.com ● fazendo sua própria análise pessoal, para resolver suas questões, junto a outro psicanalista. 4.3. O erro e o dado em Psicanálise MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 35 http://psicanaliseclinica.com Inicialmente, precisamos propor uma diferenciação entre erro e dado. Nosso objetivo é demonstrar que uma posição em favor do dado é mais propícia ao aprendizado, tanto nos estudos da linguagem quanto na Psicanálise. Para os objetivos deste texto, entende-se: ● Erro: o oposto de “certo” ou de “acerto”. Então, adotar uma postura apressada de julgar algo como certo ou errado pode muitas vezes limitar nosso aprendizado acerca não só do objeto estudado, mas também acerca do comportamento dos sujeitos que o observam. ● Dado: elemento que possa se tornar informação e, depois, analisado para tornar-se conhecimento. Assim, o objeto observado não é visto como certo ou errado, mas sim como um dadopotencialmente informacional. Não estamos aqui defendendo uma postura “isencionista”. Nossa mente trabalha também por meio de julgamentos. E há muitas situações diárias em que a definição de um certo ou errado é colocada a nós (mas tentemos ser menos apressados ao atribuir essa definição). Também não defendemos a ideia de que o dado seja independente do sujeito: não existe dado em si, não existe dado “transparente”, pois os dados dependem dos sujeitos que os olham. Coletar um dado em vez de outro é uma atitude do sujeito. Então, o dado: ● não é apenas objetivo (da coisa analisada), ● mas é também subjetivo (permeado pelo sujeito que o observa ou mesmo que o cria). MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 36 http://psicanaliseclinica.com Se adotarmos a postura do erro ou se simplemente tentarmos “corrigi-lo”, vamos encerrar o debate e pouco aprenderemos além do que já sabemos. Já se adotarmos a postura do dado, vamos ter uma oportunidade de nos perguntar sobre o que levou àquele “erro”. Esta última perspectiva parece-nos mais adequada ao método científico. Se o psicanalista tem seus conceitos teóricos ou morais muito rigidamente formados, poderá julgar o analisando a partir de seus critérios absolutos. Assim, o analista estará atento aos “erros” do analisando, isto é, às ocasiões em que o analisando extrapole a moral do analista ou não se encaixe aos conceitos que o analista decorou. Por outro lado, se o analista enxerga um elemento como um dado (e não como um erro), terá a oportunidade de lançar um novo olhar sobre o analisando e a terapia. Assim, observará a relação do evento com outros eventos, dentro de um sistema de valores mais contextualizado àquele analisando. Claro que poderá haver um certo ou um errado, quando adotamos a postura de priorizar um dado. Mas esse certo ou errado será dentro de um contexto do próprio analisando e será enunciado depois de atenuadas as nossas armaduras. Vamos pensar nas três partes da psique humana conforme propostas por Freud na segunda tópica: ● ego: a instância de maior vocação racional, que responde para o mundo e para o próprio ser “quem eu sou?”, que possibilita o atendimento das demandas do mundo exterior ao ser e que também “negocia” (dentro do possível) um “acordo de interesses” entre as duas outras instâncias; ● id: a instância que é totalmente inconsciente, pulsional, “selvagem”, uma instância que busca a pura satisfação e que não se expressa numa linguagem clara aos padrões da racionalidade, tampouco se submete aos padrões de temporalidade e espacialidade. MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 37 http://psicanaliseclinica.com ● superego: uma instância que é uma especialização de Freud responsável pelos valores morais (certo/errado) e impõe ao ego uma dimensão de sacrifício do prazer em prol dos benefícios que o ego terá com a divisão social do trabalho, possibilitada pela vida em sociedade. O erro, então, é inerente à psique humana. Afinal, essas instâncias da mente não se comunicam numa mesma “linguagem” e com base em iguais interesses. É impossível não pensar que o erro seja um fator constante na interação entre essas instâncias. Mesmo quem desconfie se nossa psique funciona mesmo assim, é inegável a ideia de que temos vozes interiores discrepantes, que nos constituem. E a existência dessas vozes configuram barreiras a qualquer ideia de uniformidade mesmo individual, quanto mais uma ideia uniformidade entre duas pessoas diferentes, ou na sociedade. Algumas perguntas que servem como antídoto a esta rotulação apressada (e também antídotos à contratransferência imprópria e à psicanálise selvagem), e que podem ser usadas no setting analítico: ● é certo ou é errado do ponto de vista de quem? ● definir isso como errado (ou como certo) me permite aprender o quê a respeito do objeto ou dos sujeitos? ● o que este suposto erro (ou acerto) pode me “revelar”? como posso aprender com ele? ● como isso afeta a vida do analisando, sua vida psíquica, sua autopercepção, seus relacionamentos? ● ao identificar algo como errado (ou como certo), estou mobilizando quais princípios e ideologias? ● quem acha certo (ou errado)? como? para quem? por quê? quando? quanto? quão relevante? MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 38 http://psicanaliseclinica.com MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 39 http://psicanaliseclinica.com MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 40 http://psicanaliseclinica.com 4.4. Alteridade: o outro e o Grande Outro Assim, o erro é uma possibilidade trazida pela diferença. E é um fator de enriquecimento psíquico e social. Muitas vezes, a aniquilação do erro é um erro ainda maior: a aniquilação da diferença e do outro. Em última instância, o erro é o desejo de um ditador em aniquilar as diferenças relevantes, em aniquilar a alteridade (a perspectiva de outro). Este “outro” pode ser: ● a) O outro de nós mesmos (com “o” minúsculo), nosso desconhecido, nosso inconsciente ou mesmo nosso id. Vimos que este “outro” está presente na terapia. Por exemplo, quando o analisando diz que não consegue cumprir as metas que ele mesmo se impõe. Isso sugere haver pelo menos dois “eus”: o que quer o cumprimento da meta (talvez um superego) e o que não quer cumpri-las (talvez um id). MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 41 http://psicanaliseclinica.com ● b) O Grande Outro (com “O” maiúsculo), conforme definição de Jacques Lacan. Para Lacan, o Grande Outro é o lugar daquilo que nos faz dizer “eu sou, eu sei, eu quero, eu posso”. Veja que isso independe de regras ou leis escritas, nem depende necessariamente de punição. É o lugar do outro que é internalizado em nós e que nos orienta em nossas decisões, nos nossos medos e desejos, até na forma com que sentimos e nos relacionamos. Por exemplo, uma paciente pode revelar grande apreço pelos ensinamentos de seu pai, ou de um professor, ou de um amigo, ou de um pensador, ou de uma ideologia, ou de uma religião. Todos esses exemplos de “heróis” ou “ideais de verdade” representam o Grande Outro, que estabelece um ideal superegoico do que este sujeito deve ser, fazer ou desejar. Um exemplo do “outro” com “o” minúsculo é o do próprio analisando no setting analítico. O analisando é, ao mesmo tempo: ● o “eu” (aquele que toma a palavra para falar com o psicanalista e que, pelo menos em tese, busca uma “melhora” ou uma “cura”), ● mas é também o “outro” (aquele que é analisado, seu enigma, seu sintoma). E, como exemplo do Grande Outro na terapia: quando o paciente se diz desvinculado de uma pessoa, uma ideologia política ou religiosa (como uma religião ou um ideal político ou o pai) mas que pode ainda estar exercendo inconscientemente os ditames deste Grande Outro. Assim, é como se este Grande Outro passasse a fazer parte de seu “ideal de eu”, um superego a reger sua conduta. Isso é internalizado na vida psíquica pela palavra (pelo discurso, que é a palavra aplicada à vida social). Pode até mesmo ocorrer de o psicanalista se tornar o Grande Outro de seu paciente. Como quando o paciente tenta dizer para o analista coisas que, na visão desse analisando, passariam pelo crivo do analista, muitas vezes até mesmo usando o discurso e vocabulário do analista. É como se o MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 42 http://psicanaliseclinica.com analisando só se expressasse depois de refletir sobre a imagem que ele faz da imagem que o analista faz dele (analisando). Veja que a atribuição do sujeito suposto-saber é recorrente e, de certa forma, favorável à relação transferencial do início de tratamento. Entretanto, o excesso pode verter esse suposto-saber em uma autoridade ainda maior, “sagrada”, do Grande Outro. Essa conduta via de regrainconsciente do analisando em tomar o analista como o Grande Outro poderá ser uma resistência a ser vencida, como uma racionalização. Vencendo-a, permite-se que o analisando revele-se mais sobre si mesmo e sobre seu desejo. Veja como a alteridade nos constitui como sujeitos. Isto é, nós somos a imagem que fazemos da imagem que o (O)outro faz de nós. Isto é bastante óbvio na cultura. A rigor, não escolhemos nossa língua materna, nem nossa forma de nos vestir ou pensar, nem nossas crenças religiosas. Ainda por uma linha lacaniana, podemos dizer que até mesmo o nome-do-pai (o prenome que escolheram para nós e o sobrenome que herdamos via de regra da linhagem paterna) é escolha que outros nos fizeram. Portanto, já nascemos imersos em discursos (e desejos) dos outros, que depois incorporamos como discursos (e desejos) nossos. E toda essa reflexão estará, obviamente, presente na terapia, dentre os relatos e demandas de nossos analisandos. MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 43 http://psicanaliseclinica.com MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 44 http://psicanaliseclinica.com INDICAÇÃO DE LEITURA (OPCIONAL) ● Artigo: O Erro e o Dado em linguística e psicanálise ● Artigo: Procusto: o mito e seu leito na mitologia grega ● Artigo: Psicanálise Freudiana: 50 principais conceitos resumidos MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 45 https://www.psicanaliseclinica.com/erro-e-dado/ https://www.psicanaliseclinica.com/procusto/ https://www.psicanaliseclinica.com/psicanalise-freudiana/ http://psicanaliseclinica.com ● Artigo: Racionalização como mecanismo de defesa ● Artigo: O que é Alteridade em linguística e psicologia MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 46 https://www.psicanaliseclinica.com/racionalizacao/ https://www.psicanaliseclinica.com/o-que-e-alteridade/ http://psicanaliseclinica.com 5. Recursos e ferramentas que podem integrar a Associação Livre Existem alguns princípios que regem a associação livre, como vimos anteriormente. Entretanto, não há um arcabouço rígido do que pode ser usado no setting analítico. Por exemplo, “fazer perguntas ao analisando” é uma técnica bastante útil para favorecer a livre associação, embora não seja um recurso específico da psicanálise. A rigor, quaisquer recursos que não contrariem os princípios da associação livre e da Psicanálise podem ser usados, com o objetivo de quebrar resistências (do analisando e do analista) e favorecer a livre associação. Veremos a seguir algumas ferramentas que entendemos que possam complementar o método psicanalítico. Tais ferramentas integram uma lista não exaustiva, isto é, são apenas exemplos. MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 47 http://psicanaliseclinica.com 5.1. O recurso da Atenção Flutuante A atenção flutuante é muitas vezes chamada de método psicanalítico, o que a nosso ver não estaria correto. Isso porque não é algo diferente da associação livre, mas sim é um conjunto de ferramentas ou recursos que integram a associação livre. MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 48 http://psicanaliseclinica.com Assim, de uma forma simplificada, podemos dizer que: ● o paciente livre-associa, ● enquanto o analista mantém sua atenção flutuante. A atenção flutuante do analista é importante para: ● minimizar a contratransferência imprópria, quando o analista não decide ele mesmo quais temas serão tratados na análise; ● sem se prender a uma ideia fixa, o analista poderá “fisgar” ideias lançadas pelo analisando e elaborar estruturas sistêmicas (em relação ao que o analisando disse em outras sessões). Estas elaborações interpretativas que o analista faz não são imposições. O interessante é que sejam propostas (como na forma de perguntas ao analisando). Pois, o essencial é haver tempo e elementos para o próprio analisando realizar uma ideia sobre si, sobre sua trajetória e sobre o que virá a ser, o que em psicanálise se chama de perlaboração. Assim, a atenção flutuante pressupõe que o analista não se prenda a padrões rígidos de julgamento ou de auto-certezas, nem limite assuntos fixos que o analisando poderá trazer. Deve, sim, o analista oferecer ao analisando uma presença atenta (com perguntas, implicações e análises) em que a associação livre possa reverberar e ir tomando linhas de significados. Concluímos que a atenção flutuante não é um método da psicanálise. É, sim, um conjunto de ferramentas e técnicas que integram o método da associação livre, como a interpretação dos sonhos e as técnicas da maiêutica. Em contrapartida à fala livre que faz o analisando, a atenção flutuante representa uma “escuta livre” que faz o psicanalista, por isso a atenção flutuante rege a conduta e a ética do psicanalista no setting. E isso integra o método psicanalítico maior da Associação Livre. MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 49 http://psicanaliseclinica.com 5.2. O método socrático (maiêutica) em Psicanálise Sabemos que a associação livre é o método psicanalítico por excelência. Trata-se de oportunizar ao analisando o espaço seguro para falar livremente sobre si, sua infância, suas experiências mais recentes, seus valores, seus ideais, seus desejos e suas frustrações. O método socrático pode ser um recurso adicional dentro do método da livre associação. Isso porque é uma forma de ajudar a trazer avanços nesta parte do "meio do tratamento". Não se opõe ao método da associação livre; pode, sim, ser ferramenta adicional para favorecer a livre associação do paciente. Dá-se este nome a uma dinâmica conversacional inspirada no estilo dialógico de perguntas e respostas atribuído a Sócrates, conforme relatos de obras de Platão. MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 50 http://psicanaliseclinica.com Sócrates (470 – 399 a.C.) foi um filósofo ateniense do período clássico da filosofia grega. Considerado um dos precursores da filosofia, inspirou tanto Platão quanto Aristóteles. Em pedagogia e filosofia, entende-se método socrático como sendo o método indutivo de ensino-aprendizado e reflexão. Por este método, o “mestre” realiza perguntas, muitas delas já de certa forma direcionadas, para que o aprendiz responda (usando o raciocínio lógico) e chegue às suas próprias conclusões. Supõe-se que Sócrates usava este método com seus discípulos; algumas dessas lições chegariam até nós pela escrita de Platão, que buscou reproduzir em partes os diálogos socráticos. Do ponto de vista pedagógico, o método socrático (também chamado de maiêutica socrática ou método dialógico) é interessante por: ● engajar o aprendiz no processo de ensino-aprendizado; ● ao concluir, o aprendiz psicologicamente considera o aprendizado como sendo “seu”, potencializando a internalização desse conhecimento. Então, em Pedagogia, podemos dizer que um professor que seja mais expositivo possivelmente não aplicará o método socrático. Já um professor que elabora perguntas para os alunos responderem e a partir disso vá criando uma elaboração indutiva de construção do conhecimento estará usando o método socrático. Em comparação com o método socrático, podemos dizer que existem semelhanças e diferenças em relação ao método psicanalítico da associação livre. Semelhanças entre associação livre e método socrático ● a associação livre é também um método indutivo, ● a associação livre existem idas e vindas de perguntas e respostas MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 51 http://psicanaliseclinica.com ● existe a elaboração psíquica-intelectual do “aprendiz” (no caso, o analisando), ● há o suporte do “mestre” (no caso, o analista), ● é fundamental o interesse do aprendiz (analisando), ● valorizam-se as falas do analisando e a perlaboração(que é uma forma de internalizar o autoconhecimento). Diferenças entre associação livre e método socrático ● o analista precisa evitar direcionar o pensamento do analisando, ● não há um aprendizado final que seja igual para todos os analisandos, ● não deve haver uma ideia de sugestão moral de “certo” ou “errado” pelo analista (apenas o analisando é medida de si), ● não há mestre/aprendiz no setting analítico (embora o analisando atribua ao analista o lugar de sujeito suposto-saber), ● o setting terapêutico tem suas especificidades e seus objetivos diferentes do simples ensino-aprendizado ou da “transmissão de conceitos”. Então, há várias semelhanças do método socrático com o método da associação livre. Apesar disso, é importante reforçar que o diálogo terapêutico possui elementos diferentes a outras interações verbais (como o ensino-aprendizado), pois existem especificidades quanto ao setting analítico, à formação do par analítico e às técnicas próprias de manejo da resistência, transferência e contratransferência. O analisando não é “aprendiz” (embora estejamos todos em constante aprendizado) e o analista não é “professor” ou “mestre”. Ainda que o MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 52 http://psicanaliseclinica.com analisando atribua este lugar de sujeito suposto-saber (de “mestre”), o analista não deve usar desta atribuição para exercer este papel, nem para ser um conselheiro. Ressalte-se que, na maiêutica, muitas vezes o mestre está conduzindo o aprendiz por um caminho falsamente livre. O mestre pode já saber as respostas ao perguntar, sendo que suas perguntas ao aprendiz funcionariam como se fossem perguntas retóricas. Já em psicanálise, essa condução guiada pelo analista seria um exemplo desastroso de psicanálise selvagem e de contratransferência imprópria. Apesar dessas diferenças, consideramos que algumas aplicações do método socrático (ou maiêutica) podem ser proveitosas na reflexão sobre o fazer do método psicanalítico. 5.3. O recurso da interpretação dos sonhos MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 53 http://psicanaliseclinica.com Vimos que a psicanálise não usa mais técnicas de sugestão hipnótica, nem usa de aconselhamentos. Costuma-se dizer que a psicanálise usa apenas dois métodos: ● o método da associação livre pelo analisando e ● a interpretação dos sonhos. Porém, a rigor, entendemos que a Psicanálise enquanto método resume-se tão-somente à associação livre, porque a interpretação de sonhos se dá na terapia e também mediada pela livre associação. Afinal, o analisando irá falar na terapia sobre seus sonhos usando a livre associação, como poderia falar sobre quaisquer assuntos. Falaremos especificamente sobre a interpretação dos sonhos nos módulos seguintes do nosso Curso de Formação. Por enquanto, nossa ideia de trazer este tema é apontar que a interpretação dos sonhos não seria um método diferente (muito menos discordante) do que é a Associação Livre. Afinal, a interpretação dos sonhos (para as finalidades psicanalíticas) aconteceria dentro da terapia, isto é, no setting analítico, entre analista e analisando. Não significa que o analisando conheça tudo isso de maneira consciente (pois, como sabemos, há grande parte inconsciente). Mas, por múltiplas aproximações e correlações sistemáticas, vai se chegando a um sistema psíquico do analisando, com a ajuda da interpretação do psicanalista. MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 54 http://psicanaliseclinica.com 5.4. O recurso da análise dos mecanismos de acesso ao inconsciente Vamos ampliar um pouco o que falamos no início do tópico anterior. Há também quem entenda que a psicanálise usa de dois métodos: ● o método da associação livre pelo analisando e ● a interpretação dos sonhos, chistes, sintomas e atos falhos. Sobre a interpretação dos sonhos, já falamos no tópico anterior. Agora, precisamos pontuar que, a nosso ver, a interpretação de chistes, atos falhos e sintomas não são métodos diferentes da associação livre. Novamente, reforçamos que o método psicanalítico resume-se tão-somente à associação livre. Afinal, a interpretação de sonhos, chistes, sintomas e atos falhos se dá na terapia e também mediada pela livre associação. MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 55 http://psicanaliseclinica.com A interpretação dos sonhos será aprofundada nos módulos futuros do Curso. Já sobre os outros mecanismos de acesso ao inconsciente (chistes, atos falhos e sintomas) serão abordados mais adiante neste Módulo. E teremos ainda um módulo específico sobre psicopatologias, em que a temática do sintoma será aprofundada. Anteriormente neste Módulo, falamos sobre erro e dado em Psicanálise. Os erros podem ser motivados por causas potencialmente inconscientes Vamos retomar esta discussão, agora sob a perspectiva de entendermos como o analista pode manejar esses erros como dados, com o objetivo de quebrar resistências e propiciar novos conteúdos de análise. Assim: ● os sonhos, tão valorizados pela interpretação dos sonhos em psicanálise, “erram” a lógica lúcida, como ao modificar as relações de causa-efeito, espacialidade e temporalidade; ● os chistes e os atos falhos (que abordaremos mais adiante neste Módulo) são “erros” potencialmente reveladores do desejo etc.; ● os sintomas psicossomáticos são “erros” na forma como o corpo converte a energia psíquica recalcada em uma manifestação física/corporal; ● as interações entre nossas instâncias psíquicas (ego, id e superego) não se baseiam em uma linguagem unívoca e num acordo de interesses que tenham reais chances de resultarem num “acerto”. Da mesma forma, especificamente quanto ao método psicanalítico: ● a associação livre, método psicanalítico por excelência, explora a ideia de que as relações de verdade começam a ser estabelecidas quando analista e analisando se esforçam (sem pressa) para depurar (e até mesmo realçar) os aparentes erros e irrelevâncias que emergem da fala do analisando no setting analítico; MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 56 http://psicanaliseclinica.com ● a atenção flutuante, forma de proceder do analista no setting analítico, pressupõe que o analista não se prenda a padrões rígidos de julgamento ou de auto-certezas, nem limite assuntos fixos que o analisando poderá trazer, mas oferecer ao analisando uma presença atenta (com perguntas, implicações e análises) em que a associação livre possa reverberar e ir tomando linhas de significados. E estes são apenas alguns exemplos, poderíamos citar muitos outros de como a Psicanálise valoriza o “erro” como um “dado”. E ainda temos o Complexo de Édipo. Este complexo baseia-se na história mítica de um erro: do filho (Édipo) que “sem querer” mata o pai (Laio) para desposar a mãe (Jocasta). E Freud pinça este “erro” trágico como um dado, que é compreendido como uma informação. E, depois, Freud ainda verte esta informação em um conhecimento, ao alegorizar essa narrativa em um Complexo útil à compreensão sobre o desenvolvimento humano. MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 57 http://psicanaliseclinica.com INDICAÇÃO DE LEITURA (OPCIONAL) ● Artigo: O que é Complexo de Édipo? Conceito e História ● Artigo: Livro Os Chistes e sua Relação com o Inconsciente ● Artigo: Atos falhos ● Artigo: A Interpretação dos Sonhos: análise do livro de Freud ● Artigo: Atenção flutuante MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 58 https://www.psicanaliseclinica.com/conceito-complexo-de-edipo/ https://www.psicanaliseclinica.com/chistes/ https://www.psicanaliseclinica.com/atos-falhos/ https://www.psicanaliseclinica.com/a-interpretacao-dos-sonhos/ https://www.psicanaliseclinica.com/atencao-flutuante-significado/ http://psicanaliseclinica.com 6. Uma síntesesobre os Procedimentos de Análise Os psicanalistas praticam técnicas específicas e que se valem, acessoriamente, de vários outros conhecimentos para atuar sobre a dinâmica humana definida como Psíquica e que se caracteriza por ser uma realidade absoluta de natureza intangível e idiossincrática (individualizada). Falamos do não tangível apenas para, de saída, reforçarmos a dificuldade do nosso trabalho, pois, se os males a que nos contrapomos são reais, tudo o mais que temos de considerar é impalpável, simbólico e de complexo acesso, uma vez que lidamos com o emocional e um emocional, na maioria das vezes, desconhecido por ser inconsciente. Nós, psicanalistas, não usamos instrumentos físicos e, tratando de pessoas, não as tocamos, não lhes ministramos qualquer droga, nem ao menos lhe damos conselhos. Ainda assim, os procedimentos da psicanálise são capazes de provocar melhoras significativas e, para alguns casos, a cura para sintomas geradores de mal-estar. Daí dizermos que o nosso ofício é uma arte, desafiadora, é verdade, e que, por isso mesmo, exige de nós uma total dedicação, o máximo de horas de estudo, supervisão, pesquisa e análise pessoal. Segundo Freud, “Os processos psíquicos são, em si mesmos, inconscientes e os processos conscientes são atos isolados, frações da vida psíquica total. Os processos da vida psíquica inconsciente, são dominados, na maior parte, pelas tendências que podem ser qualificadas de sexuais, no sentido restrito ou lato do termo. Este último pressuposto é, na realidade, a característica fundamental da MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 59 http://psicanaliseclinica.com Psicanálise, que consiste, essencialmente, na tentativa de explicar a vida inteira do homem e não só aquela privativa ou individual, mas também a pública e a social, recorrendo a uma única força que é o instinto sexual ou libido, no sentido técnico deste termo.” Temos que ter sempre presente que, mesmo sendo dedicadamente estudiosos, jamais teremos atingido o grau desejável de conhecimento, pois nunca nos firmaremos num diagnóstico a partir do estudo de peças anatômicas, nem de filmes radiográficos, nem de exames laboratoriais, nem da descoberta de novas drogas, nem de testes psicométricos, uma vez que o nosso paciente é um ser humano ímpar, que veio de um ambiente familiar ímpar e que se desenvolveu ajustando-se às condições ímpares, influenciadas pela maneira ímpar como ele entendeu o que atuou sobre ele de forma continuada ou então lhe aconteceu por uma fração de segundo, num abrir e fechar de olhos. Concluindo, como sugestão para o “meio da análise”, é o psicanalista estar atento aos sonhos, chistes, atos falhos e sintomas trazidos pelo analisando, bem como às suas dores e desejos (diretos ou latentes). Essas sugestões aqui permitem evitar o esvaziamento da terapia: ● refletir sobre as resistências, transferências e contratransferências que emergem das sessões de psicanálise; ● pedir para que o analisando conte seus sonhos, e buscar possíveis interpretações reveladoras do padrão psíquico do analisando; ● abordar os chistes e atos falhos do analisando, inclusive atos falhos cometidos pelo paciente durante as sessões; se um paciente troca uma palavra, esquece-se de um nome ou acha graça de alguma coisa, são assuntos potencialmente relevantes à sua vida psíquica, sobre os quais o psicanalista poderá perguntar; MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 60 http://psicanaliseclinica.com ● aprofundar-se sobre os autodiagnósticos trazidos pelo analisando acerca de sua condição (como “tenho depressão”, perguntando-lhe “o que para você é ter depressão?”) e refletir sobre as causas dos sintomas relatados pelo analisando (como fobias, angústias, ansiedades e compulsões); ● refletir sobre os comportamentos ou “repetições” de conduta do analisando: aquilo que ele sempre diz fazer ou como ele sempre se diz sentir (como os hábitos, manias ou compulsões); ● refletir sobre as frustrações e os desejos do analisando (lembrando que desejos mais profundos podem ser reconhecidos e afirmados quando a análise já está mais avançada); ● pensar seus relacionamentos com os outros (na infância, na adolescência, hoje…); ● refletir sobre como o analisando define a si, define os outros e como se relaciona com os Grandes Outros de sua vida atual ou pregressa; ● refletir sobre como o analisando define certos conceitos relevantes para sua vida psíquica (como quando o psicanalista lhe pergunta: “o que é depressão para você?”; “você entende que havia amor neste acontecimento que você trouxe?”). Tudo isso pode ser feito sem perder de vista a atenção flutuante e as perguntas inspiradas no método socrático. Por esvaziamento, entende-se a perda do desejo do analisando em continuar em análise, o que pode ter muitas razões. O silêncio não é necessariamente um sinal do esvaziamento; então, o analista não deve se preocupar em preencher cada brecha mínima de silêncio. Muitas vezes, o silêncio é um momento de interiorização e reflexão necessário ao analisando, para elaborar conteúdos antes abordados em terapia, ou sobre o que de relevante ele trará depois (em palavras) para a análise. MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 61 http://psicanaliseclinica.com INDICAÇÃO DE LEITURA (OPCIONAL) ● Artigo: Recordar, repetir, elaborar MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 62 https://www.psicanaliseclinica.com/recordar-repetir-e-elaborar/ http://psicanaliseclinica.com 7. Fim do Tratamento em Psicanálise e a ideia de Cura A ideia de cura em psicanálise pressupõe uma resolução da dor psíquica do sujeito. Mas, será possível uma solução completa para todas as dores psíquicas? Se partirmos das ideias de que somos sujeitos desejantes e de que o inconsciente não pode ser totalmente acessado, sempre restará um lugar não resolvido para as dores psíquicas. Falar em cura em psicanálise, segundo Sigmund Freud e Jacques Lacan, significa em certa medida falar em uma significativa melhora. Isto é, reduzir determinados sintomas psíquicos que antes eram definidoras do sujeito (como “eu sou muito depressivo”), em favor de um quadro de melhora em que esse sintoma (no exemplo, “depressão”) deixe de resumir o próprio sujeito analisando, da perspectiva desse sujeito. Afinal, não há uma medida exata para saber se a pessoa está de fato curada, por serem aspectos subjetivos. A autopercepção do sujeito-analisando será fundamental. MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 63 http://psicanaliseclinica.com 7.1. O que não é cura em psicanálise? Antes de falar o que é, vamos começar falando o que não é. A cura em psicanálise NÃO é: ● Inserir o sujeito em um esquema de normalidade ou normatividade que seja alheio ao desejo do próprio sujeito. ● O sujeito ter domínio completo sobre si mesmo, algo impossível exatamente pelas dimensões do inconsciente e do desejo. ● Um progresso linear (a terapia é um processo sujeito a idas e vindas). ● Uma panaceia (solução para todos os males). ● Um “ensino”, algo que se ensina a outra pessoa, nem mesmo um analista pode ensinar a cura a um analisando. ● O analista desejar algo para o analisando, ou seja, não é dizer o que o analisando deve desejar. MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 64 http://psicanaliseclinica.com Começamos pelas definições negativas: o que não é. Porém, sabemos que, da perspectiva da filosofia, o conceito terá mais força se sua definição for positiva: o que é. Então, o que é cura em psicanálise? Qual a definição de cura ou conceito de cura? Qual sua real possibilidade? Correntes psicanalíticas terão diferentes concepções sobre cura ou melhora psíquica ou término do tratamento, como: ● Melanie Klein: uma “cura” seria elaborar sobre percepção/posição depressiva.● Donald Winnicott: uma “cura” seria desenvolver o verdadeiro self. ● Escola da Psicologia do Ego: uma “cura” seria maior adaptabilidade do ego às suas zonas não conflituosas. Aprofundaremos estas três abordagens acima em outra oportunidade. Por enquanto, vamos focar nas concepções de cura para Freud e para Lacan. MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 65 http://psicanaliseclinica.com 7.2. A cura psicanalítica para Freud Para Sigmund Freud, o objetivo do tratamento é o que chamou de cura prática, ou uma “melhora significativa”. Esta cura ou melhora pode ser vista: ● por um aspecto qualitativo (mudança de estado) e ● por um aspecto quantitativo (redução do “quantum” de dor do sintoma). Grosso modo, a psicanálise tem como objetivo tornar consciente o que estava inconsciente, isso inclui ampliar a visão do sujeito sobre si mesmo e sobre seu mal-estar. Então, no processo analítico, o sintoma passa a ter uma dupla dimensão: ● Parte consciente: possíveis causas do mal-estar vão se tornando conhecidas; elaborar esse conhecimento a partir da personalidade do sujeito é um dos caminhos para a melhora psíquica. ● Parte inconsciente: mesmo fazendo análise, muitos elementos continuarão inconscientes. Afinal, é no inconsciente que está a maior parte de nossa vida psíquica. Então, é de se supor que parte das causas do sintoma continue não sabidas. Mas, ainda que o sintoma não desapareça, a psicanálise ajudará o sujeito a passar por um processo em que não se estigmatize nem se incapacite como alguém definido pelo sintoma (reduzido ao sintoma). Isso significa que, se um analisando chegou à clínica dizendo “sou depressivo”, um sinal de melhora seria, ao final, ele não se definir mais assim. MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 66 http://psicanaliseclinica.com E isso, ainda que não seja uma cura em termos absolutos, será uma melhora possível, uma cura prática ou uma cura relativa que será possível alcançar e que vai melhorar a vida do sujeito. Ainda para Freud, as mais importantes tarefas da psicanálise seria esta ideia de melhora, que passaria principalmente por: ● Fortalecimento do ego: para que o ego consiga cumprir suas funções de identidade, da ordem desejante nos conflitos entre id e superego e das demandas da realidade externa. ● Recuperação das capacidades de amar (gozar) e realizar (trabalhar, agir sobre o mundo). 7.3. A cura psicanalítica para Lacan MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 67 http://psicanaliseclinica.com Para Jacques Lacan, a demanda de cura vem da voz de um sofredor. Nesse sentido, a voz do analisando é central para determinar se um tratamento está caminhando para cura/melhora ou para piora. O desejo é muitas vezes disforme. Uma maneira de entender o desejo de alguém é quando esta pessoa consegue reduzir o seu desejo a uma demanda. Por exemplo, “eu quero X”. Cabe ao analista recolher essas demandas trazidas pelo analisando. E, no processo clínico, elaborar essas demandas, com o objetivo que o analisando encontre-se consigo. Encontrar-se consigo seria, em resumo, encontrar-se com seu desejo: reconhecer os desejos que lhe causem satisfação (ou menos tensão) e afirmá-los. Então, para Lacan, a cura em psicanálise é uma melhora que passa também por um fortalecimento do ego, que pode ser expresso principalmente por dois termos lacanianos: ● Travessia da fantasia: percurso sobre a significância e autodefinição do próprio ser, com o sujeito sendo capaz de se afirmar como ser desejante (“eu sou…”). ● Destituição subjetiva: no setting analítico, significa que o analisando vai “destronar” (retirar do trono) o sujeito suposto-saber do analista; este lugar em que, de início, o analisando colocou o analista para o bem da análise e para a formação dos laços transferenciais. De forma similar à destituição subjetiva, a cura ou melhora passará por um movimento do analisando em destituir o equivalente ao sujeito suposto-saber também de fora do setting (fora da terapia). Isso implica deixar de reverenciar todos os outros Grandes Outros e o desejo dos outros, colocando no lugar o desejo do próprio analisando. MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 68 http://psicanaliseclinica.com 7.4. Análise terminável e interminável Uma psicanálise pode ser interminável? No caso específico da Psicanálise, embora costume ser uma terapia de longo prazo, isso não significa necessariamente uma análise interminável. Sabemos que há psicanalistas que seguem uma linha de psicanálise breve, o que pode ser questionável e até correr o risco de uma “psicanálise selvagem”. A psicanálise breve adota uma tese de ser possível um caminho mais ágil para um encerramento do tratamento, focado em demandas iniciais específicas. Entendemos que a duração de uma psicanálise dependerá muito: ● das demandas trazidas pelo analisando e MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 69 http://psicanaliseclinica.com ● da forma que ele entenda o sempre perigoso termo “progresso”. Há analisandos que fazem análise há anos (ou mesmo décadas); em grande medida, conseguiram resolver suas principais demandas, sentem-se melhor, mas querem continuar fazendo análise enquanto viverem, exatamente em razão da dimensão inesgotável que é a experiência humana. Se certos analisandos entenderem que, apesar de sua melhora nos aspectos mais urgentes de suas dores psíquicas, a psicanálise deverá seguir por toda a vida, que assim o façam. Os analisandos que pensam assim provavelmente terão uma percepção interessante sobre si e sobre a dinâmica do método psicanalítico: novas demandas vão surgindo, o desenvolvimento psíquico é contínuo, ninguém poderá supor estar pronto(a). Quanto aos tipos de término de uma terapia psicanalítica, podemos dizer que a análise pode ser: ● interrompida, quando o analisando abandona a análise, mesmo sentindo que não alcançou a resolução sequer parcial das demandas iniciais ou decorrentes da terapia. A interrupção pode ocorrer por inúmeros motivos, muitas vezes ligados às resistências do analisando e à falta de vínculo transferencial no setting analítico. ● concluída, isto é, encerrar a terapia por um caminho que se costuma chamar de “alta”, quando o analista e o analisando convencionam que a terapia cumpriu ao menos parte de seu propósito e que, também por inúmeras razões, outras demandas parecem não surgir, ou o analisando estabeleceu resistências rígidas demais para novas questões. MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 70 http://psicanaliseclinica.com 7.5. Sobre o conceito de Alta A visão de ser possível uma análise concluída é questionada por linhas da psicanálise, que concebem que psicanalista não dá alta, só o analisado. Porém, está ideia é um pouco reducionista, porque: ● o conceito de “alta” tem uma semântica médica; pode-se optar por não usá-lo em psicanálise, mas usá-lo como sendo escolha do paciente, parece-nos um desvio bastante significativo, sendo melhor falar em interrupção, neste caso, sobretudo quando o analista (a outra parte do par analítico) não corrobora este término; ● há técnicas (como a psicanálise breve), escolas e autores da psicanálise que defendem a ideia de que seja possível chegar a uma situação de “fechamento” (ainda quando prefiram não usar o termo “alta”); ● entender uma situação de fechamento por motivos de certo esgotamento das demandas de cura do analisando em razão de sua MÓDULO IV - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE. (c) psicanaliseclinica.com. Pág. 71 http://psicanaliseclinica.com melhora, ou do esgotamento do desejo do analisando com a terapia ou até mesmo do esgotamento da capacidade do analista, não resulta em considerar que o analisando esteja “pronto”, mas apenas considerar que aquele par analítico cumpriu certo propósito, dadas certas condições.
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