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PARTE 11 .: -> :,\,-.::; \ "".. I O "Padrão Moderador" das ~e/ações entre Civis e Mi li-ta.,r~?:~\c' Brasil, 1945-196411 Um aspecto fundamental do relacionamento civil-militar é a tensã;'~~;;~C~i~'I'~~~"" !'-'f:--·· se manifesta diante de uma dupla necessidade dos governantes políticos civis: de um lado, man ter uma força armada co mo instru mento da política e da ordem interna e, de outro, garantir que o poder militar não usurpe o poder político. Esta tensão tem sido resolvida de modo diferente em diferentes países. Grande parte da literatura refe- rente a estes problemas pode ser resumida em poucas palavras, apontando quatro modelos distintos ou tipos ideais do relacionamento civil-militar. Podemos chamá-Ias modelos aristocrático, comunista, liberal e profissional.' Para simplificar, digamos que para cada um destes modelos diferentes as duas variáveis importantes são o valor - congruência e/ou os mecanismos de controle. O modelo aristocrático apresenta a solução mais simples da tensão potencial entre o poder civil e o militar, e historicamente foi o que obteve maior êxito. Sua essência reside no fato de que os valores sociais e os interesses materiais das elites militares e políticas, numa sociedade aristocrática, são naturalmente congruentes. Os oficiais do Exército provêm sobretudo da aristocracia e se definem como aristocra- tas, e não como oficiais. Enquanto aristocratas, conservam seu prestigio e riqueza mediante o apoio à forma aristocrática de governo. O militar tem um nível de diferen- ciação interna baixo, de forma que pouco treinamento especial é necessário para íaz ê-lo qualificar-se como oficial. Na ausência de um profissionalismo militar, falta a tensão clássica entre a classe profissional de oficiais que visam sobretudo objetivos militares e a elite política. Este modelo começa a deteriorar-se quando a própria sociedade aristocrata entra em decomposição. Com a industrialização, os aspectos técnicos da estratégia militar acabam por requerer um quadro de oficiais mais especializado. Ampliando-se as oportunidades educacionais, abre-se o caminho para a admissão ao oficialato de elementos estranhos à aristocracia. Estes processos, por seu turno, criam uma fonte de tensão potencial entre civis e militares, dado que os oficiais passam progressiva- mente a se definir primeiro como militares profissionais e somente depois como aristocratas. Em certo momento, podem emergir certos mecanismos autoconscientes de controle, tais como a restrição ao ingresso dos aristocratas no quadro de oficiais, numa tentativa artificial de manter o valor-congruência.? -',. .~ I É claro que existem outros modelos. Apresento estes quatro, por responderem mais significati- varnente à questão de como os governos civis podem controlar os militares, em vez de serem controlados por estes. 2 Para uma análise séria de alguns componentes do modelo aristocrático, cf. Caetano Mosca, T/Je RlJlJng Cless, trans. H.O. Kahn (New Yor k : McGraw-Hill Book Company, 1939). pp. 222-243. Uma '.: ,'\ 46 '-,~) "~ (\\ :i, "c-rto [\;,,- No modelo liberal do relacionamento civil-militar, as elites políticas têm bastante consciência do conflito potencial existente entre elas e os militares e procuram deliberadamente garantir que os militares não tenham legitimidade para agir na esfera política. No plano ideal, o militar deve permanecer apolítico. Uma vez que 'o conflito de valores é reconhecido como uma ameaça potencial, dá-se grande ênfase aos esquemas de neutralização. O exército permanente é mantido com efetivo reduzido. Após uma guerra, é desmobilizado rapidamente. Criam-se forças militares de compensação, na forma de milícias, como um freio ao exército regular. Podem-se fazer algumas investidas contra o valor-congruêncía, convocando cidadãos para o exército em vez de confiar em soldados profissionais de carreira e fornecendo múlti- plas vias de acesso ao quadro de oficiais. Este padrão de relacionamento civil-militar tem maior probabilidade de êxito numa sociedade que disponha de instituições civis fortes e não sofra constantes ameaças externas à segurança. Os exemplos clássicos são a Suíça e os Estados Unidos no século XIX. Ao contrário dos modelos aristocrático e liberal, os modelos comunista e profissi- onal atribuem alto valor à força militar e à especialização. Todavia, em ambos o controle dos militares pelos civis é um elemento essencial. No modelo comunista, repele-se o ideal liberal de um militar apolítico. Wiatr, o teórico comunista polonês, escreve: "A rejeição do conceito de militar como expert politico torna-se, nos países socialistas, um dos elementos de integração entre o exército e a sociedade"? Esta integração se realiza mediante constante doutrinação política e procurando garantir que a grande maioria dos oficiais de patente mais elevada sejam membros do partido comunista. Assim, a integração dos valores que caracterizava o modelo aristocrático de relacionamento civil-militar também faz parte do modelo comunista. No último caso, consegue-se esta integração "através da politização do soldado profissional, que não mais ê tratado apenas como um expert, mas age também como membro do partido comunista e através deste participa das decisões políticas, não como soldado, mas como cidadão politicamente ativo "." Os paises comunistas também empregam largamente certos mecanismos de controle, tais como a presença de comíssários políticos nas unidades militares, o serviço de informações políticas e os expurgas ideológicos. No modelo comunista de relações entre civis e militares, há duas áreas de manifesta debilidade. No caso de grandes ameaças externas à segurança nacional, os oficiais militares se esforçam por obter autonomia profissional, ou procu ram dominar o partido comunista se ele se enfraquecer, como ocorreu na China durante a revolu- ção cultural.> análise geral, assim como uma interessante descrição de um aspecto do modelo - o sistema de promoção por compra como meio de ligar a posição à riqueza -, encontra-se em Sarnuet Huntington, The So/dier and lhe S/ale: The Theory and Politicsot Civil-Military Relations (New York: Random House, 1964). pp, 19-30,470-473. 3 Jerzy Wiatr, "Expert and Politician - lhe Divergent Aspects 01 the Social Role 01 the Army Man", Polish Sociologicet Review, n.? 1 (1964). p. 53. , Ierzv Wiatr, "Military Professionalism and lransformations of Class Structure in Poland", in Armed Forces and Society: Sociological Essays, ed. jacques van Doorn (Paris: Mouton, 1968). p. 238. O grifo é nosso. . S O estudo mais completo das relações entre civis e militares na União Soviética é o de Roman Kolkowicz em The Soviet Mi"tary and the Communist Party (Princeton: Princeton University Press, 1967); para uma descrição do mecanismo de controle militar do partido, cr. pp. 81-9B. Para o caso da China, ct. Ellis [of e, Party and Army: Professionalism andPolttical Controt in Ctunese Officer Corps, 7949-7964, Harvard EastAsian Monographs, ri.? 19 (Cambridge, Mass.: Harvard University Pre ss, 1965). Parao dramático aumento do poder político do exército na China durante a revol ução 47 PARTE 11 .: -> :,\,-.::; \ "".. I O "Padrão Moderador" das ~e/ações entre Civis e Mi li-ta.,r~?:~\c' Brasil, 1945-196411 Um aspecto fundamental do relacionamento civil-militar é a tensã;'~~;;~C~i~'I'~~~"" !'-'f:--·· se manifesta diante de uma dupla necessidade dos governantes políticos civis: de um lado, man ter uma força armada co mo instru mento da política e da ordem interna e, de outro, garantir que o poder militar não usurpe o poder político. Esta tensão tem sido resolvida de modo diferente em diferentes países. Grande parte da literatura refe- rente a estes problemas pode ser resumida em poucas palavras, apontando quatro modelos distintos ou tipos ideais do relacionamento civil-militar. Podemos chamá-Ias modelos aristocrático, comunista, liberal e profissional.' Para simplificar, digamos que para cada um destes modelos diferentes as duas variáveis importantes são o valor - congruência e/ou os mecanismosde controle. O modelo aristocrático apresenta a solução mais simples da tensão potencial entre o poder civil e o militar, e historicamente foi o que obteve maior êxito. Sua essência reside no fato de que os valores sociais e os interesses materiais das elites militares e políticas, numa sociedade aristocrática, são naturalmente congruentes. Os oficiais do Exército provêm sobretudo da aristocracia e se definem como aristocra- tas, e não como oficiais. Enquanto aristocratas, conservam seu prestigio e riqueza mediante o apoio à forma aristocrática de governo. O militar tem um nível de diferen- ciação interna baixo, de forma que pouco treinamento especial é necessário para íaz ê-lo qualificar-se como oficial. Na ausência de um profissionalismo militar, falta a tensão clássica entre a classe profissional de oficiais que visam sobretudo objetivos militares e a elite política. Este modelo começa a deteriorar-se quando a própria sociedade aristocrata entra em decomposição. Com a industrialização, os aspectos técnicos da estratégia militar acabam por requerer um quadro de oficiais mais especializado. Ampliando-se as oportunidades educacionais, abre-se o caminho para a admissão ao oficialato de elementos estranhos à aristocracia. Estes processos, por seu turno, criam uma fonte de tensão potencial entre civis e militares, dado que os oficiais passam progressiva- mente a se definir primeiro como militares profissionais e somente depois como aristocratas. Em certo momento, podem emergir certos mecanismos autoconscientes de controle, tais como a restrição ao ingresso dos aristocratas no quadro de oficiais, numa tentativa artificial de manter o valor-congruência.? -',. .~ I É claro que existem outros modelos. Apresento estes quatro, por responderem mais significati- varnente à questão de como os governos civis podem controlar os militares, em vez de serem controlados por estes. 2 Para uma análise séria de alguns componentes do modelo aristocrático, cf. Caetano Mosca, T/Je RlJlJng Cless, trans. H.O. Kahn (New Yor k : McGraw-Hill Book Company, 1939). pp. 222-243. Uma '.: ,'\ 46 '-,~) "~ (\\ :i, "c-rto [\;,,- No modelo liberal do relacionamento civil-militar, as elites políticas têm bastante consciência do conflito potencial existente entre elas e os militares e procuram deliberadamente garantir que os militares não tenham legitimidade para agir na esfera política. No plano ideal, o militar deve permanecer apolítico. Uma vez que 'o conflito de valores é reconhecido como uma ameaça potencial, dá-se grande ênfase aos esquemas de neutralização. O exército permanente é mantido com efetivo reduzido. Após uma guerra, é desmobilizado rapidamente. Criam-se forças militares de compensação, na forma de milícias, como um freio ao exército regular. Podem-se fazer algumas investidas contra o valor-congruêncía, convocando cidadãos para o exército em vez de confiar em soldados profissionais de carreira e fornecendo múlti- plas vias de acesso ao quadro de oficiais. Este padrão de relacionamento civil-militar tem maior probabilidade de êxito numa sociedade que disponha de instituições civis fortes e não sofra constantes ameaças externas à segurança. Os exemplos clássicos são a Suíça e os Estados Unidos no século XIX. Ao contrário dos modelos aristocrático e liberal, os modelos comunista e profissi- onal atribuem alto valor à força militar e à especialização. Todavia, em ambos o controle dos militares pelos civis é um elemento essencial. No modelo comunista, repele-se o ideal liberal de um militar apolítico. Wiatr, o teórico comunista polonês, escreve: "A rejeição do conceito de militar como expert politico torna-se, nos países socialistas, um dos elementos de integração entre o exército e a sociedade"? Esta integração se realiza mediante constante doutrinação política e procurando garantir que a grande maioria dos oficiais de patente mais elevada sejam membros do partido comunista. Assim, a integração dos valores que caracterizava o modelo aristocrático de relacionamento civil-militar também faz parte do modelo comunista. No último caso, consegue-se esta integração "através da politização do soldado profissional, que não mais ê tratado apenas como um expert, mas age também como membro do partido comunista e através deste participa das decisões políticas, não como soldado, mas como cidadão politicamente ativo "." Os paises comunistas também empregam largamente certos mecanismos de controle, tais como a presença de comíssários políticos nas unidades militares, o serviço de informações políticas e os expurgas ideológicos. No modelo comunista de relações entre civis e militares, há duas áreas de manifesta debilidade. No caso de grandes ameaças externas à segurança nacional, os oficiais militares se esforçam por obter autonomia profissional, ou procu ram dominar o partido comunista se ele se enfraquecer, como ocorreu na China durante a revolu- ção cultural.> análise geral, assim como uma interessante descrição de um aspecto do modelo - o sistema de promoção por compra como meio de ligar a posição à riqueza -, encontra-se em Sarnuet Huntington, The So/dier and lhe S/ale: The Theory and Politicsot Civil-Military Relations (New York: Random House, 1964). pp, 19-30,470-473. 3 Jerzy Wiatr, "Expert and Politician - lhe Divergent Aspects 01 the Social Role 01 the Army Man", Polish Sociologicet Review, n.? 1 (1964). p. 53. , Ierzv Wiatr, "Military Professionalism and lransformations of Class Structure in Poland", in Armed Forces and Society: Sociological Essays, ed. jacques van Doorn (Paris: Mouton, 1968). p. 238. O grifo é nosso. . S O estudo mais completo das relações entre civis e militares na União Soviética é o de Roman Kolkowicz em The Soviet Mi"tary and the Communist Party (Princeton: Princeton University Press, 1967); para uma descrição do mecanismo de controle militar do partido, cr. pp. 81-9B. Para o caso da China, ct. Ellis [of e, Party and Army: Professionalism andPolttical Controt in Ctunese Officer Corps, 7949-7964, Harvard EastAsian Monographs, ri.? 19 (Cambridge, Mass.: Harvard University Pre ss, 1965). Parao dramático aumento do poder político do exército na China durante a revol ução 47 No modelo profissional, como no comunista, o objetivo dos políticos ciyis é manter uma força militar poderosa sob controle do governo civil. O principal teórico deste modelo, Samuel Huntington, afirma que o controle civil é realizado, não através do valor-congruência ou de extensos esquemas de controle, mas pela tolerância dos civis para com o desenvolvimento autõnomo da influência militar dentro da esfera militar. Sustenta Huntington que a busca de objetivos militares profissionais pelos rnilitares tende, em si mesma, a restringir a energia militar à sU,%:esfera própria, não-política. "A essência do controle objetivo civil é o reconhecimento do profissio- nalismo militar autõnomo."6 Em sua opinião, consegue-se o controle civil "não porque os grupos militares partilhem valores sociais e ideologias políticas da socis.. dade, mas porque são indiferentes a tais valores e a tais ideologias. Os líderes militares obedecem ao governo não porque concordem com suas políticas, mas simplesmente porque é sua obrigação obedecer". 7 São estes os quatro modelos clássicos das relações entre civis e militares empre- gados para descrever a forma como o militar é controlado por políticos civis. Existem, é claro, outros modelos, tais como o da ditadura militar ou o militar modernizador, nos quais está ausente o controle civil e os militares controlam todo o sistema político. A partir destas formulações suciritas, podemos colocar as seguintes questões: Até que ponto as relações entre civis e militares na América latina se aproximam destes modelos? As elites políticas civis se esforçam de modo coerente para atingir os objetivos descritos em algum dos quatro modelos? Pode-se dizer que, na América latina do século XX, nenhum país preenche as condições do modelo aristocrático de relacionamento civil-militar. O quadro de oficiais é formado, predominantemente,mais de indivíduos da classe média, na composição social, do que da classe aristocrática ou da c/asse alta. Além disso, enquanto a sociedade latino-americana tiver uma mobilidade apenas parcial, não pode ser caracterizada como aristocrática em Sua organização global. Finalmente, na maioria dos países, o quadro de oficiais é profissionalizado, pelo menos em parte, havendo portanto um certo grau de tensão entre as elites militares e as civis. A aplicabilidade do modelo comunista também é limitada: somente Cuba e, até certo ponto, o México COm seu partido único dominante parecem adaptar-se a este modelo. Isto nos deixa, então, os modelos liberal e profissional e conscientemente ou não, a maioria dos autores que tratam das relações entre civis e militares manifesta- ram a tendéncia a analisar a experiência latino-americana de acordo com um ou outro desses dois modelos. Tal fato é compreensível, já que em muitos países latino- americanos se encontram elementos superficiais destes dois padrões. Em muitos países, Como O Peru e o Brasil; os militares são, até certo ponto, profissionalizados em sua estrutura institucional, educação e· treinamento técnico. Alguns elementos do modelo liberal podem ser descobertos na crença generalizada de que o governo militar é ilegítimo: No entanto, na maioria dos casos, tentar enquadrar-dentro destes dois modelos as relações entre civis e militares na América latina violenta a sua realidade política. Para que se possa atribuir a um determinado país o modelo liberal de relacionamento cultural, ct. Stephen A. Sirns, "The New Role of the Military", Problems of Communísm (November-December, 1969), pp. 2&-32, e Ralph l. Powell, "The Party, lhe Government and the Cun", Asian Survey, X (June 1970), 441-471. 6 Samuel Huntington, The Soldier and lhe Stet e, p. 83. Huntington chama este modelo de"controle objetivo" 7 Samuel Huntington, "Civilia.n Control of the Military: A Theoretical Statement", in Politica! Behavior: A Reeder in Theory and Reseercb, ed. Heinz Bulau, Samuel I. Eldersveld e Morris lanowitz (Glencoe, 111.: The Free Press, 1956)" p. 361. 48 civil-militar, são necessárias instituições civis sólidas e exige-se um esforço sistemá- tico, por parte dos principais protagonistas políticos, a fim de manter os militares fora da política. Todavia, como irei mostrar mais tarde, a própria ausência de instituições politicas sólidas num país como o Brasil teve como resultado a tentativa dos principais políticos de cooptar os militares como força sustentadora adicional, na busca de objetivos políticos. Quanto ao modelo profissional, como Huntington reconheceu, o seu sucesso depende de um sistema político suficientemente estável para impedir que os políticos interfiram em assuntos militares puramente internos ou utilizem os militares para propósitos políticos partidários. "A antítese do controle objetivo civil é a participação do militar na política." O "controle objetivo" é impossível enquanto grupos civis "relutarem simplesmente em aceitar um quadro de oficiais politicamente neutro" e enquanto houver "grupos civis multifários ansiosos para maximizar seu poder em assuntos militares"." Tais grupos civis, às vezes, são bastante numerosos nos países latino-americanos. Os quatro modelos descritos acima são necessariamente bastante abstratos, e nenhum sistema político representa um tipo puro. Nos Estados Unidos do século XX, por exemplo, encontramos uma combinação dos modelos liberal e profissional. A Alemanha e a Áustria do final do século XIX combinavam os modelos aristocrático e profissional. Contudo, a própria dificuldade de adequar satisfatoriamente os padrões latino-americanos do relacionamento civil-militar a algum dos quatro modelos encon- trados na literatura insinua a utilidade da formulação de outros modelos para com- preender os padrões recorrentes das relações entre civis e militares. A Segunda Parte deste estudo é dedicada à análise do modelo que classifiquei como "moderador". O MODELO MODERADOR DAS RELAÇÕES ENTRE CIVIS E MILITARES Antes de descrever as características específicas do modelo, é conveniente deli- near alguns traços básicos da cultura polítiça dentro da qual se desenvolve este padrão. A maioria dos países latino-americanos combina características de serni- elitistas, semimobilizados e semidesenvolvidos. Caracteristicamente, nenhum grupo ou partido político utilizou efetivamente o poder político e econômico para satisfazer as necessidades do desenvolvimento. As exigências políticas são elevadas, mas a capacidade politica de convertê-Ias em resultados efetivos é pequena. A sociedade ê "pretoriana", no sentido de que todas as instituições - a igreja, ° trabalho, os estudantes - são altamente politizados. Ao mesmo tempo, porém, as instituições políticas são fracas." Nesse tipo de sociedade, os militares também são poJitizados e todos os grupos tentam cooptá-Ios para aumentar sua força política. Esta cooptação constante, se- gundo Huntington, exclui a profissionalização, mesmo que possam surgir indícios formais de crescente profissionalismo. Assim, no caso do Peru, Brasil e Argentina, a estrutura hierárquica, a diferenciação interna e os padrões de promoção indicam que os militares são razoavelmente profissionalizados mas, ao mesmo tempo, são alta- 8 Huntington, The Soldier and the State, pp. 83-84. 9 Uma tentativa sistemática de definir a sociedade "pretoriana" encontra-se em David Rapoport, "A Comparative Theory of Militar)' and Political Types", in Changing Patternsof MiJitary Poiitics, ed. Samuel Huntington (New York: The FreePress,1963), pp. 71-101. Uma análise que seaproxima da minha idéia é a de Samuel Huntington, Política I Order in Changlng Societies '(New Haven: Yale University Press. 19&8). pp. 192-263. 49 mente politíz ados.!e Este padrão das relações entre civis e militares, no qual todos 05 políticos Comumente procuram envolver os militares na política, distingue-se do modelo liberal, cujo objetivo é um militar apolítico. Não obstante, esta politização militar normalmente não é muito evidente, porque as elites sociais e políticas da América latina se consideram parte integrante da cultura da Europa Ocidental. E um dos traços desta sua herança é justamente encarar o parlamentarismo como algo inerente a um governo desenvolvido e civilizado. Se- gundo este ponto de vista, o governo militar é rejeitado como solução legítima para o problema do desenvolvi mento. Tais aspirações coexistem com uma sociedade preto- riana. Esta difícil coexisténcia é provavelmente o componente principal do modelo moderador das relações entre civis e militares. Igualmente esclarece, de algum modo, a natureza e os limites do papel dos militares em tal tipo de sociedade. •• Tipicamente, os processos parlamentares tentados como a forma ideal de go- verno fornecem um mecanismo ineficaz para resolver os conflitos políticos numa sociedade pretoriana. Os partidos políticos, geralmente, são fragmentados. Conside- rando o desejo das elites políticas de manter a ordem interna, de frear o executivo e de controlar a mobilização política de novos grupos e tendo em vista também a ausência de outras instituições para executar estas tarefas de modo eficaz, as elites políticas geralmente julgam conveniente conceder aos militares um grau limitado de legitimi- dade para desempenhar estas funções específicas sob certas condições. Contudo, somente se confere um grau reduzido de legitimidade à idéia de um governo contro- lado pelos próprios militares. Em tal modelo das relações entre civis e militares, estes são chamados repetidas vezes para agir como moderadores da atividade política, mas Ihes é negado sistemati- camente o direito de tentar dirigir quaisquer mudanças dentro do sistema político. longe de se constituírem nos "construtores da nação" ou nos "reformadores", como são encarados em alguns países, no modelo moderador os militares têm uma tarefa que consiste essencialmente na atividade conservadora de manutenção do sistema. O papel dos militares, de modo geral, se restringeà deposição do chefe do executivo e à transferência do poder político para grupos civis alternativos. A aceitação deste papel pelos militares está condicionada à sua aceitação da legitimidade e da praticabilidade das formas políticas parlamentares, bem como à constatação, porparte destes milita- res, de que possuem, em comparação com os civis, uma capacidade relativamente reduzida de governar. A exemplo dos modelos aristocrático e profissional do relacionamento civil- militar, o modelo moderador não se apóia sobre um conjunto de controles impostos pelos civis, mas sobre uma série de normas que operam, a um tempo;dentro e fora da instituição militar. Tais normas estimulam uma alta participação dos militares, cujos atos políticos, no entanto, são limitados em certos aspectos. Nesse sentido, o modelo admite um militar que seja controlado, mas, não obstante, altamente politizado; a natureza deste controle é muito diversa da encontrada nos outros modelos. Os principais componentes deste padrão de reJacionamento civil-militar podem ser resumidos em alguns pontos básicos: 1. Todos os principais protagonistas políticos procuram cooptar os militares. A norma é um militar politizado. 2. Os militares são politicamente heterogêneos, mas também procuram manter um grau de unidade institucional. 10 Para uma critica do uso de indícios formais do desenvolvimento COmo medida do desenvolvi- mento político por si sós, cI. meu artigo: "Polirical Development Theory: The Latin American Experience", Joumal of International Affairs, XX, n.? 2 (1966). pp. 223-234. 50 ·.:·T.···'[ }. Os políticos importantes garantem legitimidade aos militares, sob certas cir-cunstâncias, para agirem como moderadores do processo político, contro- lando OIJ depondo o executivo, ou até mesmo evitando a ruptura do pr6prio sistema, especialmente quando isto envolve urna mobilização maciça de no- vos grupos anteriormente excluídos da participação no processo político. 4. A aprovação dada pelas elites civis aos militares politicamente heterogêneos para depor o executivo facilita bastante a formação de uma coalizão golpista vencedora. A negação, pelos civis, de que a deposição do executivo pelos militares seja um ato legítimo, inversamente, impede a formação de uma coalizão gol pista vitoriosa. 5. Existe urna crença firme entre as elites civis e os oficiais militares de que, embora seja legítima para os militares a intervenção no processo político e no exercício temporário do poder, é ilegítimo para eles assumir a direção do sistema politico por longos períodos de tempo. 6. Tornado genericamente, este valor-congruência é ores ultado da socialização civil e militar através da educação e da literatura. A doutrina militar do desen- volvimento também é, de modo geral, congruente com a de grupos parlamen- tares. A condescendência social e intelectual dos oficiais militares em relação aos civis facilita a cooptação e a contínua liderança civil. Dada a perspectiva deste padrão de relações entre civis e militares, muitas características algo paradoxais da política latino-americana tornam-se menos obscu- ras. Atendendo que a intervenção militar foi considerada, tradicionalmente, como representativa da decomposição do sistema político, no modelo moderador ela pode ser reputada como o método normal de composição na vida política. O que antes fora julgado golpes de estado rápidos, secretos ou unilaterais, executados pelos mílitares contra governos civis, agora é visto como um tipo de resposta desenvolvida lenta- mente, clara e dual das elites civis e militares a críses políticas particulares, nas quais tanto os civis como os militares procuram nas Forças Armadas a solução da crise. O que foi chamado "intervencionismo patológico" no modelo liberal, torna-se o fun- cionamento normal do sistema político no modelo moderador, por meio do qual os civis confiam aos militares o desempenho de um papel moderador em determina- dos momentos. A Segunda Parte examina a política brasileira e as relações entre civis e militares como um paradigma do padrão moderador. A análise abrange o período de 1945 a 1964, durante o qual este padrão de relacionamento entre civis e militares predomi- nou até sua dissolução com a revolução de 1964. Incontestavelmente, no Brasil os parâmetros do modelo foram estabelecidos com mais eficácia, as regras do jogo foram compreendidas com maior amplitude e as comunicações tornaram-se mais sofisticadas, em relação a outros países da América Latina. Todavia, acredito que uma pesquisa detalhada revelaria que alguns padrões de comportamento e atitudes de sustentação que caracterizaram o padrão moderador das relações entre civis e milita- res no Brasil, de 1945 a 1964, também predominaram em várias épocas em muitos outros países latino-americanos. \ 1 As questões colocadas pelo modelo e que procuro responder na Segunda Parte são as seguintes: Quais os grupos civis que desejaram que os mili tares desempenhas- sem um papel politico e por quê? Que tipo de influências as atitudes civis tiveram 11 Embora o modelo moderador se tenha desenvolvido no Brasil em 1964, no decurso deste livro emprego freqüentemente o presente do indicativo para de scr evê-lo. a fim de acentuar suas características gerais. 51 I"~, I" (; t: li II J~ tr I ! I sobre a propensão e a capacidade da instituição militar de desempenhar um ato altamente político de deposição de um presidente? Que condições determinam o fracasso dos golpes? O Capítulo 4 examina os motivos políticos, o desenvolvimento histórico e a lógica interna deste padrão de relacionamento civil-militar. No Capitulo 5 são testadas algumas das principais hipóteses do modelo, comparando os movimen- tos militares e as suas tentativas no Brasil em 1945, 1954, 1955, 1961 e 1964. Nesta altura, podemos levantar dois pontos introdutórios: um diz respeito à escolha da palavra "moderador" para descrever o modelo e o outro se refere à definição da legitimidade militar. De acordo com o modelo descrito nos capítulos seguintes, os militares no Brasil desfrutaram do poder de moderar o sistema pelítíco em períodos de crise. O termo "poder moderador" tem um sentido específico para o Brasil, onde, durante a monarquia, o imperador detinha a faculdade constitucional de intervir no conflito político, em épocas de impasse institucional. Esta faculdade chamou-se poder moderador. Muitos brasileiros observaram que, desde a queda da monarquia, em 1889, os militares não só assumiram como também Ihes foi delegado o tradicional "poder moderador", originariamente exercido pelo imperador. Conservei a terminologia brasileira para este modelo de relacionamento civil- militar, mas pretendo usá-Ia num sentido mais genérico, para combinar os significa- dos dos termos "árbitro" e "moderador". Prefiro estes termos a "guardião", porque não pretendo inferir que os mi li tares brasileiros sempre tenham exercido uma autori- dade benevolente e paternal. O termo "juiz" implica regras mais formais do que realmente existiram, e não fornece a necessária conotação de que o exercício da função de árbitro-moderador requeria um grau de convite eaceitação para ser efetiva. Entretanto, nenhuma analogia com a função moderadora é perfeita, e o sentido pleno do termo somente emergirá em minha análise da dinâmica das relações_entre civis e militares e dos movimentos militares ocorridos no Brasil entre 1945 e 1964. O segundo ponto que quero expor refere-se à legitimidade do papel político para os militares. Quando discutimos a legitimidade de um governo ou de um papel político para os militares, queremos nos referir àquilo que os grupos políticos civis participantes consideravam processos políticos adequados, dadas todas as circuns- tâncias. Minha análise indica que a instituição militar, normalmente, foi encarada como a única organização disponível para realizar certas funções que a elite partici- pante achava que precisavam ser realizadas. O cumprimento destas funções, seja no controle do executivo, seja na manutenção da ordem interna, recebe, assim, certograu de legitimidade, mesmo da parte de certos grupos que no campo cultural eram antimilitaristas convictos. Assim, quando demonstro, nos capítulos seguintes, que grupos civis "sanciona- ram" a intervenção militar em determinados momentos, meu objetivo não é sustentar que considero esta ação moralmente legitima, justa ou correta, mas antes ilustrar quão profundamente enraizada estava tal atividade no próprio sistema político. Ten- teidesenvolver sistematicamente a interessante abordagem de lohn J. Johnson, segundo a qual o fenômeno que existe em muitos paises da América latina _ e que precisa ser analisado - não é o "militarismo", mas o "militarismo civil".12 I1I li! ~I ~I ~I 1: 11 John J.Johnson, Tlve Military and Societv in Latin America (Stanford: Stanford University Press,1964), pp. 119.125. 52 Capítulo 4 Aspectos Civis do "Padrão Moderador" INTRODUÇÃO Historicamente, os civis que formam as camadas politicamente importantes da sociedade brasileira sempre tentaram servir-se dos militares para atingi r seus próprios objetivos políticos. Juntamente com a diversidade e a abertura da instituição militar brasileira, denota este fato que 'os oficiais militares sempre foram altamente politiz a- dos. Uma outra conseqüência das cisões internas das Forças Armadas e das tentativas que fizeram os grupos civis para atraí-lcs à política é que os militares não estão unidos em suas convicções políticas e ideologia, mas refletem normal mente, até certo ponto, a ampla ílutuação da opinião pública. Para compreender como tal situação surgiu no Brasil, podemos dividir os políti- cos civis importantes em três grupos principais e examinar cada um deles. Estes grupos de elite são: 1. O presidente e seus conselheiros, isto é, o governo. 2. Os civis anti-regime, que se opõem não só ao governo, mas também ao próprio regime e pretendem alterar as leis básicas e a estrutura da autoridade. 3. Os civis pró-regime que, embora apoiando as leis básicas do regime, freqüen- temente discordam do governo e desejam controlar o executivo 'através de outros métodos que não o legislativo e os meios eleitorais. Historicamente, os civis pró-regime formaram o grupo mais importante na fixa- ção do papel dos militares no sistema político e no curso dos golpes militares no Brasil. No entanto, os outros dois grupos também desempenharam papel relevante. POLITIZAÇÃO DOS MILITARES: O EXECUTIVO Por vários motivos, os presidentes do Brasil sempre tentaram usar os oficiais militares como instrumentos pessoais de seu governo. No Brasil, como em muitos outros países em desenvolvimento, a capacidade relativamente pequena do governo para mobilizar recursos econômicos tem sua contrapartida na também pequena capacidade de regular, extrair e distribuir esses recursos. O presidente, constante- mente, vê seus propósitos de reforma barrados pelo Congresso, por elites poderosas, fortemente entrincheiradas, ou por reivindicações conflitantes de seu eleitorado. Nestas ci rcunstâncias, uma manobra clássica do chefe do governo tem sido tentar ganhar o apoio dos militares, direta ou indiretamente, para suas proposições, como um clube contra seus oponentes. Sendo ele que designa os três ministros militares e os comandantes dos pri ncipais exércitos territoriais, pode usar e usou realmente estas nomeações como meio de obter apoio militar. Há exemplos de cooptação dos militares em quase todos os governos brasileiros, no período que vai de 1937 a 1964, com exceção do de Kubitschek, envolvam presi- 53 111/ 11» I~ ir. Il I"~ ,I" '~ ""1Mr: t: w 'ij , ~ ~ 1 ~ I~ "I dentes fortes, sem i-autoritários como Getúlio Vargas, ou presidentes populistas, fracos, como João Goulart. Em 1937, por exemplo, um elemento-chave na vitoriosa instituição do Estado Novo por Vargas foi o apoio ativo dos militares; o Estado Novo concedeu-lhe maiores poderes que lhe permitiram introduzir muitas reformas sociais e econômicas e pro- longar sua permanência no cargo .' Da mesma forma, o presidente lânio Quadros tentou usar os mili~3r&,s como elemento principal de sua estratégia para ganhar sustentação politica mais adequada para seus programas. Jãnio Quadros renunciou em 1961, depois de permanecer na presidência por menos de sete meses. Como ele próprio escreveu mais tarde, sua renúncia fora uma manobra com intuito de aumentar seu poder político, mobilizando apoio popular e militar.' Do ponto de vista do presidente, ele achou que as reformas estruturais necessárias haviam sido barradas porum Congresso "pu Iverizado" por diferenças regionais, estaduais, municipais e personalísticas. lânio ali rma que os ministros mili tares também estavam convictos da necessidade de mudar a estrutura política e participaram na procura de "fórmulas ou soluções, tentando fortalecer a autoridade do governo, sem sacrificar os aspectos fundamentais do processo democrático". Sua tentativa de modificar o sistema político segundo a linha gaullista fracassou, devido à "hesitação dos militares", conforme o amargo comentário de Iânio.> Também João Goulart, quando presidente, póde usar com muita eficiência ele- mentos militares em várias situações de crise. Embora eles tivessem oposto resistên- cia considerável à sua posse na presidência em 1961 e apesar de ter sido deposto por eles próprios em abril de 1964, Goulart em nenhum momento pretendeu que os militares permanecessem fora da política. De fato, na maioria dos problemas que seu governo teve de' enfrentar, Goulart usou ativamente os militares como um de seus pri nci pai s instru mentos políticos. Na crise de sucessão de 1961, Goulart somente assumiu a presidência depois de haver firmado um compromisso com os militares, através do qual o cargo foi enfra- quecido com a criação do primeiro-ministro. O compromisso estipulava a realização de um plebiscito, em 1965, a fim de decidir se o Brasil deveria manter a forma parlamentarista de governo, ou retornar aos plenos poderes presidenciais. Naturalmente Goulart ficou bastante insatisfeito com este compromisso e deu início a uma campanha para antecipar a realização do plebiscito. Declaraçóes e manifestos de generais que ele nomeara para posições-chave tiveram parte vital na campanha. A 10 de agosto de 1962, os ministros militares lançaram uma declaração 1 O esclarecimento de Vargas a um auditório militar, expondo as razóes da necessidade do Estado Novo e seu elogio aos militares pelo apoio manifestado estão em seu livro A Nova Política (Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1938), V, 242-243. Para uma análise do Estado Novo em inglês, d. o trabalho de John W.F. Dulles, Vàrgas of Brazil: a Political Biography (Austin: University 01 Texas Press, 1967), pp. 162-274. 1 De inicio, admitia-se em todos os meios que lânio Quadros havia renunciado porque lhe faltará o apoio dos militares, ou porque ele pretendera evitar um golpe iminente. CI., e.g., Hélio Jaguaribe, "A Renúncia do Presidente Quadros e a crise política brasileira", Revista Bresileirs: de CiênCIas Sociais, I (novembro de 1961), 272-31L Todavia, não se descobriu qualquer evidência sólida que comprovasse tal fato. Norris Lyle, em sua tese de doutoramento em história pela Universidade da Califórnia, em Los Angeles, fez ampla pesquisa de campo sobre a carreira de Jânio e afirma que, com base nos dados que obteve, os militares não pressionaram lâruo Quadros a renunciar. 3 Jânio Quadros e Afonso Arinos de Mello Franco, "O Porquê da Renúncia", Realidade (no- vembro de 1967), pp. 31-34. Tanto como político quanto como personalidade, lânio Quadros é tão complexo e ambíguo que nem mesmo esta explicação pode ser tomada como a palavra definitiva sobre a renúncia. 54 onde insistiam na realização imediata do plebiscito. O Congresso marcou a data de abril de 1963. Goulart pressionou os parlamentares mais firmemente, para que fosse realizado em outubro de 1962, juntamente com as eleições para governador dos Estados e para o Congresso. Seu cunhado, Leonel Brizola, governador do Rio Grande do Sul, ameaçou usar a força se o Congresso não concordassecom esta exigência. Este, no entanto, hesitava e se esquivava. O general Jair Dantas Ribeiro, comandante do I1I Exército, aquartelado no Rio Grande do Sul, o maior do país, ameaçou então implicitamente o Congresso, envian- do um telegrama ao Ministro da Guerra. Ao divulgá-Ia à imprensa, o general atribuiu- lhe o caráter de manifesto ou ultimato: Face à intransigência do Parlamento, .. e tendo ainda em vista as primeiras manifestações de desagrado que se prenunciam nos territórios dos Estados ocupados pelo 111 Exército, cumpre-me informar a V. exa., como responsável pela garantia da lei, da ordem ... e da propriedade privada deste território que me encontro sem condições para assu mir com segurança e êxito a responsa- bilidade do cumprimento de tais missões, se o povo se insurgir pela círcunstân- cia de o Congresso recusar o plebiscito para antes ou no máximo simultanea- mente com as eleições de outubro próximo vindouro" Na época, o presidente Goulart não condenou a óbvia ameaça política feita pelo general. O plebiscito, que em larga medida foi o resultado destas pressóes, foi marcado para janeiro de 1963. Em junho do mesmo ano, Goulart nomeou o general Dantas Ribeiro, Ministro da Guerra, o posto mais elevado do Exército. Um correspondente francês no país, escrevendo sobre a vitoriosa manobra de Goulart, no caso do plebiscito, comentou que os generais nomeados pelo presi- dente para comandar o I, o 11 e o 111 Exércitos eram para ele "os instrumentos de pressão mais eficientes contra o Congresso na batalha para o retorno ao presiden- ciallsrno"." Outro exemplo da utilização dos militares por Goulart foi o pedido ao Congresso, a 5 de outubro de 1963, para que decretasse o estado de sítio. Nos dois dias seguintes, os principais governadores da esquerda, do centro e da direita, os sindicatos, os representantes dos partidos políticos, todos protestaram. Goulart retirou o pedido a 7 de outubro de 1963.6 Neste caso, foram provavelmente os aliados militares de Goulart, os três ministros militares, que o instigaram a fazer o pedido inicial. O importante, entretanto, é que João Goulart, com base na sua suposta retaguarda militar, estabeleceu a principal abertura para alterar as regras do jogo político nacio- nal, sem uma coordenação política anterior ou sem uma sondagem aos grupos civis. Ele estava propenso a confiar nos militares e utilizá-Ios como o seu principal instrumento político. O Brasil não é o único país da América Latina cujo presidente exigiu das Forças Armadas uma participação ativa, em vez de neutralidade profissional ou passividade. No Chile, o principal período de ativismo militar na política, entre 1924 e 1931, foi conseqüência, em grande parte, da tentativa deliberada do presidente Alessandri 4 Declaração publicada em O Estado de São Paulo, 13 de setembro de 1962. -' J.j. Faust, A Revoluçso Devora seus Presidentes (RIO de janeiro: Editora Saga, 1965), p. 39. 6 Para uma descrição dos protestos, especialmente da esquerda, cf o relato do Ministro da Justiça de Goulart, Abelardo [u re rna. Sexta-Feira 13: Os U/timos Dias do Governo JozJO Gou/art (Rio de janeiro: Edições O Cruzeiro, 1964), pp. 129-131. 55 ----------------------------------------------~1 1"'i .. do, da Un;>O M;n" C.,,;, e ",o Crande do Sul.i. de politizar os militares, de modo a pressionarem o Congresso recalcitrante para mentos nos dois maiores Esta d d .deararn uma grande campanha para- . O rd olíticos destes Esta os esenca , .aprovar sua legislaçao reformlsta,7. s leres p. id d do Exército antes da revolta. Vários Outro exemplo clássico da utilização dos militares pelos chefes de governo obter o apoio ou, ao menos, a passlvdl a e, cito foram informados de antemão, . fi' I . , , , . ando postos superiores o exer "dconsiste em seu emprego como orça extra ega para reprimir oponentes políticos. generais ocuP. . . lução contra o regime estabelecia. Uma das primeiras vezes em que o presidente Roca, da Argentina, usou o exército de que os CIVIS deflagrarram um; ;:~~ se estabelecer uma nova ordem política federal, bastante forte na década de 1880, por exemplo, foi para diminui r o poder Argumentava-se que, dada a_nedcessl ~I't s era não resistir.'? Os oficiais e praças d d . .. 8 P' . bi d . dever e obngaçao os ml I areos governa ores provrnciars , ostenormente, depois que su lU ao po er, em no pars. o id . t maticamente a estes e outros argumen- 1916, o primeiro governo radical de classe média, o novo presidente, HiRPlito Yri- do Rio Grande do Sul foram submedtl OSSIS de revolução no Estado.'? . . ,. " " . . . ito antes de ter SI o IniCia a agoyen, tentou sistematicamente transformar o exercito profissional numa força polfti- tos regionais mu 964 d ca pessoal para controlar as eleições provinciais." No Brasil, também, o Exército te- Novamente em 1945, quando o Estado Novo foi derrubado, .eem 1. elhant o deral foi utilizado com freqüência no período da "República Velha" com propósitos se- i u a política competitiva e democrática, houve esforços slstematlcos seme fo: es , Ih M . ,. d . . . . ca I' político 14 Efetivamente as orçasme antes. ais recentemente, um exemplo trptco o uso do Exercito para eliminar da parte de civis e militares, para a terar o regime .' T ' r fissio- um adversário político foi a tentativa do presidente Goulart de prender seu crítico contrárias ao regime não desejavam, mais do que os presidentes, um rru rtar p .stante . f h d C I d d G b . d d t á ias ao regime empregaram cons -mais erren o, o governa or ar os lacer a, a uana ara, servrn o-se e uma nal e apolítico. Em vez disso, os grupos con r r . . T I destino unidade de pãra-quedrstas.!« mente a retórica de que a responsabllrdade especial. d~s rru uares ~e ~ olítica. Estes exemplos indicam que a utilização dos militares pelo presidente na política do Brasil requer que se tornem participantes ativos ~a cnaçao de nova or e ~ Ia um ocorre muitas vezes no Brasil e na América latina, especialmente nos casos em que Um estudo de outros grupos anti-regime nos paises latlno-amerrca~os 'adie ai de o presidente enfrenta dissensões entre grupos politicamente importantes. Nestas cir- processo semelhante em ação. Na Argentina, por exemplo, 10 parti o oder e~tre cunstâncias, os presidentes tradicionalmente procuraram aumentar suas próprias fon- classe média tentou sistematicamente usar os militares para a cançar o po . Itas de tes de poder, servindo-se das Forças Armadas como instrumento de poder político. 1890 e 1905. 'Essas tentativas desempenharam papel preponderante nas revo 1890,1893 e 190515 I~ ,~: iII "ii U~ 11:: lt 1\ I: •.. I•. li',_o I" I•. l. ". li. j r, " "i I. li I: POllTIZAÇAo DOS MILITARES: FORÇAS ANTl-REGIME A mesma situação ocorre com os civis contrários ao regime no Brasil. Por civis contrários ao regime refiro-me àqueles protagonistas políticos que procuram mudar as regras básicas de todo o sistema político e alterar os princípios de autoridade e legitimidade. Os grupos mais importantes que se enquadram nesta definição, tradicionalmente, também empregaram as Forças Armadas como instrumento de sua estratégia política e tentaram cooptá-las no plano ideológico. Este processo teve início com o nascimento da República brasileira, quando os republicanos, sistematicamente, recrutaram apoio militar para a derrubada da monarquia." Do mesmo modo a "República Velha" chegou ao fim em 1930, não tanto por causa dos esforços dos tenentes rebeldes do Exército, mas devido a movi- 1 Liisa North, Civil-Military Relations inArgenrina, Chile and Peru, Politics of Modernization Series, n.? 2 (Berkeley: University of California, Institute of International Studies, 1966), pp. 26·31. B Marvin Goldwerr , "The Rise of Modern Militarism in'Argentina", Hispanic American Historical Review, XLVIII (May 1968), 189-191. 9 tbid., pp. 191-200; e Robert A. Potash, The Army and Poiitics in Argentina, 1928·7945 (Stanford: Stanford University Press, 1969), pp. 29-54. 10 Cf. Fernando Pedreira, Março 37, Civis e Militares no Processo da Crise Brasileira (Rio de Janeiro:José Álvaro, 1964), pp. 17-22; e Thomas Skidmore, Po/itics in Brazil (New York: Oxford University Press, 1967), pp. 263-265. Um bom relato da discussão do incidente pelo Congresso encontra-se no Jornal do Brasil, 23-25 de novembro de 1963. Muito mistério ainda cerca este episódio e não se tem certeza sobre o que Goulart planejara fazer com Lacerda. " Encontra-se documentação detalhada deste processo em June E. Hahner, Brazilian Civilian- Military Re/ations, 1889·7898, Latin American Studies Program Disscrtation Series, n.> 2 uthaca. New York: Cornell University, 1967), pp. 28-46. Um bom relato da tentativa do partido republi- cano de explorar e exacerbar as tensões entre os militares e a monarquia e dos esforços para atrair os militares para a causa da revolução, encontra-se no capítulo de George C.A. Boehrer; "O Partido Republicano, o Exército e a Revolução de 1889", em sua obra Da Monarquia à Repu- blica (Rio de Janeiro: Ministério da Educaçào e Cultura, 1954), pp. 275-286. 56 Embora não seja importante no Brasil até o momento, o único movimento contrário ao regime na América latina que não dependeu da cooptação dos militares foi o movimento de guerrilha castrista, que visava a destruição do exército regular no processo de tomada do poder. Entretanto, mesmo este movimento precisou de militares políticos; segundo o ponto de vista dos ideálogos guerrilheiros da Venezuela e. Guatemala, seria mais fácil conseguir a vitória revolucionária sob um regime militar do que sob um regime civil, porque um regime militar repressivo força a esquerda a reconhecer a revolução como a única estratégia viável. OS MILITARES E AS CAMADAS PRÓ-REGIME O grupo elitista mais interessante dentro do sistema político brasileiro, quanto à sua atitude para com os militares, é aquele que chamei de civis pró-regime. Este grupo inclui elementos do Congresso, governadores, líderes políticos, editores de jornais e eleitores que geralmente aceitam o quadro constitucíonal e apóiam o regime existente, mas que podem ou não apoiar o governo em períodos específicos. 12 Cf., por exemplo, o relato que fez o general Tasso fragoso da solicitação que lhe foi feita por Lindolfo Colar, importante líder civil do movimento revolucionário, em general Tristão de Alencar Araripe, Tasso Fragoso: Um Pouco de História do Nosso Exercito (Rio de Janeiro' Bibíiotece do Exército, 1960), pp. 541-548. IJ O comandante-da região militar no Rio Grande do Sul dá detalhes desta campanha e de seu efeito corrosivo sobre o desejo de resistência dos soldados; cf. general Gil de Almeida, Homens e Factos de Uma RE'volução (Rio de Janeiro: Calvino Filho, 1934), pp. 179-221. " Ambos os casos são discutidos detalhadamente no Capitulo 5. A estratégia dos outros dOIS principais movimentos contra o regime da história brasileira, a intenlona comunista de 1935 e o levante fascista (integralista) de 1938, estavamapoiados, não tanto em bases civis populares quanto em suportes militares que haviam sido enfaticamente instigados por suas lideranças. IS Ricardo Caballero, Yrigoyen: La Conspiración Civil y Militar dei 4 de Febrero de 1905 (Bue nos "ires: Editorial.Raigal, 1951) e North, Civil-Military Re/ations, pp. 26-30 57 '11 r' }~': ."',!~i i~,: li i;'I: ~!!, ,li!, ~'i' r :1: 1'1,: I' Foi este amplo grupo de pessoas que hisrortcarnenn, esperou que os militares desempenhassem o papel político de controlador dos atos do executivo, Na maioria dos sistemas políticos que se desenvolveram além do tribalismo, ou de ditaduras primitivas de um único homem, um dos objetivos tradicionais destes civis foi o controle do executivo dentro de uma esfera de ação aceita, Nos sistemas partidários fortes, seja do tipo parlamentarismo britânico, seja do tipo comunista, é o próprio partido que desempenha esta função, Nos Estados Unidos, onde o sistema partidário é relativamente fraco, existem outras organizações poderosas, como por exemplo, o legislativo, com condições de desempenhar as funções de veto ou, em casos extremos, as de tmpeecbment . Também o judiciário pode impor restrições à autoridâ- de do presidente, determinando aconstitucionalidade dos decretos' do executivo. Além disso, e de maneira muito importante, as próprias eleições representam um método relevante de limitação, já que periodicamente submete o mandato presiden- cial à renovação. No Brasil, contudo, como em muitos países em desenvolvimento, as instituições políticas do legislativo e do judiciário às vezes estão sujeitas ao controle total do executivo. As eleições se tornam incertas ou são controladas inteiramente pelo governo. Por isso, vários membros da política nào tinham muita confiança na eficácia destas instituições para controlar as atividades do executivo. De maneira formal ou informal, os grupos de civis a favor do regime que se acham fora da esfera do governo costumam atribuir esta tarefa aos militares. Podemos perceber, claramente, o processo que leva a esta situaçào nos debates do Congresso sobre o papel político dos militares na sociedade brasileira, na época da elaboração de novas constituições. O Congresso é um barômetro importante da opinião dos civis pró-regime no sistema federativo do Brasil, porque é ai que muitos dos grupos mais poderosos dentro do sistema político expressam publicamen- te suas reivindicações. O Parlamento brasileiro tem sido um dos mais fortes da América Latina neste século, e os grupos socais e regionais têm recebido grande parte de suas verbas através de legislação do Congresso. 16 Também aprova ou rejeita reformas de base, como, por exemplo, o direito de voto aos analfabetos ou a reforma agrária. Normalmente atua na carreira dos principais líderes políticos do país, que muitas vezes passam da prefeitura de uma cidade grande para o Congresso, como deputado, voltam ao Estado como governador e finalmente retornam ao Parlamento como senador, ou chegam até a presidência. Em 1892, 1934 e 1946, os civis pró-regime se reuniram para elaborar novas constitui- ções para o pais. Nestas assembléias, exprimiram suas idéias e opiniões sobre o que consideravam ser a função necessária e adequada dos militares no sistema político brasileiro. Suas opiniões, tais como foram expressas nas assembléias consti- tuintes, constituem um indicador da legitimidade de facto atribuída às Forças Arma- das para desempenhar um papel político no controle dos poderes presidenciais e co- mo tais, são extremamente importantes já que a legitimidade emerge de atitudes ex- plícitas. Além disso, o produto final das assembléias constituintes, as constituições, embora não fossem capazes de criar um poder que não existia, poderiam ratificar um poder já existente e dotá-Ia da linguagem e da racionalização necessárias para comunicar-se com os militares e com outros protagonistas políticos, ! ~ I i .. iIk ''Il :.'11 "f~ ''''It ~: Il !~", r\, '"", 16 O Congresso' chileno é talvez o mais forte. Quanto ao Congresso brasileiro, foi eclipsado pelo executivo nos dois períodos de regime autoritário, de 1937 a 1945 e de 1964 até a época atual (1970). No Capítulo 6, discuto a debilidade do Congresso Brasileiro no desempenho das tunçoe s políticas. 58 As constrturçoes adotada, em 1891, 1934 e 1946 eram praticamente idênticas nas duas principais conclusões sobre o papel do militar na politica br asileira. Este papel foi estabelecido em duas cláusulas básicas. t7 A primeira afirmava que os milita- res constituíam uma instituição nacional, permanente, encarregada especificamente da tarefa de manter a lei e a ordem no país e garantir a continuidade do funcionamento normal dos três poderes constitucionais: o executivo, o legislativo e o judiciário, Na segu nda cláusula esti pulava a obediência dos militares ao executivo, mas afirman- do, significativamente, que deveriam obedecer somente "dentro dos limites da lei". Com efeito, isto autorizava-os a prestar uma obediência apenas discricionária ao presidente, uma vez que ela dependia de sua decisão sobre a legalidade da ordem presidencial. A obrigação constitucional dos militaresde garantir o funcionamentu adequado do executivo, legislativo e judiciário e o equilíbrio entre eles, significou que, em qualquer atrito entre o presidente e o legislativo, os civis apelaram aos militares para que cumprissem sua obrigação constitucional de defender as prerrogativas do Congresso. Estas disposições constitucionais seriam menos significativas se se pudesse mos- trar que ou foram incluídas inconscientemente nas constituições como geralmente o são, ou se o foram por imposição dos próprios militares. As evidências sugerem, porém, que nem um caso nem outro é correto. Ao contrário, o papel que a constitui- ção impõe aos militares, tal como vem expresso nas duas cláusulas mencionadas, foi adotado conscientemente, apesar de certos membros das assembléias constituiu- tes terem introduzido emendas específicas a fim de abolir as duas cláusulas, sob a alegação de que conferiam demasiado poder aos militares dentro do sistema político.t" Esta concepção do papel dos militares é uma escolha consciente por parte das camadaspoliticas participantes e não apenas habitual; demonstra-o o fato de nenhuma das duas constituições centralizadoras, que foram elaboradas sem assem- bléia constituinte - a Constituição Imperial de 1824, cuja duração se estendeu até a queda do Império em 1889, e a Constituição autoritária do Estado Novo de Vargas em 1937 - mencionar a cláusula que especifica o apoio militar ao presidente "dentro dos limites da lei". 19 De fato, a Constituição do Estado Novo revela claramen- te que um governo forte não aceitaria o controle implícito ao seu próprio poder, conferido pela cláusula "dentro dos limites da lei"; ela declara simplesmente, sem qualquer adjetivação, que 05 militares devem "obedecerà autoridade do Presiden- te"; também não confere aos militares as missões de garantir os vários organismos do governo e de manter a ordem interna. Finalmente, embora as três assembléias constituintes se tenham reunido em períodos que se seguiram a mudanças de regime, portanto em épocas de grande ascensão do poderio militar, nada há que sustente a tese de que a cláusula "dentro dos limites da lei" aparece nas constituições brasileiras por pressão dos militares. 17 Constituição de 1891, art. 14, Constituição de 1934, art. 162. Constituição de 1946, art. 176-178. .s Para emendas contrárias e argumentos em 1891, ct. Câmara dos Deputados,.Annais da Constl' tuinte de 789'/, I, 180-181, e 111, 33, Para 1946, os vános argumentos contra esta disposição nas comissões especiais e na Càmara dos Deputados estão resumidos em José Duarte, A Consti- tuição Brasileira de 7946: Exegese dos' Textos fi Luz dos Trabalhos da Assembléia Constitwnte (Rio de Janeiro: Imprensa Nacional 1947), 111,292-303 . 19 Cf. Constituiç,~o Po/itica do Império ( 25 de março de 1814), art. 147. e Constiruição de 70 de novembro de '/937, art. 161. 59 !.•,~,.:~. '" ~ li ;!.,. I' I' ~.•.• 't :!t• 11\ li., ~ ~:: I~, t., ", 1\., '":~-r!',"; ~'" :~11,- iJ: ~ "J li:!: J!I ( ]:1. li": .!lI: ~'. I Deodoro da Fonseca, o general que destronou a monarquia e presidente do Brasil durante a Assembléia Constituinte de 1891, era contrário a esta cláusula e lutou vigorosa mente contra ela. Na sua opinião, ela seria prejudicial à disciplina militar.20 Segundo Ruy Barbosa, 6 autor da Constituição, muitos militares também se opuseram a este artigo, por acharem que ele os dividiria e os envolveria na política, e viram a cláusula com "profunda apreensão e decidida antipatia"." Na época em que foi elaborada a Constituição de 1946, os militares tinham ligações bem estreitas COm os membros da subcomissão de segurança nacional que redigiu o projeto constitucional. Dos três membros, um fora oficial do Exército de 1904 a 1945 e outro, Silvestre Péricles de Goes Monteiro, era irmão do General Góes Monteiro, um dos oficiais mais influentes no Brasil naquela época. Pode-se deduzir" que, se os militares houvessem feito uma pressão mais forte, teria sido sobre a subcomissão de segurança nacional através de dois dos seus três membros. No entanto, foi esta mesma subcomissão que redigiu' a cláusula constitucional sobre a obediéncia, estabelecendo, sem qualquer qualificação, que os militares .se achavam "sob a suprema autoridade do Presidente da República",ll Foia comissão constitu- cional que discutiu e restabeleceu a cláusula segundo a qual.a obediência militar seria discricionária e dependente das ordens do presidente "dentro dos limites da lei". Quais foram os argumentos apresentados e, após discussão, aprovados pela maioria das camadas pró-regime de irnportâncta política, nos anos subseqüentes? Ruy Barbosa, o autor e principal defensor da primeira Constituição da República, era conhecido como o maior opositor a um papel demaSiado amplo dos militares na sociedade. O tema de sua campanha à presidência em .1910 foi a necessidade de conter a influência militar e assegurar o controle civil. Todavia, em 1892, ele afirmava e reiterava mais tarde que a cláusula "dentro dos limites da lei" era necessária, porque só poderia haver obediência real se o comandante supremo dos militares (isto é, o presidente) obedeces'se à leL23 Assim, apesar de seuantimilitarismo, ele não estava seguro da capacidade. do sistema político civil de criar e manter presidentes que agissem "dentro da lei" sem nenhum controle militar. Nos debates de 1946, evidenciou-se o desejo dos civis de dotar os militares de fundamentos legítimos para que pudessem recusar-se a Obedecer a qualquer-presi- dente que agisse fora doque considerassem a ordem legal estabelecida.Um repre- sentante do partido trabalhtsta na comissão constitucional preconizava o controle civil, mas não de forma absoluta: "Sou de parecer que devemos dar aos militares a (orça moral necessária para poderem reagir a ordens contrárias ao interesse nacio- nal".24Um congressista argumentava também que a cláusula "dentro dos limites da lei" era necessária, porque "deve existir um controle sobre determinados governos que obriguem os oficiais .. : a executar ordens que não estão dentro da lei". 25A maioria dos comentários à constituição, embora retonhecessea ambigüidade da disposição constitucional, não criticou O sentido geral. co Ct. o discurso do deputado Ioào Mangabeira, a 19 de maio de 1923, na Cárnara dos Dep utado c, reproduzido integralmente em O Tempo, ano 'li, numero XII' (15 de janeiro de 1924), p. 185-190. Ct. também M. Seabra ~agundes, As torças Armadas na Constltuiçâo (Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1955), pp. 2lJ-3B. - " Ruy Barbosa, Comentários à Constituição Federal Brasileira (São Paulo: Saraiva, 1932), 1,403. 22 CI. Duarte, A Constituição Brasileira de 1946, pp. 293-296. Quanto aos membros da subcornis- são e ao projeto, d. Diário da Assembléia Constituinte, 28,de março de 1946, pp. 642-643. 23 Ruy Barbosa, Comentários à Cpnstituição Federal. Bresiteu«; I, 400. 24 Diário da Assembléia Constituinte, 8 de maio de 1946, p. 1548. 1S tbid., pp. 1548, 1549. 60 E claro que muitos protagonistas da política brasileira mostraram inquietações sobre a capacidade das instituições civis de controlar o chefe do executivo. Sentiram a necessidade de um dispositivo de controle e, antes de ;964, manifestaram claramente a crença de que os militares constituíam a instituição adequada para exercer este papel. Em suas atitudes informais, deram legitimidade ao conceito de que os militares fazem parteintegrante do sistema político e, na constituição, sancionaram o porito de vista de que os militares, sob certas condições,' têm a obri gação de i ntervi r no processo politico. Para certificar-se de que as Forças Arm-adas dispunham da autono- mia necessária paracumprir a função, coerentemente fixaram a obediência militar ao presidente de forma discricionária, mas não automática. Deste modo, a legitimidade da atitude de facto foi amparada e rotinizada pela legitimidade constitucional de jure. O fato de estas atrtudes terem sido incorporadas às constituições brasileiras significou a existência de uma fórmula política aceitável,bem como de uma lingua- gem sutil masentendidaem vários meios, para liso dos políticos e do público em geral quarido apelaram aos militares para queinterv'enham na política no sentido de controlar ou mesmo depor um presidente. Como iremos ver, ela foi empregada repetidas vezes no período de 1945-1964.26 Embora o Brasil seja o paradi gma deste "padrão moderador" de relacionamento civil-militar, outros países latino-americanos também outorgaram legitimidade de jure aos militares para desempenharem o papel de controle do executivo oude garantes da constituição. A constituição de 1965 de Hondu ras, por exemplo, declara que as "forças armadas são instituídas a fim de ... manter a paz, a ordem pública eas leis desta constituição; e, acima de tudo, velar para que os princípios do sufrágio livre e da não-continuidade da presidência da República não sejam violados" Y Outras treze nações latino-americanas atribuiram, especificamente, aos militares o papel de proteger ou garantir a constituiçào.?" O quadro que emerge dos objetivos e das estratégias dos principais protagonistas políticos no Brasil revela que os grupos de elite, em geral favoráveis ao regime, conferem legltirnidade aos militares para exercerem aquilo que se poderia chamar de "papel moderador" na sociedade política. Nenhum dos outros dois grupos políticos -o executivo e seus partidários, e as forças anti-regirne '-expressa coerentemente o sentimento de que os militares deveriam ser apoliticos. o resultado é que os militares têm desempenhado um papel decisivo na política brasileira, considerando que todos os grupos tentam cooptá-Ios em épocas de conflito político, e às golpes concretos contra o executivo representam os esforços combinados de civis e militares. " Ci.o Capftulo 5. 27 Artigo 319.. 2. Estas cifras chamaram minha atenção pela primeira vez num manuscrito, ainda inédito, sobre os militares e o desenvolvimento, da autoria de Luigi Einaudi. Após a eleição presidencial de 1970 no Chile, a maioria parlamentar contra Allende, previsivelmente, adotou o "modelo moderador", quando outorgou implicitamente aos militares a missão de manter o starus quoconstitucional, controlando assim o executivo. Um interessante projeto de pesquisa futura seria construi r uma tipologia das.constituições da América latina eEuropa Ocidental, de acordo com a posição que outorgam aos militares no tocante à legalidade interna do Estado e verificar se diferentes cláusulas se retacionam com diferentes percentagens ou estilos de golpe. 61 "'>"'-'1· I ,. ,: o PAD'Ao MO D"ADO R DAS 'ELAÇO'S ENTRE ma is passive i, de criar um consenso mili tar tempo'~"o c~ ntra o p residen I,. sob o : CIVIS E MILITARES: DUAS HIP6TESES RELATIVAS pretexto de que estariam ameaçados como msuturçao. Alem diSSO, na ausencra de I;, AOS GOLPES MILITARES cisões entre OScivis, os ativistas militares tendem a permanecer Isolados, sem aliados r:,' civis poderosos. Isto também facilita ao presidente di sciplinar os elemen tos rninoritá- I:, rios dentro da instituição militar que conspiram para derrubá-Io. \, Um exame dos meios pelos q uais, no Brasil, os civis tentam atrair os militares para Esta análise das atividades políticas de civis e militares sob condições políticas a polltlca_(e dos .Impedlmentos constitucionais que normalmente atuam contra a normais reforça a hipótese de que as tentativas de intervirem, no exercício de sua mtrorrussao do .mllltar na política na forma de um golpe concreto contra o governo) função moderadora, estarão em proporção inversa ao grau de coesão entre as cama- sugere a possibilidade de que as atitudes civis para com os militares podem ser tanto das pró-regime e o executivo. ou mesmo mais rmportantes na determinação da dinâmica dos golpes do que a ' Ideologia dos militares ou seus propósitos. Isto, por sua vez, sugere duas hipóteses das relaçóes entre civis e militares, nas quais se inverte o quadro normal da interven- ção unilateral e o militar se torna mais uma variável dependente do que indepen- dente. ~,,, ~ ~ ~, ~ ~ ~ t'~ r~~~~~ ~ ~t~ ~ ~~;- ,r, ·1 :,'i \ A primeira hipótese relaciona a propensão dos militares a intervir com a coesão das camadas políticas importantes, e afirma que esta propensão é elevada quando a coesão civil é baixa e reduzida quando a coesão civil é elevada. A segunda hipótese liga o êxito dos golpes ao grau de legitimidade pública outorgada ao executivo e ao militar. Os golpes militares tendem a ter sucesso quando, antes da tentativa de golpe, a legitimidade do executivo é reduzida e a legitimidade conferida pelas camadas políticas à intervenção dos militares é elevada. Segundo esta hipótese, os golpes tendem a fracassar quando a legitimidade do executivo é elevada e a legitimidade atribuída aos militares é reduzida. Proponho-me examinar a primeira hipótese neste capítulo e a segunda no capí- tulo seguinte. A primeira coloca o problema das condições que aumentam ou dimi- nuem a tendência dos mili tares a intervir no processo político. O que sugeri mosé que a tendência dos militares a intervir em acontecimentos políticos centrais aumenta quando o executivo e as camadas pró-regime estão profundamente divididos quanto aos objetivos políticos. Nestes períodos, o presidente muitas vezes procura aumentar suas próprias fontes de poder, servindo-se dos militares como instrumento, Inversa- mente, elementos significativos dos grupos civis pró-regime passam a fazer oposição ao governo e apelam aos militares para que exerçam o papel moderador de controle do executivo. Quanto mais forte é a rejeição do presidente pelos civis pró-regime, maior é a possibilidade da formação de uma coalizão poderosa de civis para estimu lar os militares a exercerem sua tradicional função moderadora. Do mesmo modo, os grupos anti-regime tornam-se mais efetivos quando a eles se unem grupos importan- tes que anteriormente compunham a força pró-regime. Até que alguns grupos pró- regime se unam ao grupo anti-regime, este permanece relativamente isolado e não pode recorrer de forma convincente aos militares rio sentido de depor o executivo. Sugere esta análise que, mesmo admitindo (como o faço) que em todos os períodos sempre existem alguns oficiais ansiosos para derrubar o governo por ;noti- vos pessoais. interesseiros ou ideológicos, as atitudes dos civis pró-regime tendem a ser determinantes. Minha discussão anterior das normas burocráticas de obediência e comando, e das diferenças internas sobre política que normalmente existem entre os militares, sugere que é difícil para estes estabelecerem uma coalizão vitoriosa com objetivo de golpe, a não ser que haja uma cisão maior entre o executivo e as camadas pró-regime e estas COmecem a exprimir a crença' de que, nestas circunstâncias, eles deveriam cumprir a função moderadora. A ausência de uma tal cisão significa que o presidente inclina-se menos a: correr o risco de interferir na promoção ou na estrutura disciplinar dos militares, os dois atos 62 >\I Para avaliar esta hipótese, podemos examinar todo o periodo que vai da consolidação da "República Velha" em 1898, até sua queda em 1930. Nestes trinta e dois anos, os militares como instituição estiveram envolvidos três vezes na solução de questões políticas ou em tentativas de golpe. O primeiro envolvimento se deu durante e após a eleição de 1910 quando, em seguida a uma divergência entre os políticos, a principal facção civil se opôs ao presidente Afonso Pena e "começou o assédio ao Ministro da Guerra para que ele permitisse a apresentação do próprio nome" como candidato à pr es idência.t? Tiveram êxito na sua tentativa de cooptá-Io (e a muitos outros oficiais), e o ativismo político-militar, que nunca fora tão profundo, aumentou consideravelmente durante este período de árduo conflito politico.'? No segundo caso, em 1922, houve novamente uma divisão acentuada entre as camadas políticas participantes. A facção minoritária envolveu os militares numa crise que girava em torno de sua honra institucional. Para facilitar este envolvimento dos mili tares pela facçãominoritária contribuiu a animosidade militar advinda da designa- ção de um civil para o Ministério da Guerra e do veto do Presidente Epitácio Pessoa ao orçamento militar. Tais fatos, juntamente com a ampla insatisfação dos oficiais jovens, deu lugar à revolta de tenentes, que durou até a posse do novo presidente, mais aceito pelos grupos civis onvolvidos.>' O terceiro caso de envolvimento dos militares ocorreu em 1930. Neste ano, dois dos três grandes Estados da União, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, recusaram- se a reconhecer a escolha, pelo presidente, do candidato à sua sucessão. Após o pleito eleitoral, do qual saiu vencedor o candidato do governo, estourou uma guerra civil. Os militares eventualmente intervieram e puseram fim à guerra, depondo "/", 29 José Maria Bello, História da República, 1889-1964 (São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1C,3tll, p . 2U3. '0 1':0 entanlo, neste mesmo penedo. um caudilho civil, Pinheiro Machado, era talvez mais poderoso do que os militares. ,li A revolta em si foi quase exclusivamente militar na origem P., precisamente por ser tão isolada dos civis, fracassou. (Entrevista com O antigo tenente, Marechal Oswaldo Cordeiro de Farias, Rio de Janeiro, "11de setembro de 1968,) Muitos relatos acentuam as origens militares do te aernismo. Todavia, o aumento do auvisrno politico-militar em 1921-1922 estava intimamente relacionado com a profunda divisão da elite governante no tocante à campanha presidencial de1922, entre o candidato oficial, Arthur Be rnar- des, e o candidato da" "reação republicana", Nilo Peçanha. Por volta de 1921, como observou Jose Maria Bello, "perturbara-se ... a paz política .. , Mais uma vez, o pequeno grupo de homens que, através dos governos dos grandes Estados, dominavam o Brasil, cindia-se A campanha partidária, explorada pelos mais hábeis manobradores da demagogia, agitava os próprios meios militares" (História da República, p. 248). Uma boa discussão que relaciona a crise política com a crise militar encontra-se em Nelson Werneck Sodré, História Militar do Brasil (Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1965), pp. 198·214. Os documentos relativos à revolta de 1922 e a carta forjada que o candidato presidencial Bernardes supostamente escrevera, fazendo críticas aos militares, estão em Hélio Silva, 1922.' Sangue na Areia de Copacabana (Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1964). 63 .~ j J ~ ~ f:· ~I ",: ~:.. ' ·v, ~, ~, ~' t, ' ( t ', ~, \,~,' ~: k, "",~~,~::,: ri:· j::i: h li: I:" Ili· o presidente em exercício e entregando o poder a Getúlio Vargas, o candidato derrotado." Os três casos de intervenção militar para a solução de crises politicas giraram em torno 'das eleições. Em cada um deles ocorreram profundas cisões entre os civis.' ' Em 1910, os militares foram atraídos; em 1922, não conseguiram êxito; e em 1930, saíram vitoriosos. Estes três casos tendem, pois, a confirmar a hipótese segundo a qual o envolvimento militar é elevado quando é reduzida a coesão entre as elites políticas importantes. A. hipótese seria reforçada se pudéssemos demonstrar o inverso, isto é, que nos casos em que é reduzido o envolvimento político dos militares, a coesão da elite é de fato elevada. Este aspecto da hipótese tem uma sustentação razoavelmente forte no exame dos resultados eleitorais do mesmo perío- do. Entre 1898 e 1930, o Brasil foi governado por oligarquias estaduais descentraliza- das, que cooperavam ao nível nacional num partido único, o Partido Republicano. Foi um período de mobílização política baixa e estática, como se pode ver pela percentagem da população que participou das eleições nacionais. Nas quatro elei- ções de 1894 a 1906, por exemplo, apenas 2,45% da população votaram e, nas quatro .~ eleições entre 1918 e 1926, apenas 2,04%.34 . Num sistema partidário de baixa mobilidade, a percentagem de votos para os candidatos vitoriosos é um bom indicador da coesão entre as camadas políticas civis mais importantes, urna vez que um candidato da oposição somente concorria à eleição se as elites políticas discordassem da indicação de um candidato único. Podemos, pois, testar a hipótese que relaciona a ação militar e a coesão da elite verificando os resultados eleitorais neste período. Nas três eleições em que os oficiais- militares estiveram envolvidos no processo eleitoral, como em 1910, 1922 e '1930, os candidatos vitoriosos receberam apenas 57,7%,56,03% e 57% dos votos, respectivamente. Nas eleições em que não houve um ativismo militar importante, a média percentual de votos dos vencedores foi de 91,6%. Os números, portanto, fundamentam a hipótese de que o reduzido ativismo político-militar é função da elevada coesão dás elites Civis (cí. Tabela 4.1). A segunda hipótese do modelo moderador relaciona o êxito e o fracasso da inter- venção militar na política com o grau de legitimidade (antes de serem tentados os gol- pes) que os civis atribuem ao executivo no exercício de seu cargo e aos militares no cumprimento de seu tradicional papel moderador. De 1945 a 1964, período a que se aplica particularmente este modelo do relacionamento civil-militar, cada mudança do poder presidencial, de fato, levantou questões fundamentais, entre os principais grupos civis, sobre a legitimidade do novo presidente, exceção feita à eleição de " A bibliografia da revolução de 1930 é vasta, mas não existe nenhum relato definitivo. Thomas Skidmore. Potitics in Brazi/, pp. 332-336, fornece uma breve resenha da literatura em suas valiosas notas de rodapé Minha análise dos conflitos de 19'10,1922 e 1930 é certamente muito esquernática e abstrata. Num nivel mais detalhado, cada caso é distinto e extremamente complexo. O livro recém-editado de Ronald M. Schneider dá um tratamento aprofundado a cada uma destas crises entre civis e militares. Cf. The Political System of Brezi! (New York: Columbia University Press, 1971). " Alguns argumentariam que se deveria incluir a participação dos cadetes da academia militar no tumulto e na rebeliâo contra a vacinação compulsória em novembro de 1904. Não a incluo porque envolveu apenas uma pequena parte do Exército e foi abafada por ele mesmo. De .qualquer forma. a revolta dos cadetes começou somente depois que '05 civis fizeram ampla agitação e a insurreição civil continuou depois que seus aliados militares capitular arn. Cf. Bello. Históna da República, pp. 179-182. Os dois breves motins que ocorreram na Marinha em 1910 também não foram incluidos, devido ao seu caráter breve e isolado. J4 Para um bom resumo das estatísticas das eleições presidenciais, cf. Alberto Guerrei ro Ramos, A Crise do Poder no Brasil (Rio de Janeiro: Zahar Editores. 1961), p. 32. 64 ;~:.- ".".)-' ..t;;.< :ilr :t" 'li' :';~ '} t l TABELA 4.1 PERCENTAGEM DE VOTOS DOS CANDIDATOS PRESIDENCIAIS VITORIOSOS E ATIVISMO MN..ITAR: 1898-1930' Ano da Eleição Percentagem do Total de Votos Recebidos pelo Candidato Vitorioso F.nvolvimento Militar como tnstituição antes e depois da Eleiçeo 1898 1902 1906 1910 1914 1918 1919 1922 1926 1930 90,93 91,71 97,92 57,07 91,59 99,06 71,00 56,03 97,99 57,74 Não Não Não Sim Não Não Não Sim Não Sim • FONTE: Para as cifras das eleições, d. nota 34 deste capítulo. 1960. Seria de se esperar que a tendência ao ativisrnó militar fosse elevada no decur- so do período e. por certo, em cada caso, salvo o de 1960, os militares tentaram de- sempenhar um papel importante na ratificação ou na atribuição do poder político. O capítulo seguinte expõe as condições sistêmicas que constituem a base deste envolvimento militar e a natureza precisa das correlações entre a intervenção militar vitoriosa ou fracassada e a legitimidade presidencial e militar . 65 -,~: \',,.: ~: \'~~:~\: (l- I'"j,' i]!: n;,!: i:,) lifi, LI!",., W!i;:i' li." 1 ~I ~;~. i" fi' ti '.: Capítulo 5 o Funcionamento do "Padrão Moderador" Uma Análise Comparativa de Cinco Movimentos, 1945-1964 ~~ I ::: 1;, ;:, J" :.! :: INTRODUçAo"li ~; J, Embora o Brasil, por volta de 1964, ainda seja politicamente semi-elitista,todo o período que vai de 1945 a 1964 (especialmente de 1961 a 1964) se caracterizou por uma rápida mobilização. O número de eleitores dobrou. Ocorreu um grande, embora esporádir o. crescimento econômico, acompanhado por deslocamentos maciços de população e de uma inflação crônica, que se tornou agurla em 1963. O ativismo militar também cresceu neste período. Houve movimentos militares em 1945, 1954, 1964, uma tentativa frustrada em 1961 e um outro movimento em 1955, que precipitou um contramovimento em defesa das autoridades constitucio- nais. Os anos de 1945 a 1964 assinalam o período da primeira experiência do Brasil com uma política competitiva, democrática e aberta. O papel dos militares de árbitro ou moderador do sistema político cresceu à medida que aumentava o conflito políti- co. No capítulo anterior, sugerimos algumas razões para este fato. Vimos que todos os principais protagonistas políticos usaram os militares para favorecer suas próprias metas políticas. Vimos, também, que os movimentos não podem ser considerados Simples resposta unilateral de uma instituição militar arbitrária e independente, que age em favor de suas próprias necessidades institucionais e ideológicas, mas sim uma dupla resposta de militares e civis a cisões políticas na sociedade. Este capítulo pretende examinar a dinem«:« destes movimentos militares no Brasil, entre 1945 e 1964, e analisar as regras do jogo no padrão moderador das re- lações entre civis e militares.' Proponho-me também testar algu mas hi póteses que relacionam o sucesso e o fracasso dos movimentos militares com o grau de sanção civil prévia ao cumprimento militar da função rnoder adora.? 1 Não será ieita qualquer tentativa de fornecer uma narrativa completa de cada movimento. Podemos encontrar um resumo util de todos os movimentos em Glauco Carneiro, Histon« das Revoluções Brasileiras, II (Rio de Janeiro: Edições O Cruzeiro, 1965). 459·666. Thornas Skidmore, rohtics in Brazil, 1930·1964: An Experiment in Democracy (New York: Oxtord University Press, 1967), constitui um excel ent e guia para a I iteratura sobre os movimentos. O trabalho de Ronald M. Schneider, The Political Sysrem of Brazil (New York: Columbia University Press, 1971),que estuda os militares brasileiros desde o século XIX, discute cada movimento detalhadamente. Cf. também lohn W.F. Dulles, Unrest in Brazil: Polnícel-Militerv Crises 1955-1964 (Austin: Uni- versity of Texas Press, 1970). , Por movimentos vitoriosos refiro-me aos movimentos de 1945, 1954 e 1964, onde se atingiu o principal objetivo dos militares, a deposição do chefe do executivo. No movimento fracas- sado de 1961, os militares falharam no propósito declarado de impedir que o vice-presidente assumisse a presidência. O caso de 1955 é mais complexo porque envolveu um movimento civil-militar frustrado para impedir a posse do presidente e vice-presidente eleitos, respecti- n; :) i', '"~, ~; ~! ~: , 1 ~: ~! ~'\: 66 e i: . " i , LEGITIMIDADE DO EXECUTIVO E O SUCESSO OU FRACASSO DOS GOLPES A característica mais marcante dos cinco movimentos militares e suas tentativas, no período de 1945 a 1964, está em que, com uma única exceção, ocorreram lodos somente depois de um longo periodo durante o qual fora expressa abertamente, pelas elites politicas, a duvida com relação ao direito ou à legitimidade do executivo de manter ou assumir o p ode r.? Este fato - a sobrevinda dos movimentos militares quando as elites políticas se achavam profundamente cindidas - coincide com o argumento, proposto anterior- mente, de que a propensão para o envolvimento militar na política aumenta em proporção direta com as dúvidas existentes entre a elite política sobre a questão de quem deveria governar o país. No período posterior a 1945, estas dúvidas em cada caso foram expressas em caráter público e privado. Exceção feíta a 1961, o debate foi longo, demorando freqüentemente vários meses. Foi durante este debate que se formou a opinião militar, usualmente tão dividida quanto a opinião do governo em geral. Os militares procuraram aliados civis e foram procurados por eles. O debate constituiu uma eta- pa preliminar necessária em qualquer movimento vitorioso. Sempre que esteve au- "ente, um debate razoavelmente amplo, os movimentos conspirados ou tramados pelos militares tenderam a fracassar. Um exame dos movimentos de 1945 a 1964 ilustra este ponto. Em 1945, O Esta- do Novo de Vargas chegava ao fim, através de um golpe militar que depôs o pr esr- dente, O poder executivo foi entregue ao presidente do Supremo Tribunal Fede- ral, que supervisionou as eleições para a presidência no mês seguinte. O regime serniíascista que vargas instalou com o apoio de militares em 1937, originanarnente, obtivera grande parte de sua sustentação do fato de, na época, os regimes autoritários parecerem prognosticar o padrão de governo no futuro. Entretanto, no final de 1944, não só estava cada vez mais claro que os governos autoritários da Alemanha e da Itália perderiam a guerra, mas também muitos brasileiros começaram a duvidar da adequa- ção ou da eficiência do autoritarismo. Especialmente importantes foram as reações dos oficiais da Força Expedicionária Brasileira (FEB), que lutaram na Itália ao lado dos Aliados contra as forças de Hitler e os reacionários fascistas de Mussolini. Estes oficiais voltaram impressionados com a capacidade de organização dos Estados Unidos, em comparação com a fraqueza da Itália fascista,' Complementaram as opiniões dos oficiais da FEB as crescentes dúvidas dos civis quanto ao governo de Vargas. Ele mesmo percebeu a necessidade de mudança. Propôs uma eleição para presidente, a primeira desde 1930. No entanto, muitos civis e militares continuaram a duvidar de sua since ndada. Enquanto seu apoio popular entre as massas realmente crescia entre 1944 e 1945, fruto principalmente da sua legislação trabalhista favorável, aumentavam os ataques de importantes políticos civis, ataques que se refletiam nos jornais e na própria atividade politica dos civis. Nos meados de 1944, formou-se um grupo de oposição, que ameaçava agir em todos os sentidos se Vargas não realizasse as eleições, conforme prometera. Neste grupo vamente Kubitschek e Goulart. Embora não tenha sido tentado um movimento efetivo, pode ser chamado de movimento fracassado. Como havia o temor de que uma minoria pudesse te n- lar este movimento, a maioria dos oticiais do Exército executar arn uma vitoriosa ação constituo cional preventiva para assegurar a posse dos eleitos. , A exceçào residiu na tentativa de 1961, quando o pr eside nte Iá nio Quadros renunciou ines. peradamente, após menos de sete meses de governo. Este fato desencadeou uma tentativa da parte dos ministros militares, antecipando-se ao que eles incorretamente julgaram ser apoio publico ou pelo menos aqure scéncia, em relação à atitude do presidente. . , Ct. o Capítulo 12 para lima discussão da experiência da FEBe sua contribuição para a formação da opinião dos oficiais. 67 !-~ _... ---_._------- . I.:·~lf; 1\1 ~i ~! ~i ;)[ rI!rr .Y i.\· ;,.;. estavam incluidos alguns líderes civis de grande importância na revolução de 1930, Juntamente com vários oficiais militares.' As dúvidas acerca da legitimidade do governo de Vargas alcançaram o nível dos editoriais da imprensa, alguns meseS antes do golpe de 1945. O Jornal do Brasil comentava simplesmente: "Enquanto o Senhor Vargas estiver no Catete, o país não terá confiança nem tranqüilidade".6 Depois que Vargas adiou 'as eleições, escreveu o Diário Carioca: . A ditadura do Senhor Getúlio Vargas perpetrou mais um golpe repressivo e . traidor contra o povo brasileiro ... O povo brasileiro agora não confia em seu governo ... O governo não pode presidir honestamente a eleição. 7 Especialmente importantes foram as atitudes dos partidários .do governo. Em sua análise da queda de regimes democráticos, juan l.inz discute a relação deste grupo com a estabilidade governamental: 4- A crença na legitimidade e na autoridade é decisiva em situações de crise, particularmentepara aqueles que partici pam da estrutura de autoridade e mais ainda para aqueles que foram chamados a usar a força a fim de executar as decisões dos que detêm o poder. Em última análise, a legitimidade está envol- vida nas decisões sobre o estado de emergência e naquelas que podem impli- car a perda da vida dos que desafiam ou defendem a autoridade. 8 No caso do golpe de 1945, o debate sobre a legititnidade do presidente suscitou dúvidas dentro do grupo central dos partidários civis e militares de Vargas. Do lado civil, uma perda importante para Vargas foi a de seu Ministro do Exterior, Oswaldo Aranha, que durante muito tempo fora um dos seus aliados mais poderosos e que, mais tarde, renunciou e uniu-se à oposição. O dec1ínio da viabilidade da ideologia autoritária no período de 1944-1945, entre os poderosos políticos civis, tambêm foi medido pelo fato de que, em novembro de 1944, o autor da constituição do Estado Novo, Francisco Campos, exigiu, em caráter privado, que o presidente esposasse a causa do governo democrático. Mais tarde, ele rompeu publicamente com o governo de Var gas.? Na crise de 1954, ocorreu o mesmo debate sobre a autoridade do presidente em niveis privado e público, envolvendo protagonistas civis e militares. Neste caso especifico, a legitimidade presidencial foi questionada no plano moral. Vargas foi eleito presidente numa atmosfera de franco conflito em 1950, cinco anos depois que um golpe militar pusera fim ao Estado Novo. No início de 1954, seu governo enfrentou uma série .de problemas que incluía o deficit na balança de pagamentos, di ficuldades na sol ução de conflitos entre as reivindicações salariais dos 5 A melhor fonte que fornece detalhes da mudança de disposição no país e seu impacto sobre os militares é a autobiografia informativa do general Goes Monteiro, tal como foi contada a Lourival Coutinho, O Ceneral Coes Depõe (Rio de Janeiro: Livraria Editora Coelho Branco, 1955), pp. 395-469.Goes Monteiro foi proyavelmente o generalmais influente da era de Vargas, de 1930 a 1945, e foi o Ministro da Guerra que .liderou a deposição do presidente em 1945. Uma revisão dos acontecimentos que levaram à derrubada de Vargas encontra-se em john W. F. Dulles, Vargas of Brazil: A Politice! Biography (Austin: University of Texas Press, 1967), pp. 251-274. 6 11 de outubro de 1945. . , 13 de outubro de 1945. 8 "The Breakdown of Oemocratic Regimes", trabalho preparado para o Sétimo Congresso Mun- dial de Sociologia, Varna, Bulgária, setembro de 1970. 9 Os detalhes deste progressivo abandono de Vargas por muitos dos membros importantes de seu governo podem ser encontrados em Dulles, Vargas of Brazil, pp. 251-274. ",~ L!l !.:'j ','1· (; .", \ ",~' ". , .'I~I: ~~,: ~:: \1 t'i:, \" ~; "~ ~"\1~, < ~:.' I.'"~:' ~:' 'i·~,':" , 68 sindicatos e dos oficiais do Exército, acusações de colaboração secreta com Perón, e aparentemente um declínio de seu vigor físico. No entanto, seu governo ainda permanecia suficientemente legítimo para derrotar uma tentativa de impeachmenl. 10 Entretanto, a pressão contra seu governo rapidamente atingiu proporções de crise, quando um major da Aeronáutica foi morto numa tentativa de assassinato contra o ferrenho critico de Vargas, Carlos Lace rda. Segui u-se u ma investigação sensacional. A responsabilidade pela tentativa de assassinato recaiu sobre a guarda pessoal do presidente e, então, vieram à tona inúmeros casos de corrupção, envol- vendo os partidários mais próximos de Vargas. Embora ele próprio nunca houvesse sido implicado, a legitimidade de sua permanência no cargo e como comandante supremo das Forças Armadas foi seriamente questionada." A legitimidade implica mais do que a quantidade de pessoas em favor de uma instituição ou de um homem. Em situações de crise, muitas vezes é decisiva a qualidade e intensidade da força de sustentação ou da oposição. Na crise de 1954, a tentativa de assassinato e as subseqüentes revelações do escândalo financeiro desmoralizaram e imobilizaram muitos dos partidários de Vargas. O apoio ativo e agressivo dado ao presidente em seu próprio círculo declinou. De fato, logo nos primórdios da crise, o Ministro da Fazenda e o Ministro da Viação discutiram a praticabilidade do afastamento temporário de Vargas. 12 Quando indagaram ao líder da Cãmara dos Deputados, um partidário de vargas, sobre a sua capacidade de reunir apoio do Congresso para o presidente sitiado, a resposta do deputado demonstrou que estava diminuindO a intensidade do apoio entre os auxiliares mais próximos do presidente: "Não tenho força parlamentar para uma contra-ofensiva política. A aversão Ià resistência] é total. A campanha da oposição no Congresso, na imprensa falada e escrita enfraqueceu-o demais". 13 Algumas semanas antes que os militares agissem finalmente para depô-to, a 24 de agosto, os editoriais de muitos órgãos da imprensa foram dedicados aos pedidos de renúncia de Vargas. O Correio da Manhã, jornal prestigioso e normalmen- te progressista, afirmava, a 10 de agosto, que o presidente carecia da força de governo edo princípio de autoridade e conc1uia que a única solução para ele seria a renúncia. Dois dias depois, doze dias antes que os militares exigissem de Vargas a renúncia, O Diário Carioca igualmente insistia: "Não restam mais dúvidas de que a continuação das instituições democráticas no Brasil depende da deposição do Sr. Getúlio Vargas do poder.">' O problema da legitimidade do executivo desempenha papel fundamental na determinação da forma como os ativistas de golpe formulam argumentos endereça- dos aos partidários ainda leais ao presidente, sejam civis ou militares. Um tema recorrente nos golpes militares brasileiros é a necessidade de evitar derramamento 10 Para uma visão geraldas tensões políticas e econõmicas do governo de Vargas neste período, cf. Skidmore, Potiucs in Brazil, pp. 100-142. Para relatos da depressão ocasional de Vargas e boatos de renúncia antes mesmo da crise decorrente da tentativa de assassinato de lacerda, d. a narração de sua filha no Capítulo 11 de "A Vida de Getúlio Contada por sua Filha, Alzira Vargas, ao Jornal; sta Rauf Giudicelli", em Fatos & Fotos, 21 de setembro de 1963. Francisco Campos fornece um relato semelhante; cf. Dulles, Vargas of Brazil, p. 314. 11 Para uma boa descrição da intensa atmosfera emocional que envolveu estas investigações e seu efeito corrosivo sobre os partidários de Vargas, d. J.V.D. Saunders, "A Revolution of Agreement Among Friends: The End of the Vargas Era", Hispanic American Historical Review, XLIV (ivlay 1964), 197-213. "Cf. a autobiografia do então vice-presidente, que assumiu a presidência com a morte de Vargas, Café Filho, Do Sindicato ao Carere. Memórias Políticas c Confissões Humanas, t (Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1966), 301-303. 13Ibid., p. 319. " Editorial", 12 de agosto de '1954. 69 I' ~ ~II "'1: ~I ]\:; I' ~:: t:. I~ ~l t-.,". ~\\ ~,; ~'4 \\ ~ ~~ ~, P,I 'Hh! I~i::1 . I'!·' ·.1·..·.'!: I!:I Hli de sangue e desunião entre os militares. A afirmação mais freqüente dos ativistas e que, estando seriamente questionada a legitimidade do presidente por grande número de civis poderosos na política, eles são forçados a agir contra o presidente a fim de evitar o caos ou a anarquia. Deste modo, sua própria ameaça de agir contra ele é expressa usualmente mais como um movimento defensivo do que ofensivo. Assim, a responsabilidade por qualquer perda de vida possível ou por derramamento de sangue é sutilmente desviada dos ativistas para os partidários militares do presidente. A implicação é que o sentimento público e militar contra o presidente é tão intenso que, somente se os militares como um todo deixarem de apoiá-to. será possível evitar o derramamento de sangue. IS Por exemplo, no movimento de 1954 contra Vargas, o Ministro da Guerra fora um partidário apaixonado do presidente. Tão logo foi anunciada a decisão do golpe, os ativistas alegaram aos partidários do presidente que haviam sido forçados a agir pela opinião pública e queagora não podiam voltar atrás, e sua única escolha era depor o chefe do Executivo. O ônus de evitar uma cisão militar e uma possível guerra civil realmente paral isou o Ministro da Guerra. A intensidade de seu apoio declinou. Um membro do gabinete descreveu o desanimado ministro, dizendo que "se ele recebesse ordens, prenderia os generais e colocaria as tropas na rua, mas _ não se cansou de repetir - haveria derramamento de sangue" .16 O movimento vitorioso de 1964 envolveu acontecimentos muito mais comple- xos do que os de 1945 ou de 1954. Em 1964, os militares não se limitaram a depor o presidente, mas realmente assumiram o poder pela primeira vez no século XX. To- davia, neste movimento, como nos anteriores, a legitimidade do presidente estava sendo submetida a ampla discussão muito antes da intervenção militar. Um problema importante com relação à legitimidade de Goulart nos fins de 1963 e início de 1964 se relacionava com a sucessão: o presidente obedeceria a Constituiçào democrática de 1946 quanto ao seu direito de sucessão, ou tentaria alterar as limitaçóes constitucionais e governar à maneira peronista, ou com apoio comunista. O centro e a direita estavam mais temerosos, porém mesmo a esquerda demonstrou algumas apr e ensóe s.!" Por exemplo quando em setembro de 1963, Goulart pediu ao Congresso poderes extraordinários para governar, sob estado de sítio, seus atos foram acolhidos com grande surpresa. Abelardo [urema, então Ministro da Justiça do Preso João Goulart, escrevia mais tarde: "Dos proprietários à união dos trabalhadores a resposta era sempre a mesma - de protesto contra a medida." Dos estudantes a05 intelectuais, a imprensa e o rádio, ninguém compreendia a situação e nem aceitava que o Presi- dente governasse por decreto." Magalhães Pinto, então governador de Minas Gerais, apoiou Goulart na luta de 1961, que se travara contra seu acesso ao poder; porém nos idos de novembro de 1963, preocupado com a possibilidade da "Revolução das Massas" ele tentou um acordo com o ex-Ministro do Exterior Afonso Arinos,a fim de que o Estado I! ~i [li "I'1i~~' i~.~ 1;'\ ~~J~í r:; i I, Esta estratégia de barganha é, em essência, o que Thomas Schelling chamou de "ameaça". "o caráter distintivo de uma ameaça é que alguêm afirma que fará, numa contingência, aquilo que ele manifestamente preferiria não fazer ... sendo a contingência determinada pelo comporta- mento do segundo partido. Tal qual o cometimento comum, a ameaça é uma renúncia de escolha, uma renúncia de alternativas." Cf. o capitulo "Enforcement, Communication and Strate- gic Moves", em seu The Strategy of Conflict (New York: Oxford University Press, 1963). p. 123. 16José Américo de Almeida, Ocasos de Sangue (Rio de [an eir o : José Olympio Editora, 1954), p. 30. 17Isto será discutido com maiores detalhes na Parte 111. IB Abelardo [urerna, Sexta-Feira, 13. Os Últimos Dias do Governo toso Gou/art (Rio de janeiro: Ediçoes O Cruzeiro,1964l, p. 130. 70 ~ de Minas tentasse resistir a qualquer golpe impetrado por Goulart, pelo fechamento de todos os pontos estratégicos de penetração no Estado, e conseguisse a adesao dos demais Estados da Uniào, para a causa da Opusição a Coulart."? As duas tentativas malogradas de movimentos de 1955 e de 1961 foram, sob diversos aspectos, muito diferentes dos movimentos vitoriosos de 1945, 1954, 1964. Em ambos os movimentos, 1955 e 1961, os movimentos não se dirigiam diretamente contra um presidente em exercício, e sim contra homens que estavam por assurn.. o poder. Por conseguinte, em ambos os casos, os planos estavam presos a possíveis delitos, ao invés de estarem aos atos inconstitucionais já praticados. Nestas circuns- tãncias, os militares que se achavam por trás dos planos de movimentos se viram incapazes de conseguir apoio, seja entre os grupos civis importantes, seja entre seus colegas oficiais. Na verdade, na crise de 1955, alguns dos mais importantes e infl uentes oposi tores do presidente eleito se recusaram a apoiar a exigência de seu próprio partido no sentido de anular as eleições. Os candidatos à presidência e vice-presidéncia derrota- dos fizeram declarações nas quais rejeitavam o emprego da força armada para a solução da crise. 20 Além disso, no conjunto, a opinião militar permaneceu ao lado dos civis. O marechal juarez Távo ra o candidato à presldéncia derrotado, avaliou mais tarde o sentimento militar sobre a legitimidade do movimento de 1955 nos seguintes termos: "Penso que a maioria dos oficiais do Exército sentiu que Kubitschek faria um mau governo, e permitiria a expansão do comunismo. Mas não se acharam no direito de impedir sua posse pela violência".21° golpe de 1961 foi semelhante, no que diz respeito ao forte apoio dado pelos civis às pretensões do presidente ao cargo. Quando Jânio Quadros renUnciou inespe- radamente, os trés ministros militares, unilateralmente, anunciaram a intenção de impedir a sucessão constitucional de Goulart. Numa nota conjunta divulgada ao público, declararam sua decisão de exercer o que consideravam seu papel modera- dor, de direito e constitucional» Certamente, a resistência firme do Rio Grande do Sul, Estado natal de Goulart, foi decisiva. Mas o apoio às suas reivindicações ao cargo também foi grande em muitas outras áreas do país, mesmo entre alguns governadores udenistas, membros do partido tradicionalmente inimigo tanto de Vargas quanto de Goulart. Juracy Magalhâes, governador udenista da Bahia, por exemplo, ao tomar conhecimento da renúncia de lânio , disse abertamente: "João Goulart é o presidente".23 19Afonso Arinos teria dito, "Eu seria o Ministro do Exterior com a incumbência de obter o reconhecimento de Um estado de beligerância, que facilitaria a aquisição de armas, a procura de ajuda e o reconhecimento internacional de nossa posição", disse Pedro Gomes em "Minas: Do Diálogo ao 'Fronr ", em Os Idos de Março: e a Queda em Abril, Alberto Dines et el, (Rio de janeiro: José Álvaro, 1964), pp. 73-74. 'o Para Suas declarações e o impacto que tiveram sobre a negação de legitimidade a qualquer tentativa armada de impedir a posse, ci . vária, relatos no [orne! do Brasil, 8 de novembrode 1955. " Entrevista com o autor, Rio de janeiro, 8 de outubro de 1968. n Seu manifesto fo i reproduzido na maioria dos principais Jornais do Rio a 30 e 31 de agosto de 1961. Encontra-se também em Gileno dé Carli, 1(2, Brasilia e a Grande Crise (Rio de janeiro: Irmâos Pongetti Editores, 1961), pp. 61-63. 2J Ultima Hora, Rio de Janeiro, 26 de agosto de 1961. Para uma declaração do direito de Goulart a assumir a presidência, da parte de Cid Sampaio, governador udenista de Pernambuco, cf. A Tarde (Salvador), 28 de agosto de 1961. Neste período, o Brasil elegia presidentes e vice-presidentes separadamente. Nas eleiçó es de 1960, o vice-presidente vencedor, João Goulart, concorria por uma chapa oposta à do presiden- te vencedor, [ánio Quadros. Quando este renunciou, algumas pessoas argumentaram que Gou- lart não era um sucessor aceitável para Quadros. legalmente, no entanto, a questáo estava bastante clara: o vice-presidente era o sucessor constitucional do presidente. 71 i: I u f li iJ l- i; t' .~, ç c, íi 1:1 ., , ,\~:\ y', ":~: ,~,\ ~::: ~II,,,',> .\' 'r:, ~,:;i ~'" .~\\, 11' \ ~ 10.,' •..~,'. t\,"'I ! ~, "\' .."h .' .: ~~"~~," ~;i:::" '."," li I!,: r • ·i' No Rio de Janeiro, o centro nervoso da política do país, um levantamento de opinião pública, realizado um dia depois que os ministros militares tentaram vetar a posse de Goulart, mostrou que 91% dos entrevistados queriam que Goulart assumisse a presidência. H Como em 1955, os líderes do movimento não dispunham de autoridade para anular a legitimidade advinda de uma eleição. Em ambos os casos, a legitimidade do presidente era suficientemente sólida para reunir em torno de si grande número de civis. SANÇÃO CIVIL PÀRA INTERVENÇÃO MILITAR Em geral, a opinião civil é suficientemente fragmentada e a legitimidade do presidente suficientemente forte para impedir a formação de uma coalizão golpistacivil-militar. Somente em períodos de tensão e de crise relativas à legitimidade do executivo é que diferentes grupos políticos procu ram aliados entre outros civis com quem normalmente não se associam, e buscam renovar contatos com oficiais militares a fim de organizar uma força de resistência contra o executivo. A decisão efetiva dos militares de dar início a um golpe e assumir o ato corajoso de depor um presidente é conseqüência de um duplo processo: solicitação dos civis e constru- e ção efetiva de uma coalizão de golpe civil-militar. No padrão moderador, estes dois processos estão bastante próximos nos golpes vitoriosos. De que maneira esta opinião civil é transmitida, que efeito tem sobre o sucesso e o fracasso dos golpes e, especificamente, que papel ela representa no processo militar interno de formação de uma coalizão golpista? A comunicação, pelos civis, do desejo de intervenção militar na política e a avaliação, pelos militares, da receptividade ou oposição civil a um possível golpe são facilitadas pelos inúmeros meios de comunicação que existem entre os civis e os oficiais militares.25 Um veículo extremamente importante é fornecido pela estrutura e função das bases militares. Os comandantes de bases regionais normal, mente detêm posições de mando mais elevadas do que muitas autoridades civis. A tarefa de manter a ordem interna rotineiramente põe os oficiais militares em contato com as autoridades civis. Muitos oficiais comandantes, por exemplo, passam grande parte de seu tempo recebendo grupos de civis nas bases do Exército, ou freqüentando reuniões civis. O diário de comando de Castello Branco, escrito quan- do comandava o IV Exército no Recife, faz referências quase que diárias ao seu !4 Cf. O jornal, 2 de setembro de 1961. ',i Uma Importante área de comunicação entre civis e militares dentro do governo é o Conselho de Segurança Nacional, que freqüentemente é composto metade por civis e metade por militares e ocupa-se quase exclusivamente da política interna, Os membros da Casa Militar da presidéncia são 'essencialmente elementos de ligação politica entre o chefe do executivo e os militares e os políticos. As centenas de militares que servem em postos-chave em certas instituiçóes governamentais, como a Companhia Siderúrgica Nacional, agem como um duplo meio de comu- nicação entre os militares e a burocracia. Um import'ante elo com os governadores é dado pela pratica tradicional destes de designar um oficial da ativa do Exército para secretário de Segurança do governo estadual. - A Escola Superior de Guerra tem um programa de nove .meses de duração destinado ao desenvolvimento nacional e à segurança interna e muitos dos estudantes e do quadro de chefia sào civis. Este retacionamento é mantido provavelmente pela maioria de associaçóes de ex-alunos no Brasil. _ Os jornais, como vimos, constantemente enviam mensagens aos militares, mas ao dar ampla cobertura aos debates do Clube Militar, manifestos e reclamaçóes politicas "confidenciais" de oiiciais importantes, também fornecem um forum nacional para a expressão das opiniões militares e políticas. Todos os principais jornais têm um redator em periodo integral cuja única função é cobrir a politica militar. 72 I I I I envolvimento em acontecimentos políticos e Sociais locaiS.'6 Em geral, o acesso de grupos sócio-econômicos dominantes aos comandantes de guarnições é maior do que para grande parte dos el,ementos dessas classes baixas: no curso de viagens e prestações de serviço pelo interior, entretanto, os oficiais do Exército também tomam consciência da pobreza do Brasil ruraL Estes contínuos contatos contrastam agudamente com a descrição de Janowitz do relativo isolamento Social e político do comandante de uma base militar nos Estados UnidosY Estas vias normais de comunicação são particularmente importantes em tempos de aguda crise política. Em 1945, 1954 e 1964, datas de movimentos vitoriosos Contra o presidente do pais, a pressão civil. no sentido de intervenção militar no prOCesso político cresceu e foi comunicada aos militares através de contatos pessoais, manifes- tos públicos e editoriais da imprensa. Os apelos civis para intervenção militar eram expressos em termos da ilegitimidade do presidente e das obrigações constitucionais que tinham os militares de garantir o funcionamento efetivo dos três poderes tradicio- nais do governo e a ordem interna. Normalmente, os pedidos de intervenção afirma- vam que o presidente estava agindo de maneira ilegal e que, em face destas condi- ções, a cfáusula de "obediência dentro dos limites da lei" os dispensava do dever de obedecer ao chefe do executivo, Em meados de 1945, por exemplo, o Ministro da Guerra, general Coes Monteiro, observava que era "procurado incessantemente" por políticos, bem como por milita- res, que tentavam cOnvencê-lo a tomar uma posição.2ã A oposição civil, especifica- mente, levou Coes Monteiro a garantir que o Exército aSseguraria eleições livres, como prometera Vergas. e a esta garantia foi dada ampla pub/icidade.29 Em julho de 1945, a questão da intervenção militar foi levantada em alguns periódicos, corno o Jornal do Brasil. A tarefa especificada para os militares era aquilo em torno da qual já haviam concordado civis e militares, ou seja, a garantia de eleições livres. Na crise de 1954, algumas semanas antes de os ~ilitares exigirem a renúncia de Vargas, a maioria dos jornais havia instigado abertamente os militares a fazê-Io. Do mesmo modo, em 1964, governadores, grupos de mulheres e homens de negócios pressionaram sistematicamente os militares para que agissem Contra o presidenteGoulart. Em contraste com os movimentos vitoriosos de 1945, 1954 e 1964, o movimento fracassado de 1955 e a frustrada tentativa de 1961 Ocorreram em períodos em que os civis exigiam corn menor intensidade a intervenção dos militares no processo po-lítico. Em 1955, os apelos feitos para a intervenção militar provinham de um único partido político, sem o acompanhamento de qualquer movimento civil mais amplo Contra o presidente eleito. Os apelos eram, pois, estritamente partidários e não puderam criar a coalizão vitoriosa de civis e de oficiais militares necessária parao golpe. " Esse diário de comando ro: escrito por seu ajudante-de-ordens e encontra-se nos arquIvos de Castcllo Branco, na Biblioteca da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME). no Rio de Janeiro. Minhas visitas e discussóes Com outros comandantes confirmam que isto é um padrao rotineiro de interaçao entre civis e militares. CI. bibliografia para dIscussão doArquivo do Marechal H. A. (as/ello Branco. "Cf. Morris Janowitz, The Professional Soktier, a Social and Polítical PortraJt(Clencoe, Illinois:The Free Press 01 Clencoe, 1960), pp. 204~207. " Coutinho, O General Goes Depóe, pp. 404-409. l4 Cf. a biografta de um dos principais civis atuantes na campanha Contra Vargas, da autoria de Carolina Nabuco, A Vida de Virgilio de Meio Franco (Rio de Janeiro: Livraria José Olympio, 1962), p. 180. A própria obra de Virgilio de Meio Franco, A Campanha da UDN (Rio de Janeiro: Livraria Editora Zélia Valverde, 1964), Contém rico m'aterial sobre os apelos dos politicos paraobter ajuda mildar contra Vargas. 73 ~~~ .'---_._- 11 fi ~ Ill! ILfi: ifi;r)Ii :~ ! 1;;' i;;' 11~~. j:':i i:;! i···· I,:; ~f.~i~ l~~~ 1~ls,~~ ~~, J.::I" i:.~~;~> , I !,,!>.~~" ll,~'\.:! !4~ !:~;, ~I",i~.~,i ;i~"i!1t•..•,.11r~:;ilnl~,i\ ,t~· ~I.~'ij 11~ ~~;:::::: ~:~, "'I"';i:~;:! :!:: ~I~; HI' 11/1' I':"~ ~I,~J'l il!~ ::jlJ 1:11::'.''1 ;"";,: J,i d ;1;; 11"il' :111'l'i·1 ",," ~1'1!lllj :1 ;:: I'!!"I[I;. [1:'1' !1,ill>~. ;,1 I' ." II'I'!; i!i, di i'<ill:: rli:' ;!,:r! :ri!': :i /:III!!.I'I, '1' li;" [I il·'I.i' .. 1 I I' il';II.:I.,!!!II"/ ','I il/'III/' i,! •1 , .] No caso da tentativa de golpe de 1961, quando os ministros militares reagiram apressada e unilateralmente à inesperada renúncia do presidente Iânio Quadros, anunciando sua intenção de impedir que o vice-presidente Coulart assumisse o poder, nào houve tempo para o desenvolvimentodo tipo de debate público a longo prazo que caracterizou os golpes vitoriosos, nem para a sondagem informal das atitudes civis com relação a este movimento. Logo em seguida à decisão de tentar um veto político, ficou claro que os ministros militares tinham errado no julgamento da amplitude do apoio civil, e que Coulart, de fato, gozava de um alto grau de legitimidade. Em face da forte oposição civil e da recusa do 111 Exército de apoiar a decisão de obstar Coular t, os ministros militares tiveram de retroceder. Entrevistas com ativistas de golpe entre os militares brasileiros sublinham o papel decisivo que a sanção civil anterior desempenha no processo militar interno de construir uma coalizão de golpe vitoriosa. O general Colbery do Couto e Silva, protagonista importante nos movimento de 1961 e 1964, fez um interessante cornen- tãrio: Os ativistas militares pró ou contra o governo constituem sempre uma minoria. Se um grupo militar deseja derrubar o governo, precisa convencer a grande maioria de oficiais que são ou legalistas estritos ou simplesmente nào-ativistas . Os ativist~ não querem arriscar derramamento de sangue ou cisões militares, de forma que esperam até que se tenha conseguido um consenso. Deste modo, 05 movimentos que visam depor um presidente precisam da opinião publica para ajudar a convencer os próprios militares. Assim, ocorreu em 1945, 7954 e 1964. Em 1961, os chefes militares agiram contra a opinião pública e tiveram de retroceder. 30 Um general do Exército fez uma declaração semelhante a respeito do movimen- to de 1964: Muitos ativistas militares estavam prontos a depor Coulart em 1963, mas espera- ram até que a opinião pública os empurrasse para a frente e ganhasse unidade, de modo a eliminar o risco de guerra civil. Nos últimos dias de março, os jor- nais estavam pedindo aos militares que solucionassem o problema, Este e ou- tros acontecimentos, como a marcha de São Paulo em favor da legaíidade>'. levaram os militares a agir. A unidade militar é extremamente importante, So- mente se os militares estiverem divididos pode haver guerra civil. O melhor é quando temos unidade e estamos no caminho certo, Mas o principal é per- man~cermos unidos.P . O marechal Cordeiro de Farias, que desempenhou papel essencial nas revoltas de 1922, 1924 e 1930 e nos movimentos de 1945, 1954, 1961 e 1964, e pode, pois, ser considerado o arquétipo do ativi sta mili tar. apresentou uma argu mentação semelhan· te no que diz respeito ao papel das atitudes e opiniões civis: ."'s únicas revoltas puramente militares ioram a tenentista de '1922 e a de 1924, e fracassamos. Os movimentos vitoriosos de 1930, 1945, 1954 e 1964 foram altamente políticos e civis na formacão e na execução.>' EnlrC\iSla. Brasilia, 18 de setembro de 196i O g"lo e nosso \'iliredo Pareto da eruase semelhante ao papel central que a maioria. normalmente passiva, desempenha na solução de conflitos. entre o pequeno grupo de firmes partidários do governo e o pequeno grupo de ativistas Interessados em derrubar o governo. CL seu The Mlnd and Societv, ed. Arthur Llvingston, 4 vols. (New York: Harcourt, Brace & World, 1935), IV: 1453-1454 (number 2096). .1. O general referia-se a uma passeata, realizada em São Paulo, de aproximadamente duzentas e cinqüenta mil pessoas, fazendo manifestações contra a politica de Goulart. ." Entrevista no Rio de Janeiro, 11 de outubro de 1968, com um general do Exército que pediu para não citar seu nome. .1.1 Entrevista, Rio de Janeiro, 11 de setembro de 1968. 74 t I I I I Ele comparou especificamente o mOVimento fracassado de 1961 COm o mOvimento vitorioso de 1964 em termos de apoio civil a este último. Significativamente, um general, forte partidário de Coulart, e que se opós ao mOvimento e mais tarde foi expulso por isso, explicou a incapacidade dos partidários mil itares de Cou/art para reunir apoio em função da vontade civil de que o mOvimen_to tivesse êxito, A opinião pública do país (ora perSuadida pela propaganda de que o Brasil marchava para o caos e para o comunismo, assim. o povo estava a tavor do mOvimento e nós nào tínhamos força para resistir,J4 Não quero com isso deduzir que a ação dos militares pOssa Ser explicada unica- mente em termos de apoio civil e de instigação. Em todos os casos de intervenção examinados, estava implícito um elemento de interesse próprio da instituição e em alguns casos mesmo o interesse pessoal dos líderes do movimento, De fato, muitas vezes a ameaça ao interesse próprio da institUição ou à sobrevivênCia é o lator.cha\'e para finalmente criar um Consenso entre os oficiais, pois sempre que as áreas tradiCIO- nais da autoridade institucional militar são transtornadas, tais COmo sua estrutura hierárqUica e disciplinar, até os não-ativlstas e os legaJistas dentro do quadro de oficiais são induzidos a agir,35 Entretanto, continua válido o fato de que, antes de os militares intervirem realmente Com êxito em 1945, 1954 e 1964, havia em cada caso uma Congruência geral entre a opinião das elites civis e militares. Obvia- mente, existe a Possibilidade lógica de que esta congruência seja o resultado de saberem os civis que os militares iriam agir e portanto eles simplesmente deveriam aderir. Todavia, empiricamente, a análise das crises civil-militares leais sublinhou o toto d, qu" 'mbo," poss, ter i",d"ido umefeitod, 'd",o ern ",um "".io; da crise, em Outros a opinião civil da elite estava empurrando, e não seguindo.os militares. MOVIMENTOS VITORIOSOS VERSUS MOVIMENTOS FRUSTRADOS: ANALISE COr\1PARADA DOS EDITORIAJS A partir da anãlise dos mOVImentos de 1945, 1954, 1955, 1961 e 1964, é evidente que os militares brasileiros, historicamente, nâo se consideraram isolados do sistema político, mas antes ligados indissoluvelmente à política e muitas vezes sensíveis à opi,,,o "'iI, 'mbo" "o d'P,"d,",,, "du'i"m,,,, d",. A'''dido"" im'.,m que os militares tém de si próprios Como o povo fardado estã de acordo comseu papel altamente político. Na tentativa de dar maior precisão ao argumento geral de que o atlvlsmo militar é genericamente COngruente COm as atitudes da elite política civil, formulei duas hipó,,,,, , t''',i ''''Iã-'" 'i",m"i" e qU'"tit'ti"m,"". Fstashipót"" "o um resultado lógico do padrão das relações entre civis e militares já descrito. Ei-Ias .'" Entrevista com o general luiz Tavares da Cunha Mello, Rio de Janeiro, 10 de Outubro de1968. ,.; Este ponto foi atingido na crise de 1964, por exemplo, quando o presidente Goulart tolerou Um motim naval no final de março de 1964 e não deu permissão aos militares para punirem 05 revoltosos. Isso foi decisivo para muitos oficiais e converteu muitos deles, pela pnmelra vez. em adeptos ativos da conspiração para depor Goulart. Edw.n Lieuwen. em seu Cenerals lS Pres'(/ents tNel\' York Frederick A. Praeger. '19(>-11. pp 107"'09. acentua que o inlere"", da própria corporação é um Componente fundamental dos movimentos . ~ -_'i!'=-:__~.--,:~~~~-~ ~ :1 '\ ;'.1,1IIril:ol( ;l(~t; ~ii ~,' I I"\\ ~:~ ~I~,to' , ',\~,',I ~" ~. :~:.\1'1 \0,1 I ~ \..~, \t I~I " \ ~,'~I,.,\ "'-.;\" t~I\1 1iI.'11 \,~:~.I,I~\.t. l.'''' .•••' '\ ~~! !\~i '.1 ~, ~~~:I',~\.'..','..1~1.;":,,'.::,: H,.'! r"1ri:',\1,.,.1.,k·"·,,.,;) íllli:, 1~:l:!:1 i1 !i:! ,i!,:i!'ill,'r .!]!!I!il'l :;1!i:\i,:i'\ 1\,'.1,,: ll'iI'1 Os movimentos militares vitoriosos contra o executivo se relacionam com um baixo grau de legitimidade prévia atribuída ao executivo pelas elites políticas civis participantes e um alto grau de legitimidade prévia concedida por estes mesmoS civis aos militares, para desempenhar seu papel moderador através da deposição do presidente, Desta hipótese deriva a inversa: as tentativas militares frustradas de depor o executivo se relacionam com um alto grau de legitim(dade prévia atribuída pelas elites políticas civis ao executivo e um baixo grau de legitimidade prévia concedida aos militares, para desempenhar seu papel moderador de deposição do presidente. A fim de avaliar estas hipóteses, recorri aos editoriais dos principais jornais brasileirosdos d ias anteriores aos movimentos, de 1945 a 1964, para estabelecer uma medida de legitimidade atribuída tanto ao executivo quanto aos militares. Se as hrpóteses estiverem corretas, uma análise da opinião da imprensa deveria mostrar que, antes dos movimentos vitoriosos de 1945, 1954 e 1964, a maioria dos jornais ex- primiam abertamente suas dúvidas sobre a legitimidade do presidente e a opinião de que, nestas circunstâncias, seria conveniente a intervenção dos militares no sis- tema político, cumprindo seu dever tradicional e constitucional de garantir a consti- tuição e de controlar o execu tivo. A opinião editorial sobre os movimentos frustrados de 1955 e de 1961 deveria exprimir o inverso. O material disponível para a análise de editoriais no Brasil possibilita a realização de um trabalho significativo.36 O jornalismo brasileiro destaca-se como um dos principais em comparação com o dos outros países em desenvolvimento; o do Rio de Janeiro, como Paris, possui uma linha de jornais politicamente importantes muito mais ampla que qualquer cidade dos Estados Unidos, A maioria dos grandes jornais é de propriedade familiar e sua história remonta ao século XIX. A tradíção de independência revela-se bastante (orte?". e minha análise, fundamentada nos editoriais, indica que, nos meses que antecederam os cinco movimentos analis'ados, os jornais não foram censurados nem pressionados realmente, com exceção de O Estado de São Paulo, em 1945,38 Os jornais constituem, pois, um índice relativamen- te útil da opinião da classe média e da classe alta. SeleCionamos nove jornais como 05 mais importantes, no plano ideológico, para as elites participantes39 Entre eles, classifiquei cinco como jornais relativamente 16 Quase todas as edlçoes dos principais jornais (desde os finais do século XIX) se encontram no arquivo da Biblioteca Nacíonaldo Rio de Janeiro. Na maioria dos casos. também as redaçbes dos jornais contam com um fichário completo. J7 Os dois principais períodos em que houve censura no Brasil no século XX vão do inicio do Estado Novo, em novembro de 1937, até fevereiro de 1945, e de 13 de dezembro de 1963 (o Ato Institucional n.? 5) até a época deste estudo. Houve censura esporádica, por curto período, depois dos golpes de 1955 e de 1954 e durante a tentativa de golpe de 1961. Assim, para OS propósitos de nossa análise, a imprensa nunca fOI realmente censurada no periodo em exame, principalmente antes dos movimentos ou tentativas de movimentos de 1945, 1954, 1955,1961 e 1964., :\enhum dos redatores-chetes ou editorlallstas que entrevistei acusaram censlIra antes dos movimentos. Discuti este ponto com Oswa1do Peralva (um critico resoluto do governo de pós- 1964), com um diretor do Correio da Manhã, Odylo Costa Filho, que trabalhava no Diário de Noticias durante os movimentos de 1945 e 1954, com Alberto Dines. redator-chefe do jornal do Brasil- {esteve preso durante algum tempo por atacar os militares, em dezembro de 19681. e com Wilson Figueiredo, que, entre 1945 e 1964, trabalhou no Estado de Minas, Folha de Minas, Diáno Carioca e Jornal do Brasil. Estas dlscus,sôes se realizaram no Rio, entre setembro e outubro de 1969.Em minha seleção original, inclui os grandes lornals regionais, Estado de Ivlulas (Belo Horizon- tel, Correio do Povo (Porto Alegre), A Tarde (Salvador) e jornal do Comercio (Recife). Com relação à opinião editorial final, eles não diferiam dos grandeS jornais nar-ioria!s . Todavia, não to ram incluidos nesta análise, pois em quase todos os casos eles ceguiam claramente astendências não-ideológicos: Correio da Manhã, Jornal do Brasil, Diário Canoca, O jornal e Diário de Notícias. É claro que todos os jornais têm algum tipo de ideologia. Entretan- to, estes cinco periódicos são partidários menos evidentes, e a Sua posição em qualquer crise particular é menos previsível do que os outros jornais da amostra. Quatro foram classificados Como ideológicos: O Estado de São Paulo, Tribuna de Imprensa e O Clobo representam, no conju nto, os conservadores e a direita, enquan- to que a Ultima Hora reflete a opinião da esquerda,40 A principal ressalva que pode- mos fazer à análise é que a esquerda está mal representada, ao passo que a opinião da classe média e da classe alta consegue maior destaque. De fato, Ultima Hora era o único jornal de tendência coerentemente esquerdista no Brasil. Embora reco- nhecendo estas limitações, a análise destes jornais revela muita coisa acerca dos papéis que os civis de alta posição esperam dos militares no sistema político. Os edítoriais foram explorados detalhada mente, não só para testar as hipóteses que relacionam a legitimidade do executivo com a intervenção militar, mas também porque -ilustrarn sobejamente a complexidade e a sutileza do modelo moderador do relacionamento civil-militar em períodos de crise e de preparação de movimentos no Brasil. Vale a pena ressaltar vários pontos interessantes.4] Primeiro, o deb,l.te alcançou o nível de preocupação dos editoriais várias semanas, ou mesmo meses, antes do movimento militar concreto. No Brasil, os movimentos anteriores a 1964 foram em ampla medida aSSuntos públicos, anunciados através da imprensa e, portan- to, não foram unilaterais ou inesperados. Segundo, todos os jornais examinados estiveram envolvidos ..Terceiro, empregou-se sempre uma linguagem altamente coe- rente e simbólica de legalidade, constitucionalidade e obrigação militar para com o país, no intuito de instigar os militares a tomar medidas políticas. Finalmente, conquanto sancionassem a intervenção, raramente os civis outorgaram aos militares carta branca para decidirem, por si sós, que caminho tomar. As solicitações eram muitas vezes bastante específicas quanto aos limites e aos propósitos de intervenção na política. A tarefa dos militares em período de crise variou desde informar o p'residente de que não estavam preparados para exec~tar uma decisão presidencíal particular, até depor efetivamente o executivo. Comecemos pelo golpe de 1945. A contrança geral, que Vinha expressa nos editoriais, tão logo surgiram indícios de que Vargas iria alterar as leis eleitorars e adiar as eleiçóes presidenciais, era que os militares tinham a obrigação de fazer tudo o que fosse necessário para garantir eleiçóes livres. A 10 de agosto de 1945 duas semanas e meia antes do movimento militar que deporia Vargas, O Jornal escrevia em seu editorial: que se manifestavam primeirarnente no Rio de Janeiro e em São Paulo. Constituiram excecoe-, o CorreiO do Povo, O qual, devido ao regionalismo gaúcho e ao explosi,o nw\'imenlo em ravor de Goulart que se centraliZOU em Porto-\Iegre. rOI lIlll dos ma" torte, cleren,ores cio direito de seu filho nativo à presidência em 1961, e c t ornsl do Comércio que, dados os temores da elite nordestina blasileira. se voltou fortemente contra COlllart eIll196~. Ourro motivo para a sua não-inclusão nesta análise é de ordem metodologlca;. sua opinião, normalrl1ente, era expressa numa linguagem mUito mais obscura, e portanto teria Sido rnuto mais d,fIC,Jclasslllca-Iosrigorosamente. 'o Fizemos esta seleção depOIS de discutir Com ativlstas polítiCOS civrs e militares acerca dos jornais mais importantes e Infjuentes. Os nove Jornais da análise são dirigidos J, pelo menos, um setor da opinrão pública, portanto, são todos relevantes no plano politico Nenhum delesé, claramente, O mais importante. 41 No total, foram lidos mais de míl editoriaiS. As generallzaçóes que se seguem se baselanl na leitura de todos os editoriais de quatorze jornais para cada um dos periodos Imedlatan\enteanteriOres à críse. ;.~t ,< :~~~.....:~~~~::"'h ~,_~~~!~,, __:o::- :_.lJO.~~",:,",';:::--=-~_ \ ~\liItI :~ '! lU \t:-,l' l':l" I.', I i;~j~'~".~,'.","1 TI '\.11;".:, i:'~ ;1'1.;1,'1" ;,,\,:':" • ~..., 'i';' ~ '11 ",fi '\' i,"~K!i,>11,1I, i"," ~ ~_i~:\~I'l,: .~: :t I, ~"l1\" ",,' p'::!' \\1 I b"~II, 11.; ':1 .1\.;~:! '1\. I! :i:~! < lii!;'1rtl"I;!'li:',! ~'..i\'·i,.;." 11; !~! liill]!! \ It' ."'I..'~.li ;:\ 11\\,'II,i 111!.I i .:\I :11 li! ,I'.!, '11,\ 1.'.: I':',' lill!.\.\. 1\ :'1i'I' :,,!,i ,I 'iil As Forças Armadas brasileiras têm profunda consciência de suas responsabili- dades na atual situação política ... Cabe a elas resguardar os poderes constituci- onais e as leis da República. Nada é mais certo e legítimo que os partidos políticos solicitem ao Exército, à Marinha e à Aeronáutica que intervenham no sentido de garantir as leis elei- torais já estabelecidas e impedir que sejam alteradas. O Diário Carioca, outro jornal não-ideológico, publicava em editorial: É absolutamente lógico ... que o papel decisivo nesta hora de transição recaia sobre as Forças Armadas. Oque cabe a nós fazer? Cruzar os braçoS e esperar?Ou apelar às Forças Armadas num país onde o governo é flagrantemente ile- gal e não se baseia no menor resquício de legalidade. Ao Exército cabe a res- ponsabilidade de respeitar os conceitos simples de ordem jurídica sem os quais é impossível nossa vida em sociedade. Apelamos às Forças Armadas porque são a única força organizada capaz de impor a ordem ao caos instala- do pelo próprio govern042 Antes do golpe de 1954, após a tentativa de assassínio de Lacerda e a subseqüente descoberta do "mar de lama" de corrupção e escãndalos financeiros, vários civis que representavam a elite política participante sentiram que era chegado o momento de Vargas renunciar. A mensagem transmitida aos leitores civis e militares dos jornais era que as circunstâncias autorizavam o exercício militar do papel moderador, a fim de supervisionar a transferência do poder do presidente Vargas ao vice-presidente Café Filho. A 20 de agosto de 1954, quatro dias antes do movimento, o Diário de Notícias declarava em termos simples: "As Forças Armadas estão convidadas a servirem de mediadoras, como sentinelas da lei e guardiãs da Constituição, da tranqüilidade e do progresso do país". Oito dias antes, a 12 de agosto, o mesmo jornal havia indicado precisamente qual a tarefa que esperavam das Forças Armadas: "Da conduta dos dirigentes supremos e líderes das forças de terra, mar e ar deve resultar claramente o caminho a seguir, dentro dos limites de uma solução estritamen- te constitucional. Isto é, a transferência do governo ao vice-presidente da República". Os Jornais de ideologia conservadora, na época, nâo exigiram apenas a interven- ção militar, mas condenaram em altos brados os militares por permitirem a permanên- cia do presidente no poder e por demonstrarem relutância ou hesitação diante do exercício de suas obrigações constitucionais. O Estado de São Paulo, um tradicio- nal e poderoso inimigo de Vargas, comentou: Continua em São Paulo, no Rio e em outros lugares, um movimento civil para que as Forças Armadas convençam o chefe da Nação de que deve abando- nar o cargo. Nas Forças Armadas, porém, infelizmente não há unanimidade a esse respeito. Se as Forças Armadas acreditam que é servir ao Brasil e respeitar a Constituição manter, nas funções presidenciais, um cidadão com- pletamente desmoralizado, com a força moral destruída, carta branca lhe dará para novas imoralidades ou, mesmo, para noVOS crimes. 43 42 13 de agosto de 1945. Nessa época, não existia iornal de tendência esquerdista. FOI a mobiliza· ção politica, de 1949 em diante, que criou iornais ideológicos como Ultima Hora e Tribuna da Imprensa. O jornal militantemente contrario a \largas, o Estado de Silo Paulo, que teria apoiado a opinião dos jornais mencionados, esteve sol) o controle do governo até a queda de \largas e, portanto, não publicava editoriais durante todo este periodo. " 24 de agosto de 1954. Num editorial de 13 de agosto, duas semanas antes do golpe, a Tribuna da Imprensa concordou com estes termos: Acreditam os chefes militares que a crise de autoridade no país possa du rar mais do que os quinze minutos que se gasta para levar de carro o Ministro da Guerra ao Catete, a fim de transmitir ° apelo dos chefes das Forças Armadas? Os militares juraram defender o país, garantir suas instituições e é este jura- mento que se deve cumprir, O único jornal de esquerda, Ultima Hora, tomou uma posição co ntr á sia, comen- tando, um dia antes do movimento: Vargas resiste a uma onda de provocação e subversão que visa envolve.lo, e já declarou, incisiva e categoricamente, que não cede e não cederá à irnpo si- ção de violência ou a qualquer movimento ou solução extralegal. Na crise de 1964, o presidente Goulart procurara mobilizar apoio a fim de forçar o Congresso a aprovar uma série de reformas. As elites civis temiam que ele fechasse o legislativo e governasse por decreto. Nestas circunstâncias, muitos participantes do sistema político argumentavam que seria ilegal os milHares continuarem prestando obediência ao presidente. Ressalvavam o dever que cabia às Forças Armadas de resguardar os três poderes constitucionais, de manter a ordem interna e de obedecer ao presidente somente se ele agisse legalmente. A 23 de março, cerca de uma semana antes do movimento, o Diário de Notícias publicava em seu editorial: Se o mais alto mandatário da nação se opõe à Constituição, condena o regime e nâo age de acordo com as leis, ele perde automaticamente o direito a ser obedecido . ., .As Forças Armadas estão encarregadas, pelo artigo 177 da Consti- tuição, de defender o país e de garantir os poderes constitucionais, a lei e a ordem . o Globo, de 18 de março, faz referências à tentativa presidencial de usar seus principais oficiais militares para pressionar o Parlamento e incitar os militares a recusar qualquer cooperação com Goulart: As Forças Armadas, que alguns insinuantemente procuram associar à tentativa de intimidar o Congresso, não faltarão [ao país]. Sob a suprema autoridade do presidente, mas dentro dos limites da lei (artigo 176 da Constituição), elas defenderão os poderes constitucionais, a lei e a ordem (artigo 177). Portanto, não permitirão que grupos sectários ou subversivos sejam íntimos ou não do chefe do governo, se pronunciem contra o Congresso ou tentem agir contra ' ele, porque as Forças Armadas não podem endossar atos e processos ilegais contra a CQnstituição. Dois dos mais respeitados jornais, o Correio da Manhã e o jornal do Brasil, que em 1961, após a renúncia de Iânio Quadros, defenderam firmemente o direito de Goulart a assumir a presidência, incitaram o Exército a controlá-Io. Argumentavam que os atos do presidente estavam destruindo a própria disciplina militar. Esta declara- ção se encontra no editorial de 31 de março do Correio da Manhã, poucos dias depois da eclosão de um motim naval no Rio de Janeiro tolerado pelo presidente: ~~1 I""=-: '11 ;\ ') i~l,n il'"~i! i.í j (' ,;'j 'I :', ;"L. j:j " - '\"~t::~ JII.':'Ii .: t,\:,....":.'~'~~t" \, ~:\"~\;:~.\ ~h, , \\ ,'o,: ~"L"'" , ~(,::~' \"'. "I:\; ",~\ ~'I~:'r$.1 <:< '~'\ t \', I~I;\'1\, ii:I::.\ \> '.:~:Ir,,\ '\~' ;;< ::<: \,\, .,'>, 'h:~:::~: Il:~:\~' li!!:!?1 1111'1:: 111: ,. I ~: " '" I~ :•:i.' ,!I. ,I:i"i 'ilj'\!,! li! 1111 .".~."..--",,=_ ...': Basta de farsa! Basta desta guerra psicológica desencadeada pelo governo com o objetivo de convulsionar o país e promover sua política continuista, ", Até que ponto ele pretende dividir as Forças Armadas pela indisciplina, que a cada dia se torna mais incontrolável? O Legislativo, O Judiciário, as Forças Armadas, as forças democráticas devem permanecer alertas e vigilantes, prontas a combater todos aqueles que tentam a derrocada do regime, O Brasil já tolerou demais o atual governo, Basta! Do mesmo modo, o Jornal do Brasil referiu-se ao motim e à ameaça à disciplina militar, área tradicionalmente de grande sensibilidade entre as forças Armadas: O estado de direito soçobrou no Brasil. _"Somente aqueles que detêm o poder de agir para restabelecer o estado de direito permanecem efetivamente legíti- moS",As Forças Armadas foram todas - repetimos, todas - feridas naquilo que Ihes é mais essencial, os fundamentos de autoridade, hierarquia e disciplina,,- Não é hora de indiferença, especialmente da parte do Exército, que tem o poder de impedir males maiores",É chegado para todos o momento de resistir. 44 O tom da opiniáo expressa nos editoriais foi bastante diferente nos movimentos frustrados de 1955 e 1961. Em 1955, o movimento que visava impedir a posse do presidente eleito, Kubits- chek, foi liderado por um civil, Carlos Lacerda, editor da mordaz Tribuna da Impren- sa. 45 Muitos oficiais militares concordavam com a crítica moralista que Lacerda dirigia contra Kubitschek e com o ataque anticomunista contra o vice-presidente Coulart, Entretanto. durante t090 o período de crise,~~evaicja eleiç~q~e9u!ubro a 11 de novembro de 1955, o apoio geral a uma ação militar era muito menos intensO do que nos casos examinados anteriormente. Somente a Tribuna da Imprensa e O Estado de São Paulo, ambos ligados à ideologia de direita, preconizaram aberta- mente a intervenção mtlítar." comparados aos da Tribuna da Imprensa (que às vezes escreveu como se estivesse iminente um movimento militar, embora naquele momento não existisse nO Exército tal consenso para O movimento), os editoriais do prestigioso Correio da Manhã, que em geral havia apoiado os movimentos de 1945,195'1 e 1964, defenderam intensamente a posse de Kubitschek e falaram apenas do dever dos militares de evítarem um golpe: A consciência militar que iluminou o nascimento da República não enterrará o regime, "Soldados e líderes militares da estirpe de um general lott, cu]a fidelidade à democracia é símbolo do pensamento que predomina de alto a baixo, não agirão como centuriôes de um golpe. 47 "29 de março de 1964,"' Lacerda era um demagogo de direita. extremamente eficiente, que mais tarde foi governador da Guanabara e um dos críticos mais violentos do governo militar, de 1966 a 1968_ _Oó ATribuna da Imprensa publicou em editorial: "A posse destes dois aventureiros irresponsaveis só pode ser evitada por um ato de força, A hora da açào depende das Forças Armadas, O povo agora conta com apenas trés armas - elas se chamam Exército, Marinha e Aeronáutica, "A opção está entre uma ditadura 'legal' que corrompe e degrada a todos e um reg,me de emergéncia que levará à conquista efetiva da democracia" (4 de novembro de 1955), Cinco dias mais tarde, seu tom era ainda mais exaltado: "Kubilschek e Goulart.-- não podem assumir o poder, não devem assumir o poder, não as;umirão o poder" (9 de novembro de 1955)_ .7 5 de novembro de 1955, o Jornal, periódico nào-ideológico, concordava com o Correio da Manhá em que as circunstâncias nào requeriam a intervenção militar e o exercício da tradicional função moderadora: Estamos certos de que em nenhuma circunstância o Exército, a Aeronâutica ou a Marinha concordariam em servir de instrumentos de ambiçóes que não radiquem no voto político popular.w Em 1961, a situaçâo foi a mesma, Quando os ministros militares decidiram, unilateralmente, impedir a posse de Goulart como sucessor de lânio Quadros, rnes- mo o Dierio de Noticias, um jornal tradicionalmente pró-militar, deixou de apoiá-Io s, afirmando, ao contrário, que a sua pretensão a exercer a função moderadora era ilegítima: Em nome da preservação da ordem, propóe-se perpetrar um ataque fatal à Constituição, ferindo mortalmente o regime. ",A decisão dos chefes militares, sob o pretexto de impedir a desordem, poderia, ao contrário, precipitar o país no caos, na guerra civil armada, na bancarrota econômica e financeira, na total subversão da ordem social, política e mesmo ideológica, ... Os perigos que supo starnenis poderiam resultar para as instituições da presença do Sr. Coulart na presidência seriam, em qualquer hipótese, incomparavelmente me- nores do que os que emanam do repúdio do sistema representatívo.ss O Correio da Manhã, que nos últimos dias de março de 1964 atacou duramente Coulart, em 1961 defendera firmemente seu direito à presidência. Os editoriais il ustram claramente como se estabeleceu uma acentuada distinção entre o sentirnen- to de incerteza sobre a capacidade de um presidente e a crença em seu direito a governar: "Nós sempre exprimimos algumas reservas ao caráter pessoal do novo presidente, mas o fato é que ele é o novo presidente e que o Sr. João Coulart deve ser empossado tão logo regresse ao país" .50 Quatro dias mais tarde, depois que os ministros militares divulgararn um manifesto onde declararam sua intenção de impedir que Coulart retornasse ao país, no interesse da segurança nacional, o jornal novamente negou sua aprovação: ' Lemos o manifesto dos ministros militares. É um golpe que abole o regime republicano no Brasil. É ditadura militar51 Depois que o Rio Grande do Sul e sua polícia militar resistiram ao golpe, os ministros militares tiveram de capitular. O general Colbery, um dos oficiais mais importantes entre os implicados na tentativa de golpe de 1961, 'q'ue mais tarde deixou a ativa para organizar a opinião civil-militar contra Coulart, observou: "1961 foi um desastre para o Exército. Nós decidimos (em 1964) que só tentaríamos derrubar Coulart quando a opinião pública estivesse claramente ~ nosso favor".52 Numa tentativa de avaliar as hipóteses que relacionam o sucesso de movimentos militares com o grau de legitimidade atribuída ao executivo e aos militares, procurei construir uma medida genérica da legitimidade. Para tanto, formulei cinco categorias "5 de novembro de 1955, 49 27 de agos to de 196-1. '°27 de agosto de 1961_ s : 31 de agosto de 1961, "Entrevista, Brasilia, 18 de setembro de 1967, :,\: 111 ;,\', ," ~:'~ !lI I.I.~.'.'\.. 11 .. , II~ .1 ••.•, '.~,\1 \ '11 ~t.,.':~" ~~"l~t, ,.• ,\ ~"'; \ ~\ .\11.h.li'" ':\ :I: 1':'\ ,,~ " ,,~ t<:'1il ~, LI, "~I:<I \, 'I,", ,1,\ rllJ~1 ",\ 'I: I>~:'::~\ ~I,'...: '. "~~ Ili;\ ""~I 'I,hl"\ I: ~,:;; I, ~ ~:~:: 'I; .~~ ,I amplas, indicando o grau até onde os editoriais apoiaram o executivo para permane- cer no posto, e outra indicando o grau de apoio para a intervenção militar. A última posição firme que um Jornal assumiu no período de duas a seis semanas antes das crises de 1945,1954,1961 e 1964 é colocada numa das cinco categorias." A classificação vai da primeira categoria, que representa elevada legitimidade ao presidente, à categoria mais baixa, que indica nenhum apoio a ele. Do mesmo modo, no tocante ao grau de legitimidade atribuída aos militares, a primeira categoria indica um grau elevado de legitimidade à intervenção militar e a última revela ausência de apoio, as outras categorias entre os dois extremos. Os resultados desta classifica- ção estão apresentados nas Tabelas 5.1. e 5.2. Embora reconhecendo um elemento irredutivelmente subjetivo e qualitativo na seleção original e na classificação subseqüente dos editoriais, usamos a distribui- ção dos [or nais nas Tabelas 5.1. e 5.2. para dar peso quantitatiVO ao grau de apoio concedido ao presidente e aos militares em cada movimento. Atribuindo a cada ca- tegoria valores que vão de + 2 para a primeira e - 2 para a última, dei um peso quantitativo à série total de apoios ao presidente e aos militares e relacionei estes apoios com o sucesso ou fracasso dos movimentos. Com base nestes pesos, fica evidente, a partir da Tabela 5.3, que a hipótese ge- ral confirma, no modelo moderador, estar a execução vitoriosa de um movimento pelos militares relacionada grandemente com a legitimidade dada aos militares pela opinião da el ite civil para a realização da tarefa. Inversamente, no caso da legitimidade do presidente, a Tabela 5.4 revela que os movimentos vitoriosos foram precedidos por um reduzido grau de legitimidade atribuída por este segmento da opinião pú- blica ao presidente, enquanto que os movimentos frustrados ocorreram em perío- dos em que a legitimidade presidencial era elevada. Finalmente, o material é apresentado de forma visual na Figura 5.1, onde as correlaçóes são mais acentuadas. Aqui se evidencia que as hipóteses que relacionam movimentos vitoriosos e frustrados com o grau de legitimidade do presidente e dos militares tem fundamento sólido. AS LlMITAÇOES AOS MOVIMENTOS MILITARES ANTES DE 1964 Embora os militares brasileiros tenham intervindo repetidas vezesna política, durante o século XX, e às vezes tenham deposto o presidente, em momento algum, antes de 19&4, eles assumiram o poder. Também não receberam grande estímulo da parte dos civis para que tomassem esta atitude. Na verdade, em comparação com as repúblicas da América Latina, a dimensão do envolvimento militar no Brasil sempre diferiu o suficiente para caracterizar os militares brasilei ros como mais "cons- titucionais" do que os de outras nações latino-americanas. Os militares brasileiros, geralmente, se consideraram de acordo com esse conceito. Em cada um dos golpes anteriores a 1964, um elemento decisivo do próprio golpe, da criação de coalizão entre civis e militares e do consenso entre os oficiais, foi a percepção de que existia permanentemente um limite ao grau de intervenção militar na política. Esta restrição, característica central do modelo moderador, efetiva- .'3 Num projeto dedicado apenas a uma análise de conteúdo, seria usado um enfoq ue Q (qualitati- vo) mais rigoroso com múltiplos codificadores. Um trabalho Interessante seria construir os pesos comparativos de legitimidade para cada dia durante a crise. Infelizmente, dada a ausência de meios de reprodução na Biblioteca Nacional e a relativa dificuldade de ter acesso a todos os editoriais, isto estava além da disponibilidade de tempo e dos recursos financeiros do autor, que naquelas circunstâncias era o único codiflcador. mente opós um limite à intervenção militar para a deposição do chefe do executivu, excluindo qualquer possibilidade de usurpação do governo pelos militares envol- vidos. Esta percepção tinha dois componentes: atitudes civis em relação ao papel dos militares na política; atitudes militares para com sua legitimidade e capacidade de formar um governo. A distinção e!1tre a legitimidade da intervenção militar e a ilegitimidade do governo militar pode parecer demasiado sutil para ser comunicada. Contudo, na realidade, esta distinção foi estabelecida claramente e compreendida por todos os principais políticos brasileiros. Por exemplo, nas semanas que antecederam os movimentos de 1945,1954 ou 1964, ou as tentativas de golpe de 1955 e 1961, nenhum editorial exigia explicitamente dos militares que assumissem o pode r.>" embora muitos deles pedissem que interviessem para depor ou controlar o presidente. Do ponto de vista civil, um argumento bastante usado neste período era que se poderia confiar na ação militar contra o presidente, exatamente porque os militares conheciam e respeitavam as tradicionais limitações da intervenção, que os impediam de assumir os poderes do governo. No editorial típico transcrito adiante, o jornal conservador O C/obo 'tentava afastar quaisquer dúvidas dos civis quanto à conseqüência que poderia advir se os militares forçassem a renúncia de Vargas em 1954. Argumentando que, no passado, os militares haviam evitado assumir o poder, ele prometia que, também neste caso, eles continuariam a garantir um Estado de direito e constitucional. O Globo, portanto, sancionava a intervenção rnititar para depor o presidente, mas sublinhava, em seu editorial, que as regras do jogo proibiam os militares de assumir o poder político: O grande teste de maturidade política que alcançaram nossas classes militares foi a deposição de Vargas, a 29 de outubro de 1945, quando deram ao mundo um raro exemplo de respeito às instituições políticas e civis e de falta de interesse egoístico ao entregar o poder aos órgãos judiciários. Hoje, podemos estar certos de que não seria possível o aparecimento de um condottiere militar. ... Se amanhã o presidente da República tivesse de deixar o palácio presidencial por sua livre vontade, como muitos brasileiros prefeririam, ou tivesse de deixá- 10 através de coerção, como de fato pode acontecer, o Brasil continuaria a desfrutar de um Estado judiciário e constitucionals5 Outra característica dos golpes vitoriosos deste período foi o consenso consegui- do entre os militares, em cada caso, não só acerca da necessidade de intervenção armada, como também acerca do grupo de civis que deveria receber o poder político após a deposição do chefe do executivo. Em 1945 e 1954, este entendimento foi desenvolvido pelos princípais líderes mi- litares do movimento em conjunto com grupos civis. Em 1945, antes de depor Vargas, o Ministro da Guerra, Goes Monteiro, conversou com os candidatos presidenciaiS dos dois principais partidos, que concordaram em que o presidente deveria ser deposto e o poder transferido temporariamente ao Judiciário, que se encarregaria de supervisionar as eleições, de tal modo que os candidatos vitoriosos pudessem 54 O pedido de Carlos Lacerda, em 1955, na Trtbune da Imprensa, para que se estabelecesse "um regime de exceçáo", fOI o que mais se aproximou deste tipo de solicitação. Todavia, poderia ter sido um regime dirigido por civis e apoiado por militares. Em 1964, o proprietano do Estado de São Paulo queria que um regime militar assumisse o poder, mais isto nunca fOI declarado num editorial. S5 23 de agosto de 1954. ~i=:;~;~~2:=;~~~2~it~~7;;:~t!Ç;~~~~~~~,;:7-,_,,~'~~~;~F-;JH;E::;~~;:,7'~'~~:"'- ._ ..:S~:'.:;';":'-:: ...:::-=-:.. :;;;: ,';;;;, ..... - -~_.!~.! .~~i~g ;! :: .~. -i ê. ~ :::'~~ _:<: f ~! i i ~.~~_. j;: TABELA 5,1 CLASSIFICA(ÁO DA OPINIÀO DA IMPRENSA COM RESPEITO À LEGITIMIDADE DO I'RESIDfNH ANTES DE.MOVIMENTOS OU TENTATIVAS DE MOVIMENTOS: 1945.1954.1955.1961.1964 + 2 + 1 o - 1 - 2 Presidente, presidente Presidente, presidente eleito, ou vice-presi- eleito, ou vice-pre si- dente com presidência dente com presidência vaga deve ser apoiado vaga é legal intensamente. Seu im- pedimento ou remo- ção seria ilegítimo. Ambíguo ou neutro com relação à questão de legitimidade de pre- sidente, presidente eleito, ou "ice-presi- dente. com presidênc1a vaga. Presidente. presidente eleito. ou vicewpresi. dente com presidência vaga está agindo ile- galmente, ou presi- dente eleito foi esco- lhido ilegalmente ou vrce-prestdente com presidência vaga não tem autoridade para ocupar a presidência. Presidente, presidente eleito. ou vice-presi- dente com presidência vaga nã.o deve ocupar a presidência. Deve renunciar, ser impedi- do, não ernp os sado , ou deposto do cargo. Movimentos vitoriosos Correio da Manhã Jornal do Brasil Diário Carioca Diário de Notícias O Jornal Movimento de 1945+ Movimento de 1954 Ultima Hora Jornal do Brasil O Globo O Jornal Correio da Manhã Diário Carioca Diário de Notícias O Estado de S. Paulo Tribuna da Imprensa M ..i?49.ES-'S';' ~. Movimento de 1964 Última Hora Diário Carioca Correio da Manhã jornal do Brasil O Globo Diário de Notícias O Jornal O Estado de S. Paulo Tribuna da Imprensa Movi mentos de golpe~ (rustrado.,> Movimento de 1955 Diário Carioca O jornal Correio da Manhã Última Hora O Globo jornal do Brasil o Estado de 5. Paulo Diáno de Notícias Tribuna da Imprensa Movimento de 1961 Correio da Manhâ Jornal do Brasil Diário Carioca Diário de Notícias O Globo Última Hora O Jornal Tribuna da Imprensa O Estado de S. Paulo Em 1945, somente estão incluídos cinco dos nove jornais examinados para outros movimentos. O Estado de São Paulo estava sob intervenção do go- verno. O Globo não publicou editoriais, e Última Hora e Tribuna da Imprensa ainda não haviam sido fundados. o 't _;.., ~.' :-.-i:"~'c·,,"'::';::-:~~:·'7:.:_, .-::::;:::-~?::~~,.. ..."'~:'li''''•• ;;;;~;;~~~~;;. ---~._~::?:..-iS-=?:;~h:YE~7Y5~;P:f;H.H;~Ç.;:~7/T~:~:--· ~ii:~T:ic:!~~~j~~~~~~~;::/;:=~~.~;:;:2;:r~.~~~~:-:~iz;r:;~· TABELA 5.2 CLASSIFICAÇAO DA OPINIÍlO DA IMPRENSA COM RESPEITO A LEGITIMIDADE DO EXERCiClO PElOS MILITARES DO PODER MODERADOR ANTES DE GOLPES OU TENTATIVAS DE GOLPE; 1945, 1954, 1955, 1961, 1964 Militar tem obrigação Militar deve desempe- de remover presidente nhar papel principal ou impedir que presi- na solução de crise e dente eleito ou vice- não deve obedecer a presidente com presi- presidente se ele está dência vaga assuma o agindo ilegalmente. O cargo. militar não deve ajudar a pôr no poder um pre- sidente eleito ou vice-presidente que consti· tui ameaça à segurança e à ordem do país. Ambíguo ou neutro Militar deve apoiar o com retacao ao papel presidente, presidente de apoio militar ao pre- eleito, ou vice-presi- sidente, presidente dente quando a prest- eleito, ou vice-pres+ dência está vaga. dente quando a presi- dência está vaga. Militar não tem qual- quer direito de remo- ver presidente ou im- pedir o presidente elei- to ou vice-presidente com- presidência vaga. O executivo precisa do apoto agressivo do militar. Movimentos vitoriosos O Jornal Diário de Noticias Correio da Manhã· jornal do Brasil Diário Carioca Movimento de 1945+ Ultima Hora Movimento de 1954 Diário Carioca Diário de Noticias O Estado de S. Paulo Tribuna da Imprens;t Correio da Manhã Jornal do Brasil O Globo O Jornal ,1 Movimento de 1964 Correio da Man hã Jornal do Brasil O Globo Diário de Notícias O Jornal O Estado de S. Paulo Tribuna da Imprensa Diário Carioca Ultima Hora Movimentos de golpes It lI,-tr,Hlq" Movimento de 1955 Tribuna da Imprensa o Estado de S. Paulo Jornal do Brasil O Globo Diário de Notícias O Jornal Correio da Manhã Diár io Carioca Ultima Hora Movimento de 1961 Estado de São Paulo Tribuna da Imprensa O Globo O Jornal Jornal do Bras,J Última Hora Correio da Manhã Diário Carioca Diário de Noticias Em 1945 estão incluídos apenas cinco dos nove jornais examinados para outros golpes. O Escado de São Paulo O Globo não publicava editoriais, e Ó/lIma Hora e Tribuna da Imprensa ainda não haviam sido fundados. estava sob inte rve nçáo do governo. co '-l • _. __ ._._-_ ....- _ ..__ . -_._._._ ... . "I, :: " 'c il:'.~;;J.. ;i~~::.: o~::::lt ~ ~ 00••• "o, .. "'0.- I~;::= '~ ," I •••. ", 'O. ,,;.,:, ..~.•. I~::1 ;: ".,~ .t '" ~" t r~:::: :~: 11 j~, t,_ 1:\'1 t·~:;::: N,t~' I,,., "~of' '~ ~~:;;~ t~,I,•••r ~:;;~·..i;.q , fi!:! \1 i.'\:'" ...., ",'I . ..t. "l; :;'~i ::':1, I • li I!::: ::~ 11:illj' ~'.:. i.:\\! I,·~i;l'. li 11, ri \:'1 11 \:1: TABELA 5.3 ESCORES DE LEGITIMIDADE DOS MILITARES DO EXERCi CIO DO PODER MODERADOR: ANÁLISE DA IMPRENSA SOBRE MOVIMENTOS VITORIOSo-S E FRUSTRADOS - _ .. - -- ,. .- Média de Escore para Média de Escore Movimentos jornais para Vitoriosos Não-Ideológicos' Todos os Jornais-- 1945 + 1,0 + 1,0 1954 + 1,2 + 1,0 1964 + 0,6 + 0,4-- -- Média + 0,93 + 0,8 Movimentos Frustrados 1955. - 1,0 - 0,4 1961 - 1,4 - 0,4-~ -- Média - 1,2 - 0,4 TABELA 5.4 ESCORES DE LEGITIMIDADE DO PRESIDENTE: ANÁLISE DA IMPR'E NSA SÓBRE MOVIMENTOS vrroatosos TFRUSTRADOS Média de Escore para Média de Escore Movimentos jornais para Vitoriosos Não-Ideológicos' Todos os jornais 1945 - 1,0 - 1,0 1954 - 1,6 - 1,2 1964 - 0,8 - 0,8 -- -- Média - 1,1 - 1,0 Movimentos Frustrados 1955 + 1,0 + 0,3 1961 + 0,8 + 0,2-- -- Média + 0,9 + 0,25 • Jornais que classifiquei como não-ideológicos; Correio da Manhã, jornal do Bra- sil, Diário Carioca, O jornal e Diário de Noticie», 88 .-'.~'....,.. +2 +1. 75 +1.5 +1.25 +1 + .75 + .5 + .25 O - .25 - .5 - .75 -1 -1. 25 -1.5 -1. 75 -2 Movimentos Bem Sucedidos Movimentos Mal Sucedidos 1945 1954 1964 1955 1961 - Legitimidade Militar ~ Legitimidade Presidencial FIG. 5.1 Análise da Opinião de Jornais Não-Ideológicos: Relação entre legitimidade do mil itar e legitimidade do presidente em movimentos vitoriosos e frustrados. flq I' '~~II~; ,'",',," ij r:'" I:, Ió.',.~'.'111 ...•. ~ ~I..•• ,•• i ""'"~111:- I,..; ijl~ :,,,,., ~.1.,,'.'.~" 'li": ',. "" ~',i"'<il !~,".,;" !I:~:::lt' li:";"I~· ~,.:".,II~"'· \j " ~. )'~i I ,..; ""~ _I I~i ::;..: ~ ~iI: f: ~'~I ~:~\, .I!:"; 'i I~ " I' li I:'I': ," assumir na data prevista.ê" As negociações finais. para a renúncia de Vargas foram conduzidas pelo general Cordeiro de Farias e ilustra a preocupação dos militares de que os meios de comunicação permanecessem abertos entre todos os protagonis- tas. O general Cordeiro de Farias foi escolhido para esta tarefa porque fora um dos membros do comando da Força Expedicionária Brasileira (FEB) e mantinha boas relações com as três principais figuras envolvidas na crise: o brigadeiro Eduardo Gomes, candidato à presidência pelo partido da oposição; o general Outra, candidato do governo; e o próprio Vargas. Como comentou Cordeiro de Farias: Fui porque era extremamente íntimo de todos eles. Gomes era meu irmão desde os dias da revolta tenentista de 1922, e Outra e eu havíamos colaborado j untos no Exército nas décadas de 1930 e 1940. Quanto a Vargas, eu trabal hava com ele desde a revolução de 1930. Gostava dele e respeitava-o e foi por isso que aceitei o encargo.!? Em 1954, novamente os parãmetros da ação militar foram claramente definidos em conversas privadas e em declarações públicas, por exemplo, através dos editori- ais. Estava claramente implícito que os militares deveriam supervisionar a transferên- cia do poder do presidente Vargas ao vice-presidente Café Filho. Em violenta reunião realizada no Clube Militar, no Rio de janeiro, a 14 de agosto, discutiu-se horas a fio qual deveria ser a atitude dos militares na crise. Finalmente, foi aprovada uma resolução emocional, apoiada amplamente pelos oficiais inferiores, na qual se exigia a renúncia imediata do presidente. Num famoso discurso, juarez Távora, vice-presidente do Clube Militar e comandante da Escola Superior de Guerra, derru- bou esta resolução, argumentando que, primeiramente, deveriam ser tomadas todas as medidas legais possíveis pelos militares, e que os oficiais inferiores deviam deixar a direção da crise a seus superiores hierárquicos. Enfatizou ainda que os militares somente deveriam agir com calma e com unanimidade. Reconhecendo que o presi- dente ainda contava com alguns partidários poderosos entre os militares, Távora alertou a compacta audiência que uma das coisas mais importantes era evitar que "irmãos de armas se matassem entre si".58 Somente depois de mais oito dias de contínuas reuniões entre líderes militares e civis, 27 generais importantes do Exército redigiram um manifesto formal, onde explicavam as bases da crise e anunciavam sua intenção de tomar algumas medidas: Os abaixo assinados ... conscientes de seus deveres e responsabilidades perante a Nação ... declaram julgar, em consciência, como melhor carr-inho para tran- q úilizar o povo e manter unidas as Forças Armadas, a ren úncia do atual Presi- dente da República, processando-se a sua substituição de acordá com os pre- ceitos constitucionais."? Inúmeros observadores, procurando comparar o movimento de 1'.J54 contra Vargascom o contramovimento constitucional de 1955, falaram dos diferentes grupos de oficiais envolvidos em cada caso. Isto cria uma imagem de polarização que não existia entre os oficiais. Em 1954, os militares agiram somente depois que havia 5ó Para detalhes deste acordo, cI. Coutinho, O General Coe s Dc p oc , pp. 441-469; José Cao. Outra (Sào Paulo; Instituto Progresso Editorial, 1949), pp. 240-245; e Nabuco, A Vida de Vlrgí/lo de Meio Franco. pp. 192-195. 57 Entrevista, Rio de janeiro, 14 de setembro de 1968. 56 Uma cópia do discurso encontra-se nos arquivos pessoais do marechal juarez Távora, e me foi mostrada por ele durante entrevista realizada no Rio de janeiro, em 8 de outubro de 1968. 59 Uma fotocópia do manifesto com todas as assinaturas encontra-se em Bento Munhoz da Rocha Neto, Radiografia de Novembro (Rio de Janeiro: Editora Civilizaçâo Brasileira, 1961), pp.118-119. 90 passado o perigo de polarização. Na verdade, muitos membros dos grupos suposta ou realmente contrários à deposição de Vargas assinaram, não obstante, o manifesto que anunciava a intenção de depor o presidente a fim de preservar a unidade militar. Assinaram o manifesto, embora mais tarde fossem considerados contrários ao movimento que se seguiu, o general Lott, líder do contramovimento de 1955, os generais José Machado Lopes e Pery Constant Bevilacqua, dois dos mais importan- tes generais que apoiaram o direito de Goulart à presidência em 1961, e o general Jair Oantas Ribeiro, Ministro da Guerra de Goulart em 1964.60 O constitucionalismo, ou apolítica nacional, estavam tão profundamente arraigados nestes oficiais que, sem dúvida, não teriam assinado o manifesto contra Vargas se não houvessem sido reconhecido s limites especificos à ação militar, ou seja, a intervenção militar se limitaria à transferência do poder político para o vice-presidente, segundo as normas constitucionais. O contragolpe de 1955, que visou a obstar quaisquer tentativas de impedir a posse dos vencedores das eleições presidenciais, resultou também de um planeja- mento cuidadoso. O plano militar fora elaborado cinco meses antes de ser posto realmente em prática. O general Lott, Ministro da Guerra, e o general Odilio Denys, comandante da Vila Militar, haviam organizado uma coalizão vitoriosa entre aqueles oficiais que estavam convencidos da obrigação de executar um golpe preventivo contra qualquer tentativa civil-militar de impedir a posse dos candidatos eleitos."! Quando se decidiu executá-Ia, o contragolpe já contava com o apoio dos principais comandantes de tropas do Rio de janeiro e de São Paulo.s- Imediatamente depois que foram dados os passos iniciais do golpe, o general Lott demonstrou sua conscién- cia da necessidade de um consenso sobre os limites da intervenção, quando convo- cou os presidentes do Senado, da Câmara dos Deputados e do Supremo Tribunal Federal e pediu-Ihes que "providenciassem a substituição legal do presidente Carlos luz estritamente de conformidade com a Constituição, porque não estamos dispostos a assumir o controle do poder civil. Não é este o nosso objetivo",63 A estrita limitação do papel moderador do Exército à deposição do presidente e a rápida validação do ato pelo Congresso tornaram menos viável qualquer resistên- cia por parte da Aeronáutica ou da Marinha. Assim, a aceitação desta limitação foi decisiva, em 1955, tanto para a formaçâo de uma coalizão de golpe, quanto para impedir qualquer resistência efetiva por parte dos oficiais da Marinha ou da Aeronáutica, Outra regra do jogo do padrão moderador era que os partidários do governo depostójíão fossem expurgados das Forças Armadas. Após os golpes de 1945,1954 e 1955, os elementos contrários aos movimentos foram, em geral, transferidos para postos distantes e sua promoção foi retardada. No entanto, por motivos que serâo analisados na Quarta Parte, esta norma foi violada após o movimento de 1964. A au- sência de expurgos tornava mais fácil a negociação dos movimentos. Os "partidá- rios" podiam concordar em não resistir se soubessem que sua posição como oficiais ou sua própria vida não correriam perigo por terem ficado do lado perdedor. A au- 6olbidem. 61 Uma descrição da forma como se organizou a coalizão e partes da ordem de operaçóes encontrarn-se na biografia de Lott, pelo rnajor Joffre Gornes da Costa, Marechal Henrique Lott (Rio de Janeiro: sern editor, 1960), pp. 279-313. 62 Podemos encontrar urna descrição da participação geral na decisão de executar o golpe e urna lista de todos os cornandantes de unidade do Exército que participararn da decisão, ern general Joaquirn Justino Alves Bastos, Encontro com o Tempo (Porto Alegre: Editora Globo, 1965), pp. 294-300. 63 Entrevista de Lott à revista Manchete, 19 de novembro de 1955, reproduzida em Joffre Gomes da Costa, Marechal Henrique l.ott , p. 301. 91 '~••• 111:::; ~t::~~ ;!~li::: :i lI" ~'.~.'.;.' :" ',;:1t i11""ffl'l, "~.,, ~~'i::::: ~ ,. ,f" ~ I" ".-" ~i;:::1t' r1::~;" ~ I ••,~:)", "~"":', f!!~ ', •• ..-.11 'II~II'''-~I rtl~ \::!It t: ;~: "~~:: f; !:~: ~I,~, li!~,10: :;j': i.! li' ..,.".! I1I~i'::; !il:\..'!.ii!., lir'if j<,! I! i~,i , i!i!i 'i" il"! I li' 1 ,1" ;1:"· 1 11 li ,I sência de tais regras na Nigéria e na Indonésia transformou os movimentos nesses países em conflitos sangrentos, com o assassínio dos perdedores. Um elemento extremamente importante que serviu para limitar o movimento à deposição do governo, em todos os movimentos realizados no Brasil entre 1945 e an· tes de 1964, fora a pouca convicção dos militares acerca de suas qualificações para governar o país. Em essência, até a década de 1960, a instituição militar br asil ei ra orgulhava.se de sua constitucionalidade. Esta crença nas formas constitucionais de governo estava fundamentada na confiança militar de que as crises podiam ser resolvidas efetivamente pelo retorno do governo ao controle cívil e pela escolha de um novo presidente, e na convicção de que os militares, em comparação com os civis, dispunham de baixo grau de legitimidade para assumir o poder. Realmente, um dos motivos principais do fracasso do movimento para impedir a posse de Kubitschek e Goulart, em 1955, foi que, do ato de recusa dos resultados eleitorais, deveria emergir um governo rivil-rnilitar , e muitos oficiais punham em dúvida a legitimidade de um regime de tal natureza. Um importante defensor deste ponto de vista foi o general Castello Branco. Em 19 de setembro de 1955, num discurso na Escola Superior de Guerra, ele questionava intensamente a capacidade ou a legitimidade dos militares para constituírem um "regime de exceção": Há quem argumente que a melhor maneira de os militares participarem da recuperação do país é intervir e assumir as rédeas do governo. Os mais sinceros afirmam que isto é necessário, tendo em vista a incapacidade das instituições políticas de resolver os problemas do país. Terão realmente as Forças Armadas capacidade política para assimilar as soluções dos problemas políticos e administrativos da nação? ( ... ) As Forças Armadas não podem, se pretendem ser fiéis à sua tradição, transformar o Bra- sil em outra republiqueta sul-americana. Se adotarmos este regime, ele entrará pela força, se manterá pela força e sairá pela forçaM Nào obstante, em 1964, os militares haviam decidido, de fato, estabelecer um "regime de exceção", o primeiro governo militar do Brasil no século XX. Por que ocorreu esta inversão de tudo aquilo que o presidente Castello Branco afirmara em 1955 e por que surgiu ele como líder do tipo de governo militar que criticara tão violentamente? Obviamente, para mudanças tão acentuadas no padrão das relações entre civis e militares que perdurara entre 1945 e 1964, devem ter sido intensamente questiona- das as crenças sobre as quais ele se baseava, tais como a capacidade dos civis de encontrar soluções para os problemas políticos e a dúvida dos prõprios militares quanto à sua capacidade de governar efetivamente. '" A cópia do discurso, "Os Meios 1\~i1itaresna Recuperação Moral do País", encontra-se no Arquivo do Marechal H. A. Castello Branco. 92 PARTE 111 A Ruptura do "Padrão Moderador" das Relações entre Civis e Militares e a Emergência do Governo Militar Nove dias depois da revolução de 31 de março de 1964, o Comando Supremo da Revol ução, formado pelos comandantes-chefes das três Forças Armadas, emiti u, unilateralmente, o Ato Institucional n.? 1. Nele se declarava claramente que o movi- mento revolucionário "depusera o governo anterior e se investia de poderes para formar um novo governo". Dizia ainda que a revolução não buscava legitimar-se através do Congresso, pois ela "se legitima a si rnesrna".! Com a autoridade de que se investira através desse Ato Institucional, o Comando Supremo da Revolução cumpriu a primeira das muitas etapas do processo de expurgo do sistema político. Em 10 de abril, publicava-se uma primeira lista, onde eram relacionados quarenta pa'rlamentares que tinham seus mandatos cassados e cem homens públicos, líderes sindicais, intelectuais e outros políticos, cujos direitos políticos eram suspensos por dez anos." No dia seguinte, 122 oficiais militares eram retorrnado s." Evidentemente, ao contrário dos golpes de 1930,1945,1954 e 1955, o movimento militar de 1964 não se limitou a depor um chefe de executivo; ao mesmo tempo os militares assumiram o poder político do país, indo além dos parãmetros do padrão moderador das relações entre civis e militares que predominaram durante todo o período anterior a 1945; o conjunto do sistema político sofrera uma "mudança radical", qu~ mergulhava suas raízesem profunda alteração da ideologia: os militares se dispunham a ser, não mais os moderadores, mas os dirigentes da política. Qualquer análise do contexto político e militar que sofre uma alteração radical como esta deve considerar tanto as forças internacionais quanto as nacionais. Dada a grande controvérsia sobre o papel dos Estados Unidos na deposição de Goulart, convém discutir o contexto internacional, antes de tentar qualquer análise dos outros aspectos que atuaram nessa mudança radical. No tocante ao papel norte-americano, dois pontos de vista sobressaem, diametralmente opostos. O primeiro afirma que o grande país do Norte representou a principal força por trás do movimento, posição resumida no titulo de um livro bastante lido no Brasil, O Golpe Começou em Washington.4 I Excertos do Ato Institucional de 9 de abril de 1964, no Diário Oficial. 2 Cf. DIário Oficial, 10 de abril, para alista dos 100 cassados. 3 Diário OficIal, 11 de abril de 1964. 4 Edmar Morei, O Golpe Começou em wesbrngtos, (Rio de Janeiro. Editora Civilização Brasileira, 1965) 93