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APG 03 - A estrela Dalva no céu desponta • Compreender a etiologia, fatores de risco, fisiopatologia, manifestações clínicas, diagnóstico e tratamento da osteomielite aguda e crônica. • Entender os mecanismos patogênicos das bactérias multirresistentes e seus tratamentos. (biofilme) Osteomielite É caracterizada como uma doença infecciosa que atinge o osso. Pode ser uma complicação de qualquer infecção sistêmica, mas normalmente se manifesta como um foco primário solitário da doença. Qualquer microrganismo pode causar essa doença, incluindo vírus, parasitas e fungos, porém os agentes mais comuns da osteomielite são certas bactérias piogênicas e micobactérias. A bactéria que mais frequentemente provoca osteomielite é a S. aureus, seguida pelos estreptococos do grupo A, e nos pacientes com anemia falciforme a osteomielite é provocada principalmente por Salmonella. A infecção óssea pode ocorrer por três vias: • inoculação direta, pós traumática ou pós cirurgica; • disseminação por contiguidade, por celulite por exemplo; • invasão hematogênica, que é mais comum em crianças. Osteomielite hematogênica aguda A osteomielite hematogênica aguda é uma doença fundamentalmente de crianças e, embora possa ocorrer em qualquer fase da vida e atingir qualquer osso do corpo, as metáfises de crescimento de ossos longos (tíbia e fêmur) são as mais envolvidas. O Staphylococcus aureus é o principal patógeno envolvido. Vários focos infecciosos iniciais são relatados, incluindo onfalites, infecções de pele, tonsilites e otites médias. No entanto, em quase metade dos pacientes com diagnóstico de osteomielite hematogênica, não se identifica a porta de entrada do processo. determinadas cepas do Staphylococcus aureus produtoras de tipos especiais de adesinas codificadas geneticamente têm maior potencial de aderência ao osso e às cartilagens articulares, contribuindo para a gravidade da evolução do caso. Osteomielite por contiguidade Sem insuficiência vascular generalizada O microrganismo pode ser diretamente inoculado ao osso no momento do trauma, ou devido a procedimentos intraoperatórios ou ser disseminado a partir de uma infecção de tecidos moles adjacentes. Vários fatores predisponentes podem estar envolvidos, como redução cirúrgica, fixação interna de fraturas, próteses, fraturas expostas e infecções crônicas de tecido mole. São identificados patógenos como o Staphylococcus aureus (mais encontrado) os bacilos gram- negativos e os anaeróbios. A infecção, em geral, ocorre num período de um mês após a inoculação. Com insuficiência vascular generalizada A maioria dos pacientes incluídos nessa situação tem diabetes melito. Os ossos dos pés são os mais envolvidos, em decorrência das alterações motoras e sensitivas que geram má distribuição de carga e úlceras de pressão. A infecção ocorre a partir dessas soluções de continuidade, agravada por perfusão vascular inadequada. O trauma local é outro fator predisponente de importância clínica pela incidência nos diabéticos com alterações de sensibilidade. Várias bactérias podem estar envolvidas, destacando-se os Staphylococcus coagulase-positivo e negativo, Streptococcus spp., Enterococcus spp., bacilos gram-negativos e bactérias anaeróbicas. Osteomielite pós tramática/operatória As osteomielites pós-traumáticas são provocadas, na maioria das vezes, pela implantação de bactérias por via direta no osso e classicamente representadas pela infecção na evolução das fraturas expostas ou pelas osteomielites pós- operatórias. Quanto às fraturas expostas, observa- se muitas vezes a contaminação pela microbiota intra-hospitalar resultante da manipulação pós- operatória. Um estudo multicêntrico americano demonstrou a importância de fatores predisponentes de infecção nas fraturas expostas. Os três principais fatores relacionados à infecção pós-fraturas expostas foram: fraturas tipos IIIb e IIIc, fraturas abaixo do joelho e o volume de sangue transfundido no atendimento inicial dos pacientes. Com menor importância, foram observados fatores anteriormente consagrados como: idade, tempo entre o ferimento e início da antibioticoterapia e/ou cirurgia. Os agentes etiológicos que predominam nas infecções pós-fraturas expostas são Staphylococcus aureus e bacilos gram-negativos. Osteomielite vertebral A coluna espinhal é o local mais comum de osteomielite em adultos. Tem, em geral, origem hematogênica, sendo que a rota arterial prevalece ao plexo venoso de Batson. A doença pode envolver duas vértebras próximas e um disco intervertebral. Os fatores de risco incluem o diabetes melito, cirurgias no trato urinário e o uso de drogas ilícitas por via venosa. Em hospedeiros imunocompetentes, o S. aureus é a bactéria mais identificada, enquanto em usuários de drogas a Pseudomonas aeruginosa é a mais encontrada. Pacientes em hemodiálise aparentemente apresentam risco maior de infecção por bactérias tanto gram-positivas como gram-negativas. A apresentação clínica mais comum em adultos caracteriza-se por dor lombar, enquanto crianças apresentam dificuldade para andar, sentar ou permanecer em pé. Fisiopatologia As alterações associadas à osteomielite piogênica dependem da fase (aguda, subaguda ou crônica) e da localização da infecção. Na fase aguda, as bactérias se proliferam e induzem uma reação inflamatória neutrofílica. A necrose das células ósseas e da medula ocorre nas primeiras 48 horas. As bactérias e a inflamação se espalham longitudinalmente e radialmente por todo o sistema de Havers até atingir o periósteo. Em crianças, o periósteo se encontra fracamente fixado ao córtex. Portanto, abscessos subperiósticos relativamente grandes podem se formar e ainda se estender por longas distâncias ao longo da superfície óssea. O deslocamento do periósteo prejudica ainda mais o suprimento de sangue para a região afetada, contribuindo para a necrose. O tecido ósseo morto é denominado sequestro. A ruptura do periósteo provoca a formação a um abscesso de tecido mole que pode canalizar para a pele, criando um seio de drenagem. Às vezes, o sequestro se desintegra, liberando fragmentos que atravessam o trato do seio. A inflamação, com infiltrado de neutrófilos, começa geralmente na região metafisária, talvez por ser a área mais vascularizada e porque os vasos são tortuosos e angulosos, resultando em estase. As bactérias penetram primeiro na parede vascular (vasculite), podendo formar-se trombos nos vasos intraósseos e, às vezes, até na artéria nutridora. Tais alterações levam a necrose e destruição do osso esponjoso e cortical. Se não tratada adequadamente, a inflamação purulenta metafisária propaga-se para o canal medular diafisário, aí permanecendo sob pressão durante certo tempo. Em seguida, destrói o endósteo e, através dos canais de Havers e de Volkmann, atinge a cortical externa, aflorando sob o periósteo. O periósteo se desloca e o pus se acumula entre este e a cortical, formando um abscesso subperióstico. Simultaneamente, ocorre neoformação óssea reacional (periostite ossificante). A partir do abscesso subperióstico, o pus pode propagar-se por toda a extensão da cortical óssea e causar necrose por compressão e trombose. Outra possibilidade é perfuração do periósteo e disseminação do pus para os tecidos moles, podendo formar fístulas que se abrem na pele (fístulas osteocutâneas). Em bebês (e de modo incomum em adultos), a infecção das epífises pode se espalhar através da superfície articular ou ao longo das inserções capsulares e tendoligamentares até a articulação adjacente, resultando em artrite séptica ou supurativa, a qual, por sua vez, pode causar destruição da cartilagem articulare incapacidade permanente. Após a primeira semana, as células inflamatórias crônicas secretam citocinas que estimulam a reabsorção óssea osteoclástica, o crescimento de tecido fibroso e a deposição de tecido ósseo reativo na periferia. O osso neoformado pode formar uma capa de tecido vivo, denominado invólucro, ao redor do segmento de osso infectado desvitalizado. Os achados histológicos da osteomielite crônica são mais proteicos, no entanto incluem tipicamente a fibrose da medula, sequestro e um infiltrato inflamatório de linfócitos e plasmócitos. Osteomielite Micobacteriana No geral, aproximadamente de 1% a 3% dos indivíduos com tuberculose pulmonar ou extrapulmonar desenvolvem infecção óssea. Os microorganismos geralmente são disseminados por meio da corrente sanguínea e são provenientes de um foco de doença visceral ativa durante os estágios iniciais da infecção primária. A disseminação direta (p. ex., a partir de um foco pulmonar para uma costela ou dos linfonodos traqueobrônquicos para as vértebras adjacentes) também pode ocorrer. A infecção óssea pode persistir por anos até ser diagnosticada. Tipicamente, os indivíduos afetados apresentam dor localizada, febre baixa, calafrios e perda de peso. A infecção geralmente é isolada exceto em indivíduos imunocomprometidos. Os achados histológicos, constituídos por necrose caseosa e granulomas, são típicos da tuberculose. A osteomielite micobacteriana tende a ser mais destrutiva e resistente ao controle terapêutico do que a osteomielite piogênica. A espondilite tuberculosa (mal de Pott) é uma infecção destrutiva das vértebras. A coluna vertebral está envolvida em 40% dos casos de osteomielite micobacteriana. A infecção atravessa os discos intervertebrais, afetando muitas vértebras e se estendendo até os tecidos moles. A destruição dos discos e vértebras frequentemente provoca fraturas por compressão permanentes, as quais resultam no desenvolvimento de escoliose ou cifose, além de déficits neurológicos secundários à compressão da medula espinal e dos nervos. Forma crônica da osteomielite O momento exato da transição da fase aguda para a fase crônica da osteomielite é determinado pela formação de osso necrosado por isquemia, o que na prática é difícil de se identificar, sendo considerado por alguns autores 48 horas após a infecção inicial, mas o mais relevante é que o diagnóstico seja realizado e o tratamento iniciado antes de surgir necrose óssea e invasão periosteal. O principal problema da infecção crônica de osso é a persistência prolongada de microrganismos patogênicos. O Staphylococcus aureus é o agente mais isolado, mas outros organismos como os gram-negativos e anaeróbios, são cada vez mais relatados. Em 1/3 dos casos há mais de um agente envolvido. Pacientes com osteomielite crônica apresentam insuficiência da imunidade mediada por célula, da fagocitose neutrofílica e da capacidade de morte microbiana. A desnutrição crônica, o diabetes descompensado e a presença de outras comorbidades são frequentemente associados ao processo infeccioso crônico. Alguns fatores locais, como alterações da pele e do te-cido mole, a presença de escaras e de ulcerações crônicas, a falta de irrigação e oxigenação dos tecidos favorecem a cronicidade do processo. Em cerca de 25% dos casos, a osteomielite aguda não regride espontaneamente e persiste como uma infecção crônica, o que ocorre em pacientes imunodeprimidos ou quando o diagnóstico é tardio, quando há necrose extensa ou tratamento inadequado. Além da artrite séptica, a osteomielite também pode complicar com fratura patológica, amiloidose secundária, endocardite, sepse e até desenvolvimento de carcinoma de células escamosas no trato sinusal e sarcoma no osso infectado. Manifestações clínicas É recomendado que pacientes com suspeita de osteomielite sejam internados em ambiente hospitalar com urgência, pois a rápida evolução e potenciais sequelas sendo necessário concretizar o diagnóstico o mais rápido possível. O paciente com osteomielite apresenta frequentemente antecedente de infecção, febre de intensidade variável. A osteomielite hematogênica pode se manifestar como uma doença aguda sistêmica, com mal estar, febre, calafrios, leucocitose e dor intensa sobre a região afetada. O paciente, no entanto, pode apenas apresentar febre inexplicada, principalmente lactentes ou uma dor localizada na ausência de febre em adultos. Normalmente é acometido apenas 1 osso. A dor, provocada pela hiperemia tecidual e aumento da pressão intraóssea, geralmente é a primeira queixa do paciente com osteomielite aguda e aumento progressivo da intensidade com o passar das horas. A característica dessa dor é a resistência a analgésicos comuns. Com o tempo, o paciente perde o apetite e diminui as atividades habituais. O edema surge nos primeiros dias e se torna mais volumoso com o tempo. Em recém-nascidos (RNs), é comum a intensa irritabilidade, dor à palpação na região acometida e pode ocorrer pseudoparalisia. RNs também podem apresentar baixa elevação da temperatura devido ao fato de ainda não possuírem o sistema imunológico bem desenvolvido. Crianças com até um ano de idade podem cursar com dor e impotência funcional, que impossibilita colocar os pés no chão. Há ainda edema e abscesso subperiostal, que pode ser observada em radiografias. Pacientes em idade escolar/adolescentes apresentam sinais e sintomas focais, localizando com maior precisão o ponto doloroso. Nesses pacientes, a lesão raramente atravessa o córtex ósseo justamente pela maior facilidade de diagnóstico precoce. Diagnóstico Os exames complementares para diagnóstico de osteomielite incluem hemograma, punção óssea e exames de imagem, basicamente. O hemograma de paciente com osteomielite geralmente apresenta leucocitose característica de infecção aguda nos primeiros dias da doença. Com a evolução da doença, quase sempre há desvio à esquerda e posteriormente pode surgir anemia e baixa hemoglobina. O VHS aparece elevada desde o início da infecção, normalmente em valores superiores a 15 mm na primeira hora, e constitui em um critério laboratorial de cura quando aparece normalizado. Também podem ser realizados PCR e hemocultura, que costuma ser positiva em 40 a 50% dos casos e por isso deve ser utilizada como um recurso auxiliar. Entretanto, recém-nascidos podem não demonstrar as alterações clássicas do hemograma de um processo infeccioso característico em crianças maiores e adolescentes. Na punção óssea, a cultura é positiva em 70 a 80% dos casos e deve ser realizada antes da administração de antibióticos. Quando é aspirado pus já se pode confirmar o diagnóstico de osteomielite. OBS... O VHS analisa a velocidade de sedimentação das hemácias, sendo um exame muito importante para detecção de processo inflamatório ou infeccioso. Este teste mede a taxa de separação dos glóbulos vermelhos e brancos da amostra sanguínea no período de uma hora, e nos casos em que há processo inflamatório ativo, a VHS é elevada pois os mediadores inflamatórios induzem a produção de proteínas de fase aguda pelos hepatócitos, como o fibrinogênio, que neutraliza as cargas de ácido siálico das hemácias, tornando “mais fácil” a separações entre os eritrócitos e leucócitos. Os valores normais de VHS para mulheres após uma hora é de 10 mm, para homens até 8mm e em crianças os valores variam de 3 a 13mm/h. Entretanto a principal forma de diagnóstico é clínica a partir dos sintomas e sinais apresentados e correlacionados com os antecedentes médicos. Nos primeiros 5 a 7 dias, não é possível identificar alterações ósseas pelo raio-X, apenas podem ser observadas edema de partes moles e infiltração local de exsudato e porose ou desmineralizaçãoóssea metafisária, seguida de necrose óssea. A radiografia se apresenta alterada após 7 e/ou 10 dias de infecção e após 2 semanas aparece lesão periosteal e lítica, ou seja, podem ser observadas áreas de destruição óssea. A ressonância magnética é a técnica de imagem mais sensível e diagnóstica para identificar a osteomielite porém não é um exame de rotina, sendo solicitada em casos de dúvida no diagnóstico e como diagnóstico diferencial. A qualidade da imagem desse exame é excelente especialmente das partes moles adjacentes ao osso. Na ostiomielite crônica, a radiografia normalmente é suficiente para estabelecer o diagnóstico, a qual apresenta um aspecto característico de periostite, invasão de partes moles, desmineralização óssea ao redor da área comprometida e extensão do osso necrosado ou sequestro ósseo. Entre os diagnósticos diferenciais de osteomielite, além da artrite séptica, que é o principal diagnóstico diferencial, há também a gota, que pode gerar um quadro de edema e hiperemia semelhante, porém é muito raro em crianças, visto que é uma doença associada ao acúmulo de cristais de ureia. O tumor de Ewing também pode causar febre, com dor intensa e edema, e nas radiografias pode ser confundido com osteomielite durante a fase de periostite. Tratamento Mecanismos patogênicos das bactérias multirresistentes Os biofilmes são comunidades bacterianas tridimensionais complexas que vivem organizadas e aderidas a uma superfície biótica (como tecidos vivos) ou abiótica (como superfícies de dispositivos médicos, como cateteres, próteses e implantes). Podem ser compostas por uma ou por múltiplas espécies de microrganismos. Essas comunidades bacterianas formam uma matriz exopolimérica, também conhecida como matriz extracelular, que é composta por polissacarídeos, proteínas e DNA. Assim como outras comunidades, os biofilmes se desenvolvem gradativamente e passam por 5 estágios: 1. Agregação: fixação das bactérias na superfície. Depende de diversos fatores como disponibilidade de nutrientes e temperatura. 2. Multiplicação: as bactérias emitem sinais para multiplicação e agregação de mais células. Os sinais também induzem a produção de substâncias poliméricas extracelulares (do inglês, EPS), que neste estágio corresponde a 90% da biomassa do biofilme. 3. Estabilização do biofilme: DNA extracelular, adesinas, proteínas estruturais estabilizam a matriz. Água ~ nutrientes são retidos. 4. Maturação completa do biofilme: matriz espessa e estável protege as bactérias de agressões externas, como imunidade inata e antibióticos. 5. Dispersão: após alguns dias, algumas das células da população do biofilme deixam a colônia para atingirem um novo sítio de infecção. Por fim, no centro das colônias, as bactérias se encontram em estado de baixo metabolismo, e dificultam a ação de determinados antibióticos. Com isso, o biofilme se torna uma estratégia muito bem sucedida para sobrevivência das bactérias, o que pode explicar a maior resistência destas em infecções crônicas do que nos quadros agudos. A formação de biofilme por bactérias pode ser considerado um modo de proteção adotado pelos organismos para superar o estresse ambiental, além de ser um mecanismo de proteção contra o anticorpo e da resposta fagocítica do hospedeiro. Os biofilmes podem ser formados em dispositivos implantados, como cateteres urinários e venosos e, devido à sua presença, o tratamento de pacientes com infecções da corrente sanguínea associada a cateter muitas vezes não tem sucesso. Biofilmes de bactérias são mais resistentes ao tratamento antimicrobiano, quando comparado com outras bactérias.