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1 UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS LINGUÍSTICOS MEL010 - Variação, Mudança Linguística e Ensino Docente: Franciane Rocha Discente: Matheus de Araujo Azevedo TAGLIAMONTE, Sali A. Social Patterns. In: TAGLIAMONTE, Sali A. Variationist sociolinguistics: change, observation, interpretation. Oxford: Wiley-Blackwell, 2012. p. 25-70. O segundo capítulo do livro “Variationist Sociolinguistics: change, observation, interpretation”, intitulado “Social Patterns” tem por objetivo a análise dos princípios básicos que regem os fatores não-linguísticos no escopo de investigação da Teoria da Variação e da Mudança Linguística, postulada por William Labov na década de 1960. Para isso, a autora aborda alguns tópicos de fatores sociais, adotados metodologicamente para a explicação do condicionamento social dos processos de variação e mudança linguística. O primeiro tópico abordado é o fator classe social, que pressupõe a variação de certas formas linguísticas, sendo algumas mais usadas por classes sociais mais privilegiadas, menos privilegiadas ou pelas intermediárias. Labov propõe que, em estudos sociolinguísticos que almejem controlar essa variável, uma divisão hierárquica de, no mínimo, quatro seções deve ser feita, embora outros estudos já tenham sido conduzidos utilizando uma divisão binária entre classe-média vs. classe trabalhadora, por exemplo. Tal divisão deve confirmar que a avaliação social de uma variante linguística sempre favorecerá aquela que é falada pelos falantes de classes sociais mais elevadas, as mais altas na hierarquia, num claro reflexo da estrutura social como um todo. A divisão que apresenta um alto grau de discrepância entre as frequências de uso de formas linguísticas por falantes de classes sociais mais elevadas e as menos elevadas é chamada de Sharp Stratification, ou estratificação acentuada, contrastando com a Gradient Stratification, ou estratificação em declive, que apresenta um padrão menos acentuado de divergência na variação entre as classes sociais, embora mantenha a hierarquia dos condicionamentos socioeconômicos intacta. Na sequência, o tópico sexo (ou gênero) estabelece que a diferenciação entre homens e mulheres é um dos padrões sociolinguísticos mais óbvios e distintivos. Em vários estudos linguísticos, havia sido consistentemente observado que as mulheres tenderiam a exibir maior sensibilidade às formas linguísticas socialmente avaliativas, demonstrando uma maior consciência das normas de prestígio e produzindo formas linguísticas mais próximas da norma- padrão ou com maior prestígio em comparação com os homens. Algumas explicações possíveis 2 para esse padrão recorrem a fatores biológicos (como a habilidade linguística superiormente inata das mulheres em relação aos homens), padrões culturais, valorização inconsciente às características linguísticas das classes trabalhadoras por parte dos homens, tentativas de compensar a baixa posição social imposta para as mulheres, bem como normas e dinâmicas sociais de socializações diferentes. É claro que essas generalizações são simplificações, logo, trabalhos que entrecruzam fatores internos às falas das mulheres exclusivamente conseguem vislumbrar de maneira mais eficaz as nuances dos contrastes. O registro da fala e as escolhas estilísticas também possuem uma forte ligação com a variação e a mudança linguística, uma vez que servem como índices marcadores de uso de formas prestigiadas ou menos prestigiadas em diferentes contextos de uso, sejam eles formais ou informais. A autora ressalta que os fatores de estilo têm a ver com o repertório linguístico individual de um falante e suas opções de uso, enquanto o registro refere-se à atuação de um indivíduo em diferentes contextos e o monitoramento de seu comportamento linguístico frente às pressões sociais no momento da enunciação comunicativa. No que diz respeito a mobilidade espacial e mobilidade de classe, é importante demarcar a importância do local para a variação e a mudança linguística, seja ele um local geográfico ou social. A mobilidade geográfica, em oposição ao isolamento linguístico, causa mudanças na fala de pessoas, fazendo com que o indivíduo possa soar mais como pessoas de lugares diferentes de seu lugar de origem. Na mesma linha de raciocínio, os processos de ascensão/declínio de classes sociais podem causar processos de variações e mudança, uma vez que alterações de ciclos sociais podem exigir adequações linguísticas e imitação de formas variantes, por meio do contato. A autora traz, ainda, que a mobilidade se dá de maneiras diferentes em homens e mulheres: eles orientam-se mais pelas normas locais, enquanto elas demonstram uso de mais recursos linguísticos, inclusive externos à sua realidade sociolinguística. As comunidades de prática diferenciam-se das comunidades de fala, unidades básicas para a investigação de padrões sociolinguísticos. O objetivo da maioria das análises sociolinguísticas em comunidades de fala é categorizado, majoritariamente, em torno de grupos da macroestrutura social, como classe social e fatores socioeconômicos, mas são nas redes sociais que os falantes produzem e praticam diferentes usos linguísticos e reações subjetivas para essa rede de comunicação verbal. A adoção de uma metodologia que estude grupos de prática concentrada pode ser uma ótima ferramenta descritiva para o estudo da norma. Esses 3 grupos podem ser menores e mais coesos, como entre colegas de firma, ou grande e esparso, como membros de uma mesma comunidade de minoria social num mesmo espaço geográfico. Partindo dessa formulação de variação condicionada por fatores culturais, ou seja, fatores que ultrapassam fatores naturais, a cultura étnica do falante é um aspecto relevante de observação, sobretudo em comunidades de fala formadas por contato entre povos de diferentes ancestralidades, muitas vezes em contextos colonizatórios. Assim, como forma de marcar a identidade cultural de uma comunidade de falantes, certas características linguísticas carregam traços que denotam a etnicidade. Nesses casos, uma comunidade étnica usará uma variante, enquanto a comunidade geral de falantes daquela língua usa outra. A autora atribui à ocorrência dos padrões identificados na variação duas hipóteses: a primeira é a possibilidade de transplantação de propriedades estruturais das línguas ancestrais de seus povos para a língua do poder; a segunda possibilidade é uma marcação identitária comum aos membros do mesmo grupo étnico, que culminaria numa nova variedade ou dialeto com normas próprias, em função da convergência na direção de processos de mudança que ocorrem no interior do grupo. Se as interações provocam variação, resultando na mudança, isso significa que a TV e outros instrumentos de mídia de massas podem impactar uma norma? Não, de acordo com os estudos realizados em comunidades de fala americanas reunidos e trazidos pela autora. Entende-se que a influência linguística, especialmente no sentido fonológico, se dá ao nível das relações humanas. Contudo, é um erro descartar as possibilidades da alta exposição a novas formas de comunicação veiculadas pelas mídias, a exemplo da palavra nerd, emergente na Escandinávia por influência dos filmes norte-americanos no país, e tantas outras contribuições lexicais, cuja exposição foi ampliada a partir do aumento da frequência de uso global da internet, substituindo a televisão e as mídias impressas. O fator faixa etária está intimamente ligado ao uso da língua. Para entender como o tempo age sobre a fala de pessoas nascidas em diferentes momentos, há dois tipos cruciais de análises: uma análise diacrônica, observando a variação de um fenômeno no devir temporal, ou observando a mudança em tempo aparente pelo comportamento linguístico de falantes de diferentes gerações em um mesmo espaço de tempo.É na mudança geracional que o falante adquire de seus pais/responsáveis frequências características, reorganiza esse sistema durante a adolescência e estabiliza-o no início da fase adulta. Convém destacar que, quando observamos diferenças linguísticas entre grupos de diferentes idades em um determinado momento, isso não significa necessariamente que uma mudança geracional na língua está ocorrendo; em vez disso, pode ser simplesmente o reflexo de diferenças de uso por faixas etárias distintas. 4 Um outro ponto destacado no tópico é o fato de que de uma norma mais próxima do padrão alcança o seu ápice durante a fase adulta, período em que as pessoas enfrentam uma pressão social máxima de conformidade para integração na sociedade e no mercado de trabalho. Posteriormente, na terceira idade, pode haver um afrouxamento desse monitoramento, possibilitando o ressurgimento das formas menos prestigiosas na fala dos mesmos falantes. Assim, considerando a variação e seus mecanismos subjacentes, os tipos de mudança que podem resultar dos fatores sociais levantados no texto são os seguintes: (1) o modelo de mudança por árvore genealógica, que considera as línguas como descendentes de estágios anteriores da mesma língua ao longo do tempo, e o modelo de ondas, que sugere que as novas características de uma língua se espalham a partir de um impacto em seu ponto central, como a formação de ondas quando um corpo se choca com a água; (2) A mudança de baixo para cima é um desenvolvimento natural e espontâneo que ocorre de dentro do próprio sistema, enquanto a mudança de cima para baixo é a importação de traços de fora da comunidade linguística de maneira consciente e socialmente motivada; (3) a origem da mudança linguística ainda pode ser uma deriva natural, surgindo de dentro do sistema, ou induzida pelo contato externo, influenciada por fatores geográficos, sociais e culturais; (4) o nivelamento dialetal envolve a redução de variantes marcadas por meio da difusão geográfica e da acomodação entre falantes de diferentes dialetos; (5) existe uma oposição entre mudança guiada por transmissão, que ocorre devido à aquisição da língua pelos filhos, perpetuando a variedade, e por difusão, que envolve a influência de uma comunidade sobre a outra, promovendo descontinuidade de propriedades gramaticais; (6) para os níveis de gramática, a idade dos transmissores torna-se crucial, com crianças sendo melhores na aquisição de novas formas linguísticas do que adultos, indicando que a aquisição bem sucedida de padrões complexos requer transmissão geracional contínua; e, (7) por fim, é importante considerar o estágio de desenvolvimento de uma mudança linguística ao interpretar padrões de variação ao longo do tempo, variando de incipiente a quase completa, com diferentes associações sociais em cada fase. Finalmente, entende-se que padrões linguísticos podem revelar influências externas/sociais ou processos internos da língua, fornecendo pistas importantes sobre a natureza da mudança linguística. A regularidade dos resultados em muitos estudos e contextos diferentes pode levar à formulação de uma série de generalizações importantes. Este capítulo consolidou essas generalizações.
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