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MATERIAL DIDÁTICO 1 - CONSTITUCIONALISMO

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Prévia do material em texto

Souza Neto,Cláudio Pereira de; Sarmento,Daniel. Direito constitucional: teoria, história e 
métodos de trabalho (Locais do Kindle 2000-2137). Edição do Kindle. 
 
 
CONSTITUCIONALISMO TRAJETÓRIA HISTÓRICA E DILEMAS CONTEMPORÂNEOS1 
 
 2.1 Introdução 
 
A ideia de Constituição, tal como a conhecemos hoje, é produto da Modernidade, sendo 
tributária do Iluminismo e das revoluções burguesas dos séculos XVII e XVIII, ocorridas na 
Inglaterra, nos Estados Unidos e na França.1 Ela está profundamente associada ao 
constitucionalismo moderno, que preconiza a limitação jurídica do poder político, em favor 
dos direitos dos governados. Não obstante, fala-se também em constitucionalismo antigo e 
em constitucionalismo medieval, para aludir a determinadas concepções sobre o poder 
político existentes na Antiguidade greco-romana e na Idade Média.2 Evidentemente, o 
constitucionalismo e as concepções sobre a Constituição que lhe são subjacentes têm variado 
bastante ao longo do tempo, influenciadas pelas profundas mudanças sociais, políticas e 
econômicas que vêm ocorrendo no mundo. Por isso, e pela sua importância central nos 
domínios do Direito, da Política e da Filosofia, a Constituição tem sido objeto privilegiado de 
estudo no âmbito da História dos Conceitos.3 O presente capítulo dedica-se à análise da 
trajetória histórica do constitucionalismo. Faremos aqui apenas um breve registro sobre o 
constitucionalismo antigo e medieval, dirigindo as nossas atenções sobretudo ao fenômeno 
constitucional na Modernidade. Serão apresentados os três principais modelos de 
constitucionalismo moderno que foram o inglês, o francês e o norte-americano. E 
analisaremos, também, dois processos históricos distintos, ambos fundamentais no 
conhecimento das bases históricas e teóricas da nossa disciplina: a evolução do 
constitucionalismo liberal em direção ao constitucionalismo social, com a ampliação das 
tarefas do Estado e das constituições; e a mudança na concepção de Constituição, que, de 
 
 
proclamação política dirigida aos poderes públicos, desprovida de efeitos normativos, foi se 
tornando autêntica norma jurídica, cujas violações sujeitam-se ao controle judicial. O capítulo 
se encerra com uma breve discussão sobre a crise contemporânea do constitucionalismo 
estatal, decorrente da erosão da soberania do Estado, no contexto da globalização, e a 
possibilidade de construção de constitucionalismos em outras esferas, como a internacional, 
a regional e a societal. As especificidades da evolução do constitucionalismo no Brasil serão 
examinadas nos dois capítulos seguintes. 2.2 O constitucionalismo antigo e medieval Na 
Grécia, entre os séculos VI e IV a.C., floresceram algumas ideias e instituições que podem ser 
vistas como correspondentes a um modelo antigo de constitucionalismo. Na polis grega 
vigorou, durante certo período, a democracia direta, por meio da qual os cidadãos, sem 
intermediários, deliberavam em assembleias (ecclesia) reunidas em praça pública (ágora) 
sobre os principais assuntos de interesse geral. Esta participação política era restrita aos 
homens livres, sendo excluídas as mulheres, os escravos, os estrangeiros e seus descendentes 
(os metecos).4 Havia ainda funções públicas, exercidas por magistrados, muitas vezes 
escolhidos por sorteio entre os cidadãos, para mandatos curtos, que se subordinavam 
plenamente às deliberações das assembleias. A organização política da polis era chamada 
de politeia, expressão que muitos traduzem como Constituição. Tratava-se, todavia, de um 
conceito ora empírico, que designava a forma de ser da comunidade política,5 ora ideal, que 
indicava um modelo a ser seguido para a realização do bem comum, mas que não se revestia 
de um conteúdo propriamente jurídico, que caracteriza a Constituição em sentido moderno, 
vista como norma de hierarquia superior, reguladora do processo político e das relações entre 
indivíduos e Estado.6 Havia na Grécia um regime político que se preocupava com a limitação 
do poder das autoridades e com a contenção do arbítrio.7Contudo, esta limitação visava antes 
a busca do bem comum do que a garantia de liberdades individuais. A liberdade, no 
pensamento grego, cingia-se ao direito de tomar parte nas deliberações públicas da cidade-
Estado, não envolvendo qualquer pretensão à não interferência estatal na esfera pessoal. Não 
se cogitava na proteção de direitos individuais contra os governantes, pois se partia da 
premissa de que as pessoas deveriam servir à comunidade política, não lhe podendo antepor 
direitos de qualquer natureza.8 Tal concepção se fundava numa visão organicista da 
comunidade política: o cidadão não era considerado em sua dignidade individual, mas apenas 
como parte integrante do corpo social.9 O cidadão virtuoso era o que melhor se adequava aos 
padrões sociais, não o que se distinguia como indivíduo.10 A liberdade individual não era 
objeto da especial valoração inerente ao constitucionalismo moderno. Em Roma, tampouco 
se cogitava de constitucionalismo em sentido moderno, como fórmula de limitação do poder 
político em favor da liberdade dos governados. Sem embargo, algumas instituições do período 
republicano romano já prenunciavam a concepção moderna de separação dos poderes, 
notadamente a sua repartição por instituições como o Consulado, o Senado e a Assembleia, 
representativas de estamentos diferentes da sociedade, de forma a propiciar o equilíbrio 
entre deles.11 Tratava-se da ideia de governo misto, advogada por pensadores como Políbio 
e Cícero, que também se prestava à finalidade de moderação do poder político.12 Por outro 
lado, embora não tenha ocorrido na Roma Antiga o desenvolvimento de uma doutrina de 
direitos individuais similar a que se cristalizou na Modernidade, a concepção então vigente já 
não demandava, como na Grécia, a absoluta submissão do indivíduo à coletividade. De fato, 
já despontava ali a valorização da esfera individual e da propriedade, concomitante à 
sofisticação do Direito Privado romano e ao reconhecimento de direitos civis ao cidadão de 
Roma, como o direito ao casamento (jus connubium), à celebração de negócios jurídicos (jus 
commercium), à elaboração de testamento (faccio testamenti) e à postulação em juízo (legis 
acciones).13 Já a Idade Média, que se inicia com a queda do Império Romano, correspondeu 
a um período caracterizado pelo amplo pluralismo político. Não havia qualquer instituição que 
detivesse o monopólio do uso legítimo da força, da produção de normas ou da prestação 
jurisdicional. O poder político fragmentara-se por múltiplas instituições, como a Igreja, os reis, 
os senhores feudais, as cidades, as corporações de ofício e o Imperador, sem que houvesse 
qualquer divisão clara de competências entre elas, nem uma supremacia inconteste de 
qualquer uma. Não existia nada semelhante ao Estado Moderno, titular de soberania no 
âmbito do seu território. Naquele quadro, não havia como cogitar-se em Constituição no 
sentido moderno. Porém, essa própria dispersão do poder, ao limitar cada um dos seus 
titulares, é tida por autores como Maurizio Fioravanti como um componente do 
constitucionalismo medieval.14 Por outro lado, é no final da Idade Média que se desenvolve 
uma ideia que antecipa, em alguns aspectos, o constitucionalimo moderno. Surgiram pactos, 
celebrados entre reis e certos estamentos sociais superiores, que reconheciam aos 
integrantes desses estamentos certos direitos e prerrogativas, erigindo limitações jurídicas ao 
exercício do poder político. Destes pactos estamentais, o mais conhecido é a Magna Carta, 
firmada em 1215 na Inglaterra pelo Rei João Sem Terra, pelo qual esse se comprometia a 
respeitar determinados direitos dos nobres ingleses. O Rei se obrigava, por exemplo, a não 
criar novos tributos sem prévia autorização dos nobres, concedida em assembleia, obtendo, 
como contrapartida, o reconhecimento do seu poder.15 A esses pactos faltava,contudo, a 
universalidade que caracteriza as constituições modernas, uma vez que eles não reconheciam 
direitos extensivos a todos os cidadãos, mas apenas liberdades e franquias que beneficiavam 
os estamentos privilegiados. 2.3 O constitucionalismo moderno O constitucionalismo 
moderno sustenta a limitação jurídica do poder do Estado em favor da liberdade individual. 
Ele surgiu na Modernidade, como forma de superação do Estado Absolutista, em que os 
monarcas não estavam sujeitos ao Direito16 — eram legibus solutos. Alguns 
desenvolvimentos históricos foram essenciais para o surgimento do constitucionalismo 
moderno, como a ascensão da burguesia como classe hegemônica; o fim da unidade religiosa 
na Europa, com a Reforma Protestante; e a cristalização de concepções de mundo 
racionalistas e antropocêntricas, legadas pelo Iluminismo. O Absolutismo exerceu um papel 
fundamental na formação do Estado moderno e no estabelecimento das bases que 
permitiram o desenvolvimento da economia capitalista. Na Idade Média, havia a convivência 
de ordenamentos jurídicos particulares, como os das corporações de ofício e dos feudos, com 
ordenamentos jurídicos com pretensões universalistas: o direito romano e o direito canônico. 
A fragmentação verificada no período medieval era um obstáculo grave ao desenvolvimento 
das forças econômicas emergentes. Cada feudo tinha suas próprias regras jurídicas, sua 
própria moeda, seu próprio sistema de pesos e medidas. O pluralismo impedia a expansão do 
comércio, reduzindo os limites dos mercados. A partir da organização dos Estados modernos, 
a pluralidade de fontes de produção normativa cede lugar ao ordenamento jurídico estatal. O 
Estado moderno se construiu tanto em luta contra as organizações políticas menores, no 
sentido da unificação do poder, quanto em luta contra a Igreja, com o intuito de obter a 
secularização do poder político. A anterior situação de pluralismo jurídico é substituída pelo 
monismo, com a monopolização da produção normativa pelo Estado.17 Não por coincidência 
um dos principais teóricos do absolutismo, Thomas Hobbes, justifica a centralização do poder 
por meio de pressupostos modernos e individualistas. Para sair do “Estado de Natureza”, que 
é por ele considerado como um estado de guerra de todos contra todos, os indivíduos abrem 
mão de toda a sua liberdade, por meio do contrato social, em favor do Estado. Na obra de 
Hobbes, o contrato social somente pode consistir numa doação quase total e incondicionada 
de cada um ao soberano. O direito é produto da autoridade do soberano e não das leis da 
natureza: autoritas non veritas facit legem. Não importa o conteúdo do ato normativo, deve 
ele ser considerado válido, desde que tenha emanado do soberano.18 Porém, realizada a 
centralização da produção normativa pelo Estado absolutista, o poder ilimitado dos 
governantes que o caracterizava passou a significar um entrave para a continuidade do 
desenvolvimento do capitalismo: a burguesia emergente pretendia proteger a liberdade, a 
propriedade e os contratos também do eventual arbítrio dos governantes. Emerge a noção de 
que também os governantes deveriam se submeter a ordenamentos jurídicos providos de 
estabilidade e racionalidade. Daí a plena convergência entre os interesses da classe econômica 
ascendente — a burguesia — e o ideário do constitucionalismo, de contenção do poder estatal 
em favor da liberdade individual. Por outro lado, com o fim da unidade religiosa no continente 
europeu, extinguira-se a possibilidade de fundamentação do poder político na vontade divina, 
uma vez que essa justificativa deixara de se alicerçar na crença generalizada dos governados. 
A reação contra as guerras e perseguições religiosas deflagradas pela Reforma e 
Contrarreforma nutriram a ideia de que era necessário promover a tolerância e fomentaram 
o desenvolvimento da concepção segundo a qual deveriam ser reconhecidos determinados 
direitos invioláveis aos súditos.19Era necessário fornecer uma base racional e secularizada 
para o poder político, sob pena de se perpetuar o cenário de guerra e instabilidade que 
vitimava gravemente o continente europeu. Naquele contexto, passou-se a valorizar o 
indivíduo, concebido como um ser racional, titular de direitos, cuja dignidade independia do 
lugar que ocupasse no corpo coletivo. Evolui-se para o reconhecimento de direitos universais, 
pertencentes a todos. A sociedade não mais era concebida como um organismo social, 
formado por órgãos que exerciam funções determinadas (clero, nobres, vassalos). Ela passa a 
ser concebida como um conjunto de indivíduos, como uma sociedade “atomizada”, formada 
por unidades iguais entre si. As atividades sociais (o trabalho, por exemplo) deixam de ser 
atributos naturais relativos ao lugar ocupado no organismo social, e passam a decorrer da 
vontade livremente declarada pelos indivíduos. O contrato se torna o instituto por excelência 
de formalização de vínculos sociais. Em harmonia com essa visão, desenvolveram-se diversas 
teorias de contrato social, que passaram a justificar a existência do Estado em nome dos 
interesses dos indivíduos, que sairiam ganhando com a superação do “Estado de Natureza” e 
a fundação da sociedade civil.20A versão liberal do contratualismo, que teve em John Locke o 
seu mais importante formulador, sustentava a ideia de que, ao celebrar o contrato social, as 
pessoas alienam para o Estado apenas uma parcela da liberdade irrestrita de que desfrutavam 
no Estado da Natureza, retendo, no entanto, determinados direitos naturais, que todos os 
governantes devem ser obrigados a respeitar.21 Esse jusnaturalismo difere daquele que 
predominara na Antiguidade e na Idade Média por duas razões fundamentais. Em primeiro 
lugar, por não se basear na vontade divina, nem em imposições extraídas da Natureza, mas 
em princípios acessíveis à razão humana. Em segundo lugar, por conferir primazia aos direitos 
individuais.22 O jusnaturalismo antigo e medieval era objetivista: a lei natural correspondia a 
uma ordem objetiva, criada por Deus, a qual não poderia deixar de ser observada pelo Estado. 
O jusnaturalismo moderno, de tipo lockeano, é subjetivista: identifica determinados “direitos 
naturais”, atribuídos aos indivíduos, que não podem ser violados pelas autoridades públicas, 
tendo sido ressalvados no pacto social. O constitucionalismo moderno se assenta em três 
pilares: a contenção do poder dos governantes, por meio da separação de poderes; a garantia 
de direitos individuais, concebidos como direitos negativos oponíveis ao Estado; e a 
necessidade de legitimação do governo pelo consentimento dos governados, pela via da 
democracia representativa. Porém, na prática, o terceiro destes pilares nem sempre foi 
valorizado como os dois primeiros, pela generalizada adoção do voto censitário e masculino 
nos Estados constitucionais até meados do século XX, com base na justificativa de que apenas 
os homens mais instruídos, de melhor condição social, reuniriam as condições que lhes 
permitiriam expressar, por meio do seu voto, a vontade da Nação.23 O constitucionalismo 
moderno conheceu três versões mais influentes: a inglesa, a norte-americana e a francesa. 
Neste item, não serão examinadas as experiências constitucionais destes Estados, mas apenas 
destacados os lineamentos gerais dos modelos constitucionais a eles associados. Há também, 
por outro lado, duas fases distintas do constitucionalismo moderno, que correspondem ao 
Estado Liberal-Burguês e ao Estado Social. E, ainda, é discutível se a crise do Estado Social e 
da soberania estatal ensejou o surgimento de outro modelo de constitucionalismo, que pode 
ser rotulado de pós-moderno.

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