Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Embora a ideia de nação ou império seja conhecida desde a Antiguidade, o conceito de nação ou país (Estado-Nação), tal qual conhecemos hoje, tem sua origem no início da Era Moderna, mais especificamente ao final da Idade Média (final do século XV e século XVI, período conhecido como Renascimento, quando ocorreram extraordinárias transformações sociais, econômicas, artísticas, religiosas e políticas). A partir desse momento, um sistema político denominado absolutismo (ou Antigo Regime) paulatinamente foi se fortalecendo na Europa e perdurou por quase três séculos, dando início a um processo de institucionalização do Estado. Assim, o chamado Estado nacional moderno passou a se constituir como uma das mais sólidas instituições da modernidade, a partir da sua aceitação (legitimidade) enquanto força militar específica e ator por excelência do cenário internacional, e também a partir de sua estrutura burocrática cada vez mais eficiente e poderosa. Nesta aula, analisaremos a origem remota do chamado Estado nacional moderno, procurando relacioná-la com o contexto social e político no qual surgiu; vamos analisar alguns casos específicos de nações absolutistas, diferenciando-as e elencando fatores comuns a todas elas. Se, por um lado, essa instituição nasceu durante o período absolutista, teve seu marco inicial com a Revolução Francesa (1789) e sua efetiva instauração nos séculos XIX e XX, quando se alastrou pelo mundo como um modelo cada vez mais padronizado de organização estatal, por outro, apesar de conter uma série de elementos que caracterizariam o Estado moderno, o Estado absolutista ainda possuía fortes vínculos com a lógica de dominação feudal. Isso o tornou uma espécie de Estado híbrido. Neste sentido, é importante analisarmos em que aspectos ele foi fundamental para superar a lógica feudal, e também em que aspectos ele se aproximou do atual Estado moderno. Esse contraponto é essencial para entendermos o quanto as ideias iluministas e liberais foram importantes para forjar tal instituição, assim como para entendermos a lógica de dominação moderna e os princípios gerais das relações internacionais baseados no Estado-Nação SLIDES Contextualizando O Estado Moderno começou a se formar durante o período absolutista, mas só se consolidou a partir dos séculos XIX e XX. Absolutismo sistema político que predominou na Europa entre o século XVI e o final do século XVIII Contexto profundas transformações sociais, políticas e econômicas a partir do fim da Idade Media Cronologia Básica • Idade Média século V ao XV • Renascimento século XVI • Absolutismo século XVI ao XVIII Inglaterra, França, Holanda, Rússia, Portugal e Espanha estão se organizando como ‘nações’. TEMA 1 – DO ESTADO ABSOLUTISTA AO ESTADO NACIONAL MODERNO O absolutismo pode ser entendido como um sistema político que perdurou na Europa entre o século XVI e o final do século XVIII. Foi um período de transição entre o feudalismo e o capitalismo. Diferenciou-se do modelo feudal na medida em que se organizou a partir de uma forte centralização administrativa e política. Ao longo do século XVI foi se estabelecendo na Europa a ideia de um Estado forte, que se personifica na figura do monarca. Mas foi no século XVII que este modelo se consolidou, de forma que se criou uma instituição com poder absoluto, distanciando- se da interferência da nobreza e da igreja. A ideia de nação ou nacionalidade passa a basear-se no território e na noção de povo (todos os que habitam o território), e não tanto na etnia ou religião, como foi, por exemplo, em boa parte do Império Romano e no feudalismo. A partir dessa nova ideia de nação traçavam-se os objetivos do Estado absolutista, fossem comerciais, fosse a proteção aos súditos. De fato, o comércio internacional passou a crescer a partir da lógica do mercantilismo, ou seja, um comércio acima de tudo estatal, ainda que existissem companhias privadas, bancos e empreendedores individuais. Em relação à segurança, o Estado era agora o grande protetor, com a criação dos exércitos nacionais compostos por cidadãos, e não mais por mercenários ou indivíduos de outras nacionalidades. Mas o que produziu tão profundas transformações? Quando se analisa determinado período da história, é fundamental que compreender o contexto social, político e econômico da época. Duas mudanças se iniciavam sem, no entanto, se aprofundar – o fim da servidão, aquela forma medieval de relação entre o senhor e o trabalhador, e o fortalecimento da classe burguesa. O Estado absolutista assumia, ainda, uma função muito mais de proteção à nobreza do que de fortalecimento da burguesia ou dos camponeses. De acordo com Perry Anderson, o absolutismo não significou melhores condições de vida aos camponeses. Antes disso, o temor de uma revolta geral desta classe, agora livre da servidão, fez com que a nascente burguesia fosse cooptada juntamente à nobreza pelas monarquias absolutas. Essa aliança teria sido fundamental para pacificar a sociedade e garantir o apoio político daquelas classes sociais que, na verdade, tinham interesses opostos (a burguesia e a nobreza). Assim, o Estado absolutista, apesar de alguns traços modernos, foi, na verdade, um instrumento de domínio da classe social que dominava desde o feudalismo. De acordo com o autor, “Essencialmente, o absolutismo era apenas isso. Um aparelho de dominação feudal recolocado e reforçado, destinado a sujeitar as massas camponesas [...]. Era a carapaça política de uma nobreza atemorizada” (Anderson, 2004, p. 18). Por outro lado, ocorreu naquele período um intenso processo de urbanização, a partir de dois elementos. A expulsão dos camponeses, forçando-os a migrar para as cidades, e o nascimento da indústria moderna, ainda em seus primeiros passos, com novas formas de produção (o tear mecânico foi o maior exemplo). Outros fatores também contribuíram, como o desenvolvimento técnico, em especial no que diz respeito à navegação, permitindo o domínio dos mares e, consequentemente, das novas terras então descobertas (América, África e o Extremo Oriente). Em conjunto, tais fatores induziram uma nova mentalidade, principalmente em relação ao comércio, que deixa de ser centrado em pequenas localidades e passa a se concentrar em amplos mercados, basicamente mercados europeus, mas com um sistema de produção já global (as colônias espalhadas pelo mundo). É neste contexto que a moderna ideia de Estado-Nação começa a ser forjada, mas não sem variados conflitos. Inglaterra, França, Holanda, Áustria, Suécia, Rússia, Portugal e Espanha estão se organizando como nações. Há disputas por mercados e por colônias, além de disputas religiosas que acabaram por contribuir para a formação desta nova instituição, como veremos a seguir. Slides Características do Estado absolutista Centralização: Estado forte regido por um único indivíduo. Primeiros passos da organização burocrática moderna. Economia mercantilista. Patrimonialismo: público = privado TEMA 2 – ESTADO BUROCRÁTICO E ESTADO-NAÇÃO Ao falar em Estado, temos duas abordagens distintas. Uma se refere à organização interna de um país; outra, ao Estado como ator internacional. A primeira se refere à Administração Pública, ao sistema político, às regras constitucionais, aos direitos e deveres dos cidadãos. De acordo com Bresser Pereira (2008), em termos administrativos, “o Estado é o sistema constitucional legal e a organização que o garante”. Já o Estado Nação “é a unidade político territorial soberana” e se caracteriza pelo papel exercido no cenário internacional. O autor arremata: “Em cada Estado-Nação ou estado nacionalexiste uma nação ou uma sociedade civil, um estado e um território (Bresser Pereira, 2008). Vejamos a seguir alguns detalhes dessas duas formas de Estado durante o período absolutista. 2.1 O Estado burocrático As amplas transformações sociais e econômicas ocorridas a partir do século XVI tiveram forte impacto sobre a organização política das sociedades europeias de então. Dessas transformações, algumas foram essenciais para que a instituição estatal fosse aos poucos sendo fortalecida, em especial para conduzir a economia mercantilista. O mercantilismo foi o modelo econômico predominante durante o absolutismo europeu. Consistia basicamente em uma política de acúmulo de riquezas – metais preciosos provenientes da América. A nobreza e a burguesia comercial, tanto como o Estado, assumiam esse papel de acúmulo, sendo o Estado o grande indutor e protetor desse sistema. Mas o poder estatal tinha já interesses próprios e, para isso, precisava de um estado forte, que protegesse a produção, o território, os meios de transporte e os cidadãos. Internamente, deveria gerar ordem social em uma sociedade que passava por mudanças radicais. Na Europa, em vez do trabalho servil, prevalecia o cada vez mais comum trabalho assalariado. Nas colônias, o predominante era o trabalho escravo. O Estado torna-se, então, o agente de controle das massas camponesas, dos trabalhadores urbanos, dos escravos e dos povos conquistados. Outra característica é a centralização: todas as decisões passavam pelo monarca e seus conselheiros a partir de uma rígida estrutura hierárquica. Mas a principal ferramenta da centralização foi a arrecadação de impostos. Em vez de cada nobre cobrar impostos, como ocorria na Idade Média, no absolutismo o Estado centraliza a arrecadação, de forma que isso o alimenta e o torna cada vez mais forte. Neste contexto, os negócios de Estado se ampliam e surgem os primeiros rudimentos da organização burocrática moderna, com os chamados ‘juristas’, os funcionários encarregados de redigir as leis. De acordo com Anderson (2004, p. 28), esses eram indivíduos com formação em princípios do direito romano, retomado desde a Renascença. No entanto, tais princípios acabaram em um cenário muitas vezes contraditório, misturando modernos instrumentos de administração e formas arcaicas, como o patrimonialismo, forma de organização estatal – ou mesmo social – na qual o público e o privado se confundem ou, antes, na qual o público está submetido ao privado. 2.2 O Estado-Nação Em termos do que hoje definimos como “relações internacionais”, o cenário a partir do século XVI estava se ampliando com a formação de nações e a colonização das terras recém-descobertas que, em muitos casos, gerava conflitos por posse, pela busca de metais preciosos e pelo domínio de mercados. Até então, os mediadores no cenário internacional eram a Igreja Católica e o Sacro Império Romano¹, que submetiam direta ou indiretamente as nações europeias. É neste momento que um novo ator internacional começa a emergir, o Estado- Nação, com seus interesses políticos e econômicos específicos e com uma lógica própria de existência. Mas é um fator conjuntural que selará o fortalecimento deste novo ator: as guerras religiosas. O avanço do protestantismo acabou por gerar uma das mais sangrentas guerras da história europeia: a Guerra dos 30 anos (1618-1648). Não cabe aqui entrar em detalhes sobre esse conflito, mas importa saber que, nele, culminou o Tratado de Westfalia (1648), conhecido como um ponto de virada (embora simbólico naquele momento) nas relações internacionais. O tratado estabelecia que nenhum Estado poderia interferir em outro e, mais que isso, todo Estado é soberano, isto é, não está sujeito a nenhuma autoridade humana ou institucional maior. A partir deste tratado, o Estado-Nação paulatinamente se tornou independente na medida em que a igreja foi perdendo seu poder; primeiramente, com o enfraquecimento do argumento do direito divino e, em segundo lugar, com a Igreja deixando de ser um árbitro internacional, possibilitando um sistema laico – não ligado à igreja – de relações internacionais, prevalecente até os dias atuais. SLIDES Distintas abordagens sobre o Estado Estado burocrático: administração interna do Estado-nação. 1 Não confundir com o Império Romano da Antiguidade. O Sacro Império Romano foi uma tentativa medieval, a partir do século XI, de reviver aquele império, mas sem muito sucesso. No entanto, não deixou de ser uma instituição a interferir nos assuntos internacionais e internos das nações europeias. Foi extinto por Napoleão Bonaparte. Estado-nação: ator internacional. O Estado burocrático Administração interna centralizada Proteção interna dos súditos Controle e proteção da economia Controle da arrecadação de impostos Patrimonialismo O Estado Nação Transforma-se no ator principal do cenário internacional Liberta-se da Igreja Católica e do Sacro Império Romano O Tratado de Westfalia 1648 Estados não devem interferir em assuntos uns dos outros Todo Estado é soberano, não sujeito a autoridade humana ou institucional Naquele momento foi um tratado simbólico, mas criou as raízes das relações internacionais modernas. TEMA 3 – O ESTADO ABSOLUTISTA E SUA IDEOLOGIA Transformações tão amplas ou profundas em uma sociedade exigem novas formas de interpretação e de justificativas para a sua efetiva aceitação e legitimação. Nesse sentido, as ideologias são essenciais. Se na Idade Média europeia a Igreja Católica era a principal criadora e disseminadora de justificativas para explicar a realidade, nos períodos Renascentista e Absolutista outras explicações são necessárias. A religião católica ainda era dominante, mas tinha concorrência, fosse do protestantismo ou das ideias cada vez mais frequentes de que a política, assim como o Estado, tinha uma realidade própria. O absolutismo, então, caracteriza-se em termos ideológicos como uma mescla de valores religiosos tradicionais e valores modernos laicos. A ideia moderna de Estado foi apresentada por Maquiavel no Livro O Príncipe (1532), no qual ele analisa o Estado e o poder político como tendo natureza própria e sendo ponto central da política moderna. Já Hobbes é um dos principais defensores do absolutismo monárquico. Na obra Leviatã (1651), com base em uma visão pessimista da natureza humana, ele defende um Estado o mais forte possível para evitar que “o homem seja lobo do homem”, dando segurança aos súditos; no plano externo, a ideia é impedir que um Estado invada ou interfira em outro. Assim, o estado absoluto seria o garantidor da paz interna e da segurança externa. No absolutismo, a soberania se confunde com o poder pessoal do rei, ideia celebrizada pela famosa frase do regente francês Luís XIV, “O Estado sou eu”. Tal princípio é fundamentado pela ideia do Direito Divino, no qual o poder seria uma concessão a determinados indivíduos, mas também pela proposta laica do cardeal francês Richelieu (1585-1642), a expressão “Razão de Estado”. Por outro lado, o surgimento do protestantismo no século XVI acabou por gerar diversas mudanças no plano ideológico, seja como facilitador da aceitação de diversos valores do nascente capitalismo (tese de Max Weber em A ética protestante e o espírito do capitalismo), seja por fomentar conflitos entre as nações daquele período. Diferentes ideologias prevaleceram durante o absolutismo, o que trouxe implicações no modelo de Estado que certos países adotaram. É o caso da recusa de Portugal e da Espanha em aceitar os novos valores econômicos. Se em meados do século XVI eram nações de vanguarda, a partir da adoçãodos princípios da Contrarreforma recusaram inovações, gerando um tipo de Estado que sufocou o nascente capitalismo. Enquanto a Inquisição findava em outros países, Portugal e Espanha resgataram-na como prática religiosa e de Estado. Assim, o Estado absolutista, nesses países, antes de se modernizar, desperdiçou tempo e grande parte das riquezas obtidas na América. SLIDES Teóricos do Estado absolutista Ideologias são explicações criadas para justificar a realidade e para orientar projetos e decisões. Propõe-se um novo modelo de Estado, assim como novos princípios para justificar o poder político. • Maquiavel (1469-1527) o O Estado como realidade própria • Hobbes (1588-1679) o O Estado como salvaguarda e proteção • Bossuet (1627–1704) o O monarca e o direito divino de governar • Bodin (1530-1596) o A soberania indivisível • Richelieu (1585-1642) o Razão de Estado Exemplo de ideologia no período, indicado por Max Weber (2004) • O protestantismo favoreceu a disseminação do capitalismo ao reinterpretar o significado do conceito “trabalho” e deixar de considerar lucro e juros como pecado. TEMA 4 – MODELOS DE ESTADO ABSOLUTISTA A França foi a nação com o mais perfeito modelo de Estado Absolutista, principalmente sob reinado de Luís XIV (1638-1715), consolidando o mercantilismo e criando uma forte centralização política e administrativa. O maior teórico deste momento foi o Cardeal Richelieu, que criou a expressão “Razão de Estado”, ou seja, o uso de ações ou leis ilegais, incluindo o autoritarismo e a aplicação da violência nos planos interno e externo, para supostos benefícios do Estado, mas também o uso da razão para conduzir as questões desta instituição. A França controlou a influência dos nobres nas questões políticas e administrativas, fortalecendo os funcionários e criando uma forte burocracia controlada pelo rei. Se a França foi um modelo clássico de Estado absolutista, outras potências europeias seguiram caminhos um tanto diferentes. A Inglaterra é o caso mais notório. Ainda no Século XIII, bem antes do absolutismo, os ingleses estabeleceram certos controles ao poder dos monarcas. Em 1688, a Revolução Gloriosa acarretou, entre outras coisas, uma monarquia com poderes limitados pelo Parlamento, instituição que, naquela época, já se dividia em dois partidos e governava o vencedor das eleições parlamentares, o qual tinha o poder, inclusive, de nomear os ministros. A maior parte do sistema político britânico atual tem sua origem neste período. A Revolução Inglesa foi uma revolução burguesa, a primeira da história, e o Estado britânico incorporou uma série de exigências desta classe social, o que em outras nações só ocorreria dois séculos depois. A Rússia do início do século XVIII começava a se transformar em um império, mas com um tipo de Estado Absolutista mais aberto à modernização. Era o chamado despotismo esclarecido, primeiramente com Pedro, o Grande (1672- 1715), e posteriormente com Catarina II (1725- 1796). Valores absolutistas conviveram com ideais de modernização, incluindo a ênfase à indústria, ao aparelhamento da marinha e abertura de portos e à ciência, aceitando-se muitas das ideias iluministas em vigor na Europa Ocidental neste período. Portugal também seguiu o modelo político das demais potências europeias, mas por vias diferentes. De um lado, assim como a Espanha, foi profundamente influenciado pela Igreja Católica, enquanto as demais potências paulatinamente se distanciavam. Os portugueses, ainda, fecharam-se para os valores capitalistas burgueses, aceitando tão somente o chamado capitalismo de Estado. Isso acabou por influenciar um tipo de Estado cheio de contradições, conforme constata R. Faoro (2001), para quem o Estado colonial português transformou os altos funcionários públicos praticamente em elementos da nobreza, sufocando a burguesia e privilegiando os funcionários de Estado. Em meados do século XVIII, em Portugal, ainda prevalecia uma organização estatal arcaica, cheia de superstições, fraca hierarquia e excesso de funcionários (Faoro, 2001, p. 204). Neste período, nem mesmo o “déspota esclarecido” Marquês de Pombal conseguiu efetivamente modernizar o país. SLIDES França, um modelo clássico de absolutismo: • Estado fortemente centralizado. • A nobreza controlada. • Fortalecimento da burocracia. Inglaterra, um caso diferente: • Magna carta e parlamento (século XIII). • A Revolução Gloriosa (1688-89): originou a monarquia constitucional inglesa. • Os partidos políticos Whigs (conservadores) e Tories (liberais). A Rússia e o despotismo esclarecido: • Ênfase à modernização. • Aceitam-se algumas ideias iluministas. Portugal e o absolutismo retrógrado: • Ao contrário de outras nações, em Portugal a igreja aumentou seu poder sobre o Estado. • A burguesia foi sufocada. • A burocracia não se modernizou. • Pombal tentou modernizar o Estado português (séc. XVIII). O Estado português, em meados do século XVIII era ainda altamente influenciado por pensamentos medievais. Exemplo: após o terremoto de Lisboa, em 1750 • “O Estado financiava a construção de igrejas; rezas e procissões, pois, o terremoto teria sido causado pelos pecados dos portugueses.” (Weffort, 2006, p. 145) TEMA 5 – CRISE E DECADÊNCIA DO ESTADO ABSOLUTISTA Ao final do século XVIII, apesar do despotismo esclarecido, uma tentativa de coexistência com o novo cenário moderno e com os novos valores propagados pelo Iluminismo, era notório que o Estado absolutista era uma forma anacrônica de governo. A ascensão da burguesia era cada vez mais evidente, demandando mais espaço político e econômico e menos controle do Estado. O capitalismo superou de vez o mercantilismo e o Estado-Nação tornaram-se a principal instituição internacional – notadamente, a potência da época era a Inglaterra. A ciência prosperava e a religião perdia o espaço que ocupava como ator político. É neste cenário que as ideias iluministas encontram terreno fértil para prosperar (cf. Aula 2). O pensamento de Locke, Smith, Rousseau, Montesquieu, Kant circulou não apenas pela Europa, mas também pelas colônias americanas. O ideal de liberdade individual ou nacional influenciaria processos de luta por independência em vários lugares, principalmente na América, culminando, poucas décadas depois, no surgimento de diversas nações. Neste ínterim, em 1789, explode aquela que é considerada o marco da passagem do absolutismo para a modernidade: a Revolução Francesa. Mesmo considerando que a França só se tornou efetivamente republicana e capitalista, no sentido moderno do termo, quase 100 anos depois, aquela Revolução mostrou ao mundo que mudanças estruturais estavam ocorrendo, inclusive induzindo a que um novo tipo de Estado fosse pensado e organizado, pautado em princípios distintos daqueles apregoados pelo absolutismo. Entretanto, além da França, outro processo revolucionário ocorria do outro lado do Atlântico, onde os ideais de modernização tinham mais liberdade para prosperar. Foi a independência dos Estados Unidos da América, a primeira experiência mundial de um Estado formado a partir dos ideais iluministas. É o que veremos na próxima aula, com o chamado Estado liberal. SLIDES Transformações sociais e políticas na Europa (final do século XVIII) - Revolução Industrial. - Fortalecimento da burguesia (Inglaterra, Holanda e França). - Predomínio de ideais iluministas. - Revolução Francesa (1789): • Marco da passagem para a modernidade. • O absolutismo passa a ser visto como coisa do passado. • O Estado Moderno começa a se consolidar. NA PRÁTICA Nem toda a Europa se transformou em Estado absolutista.A Holanda era uma república² dominada pela burguesia comercial. A Suíça era uma república quase que isolada, com muitas instituições democráticas. Itália e Alemanha ainda não estavam unificadas, divididas em vários estados com características distintas. Em termos globais, existiam outras forças políticas, como o Império Otomano e a China, cujos Estados eram muito parecidos com o feudal europeu. SLIDES Outras formas de Estado-nação contemporâneas ao absolutismo: • Suíça e Holanda: repúblicas democráticas. • China e Império Turco Otomano: sistema semelhante ao feudal europeu. FINALIZANDO Vimos, nesta aula, o Estado absolutista e sua influência no surgimento e consolidação dos modernos Estados nacionais. Foram cerca de três séculos durante os quais o atual Estado-Nação germinou e o chamado Estado burocrático moderno encontrou um solo fértil para se desenvolver, seja do ponto de vista econômico e político, seja a partir de mudanças no plano ideológico. Contudo, o Estado absolutista ainda era essencialmente feudal ao garantir o domínio da nobreza, fato que só seria superado com o advento do Estado liberal. SLIDES - Estado Absolutista: • primeiro passo na formação do moderno Estado Nação. • Contraditório, mesclava o moderno e o arcaico. • Existiram diferentes modelos, justificados ideologicamente. • Entrou em crise ao final do Século XVIII. - Estado absolutista: • Primeiro passo na formação do moderno Estado-nação. o Contraditório, mesclava o moderno e o arcaico. o Existiram diferentes modelos, justificados ideologicamente. • Entrou em crise ao final do século XVIII. LIVRO: SUBCAPÍTULO 1.1 1.1 Contratualistas: Hobbes, Locke e Rousseau ² A Holanda se transformou em Monarquia Constitucional em 1815. A melhor forma de compreender o Estado moderno é buscar as teorias mais influentes sobre ele. Por isso, não há como iniciar a discussão sem apresentar os três teóricos contratualistas icônicos: Thomas Hobbes (1588-1679), John Locke (1632-1704) e Jean Jacques Rousseau (1712-1778). Esses autores sofreram influência direta do contexto histórico em que viviam, como as ditas descobertas de novos mundos considerados não civilizados e a posterior colonização do mundo não europeu. Notícias vindas desse “novo mundo” traziam relatos de povos que viviam em estado de natureza, isto é, sem uma organização política similar ao Estado nos moldes ocidentais. Hobbes e Locke, em particular, foram contemporâneos às Revoluções Inglesas que ocorreram em quase todo o século XVII, tendo como característica central o conflito entre a Coroa e o Parlamento. A Coroa representava o absolutismo e o Parlamento representava a burguesia liberal ascendente. Foi um período de crise política, religiosa e econômica. Foi nesse contexto de guerra civil e de uma sociedade carente de uma autoridade política central que Thomas Hobbes e John Locke, ambos ingleses, viveram e escreveram suas teorias sobre o contrato social. Hobbes publicou o Leviatã em 1651, defendendo um Estado forte e absoluto. John Locke, por sua vez, publicou Carta sobre a tolerância, Ensaio sobre o entendimento humano e Dois tratados sobre o governo civil em 1689, quando os conflitos na Inglaterra findavam, após a Revolução Gloriosa, que assinalou o triunfo do liberalismo e do Parlamento com a aprovação da Bill of Rights (Mello, 2000). Os filósofos contratualistas buscavam a fundamentação racional do poder soberano para conseguir uma base de legitimidade que não necessitasse das explicações divinas ou religiosas. Mais especificamente, os teóricos do contratualismo tinham como ponto de partida o estado de natureza: a situação na qual os indivíduos viviam como proprietários livres e iguais de si mesmos e com um leque irrestrito de ação. Suas teorias giravam fundamentalmente em torno da explicação do abandono, por parte dos indivíduos, de um estado de natureza fictício para constituir uma sociedade politicamente organizada. Essa passagem do estado de natureza para um estado civil teria acontecido por meio de um pacto: um contrato social que originaria o Estado. A abordagem filosófica desses autores distanciava-os de uma interpretação histórica sobre um suposto contrato social que teria dado origem ao Estado e à sociedade politicamente organizada. Daí que seus esforços eram lógico-dedutivos, não cronológicos, a respeito da “razão de ser” do Estado, seu fundamento último. Nesse sentido, o crucial para os contratualistas não é a história do Estado, mas no que se ancora legalmente a legitimidade da ordem social e política. Das divergências entre os contratualistas, podemos listar as modalidades de soberania que deveriam ser produto do contrato social, os tipos de arranjos institucionais que deveriam estruturar o Estado e seus entendimentos sobre qual era a essência da natureza humana. Com relação a este último ponto, Hobbes fala de uma natureza imutável dos homens em relação ao tempo e à história, o que os coloca em condição de igualdade plena entre si e faz com que nenhum possa se sobrepor integralmente aos demais. https://www.liberidigital.com.br/leitor/livro?isbn=9788559725162#void064 https://www.liberidigital.com.br/leitor/livro?isbn=9788559725162#void064 https://www.liberidigital.com.br/leitor/livro?isbn=9788559725162#void064 Para o autor, essa situação leva a uma instabilidade, na qual ninguém consegue saber o que os outros pensam ou desejam. O mais prudente sempre seria atacar, com vistas a evitar ser atacado em algum momento. Assim, o homem estaria em um permanente estado de guerra de todos contra todos (Ribeiro, 2000). Nesse contexto, somente um Estado forte e soberano seria capaz de dar fim ao conflito generalizado entre homens racionais que primam por sua própria vida em estado de natureza. Daí a máxima de Hobbes de que o homem é o lobo do próprio homem, pois, no estado de natureza, todos teriam direito a tudo, cada qual governado por sua própria razão. A realidade da guerra generalizada obrigaria, por consequência, que se buscasse alguma forma de conciliação por meio de um pacto, o contrato social fundado na renúncia da liberdade natural de cada qual (Ribeiro, 2000). Para que o contrato social seja efetivo, é premente um Estado forte, absoluto e armado, porque as leis da natureza (como a justiça, a equidade, a modéstia, a piedade, ou, em resumo, fazer aos outros o que queremos que nos façam) por si mesmas, na ausência de temor de algum poder capaz de levá-las a ser respeitadas, são contrárias às nossas paixões naturais, as quais nos fazem tender para a parcialidade, o orgulho, a vingança e coisas semelhantes. E os pactos sem a espada não passam de palavras, sem força para dar a menor segurança a ninguém. (Hobbes, 1999, p. 142, grifo do original) Assim, Hobbes é interpretado como um autor que legitima o Estado absoluto. Para ele, o poder do Estado deveria ser uma única “vontade” dada a partir de diversas outras “vontades”. Ou seja: é como se cada homem dissesse a cada homem: cedo e transfiro meu direito de governar-me a mim mesmo a este homem, ou a esta assembleia de homens, com a condição de transferires a ele teu direito, autorizando de maneira semelhante todas as suas ações. Feito isso, à multidão assim unida numa só pessoa se chama Estado […]. É esta a geração daquele grande Leviatã. (Hobbes, 1999, p. 144, grifo do original) É obrigação do Estado fazer uso da força e de seus recursos para manter a paz: razão de sua existência que legitima o poder ilimitado do governante. Esse poder, no contrato social hobbesiano, é fruto de seu não comprometimento, pois o soberano não assina o contrato, acordado somente entreos que virão a ser súditos. O soberano (beneficiário do contrato social) deve se conservar fora dos compromissos acordados, sendo sua única obrigação manter a paz e proteger a vida, evitando a guerra de todos contra todos. Somente se essa obrigação não se efetuar é que o contrato social pode ser rompido, tornando os súditos livres da obediência ao soberano, uma vez que este descumpriu seu único compromisso e, por isso, perdeu sua razão de existência (Ribeiro, 2000). A marca distintiva do Estado hobbesiano é o medo. O temor leva os indivíduos no estado de natureza a abrir mão de toda liberdade e igualdade. Contudo, a esperança de uma vida mais confortável (na sociedade politicamente organizada) vence o medo da morte (do estado de natureza). Outra interpretação da história do contrato social é dada por John Locke. Diferentemente de Hobbes, monarquista e absolutista em sua defesa do Estado, Locke condenava o poder absoluto e defendia um governo parlamentar e liberal, que pudesse frear o poder da Coroa. Locke colocava o indivíduo como anterior à sociedade. Para ele, o estado de natureza não seria essencialmente selvagem, mas um estágio pré-político com completa igualdade e https://www.liberidigital.com.br/leitor/livro?isbn=9788559725162#void062 https://www.liberidigital.com.br/leitor/livro?isbn=9788559725162#void061 liberdade, um estágio de relativa paz e harmonia, no qual os indivíduos eram dotados de racionalidade e propriedade. O lugar da propriedade na teoria lockeana é central e significa que a primeira propriedade do ser humano é o seu próprio corpo, sua própria pessoa. Por extensão, aquilo que decorre do seu trabalho também se torna sua propriedade (Mello, 2000). Em sua perspectiva, o estado de natureza era pouco violento e os conflitos existentes derivavam das violações ocorridas em relação à propriedade: vida, liberdade e bens. O estado de guerra somente ocorreu com o surgimento da escravidão e a violação da propriedade. Daí a necessidade de um juiz imparcial para arbitrar os conflitos, bem como da força coercitiva para inibir a guerra generalizada. Surge então, para Locke, a necessidade do contrato social, que intermediou a transição do estado de natureza para o estado civil. Tal contrato deveria ser firmado livremente entre os indivíduos com a renúncia da liberdade e igualdade natural que possuíam no estado de natureza. Nessa transição para o estado civil por meio do contrato social, todos estariam sujeitos à lei, imposta pela formação de um corpo político único com força concentrada na comunidade e com capacidades judiciárias. Podemos pensar a ideia de corpo político de Locke como o governo e a estrutura estatal moderna – inclusive com a separação entre poderes Legislativo, Executivo e Judiciário(Mello, 2000). Teórico da propriedade privada, Locke encontra a principal razão de ser do corpo político na preservação da propriedade e na proteção da comunidade diante dos perigos, tanto internos quanto externos. Nas palavras do autor: o objetivo capital e principal da união dos homens em comunidades sociais e de sua submissão a governos é a preservação de sua propriedade. O estado de natureza é carente de muitas condições. Em primeiro lugar, ele carece de uma lei estabelecida, fixada, conhecida, aceita e reconhecida pelo consentimento geral, para ser o padrão do certo e do errado e também a medida comum para decidir todas as controvérsias entre os homens. (Locke, 1994, p. 156) O ponto central é que o contrato social teria a função de criar uma sociedade civil que pudesse gozar da mesma liberdade e igualdade que possuía no estado de natureza. É nesse sentido que se clama pela positivação dos direitos tidos como naturais e inalienáveis do ser humano: direito à vida, direito à liberdade e direito aos bens decorrentes do trabalho (Mello, 2000). Essa positivação dos direitos é denominada jusnaturalismo. Com a formação do corpo político investido de autoridade, o passo seguinte é a escolha da forma de governo. Quanto a esse aspecto, Locke assevera que o Poder Legislativo (por ele chamado poder supremo) é o mais relevante porque emana do poder do povo. Ele deve sobrepor-se aos demais poderes: o Poder Executivo (príncipe) e o Poder Federativo (relações exteriores: paz, guerra, alianças e tratados). Diz o autor: O legislativo não é o único poder supremo da comunidade social, mas ele permanece sagrado e inalterável nas mãos em que a comunidade um dia o colocou; nenhum edito, seja de quem for sua autoria, a forma como tenha sido concebido ou o poder que o subsidie, tem a força e a obrigação de uma lei, a menos que tenha sido sancionado pelo poder legislativo que o público escolheu e nomeou […]; jamais um membro da sociedade, pelo efeito de um juramento que o ligaria a qualquer poder estrangeiro ou a qualquer poder subordinado na ordem interna, pode ser dispensado de sua obediência ao legislativo e agir por sua própria conta; da mesma forma, também não é obrigado a qualquer obediência contrária às leis adotadas, ou que ultrapasse seus termos; seria ridículo imaginar que um poder que não é o poder supremo na sociedade, possa se impor a quem quer que seja. (Locke, 1994, p. 162-163) https://www.liberidigital.com.br/leitor/livro?isbn=9788559725162#void060 https://www.liberidigital.com.br/leitor/livro?isbn=9788559725162#void059 https://www.liberidigital.com.br/leitor/livro?isbn=9788559725162#void059 A preocupação de Locke residia nos excessos tirânicos do poder absoluto, daí a preponderância do Legislativo (o representante da sociedade civil) para poder se contrapor e mesmo remover o Poder Executivo quando este for abusivo. Contudo, o autor atribui um papel central ao juiz e à sua independência no gerenciamento das contendas, sempre pautado nas normas legais (Mello, 2000). É importante ressaltar que Locke considerava o princípio democrático da maioria como regra para a escolha da forma de governo, mas, ao mesmo tempo, asseverava o respeito ao princípio da minoria para a proteção dos direitos e das liberdades civis. Assim, quando um governo atua contra a sociedade e deixa de proteger a propriedade (vida, liberdade e bens), ele perde sua função e se desvirtua de sua finalidade. Ou seja, torna-se ilegítimo e ilegal, degenerando-se em tirania. Quando tal violação sistemática ocorre, o governo entra em estado de guerra contra a sociedade, e esta legitimamente pode gozar de seu direito de resistência à opressão. Nesse momento, dissolve-se o contrato social, retorna-se ao estado de natureza e o uso da força se coloca como instrumento de resolução de conflitos (Mello, 2000). Locke foi considerado o pai do individualismo liberal e contribuiu para amalgamar as formas institucionais do Estado liberal moderno, em razão de seu entendimento de que os direitos naturais são anteriores ao próprio Estado. Nesse sentido, sua teoria serviu de justificação moral (a posteriori) para a Revolução Gloriosa e para a forma de governo que se instituiu na Inglaterra pós-revolução: a monarquia parlamentar. O autor também influenciou enormemente a Revolução Norte- Americana (1775-1776) e os artigos presentes no texto da Declaração de Independência dos Estados Unidos da América (1776), que foi redigida em termos de direitos naturais e direito de resistência (Mello, 2000). O terceiro autor do rol dos contratualistas é Jean Jacques Rousseau. Como já ressaltado, os contratualistas objetivavam reconstruir a história da humanidade por meio do método lógico-dedutivo e da construção de modelos hipotéticos. Entre eles, Rousseau foi o que mais se apossou desse método. Locke se pautava em uma explicação a posteriori da Revolução Gloriosa, por isso, contava com evidências empíricasda experiência histórica recente. Hobbes, por sua vez, era um estudioso da física e da geometria, fato que influenciou a construção de seu pensamento, como seu conceito de liberdade, que significava ausência de barreiras (restrições) aos corpos sociais em movimento (Skinner, 2006). No que se refere a Rousseau, a chave interpretativa para a compreensão de seu ideário está no primeiro parágrafo no capítulo I, do livro I, de Do contrato social: O homem nasce livre, e por toda parte encontra-se a ferros. O que se crê senhor dos demais, não deixa de ser mais escravo do que eles. Como adveio tal mudança? Ignoro-o. Que poderá legitimá-la? Creio poder resolver esta questão. […] Se considerasse somente a força e o efeito que dela resulta, diria: “Quando um povo é obrigado a obedecer e o faz, age acertadamente; assim que pode sacudir esse jugo e o faz, age melhor ainda, porque, recuperando a liberdade pelo mesmo direito por que lha arrebataram, ou tem ele o direito de retomá-la ou não o tinham de subtraí-la”. A ordem social, porém, é um direito sagrado que serve de base a todos os outros. Tal direito, no entanto, não se origina da natureza: funda-se, portanto, em convenções. Trata-se, pois, de saber que convenções são essas. (Rousseau, 1983, p. 22) Como se observa nessa passagem, o autor afasta deliberadamente os fatos e se concentra na compreensão sobre a legitimidade do pacto que originou a sociedade. Segundo seu diagnóstico, os fatos concretos sobre a história da humanidade são de difícil verificação (lembrando que ele viveu no século XVIII), pois há insuficiência de vestígios – daí sua opção pela busca de argumentos racionais com apelos normativos sobre o “dever ser” da ação política (Nascimento, 2000). Segundo Rousseau, o contrato social foi uma espécie de “mal necessário”, tendo em vista a impossibilidade de retorno ao estado de natureza. Ao contrário de Hobbes, ele acreditava na essência benévola do ser humano https://www.liberidigital.com.br/leitor/livro?isbn=9788559725162#void058 https://www.liberidigital.com.br/leitor/livro?isbn=9788559725162#void057 em estado de natureza (o homem como “bom selvagem”). O estado de natureza rousseauniano era pacífico e harmonioso, daí sua máxima de que “o homem nasce livre e por toda parte encontra-se aprisionado” (Rousseau, 1983). Na transição do estado de natureza para a sociedade organizada civilmente, e com o surgimento da propriedade privada, o ser humano perdeu sua liberdade, tornando-se súdito. Assim, a origem da sociedade se deu com a destruição da liberdade e da igualdade que havia no meio natural, gerando a desigualdade e o aprisionamento generalizado (Nascimento, 2000). A grande questão que Rousseau procura resolver é a da possibilidade de reconciliação entre a liberdade e a submissão. Para isso, ele busca uma forma de associação na qual “cada um, unindo-se a todos, só obedece contudo a si mesmo, permanecendo assim tão livre quanto antes” (Rousseau, 1983, p. 32). Trata-se de uma alienação (transferência) de cada associado à comunidade toda. Importa, assim, descobrir as condições que possibilitaram o contrato social de forma que ele pudesse ser politicamente legítimo. Para tanto, as pessoas devem desistir de seus poderes privados, tendo como efeito o surgimento de um “corpo moral coletivo” que forma o “eu comum” e a “vontade geral”. Assim, para Rousseau, as condições para a liberdade civil se dão por meio de um papel duplo centrado na cidadania: o povo soberano é ativo e passivo ao mesmo tempo. Ou seja, se, por um lado, o povo é agente do processo de elaboração das leis, por outro, é obediente às leis que ele mesmo criou em associação. Trata- se de uma conjugação perfeita entre liberdade e obediência, de modo que obedecer às leis prescritas por si mesmo é um ato de liberdade. Por isso, a obediência é a submissão deliberada de cada cidadão atuando como parte do soberano, este emanado dos contratantes reunidos em associação (Cunningham, 2009; Nascimento, 2000). Merece destaque o fato de que o autor diferencia a vontade geral da vontade de todos e da vontade da maioria. A vontade geral não pode ser de uma única pessoa e nem de um grupo, mas também não pode ser a simples somatória das vontades particulares (vontade de todos), pois, assim, o critério seria meramente quantitativo. Muito menos pode ser a competição pelos votos particulares, ou seja, a vontade da maioria. A vontade geral, para ser legítima, necessita de concertação e de pontos de consenso. São os interesses comuns que conectam as pessoas, de sorte que uma associação de pessoas livres não pode ser resumida a uma agregação pura e simples das preferências de cada qual. Este é o processo político legítimo para Rousseau: um processo em que as decisões coletivas devem promover o bem comum, ou seja, beneficiar igualmente a todos (Cunningham, 2009; Nascimento, 2000). Note que há um esforço democrático na construção teórica de Rousseau, que se manifesta na ideia de que o soberano surge após o contrato social e é o único a poder determinar o funcionamento político da associação. O autor assume que, para a administração da coletividade, é necessária a criação de um governo; porém, este é somente o funcionário do soberano, limitado pelo poder do povo e, portanto, não autônomo. No entanto, a forma de governo se torna secundária, uma vez que os governos sempre se esforçam continuamente contra sua fonte de legitimidade – o soberano – e tendem a inverter os papéis para subjugá-lo. Nesse sentido, no pensamento rousseauniano, a liberdade e a democracia são os pilares do Estado, que é constituído de cidadãos reunidos em assembleia. Apesar da defesa implícita da democracia, o autor é intransigente em relação à representação, mantendo a coerência com a construção de sua teoria: as vontades não podem ser representadas, pois estão no âmago de cada um – ou seja, a representação é uma forma de sobrepor as vontades. Nesse sentido, o autor afirma que, “no momento em que um povo se dá representantes, não é mais livre; não mais existe” (Rousseau, 1983, p. 110). Rousseau, no entanto, pondera que, se a representação for indispensável, somente a vigilância constante sobre o governo e os representantes pode remediar a situação. Rousseau viveu e escreveu às vésperas da Revolução Francesa, que teve início em 1789. Seus textos influenciaram os revolucionários e seu livro Do contrato social serviu como um manual de ação política (Nascimento, 2000). Mais que isso, Rousseau foi um autor liberal heterodoxo em relação aos iluministas de seu tempo, pois advogou em favor de um “eu comum” social, dando grande peso aos auspícios comunitários e alertando para os perigos do individualismo liberal, aos moldes de John Locke. As críticas do autor são ainda relevantes por denunciar as mazelas que podem ser causadas pela ausência de um espírito comunitário. Conforme observa Frank Cunningham (2009), a crescente urbanização levou o ser humano a esquecer que ele também foi, e é, parte de um estado de natureza. Nas sociedades contemporâneas, o consumo aumentado dificulta a distribuição justa dos recursos, em um contexto de egocentrismo e individualismo possessivo. Como procuramos ressaltar no início, o pensamento dos autores contratualistas se deu em um contexto marcado pela descoberta do mundo “não civilizado”, que vivia em estado de natureza, bem como pelos períodos conturbados e conflituosos que levaram a momentos de pouca autoridade política, tornando a sociedade acéfala de um centro político, isto é, um Estado – como foi o caso da Revolução Gloriosa, marcada pelo conflito entre o Parlamento e a Coroa inglesa. Tudo isso serviu-lhes de inspiração para questionar a origem da sociedade política esuas formas de legitimação da autoridade política. A próxima seção terá como foco elementos históricos da queda do absolutismo e da ascensão do Estado moderno e liberal. Acreditamos que, munido dos principais conceitos dos filósofos contratualistas, você conseguirá ter um bom aproveitamento das informações que seguem.
Compartilhar