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Bruna Melnik Bellandi – 5º Período Apg 31 – Neoplasias de tireoide 1- Compreender a fisiopatologia, manifestações clínicas, epidemiologia, diagnóstico e tratamento das neoplasias malignas e benignas da tireoide. Nódulos tireoidianos são encontrados frequentemente na prática médica e representam a principal manifestação clínica de uma série de doenças tireoidianas. Estudos epidemiológicos conduzidos em áreas suficientes em iodo têm demonstrado que 4% a 7% das mulheres e 1% dos homens adultos apresentam nódulo palpável. Entretanto, estudos ultrassonográficos demonstram que esta prevalência é ainda maior, variando de 19% a 67%, com maior incidência em mulheres e idosos. A grande importância no manejo dos nódulos tireoidianos baseia-se no fato de que, apesar da grande maioria representar lesões benignas, é necessário excluir o câncer da tireoide, que ocorre em 5% a 10% dos casos. Diante da detecção de um nódulo tireoidiano, história clínica completa e exame clínico cuidadoso deverão ser realizados, visando, principalmente, à definição das características do nódulo e à avaliação da presença de linfadenomegalia cervical e da função tireoidiana. Apesar da história clínica, na maioria das vezes, não ser sensível ou específica, existem alguns sintomas e/ou sinais que sugerem maior risco para malignidade. Dentro das neoplasias existem o adenoma e o carcinoma de tireoide. Bruna Melnik Bellandi – 5º Período LESÕES BENIGNAS Os vários tipos de nódulos benignos da tireoide estão listados na Tabela 378-2. Esses nódulos podem ser hiperplásicos e podem refletir uma combinação de arquitetura tanto macro quanto microfolicular, ou podem ser adenomas neoplásicos encapsulados, que geralmente exibem um padrão microfolicular mais monótono. Se o adenoma for composto de células foliculares oncocíticas organizadas em um padrão folicular, ele é denominado adenoma de células de Hürthle. Em geral, os nódulos hiperplásicos aparecem como lesões císticas/sólidas mistas ou espongiformes na ultrassonografia. A definição de espongiforme exige a presença de áreas microcísticas que compreendem > 50% do volume do nódulo, com o conceito de que esse padrão ultrassonográfico microcítico recapitula a histologia dos macrofolículos contendo coloide (Fig. 378-1B). Entretanto, os nódulos sólidos (sejam eles hipo, iso ou hiperecóicos) também são, em sua maioria, benignos. A AAF, que é habitualmente realizada com orientação ultrassonográfica, constitui o procedimento diagnóstico de escolha para a avaliação dos nódulos da tireoide (ver seção “Abordagem ao paciente com nódulos da tireoide”). Os cistos puros da tireoide, que representam < 1% de todos os crescimentos da tireoide, consistem em coloide e também são benignos. Os cistos frequentemente sofrem recidiva, mesmo após aspiração repetida, e podem exigir excisão cirúrgica se forem volumosos. A ablação com etanol para produzir esclerose do cisto tem sido usada com sucesso em pacientes sintomáticos. A supressão do TSH com levotiroxina não diminui o tamanho dos nódulos da tireoide em populações com aporte suficiente de iodo. Entretanto, se houver deficiência relativa de iodo, foi constatado que tanto o iodo quanto a terapia com levotiroxina diminuem o volume dos nódulos. Se for administrada levotiroxina nessa situação, o TSH deve ser mantido no limite inferior do normal ou imediatamente abaixo, porém não deve ser acentuadamente suprimido. Se não houver diminuição no tamanho do nódulo depois de 6 a 12 meses de terapia, o tratamento deve ser interrompido, visto que é provável que se obtenha pouco benefício do tratamento em longo prazo; deve-se considerar também o risco de tireotoxicose subclínica iatrogênica. Adenomas Mais comuns em mulheres (6 a 10:1), a maioria dos adenomas manifesta-se entre 20 e 60 anos, com pico entre a terceira e a quinta décadas de vida. O diagnóstico clínico diferencial com outros nódulos tireoidianos, inclusive com carcinoma, não é fácil e, com frequência, impossível. Quase sempre, o exame histopatológico é que define o diagnóstico. Em quase todos os casos, os tumores formam folículos, daí a designação adenoma folicular. Os principais achados morfológicos que ajudam na distinção com bócio nodular são: nódulo geralmente solitário, cápsula evidente, uniformidade de folículos nos nódulos (diferente do parênquima não tumoral) e compressão da glândula adjacente falam a favor de adenoma. A variante microfolicular é formada pela proliferação de folículos pequenos, que são revestidos por células pequenas, com núcleos redondos e escassa produção de coloide. O adenoma trabecular (embrionário) é formado por células cuboides, dispostas em trabéculas, traves ou cordões separados por sinusoides e tecido conjuntivo. Adenoma de células de Hürthle (adenoma oncocítico ou oxifílico) apresenta-se como nódulo compacto, elástico e pardo-amarelado. As células de Hürthle são volumosas e têm citoplasma volumoso, acidófilo e granular, núcleo vesicular, às vezes hipercromático; dispõem-se em trabéculas, folículos abortivos, alvéolos ou pseudopapilas. Oncócitos isolados ou em pequeno número podem ser vistos em outros subtipos de adenoma. O adenoma atípico (2 a 5% dos adenomas da tireoide) tem estrutura microscópica ricamente celular, mas não invade. As células são alongadas ou fusiformes e formam feixes separados por tecido conjuntivo; raramente, há folículos rudimentares. Às vezes, as células são claras, semelhantes às da paratireoide. O adenoma tóxico (adenoma funcionante), tem função autônoma, sintertiza hormônios e causa hipertireoidismo; este é mais insidioso e menos exuberante do que na doença de Graves. Bruna Melnik Bellandi – 5º Período O adenoma folicular com hiperplasia pseudopapilar, encapsulado e parcialmente cístico, deve ser distinguido do carcinoma papilífero intracístico; este possui eixo conjuntivo revestido por epitélio com núcleos de cromatina despolida, o que caracteriza papila verdadeira. LESÕES MALIGNAS O carcinoma de tireoide é a neoplasia maligna mais comum do sistema endócrino. Os tumores malignos que derivam do epitélio folicular são classificados de acordo com as características histológicas. Os tumores diferenciados, como o câncer papilífero da tireoide (CPT) ou o câncer folicular da tireoide (CFT), podem ser curados com bastante frequência, e o prognóstico é bom para os pacientes identificados com a doença em estágio inicial. Em contrapartida, o câncer anaplásico da tireoide (CAT) é agressivo, responde precariamente ao tratamento e está associado a um prognóstico ruim. Nesses últimos 30 anos, a incidência do câncer de tireoide aumentou de 4,9 para 14,3 casos por 100.000 indivíduos nos Estados Unidos, com diagnóstico de mais de 65.000 casos em 2015. Todavia, não houve mudança na taxa de mortalidade específica dessa doença. A incidência aumentada pode ser atribuída predominantemente a pequenos tumores de câncer papilífero T1 (< 2 cm), o que levou os especialistas a considerarem que está ocorrendo um sobrediagnóstico do câncer de tireoide, sugerindo a detecção de câncer que têm pouca probabilidade de prejudicar um paciente. O conceito de sobrediagnóstico de câncer baseia-se na presença de um reservatório de doença (a prevalência do CPT em necrópsia é de cerca de 25%), procedimentos que levam à detecção da doença (aumento do diagnóstico por imagem com detecção incidental de nódulos) e divergência na taxa direcional entre diagnóstico e mortalidade (não houve mudança na taxa de mortalidade específica de câncer de tireoide em 40 anos). Foram observadas tendências semelhantes no mundo inteiro, particularmente nos países com maior proporção de financiamento privado dos cuidados de saúde, levando a uma maior utilização de recursos, incluindo exames de imagem.A taxa de mortalidade específica de doença em 20 anos para o câncer de tireoide de baixo risco é de 1%. As tendências atuais no tratamento do câncer de tireoide têm como enfoque: (1) evitar o sobrediagnóstico ao limitar a biópsia por AAF por meio de estratificação de risco ultrassonográfica com pontos de corte para o tamanho; (2) limitar a cirurgia, o iodo radioativo e a vigilância subsequente para tumores de baixo risco; (3) identificar pacientes com maior risco de recorrência para tratamento mais agressivo e monitoramento. O prognóstico é pior em indivíduos idosos (> 65 anos de idade). O câncer de tireoide é duas vezes mais comum em mulheres do que em homens, porém o sexo masculino está associado também a um pior prognóstico. Outros fatores de risco importantes incluem história de radiação de cabeça ou pescoço na Bruna Melnik Bellandi – 5º Período infância (antes dos 18), evidência de fixação local de tumor ou comprometimento metastático visível de linfonodos e presença de metástases distantes (Tab. 378-3). Várias características específicas do câncer de tireoide facilitam seu tratamento: (1) os nódulos da tireoide são acessíveis à biópsia por AAF; (2) podem ser utilizados radioisótopos do iodo para o diagnóstico (I123 e I131) e o tratamento (I131) do câncer de tireoide diferenciado, refletindo a captação singular desse ânion pela glândula tireoide; e (3) os marcadores séricos possibilitam a identificação de doença residual ou recorrente, incluindo o uso dos níveis de Tg para CPT e CFT, bem como de calcitonina para o câncer medular da tireoide (CMT) Patogênese Radiação- Os estudos iniciais da patogênese do câncer de tireoide concentraram-se no papel da radiação externa, que predispõe a rupturas cromossômicas, resultando em rearranjos genéticos e perda dos genes supressores tumorais. A radiação externa do mediastino, da face, da cabeça e da região do pescoço era administrada no passado para tratar várias condições, como acne e aumento de volume do timo, das tonsilas e das adenoides. A exposição actínica aumenta o risco de nódulos benignos e malignos da tireoide, está associada a cânceres multicêntricos e desvia a incidência do câncer da tireoide para um grupo etário mais precoce. A radiação decorrente de partículas radioativas liberadas em explosões nucleares também eleva o risco de câncer tireoidiano. As crianças parecem ser mais predispostas aos efeitos da radiação do que os adultos. TSH e fatores do crescimento -Muitos cânceres diferenciados de tireoide expressam os receptores de TSH e, por isso, continuam respondendo ao TSH. Os níveis séricos mais elevados de TSH, mesmo dentro da faixa normal, estão associados a um risco aumentado de câncer de tireoide em pacientes com nódulos da tireoide. Essas observações proporcionam uma justificativa para a supressão do TSH pelo T4 em pacientes com câncer de tireoide. A expressão residual dos receptores de TSH também possibilita a terapia com I131 por meio de captação estimulada pelo TSH. CÂNCER DE TIREOIDE BEM DIFERENCIADO Papilífero O CPT é o tipo mais comum de câncer de tireoide, sendo responsável por 70 a 90% das neoplasias malignas tireoidianas bem diferenciadas. O CPT microscópico está presente em até 25% das tireoides por ocasião da necrópsia, porém muitas dessas lesões são extremamente pequenas (vários milímetros) e não são clinicamente significativas. Os aspectos citológicos característicos do CPT ajudam a estabelecer o diagnóstico por AAF ou após ressecção cirúrgica; incluem grandes núcleos claros com cromatina dispersa (descrita como aspecto de “olhos de órfã Annie”), com fendas e nucléolos proeminentes. O achado histológico dessas células organizadas em estruturas papilíferas versus folículos distingue as variantes clássica e folicular de CPT, respectivamente. O CPT pode ser multifocal e invadir localmente dentro da glândula tireoide, bem como através da cápsula da tireoide e no interior das estruturas adjacentes no pescoço. Exibe certa propensão à propagação via sistema linfático, porém pode metastatizar também pela via hematogênica, sobretudo para os ossos e pulmões. Por causa do crescimento relativamente lento do tumor, pode acumular-se um número significativo de metástases pulmonares, às vezes com uma quantidade extremamente pequena de sintomas. A implicação prognóstica da disseminação para os linfonodos depende do volume da doença metastática. As micrometástases, definidas como a presença de < 2 mm de câncer em um linfonodo, não afetam o prognóstico. Entretanto, o comprometimento metastático visível de múltiplos linfonodos de 2 a 3 cm indica uma probabilidade de recorrência de 25 a 30% e pode aumentar a mortalidade em pacientes idosos. Os cânceres papilíferos são identificados, em sua maioria, nos estágios iniciais (> 80% nos estágios I ou II) e apresentam prognóstico excelente, com curvas de sobrevida que se assemelham à sobrevida esperada. A Bruna Melnik Bellandi – 5º Período mortalidade aumenta acentuadamente na doença de estágio IV, sobretudo na presença de metástases a distância (estágio IV-C), porém esse grupo compreende apenas cerca de 1% dos pacientes. O tratamento do CPT é descrito adiante. Folicular A incidência de CFT varia bastante nas diferentes regiões do mundo, sendo mais comum nas regiões com deficiência de iodo. Atualmente, o CFT responde por apenas cerca de 5% de todos os cânceres de tireoide diagnosticados nos Estados Unidos. O CFT é difícil de diagnosticar por AAF, visto que a distinção entre neoplasias foliculares benignas e malignas exige exame histológico, uma vez que as características nucleares dos adenomas e carcinomas foliculares não diferem. Com efeito, o carcinoma folicular é diagnosticado pela presença de invasão capsular e/ou vascular. O CFT tende a propagar-se pelas vias hematogênicas, acarretando metástases ósseas, pulmonares e para o sistema nervoso central. As taxas de mortalidade associadas ao CFT angioinvasivo são menos favoráveis do que as do CPT, em parte pelo fato de que uma proporção maior de pacientes apresenta-se com doença no estágio IV. As características prognósticas desfavoráveis incluem metástases a distância, idade superior a 50 anos, tamanho do tumor primário > 4 cm, histologia com células de Hürthle e presença de acentuada invasão vascular. Carcinoma Medular Da Tireoide O CMT pode ser esporádico ou familiar e engloba cerca de 5% dos cânceres de tireoide. Existem três formas familiares de CMT: NEM2A, NEM2B e CMT familiar sem outras características de NEM (Cap. 381). Em geral, o CMT é mais agressivo na NEM2B do que na NEM2A, e o CMT familiar é mais agressivo do que o CMT esporádico. A calcitonina sérica elevada representa um marcador de doença residual ou recorrente. Todos os pacientes com CMT devem ser testados para mutações RET, visto que podem ser oferecidos aconselhamento genético e testes dos familiares aos indivíduos com teste positivo para mutações. O tratamento do CMT é principalmente cirúrgico. Antes da cirurgia, deve-se descartar a possibilidade de feocromocitoma em todos os pacientes com mutação no RET. Ao contrário dos tumores que derivam das células foliculares da tireoide, esses tumores não captam o iodo radioativo. O tratamento com radiação externa e os inibidores de cinase direcionados para alvos podem proporcionar paliação aos pacientes com doença avançada. Câncer anaplásico da tireoide Conforme mencionado anteriormente, o CAT é um câncer pouco diferenciado e agressivo. O prognóstico é ruim, e a maioria dos pacientes morre em até 6 meses após o diagnóstico. Por causa do estado indiferenciado desses tumores, a captação de iodo radioativo costuma ser negligenciável, mas poderá ser utilizada com finalidades terapêuticas se houver captação residual. A quimioterapia foi tentada com múltiplosagentes, incluindo antraciclinas e paclitaxel, mas costuma ser ineficaz. A radioterapia externa pode ser tentada e continuada quando os tumores são responsivos. Dados recentes demonstraram um benefício de sobrevida com a terapia de inibição de checkpoints imunes. Linfoma da tireoide O linfoma na glândula tireoide muitas vezes surge tendo como antecedente uma tireoidite de Hashimoto. A presença de massa tireoidiana com rápida expansão sugere a possibilidade desse diagnóstico. O linfoma difuso de grandes células é o tipo mais comum na tireoide. As biópsias revelam lâminas de células linfoides cuja diferenciação de um câncer de pulmão de pequenas células ou de um CAT pode ser extremamente difícil. Com bastante frequência, esses tumores são altamente sensíveis à radiação externa. A ressecção cirúrgica deve ser evitada como terapia inicial, pois pode disseminar a doença, em geral localizada apenas na tireoide. Se o estadiamento indicar a presença de doença fora da tireoide, o tratamento deve obedecer às diretrizes utilizadas para outras formas de linfoma. Bruna Melnik Bellandi – 5º Período Tratamento Cirurgia do Câncer de Tireoide Bem Diferenciado: 1.Indicação para Cirurgia: - Tumores bem diferenciados de > 1 cm (T1b ou mais) devem ser submetidos à excisão cirúrgica. - Vigilância ativa pode ser considerada para cânceres pequenos (T1a) sem metástases. 2. Tipo de Cirurgia: - Cirurgia unilateral (lobectomia) ou bilateral (tireoidectomia quase total) dependendo do tamanho e da presença de metástases. - Tireoidectomia quase total é indicada para tumores de > 4 cm ou na presença de metástases. Terapia de Supressão do TSH: 1. Racionalidade: - A supressão do TSH com levotiroxina é fundamental, pois a maioria dos tumores ainda responde ao TSH. 2. Níveis Ideais de Supressão: - Individualizado com base no risco de recorrência do paciente. - Ajustado ao longo do tempo com base em exames de sangue e de imagem. Tratamento com Iodo Radioativo: 1. Radioablação Pós-Cirúrgica: - Elimina a tireoide normal residual. - Facilita o uso de determinações de Tg. 2. Captação do Iodo Radioativo: - Influenciada pela expressão do NIS e estimulada pelo TSH. - Tempo de retenção relacionado à capacidade do tumor de conservar funções diferenciadas. 3. Indicação para Iodo Radioativo: - Pode desempenhar um papel adjuvante em pacientes com maior risco de recorrência e doença metastática conhecida.
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