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DIREITO RESTAURATIVO E REINSERÇÃO SOCIAL DIREITO RESTAURATIVO E REINSERÇÃO SOCIAL 1 1 Sumário DIREITO RESTAURATIVO E REINSERÇÃO SOCIAL ............................... 0 DIREITO RESTAURATIVO E REINSERÇÃO SOCIAL ............................... 0 NOSSA HISTÓRIA............................................................................................. 2 1. INTRODUÇÃO...................................................................................... 3 2. JUSTIÇA RESTAURATIVA – UMA TRATATIVA HISTÓRICA ..... 7 3. ENTENDIMENTO DO CONCEITO DE JUSTIÇA RESTAURATIVA........................................................................................................ 9 4. ELEMENTOS FUNDAMENTAIS DO CONCEITO DE JUSTIÇA RESTAURATIVA...................................................................................................... 11 5. PRINCÍPIOS E VALORES RESTAURATIVOS................................. 12 6. APLICAÇÃO DA JUSTIÇA RESTAURATIVA NOS CENÁRIOS MUNDIAL E BRASILEIRO ......................................................................................... 14 7. MARCOS DA JUSTIÇA RESTAURATIVA NO BRASIL .................. 18 8. JUSTIÇA RESTAURATIVA COMO MEIO PARA A INCLUSÃO SOCIAL 22 9. BENEFÍCIOS DA JUSTIÇA RESTAURATIVA .................................. 25 REFERÊNCIAS ............................................................................................ 28 2 2 NOSSA HISTÓRIA A nossa história inicia com a realização do sonho de um grupo de empresários, em atender à crescente demanda de alunos para cursos de Graduação e Pós-Graduação. Com isso foi criado a nossa instituição, como entidade oferecendo serviços educacionais em nível superior. A instituição tem por objetivo formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua formação contínua. Além de promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos e técnicos que constituem patrimônio da humanidade e comunicar o saber através do ensino, de publicação ou outras normas de comunicação. A nossa missão é oferecer qualidade em conhecimento e cultura de forma confiável e eficiente para que o aluno tenha oportunidade de construir uma base profissional e ética. Dessa forma, conquistando o espaço de uma das instituições modelo no país na oferta de cursos, primando sempre pela inovação tecnológica, excelência no atendimento e valor do serviço oferecido. 3 3 1. INTRODUÇÃO Com a globalização e a ampliação de direitos, garantias e medidas assecuratórias, conferidos pela constituição federal de 1988, despertando na população uma maior conscientização de seus direitos, esta passou a buscar com maior intensidade a proteção de seus interesses perante juízes e tribunais. Ocorre que nem todos estes direitos encontraram seu regulamento na lei ordinária e, ainda quando abarcados pela norma e submetidos à apreciação do judiciário, não há garantias de que os conflitos preexistentes tenham se liquidado, de modo a se (re) estabelecer o status quo. Nas últimas décadas, tem crescido sensivelmente a busca por alternativas para a administração de conflitos na sociedade. Ao tutelar uma gama de bens jurídicos cada vez maior, o Direito Penal apropria-se, de forma acelerada, de espaços que outrora pertenciam a outros ramos do Direito. Em ritmo idêntico, o Direito Processual Penal, através dos órgãos de administração da justiça criminal, monopoliza a sistemática de resolução dos litígios e o conjunto de toda atividade persecutória. Neste ambiente, no qual iniciativas democráticas dificilmente ganham relevo, o Direito Restaurativo, também chamado de Justiça Restaurativa, emana no cenário jurídico como alternativa para a solução de conflitos na atualidade. Parte-se do pressuposto de que a justiça criminal tradicional, conhecida como retributiva, está em crise, deflagrada principalmente pela falta de legitimidade do Estado em recorrer aos institutos penais, via de regra, obsoletos, mesmo em face ao expansionismo da legislação. Ao propor um encontro entre as partes envolvidas no conflito, a Justiça Restaurativa confere prioridade ao “olho no olho”, ao diálogo, à reconciliação e até mesmo ao perdão. Por outro lado, a participação da comunidade no processo restaurativo, tem o efeito de prevenir a ocorrência de novos ilícitos. 4 4 Por isso, a busca por um resultado idealizado de forma conjunta, em que as partes diretamente envolvidas em um crime podem, com a ajuda de um facilitador, chegar a um acordo, objetivando a responsabilização do autor e a reparação do delito à vítima, faz da Justiça Restaurativa um importante instrumento democrático e de acesso à justiça. Ademais, a ruptura com os estereótipos e com a ideia de estigmatização do infrator, muito comuns no sistema de justiça criminal tradicional, associada ao maior respeito dado à vítima no processo, transformam a proposta restaurativa em uma importante alavanca para o fortalecimento do Estado democrático de Direito. A Justiça Restaurativa é uma proposta de aplicação da justiça na qual se busca o atendimento das necessidades da vítima ao mesmo tempo em que o agressor é convocado a participar do processo de reparação do dano, visando um processo produtivo e de reintegração à sociedade, em lugar da simples pena punitiva. É possível destacar alguns princípios aplicáveis a Justiça Restaurativa, como: Princípio da Voluntariedade; Princípio da Consensualidade; Princípio da Confidencialidade; Princípio da Celeridade; Princípio da Urbanidade; Princípio da Adaptabilidade; e Princípio da Imparcialidade. O moderno movimento da justiça reparativa tem origem nos anos 1970 e 1980, a partir de referências de tradições pacificadoras antigas e iniciativas no Canadá e Nova Zelândia Para definir o que é a justiça restaurativa, nada melhor do que a sugestão presente na resolução 2002/12 do Conselho Econômico e Social das Nações Unidas, quando este faz a recomendação da justiça restaurativa a todos os países. De forma bastante redundante, define que: “Programa de Justiça Restaurativa significa qualquer programa que use processos restaurativos e objetive atingir resultados restaurativos.” e avança, dizendo que esses Processos Restaurativos são quaisquer processos onde vítima e ofensor, bem como demais outros indivíduos ou membros da comunidade que foram afetados 5 5 pelo conflito em questão, participam ativamente na resolução das questões oriundas desse conflito, geralmente com a ajuda de um facilitador “Mediador”. Essa definição um tanto genérica e, como já dito, tautológica em seu enunciado, se faz importante, tendo em vista que a história das práticas consideradas restaurativas tem origem em lugares diferentes e também em tempos diferentes. Além disso, mostra que, diferente da justiça tradicional positivista, não há regras rígidas ou leis que a cerceie; ao contrário disso, trata- se de um modelo de resolução de conflitos firmado em valores. Na verdade, ao mesmo tempo em que dá liberdade a um lastro maior de formas de justiça restaurativa, mostra a raiz, mais intuitiva e prática do que teórica, do que vem a ser a justiça restaurativa. No entanto, apesar da definição ampla, a justiça restaurativa pode ser identificada por aspectos comuns aos diversos projetos existentes. Renato Gomes Pinto define a justiça restaurativa, dizendo que: “trata-se de um processo estritamente voluntário, relativamente informal, com a intervenção de mediadores, podendo ser utilizadas técnicas de mediação, conciliação e transação para se alcançar o resultado restaurativo, objetivando a reintegração social da vítima e do infrator.” De modo geral, os aspectos destacados por Gomes Pinto,expressam a forma pela qual a justiça restaurativa é operada. Esses aspectos serão, portanto, analisados, ao mesmo tempo em que o funcionamento da justiça restaurativa será apresentado. Embora existam diversas práticas restaurativas ao redor do mundo, os princípios fundamentais que embasam a Justiça Restaurativa são comuns e universais. Os valores que regem a Justiça Restaurativa são: empoderamento, participação, autonomia, respeito, busca de sentido e de pertencimento na responsabilização pelos danos causados, mas também na satisfação das necessidades evidenciadas a partir da situação de conflito. 6 6 A justiça restaurativa tira o foco de atenção do delito, transferindo-o para a solução dos conflitos decorrentes deste delito. As partes afetadas pelo conflito devem voluntariamente optar pela justiça restaurativa como meio para sua resolução, diferentemente do processo tradicional, pois, caso as pessoas não queiram optar pelo modelo restaurativo, o Estado não pode intimá-las a utilizar essa via. O fato de ser caracterizado como relativamente informal alude à forma como acontecem os procedimentos. As partes são consultadas se desejam participar e a solução tida como justa é obtida através do diálogo entre elas, nos chamados círculos restaurativos, câmaras restaurativas, ou mesmo encontro restaurativo. A intervenção de mediadores treinados e habilitados (também chamados de facilitadores ou, ainda, conciliadores) marca a viabilidade do procedimento restaurativo. O papel da mediação é o de garantir que as partes dialoguem de modo a construir conjuntamente um acordo justo para ambos os lados. Ocorre que o diálogo entre as pessoas afetadas se torna muito delicado em decorrência dos impactos causados pelo conflito. Por isso, a mediação irá primar para que esse diálogo não seja mais uma forma de conflito, mas sim um meio para a reparação dos danos e restauração das relações sociais. O resultado restaurativo diz respeito aos encaminhamentos advindos desse encontro entre as partes. O termo resultado restaurativo é mais amplo que acordo restaurativo, sendo que este corresponde ao que foi decido entre as partes para a reparação dos danos decorrentes do conflito e, aquele, insinua também o cumprimento desse acordo e a efetiva restauração das partes. Que a Justiça Restaurativa não seja confundida com moleza, bondade, permissividade ou tática para reduzir a reincidência criminal. Muitas vezes o sistema tradicional de punição é necessário, nem que seja para tirar da sociedade alguém que está causando mal aos outros e a si mesmo. Mas passada a etapa da punição, ou antes, podemos ter a sorte de reconhecer que restaurar é melhor do que simplesmente punir. 7 7 Que confrontar o criminoso com a vítima oferece a ele a experiência moral de tomar contato real com o sofrimento causado. Ou alguém acha que jogá-lo num inferno vai fazê-lo refletir sobre algo? E também que confrontar a vítima com o criminoso permite a ela a experiência do perdão, ou pelo menos, reconhecer que o mal não é algo abstrato que pode acontecer sem aviso, algo bem mais assustador do que o mal humano, passível de manifestação em todos nós. Basta um momento de descuido. 2. JUSTIÇA RESTAURATIVA – UMA TRATATIVA HISTÓRICA O arcabouço histórico da Justiça Restaurativa está atrelado a mais longínqua prática de resolver os conflitos nas comunidades primitivas. Os relatos de tais práticas se encontram nos mais antigos códigos, antes mesmo da primeira era cristã. O resgate histórico que se faz das práticas restaurativas, demonstra que no sentido de restabelecer e garantir o equilíbrio nas sociedades antepassadas, estas eram eficazes, porque havia o respeito a figura do líder que orientava os membros da comunidade. Nas comunidades chamadas primitivas, quando surgia uma situação em que o convívio pacífico do grupo era ameado por um ato contrário a cultura do grupo, a forma de reparação se aplicava com a finalidade de restabelecer o equilíbrio afetado. Nestas sociedades, onde os interesses coletivos superavam os interesses individuais, a transgressão de uma norma causava reações orientadas para o restabelecimento do equilíbrio rompido e para a busca de uma solução rápida para o problema. As formas punitivas (vingança ou morte) não foram excluídas, mas as sociedades comunais tinham, a tendência de aplicar alguns mecanismos capazes de contra toda a desestabilização do grupo social. (JACCOUD, 2005, p. 165) O debate acerca do reconhecimento e desenvolvimento das práticas restaurativas iniciou-se em meados da década de setenta, no Canadá e Nova 8 8 Zelândia, fundando-se nos estudos de antigas tradições desses países que apregoavam o diálogo pacificador como mecanismo de resolução de conflitos, notadamente entre os adolescentes. A utilização do termo Justiça Restaurativa é atribuída a Albert Eglast, que, em 1977, escreveu um artigo denominado Beryond Restition: CreativeRestitution, onde suscitou a existência de três respostas ao crime, quais sejam, a retributiva (essencialmente punitiva), a distributiva (visando a reeducação) e a restaurativa (buscando a reparação). (PINTO, 2006, p.3) Constata-se que as práticas de justiça comunitária eram comuns entre as sociedades nativas, onde as formas de negociação eram baseadas nos costumes, nas resoluções dos conflitos dentro dos próprios grupos, o que poderia incluir a vingança e a morte: A justiça comunitária tinha defeitos graves. Os métodos para determinar a culpa eram arbitrários e imprecisos, e faltavam as devidas salvaguardas. Essa forma de justiça funcionava muito bem entre iguais. Mas se o ofensor fosse um subordinado, a justiça seria sumária e brutal. (ZEHR, 2008, p.102) Entretanto, ainda que a justiça comunitária tivesse suas precariedades, havia uma preocupação constante com a manutenção dos relacionamentos e a reconciliação, oferecendo mais opções de resultados do que oferece o protótipo retributivo. A partir do século XIX observa-se uma transição das práticas restaurativas ou da justiça comunitária para um sistema público de justiça retributiva, que acabou se tornando, com o tempo, a única regra aceitável, de onde adveio, por consequência, a instituição de um modelo de justiça penal, separado do modelo de justiça civil. (KÉPES, 2008, p. 61) Os programas de Justiça Restaurativa se disseminaram rapidamente e, em meados de noventa, já envolviam países como Austrália, Estados Unidos, África do Sul, Argentina, entre outros sendo que, no Brasil, os primeiros estudos 9 9 acerca do tema se deram em 1999,a cargo do professor Pedro Scuro Neto, no Estado do Rio Grande do Sul. (LARA, 2013, pp. 305/308) Outros tantos foram sendo iniciados, mas em 2003 com a realização do primeiro Seminário sobre Justiça Restaurativa realizado em Brasília, iniciou-se mais fortemente outros projetos pelo pais, sendo criados então os chamados projetos pilotos da Justiça Restaurativa no Brasil, os que foram implantados em São Caetano do Sul - SP, Bandeirantes - DF e Porto Alegre - RS. (PRUDENTE, 2013, P. 190) 3. ENTENDIMENTO DO CONCEITO DE JUSTIÇA RESTAURATIVA Num primeiro momento importa entender o significado da Justiça Restaurativa, bem como sua finalidade. Renato Sócrates Gomes Pinto, assim sintetizou o conceito de práticas de Justiça Restaurativa e de seu objetivo central: Trata-se de um processo estritamente voluntário, relativamente informal, a ter lugar preferencialmente em espaços comunitários, sem o peso e o ritual solene da arquitetura do cenário judiciário, intervindo um ou mais mediadores ou facilitadores, e podendo ser utilizadas técnicas de mediação, conciliação e transação para se alcançar o resultado restaurativo, ou seja, um acordo objetivando suprir as necessidades individuais e coletivas das partes e se lograra reintegração social da vítima e do infrator. (PINTO, 2006, p. 20). A ideia central de Justiça Restaurativa é demonstrar que não há somente uma parte lesada pelo surgimento de um conflito, mas a própria coletividade, vez que as consequências advindas atingem um número indeterminado de pessoas, de modo que a Justiça Restaurativa busca, em síntese, curar e corrigir injustiças, reavivando as relações comunitárias. As práticas de Justiça Restaurativa vão além da atribuição de “culpados” ou “inocentes” na existência de um conflito, buscando o restabelecimento da 1 0 10 convivência, a partir da (re) integração dos envolvidos na sociedade. Neste sentido, Carolyn Hoyle (2010, p. 2) aduz que “para uma intervenção ser considerada restaurativa, as partes devem se juntar para dialogar”. Assim, verifica-se que, para a Justiça Restaurativa, não basta que ocorra justiça, é preciso ir além, é necessário vivenciá-la. (...) o primeiro passo na justiça restaurat iva é atender às necessidades imediatas, especialmente as da vítima. Depois disso a justiça restaurativa deveria buscar identificar necessidades e obrigações mais amplas. Para tanto, o processo deverá, na medida do possível, colocar o poder e a responsabilidade nas mãos dos diretamente envolvidos: a vítima e o ofensor. (ZEHR, 2008, p. 192) Embora sua aplicação, hodiernamente, se dê na esfera penal, sobretudo nos crimes de menor potencial ofensivo e quando do cometimento de ato infracional, verifica-se a possibilidade de sua aplicação também em ramos do direito civil, como nos casos em que houver ofensa à moral, ensejando reparação ao dano, quanto em situações que envolvem o direito de família, visando à restauração dos vínculos, sobretudo quando houver interesse de incapaz. Desta forma, pode-se dizer que, vivenciar a justiça é ser efetivamente um ator de sua existência, é fazer com que todos os envolvidos no conflito e pelo conflito, independente do ramo do direito, participem ativamente na busca da solução. Para tanto é imprescindível conhecer os elementos constitutivos do conceito de Justiça Restaurativa a fim de que se visualize esta prática como um verdadeiro instrumento de inclusão social. 1 1 11 4. ELEMENTOS FUNDAMENTAIS DO CONCEITO DE JUSTIÇA RESTAURATIVA A Justiça Restaurativa tem se apresentado como um instrumento de transformação da sociedade, ao fornecer elementos fundamentais a partir de seu conceito que permitem o estabelecimento de um novo pensamento sobre o comportamento humano nas relações sociais. Ao viabilizar a participação ativa de todos os envolvidos em uma situação de conflito, com o objetivo de solucioná-lo e restabelecer os laços que tenham sido quebrados, a Justiça Restaurativa torna-se inovadora, “uma forma de perspectivar como é que todos nós, enquanto vítimas, infratores, autoridades policiais e judiciárias e a comunidade em geral devemos responder” ao conflito. (LÁZARO E MARQUES, 2006, p. 66) Diante do contexto em que se se vem aplicando a Justiça Restaurativa, é possível elencar três elementos fundamentais a partir do seu conceito já elencado acima. Um primeiro elemento que pode ser considerado é o social, que compreende o surgimento do conflito a partir da violação de uma norma, independentemente de ser necessariamente identificado um crime propriamente dito. Como segundo elemento que se identifica é a participação, donde só se pode falar em Justiça Restaurativa quando esta for de todos os envolvidos no conflito, uma vez que: os principais méritos da Justiça Restaurativa são, ao promover a participação ativa de vítimas, infratores e comunidade, permitir às primeiras expressar os sentimentos experenciados, as consequência decorrentes do crime e as necessidades a suprir para a ultrapassagem dos efeitos deste, proporcionar aos segundos a possibilidade de compreenderem em concreto o impacto que a sua ação teve na vítima, de assumirem a responsabilidade pelo ato perpetrado e de repararem de alguma forma, total ou ao menos 1 2 12 parcialmente, o mal causado, e possibilitar às terceiras a recuperação da “paz social”.(LÁZARO E MARQUES, 2006, p. 66) Como terceiro elemento fundamental da Justiça Restaurativa, destaca-se a reparação. As práticas restaurativas apresentam como finalidade precípua a busca do retorno o mais próximo do possível do estado originário, permitindo que todos os envolvidos possam continuar convivendo numa mesma comunidade. A reparação é vista como “a chance de repara o malfeito por meio de desculpa, mudança de comportamento, restituição e generosidade, como forma de as partes assumirem responsabilidades, reparar e oferecerem alternativas para que isso seja realizado”. (SCURO NETO, 2004). Partindo-se da análise dos três elementos fundamentais, sendo eles o social, a participação e a reparação, é possível a transformação do conflito, e a partir de uma mudança geral é possível vislumbrar um caminho para a verdadeira inclusão social. 5. PRINCÍPIOS E VALORES RESTAURATIVOS O Conselho Social e Econômico da ONU (ECOSOC), através da Resolução 2002/12, elaborou uma lista de princípios básicos que trazem importantes orientações acerca da implementação da justiça restaurativa para os Estados que queiram utilizá-la. Tais princípios são referência internacional no âmbito da regulamentação da justiça restaurativa e de suas práticas, e objetivam orientar sua utilização em casos criminais, através do desenvolvimento de programas que viabilizem a consecução de processos e resultados restaurativos. A Resolução 2002/12 da ONU define três princípios fundamentais: o programa restaurativo, o processo restaurativo e o resultado restaurativo. O Programa Restaurativo é qualquer programa utilize processos restaurativos buscando um resultado restaurativo. O Processo Restaurativo se dá através do 1 3 13 encontro entre vítima, infrator e, quando apropriado, outras pessoas ou membros comunidade, tentando solucionar as controvérsias decorrentes de um crime, orientados geralmente por um facilitador; e abrange a mediação, a conciliação, audiências e círculos de sentença. O Resultado Restaurativo é o acordo alcançado durante esse encontro (processo restaurativo), que inclui responsabilidades para o autor do ato delitivo, como reparação, restituição, prestação de serviços comunitários, intentando satisfazer as necessidades individuais e coletivas das partes e almejando a reintegração social da vítima e do infrator. Saliba ressalta que, apesar da importância da mencionada Resolução para a estruturação da justiça restaurativa em todo o mundo, os princípios por ela elencados não são taxativos, em razão da mobilidade e da adequação aos interesses envolvidos e comunitários que o próprio modelo restaurativo se funda. Todavia, servem como delimitadores mínimos para a manutenção das características originais e evitam um desvio das ideias sedimentadoras desse modelo. Assim, encadeamos um breve resumo de valores restaurativos listados por Marshall, Boyack e Bowen: a) Participação – dos mais afetados pelo crime (vítimas, infratores e suas comunidades de interesse), sendo estes os principais tomadores de decisões; b) Respeito – De todos os seres humanos, uns pelos outros, independente de raça, cultura, religião, poder econômico, idade, gênero e orientação sexual; c) Honestidade – Na fala e nos sentimentos decorrentes do fato criminoso; d) Humildade – Para reconhecer a fragilidade e vulnerabilidade do ser humano; e) Interconexão – Dos laços que envolvem o relacionamento da vítima, infrator e comunidade; f) Responsabilidade – Em assumir os riscos decorrentes de uma transgressão e criar meios para reparar os danos causados por sua conduta (infrator). g)Empoderamento – Das partes, para livre manifestação de suas vontades e satisfação deseus interesses; h) Esperança – Da cura das vítimas, da mudança dos infratores, e da maior civilidade da sociedade. 1 4 14 6. APLICAÇÃO DA JUSTIÇA RESTAURATIVA NOS CENÁRIOS MUNDIAL E BRASILEIRO Pode-se afirmar que a origem do que hoje conhecemos como mediação vítimaofensor, uma das espécies mais usuais de prática restaurativa, projeta-se para a década de 1970, motivada pelo incidente ocorrido na cidade de Elmira, na província de Ontário, no Canadá, onde dois jovens foram acusados de praticar atos de vandalismo contra 22 propriedades. Na ocasião, influenciado pela proposta feita por Mark Yantzi e Dave Worth, membros de um serviço de voluntários do Comitê Central Menonita da cidade de Kitchener, também em Ontário, o juiz determinou que se fizessem encontros presenciais entre as vítimas e os dois ofensores a fim de se chegar a um acordo de indenização. Acompanhados dos oficiais de condicional e do coordenador, os jovens visitaram as vítimas, negociaram o ressarcimento, e em poucos meses pagaram a dívida. A partir daí, nasceu a expressão VORP‟s (Victim Offender Reconciliation Programs/ Programas de Reconciliação Vítima- Ofensor) e várias outras práticas começaram a ocorrer de forma estruturada no Canadá. Quando essas experiências chegaram aos Estados Unidos, entre anos de 1977 e 1978, através de um projeto na cidade de Elkhart, Estado de Indiana, o psicólogo Albert Eglash criou a expressão Justiça Restaurativa em um texto que o mesmo produzira, fundado na ideia de restituição criativa e que estimulava o ofensor a pedir perdão pelos seus atos e reabilitar-se. Zehr define o VORP como uma organização independente, externa ao sistema de justiça criminal, mas que trabalha em cooperação com ele. O procedimento do VORP consiste de encontros presenciais entre vítima e ofensor em casos nos quais foi dado início ao processo penal e o ofensor admitiu ser autor do dano. Nesses encontros são enfatizados três elementos: os fatos, os sentimentos e os acordos. O encontro é facilitado e presidido por um mediador treinado, de preferência um voluntário da comunidade. 1 5 15 O autor supracitado aponta que a maioria dos casos encaminhados aos VORP‟s originam-se da via judicial, sendo alguns, porém, enviados pela via policial, e outros que chegam por iniciativa das vítimas ou ofensores. Nos EUA, a maioria dos casos originam-se das cortes e o acordo se transforma em sentença, ou em parte dela, sendo que, nos casos encaminhados pelas cortes, os ofensores ficam em liberdade condicional durante todo operíodo de cumprimento do acordo. Nos EUA e Canadá a maioria dos casos são de dano patrimonial, com destaque para o furto ou furto qualificado. Pesquisas realizadas nos Estados Unidos demonstraram como positivos os resultados das experiências restaurativas envolvendo vítima e ofensor, através dos VORP‟s. Praticamente todos os encontros chegaram a um acordo. Houve ínfimo percentual de insatisfação das vítimas e mais de 90% delas afirmaram que participariam novamente e recomendariam a amigos. A satisfação também se estendeu aos ofensores, com percentuais beirando a totalidade de envolvidos. Constatou-se redução nas taxas de reincidência dos ofensores inseridos no programa. Além disso, cerca de 80% das vítimas e ofensores se sentiram tratados com justiça no seu caso em particular. Após as experiências VORP‟s, que constituem um verdadeiro campo experimental para as práticas restaurativas em todo o mundo, a Justiça Restaurativa difundiu-se e ganhou delineamentos diferenciados nos locais onde ia sendo implementada. Podemos destacar a Nova Zelândia, a Austrália, a África do Sul e países da Europa, como Alemanha, Holanda, Inglaterra e Espanha, como bons exemplos. A Nova Zelândia pode ser considerada um dos países-piloto a introduzir a via restaurativa no seio de sua justiça criminal. A experiência já ultrapassa 20 anos, e a instauração de valores e processos de justiça restaurativa na justiça juvenil e também na de adultos enfatizam com otimismo os resultados que essa prática tem gerado, podendo ainda ampliar-se na medida em que vier sendo implantada e aceita de forma mais genérica, trazendo benefícios tanto para as vítimas, como para os infratores. 1 6 16 As principais práticas que podemos destacar no âmbito da justiça restaurativa na Nova Zelândia são as reuniões de grupos familiares para jovens, o encaminhamento alternativo de jovens pela polícia e as reuniões restaurativas para adultos. As reuniões de grupos familiares para jovens são uma das possibilidades que um agente policial tem quando prende um jovem infrator neozelandês. Apesar da gravidade da infração e do histórico da mesma serem os fatores determinantes para a prática policial, temse buscado conhecer o histórico familiar do infrator, e isso se dá justamente através dessas reuniões, que já representam 25% das tomadas de decisão e incluem todas as infrações sérias, com exceção dos assassinatos e homicídios culposos, que vão diretamente para os tribunais regulares. Tais encontros são organizados por coordenadores da justiça juvenil, e contam com o apoio de assistentes sociais, cujo papel inclui a preparação e presença em reuniões com os participantes, e a tomada de providências necessárias para uma reunião restaurativa,organizando sua facilitação e relatando os resultados para as partes envolvidas. Normalmente comparecem os jovens infratores, suas famílias, membros da família estendida e outros partidários, as vítimas e seus partidários, um representante da polícia e o facilitador.Estudos realizados entre 1990 e 2004 com jovens, membros da família, vítimas e profissionais envolvidos nas RGF (reuniões de grupos familiares) apontaram as seguintes conclusões: a) os resultados das RGF são amplamente restaurativos, uma vez que todos os envolvidos participam (apesar de isso só ocorrer com cerca de metade das vítimas) e concordam com as decisões, havendo em grande parte a reparação do dano e a reintegração do infrator; b) apesar de em alguns casos os jovens e as vítimas terem se sentido distantes da tomada de decisão, e de alguns resultados apresentarem caráter punitivo e reabilitação do infrator aquém das expectativas dos jovens, a aplicação de um tratamento justo e respeitoso para todos e a ausência da vergonha estigmatizante foram fatores fundamentais que determinaram o êxito em muitas reuniões; c) jovens compreenderam o processo, 1 7 17 sentiram-se apoiados, perdoados e arrependidos, e consequentemente, capazes de reparar o dano e de não cometer novas infrações. Outra prática recorrente na Nova Zelândia na qual se percebem os princípios da justiça restaurativa são os planos de encaminhamento alternativo de jovens pela polícia, também chamados de ações alternativas, através do Departamento de Auxílio à Juventude, cujos oficiais seguem os princípios do Estatuto de Crianças, Jovens e Suas Famílias de 1989. Os objetivos desses planos são, segundo Maxwell,reparar o dano causado, responsabilizar os jovens por sua infração, envolver os jovens, as famílias e as vítimas no processo de tomada de decisão e desviar os jovens do tribunal e da custódia, utilizando o menor tempo possível nesses processos. Para tanto, após ter ciência do relatório do policial que investiga o caso, o oficial geralmente visita a família do jovem infrator e conversa com este e com seus pais, a fim de tentar encontrar um plano satisfatório. O mesmo oficial também pode visitar as vítimas e a escola do infrator. As ações comumente aplicadas são: a) pedido de desculpas (por escrito, pessoalmente ou ambos); b) reparação financeira ou doações à caridade; c) trabalhos comunitários; d) toques de recolher ou outras restrições; e) outras medidas (como escrever uma redação). Os resultados dos planos de encaminhamento alternativo sãomuito semelhantes aos das reuniões de grupos familiares e, se comparados aos da justiça tradicional, são reveladores da eficácia do tratamento de jovens pela via restaurativa. A reforma ocorrida no âmbito da justiça juvenil na Nova Zelândia, através da utilização de procedimentos propriamente restaurativos, propiciou, em 1995, a inclusão de práticas restaurativas também na justiça criminal de adultos. Através de uma parceria da Unidade Nacional de Prevenção ao Crime, com a polícia e os conselhos comunitários do país, naquele ano, três projetos-piloto passaram a funcionar no país, como forma de desviar infratores adultos da necessidade de se apresentar em tribunais criminais. 1 8 18 Destacam-se dois: o Projeto Turnaround (Dar a Volta) e Projeto Te WhanauAwbina, realizado em Auckland, maior cidade da Nova Zelândia. Os encontros são realizados na forma de painéis comunitários e envolvem infrações como roubo qualificado, ameaça de morte, morte causada por direção, crime de dirigir embriagado, assim como infrações consideradas mais “rotineiras” de dano doloso, furto e invasão de domicílio. Estudos realizados em 1997 e 1999 revelam ânimo nos resultados alcançados com as experiências restaurativas na justiça de adultos. Concluiu-se que a maioria dos participantes estavam satisfeitos com o processo e com os resultados. Além disso, a probabilidade de reincidência nos doze meses seguintes foi considerada bem inferior se comparada com a de grupos não participantes do projeto e, mesmo na hipótese de reincidência, percebeu-se que suas infrações eram menos sérias que as dos demais infratores. Outrossim, levando-se em conta os custos para o Estado, percebeu-se que as audiências dos painéis comunitários traziam bem menos gastos que as penas aplicadas pelo tribunal, além de passarem com mais veemência a sensação de inclusão e reparação para os envolvidos. 7. MARCOS DA JUSTIÇA RESTAURATIVA NO BRASIL No Brasil, as primeiras práticas restaurativas se iniciaram há cerca de dez anos, através de sua adoção, ainda que tímida nas escolas, como estratégia para a solução de problemas disciplinares. Em 1998, no âmbito do Projeto Jundiaí, uma pesquisa buscou “identificar mecanismos efetivos de prevenção da violência em escolas públicas e que incorporou a realização de câmaras restaurativas na resolução de conflitos ocorridos no ambiente escolar”. Contudo o grande pontapé se deu em 2003, com a criação da Secretaria da Reforma do Judiciário pelo Ministério da Justiça. O desígnio principal deste órgão era o de dar mais efetividade às atividades do Judiciário brasileiro, através 1 9 19 de uma prestação jurisdicional mais célere e de qualidade, e de uma maior abertura à sociedade. Nessa ótica, o ideal da Justiça Restaurativa passou a ser amplamente defendido pela Secretaria como uma opção dentre as tantas formas alternativas de resolução de conflitos, especificamente nas áreas criminal e infracional, como “alternativa real para o sistema de justiça criminal”. Como esclarecem Renault e Lopes, “não se trata apenas de uma construção teórica, mas de um modelo já testado e incorporado por diversos países e, ademais, recomendado pela Organização das Nações Unidas”. Sendo assim, a partir de 2004, o tema passou a ser discutido em seminários e simpósios, em cidades como Porto Alegre, Araçatuba e Brasília, encabeçados por organizações e institutos que tinham o interesse de promover a disseminação da Justiça Restaurativa no Brasil. Em 2005, uma parceria entre o Ministério da Justiça e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), lançou o projeto “Promovendo Práticas Restaurativas no Sistema de Justiça Brasileiro”, que consistia em duas dimensões: uma teórica e outra prática. A dimensão teórica consistiu na realização de seminários e na publicação de obras coletivas, com destaque para as obras “Justiça Restaurativa: coletânea de artigos”, de 2005, e “Novas Direções na governança da justiça e da segurança”, de 2006, ambas na cidade de Brasília. A dimensão prática consistiu na implantação de três projetos piloto no Brasil, nas cidades de São Caetano do Sul, Porto Alegre e Brasília. Em São Caetano do Sul o programa se estabeleceu na Vara da Infância e da Juventude, tendo como público-alvo adolescentes autores de atos infracionais, e ocorrendo através da prática do círculo restaurativo, de duas maneiras. Na primeira, escolhem-se alguns casos entre os encaminhados à Vara e estes são enviados a uma equipe técnica, responsável por promover encontros restaurativos no próprio fórum. Os resultados desses encontros serão apreciados pelo juiz e pelo promotor público, que passarão a fiscalizar seu cumprimento, e poderão cumular a aplicação de medida socioeducativa juntamente com o acordo restaurativo. 2 0 20 Outra hipótese de ocorrência é a realização dos encontros em três escolas públicas da cidade, onde são levados conflitos entre alunos ou problemas de disciplina. Nesses casos, os professores assumem a posição de facilitadores, e os acordos são encaminhados à Vara da Infância e da Juventude para serem registrados, fiscalizados, e após a concessão da remissão, arquivados.[65] Em Porto Alegre, o programa é desenvolvido na 3ª vara Regional do Juizado da infância e da Juventude, que executa as medidas socioeducativas aplicadas no processo de conhecimento através das 1ª e 2ª Varas. Utiliza-se a prática do círculo restaurativo. Cumpre ressaltar que a aplicação das práticas restaurativas podem ocorrer tanto num momento anterior à decisão do juiz, no qual o adolescente estará cumprindo internaçãoprovisória, como após a prolação da sentença, quando o adolescente já estará a cumprir a medida socioeducativa. Em Brasília está o único dos três projetos-piloto que se dá fora do âmbito da Justiça da Infância e da Juventude, sendo desenvolvido junto aos 1º e 2º Juizados Especiais Criminais localizados na região do Núcleo Bandeirante. A prática restaurativa lá estabelecida é a mediação vítima-ofensor. O Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios e o Ministério Público são os responsáveis pelo programa, ficando a coordenação do projeto ao juiz do Juizado Especial. A participação deve ser voluntária, e os casos devem envolver conflitos entre pessoas que possuam vínculo ou relacionamento projetados para o futuro e aqueles nos quais há a necessidade de reparação emocional ou patrimonial. Estão excluídos os casos de violência doméstica e de uso de substância entorpecente. Por fim, cumpre destacar que encontra-seem tramitação no Congresso Nacional há vários anos um projeto de lei (PL nº 7006/2006), que pretende a regulamentação do uso de procedimentos restaurativos no sistema de justiça criminal brasileiro. Além de estabelecer princípios e regras para os procedimentos restaurativos, o projeto contempla a criação de núcleos restaurativos junto a varas e juizados especiais criminais, onde possa ocorrer o encaminhamento de 2 1 21 casos em que, pela personalidade do agente e circunstâncias do crime, recomende-se o uso de práticas restaurativas, por sugestão da polícia ou determinação do juiz, com anuência do Ministério Público. As vantagens seriam a suspensão do processo durante o procedimento restaurativo e a extinção da punibilidade caso fosse cumprido o acordo restaurativo, com a interrupção da prescrição da homologação judicial do acordo até seu cumprimento. Todavia, até o presente momento, tal projeto é fruto de vários arquivamentos, desarquivamentos e mudança de relatores, havendo aparentemente falta de empenho no seu andamento. Nos dizeres do antigo relator do projeto, o país passa por um sentimento de impunidade em que há uma tendência de criminalização de condutas e aumento de penas, e a proposta da Justiça Restaurativa passa exatamente por uma viacontrária, a da despenalização de condutas. Para ele, os Juizados Especiais Criminais já fazem o papel que as práticas restaurativas pretendem, através dos institutos da transação penal e da suspensão condicional do processo e, além do mais, a inclusão dos procedimentos restaurativos retiraria das autoridades diretamente ligadas ao processo o contato direto com o infrator durante a persecução penal. Sabe-se, porém, que apesar de os JECRIMs terem simbolizado um avanço no que diz respeito à flexibilização da justiça e de alguns de seus institutos coadunarem-se com os princípios restaurativos, ambas as propostas têm vieses completamente opostos, indo a Justiça Restaurativa muito além da praxe forense dos juizados em questão. 2 2 22 8. JUSTIÇA RESTAURATIVA COMO MEIO PARA A INCLUSÃO SOCIAL Atualmente a Justiça Restaurativa tem sido fonte de inúmeros e controvertidos debates, como meio de promover direitos, necessidades e interesses das vítimas, ofensores, comunidades e demais envolvidos em conflitos, criminais ou não, fomentando a discussão acerca do implemento de políticas públicas que contenham práticas restaurativas como forma alternativa de resolução de conflitos, buscando uma cultura de paz, onde efetivamente todos os cidadãos sejam iguais, em direitos e obrigações, evitando-se, por conseguinte, o fenômeno da exclusão social. Veja-se que o fenômeno da exclusão social não é mais atrelado ao conceito puramente econômico, adotado nas primeiras décadas do século XX, assumindo uma conotação marxista, que culminou por associá-la à omissão Estatal. Assim, os conceitos acerca da exclusão social apoiavam-se em duas premissas: uma advinda das relações de produção e outra de natureza sociocultural e de cidadania. (PAULA, 2002, pp. 88/89) A exclusão social consiste no afastamento, na segregação, na eliminação de determinado indivíduo ou determinado grupo da sociedade ou de benefícios conferidos pela ordem política de um povo, seja no contexto cultural, social, político ou humano das relações e pode decorrer de fatores diversos. Essa exclusão se dá graças à ruptura de três principais vínculos: vínculo econômico (o paradigma racionalista que incentiva progresso técnico e crescimento sem limite é a causa fundamental da exclusão social), vínculos sociais (as ligações familiares e as redes de aproximação entre as pessoas com a própria dinâmica competitiva da sociedade vão se rompendo, deixando as pessoas sós, sem proteção) e vínculos simbólicos (rupturas do imaginário, do valor imaginário do trabalho, da assistência social, etc). (PAULA apud ZARTH, 2002, p. 90) 2 3 23 Em sentido contrário, a inclusão social pode ser conceituada como sendo um processo destinado a pôr fim à exclusão de indivíduos dos benefícios conferidos pelo sistema político-econômico, de modo que advirá do implemento de políticas públicas voltadas a este fim. Neste contexto, pode-se dizer que as práticas disseminadas de justiça restaurativa na sociedade brasileira, têm o não pequeno mérito de preservar a permanência do indivíduo na sociedade, ultrapassando a resolução do conflito puramente com a aplicação de técnicas formais de jurisdição, mas ressaltando- se a importância em se restabelecer os vínculos que foram quebrados entre todas as partes envolvidas no conflito, consistindo em verdadeira atividade de transformação social. Faz-se importante destacar que a Justiça Restaurativa não conseguirá por si só todos os efeitos que a sociedade clama.Serão em vão todos os esforços para sua efetivação sem o devido sistema de apoio, qual seja: políticas públicas voltadas para toda a população, que deem amparo às necessidades que entrem em questão, indo além de uma mera divergência interpessoal, podem envolver aspectos que demandarão não apenas a compreensão por parte da vítima ou do ofensor, mas com reflexos positivos na comunidade do entorno em que se dá o conflito. (SANTOS e CAGLIARI, 2011, p. 209) Um dos grandes problemas quando se trata de inclusão social está relacionado a condição dos presos, que quase nunca conseguem ser reinseridos no convívio do seio da sociedade. Em especial nesta esfera pretendia-se que ocorresse a ressocialização que “não pode ser resumida apenas na reinserção do indivíduo no convívio social, mas na busca consciente de promover ao cidadão uma consciência reflexiva para que esse possa se reconhecer como sujeito de direitos e deveres”. (PIEDADE e SOVERAL, 2016) Para que todos que se encontram em condição de vulnerabilidade social possam ser efetivamente incluídos, há a necessidade de que políticas públicas efetivas sejam implantadas e que vislumbrem oferecer igualdade de oportunidades e condições para asenvolvidos de modo que possam construir 2 4 24 uma vida pautados no princípio da dignidade da pessoa humana. (PIEDADE e SOVERAL, 2016) Na visão de Santos e Cagliari (2011) , através da Justiça Restaurativa é possível reparar os danos sociais e emocionais do ofendido ao invés de simplesmente aplicar uma punição ao transgressor, fazendo com que o impacto daquele delito seja diminuído na vida de todos os envolvidos e tornando o ofensor um participante ativo na situação de expressar seus sentimentos e emoções vivenciados com aquele conflito. Assim, há a inclusão social do sujeito na medida em que ele contribuiu para a construção de um acordo restaurativo, na qual ele teve a oportunidade de se conscientizar acerca dos danos produzidos para a vítima, bem como relatar acerca de sua própria versão e até mesmo demonstrar arrependimento quando perceber necessário. Dessa forma, é possível tornar a Justiça Restaurativa um instrumento de consolidação da justiça participativa visando a concretização dos direitos humanos, inclusão e paz social, “assim verifica-se a necessidade de interlocução com todos os segmentos da sociedade civil e com os Estados, Municípios e Governo Federal, a fim de que uma nova forma de tratar conflitos seja consolidada por meio de mecanismo de políticas públicas que promovam a inclusão social”. (GIMENEZ, 2012, p. 6073) 2 5 25 9. BENEFÍCIOS DA JUSTIÇA RESTAURATIVA A seguir veremos alguns exemplos de aplicação de Justiça Restaurativa: Detentos do RS são contratados por fábrica de estofados por Jorge Vasconcellos Trinta e quatro detentos de duas unidades prisionais do Rio Grande do Sul encontraram, na fabricação de pufes, o caminho da reinserção social. É o resultado de convênio entre a Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe) e a MMTA Indústria de Móveis, empresa gaúcha que montou unidades fabris no Presídio Regional de Santa Cruz do Sul e na Colônia Penal Agrícola de Charqueadas. A iniciativa vai ao encontro dos princípios do Programa Começar de Novo, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que busca conscientizar a sociedade sobre a importância do acesso de detentos e ex-detentos ao estudo e ao trabalho para a prevenção da reincidência criminal. Os internos contratados, tanto homens quanto mulheres, cumprem pena no regime semiaberto. Dezenove deles são do Presídio de Santa Cruz do Sul, e os outros 15, da Colônia Penal de Charqueadas. Desde que a parceria começou, em janeiro deste ano, a produção semanal de pufes passou de 1,2 mil unidades para 2,5 mil. A mão de obra prisional permite que os produtos sejam comercializados por um preço mais acessível, tornando-se mais vantajoso para a empresa, já que, conforme a legislação penal brasileira, o emprego de detentos isenta o contratante do pagamento de encargos sociais. Além disso, os internos são remunerados e têm o tempo de duração da pena reduzido em um dia a cada três trabalhados. O Programa Começar de Novo foi instituído pelo CNJ em outubro de 2009, por meio da Resolução n. 96. Essa norma dá aos tribunais deJustiça dos estados a atribuição de buscar parceiros públicos e privados dispostos a contribuir com a reinserção social de detentos e egressos do sistema carcerário. 2 6 26 Diversas parcerias, como a da Susepe do Rio Grande do Sul e a MMTA Indústria de Móveis, foram celebradas em todas as regiões brasileiras e têm possibilitado que pessoas condenadas reconstruam a vida com trabalho e longe da criminalidade. TJSP usa Justiça Restaurativa na ressocialização de jovens Uma experiência de Justiça Restaurativa no estado de São Paulo representa alternativa para jovens em conflito com a lei. O projeto Justiça Juvenil Restaurativa em São Caetano do Sul aposta na possibilidade de reabilitação dos infratores no lugar da repressão, base da aplicação das medidas socioeducativas, sobretudo a internação. A Justiça Restaurativa envolve o autor do ato infracional e a vítima dele no processo de solução do conflito, sem precisar levá-lo à Justiça. O projeto da Vara da Infância e da Juventude da Comarca de São Caetano foi premiado em novembro passado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O responsável pelo projeto, juiz da Vara da Infância e Juventudo (VIJ) de São Caetano, Eduardo Rezende Melo, recebeu o prêmio referente ao segundo lugar no I Prêmio CNJ da Infância e da Juventude das mãos do conselheiro Jefferson Kravchychyn, em cerimônia realizada no Plenário do CNJ. A iniciativa começou em 2005, quando foram capacitados professores, funcionários, alunos e familiares de estudantes para resolver os conflitos escolares no mesmo ambiente em que surgiam, escolas públicas do município. Tendo como base o diálogo, foram aplicadas metodologias como conversas, círculos e conferências restaurativas que garantiam responsabilização de quem cometeu o ato infracional e, ao mesmo tempo, contemplavam “as necessidades e os direitos das vítimas” desses atos. Expansão Em 2006, a capacitação foi ampliada a outros membros da comunidade, em casos de conflitos de menor potencial ofensivo, frequentemente associados à violência doméstica, ao alcoolismo e ao consumo de drogas. Em 2011, com apoio da Secretaria Especial de Direitos Humanos, o projeto passou a abranger 2 7 27 os crimes graves. O processo começa após o Ministério Público representar contra o jovem, a quem é proposta a via restaurativa. Caso o adolescente, devidamente assistido juridicamente, concorde, o juiz oferece um acordo a quem cometeu o ato infracional e a suas vítimas. Metodologia Em vez de ser internado, o adolescente pode reparar de alguma forma o dano que cometeu à família. O acordo também prevê que o jovem tome parte em ações que previnam a reincidência dele em atos infracionais e que promovam a sua integração social e familiar. “Com isso evita-se maior envolvimento do adolescente com o sistema de justiça juvenil e preserva-se sua primariedade, sendo-lhe juridicamente vantajoso”, afirmou o magistrado responsável pela iniciativa. 2 8 28 REFERÊNCIAS BIANCHINI, Edgar Hrycylo. Justiça Restaurativa: um desafio à Práxis Jurídica. Campinas-SP: Servanda, 2012. GIMENEZ, Charlise Paula Colet. A justiça restaurativa como instrumento de paz social e tratamento de conflito. RIDB. Ano I, nº 10, p 6056-6094. 2012 JACCOUD, M. 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