Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
PROCESSOS PSICOLÓGICOS BÁSICOS OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM > Interpretar psicofísica, detecção e limiar absoluto. > Descrever a teoria de detecção do sinal. > Caracterizar percepção subliminar, limiar diferencial e as principais leis da psicofísica para sensação e percepção. Introdução Segundo o filósofo francês Merleau-Ponty (1968), é a experiência perceptiva que introduz os seres humanos no ambiente onde vivem. Nesse sentido, parece apro- priado pensar na percepção como um feixe de luz que ilumina e traz à existência aquilo que pela escuridão se mantinha anônimo. Um elemento importante que envolve o processo psicológico básico da percepção, e que precisa ser considerado para sua compreensão, refere-se à dimensão psicofísica em sua constituição. Nesse contexto, se de um lado há elementos mais qualitativos, contextuais, políticos e sociais que intervêm no ato humano, de outro há um componente quantitativo e biofisiológico que, a partir da energia física gerada no ambiente, interfere na intensidade do que é percebido. Ou seja, no processo sensório- -perceptivo há a emissão de mensagens eletroquímicas que afetam, via sistema nervoso, as experiências humanas. Tais experiências têm influência direta em processos como a sensação e a percepção. Neste capítulo, você vai estudar os processos da percepção e da sensação sob o prisma da psicofísica, um ramo da psicologia que envida esforços para entender a relação que se estabelece entre estímulos físicos (do ambiente) e seu efeito sobre as sensações e percepções humanas. Psicofísica da sensação e percepção Bruno Stramandinoli Moreno Psicofísica: a detecção do limiar absoluto O estudo de processos psicológicos básicos como a sensação e a percepção lida com a relação estímulo–experiência–resposta. Nesse âmbito, a psicofísica se concentra especificamente na primeira parte da relação, estímulo–experiência. Para autores como Schiffman (2005), há um espectro de intensidade sob a qual a experiência humana é interferida pela estimulação proveniente do ambiente. Há, dessa forma, uma certa intensidade de estímulos (mínima e máxima) que mobiliza sensorial e perceptivamente o organismo humano. Trata-se de uma faixa de detecção por parte do organismo que possibilita que os seres humanos sejam capazes de captar e identificar um estímulo disponível no ambiente, e, por conseguinte, os mobiliza a agir (ou a ignorar o estímulo percebido). Para a psicofísica, um estímulo se torna potencialmente mobilizador do comportamento humano quando encontra-se dentro de um espectro sensorial. Esse fenômeno Schiffman (2005) denominou limiar de detecção. Isso significa que há um limite de estímulos possíveis a serem detectados pelo aparelho sensorial humano. O Quadro 1, a seguir, apresenta exemplos específicos desses limiares. Na verdade, essas cifras podem variar significativamente, mas ajudam a ilustrar como esse processo de detecção funciona. Quadro 1. Exemplos de limiares de detecção para diferentes sentidos humanos Sentido Limiar de detecção Visão A chama de uma vela vista a 45 km de distância numa noite escura e sem névoa. Audição O tique-taque de um relógio a 6 m de distância num ambiente silencioso. Paladar Uma colher de chá de açúcar diluída em 10 litros de água. Olfato Uma gota de perfume espalhada por todo o volume de um apartamento de três cômodos. Tato A asa de uma abelha caindo de uma altura de 1 cm sobre as costas de uma pessoa Fonte: Adaptada de Schiffman (2005). Psicofísica da sensação e percepção2 Outro ponto a ser destacado é que, no que se refere a um ponto mínimo e um máximo de detecção (que limita esse espectro sensório-perceptivo), um estímulo deve ter tanto duração quanto intensidade suficientes para ativar o aparelho sensorial a ponto de ser detectado, e assim gerar atividade sensorial (sentido) a ponto de ser percebido (significado). Assim, para entrar no “radar” sensorial humano, é preciso haver uma intensidade mínima, denominada limiar absoluto, uma quantidade de in- tensidade + duração inferior mínima que mobiliza o aparelho sensorial e mobiliza a ação humana. Qualquer estimulação que esteja abaixo desse limiar absoluto (em termos de intensidade e de tempo de exposição) é considerada, em sua magnitude, subliminar. Quando encontra-se acima do limiar absoluto, denomina-se supraliminar. Obviamente, cada aparelho sensorial humano (leia-se cada indivíduo) tem escores liminares específicos e próprios. Não há magnitude fixa ou absoluta dos estímulos detectáveis, e sim níveis de energia detectados. Lembremos que o estímulo físico é uma onda de energia propagada no ambiente e que encontra o aparelho sensorial, estimulando-o. Assim, há níveis detectados e não detectados. Em média, segundo Schiffman (2005), apenas 50% dos estímulos emitidos no ambiente são detectados (Figura 1). Figura 1. Curva hipotética versus curva típica relacionando o percentual de detecção à inten- sidade do estímulo. O gráfico da esquerda representa uma curva hipotética que considera 100% detectáveis os estímulos possíveis do ambiente. Por sua vez, o gráfico da direita ilustra um experimento típico de limiar absoluto em que são considerados detectáveis apenas 50% dos estímulos possíveis no ambiente. Fonte: Schiffman (2005, p. 18). Psicofísica da sensação e percepção 3 Métodos psicofísicos Como qualquer ramo científico, a premissa básica para a produção de conhecimentos, compreensões e conceituações é a adoção de um método validador, ou seja, um modo de realizar experimentações precisas que reproduzam os fenômenos-alvo a ponto de descrever fidedignamente como e por que ocorrem. Na psicofísica, alguns modelos experimentais têm essa pretensão e buscam, sob determinado limite, reproduzir e descrever os processos da sensação e da percepção, ao definirem o limiar absoluto. A seguir são listados e definidos cada um dos principais métodos apli- cados em experimentos psicofísicos. Nos três métodos a serem descritos, há uma variação no controle de duas variáveis: intensidade e duração da exposição do estímulo. Nesse sentido, ainda vale entender que outro elemento precisa ser considerado: o sujeito (ser humano) do experimento, ora no controle, ora à mercê do experimentador. Método dos limites ou variação mínima Segundo Schiffman (2005), o método dos limites, também conhecido como método da variação mínima, é considerado o mais simplificado dos mé- todos clássicos de obtenção do limiar absoluto. Sob este método, um experimento funciona assim: primeiramente, apresenta-se um estímulo suficientemente intenso para ser percebido por um observador. Em se- guida, sua intensidade vai sendo gradativamente reduzida, até o momento em que o observador acuse não mais detectar o estímulo. Registra-se, assim, o nível de intensidade em que isso ocorreu. Em seguida, faz-se o caminho inverso, partindo do zero e gradualmente elevando o nível de intensidade do mesmo estímulo, até o ponto que passa a ser detectado pelo observador outra vez. A Figura 2 ilustra a mensuração de um ensaio realizado sob o método dos limites, em que Y representa yes (sim) e N representa no (não). Psicofísica da sensação e percepção4 Figura 2. Medida de limiar absoluto pelo método dos limites. Para cada série de es- timulação (A) ascendente e (D) descendente, modifica-se a intensidade do estímulo até se obter uma reversão. As últimas reversões são usadas para o cálculo do limiar. Fonte: Costa (2017, p. 24). Esse procedimento é repetido várias e várias vezes, ascendendo e des- cendendo os níveis de estímulos. Concomitantemente, os resultados vão sendo computados, a fim de encontrar uma média numérica com base “nos níveis de energia em que o estímulo cruza o limite entre sua não detecção e o estágio inicial de sua percepção” (SCHIFFMAN, 2005, p. 18). Uma medida estatística que utiliza as respostas apresentadas pelo observador. Método dos estímulos constantes Já o método dos estímulos constantes é mais amplo e complexo,uma vez que requer uma série de ensaios de escolha forçada para determinar o limiar absoluto. Ao fornecer um número fixo de estímulos de diferentes intensidades, cria-se um espectro relativamente largo, apresentando-os um a um repetidas vezes, mas aleatoriamente. A cada apresentação, o observador deve dar uma resposta ao estímulo: “Sim” (detecção) ou “Não” (ausência de detec- ção). O que determina o limiar absoluto é a média de intensidade detectada pelo observador. Como lembram Schiffman (2005) e Costa (2017), em cerca de metade dos experimentos realizados utiliza-se o limiar absoluto como Psicofísica da sensação e percepção 5 medida. Justamente por ser mais complexo e detalhado, o limiar absoluto tende a ser mais preciso, ou pelos com menor variação de valores obtidos. O gráfico exibido na Figura 3 representa um resultado obtido com a aplicação do método dos estímulos constantes. Entretanto, como destaca Costa (2017), mesmo apresentando menos desvantagens em relação a outros métodos, ainda depende em algum grau das escolhas adotadas pelo observador. Figura 3. Dados de limiar absoluto elaborados a partir de um experimento sob o método dos estímulos constantes. Fonte: Costa (2017, p. 26). Método do ajuste ou erro médio No modelo experimental proposto pelo método do ajuste, também conhecido como erro médio, o estímulo tem sua intensidade controlada pelo observador (sujeito da experiência), o qual ajusta a intensidade do estímulo a um nível que minimamente julgue detectável para si próprio. A partir dessa regulagem, tal nível de intensidade é definido como o limiar. Contudo, mesmo sendo um método prático, envolve um certo grau de imprecisão, uma vez que depende da subjetiva definição do observador. Por ser considerado menos preciso, tem como significativa desvantagem o fornecimento de valores limiares diversos. Em grande parte, isso é resultado das diferenças existentes entre os diferentes seres humanos que atuam como observadores. Psicofísica da sensação e percepção6 Basicamente, como descreve Costa (2017), ao se ofertar várias repetições de séries (sejam elas ascendentes e descendentes), obtém-se um valor médio. Cada série representa o ponto de igualdade subjetiva (PIS). É nesse ponto que o estímulo mediano torna-se estímulo-padrão (EP). O erro médio (EM) é calculado, assim, pela diferença entre o PIS e o EP, ou seja, EM = PIS – EP. Nesse sentido, como aponta Costa (2017, p. 23): “Quanto menor for o erro-padrão, maior é a sensibilidade do observador na equiparação dos estímulos”. Teoria de detecção do sinal Nesta seção, outro conceito é apresentado, a fim de exemplificar o modo como a psicofísica afetou as construções teóricas nas ciências psicológicas. Aqui são introduzidas compreensões sobre a teoria de detecção do sinal (TDS). Sua relevância apresenta-se justamente no que concerne a descrição de processos ulteriores à emissão do comportamento, ou seja, antes que um organismo atue no meio, ou responda a algum estímulo a ele ofertado, é preciso compreender como ele capta e identifica tal estímulo. Um estímulo detectável, como aponta Schiffman (2005), não necessaria- mente é um estímulo detectado. Isso significa que certos estímulos se encon- tram numa “zona cinzenta”, uma faixa de incerteza em termos de capacidade de detecção. Assim, em determinada faixa de intensidade, certos estímulos podem variar em termos de resposta de detecção, ou seja, o valor do limiar pode variar com o tempo. Esse fenômeno confronta a premissa tradicional de “tudo ou nada” no que se refere ao limiar sensorial. Desse modo, não há um valor de intensidade de estímulo que seja preciso para distinguir facilmente estímulos detectáveis de não detectáveis. Segundo Costa (2017), é com esse processo de discriminabilidade senso- rial que a TDS busca lidar. Assim, em vez de trabalhar com limiares, a TDS se alicerça em dois princípios fundamentais: ruído–sinal e a maximização da resposta do sujeito. Sinal versus ruído Nesse âmbito, a premissa básica é que qualquer sinal se encontra-se cir- cunscrito por um ruído ao fundo. A princípio, todo estímulo, ao ser emitido, é maculado, ou melhor, contaminado por outros elementos que interferem em sua clareza e em sua intensidade. Sob essa perspectiva, todo estímulo (sinal) é detectado juntamente com certo nível de interferência (ruído). Dessa Psicofísica da sensação e percepção 7 forma, sempre que buscar uma detecção, o observador terá diante de si a necessidade de considerar algum nível de interferência (estímulo-ruído) que atenuará o nível de intensidade do estímulo-sinal. O gráfico exibido na Figura 4 descreve a distribuição do comportamento de resposta num experimento de detecção do estímulo-sinal. Figura 4. Detecção de sinal — experimento de distribuição do comportamento de resposta para detecção de sinal, em que são apresentados dois tipos de estímulo: apenas estímulo- -ruído e o estímulo-sinal acrescido de estímulo-ruído. Fonte: Costa (2017, p. 35). Maximização da resposta do sujeito O princípio da maximização da resposta do sujeito opera sob a premissa de que o observador tende a ponderar benefícios e perdas na hora de responder a um dado estímulo. Em ambos os casos, benefícios e perdas produzem na mesma proporção respostas tanto corretas quanto equivocadas. Imagine a seguinte situação esdrúxula: você está passando roupa e ouve um barulho qualquer. Tem a impressão de ter tocado o telefone, mas ele pode ter tocado ou não. Por um lado, isso pode lhe suscitar uma sensação de perda, pois talvez atrapalhe seus planos de finalizar aquela montanha de roupas ainda por passar. Em outra medida, pode ser benéfico, caso se trate de uma ligação que você já estava esperando há algum tempo. Para ilustrar melhor, vejamos um esquema que descreve um experimento de detecção de sinal. Os resultados apresentados referem-se à relação entre Psicofísica da sensação e percepção8 estímulo-resposta de um observador que deve escolher entre duas opções de resposta: “sim” ou “não”. Numa das opções de estímulo ofertadas ao observador, apresenta-se um sinal mais um ruído, o que produz duas alter- nativas de resposta: � “Sim, o sinal está presente” — há aqui uma probabilidade maior de que a resposta seja positiva quando o sinal está presente (acerto). � “Não, o sinal está ausente” — aqui a probabilidade de resposta aparece de modo negativo quando o sinal está presente (omissão). Numa alternativa de estímulo ofertada, há apenas o ruído. Uma das opções de resposta gerada é que há um alarme falso (em que a probabilidade de uma resposta positiva aparece quando o sinal está presente). Enquanto isso, em outra resposta gerada há uma rejeição correta (uma vez que a probabilidade de uma resposta negativa se evidencia quando não há nenhum sinal presente). O que esse experimento exemplifica, como descreve Schiffman (2005), é que a distribuição de respostas “sim” e “não” reflete o nível de atividade sensorial. Quando estiver abaixo do critério do observador, ele responderá “não”, mas se esse nível estiver acima do critério, ele dirá “sim”. Dependendo das circunstâncias (estímulo-ruído) sob as quais esse estí- mulo-sinal (o toque do telefone) é detectado, há a mobilização (maximização) de uma determinada resposta (atender o telefone). Nesse sentido, como aponta Costa (2017, p. 34), expectativas e “benefícios das respostas são as situações que mais afetam a situação de decisão”. É o que Schiffman (2005) denomina efeitos de critério, em que a capacidade de detecção de estímulos, principalmente aqueles com fraca intensidade, é afetada por dois fatores (critérios) independentes em certa medida: expectativa e motivação. Isso implica uma tomada de decisão por parte do observador que é interpelada por esses dois critérios. Curvas ROC Como aponta Schiffman (2005), a TDS apregoa que não se pode estabelecer (leia-se calcular) um limiar absoluto. Isso não significa que não há qualquer tipo de medida a ser obtida.Nesse sentido, há na TDS a medida da sensibilidade do observador frente ao fornecimento de um estímulo e do critério por ele adotado. Logo, se a relação entre “sins” e “nãos” muda conforme os critérios variam, faz-se necessário, a fim de se ter uma medida, dimensionar os efeitos da sensibilidade tanto do observador em detectar o estímulo-sinal quanto Psicofísica da sensação e percepção 9 da variação de critérios para tomada de decisão. Por princípio, utiliza-se uma curva de características de operação do receptor (receiver operating characteristic curve — ROC) para medir e descrever as características de operação ou de sensibilidade do receptor no que se refere à detecção de um dado estímulo-sinal. Ou seja, a probabilidade de um estímulo-sinal afeta a incidência (proporção) de decisões (“sins” e “nãos”). Dessa interação produz-se uma representação mais ou menos assim: [...] representa-se no eixo y a proporção de acertos [...] e representa-se no eixo x a proporção de alarmes falsos [...]. As curvas resultantes [...] ilustram graficamente a relação entre as proporções de acertos e de alarmes falsos para uma intensidade constante de estímulo (SCHIFFMAN, 2005, p. 23). Os gráficos ilustrados na Figura 5 retratam as modificações de critério independentes das modificações de discriminabilidade, utilizando uma forma gráfica simples e de rápida compreensão. Figura 5. Análises gráficas de valores obtidos com a curva ROC. Os gráficos representam a relação entre número de acertos e número de alarmes falsos. Em ambos, as variações de vieses de resposta representam um percentual referente à discriminabilidade: máxima (equilibrado; C = 0), tendenciosamente negativo (C > 0) ou positivamente tendencioso (C < 0). Fonte: Costa (2017, p. 38-39). Até aqui tivemos contato com alguns preceitos e conceitos que a psico- física apresenta a fim de descrever aspectos específicos concernentes aos fenômenos psicológicos. Na próxima seção, examinaremos as principais leis, conceitos, premissas e entendimentos que delimitam o modo como a psicofísica encaminha e procede seus estudos e que balizam a natureza de suas contribuições. Psicofísica da sensação e percepção10 Leis, conceitos e premissas da psicofísica Até meados do século XVIII, o estudo da mente humana, mais especifica- mente da consciência, ainda se restringia a interpretações e inferências filosóficas. Foi apenas a partir do final do século XVIII que emergiu uma ciência psicológica mais experimental, com a criação do primeiro labo- ratório de psicologia. Os primeiros psicofísicos, segundo Costa (2017), o fisiólogo alemão Ernst Heinrich Weber (1795–1878), o filósofo alemão Gustav Theodor Fechner (1881–1887) e o físico alemão Hermann von Helmhotz (1821–1894), centravam- -se em descrever e compreender como operava a “física sensorial”, sob o ponto de vista de uma experiência subjetiva. Foi a partir de métodos como os utilizados por esses pesquisadores que se estabeleceram práticas de pesquisa em que se buscava mapear os fenômenos psicológicos sobre os aspectos físicos. Em termos mais práticos, passou-se a quantificar e contabilizar: [...] regularidades entre os estímulos do mundo real e a experiência perceptual consciente destes, [...] realizadas de várias formas: (1) entre objetos e representações deles no nosso cérebro; (2) pela manipulação da parte física e obter registros/ respostas de mudanças na psique (COSTA, 2017, p. 7). O grande desafio que a psicofísica busca delimitar em seu campo de estudo diz respeito à relação entre o ambiente (entendido aqui como o mundo físico) e o sujeito por ele circunscrito (entendido aqui como a experiência perce- bida). De acordo com Costa (2017), quatro são os aspectos mais estudados no campo da psicofísica, também conhecidos como problemas fundamentais, examinados a seguir. � Detecção — a capacidade de experimentar minimamente um es- tímulo. Aqui a pergunta norteadora é: “Qual propriedades deve possuir um estímulo para que nós possamos ter ciência de sua existência?”. � Identificação — delimitação do escopo e classificação do estímulo mobilizador, balizada pela seguinte pergunta norteadora: “Como sa- bemos o que é este estímulo?”. � Discriminação — a mínima diferença entre dois estímulos para que possam ser experienciados como diferentes, em que o questionamento balizador é: “Como dois ou mais estímulos devem diferir entre si para que nós possamos distingui-los como diferentes?”. Psicofísica da sensação e percepção 11 � Escalonamento — a variação de magnitude percebida em função da variação da magnitude física, que especialmente se norteia por dois tipos de questionamento: “Como julgamos a magnitude de um parâ- metro de um determinado estímulo?” e “Como julgamos o grau de similaridade ou diferença para estímulos discrimináveis?”. A interação dos quatro aspectos elencados por Costa (2007) pode ser visualizada pelo esquema ilustrado na Figura 6. Nele identificamos elementos objetivos e subjetivos que explicam como procede a sensação de dor. Para tentar descrever como a dor é sentida e percebida, por exemplo, pode-se descrevê-la sob a ótica da aplicação de indicadores. Sob essa premissa, existem indicadores de ordem fisiológica e indicadores de ordem psicofísica. Isso denota uma condição muito particular a cada ser humano sobre a experiência de dor que ele vivencia. Ao sentir uma dor, o ser humano, em geral, a experiencia tendo como parâmetro o contexto que o circunda. Assim, existem elementos que intensificam mais ou menos o estímulo mobilizador que provoca a sensação de dor. Isso implica que a dor precisa ser detectada (ter um mínimo de energia suficientemente mobilizadora), identificada (delimitada dentro de um campo classificatório que assim a implica), discriminada (diferenciada de sensações que provoquem outra coisa que não a mesma “dor”) e escalonada (quantificada em termos de intensidade). Figura 6. Interação entre os diferentes indicadores da sensação de dor. Fonte: Silva e Ribeiro-Filho (2001, p. 148). Nesse sentido, vale ressaltar que problemas de pesquisa como esses estão relacionados com a natureza dos organismos humanos. Uma vez que já abordamos questões mais básicas da psicofísica, a seguir trataremos de três aspectos que ilustram o cerne dessa área de estudos: a percepção subliminar, o limiar diferencial e a Lei de Fechner. Psicofísica da sensação e percepção12 Percepção subliminar Ao discutirmos a questão do limiar absoluto, tratamos da questão da detecção de um estímulo suficientemente intenso. Mas e quando os es- tímulos estão abaixo desse limiar? Aí entra em cena o que Schiffman (2005) denominou percepção subliminar, que ocorre quando determinado estímulo está presente em níveis muito fracos de intensidade ou por um período muito curto de exposição. Não se trata de um aspecto da qualidade da mensagem, de seu significado (percepção), mas de sua disponibilidade sensorial. Um modo interessante de evidenciar a percepção subliminar é uma técnica denominada priming semântico, em que são alinhados dois estí- mulos, como duas palavras, a duas imagens, de modo que o significado de um influencie (pré-ative, ou sensibilize) alguma resposta relativa ao segundo. Em 2007, a pesquisadora Monica Borine, da Universidade de São Paulo, realizou um experimento buscando descrever o efeito da estimulação subliminar sobre o desencadeamento de reações emocionais. Foram apresentadas tarefas experimentais a 35 indivíduos entre 23 e 49 anos (metade homens, metade mulheres), todos saudáveis, sem indicação de uso de drogas ou álcool e sem tratamento farmacológico. Como instrumental de pesquisa foram utilizados um programa comercial de computador (Stim, da Neurosoft Inc.); um computador com visor e dispositivo com dois botões para indicação do alvo com os dedos da mão; e estímulos visuais, na forma de fotos agradáveis e desagradáveis. Os sujeitos foram submetidos a dois experimentos. Num deles, eram expostos a um blocode imagens subliminares alinhadas a um comercial, e em outro eram expostos a mensagens supraliminares. Assim, os sujeito respondiam a um questionário com cinco perguntas: 1) Como você está se sentindo? (Pergunta efetuada antes da realização das tarefas no laboratório.) 2) Como você está se sentindo? (Pergunta efetuada depois da realização de todas as tarefas no laboratório.) 3) Você viu alguma coisa durante a tarefa que realizou? (Tarefa realizada com a exposição de estímulos subliminares.) 4) Qual tarefa foi mais difícil para você? 5) De qual tarefa você menos gostou? Psicofísica da sensação e percepção 13 Em sua grande maioria, os sujeitos responderam que estavam bem no início das tarefas; quando questionados ao final do experimento, disseram não se sentiam tão bem. Alguns sujeitos reportaram mau humor diretamente devido às imagens, consideradas pela maioria “ruins e pesadas”. Quando questionados em relação a terem percebido algo além dos estímulos neu- tros, na tarefa dos estímulos subliminares a grande maioria dos sujeitos respondeu dizendo que não viu nada, apenas brilhos, pedaços de figuras ou algumas cores. Para a autora da pesquisa, o estudo demonstrou que elementos como emo- ções, atitudes, objetivos e intenções são mobilizados (ativados) sem a partici- pação da consciência. Desse modo, com elementos subliminares principalmente é possível “influenciar o modo de pensar e agir dos indivíduos nas situações sociais” (BORINE, 2007, documento on-line). Limiar diferencial Se de um lado temos um limiar absoluto, em que há um espectro de detec- ção possível de determinado estímulo, de outro há o que Schiffman (2005) denomina limiar diferencial. Trata-se de um limiar relacional, em que dois estímulos são contrapostos de modo a encontrar-se uma diferença signi- ficativa entre eles. Há um mínimo necessário de energia a ser considerada para percebê-los distintos entre si. Segundo Costa (2017, p. 22): Este limiar está relacionado à mínima quantidade de energia necessária para que haja a experiência consciente de modificação na intensidade do estímulo para mais ou para menos. Outro termo também utilizado para este limiar é a Diferença Apenas Perceptível (DAP). Cada parte do corpo apresenta um determinado limite de percepção tátil, por exemplo. Ao articular essas diferentes partes, produz-se uma sensibilidade em função das diferenças de energias necessárias para mobilizar e serem detectadas para uma resposta (Figura 7). Psicofísica da sensação e percepção14 Figura 7. Análises gráficas de valores obtidos com a curva ROC mostram que, comparativa- mente, diferentes partes do corpo têm maior sensibilidade para certos estímulos do que para outros, mas isoladamente acabam exigindo mais energia para mobilizar uma detecção. Fonte: Almeida Junior (2013, p. 39). Almeida Junior (2013), ao avaliar os aspectos subjetivos relacionados à percepção de texturas de diferentes materiais, descreveu que cada parte do corpo trabalha com um limiar de tolerância à percepção tátil, envolvendo pressão, grau de rugosidade, temperatura e dor. Para o autor, a sensibilidade está assentada justamente na diferença absoluta (limiar absoluto) entre as diferentes partes do corpo. A pele do rosto (lábios, bochecha, nariz e testa) tem um maior limiar absoluto ao toque, enquanto que na pele dos dedos dos pés é mais baixo. A pele dos dedos da mão tem o maior limiar diferencial, enquanto que na pele da parte superior dos braços e das costas é mais baixo. Mesmo nas mãos, nem todas as suas partes são igualmente sensíveis ao toque. [...] A sensibilidade aumenta da palma da mão para a ponta dos dedos. A menor distância percebida entre dois pontos estimulados foram os seguintes: 8 mm na palma, 4 mm na parte média dos dedos e 2 mm na Psicofísica da sensação e percepção 15 ponta dos dedos. O limiar diferencial mostra uma extensão maior do que o limiar absoluto em diferentes regiões da pele. O limiar diferencial faz mais sentido em resposta às mudanças dinâmicas do ambiente e na sutil manipulação de produtos (ALMEIDA JUNIOR, 2013, p. 39). Para o autor, o chamado “tato fino” está atrelado na prática ao es- tabelecimento de limiares diferenciais entre as partes do corpo, o que estabelecerá maior ou menor sensibilidade e sua influência em respostas subsequentes, pois, uma vez que são detectadas energias mobilizado- ras diferentes, uma vasta gama de respostas é, nesta toada, produzida. Quando esse tato não é mobilizado, outros sentidos sensoriais o são, para auxiliar na detecção, identificação, discriminação e escalonamento dos estímulos envolvidos. Lei de Fechner Para o filósofo alemão Gustav Theodor Fechner, a experiência mental (no sentido de sensação) está relacionada quantitativamente ao estímulo físico. É nesse sentido que, ao relacionar sensação e estímulo físico, Fechner estabe- leceu uma escala numérica para cada um dos sentidos sensoriais. A chamada Lei de Fechner considera que a magnitude da sensação está relacionada logaritmicamente ao estímulo a ela correspondente: S = k log I onde S designa a experiência subjetiva, k refere-se a uma constante depen- dente da dimensão em questão e I é a intensidade do estímulo (COSTA, 2017; SCHIFFMAN, 2005). Na Lei Fechner, como destaca Costa (2017, p. 44) os limiares diferenciais são considerados “incrementos de igual magnitude sensorial para todos os níveis de intensidade do estímulo”. Fechner partiu da premissa de que todas as experiências subjetivas em dado sistema sensorial podem ser representadas em iguais unidades de intensidade, ou seja, o que varia é a quantidade de in- tensidade, não sua qualidade. Desse modo, as diferenças apenas perceptíveis (DPAs) podem ser comparadas tomando como base os níveis de intensidade, para assim medir diferentes experiências subjetivas. A Figura 8 ilustra como se comporta a relação logarítmica S = k log I. Nesse caso, o aumento aritmético de um elemento da equação (S) produz um incremento geométrico em outro (I). Psicofísica da sensação e percepção16 Figura 8. Relação logarítmica entre sensação (S) e intensidade de estímulo (I). Fonte: Schiffman (2005, p. 29). De modo geral, a atuação do psicólogo demanda o entendimento de como operam processos e fenômenos complexos. A apropriação de conceitos psicofísicos proporciona uma maior clareza sobre processos psicológicos como atenção, sensação, percepção e memória. Os conhecimentos aqui abor- dados não têm a pretensão de esgotar entendimentos, mas sim de instigar questionamentos a fim de promover reflexões sobre a pratica profissional do psicólogo em diferentes contextos. Referências ALMEIDA JUNIOR, G. Avaliação dos aspectos subjetivos relacionados aos materiais: proposição de método e escalas de mensuração aplicadas ao setor moveleiro. 2013. Dissertação (Mestrado em Design) — Universidade do Estado de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2013. BORINE, M. S. Consciência, emoção e cognição: o efeito do priming afetivo subliminar em tarefas de atenção. Ciênc. cogn., v. 11, p. 67-79, jul. 2007. COSTA, M. F. Manual didático de teoria e prática de psicofísica. São Paulo: USP, 2017. Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/5150752/mod_resource/ content/1/Manual%20Did%C3%A1tico%20de%20Psicof%C3%ADsica.pdf. Acesso em: 13 dez. 2021. MERLEAU-PONTY, M. Résumés des Cours (Collège de France, 1952-1960). Paris: Gallimard, 1968. SCHIFFMAN, H. R. Sensação e percepção. 5. ed. Rio de Janeiro: LTC, 2005. SILVA, J. A.; RIBEIRO-FILHO, N. P. A dor como um problema psicofísico. Rev Dor, v. 12, n. 2, p. 138-151, 2011. Psicofísica da sensação e percepção 17 Leituras recomendadas AMON, D. et al. Psicologia social e comunicação publicitária: uma análise crítica. Ciências Sociais Unisinos, v. 46, n. 2, p. 178-186, mai/ago. 2010. LOPES, C. R. M. Comunicação e percepção no ciberespaço: um estudo sobre a experiência de imersão em ambientes lúdicos interativos. 2013. Tese (Doutorado em Comunicação e Semiótica) — PontifíciaUniversidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2013. Os links para sites da web fornecidos neste capítulo foram todos testados, e seu funcionamento foi comprovado no momento da publicação do material. No entanto, a rede é extremamente dinâmica; suas páginas estão constantemente mudando de local e conteúdo. Assim, os editores declaram não ter qualquer responsabilidade sobre qualidade, precisão ou integralidade das informações referidas em tais links. Psicofísica da sensação e percepção18
Compartilhar