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BRASÍLIA-DF. DEPENDÊNCIA QUÍMICA. CONCEITOS, CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS E NEUROBIOLOGIA Elaboração Ana Carolina Schmidt de Oliveira Produção Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e Editoração Sumário APRESENTAÇÃO .................................................................................................................................. 4 ORGANIZAÇÃO DO CADERNO DE ESTUDOS E PESQUISA ..................................................................... 5 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 7 UNIDADE I APRESENTAÇÃO GERAL DA DEPENDÊNCIA QUÍMICA ............................................................................. 9 CAPÍTULO 1 TERMOS E CONCEITOS ........................................................................................................... 9 CAPÍTULO 2 MODELOS TEÓRICOS DA DEPENDÊNCIA QUÍMICA ................................................................. 14 CAPÍTULO 3 EPIDEMIOLOGIA ................................................................................................................... 17 UNIDADE II CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS ................................................................................................................. 25 CAPÍTULO 4 MANUAIS DIAGNÓSTICOS E OUTROS INSTRUMENTOS .............................................................. 25 UNIDADE III ASPECTOS NEUROBIOLÓGICOS DA DEPENDÊNCIA QUÍMICA ............................................................... 35 CAPÍTULO 5 O SISTEMA NERVOSO E O USO DE DROGAS ........................................................................... 35 PARA (NÃO) FINALIZAR ...................................................................................................................... 48 REFERÊNCIAS .................................................................................................................................... 49 4 Apresentação Caro aluno A proposta editorial deste Caderno de Estudos e Pesquisa reúne elementos que se entendem necessários para o desenvolvimento do estudo com segurança e qualidade. Caracteriza-se pela atualidade, dinâmica e pertinência de seu conteúdo, bem como pela interatividade e modernidade de sua estrutura formal, adequadas à metodologia da Educação a Distância – EaD. Pretende-se, com este material, levá-lo à refl exão e à compreensão da pluralidade dos conhecimentos a serem oferecidos, possibilitando-lhe ampliar conceitos específi cos da área e atuar de forma competente e conscienciosa, como convém ao profi ssional que busca a formação continuada para vencer os desafi os que a evolução científi co-tecnológica impõe ao mundo contemporâneo. Elaborou-se a presente publicação com a intenção de to rná-la subsídio valioso, de modo a facilitar sua caminhada na trajetória a ser percorrida tanto na vida pessoal quanto na profi ssional. Utilize-a como instrumento para seu sucesso na carreira. Conselho Editorial 5 Organização do Caderno de Estudos e Pesquisa Para facilitar seu estudo, os conteúdos são organizados em unidades, subdivididas em capítulos, de forma didática, objetiva e coerente. Eles serão abordados por meio de textos básicos, com questões para refl exão, entre outros recursos editoriais que visam a tornar sua leitura mais agradável. Ao fi nal, serão indicadas, também, fontes de consulta, para aprofundar os estudos com leituras e pesquisas complementares. A seguir, uma breve descrição dos ícones utilizados na organização dos Cadernos de Estudos e Pesquisa. Provocação Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para o autor conteudista. Para refletir Questões inseridas no decorrer do estudo a fi m de que o aluno faça uma pausa e refl ita sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocínio. É importante que ele verifi que seus conhecimentos, suas experiências e seus sentimentos. As refl exões são o ponto de partida para a construção de suas conclusões. Sugestão de estudo complementar Sugestões de leituras adicionais, fi lmes e sites para aprofundamento do estudo, discussões em fóruns ou encontros presenciais quando for o caso. Praticando Sugestão de atividades, no decorrer das leituras, com o objetivo didático de fortalecer o processo de aprendizagem do aluno. Atenção Chamadas para alertar detalhes/tópicos importantes que contribuam para a síntese/conclusão do assunto abordado. 6 Saiba mais Informações complementares para elucidar a construção das sínteses/conclusões sobre o assunto abordado. Sintetizando Trecho que busca resumir informações relevantes do conteúdo, facilitando o entendimento pelo aluno sobre trechos mais complexos. Exercício de fi xação Atividades que buscam reforçar a assimilação e fi xação dos períodos que o autor/ conteudista achar mais relevante em relação a aprendizagem de seu módulo (não há registro de menção). Avaliação Final Questionário com 10 questões objetivas, baseadas nos objetivos do curso, que visam verifi car a aprendizagem do curso (há registro de menção). É a única atividade do curso que vale nota, ou seja, é a atividade que o aluno fará para saber se pode ou não receber a certifi cação. Para não fi nalizar Texto integrador, ao fi nal do módulo, que motiva o aluno a continuar a aprendizagem ou estimula ponderações complementares sobre o módulo estudado. 7 Introdução A cada dia, as pesquisas sobre a dependência química vêm avançando no mundo inteiro. A grande questão é: quais são as melhores práticas diante de nossos clientes usuários de álcool e outras drogas? Nesta disciplina, você começará a “navegar” pela dependência química. Serão abordadas informações básicas para um melhor desempenho profi ssional: termos utilizados; conceitos fundamentais para a prática; epidemiologia do consumo de substâncias; diferenças entre uso, abuso e dependência de substâncias psicoativas; como realizar o rastreio a partir de instrumentos quantitativos; como estabelecer o diagnóstico a partir de manuais internacionais; e neurobiologia. Durante a apresentação dos conteúdos teóricos, estão inseridos “sinopses” de casos clínicos, que servem de ilustração para o que está sendo abordado. De um modo geral, você irá encontrar conteúdos para um novo “olhar”, uma concepção diferenciada e profi ssional do fenômeno da dependência química. Objetivos » Promover conhecimentos de termos e conceitos básicos para a atuação profi ssional frente à dependência química. » Compreender modelos teóricos que procuram explicar as causas da dependência química. » Capacitar para diagnóstico de abuso e dependência de substâncias psicoativas. » Analisar a prevalência do uso de álcool e drogas, e das consequências associadas a esse consumo, na população brasileira. » Compreender a ação das substâncias psicoativas no cérebro; como alteram o funcionamento normal cerebral e promovem a dependência. 9 UNIDADE I APRESENTAÇÃO GERAL DA DEPENDÊNCIA QUÍMICA CAPÍTULO 1 Termos e conceitos No dia a dia do profi ssional que lida com pessoas usuárias de álcool e outras drogas são utilizados termos específi cos dessa área. Há aqueles mais presentes no senso comum e outros que são expressos mais no meio profi ssional. Quais termos específi cos dessa área você tem mais familiaridade? Como você defi niria a dependência química? Saber como se expressar de acordo com seu interlocutor é essencial. Abordar um paciente desmotivado com “palavras complicadas” pode difi cultar ainda mais o trabalho. Por outro lado, usar palavras do senso comum em uma discussão de caso clínico em uma equipe multiprofi ssional pode não ser bem visto, ou ainda causar interpretações equivocadas. Além de diferenciar termos do senso comum dos técnicos, alguns deles serão aprofundados em seus conceitos, pois são essenciais nadependência química. Terminologias O mundo da dependência química possui muitos “dialetos”. O tráfi co tem palavras próprias; os colegas de bar falam diferente do que falam em casa. Na busca pela recuperação do uso de drogas, muitas metáforas são utilizadas e repetidas. Alguns termos são comuns em certos ambientes, como os grupos de mútua ajuda. Ainda há termos do senso comum, carregados muitas vezes de uma visão pejorativa, moralista. No trabalho com a dependência química devemos utilizar o termo mais adequado ao meio em que estamos. 10 UNIDADE I │APRESENTAÇÃO GERAL DA DEPENDÊNCIA QUÍMICA Seguem alguns termos que merecem destaque: Quadro 1. Termos utilizados no trabalho com a Dependência Química TERMO TERMO técnico CONSIDERAÇÕES Adicção Dependência Termo “importado” do inglês “addiction”. No Brasil não é muito utilizado no meio acadêmico e da saúde, sendo mais empregado entre pessoas que frequentam grupos de mútua ajuda como Alcoólicos Anônimos. Adicto Dependente Assim como adicção, é um termo mais utilizado entre membros de grupos de mútua ajuda. Limpo/ Ativa Abstinente/ fazendo consumo de substâncias psicoativas Termos também mais utilizados pelos membros de grupos de mútua ajuda. Estar “limpo” quer dizer no senso comum “sóbrio”, ou seja, a pessoa não está fazendo o consumo de drogas. Alcoolista/ alcoólatra Dependente de álcool Estes termos são mais utilizados pelo senso comum, por terem caído em desuso. Bêbado/ drogado / viciado Dependente de álcool/ Dependente químico Termos carregados de moralismos, utilizados no senso comum. No caso de quando se diz “Ele está bêbado”, o adequado seria “ele está intoxicado pelo álcool”. Fonte: Oliveira, 2012.2 – Conceitos Alguns termos técnicos da dependência química precisam ser mais aprofundados, pois apesar de muitas vezes serem “intuitivos” é muito importante conhecer seus signifi cados para utilizarmos de maneira adequada. Frequentemente, precisamos explicar estes conceitos aos pacientes, familiares, outros profi ssionais de saúde, entre outras pessoas, e sem o conhecimento prévio pode-se sentir difi culdade. Ainda, como reconhecer algo se não conhecemos? Como sabemos se um evento é um “fator de proteção” se eu não sei o que é isto? A seguir, os principais conceitos: Dependência Química (DQ) Para a Décima Revisão da Classifi cação Internacional de Doenças, a Síndrome de dependência química é considerada: “Um conjunto de fenômenos fi siológicos, comportamentais e cognitivos, no qual o uso de uma substância ou uma classe de substâncias alcança uma prioridade muito maior para um determinado indivíduo que outros comportamentos que antes tinham maior valor. Uma característica descritiva central da síndrome de dependência é o desejo (frequentemente forte, algumas vezes irresistível) de consumir drogas psicoativas (as quais podem ou não terem sido medicamente prescritas), álcool ou tabaco. Pode haver evidência que o retorno ao uso da substância após um período de abstinência leva a um reaparecimento mais 11 APRESENTAÇÃO GERAL DA DEPENDÊNCIA QUÍMICA │ UNIDADE I rápido de outros aspectos da síndrome do que o que ocorre com indivíduos não dependentes.” (CID 10) Podemos resumir que a dependência química é um padrão mal adaptativo do consumo de substâncias psicoativas (DSM IV), uma relação alterada entre o usuário e seu modo de consumo. “A pessoa passa a precisar da droga para “funcionar” normalmente.” (ADAM, 2010) Os critérios diagnósticos para a dependência química serão apresentados no Capítulo 4 desta disciplina. Substâncias Psicoativas (SPA) As Substâncias Psicoativas (SPA) são aquelas que agem em processos mentais, como o humor, consciência, pensamento e comportamento do indivíduo. (BERTOLOTE, 2010) As SPA são classifi cadas entre depressoras, estimulantes e perturbadoras do sistema nervoso central, como será abordado na Unidade IV desta disciplina. Síndrome de abstinência É a presença de sintomas físicos e psicológicos quando ocorre a interrupção ou a diminuição do consumo da substância psicoativa que, em geral, vinha sendo utilizada em um longo período, em altas doses e frequentemente. (OMS, 2004; BERTOLOTE, 2010) Alguns pacientes podem experimentar sintomas leves, porém existem aqueles que podem desenvolver sintomas e complicações mais graves. (LARANJEIRA, RONALDO E COL., 2000) Uma série de fatores biopsicossociais infl uenciam o aparecimento e a evolução da síndrome de abstinência, como: a vulnerabilidade genética, o gênero, o padrão de consumo da SPA, as características individuais biológicas e psicológicas e os fatores socioculturais. (LARANJEIRA, RONALDO E COL., 2000) Cada SPA produz uma Síndrome de Abstinência específi ca, apesar de haver entre eles, muitos sintomas em comum. Você irá aprender na próxima disciplina as características da Síndrome de Abstinência de cada tipo de SPA. SINOPSE José percebe que toda noite, após ter passado a tarde bebendo, tem suado em excesso, e durante a manhã suas mãos tremem muito, sendo muito incômodo. Junto a isso, sente-se muito ansioso e irritado, não querendo “ver ninguém na frente”. Logo às 8h da manhã, vai ao bar e bebe sua primeira dose de pinga, e percebe que todas essas sensações ruins “desaparecem”. Fissura A fi ssura, ou craving, corresponde a vontade muito intensa de usar a substância psicoativa. É um desejo que parece incontrolável, e causa grande sofrimento no indivíduo (BERTOLOTE, 2010). A 12 UNIDADE I │APRESENTAÇÃO GERAL DA DEPENDÊNCIA QUÍMICA fi ssura pode ser compreendida como uma “onda do mar” que aparece, cresce, mas se aguardarmos, ela diminuirá e irá embora. Tolerância A tolerância é a necessidade de consumir quantidades maiores da substância para ter os mesmos resultados esperados dos que obtinha anteriormente com doses menores (BERTOLOTE, 2010; OMS, 2004). A tolerância pode ser evidenciada em uma fala como a de Joana: SINOPSE “No começo eu bebia ‘socialmente’, apenas uma cervejinha com as minhas amigas da faculdade. Tomava dois copos e já ficava ‘alegre’. Era muito bom, me divertia demais. Comecei a sair todo final de semana. Então, comecei a beber bem mais, e passei a beber também caipirinha. Minhas amigas brincavam que eu bebia igual “homem”. Na verdade, eu percebia que era diferente, que pra mim não tinha limites. Essa fase de bebedeiras passou para minhas amigas, mas para mim não, hoje em dia, eu não consigo passar sem pelo menos meia garrafa de pinga por dia.” Recaída A recaída pode ser defi nida como o retorno ao consumo de determinada substância psicoativa nos mesmos padrões anteriores a um período de abstinência. (BEROLOTE, 2010) Este é um termo que será mais amplamente trabalhado no Módulo que irá abordar a “Prevenção da Recaída”. Fatores de risco e proteção Os fatores de risco e os de proteção devem ser investigados individualmente. Apesar de existirem fatores que são comuns a todos, muitas vezes, ocorre de um fator representar risco para uma pessoa e não representar para outra. Por exemplo, para Maria ir às festas com bebidas, pode ser um grande fator de risco para recaídas, pois ela fi ca ansiosa, frustrada e com fi ssura; já para Ana ir às festas não é um problema, pois sempre escolhe uma amiga de confi ança para ir junto e sente- se bem e segura. Fator de risco São aqueles fatores que aumentam a probabilidade de o indivíduo permanecer no uso, ou de ter uma recaída (MARQUES, 2006). Alguns exemplos comuns são: amigos de bar, cônjuge que também usa a substância, frustrações, transtornos psiquiátricos não tratados, dinheiro “sobrando”, festas, ociosidade etc. SINOPSE “Eu estava muito bem, já com três semanas sem beber. Aí passei um dia na frente do bar e meus amigos me chamaram. Fiquei sem graça de não cumprimentar, e acabei entrando. O problema é que eu acabei ficando.” 13 APRESENTAÇÃO GERAL DA DEPENDÊNCIA QUÍMICA │ UNIDADE I Fatores Predisponentes São aqueles fatores que anteriormente ao início de uso de álcool ou drogasjá colocavam o indivíduo em risco para desenvolver a dependência. Exemplos comuns são: violência doméstica, presença de dependentes químicos na família, pais usuários de drogas, envolvimento com a criminalidade, envolvimento com o tráfi co, transtornos psiquiátricos como depressão, ansiedade, transtorno afetivo bipolar, esquizofrenia, transtorno de défi cit de atenção e hiperatividade, uso de drogas pela mãe na gestação, abandono escolar etc. SINOPSE “Desde pequena, vi meu pai beber. No começo achava aquilo muito ruim, porque ele ficava longe da família e quando estava perto era muito agressivo. Quando ele bebia, era briga ‘na certa’ em casa. Não aguentava aquele clima, ficava com muita raiva do meu pai. Ao mesmo tempo, tinha muita curiosidade, e quando comecei a ficar mais velho, comecei a pegar a bebida que meu pai guardava em casa, para experimentar. Aí, comecei a beber também.” Fatores de proteção São fatores que podem auxiliar o indivíduo a atingir a abstinência e também fatores que auxiliam no impedimento de recaídas. Além disso, são fatores que podem prevenir o uso de drogas por um indivíduo, que diminuem a probabilidade desse consumo de substâncias durante a vida. (MARQUES; RIBEIRO, 2006). Alguns exemplos: espiritualidade, convívio familiar harmonioso, regras familiares, tratamentos, grupos de ajuda mútua, rotina equilibrada etc. SINOPSE “Estou muito feliz, pois hoje faz um mês que não uso! Tenho cumprido o que combinamos aqui na terapia, tenho ido à igreja e ao NA. Às vezes, fico meio chateado por não poder andar com dinheiro e ter que pedir para minha esposa, mas entendo que por enquanto é necessário.” Elabore um quadro de exemplos de fatores de risco e de fatores de proteção. Acesse o Guia prático sobre uso, abuso e dependência de substâncias psicotrópicas para educadores e profi ssionais da saúde no link: < http://ww2.prefeitura.sp.gov. br/arquivos/secretarias/participacao_parceria/comuda/publicacoes/guia_ pratico_sobre_uso_e_dependencia_de_droga.pdf> e amplie seu conteúdo. Glossário de álcool e drogas. Link: <http://www.brasil.gov.br/enfrentandoocrack/publicacoes/material- informativo/serie-por-dentro-do-assunto/glossario-de-alcool-e-drogas/view>. 14 CAPÍTULO 2 Modelos teóricos da dependência química Se perguntassem a você: “O que leva uma pessoa a usar drogas?” ou “Por que uma pessoa se torna dependente de álcool ou drogas?” O que você responderia? É comum ouvir a pergunta: “Por que alguém se torna dependente químico”? Se perguntarmos aos nossos pacientes, podemos ouvir diversos tipos de explicações: “Porque sofri um trauma na infância”; “Porque vim de um lar desestruturado”; “Porque sofria violência doméstica”; “Porque meu pai usava também”; “Porque não sabia lidar com frustrações”; “Porque era deprimido”; “Não sei”; e assim por diante. Percebe-se que as explicações sempre revelam um fator biológico, psicológico, social ou afetivo-familiar. No meio acadêmico e profi ssional, muitas são as teorias que tentam explicar as causas do fenômeno da dependência. O que se tem observado é que muitas delas, não conseguem explicar a dependência em toda sua complexidade. A seguir, serão listados os principais modelos: Modelo moral O Modelo Moral coloca grande ênfase na escolha pessoal como um fator causal para a dependência de SPA. (PERROENOUD; RIBEIRO, 2011) Assim, o usuário de SPA é considerado responsável pelo início, desenvolvimento do problema, pelas soluções e acredita-se que necessitam apenas de força de vontade para parar de usar. As pessoas são induzidas à culpa pelo desenvolvimento do problema e também a pensar que, de alguma forma, lhes faltam força de vontade e “fi bra moral”, por não conseguirem mudar seu comportamento de uso (PILLON; LUIS, 2004). Modelo de doença Neste caso, a dependência seria um transtorno primário e independente de outras doenças. A causa está relacionada à hereditariedade da suscetibilidade do organismo do indivíduo aos efeitos das SPA. Um exemplo de pessoas que seguem o modelo de doença ao explicar a dependência química seria o de que a dependência é considerada uma doença como a hipertensão ou a diabetes. (FIGLIE et al., 2010) 15 APRESENTAÇÃO GERAL DA DEPENDÊNCIA QUÍMICA │ UNIDADE I O comportamento do uso da substância é visto como progressivo, incurável e o indivíduo dependente é visto como doente. Neste modelo, o tratamento deve fi car na recuperação da dependência da SPA, sendo a abstinência total, objetivo a ser alcançado. Muito comum verifi car esta concepção entre membros de grupos de mútua ajuda, como Alcoólicos Anônimos. (PILLON; LUIS, 2004) Certamente, os modelos biológicos trouxeram avanços em pesquisas na área da genética (estudo com gêmeos e adoção) e neurobiologia (estudo da ação da SPA no cérebro) relacionada a dependência (PERROENOUD; RIBEIRO, 2011). A neurobiologia da dependência química será abordada no último Capítulo desta Disciplina. Modelos psicológicos Psicanalítico Entende a dependência química como um desenvolvimento inadequado da personalidade, ligado em geral, às experiências que a pessoa teve na infância. Nos estágios de desenvolvimento, a criança vive fracassos em superar desafi os de cada estágio, sendo mais difícil seguir para estágios seguintes. O uso de SPA viria como um alívio de frustrações geradas neste processo. (PERROENOUD; RIBEIRO, 2011) Comportamental Para este modelo, os comportamentos são aprendidos, e, portanto, podem ser modifi cados também pelo processo de aprendizagem. Em uma visão comportamental, o aprendizado pode ser estabelecido a partir (FIGLIE et al., 2010): » do Condicionamento clássico: situações do ambiente tornam-se estímulos condicionados que geram respostas. Por exemplo, a fi ssura: a visualização do copo de cerveja dá vontade intensa de beber. » do Condicionamento operante: os comportamentos são determinados pelos reforços positivos ou negativos, que resultam do comportamento. Um exemplo de reforço positivo seria a sensação de prazer e euforia gerados pela SPA; e um exemplo de reforço negativo seria a o alívio da ansiedade e irritabilidade, ou mesmo de sintomas de síndrome de abstinência. » da Modelagem: desenvolvimento de comportamentos a partir da observação do comportamento de outras pessoas. Um exemplo seria o fato de a criança imitar o pai fumando. 16 UNIDADE I │APRESENTAÇÃO GERAL DA DEPENDÊNCIA QUÍMICA Cognitivo-comportamental Para este modelo, os comportamentos são aprendidos, e, portanto, podem ser modifi cados também pelo processo de aprendizagem. (FIGLIE et al., 2010) Neste modelo, diferente da teoria comportamental, os comportamentos são infl uenciados pelos pensamentos e emoções. Assim, a pessoa poderia substituir seu comportamento mal adaptativo por um mais apropriado, por meio de correções de pensamentos e crenças disfuncionais. No uso de drogas, os estímulos interagem com as crenças disfuncionais da pessoa em relação a si e em relação à SPA, o que levaria a fi ssura e a busca pela SPA. (FIGLIE et al, 2010; PERROENOUD; RIBEIRO, 2011) Modelo familiar Modelos familiares, sejam de doença, sejam sistêmicos ou comportamentais, contribuíram para o conceito de equilíbrio, regras e metas que governam os relacionamentos familiares, e como elas infl uenciam o uso de SPA. (FIGLIE et al., 2010) Modelo biopsicossocial Este tenta integrar as contribuições de todos os modelos em uma única teoria. Apenas um componente não é sufi ciente para explicar a dependência química em uma pessoa. Por exemplo, ter um pai dependente de substâncias não é sufi ciente para explicar a razão de uma pessoa se tornar dependente. Ou seja, a dependência é um fenômeno complexo e fatores biológicos (hereditariedade, metabolização da SPA pelo organismo, toxidade da SPA etc.), psicológicos (resiliência, controle emocional, depressão, etc.), sociais (disponibilidade da SPA, mídia, família, colegas, etc.) e ainda espirituais (fé, esperança, amor pela vida, etc.) interagem e desempenham papéis importantesna causa, no curso e nos resultados do caso. (FIGLIE et al., 2010) Faça um resumo dos Modelos Teóricos e os comente criticamente. 17 CAPÍTULO 3 Epidemiologia A partir do que você observa em seu trabalho, em seu bairro, nos seus lugares de convívio, você acha que a maioria ou a minoria dos brasileiros ingere bebida alcoólica ou faz uso de algum tipo de entorpecentes? Quais são as drogas mais utilizadas? Há muita diferença entre o número de pessoas que fazem o uso de drogas lícitas e ilícitas? E como é a estatística do uso entre as crianças e os adolescentes? Dados epidemiológicos são importantes fontes da realidade do consumo e das consequências de álcool e drogas nos países, estados e regiões. Saber quais são as drogas mais utilizadas e como elas afetam a sociedade é importante para a elaboração de políticas públicas adequadas ao perfi l da população. Por exemplo, saber qual é a prevalência de consumo das drogas lícitas entre os adolescentes pode sinalizar a necessidade de rever os pontos de venda de álcool e drogas próximos à escola. Ou então, “O que é mais urgente: prevenir o consumo de maconha ou de álcool entre adultos?”. É a partir de dados de levantamentos que se pode embasar e justifi car projetos de intervenção em todos os níveis. Levantamentos populacionais A Secretaria Nacional Antidrogas (SENAD), órgão do governo federal responsável pelas ações de articulação da Política Nacional sobre Drogas vem ao longo dos anos promovendo a realização de estudos e pesquisas sobre o uso de drogas, seja na população em geral ou em grupos específi cos. Os dados obtidos são disponibilizados à sociedade para que possa ampliar a compreensão do tema e aos gestores públicos como suporte na formulação e na implementação de ações e de políticas específi cas (CARLINI et al., 2005). No site do CEBRID você encontra links para download dos principais levantamentos populacionais para verifi cação do uso de álcool e drogas na população brasileira; entre crianças e adolescentes; entre crianças e adolescentes em situação de rua; entre indígenas. II Levantamento Domiciliar A partir do II Levantamento Domiciliar (CARLINI et al. 2005) sobre o uso de drogas psicotrópicas no Brasil: estudo envolvendo as 108 maiores cidades do país (2005) contatou-se que: » 22,8% dos 7.939 entrevistados, haviam feito uso na vida, de qualquer droga (exceto Tabaco e Álcool); 10,3% haviam feito uso no ano; e 4,5% uso no mês. » Em relação ao uso na vida, uso no ano e uso no mês das drogas mais usadas: 18 UNIDADE I │APRESENTAÇÃO GERAL DA DEPENDÊNCIA QUÍMICA Quadro 2. Consumo SPA população geral (Destaques da Professora). SPA uso na vida % uso no ano % uso no mês % MACONHA 8,8 2,6 1,9 SOLVENTES 6,1 1,2 0,4 BENZODIAZEPÍNICOS 5,6 2,1 1,3 OREXÍGENOS 4,1 3,8 0,1 ESTIMULANTES (ANOREXÍGENOS) 3,2 0,7 0,3 COCAÍNA 2,9 0,7 0,4 XAROPES (codeína) 1,9 0,4 0,2 OPIÁCEOS 1,3 0,5 0,3 ALUCINÓGENOS 1,1 0,3 0,2 ESTERÓIDES 0,9 0,2 0,1 CRACK 0,7 0,1 0,1 BARBITÚRICOS 0,7 0,2 0,1 ANTICOLINÉRGICOS 0,5 0 0 MERLA 0,2 0 0 HEROÍNA 0,1 0 0 ÁLCOOL 74,6 49,8 38,3 TABACO 44,0 19,2 18,4 Fonte: II Levantamento Domiciliar Pode-se observar no Quadro 2, que o uso na vida, no ano e no mês de substâncias lícitas é signifi cativamente maior do que o uso de substâncias ilícitas. A SPA ilícita mais utilizada é a maconha. » Em relação à dependência de drogas: Quadro 3. Dependência na População SPA Dependência % ÁLCOOL 12,3 TABACO 10,1 MACONHA 1,2 BENZODIAZEPÍNICOS 0,5 SOLVENTES 0,2 ESTIMULANTES 0,2 Fonte: II Levantamento Domiciliar Pode-se analisar, por meio do Quadro 3 que a prevalência de dependência de álcool e tabaco, substâncias lícitas também é muito maior do que a de SPA ilícitas. Aqui a maconha também merece destaque, por ser a SPA com maior número de usuários dependentes. 19 APRESENTAÇÃO GERAL DA DEPENDÊNCIA QUÍMICA │ UNIDADE I » O estudo ainda revelou que: Drogas Injetáveis › Não houve relato do consumo de drogas injetáveis no Brasil. Este dado deve ser analisado cuidadosamente, pois apesar de não haver relato, não signifi ca que não exista. Tráfi co › Entre os 12 e 17 anos, já existem relatos de uso de SPA, assim como facilidade de acesso às mesmas. 7,8% das jovens relataram terem sido abordadas por pessoas querendo vender- lhes droga. » As porcentagens de entrevistados que relatam ter presenciado pessoas vendendo drogas variam de 15% a 25%. » 18,3% dos participantes viram pessoas procurando por drogas e por trafi cantes. » Em relação à procura por drogas, nos 30 dias que antecederam à pesquisa: › Na idade de 12 a 17 anos, 1,7% dos entrevistados; › O maior número de compradores (5,9%) está na faixa etária de 18 a 24 anos, decrescendo para 0,5% com os entrevistados acima de 35; › Acima dos 18 anos a procura por drogas é muito mais presente no sexo masculino. Tratamento › 2,9% dos entrevistados já passaram por tratamento para abuso de drogas, sendo três vezes maior entre os homens (6,2% estavam na faixa etária acima de 35 anos). Violência › Os acidentes de trânsito envolvendo motoristas sob efeito de Álcool e outras drogas aparecem em maior porcentagem para o sexo masculino. › Estar sob efeito de Álcool e outras drogas durante o trabalho trouxe complicações para 1,2% dos entrevistados (maioria do sexo masculino e de 25 a 34 anos). › Pessoas que já feriu alguém quando estava sob efeito de alguma SPA atingiu 0,7% no total e o sexo masculino mostrou as maiores porcentagens nas faixas etárias a partir dos 18 anos. 20 UNIDADE I │APRESENTAÇÃO GERAL DA DEPENDÊNCIA QUÍMICA › Cerca de 3,0% da população entrevistada já se feriram quando estavam sob efeito de alguma SPA. › Os homens praticaram cerca de quatro vezes mais agressões relacionadas ao uso de drogas que as mulheres. › 6,3% do total de pessoas já discutiram quando estavam sob efeito de alguma SPA, predominando para o sexo masculino. Acesse o II Levantamento Domiciliar sobre o uso de drogas psicotrópicas no Brasil e faça uma discussão sobre os principais dados encontrados sobre a sua região (estado), comparando-os com os dados brasileiros (país). Consumo de drogas entre estudantes dos Ensinos Fundamental e Médio Acesse o VI Levantamento Nacional sobre o Consumo de Drogas Psicotrópicas entre Estudantes do Ensino Fundamental e Médio das Redes Pública e Privada de Ensino nas 27 Capitais Brasileiras de 2010 e veja as comparações entre os estudantes do Brasil e do exterior em relação ao comportamento de consumo de SPA. Antes deste VI Levantamento Nacional sobre o Consumo de Drogas Psicotrópicas entre Estudantes do Ensino Fundamental e Médio das Redes Pública e Privada de Ensino nas 27 Capitais Brasileiras de 2010, realizado pelo SENAD e CEBRID, foram realizados outros quatro levantamentos nos anos de 1987, 1989,1993, 1997 e 2005. No Quadro a seguir, você tem as principais características da amostra deste estudo: Quadro 4. Amostra características Amostra 50.890 estudantes Rede pública 31.280 Rede particular 19.610 Gênero Feminino 51,2% Gênero Masculino 47,1% Faixa Etária Predominante 13 a 15 anos (42,1%) Predomínio de estudantes sem defasagem série/idade (80,4%) Classe Social Rede pública Predominante C (34,2%) Classe Social Rede Particular Predominante B (42,4%) Fonte: Adaptado do VI Levantamento. 21 APRESENTAÇÃO GERAL DA DEPENDÊNCIA QUÍMICA │ UNIDADE I » O estudo revelou que em 2010: Quadro 5. Uso de SPA entre estudantes (Destaques da Professora). SPA uso na vida % uso no ano % USO NO MÊS % Frequente pesado ÁLCOOL 60,5 42,4% 21,1 2,7 1,6 TABACO 16,9 9,6% 5,5 0,7 1,5 SOLVENTES/INALANTES 8,7 5,2 2,2 0,2 0,3 MACONHA 5,7 3,7 2,0 0,3 0,4 ANSIOLÍTICOS 5,3 2,6 1,3 0,1 0,1 COCAÍNA 2,5 1,8 1,0 0,2 0,2 ANFETAMÍNICOS 2,2 1,7 0,9 0,1 0,3 CRACK 0,6 0.4 0,3 0,0 0,1 ANTICOLINÉRGICOS 0,5 0,4 0,2 0,0 0,0 ENERGÉTICO COM ÁLCOOL 15,4 - - - - ESTEROIDES/ ANABOLIZANTES 1,4 - - - - ÊXTASE 1,3 - - - - LSD 1,0 - - - - ANALGÉSICOS OPIÁCEOS0,6 - - - - ÓPIO/ HEROÍNA 0,3 - - - - BENFLOGIN ® 0,4 - - - - METANFETAMINA 0,3 - - - - KETAMINA 0,2 - - - - QUALQUER DROGA (MENOS ÁLCOOL E TABACO) 25,5 10,6 5,5 0,8 1,1 Fonte: Adaptado do VI Levantamento. Percebe-se assim, que o álcool e o tabaco são as drogas de predominância de uso na vida, seguidas pelos inalantes. Merece destaque ainda, a alta prevalência da mistura de álcool e energéticos. O crack não é uma droga de destaque entre estudantes. » Aspectos de comparação entre escolas públicas e privadas do VI Levantamento: › A porcentagem de estudantes com relato de uso no ano de qualquer droga (exceto álcool e tabaco) foi de 9,9% para a rede pública e 13,6% na rede particular. › Estudantes de escolas particulares apresentam prevalência de uso de drogas para os padrões de uso na vida e ano, porém os de escola pública mostram maiores índices de uso pesado. » Relação entre uso de drogas e gênero: › O gênero masculino usa mais drogas como cocaína, solventes, maconha e 22 UNIDADE I │APRESENTAÇÃO GERAL DA DEPENDÊNCIA QUÍMICA esteroides; e o feminino, medicamentos, como os anfetamínicos (anorexígenos – moderadores de apetite), os ansiolíticos (tranquilizantes) e analgésicos. › Pela primeira vez em um levantamento entre estudantes, o uso na vida de tabaco foi maior no gênero feminino, apesar de não haver signifi cância estatística. › O uso de álcool foi predominante nas meninas em comparação com o gênero masculino (já observado em 2004). » Relação entre uso de drogas e faixas etárias: › Outro dado que é importante analisar refere-se à disseminação do uso na vida e no ano de drogas em geral. Quadro 6. Uso e faixas etárias faixa etária uso na vida % USO NO ANO % 10-12 10,4 5,4 13-15 22,5 9,6 16-18 42,8 17,0 Fonte: Adaptado do VI Levantamento. » Idade do primeiro uso de drogas: › Cerca de 5,0% devem ter iniciado a experimentação de droga antes dos 10 anos. » Uso não médico de drogas lícitas. Quadro 7. Drogas lícitas e ilícitas SPA uso na vida % Ilícitas (maconha, cocaína, crack, ópio, LSD, êxtase, ketamina e metanfetamina). 12,2 Lícitas (anfetamínicos, ansiolíticos, inalantes, anticolinérgicos, Benflogin®, analgésicos, analgésicos opiáceos, anabolizantes e energéticos com álcool). 34,7% Fonte: Adaptado do VI Levantamento. › O uso dos benzodiazepínicos e dos anoréticos anfetamínicos está presente predominantemente entre estudantes do gênero feminino. › O estudo coloca que é provável que as estudantes consigam esses medicamentos por meio das “farmácias” dos lares e cessão por amigos, o que indica que há um acesso relativamente fácil a essas drogas e que o uso pelas estudantes pode estar 23 APRESENTAÇÃO GERAL DA DEPENDÊNCIA QUÍMICA │ UNIDADE I relacionado com o “exemplo de dentro de casa” (adultos tomando medicamentos para fi carem “calmos” ou perder peso). » Comparando o uso de drogas (não incluindo álcool e tabaco) pelos Estudantes Brasileiros nos anos de 2004 e 2010. › Entre 2004 e 2010, o uso no ano revelou diminuição de maneira estatisticamente signifi cante da porcentagem de alunos relacionado à redução no uso. Quadro 8. Comparação 2004 e 2010 SPA uso no ano 2004 % uso no ano 2010%* ÁLCOOL 63,3 41,1 TABACO 15,7 9,8 SOLVENTES/INALANTES 14,1 4,9 MACONHA 4,6 3,7 ANSIOLÍTICOS 3,8 2,1 COCAÍNA 1,7 1,9 ANFETAMÍNICOS 3,2 1,6 CRACK 0,7 0.4 Total uso no ano (MENOS ÁLCOOL E TABACO) 19,6 9,9 *indica significância estatística com p ≤ 0,05; Teste de Qui-quadrado. Fonte: Adaptado do VI Levantamento. Apesar da diminuição geral, pode-se observar que o consumo de cocaína aumentou de 2004 a 2010. Houve acentuada queda no número de alunos relatando uso no ano de 2010 de drogas, exceto álcool e tabaco: Quadro 9. Comparação faixa etária 2004 a 2010 faixa etária uso no ano 2004 % USO NO ANO 2010 % 10-12 anos 10,2% 4,6% 13-15 anos 30,3% 8,4% 16-18 anos 26,6 % 15,7% + 18 anos 29,2% 15,2% Fonte: Adaptado do VI Levantamento. Acesse o VI Levantamento e destaque em um pequeno texto como é o padrão de uso entre os estudantes de sua região. 24 UNIDADE I │APRESENTAÇÃO GERAL DA DEPENDÊNCIA QUÍMICA Consumo de drogas entre crianças e adolescentes em situação de rua O CEBRID (NOTO, A. R., 2004) realizou cinco levantamentos sobre o uso de drogas entre crianças e adolescentes em situação de rua. O primeiro levantamento foi realizado há quase vinte anos 1987, o segundo levantamento 1989, o terceiro 1993, o quarto 1997 e o quinto em 2003. O signifi cativo consumo de drogas foi observado em todos os anos e em todas as capitais avaliadas. A realização sistemática desses levantamentos tem permitido avaliar as mudanças ocorridas ao longo dos anos, fornecendo subsídios para o desenvolvimento de programas preventivos mais realistas. Em relação ao uso no ano e uso no mês de cada SPA entre 2.807 crianças e adolescentes em situação de rua entrevistados nas 27 capitais brasileiras; e frequência do uso de SPA no mês que antecedeu a pesquisa, os resultados foram: Quadro 10. Uso SPA entre jovens em Situação de Rua Frequência SPA uso no ano % USO NO MÊS % quase todos os dias* alguns dias** poucos dias*** ÁLCOOL 62,4% 43,0% 3,0% 19,0% 21,0% TABACO 52,5% 44,5% 29,5% 8,4% 6,6% SOLVENTES/INALANTES 36,8% 28,7% 16,3% 7,1% 5,3% MACONHA 32,1% 25,4% 11,2% 8,3% 6,0% COCAÍNA E DERIVADOS 18,5% 12,6% 2,4% 4,4% 5,8% MEDICAMENTOS (Rohypnol®, Artane®,Benflogin®) 7,4% 5,0% 1,0%, 2,0%, 2,6% CHÁ 2,8% 1,3% 0,2% 0,4% 0,7% OUTRAS 3,2% 1,4% 0,2%, 0,7%, 0,4% * “Quase todos os dias” (20 ou mais dias) ** “Alguns dias” (4 a 19 dias) *** “Poucos dias” (1 a 3 dias) Fonte: Levantamento do Consumo de Drogas entre Crianças e Adolescentes em Situação de Rua. A partir do Quadro 10, pode-se verifi car que é alta a prevalência do consumo de SPA entre jovens em situação de rua, tanto de SPA lícitas como ilícitas. Ainda assim, os dados do tabaco e do álcool são considerados alarmantes, assim como nos levantamentos de outras populações. Expectativa de vida mais citadas; Comportamentos de risco associados ao uso de drogas psicotrópicas; Formas de aquisição das drogas psicotrópicas <http://200.144.91.102/cebridweb/download.aspx?cd=48> 25 UNIDADE IICRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS CAPÍTULO 4 Manuais diagnósticos e outros instrumentos Quando você se depara com uma pessoa que faz uso de álcool ou outras drogas, como você sabe se ele é dependente, ou se ele apenas faz um uso ou um abuso dessa substância? Certamente, qualquer profi ssional da Saúde irá se deparar em sua prática diária com um paciente que relata fazer consumo de álcool, tabaco ou outras drogas. Infelizmente, o que se observa é que este dado, muitas vezes, é negligenciado e o paciente é dispensado do atendimento sem qualquer avaliação desse comportamento de consumo. Ainda que se verifi que um consumo problemático, o paciente em geral sai sem nenhuma conduta defi nida a respeito de sua situação. Muitas vezes, a avaliação sobre o consumo de substâncias não é realizada pela falta de informações de como deve ser aplicado esse procedimento. Faltam conhecimentos e/ou ferramentas para que o profi ssional possa se amparar a um diagnóstico. Uso, abuso e dependência Como se pode observar, pelas pesquisas epidemiológicas, nem todo indivíduo que bebe ou usa drogas é dependente. Mas, como saber se uma pessoa já está ou não dependente de SPA? De forma didática, o esquema abaixo representa as formas de consumo de álcool e outras drogas de acordo com as consequências deste consumo: 26 UNIDADE II │ CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS Figura 1: Uso, abuso, dependência Fonte: NEAD O Uso de substâncias, representado pelo quadrante A, é aquele em que o indivíduo apenas fez um uso experimental de uma SPA, ou faz um uso considerado “social”, tendo pouca ou nenhuma consequência a partir desse consumo. Apesar de comumente não ser um consumo problemático, deve-se ter em mente que, mesmo com pequenas doses, e mesmo com pessoas não dependentes, as SPAs podemcausar prejuízos, por exemplo, acidentes. Vale lembrar também que ninguém “nasce” dependente, sendo que uma pessoa que faz apenas o uso de uma SPA, caso persista neste uso, poderá evoluir para o abuso, ou mesmo dependência. No Abuso de SPA, representado pelo quadrante B, a pessoa faz um uso maior da SPA, já tendo algum tipo de consequência decorrente desse consumo. Ainda assim, não atende aos critérios para dependência. O abuso de SPA é descrito tanto pelo CID 10 como pelo DSM IV, como veremos no item a seguir. A dependência de SPA, representada pelo quadrante C, a pessoa já tem um alto consumo de uma ou mais SPA, com consequências graves decorrentes desse consumo. Para o diagnóstico de dependência é necessário que alguns critérios estejam presentes, como veremos nos próximos itens. O quadrante D representa uma situação inexistente, uma vez que o fato de uma pessoa ser dependente já representa uma grave consequência. (FIGLIE et al.; 2010) Podemos dizer que a dependência apresenta uma evolução. Na Figura 2, o indivíduo, apesar de fazer um uso possivelmente abusivo, posteriormente retoma ao uso “social”. Já na Figura 3 observa- se que o indivíduo já apresenta critérios para dependência, apresentando consequências cada vez mais graves. Este esquema da evolução pode ser útil para visualizar o caso e história do paciente. 27 CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS │ UNIDADE II Figura 2. Evolução do uso de drogas Fonte: NEAD. Figura 3. Evolução do uso de drogas (uso abusivo) Fonte: NEAD. 28 UNIDADE II │ CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS Assista ao fi lme Diário de um Adolescente e visualize os conceitos aprendidos nesta disciplina. Classificação Internacional de Doenças -10ª revisão (CID 10) A Classifi cação de Transtornos Mentais e de Comportamento da CID 10 é uma das mais utilizadas no Brasil. A seguir, como se devem classifi car os diagnósticos de Transtornos Mentais e Comportamentais devido ao Uso de Substância Psicoativa. A avalição do consumo de SPA deve ser feita a partir de todas as fontes de informação possíveis: informações fornecidas pelo próprio sujeito; as análises de sangue urina e fi o de cabelo; os sintomas característicos; comportamentos clínicos; e outras evidências, como as drogas achadas com o paciente e os relatos de familiares e amigos. (W.H.O, 1993) Acesse o site do datasus <www2.datassus.gov.br> e consulte on-line a CID 10. Classificação Entre os Códigos F10 a F19 estão agrupados os transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de substância psicoativa. (W. H.O, 1993) O Código “F” signifi ca que o quadro corresponde a um transtorno mental e comportamental; o Código numeral de 10 a 19 corresponde à SPA implicada no caso; o Código ponto seguido de numeral de 0 a 9 especifi ca o quadro clínico; e ainda dentro de alguns quadros clínicos há códigos que especifi cam ainda mais o quadro. Exemplo: F10.0.04 Transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de álcool. Intoxicação aguda. Com distorções perceptivas. 29 CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS │ UNIDADE II Quadro 11. Esquema para Classificação CID 10 Transtornos mentais e comportamentais devidos ao USO DE (F) .0 a .9 .00 a .75 » álcool (F10) » opiáceos (F11) » canabinoides (F12) » sedativos e hipnóticos (F13) » cocaína (F14) » outros estimulantes, inclusive a cafeína (F15) » alucinógenos (F16) » tabaco (17) » solventes voláteis (F18) » de múltiplas drogas e ao uso de outras substâncias psicoativas (F19) 0 Intoxicação aguda 00 Não complicada 01 Com trauma ou outra lesão corporal 02 Com outras complicações médicas 03 com delirium 04 Com distorções perceptivas 05 Com coma 06 Com convulsões 1 Uso nocivo para a saúde 07 Intoxicação patológica 2 Síndrome de dependência 20 Atualmente abstinente 21 Atualmente abstinente, porém em ambiente protegido 22 Atualmente em regime de manutenção ou substituição clinicamente supervisionado (dependência controlada 23 Atualmente abstinente, porém em tratamento com drogas aversivas ou bloqueadoras 24 Atualmente usando a substância (dependência ativa) 25 Uso contínuo 26 Uso episódico (dipsomania) 3 Estado de abstinência 30 Não complicado 31 Com convulsões 4 Síndrome de abstinência com delirium 40 Sem convulsões 41 Com convulsões 5 Transtorno psicótico 50 Esquizofreniforme 51 Predominantemente delirante 52 Predominantemente alucinatório 53 Predominantemente polimórfico 54 Predominantemente com sintomas depressivos 55 Predominantemente com sintomas maníacos 56 Misto 6 Síndrome amnésica 7 Transtorno psicótico residual ou de instalação tardia 70 Flashbacks (revivências) 71 Transtorno de personalidade ou de comportamento 72 Transorno afetivo residual 73 Demência 74 Outro comprometimento cognitivo persistente 75 Transtorno psicótico de início tardio 8 Outros transtornos mentais ou comportamentais 9 Transtorno mental ou comportamental não especificado Fonte: CID 10 30 UNIDADE II │ CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS Diretrizes diagnósticas Uso nocivo » O diagnóstico requer que um dano real deva ter sido causado à saúde física e mental do usuário. » Padrões nocivos são frequentemente criticados por outras pessoas e estão com frequência associados a consequências sociais diversas de vários tipos. O fato de que um padrão de uso ou uma substância em particular não seja aprovado por outra pessoa, pela cultura ou possa ser levado a consequências socialmente negativas, tais como prisão ou brigas conjugais, não é por si mesmo evidência de uso nocivo. » A intoxicação aguda ou a ressaca não é por si mesma evidência sufi ciente do dano à saúde requerido para codifi car uso nocivo. » O uso nocivo não deve ser diagnosticado se a síndrome de dependência, um transtorno psicótico ou outra forma específi ca de transtorno relacionado ao uso de drogas ou álcool está presente. Síndrome de dependência Um diagnóstico defi nitivo de dependência deve usualmente ser feito somente se três ou mais dos seguintes requisitos tenham sido experienciados ou exibidos em algum momento durante o ano anterior: a. Um forte desejo ou senso de compulsão para consumir a substância; b. Difi culdades em controlar o comportamento de consumir a substância em termos de seu início, término ou níveis de consumo; c. Um estado de abstinência fi siológico quando o uso da substância cessou ou foi reduzido, como evidenciado por: a síndrome de abstinência característica para a substancia ou uso da mesma substância (ou intimamente relacionada) com a intenção de aliviar ou evitar sintomas de abstinência; d. Evidencia de tolerância, de tal forma que doses crescentes da substância psicoativa são requeridas para alcançar efeitos originalmente produzidos por doses mais baixas; e. Abandono progressivo de prazeres ou interesses alternativos em favor do uso da substância psicoativa, aumento da quantidade de tempo necessária para obter ou tomar a substancia ou para se recuperar de seus efeitos; f. Persistência no uso da substância, a despeito de evidência clara de consequências manifestamente nocivas, tais como dano ao fígado, por consumo excessivo de bebidas alcoólicas, estados de humor depressivos consequentes a períodos de consumo excessivo da substancia ou comprometimento do funcionamento cognitivo relacionado à droga; devem ser feitos esforços para determinar se o usuário estava realmente (ou se poderia esperar que estivesse) consciente da natureza e extensão do dano. 31 CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS │ UNIDADE II Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais - 4ª edição (DSM IV) Critérios diagnósticos Abuso de substância Os Critérios para abuso de substância entorpecente são: a. Um padrão mal adaptativo de uso de uma substância levando a prejuízo ou sofrimento clinicamente signifi cativo, manifestado por um ou mais dos seguintes aspectos, ocorrendo dentro de um período de 12 meses: 1. Uso recorrente da substância acarretando fracasso em cumprir obrigações importantes no trabalho, na escola ou em casa. 2.Uso recorrente da substância em situações nas quais isto representa perigo para a integridade física. 3. Problemas de ordem jurídica recorrentes, relacionados à substância. 4. Uso continuado da substância, apesar de problemas sociais ou interpessoais persistentes ou recorrentes causados ou exacerbados pelos efeitos desta. b. Os sintomas jamais satisfi zeram os critérios para Dependência de Substâncias relativos a esta classe de substância. Dependência de substância Um padrão mal adaptativo de uso de substância, levando a um comprometimento ou sofrimento clinicamente signifi cativo, manifestado por três (ou mais) dos seguintes critérios, ocorrendo em qualquer momento no mesmo período de 12 meses: 1. Tolerância, defi nida por qualquer um dos seguintes critérios: a. necessidade de quantidades progressivamente maiores de substâncias, para obter a intoxicação ou o efeito desejado. b. acentuada redução do efeito com o uso continuado da mesma quantidade da substância. 2. Abstinência, manifestada por qualquer um dos seguintes aspectos: a. síndrome de abstinência característica da substância. b. a mesma substância (ou uma substância estreitamente relacionada) é consumida para aliviar ou evitar sintomas de abstinência. 3. A substância é frequentemente consumida em maiores quantidades ou por período mais longo do que o pretendido. 32 UNIDADE II │ CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS 4. Existe um desejo persistente ou esforços mal sucedidos no sentido de reduzir ou controlar o uso da substância. 5. Muito tempo é gasto em atividades necessárias para obtenção da substância, na utilização da substância ou na recuperação de seus efeitos. 6. Importantes atividades sociais, ocupacionais ou recreativos são abandonadas ou reduzidas em virtude do uso da substância. 7. O uso da substância continua, apesar da consciência de ter um problema físico ou psicológico persistente ou recorrente que tende a ser causado ou exacerbado pela substância. Faça uma tabela de consulta comparando os critérios de uso e abuso de substâncias psicoativas do CID10 e DSM IV. Outros instrumentos para avaliação diagnóstica Muitas vezes, o profi ssional sente a necessidade de instrumentos padronizados para avaliar a presença de um transtorno ou medir sua gravidade, facilitando e embasando sua prática clínica. Instrumentos diagnósticos A seguir, seguem alguns instrumentos diagnósticos baseados no DSM IV, já validados, para a população brasileira. M.I.N.I. O M.I.N.I. é uma entrevista diagnóstica estruturada baseado no DSM IV, de aplicação rápida, em torno de 15 minutos, que explora os Transtornos Mentais descritos pelo Manual, entre eles, o abuso e a dependência de álcool e outras drogas. Acesse o artigo sobre a validação da M.I.N.I. <http://xa.yimg.com/kq/ groups/15983109/1845968711/name/Mini+Portugues.pdf> no Brasil. SCID O SCID é uma Entrevista Clínica Estruturada, baseada também no DSM IV, para os Transtornos do eixo I, dentre eles, transtornos do uso de álcool e outras substâncias. Acesse o SCID <http://xa.yimg.com/kq/groups/21689873/1470032809/name/ folha+de+resposta+da+SCID+CV.pdf > para aplicação clínica. 33 CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS │ UNIDADE II Instrumentos para rastreio ASSIST O teste de triagem do envolvimento com álcool, tabaco e outras substâncias ASSIST é um instrumento para detecção precoce do uso de SPA válido, confi ável e passível de ser utilizado em serviços de atenção primária à saúde. O ASSIST foi desenvolvido em um projeto multicêntrico coordenado pela Organização Mundial de Saúde (OMS). As propriedades psicométricas da versão brasileira do ASSIST se mostraram satisfatórias, o que recomenda a sua aplicação a pacientes de serviços de atenção primária/secundária à saúde. (HENRIQUE et al., 2004.) Acesse <http://www.who.int/substance_abuse/activities/assist_portuguese.pdf> para leitura do texto da validação brasileira do ASSIST e para visualização do instrumento. Visualize o questionário ASSIT (http://www.who.int/substance_abuse/activities/ assist_portuguese.pdf). Instrumentos para Avaliação de Gravidade Abaixo, dois instrumentos que avaliam a gravidade da dependência. SADD – Short Alcohol Dependence Data – Avaliação do grau de dependência de álcool. Quadro 12. Questionário de Avaliação Pensando nos últimos 12 meses: NUNCA POUCAS VEZES MUITAS VEZES SEMPRE É difícil tirar o pensamento de beber da cabeça? 0 1 2 3 Acontece de você deixar de comer por causa da bebida? 0 1 2 3 Você planeja seu dia em função da bebida? 0 1 2 3 Você bebe em qualquer horário? (manhã, tarde ou noite) 0 1 2 3 Na ausência de sua bebida favorita você bebe qualquer outra? 0 1 2 3 Acontece de você beber sem levar em conta os compromissos? 0 1 2 3 A quantidade de bebida que você bebe chega a prejudica-lo (a)? 0 1 2 3 No momento em que você começa a beber é difícil parar? 0 1 2 3 Você tenta se controlar (deixar de beber)? 0 1 2 3 Na manhã seguinte a uma noite em que você tenha bebido muito, você precisa beber para se sentir melhor? 0 1 2 3 Você acorda com tremores nas mãos, na manhã seguinte a uma noite que você tenha bebido muito? 0 1 2 3 34 UNIDADE II │ CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS Depois de ter bebido muito você levanta com náuseas ou vômitos? 0 1 2 3 Na manhã seguinte a uma noite em que você tenha bebido muito, você levanta não querendo ver ninguém? 0 1 2 3 Depois de ter bebido muito você vê coisas que mais tarde percebe que é imaginação sua? 0 1 2 3 Você esquece do que acontece enquanto estava bebendo ou bêbado? 0 1 2 3 Score: Grau de dependência Leve= 0 a 9 Moderada= 10 a 19 pontos Grave= mais que 20 DAST – Drug Abuse Screening Test – Avaliação do grau de problemas relacionados ao uso de drogas. Quadro 13. Questionário de Avaliação PENSANDO NOS ÚLTIMOS 12 MESES: SIM NÃO Você usou drogas/ remédios que não fossem indicados por razão médica? 1 0 Você usou drogas/ remédios em doses maiores que a prescrita? 1 0 Você abusa de mais de uma droga ao mesmo tempo? 1 0 Você consegue passar mais de uma semana sem usar drogas? 0 1 Você sempre consegue parar de usar droga quando quer? 0 1 Você teve blackouts ou flashbacks como resultado do uso de drogas? 1 0 Você eventualmente sente-se mal ou culpado pelo uso de drogas? 1 0 Seu cônjuge (ou pais) sempre reclama do seu envolvimento com drogas? 1 0 O abuso de drogas tem criado problemas entre você e seu cônjuge (ou pais)? 1 0 Você perdeu amigos por causa do uso de drogas? 1 0 Você negligenciou sua família por causa do uso de drogas? 1 0 Você teve problemas no trabalho por causa do uso de drogas? 1 0 Você perdeu emprego por causa do uso de drogas? 1 0 Você tem se envolvido em brigas quando está sob influência de drogas? 1 0 Você se envolveu em atividades ilegais com a finalidade de obter drogas? 1 0 Você foi preso por posse de drogas ilícitas? 1 0 Você teve sintomas de abstinência quando parou de usar drogas? 1 0 Você teve algum problema médico como resultado do uso de drogas? Ex.: perda da memória, hepatite, convulsões, sangramentos, etc. 1 0 Você pediu ajuda a alguém por problema com drogas? 1 0 Você envolveu-se em algum programa de tratamento específico para o uso de drogas? 1 0 Score: 0 = nenhum problema 1-5= nível baixo de problemas 5-10= nível médio de problemas 11-15= nível substancial de problemas 16-20= nível severo de problemas 35 UNIDADE III ASPECTOS NEUROBIOLÓGICOS DA DEPENDÊNCIA QUÍMICA CAPÍTULO 5 O Sistema nervoso e o uso de drogas Como as substâncias psicoativas agem no cérebro? Como essas alterações cerebrais podem infl uenciar o estabelecimento da dependência química? Como essas alterações infl uenciam o comportamento do dependente? Porque a droga é tão prazerosa? A dependência química, como vista anteriormente, tem diversas infl uências para sua causa. Assim, não se pode explicar a dependência apenas em termos neurobiológicos. Ainda assim, com o avanço tecnológico, hoje já é possívelverifi car áreas cerebrais relacionadas à dependência, e como as alterações cerebrais produzidas pelas drogas podem explicar mecanismos envolvidos na dependência. Com essas informações, o profi ssional poderá rever sua prática e preparar um tratamento mais adequado aos seus pacientes. Considerações As alterações do comportamento, da motivação, e da capacidade de julgamento são sinais e sintomas psicopatológicos que se originam da ação direta SPA no Sistema Nervoso Central. Assim, o que se observa comumente na prática clínica é a difi culdade do paciente em mudar seus comportamentos inadequados. Quando se compreende a neurobiologia da dependência química, percebe-se que muitas vezes a família, empregadores e profi ssionais da saúde exigem mais do que a pessoa dependente de SPA pode realizar naquele momento. Na realidade, o dependente químico irá necessitar de ajuda para se motivar e conseguir fazer mudanças em seus comportamentos. Ele tem um papel central e ativo em seu tratamento, mas deve ser acompanhado por um profi ssional preparado. (SILVA; LARANJEIRA, 2010) 36 O Sistema Nervoso Central (SNC) O Sistema Nervoso (SN), o principal sistema de comunicação do cérebro com o ambiente, é dividido em duas regiões: Central e Periférica. O Sistema Nervoso Central (SNC) é composto por (OMS; 2006. NEAD): » Encéfalo › Cérebro, Cerebelo e Tronco Encefálico » Medula Espinhal O sistema nervoso periférico é formado por todos os nervos fora do cérebro e medula. (OMS; 2006) É papel do SN coletar informações do mundo exterior, comparar com as experiências vividas pelo indivíduo e promover as adaptações necessárias para que se lide com a situação e para a manutenção da vida. (NEAD) Figura 4. Sistema Nervoso Periférico Fonte: NEAD. Regiões cerebrais envolvidas na Dependência Química No estudo da neurobiologia da DQ, o destaque é dado ao cérebro (NEAD). As principais regiões do cérebro relacionadas à DQ serão apresentadas: » Área tegmentar ventral (ATV): região que sinaliza a importância de estímulos que são essenciais para a sobrevivência, como aqueles associados com a alimentação 37 ASPECTOS NEUROBIOLÓGICOS DA DEPENDÊNCIA QUÍMICA │ UNIDADE III e a reprodução. As SPA também têm efeitos intensos na ATV, sinalizando para o cérebro que as SPA são muito importantes de uma perspectiva motivacional (OMS). É uma região rica em dopamina. Os corpos celulares dos neurônios desta área enviam projeções a regiões ligadas a emoção, pensamento, memória e execução de comportamentos. (OMS; 2004) » Nucleus accumbens: se encontra abaixo do córtex, e é considerada uma área- chave para dependência de substância, para a motivação e aprendizado. Nele é sinalizado o valor motivacional de um estímulo. (OMS; 2006) » Córtex cerebral (substância cinzenta): camada externa do cérebro formada por neurônios que está relacionado com a dependência de substâncias, desde os efeitos das SPA sobre as sensações e percepções, até os comportamentos e pensamentos envolvidos na fi ssura e no uso “descontrolado” de SPA (OMS, 2006). Abaixo do córtex, na substância branca, estão os axônios que se ligam a outros neurônios para a comunicação de diferentes áreas do cérebro (NEAD). » Sistema Límbico: é formado por estruturas importantes em relação à emoção, à motivação e ao aprendizado. Tem papel essencial no desenvolvimento da dependência. Interage com o córtex e o nucleus accumbens. É composto principalmente pelo hipocampo (memória) e a amígdala (regulação emocional). (OMS; 2006). Figura 5. Mapa das regiões cerebrais Fonte: American Scientist apud NEAD. Deve-se ressaltar que, apesar de se dividir as regiões do cérebro para estudo, todas as partes funcionam de maneira integrada. O cérebro é dividido em dois hemisférios, unidos por uma estrutura chamada corpo caloso. A superfície do cérebro possui giros e sulcos. Observe a imagem: 38 UNIDADE III │ ASPECTOS NEUROBIOLÓGICOS DA DEPENDÊNCIA QUÍMICA Figura 6. Cérebro humano Fonte: VIRTUAL HOSPITAL (<www.vh.org>) apud NEAD. Uma divisão dos hemisférios importante para nosso estudo é a dos lobos cerebrais. Cada lobo é especializado em funções diferentes: (OMS, 2006; NEAD) » Lobo frontal: raciocínio, abstração, planejamento e resolução de problemas. » Lobo temporal: memória, linguagem, audição e emoções. » Lobo parietal: recepção e processamento de informações dos órgão do sentido e das vísceras. » Lobo occipital: visão Figura 7. Divisões anatômicas do cérebro Fonte: MACHADO, A.. Neuroanatomia funcional. RJ: Atheneu; 1988 apud NEAD. Sistema de recompensa cerebral Apesar de muitas vezes acharmos que apenas as responsabilidades são essenciais para a vida, cientistas mostram que sentir prazer é uma das funções vitais do organismo, para a autopreservação. É o prazer que nos impulsiona a ter relações sexuais (e assim procriar), nos impulsiona a comer, a tocar um instrumento musical, e assim por diante. (SILVA; LARANJEIRA, 2010. NEAD) Esses comportamentos como comer, beber, brincar, são recompensas naturais. Sabe-se que outra forma de obter prazer é com o consumo de SPA, sendo uma recompensa “não natural”. 39 ASPECTOS NEUROBIOLÓGICOS DA DEPENDÊNCIA QUÍMICA │ UNIDADE III Na década de 1950 estudos revelaram que há uma região cerebral relacionada ao prazer. E então, pesquisadores conseguiram determinar a anatomia e a fi siologia do sistema de recompensa cerebral (SRC), popularmente chamado de centro do prazer. Todas as sensações prazerosas produzidas pelas SPA estão principalmente relacionadas à liberação de dopamina no SRC. Os estímulos partem da área tegumentar ventral para o núcleo accumbens e o córtex pré- frontal. Cada tipo de SPA tem um mecanismo de ação e estejam relacionadas a neurotransmissores específi cos, todas as SPA ativam a dopamina de maneira direta ou indireta. A dopamina é importante para o desenvolvimento de dependência para todas SPA, devido seu papel no SRC. O que diferencia as recompensas naturais das “não naturais” é o potencial que o estímulo das SPA tem de provocar liberação de dopamina no SRC, quanto ao tempo de estímulo, quantidade de dopamina liberada e quantidade de dopamina nas fendas sinápticas no SRC. O sistema de recompensa tem participação fundamental na busca de recompensas naturais e não naturais. Pelas sensações prazerosas obtidas durante essas experiências, o indivíduo é motivado a buscá-las repetidas vezes. (SILVA; LARANJEIRA, 2010) Exemplo: Maria, certo dia, sentiu um cheiro muito bom vindo do refeitório de seu trabalho. Foi até lá e pode almoçar uma comida muito apetitosa e fi cou muito feliz e satisfeita. Maria sabe agora que o almoço do refeitório de seu emprego é muito gostoso e sempre se prepara para estar lá no horário. A dopamina é o neurotransmissor sintetizado dentro do SRC. O SRC possui uma via dopaminérgica (trato mesolímbico-mesocortical) importante para pensar a recompensa na DQ, os neurônios que se projetam da área tegmental ventral para a maior parte do córtex frontal e sistema límbico (nucleus accumbens). Vale destaque que, as recompensas naturais chegam aumentar em até 100% o SRC, já as não naturais, chegam a aumentar 1000 vezes mais. A partir do exposto, pode-se entender que a capacidade das SPA em estimular o SRC, resultando sensações prazerosas leva o indivíduo a repetir o consumo de SPA, buscando os mesmo efeitos. (NEAD) A motivação para a recompensa é muito importante. Quando não estamos com fome, o cheiro bom de um alimento não nos trai tanto quanto quando estamos com muita fome. Em casos extremos, limites, uma pessoa pode roubar para adquirir um alimento, ou seja, sua motivação para se alimentar é muito grande. No caso da dependência química, as SPA agem da mesma maneira no SRC em relação à motivação, pois a SPA passa a ser entendida como um estímulo essencial para a vida, como comida e bebida. Com o uso repetido, essa associação é cada vez mais fortalecida, a SPA passando a ser cada vez mais entendida como essencial,tornando o indivíduo cada vez mais motivado para o consumo. Assim, estímulos que lembrem o uso, como pessoas, objetos, ambientes, podem desencadear um desejo intenso da SPA, que podem “dominar” a pessoa e levar a recaídas (OMS, 2004). 40 UNIDADE III │ ASPECTOS NEUROBIOLÓGICOS DA DEPENDÊNCIA QUÍMICA A recompensa da SPA pode se apresentar de maneiras diversas, desde euforia, felicidade, alívio de tensão, diminuição do cansaço, melhora da atenção. Importante ressaltar que a recompensa da SPA, e a ação dela no SRC sozinha não pode explicar a DQ. Nem toda pessoa que experimenta e uso SPA se torna dependente, inclusive, apenas a minoria desenvolve a DQ. Ainda assim, as recompensas das SPA são importantes no desenvolvimento da DQ. São essas sensações que promovem a autoadministração repetitiva da SPA e atribuem um signifi cado, um valor motivacional aos estímulos que predizem o uso de SPA, servindo de incentivo a esse consumo (OMS, 2006). Como cada SPA age nos sistemas de neurotransmissão, você verá na próxima disciplina. Neurotransmissores relacionados à Dependência Química Neurônios O cérebro é formado por células nervosas (neurônios). O neurônio é composto por: » Membrana celular: o que delimita a célula. » Corpo celular: região onde está o núcleo. » Núcleo: onde contém o material genético da célula. » Dendritos: prolongamentos da membrana a partir do núcleo. » Axônio: prolongamento maior da membrana, como uma cauda. » Botões sinápticos, ou botões terminais: onde fi cam armazenados os neurotransmissores a serem liberados para a fenda sináptica. Figura 8. Fisiologia e neuroanatomia funcional Fonte: NEAD. 41 ASPECTOS NEUROBIOLÓGICOS DA DEPENDÊNCIA QUÍMICA │ UNIDADE III As informações são enviadas de um neurônio para o outro através de estímulos elétricos que enviam ao próximo neurônio substâncias químicas chamadas neurotransmissores. O neurotransmissor é uma molécula de proteína produzida pelo neurônio. e armazenados no botão terminal. Com o estímulo, o corpo do neurônio é excitado, e envia um sinal elétrico ao longo do axônio. Eles são liberados em um espaço entre neurônios, chamado fenda sináptica (local onde o axônio de um neurônio se comunica com o dendrito de outro neurônio). Veja na imagem que segue. Após serem liberados na fenda sináptica, os neurotransmissores podem ser: » ligados aos receptores do neurônio seguinte (pós- sináptico); » metabolizado por enzimas presentes na fenda; » recaptados pelo neurônio que o liberou (pré- sináptico). Figura 9. Exemplo neurotransmissão. Fonte: retirada de NEAD. Assim, há três maneiras de aumentar o estímulo ao neurônio pelos neurotransmissores, os efeitos normais do neurotransmissor são exacerbados: » impedindo que os neurotransmissores sejam recaptados pelo neurônio pré- sináptico » aumentando a liberação de neurotransmissor pelo neurônio pré- sináptico ao bloquear a receptação » impedindo a metabolização dos neurotransmissores na fenda sináptica, ao inibir as enzimas designadas para isto. (SILVA e LARANJEIRA, 2010) Os neurotransmissores têm estruturas e funções específi cas. A seguir, são apresentados os neurotransmissores ligados à DQ. 42 UNIDADE III │ ASPECTOS NEUROBIOLÓGICOS DA DEPENDÊNCIA QUÍMICA Os neurotransmissores envolvidos na Dependência Química O cérebro contém dezenas de tipos de neurotransmissores, e cada tipo de neurotransmissor se liga a um tipo específi co de receptor. Os receptores recebem os nomes de seus neurotransmissores, ex: receptores de dopamina. As SPA conseguem imitar os efeitos de neurotransmissores naturais, e de interferir com a função normal das sinapses, alterando a acumulação, a liberação ou a eliminação de neurotransmissores. As SPA que se ligam e reforçam as funções dos receptores são denominadas de “agonistas”, e as que se ligam para bloquear a função normal são as “antagonistas”. (OMS, 2004) Os neurotransmissores envolvidos na DQ são: neurotransmissor Funções receptores ligados à DQ SPAs ligadas Acetilcolina Papel no aprendizado e na memória. Neurônios que sintetizam e liberam acetilcolina são chamados neurônios colinérgicos. Nicotínicos e Muscarínicos Nicotina, cogumelo muscarina; pode também contribuir com efeitos da cocaína e anfetamina. Ácido Gama- aminobutírico (GABA) Inibição/ sedação/ redutor de ansiedade GABA-A e GABA-B Benzodiazepínicos, Barbitúricos e Álcool. Glutamato Excitatório. É importante para o aprendizado e memória. Nmetil- D-aspartato (NMDA) Alucinógenos, como a fenciclidina (PCP), atuam no NMDA. Cocaína, Nicotina e as Anfetaminas Dopamina Envolvida com os movimentos, o aprendizado e a motivação. Sua função no SNC é a recompensa, o prazer. A dopamina tem papel fundamental no sistema de recompensa cerebral. dopaminérgicos Cocaína, a nicotina e as anfetaminas principalmente, mas está presente no efeito de todas as SPA no sistema de recompensa. Noradrenalina Envolvida nas respostas de vigília e estresse. noradrenérgicos Cocaína e as anfetaminas Serotonina Envolvida na regulação do humor, da vigília, da impulsividade, da agressividade, do apetite e da ansiedade. serotoninérgicos LSD e o ecstasy, cocaína, anfetaminas, álcool e nicotina. Opioides Prazer analgesia, inibição. opioides Álcool, heroína e a morfina Figura 10. retirada de NIDA apud NEAD. 43 ASPECTOS NEUROBIOLÓGICOS DA DEPENDÊNCIA QUÍMICA │ UNIDADE III As SPA no cérebro Os diferentes tipos, ou classes de SPA agem de maneiras diferentes no cérebro para produzir seus efeitos. Elas podem ser classifi cadas como: depressoras do SNC estimulantes do SNC perturbadoras do SNC álcool, sedativos e hipnóticos, solventes, inalantes nicotina, cocaína, anfetaminas, ecstasy LSD, maconha Assim, por se ligarem a diferentes receptores, por aumentares ou diminuírem a atividade dos neurônios, têm diferentes efeitos sobre o comportamento, diferentes sintomas de síndrome de abstinência, e diferenças no estabelecimento da tolerância. (OMS, 2004) O livreto Drogas Psicotrópicas proporciona uma visão simples sobre as drogas depressoras, estimulantes e perturbadoras. Acesse o link: <http://200.144.91.102/sitenovo/download.aspx?cd=51>. Neuroadaptação Como falado anteriormente, o SRC e o prazer produzido pela SPA não são sufi cientes para explicar o surgimento da DQ. (OMS, 2004) Como exposto anteriormente, dentre os critérios da CID 10 está a Síndrome de Abstinência e a Tolerância. Hoje, com a evolução das técnicas de neuroimagem, estes dois aspectos já são possíveis de avaliar biologicamente. (OMS, 2004; NEAD) A evitação dos sintomas de desconforto produzidos pela síndrome de abstinência e fi ssura pode ser considerado um grande motivador para manutenção do uso. Os sintomas da síndrome de abstinência e a tolerância decorrem de alterações neurobiológicas. Essas alterações permanecem meses após a interrupção do consumo. Ao mesmo tempo em que a pessoa já não sente o mesmo prazer com a SPA como antes, ela se sente necessidade do uso, uma vez que seu organismo se adaptou com esta SPA e caso não a consuma, sentirá falta. (OMS, 2004) Há adaptações que não precisamos “querer para acontecer”, como o aumento do batimento cardíaco durante um exercício físico. Essas adaptações diante de mudanças no ambiente têm como objetivo um equilíbrio do organismo: a homeostase. (NEAD) O corpo de um indivíduo a princípio não necessita de nenhuma SPA para ter um equilíbrio. Porém com a repetição do consumo de SPA, o organismo se desequilibra, e, portanto, passa a buscar um novo equilíbrio, agora, com a presença da SPA. Inicialmente, o organismo tenta destruir, eliminar a SPA, para poder encontrar a homeostase, mas com o uso frequente, o cérebro irá sofrer alterações para difi cultar a ação da SPA, e para facilitar a destruição e excreção das mesmas. Ao mesmo tempo em que será mais “indiferente” à SPA, o organismo fi cará mais sensível à sua ausência. 44 UNIDADE III │ ASPECTOS NEUROBIOLÓGICOS DA DEPENDÊNCIAQUÍMICA A neuroadaptação ocasiona tolerância e síndrome de abstinência a partir de um processo único de adaptação em busca da homeostase, porém didaticamente é dividida neuroadaptação de prejuízo, para a tolerância; e de oposição, para a síndrome de abstinência. (NEAD) Figura 11. Ciclo representativo de Neuroadaptação ESTADO DE ABSTINÊNCIA CONSUMO DE SUBSTÂNCIA EFEITO AGUDO SUBSTÂNCIA SUBSTÂNCIA ADAPTAÇÃO ADAPTAÇÃO NEUROADAPTAÇÃO PREJUÍZO & OPOSIÇÃO TOLERÂNCIA SISTEMA NERVOSO CENTRAL EQUILIBRADO RECUPERAÇÃO DA NEUROADAPTAÇÃO REMOÇÃO DA SUBSTÂNCIA SÍNDROME DE ABSTINÊNCIA Fonte: retirada de NEAD. Tolerância A adaptação de prejuízo acontece para difi cultar a ação da SPA no organismo, reduzindo seus efeitos. Os mecanismos para tanto podem ser: a redução do número ou da sensibilidade dos receptores dos neurônios à SPA; ou do aumento da efi cácia do corpo na metabolização e eliminação da SPA. (NEAD) Com esses mecanismos, a quantidade de SPA consumida não irá fazer o mesmo efeito que fazia antes, que o indivíduo buscava com o uso. Então, para sentir as mesmas recompensas, o mesmo prazer, o indivíduo precisará consumir doses maiores para superar as barreiras que o organismo impôs. Isso não acontece apenas uma vez. O organismo sempre estará em busca da homeostase, e fará uma nova neuroadaptação a esta nova dose, criando novas barreiras. Assim o indivíduo irá novamente necessitar de maiores doses para obter o efeito anterior. (NEAD) Síndrome de abstinência A adaptação de oposição está relacionada ao aparecimento da síndrome de abstinência nos dependentes de substâncias psicoativas. Esta neuroadaptação consiste na derrota dos efeitos da SPA a partir de uma força de oposição de dentro da célula. 45 ASPECTOS NEUROBIOLÓGICOS DA DEPENDÊNCIA QUÍMICA │ UNIDADE III Este mecanismo, quando se diminui ou cessa o consumo da SPA, causa um desequilíbrio no SNC, e produz sintomas (em geral) opostos aos efeitos da SPA. Exemplo: Carlos, dependente de cocaína, relata que no dia seguinte a uma noite que tenha usado muita cocaína, sente-se deprimido, entediado e sonolento. É importante ressaltar que esses sintomas passam, assim que o indivíduo reestabeleça a homeostase, ou seja, o equilíbrio de quando não fazia o consumo constante de SPA. Todo dependente químico terá a síndrome de abstinência como o primeiro obstáculo para o início da recuperação, da abstinência, do tratamento. Portanto deve ser cuidada e levada a sério para o aumento da probabilidade de sucesso do tratamento. (NEAD) A apresentação, características e maneiras de lidar com a síndrome de abstinência específi ca de cada SPA serão apresentados na próxima disciplina. Vale lembrar que é possível haver dependência química sem síndrome de abstinência e vice e versa. (OMS, 2006) Exemplo: José precisou fazer um longo tratamento médico com Diazepam, e quando suspendeu o consumo desta substância apresentou síndrome de abstinência. Porém não apresentou nenhum outro critério para síndrome de dependência química. A fi ssura, forte desejo de consumir a SPA, pode então ser entendida como uma diminuição de domapina no SRC. Assim, a pessoa lembraria dos prazeres das recompensas da SPA, sentindo um desconforto grande devido a essa vontade, tendo uma grande motivação para voltar a consumir a SPA. A retomada do uso da SPA é percebida como a melhor maneira de aliviar esse desconforto. (NEAD) Motivação, vias neuronais e drogas de abuso. link: <http://www.hcnet.usp.br/ipq/revista/vol29/n3/130.html>. Acesse o site do Dia a Dia Educação e veja animações sobre neurobiologia. link: <http://www.educadores.diaadia.pr.gov.br/modules/mydownloads_08/ viewcat.php?cid=4&min=130&orderby=dateD&show=10>. Caso clínico – uma apresentação prática dos conteúdos abordados Identifi cação: O.R. Idade: 63 anos Estado civil: Casado 46 UNIDADE III │ ASPECTOS NEUROBIOLÓGICOS DA DEPENDÊNCIA QUÍMICA Religião: Católico praticante Profi ssão: aposentado Queixa Diz ter recaído, após 10 anos abstinente, há cinco meses faz uso intenso de álcool. Está sofrendo com os tremores pela manhã, e sua demais. Relata estar com muita difi culdade para interromper o consumo e muito deprimido. “Perdi o controle” (sic). Histórico O.R. chega ao Centro de Atenção Psicossocial – Álcool e Drogas com tremores intensos nas extremidades e com muito suor. Conta que bebe desde criança, pois era comum ter bebida em casa de sítio, e sempre acabava “bicando” um pouco. Já na adolescência fazia “bobagens” (sic), como ter bebido e passado mal no primeiro dia em que sua namorada pôde almoçar em sua casa. Na vida adulta sempre se sentiu deprimido, e intensifi cou ainda mais seu consumo de álcool, chegando a tomar um litro de pinga por dia, precisando ser internado em Comunidade Terapêutica. Conta que passou 10 anos sem beber, quando passou a frequentar Alcoólicos Anônimos, e retomou o trabalho, pois era motorista e havia perdido o trabalho por sofrer um acidente por estar intoxicado pelo álcool. Com esta recaída, sua esposa fi cou muito desesperançosa, imaginando que “não tem jeito” pensando em deixá-lo. O.R. sente que sua autoridade dentro de casa foi arruinada pelo álcool, pois frequentemente seus familiares chamam sua atenção ou brigam com ele. Diante disso sente-se envergonhado e com raiva. Seus familiares se afastaram e suas fi lhas não permitem mais que ele cuide dos netos. Também o proibiram de dirigir, algo que ele gostava e tinha muito prazer em fazer. O.R. não está trabalhando, não por estar aposentado, mas por não estar em condições. Sua esposa tem trabalhado vendendo doces e salgados para complementar a renda. O.R. fi ca ocioso em casa, pois também não tem passatempos e lazeres. Antes, gostava de tocar sanfona, mas nem isto consegue fazer. Passou a ir pouco à Igreja, uma atividade que quando abstinente fazia com frequência. Quando fi ca sozinho, relata que sente vontade de beber, pensa em tomar “só uma” (sic) e que irá voltar para a casa sem a esposa perceber. Porém o que acontece é que acaba bebendo mais, chegando a casa intoxicado e provocando confl itos com a esposa. Sua esposa relata que ele está tão deprimido que não consegue nem arrumar sua cama pela manhã. Histórico Familiar Pertence a uma família tradicional do município, sempre tendo morado em ambiente de sítio. Seu avô paterno era dependente de álcool, e tem dois sobrinhos dependentes de cocaína. É o quarto fi lho de uma prole de cinco irmãos. Casado há 40 anos, sua esposa acompanhou toda sua trajetória. Tiveram três fi lhas e hoje já têm netos. 47 Escreva um texto discutindo o caso clínico a partir do que foi apresentado na disciplina. 48 PARA (NÃO) FINALIZAR Desafios da quantidade, da complexidade e da gravidade A atual disciplina apresentou dados populacionais alarmantes quanto ao consumo de substâncias e à dependência química. Percebe-se que mesmo o uso e o abuso de substâncias provocam consequências para os indivíduos. Questões biológicas, psicológicas e sociais estão presentes na causalidade, consequências, e como veremos em próximas disciplinas, nas abordagens para tratamento. Isso evidencia a complexidade de compreender e lidar com a dependência química. A Neurobiologia, a das ações das SPA no cérebro criam mais perguntas do que respostas. O que fazer? Qual é o papel do profi ssional da saúde? Como é possível superar a dependência com todas estas questões cerebrais? Como lidar com a Síndrome de Abstinência? Como manejar a fi ssura? Apesar de o desafi o parecer insolúvel, o conhecimento desenvolvido sobre cada substância psicoativa específi ca, e técnicas de tratamento vêm resultando em sucessos diários no trabalho com o paciente dependente de substâncias. Na próxima disciplina você irá entrar em contato com as características e tratamentos específi cos de cada substância psicoativa. 49 REFERÊNCIAS REFERÊNCIAS ADAM Encyclopedia. Drug Dependence. < http://www.uihealthcare.org/Adam/?/HIE%20 Multimedia/1/001522>AMORIM, Patrícia. Mini International Neuropsychiatric Interview (MINI): validação de entrevista breve para diagnóstico de transtornos mentais. Rev. Bras. Psiquiatria. São Paulo, v. 22, Â n. 3, 2000. <http://www.scielo.br/pdf/rbp/v22n3/v22n3a01.pdf> ASSIST <http://www.who.int/substance_abuse/activities/assist_portuguese.pdf> BORDIN, S., FIGLIE, N.B., LARANJEIRA, R. Sistemas Diagnósticos em Dependência Química – Conceitos Básicos e Classifi cação Geral. 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