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HISTÓRIA DA ARTE Priscila Farfan Barroso Catalogação na publicação: Karin Lorien Menoncin CRB-10/2147 B277h Barroso, Priscila Farfan. História da Arte / Priscila Farfan Barroso, Hudson de Souza Nogueira ; [revisão técnica: Max Elisandro dos Santos Ribeiro]. – Porto Alegre: SAGAH, 2018. 221 p. ; il. ; 22,5 cm. ISBN 978-85-9502-297-3 1. Arte – História. I. Nogueira, Hudson de Souza. II. Título. CDU 7 Revisão técnica: Max Elisandro dos Santos Ribeiro Licenciatura Plena em História Especialista em Gestão e Tutoria EaD Mestre em Educação HA_Iniciais_Impressa.indd 2 12/01/2018 17:08:09 Arte Moderna: principais tendências Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Compreender as principais ideias da Arte Moderna. � Apontar as tendências da Arte Moderna envolvendo o estilo. � Identificar as tendências da Arte Moderna relacionadas à questão da mente e da função. Introdução A Arte Moderna surgiu no final do século XIX e início do século XX, percorrendo tanto a Europa quanto os países da América, incluindo o próprio Brasil. Neste texto, você vai conhecer os vários movimentos artísticos da Arte Moderna que surgiram em decorrência de acontecimentos na história mundial. Também vai identificar as tendências desse estilo de arte. Arte Moderna e suas ideias A Arte Moderna surgiu no final do século XIX e início do século XX. Essa denominação é dada ao conjunto de expressões artísticas que envolve a ar- quitetura, a pintura, a escultura e a literatura desta época. Inicialmente, a Arte Moderna nasceu na Europa, mas durante a primeira Guerra Mundial foi introduzida na América. Isso ocorreu porque muitos artistas, moradores de Paris, se mudaram para fugir da guerra. Alguns deles foram para Nova York, como Francis-Marie Martinez Picabia (1879-1953), um reconhecido desenhista e pintor francês da primeira metade do século XX. Observe uma obra de Picabia na Figura 1. HA_U3_C11.indd 141 12/01/2018 15:45:05 Figura 1. Idílio, de Francis Picabia. Fonte: Aegis Education (c2018). A modernidade foi um período de transformações caóticas e vertigino- sas que ficou marcado pela sensação de fragmentação da realidade. Os ar- tistas modernistas acreditavam que as formas tradicionais de arte estavam ultrapassadas, e que deveriam criar uma nova cultura para transformar as características sociais e culturais já estabelecidas, substituindo-as por novas visões e formas. Com essa nova concepção da modernidade cultural, a ideia de destruição criativa passa a ser essencial na modernidade. Assim, os artistas seriam os responsáveis por representar e definir a essência da humanidade, como explicar Argan (1987, p. 49): “Arte Moderna” não significa arte contemporânea, ou então arte do nosso século ou dos nossos dias. Há um período, ao qual atualmente nos referimos como o das “fontes do século XX”, em que se pensou que a arte, para ser arte, deveria ser moderna, ou seja, refletir as características e as exigências de uma cultura conscientemente preocupada com o próprio progresso, de- sejosa de afastar-se de todas as tradições, voltada para a superação contínua de suas próprias conquistas. A arte deste período é também conhecida como “modernista” – programaticamente moderna e, portanto, consciente da ne- cessidade de desenvolver-se em novas direções, com frequência contraditória em relação às anteriores. Arte Moderna: principais tendências142 HA_U3_C11.indd 142 12/01/2018 15:45:06 A Arte Moderna sofreu influência de vários acontecimentos que ocorreram nesse período, como a Revolução Industrial, as máquinas a vapor, a fotografia, o cinema, o avião, o estudo da mente humana, o uso da energia nuclear, a con- quista do espaço, o uso crescente da computação e dos satélites (que colocam a comunicação em tempo real as mais distantes partes do mundo) e outros elementos que contribuíram para as mudanças nos movimentos artísticos. Como resultado, surgiram três correntes artísticas: 1. Estilo: em que se desejava romper com as regras e propor um novo estilo para se expressar, sendo esses movimentos: Fauvismo, Futurismo, Cubismo, Escola de Paris, Neoplasticismo, entre outros. 2. Mente: que buscava o sensível e a emoção na representação artística, como os movimentos: Simbolismo, Expressionismo, Suprematismo, Dadaísmo, Surrealismo e outros. 3. Função: que tinha uma preocupação com a funcionalidade da arte e sua forma, como os movimentos: Arts & Crafts, Art Noveau, Construti- vismo, Bauhaus, De Stijl, Arte Deco, Estilo internacional, entre outros. No artigo “Modernismo e contexto político: a recepção da Arte Moderna no Correio da Manhã (1924-1937)”, o autor Rafael Cardoso (2015) analisa mais a fundo como a Arte Moderna foi recebida no Brasil. Para ler o artigo, acesse o link a seguir. https://goo.gl/8TxLku Tendências da Arte Moderna: correntes envolvendo estilo O Fauvismo é um movimento artístico iniciado na França e que apareceu no começo do século XX. É conhecido pelo uso de cores fortes e puras a partir de obras que fugiam das regras da realidade. O nome desse movimento teve origem na expressão francesa criada pelo crítico de arte Louis Vauxcelles “les fauves”, que significava “os selvagens”, e se referia ao intenso e puro uso das cores pelos artistas em sua obra. Observe a obra de Henri Matisse na Figura 2. 143Arte Moderna: principais tendências HA_U3_C11.indd 143 12/01/2018 15:45:06 https://goo.gl/8TxLku Figura 2. A Dança, de Henri Matisse. Fonte: Ellen Artes (c2018). O Fauvismo não era considerado um movimento organizado, pois não tinha um posicionamento político-social e nem um manifesto, mas, ainda assim, podemos delinear suas características a partir do conjunto de obras que as representam. São elas: o uso intenso das cores puras (não misturadas), com destaque para o vermelho, azul e amarelo; a falta de compromisso com a realidade; a liberdade da cor (uso das cores de forma subjetiva); a melancolia, a moralização e a tristeza representadas de maneira alegre e suave; as cores que transmitem positivas emoções; a arte sem intenções políticas ou críticas; e a criação sem manter relação com intelectos ou sentimentos. Assim, Proença (2003, p. 153) explica sobre os princípios que regem o Fauvismo: Dois princípios que regem esse movimento artístico: a simplificação das formas das figuras e o emprego das cores puras. Por isso as figuras fauvinistas são apenas sugeridas e não representadas realisticamente pelo pintor. Da mesma forma, as cores não são as da realidade. Elas resultam de uma escolha arbitraria do artista e são usadas puras, tal como estão no tubo da tinta. O pintor não as torna mais suaves nem cria gradação de tons. Os artistas do Fauvismo apenas reproduziam a subjetividade das emoções em suas obras. Dentre as suas referências, temos as obras dos pintores franceses Arte Moderna: principais tendências144 HA_U3_C11.indd 144 12/01/2018 15:45:06 André Derain (1880-1954), Maurice de Vlaminck (1876-1958), Vincent van Gogh (1853-1890) e Henri-Émile-Benoît Matisse (1869-1954), e também as máscaras africanas, devido às características das cores quentes e fortes, entre outros. O Futurismo foi um movimento artístico e literário iniciado em 1909. A publicação do Manifesto Futurista, do poeta italiano Felippo Marinetti, deu início a vanguarda futurista. Umberto Boccioni (1882-1916) foi um pintor e escultor italiano do movimento futurista, e é considerado um dos mais célebres futuristas italianos (veja um exemplo de suas obras na Figura 3). Em 1901, ele se transfere para Roma, juntamente com sua família, e realiza atividades de ilustrador e produtor de cartazes. Figura 3. Carga dos lanceiros, de Umberto Boccioni. Fonte: Wikipédia (2017). As principais características do futurismo são: a desvalorização do mora- lismo e da tradição; a valorização do desenvolvimento tecnológico e industrial; a defesa de umaligação entre o mundo moderno e as artes plásticas; o uso da propaganda como principal forma de comunicação; a utilização de onomato- peias (palavras com sonoridade que imitam ruídos, vozes, sons de objetos); as poesias com uso de frases fragmentadas para passar a ideia de velocidade; as pinturas com uso de cores vivas e contrastantes; a sobreposição de imagens, traços e pequenas deformações para passar a ideia de movimento e dinamismo; e o uso da multiplicação de detalhes e linhas. 145Arte Moderna: principais tendências HA_U3_C11.indd 145 12/01/2018 15:45:06 O Cubismo é considerado o movimento artístico mais influente da Arte Moderna. Com suas formas geométricas, muitas vezes, representadas por cilindros e cubos, a arte cubista quebrou os padrões estéticos que buscavam a perfeição das formas em uma imagem realista da natureza. Essa nova forma de expressão pode ser vista por diferentes ângulos ao mesmo tempo. Segundo Francastel (1970, p. 247): [...] a primeira ação do Cubismo, por volta de 1907, foi uma especulação sobre as dimensões do espaço. Influenciados pelos vocábulos que circulavam à sua volta, os cubistas acreditaram estar fazendo obra científica positiva ao introduzir em suas telas uma quarta dimensão ou ao suprimirem a terceira. As principais características do cubismo são: o tratamento geométrico das formas da natureza; as representações dos objetos em todos os seus ângulos no mesmo plano, constituindo uma figura de três dimensões; a predominância de linhas retas, modeladas basicamente por cilindros e cubos, conforme a geometrização das formas e volumes; a renúncia da perspectiva; o abandono da noção de profundidade; e o rompimento com as linhas de contorno, de modo que a natureza passa a ser retratada de forma simples. Observe um exemplo de obra cubista na Figura 4. Figura 4. Les Demoiselles D’avignon, de Pablo Picasso. Fonte: Toda Matéria (c2011-2018). Arte Moderna: principais tendências146 HA_U3_C11.indd 146 12/01/2018 15:45:06 Ainda, podemos dizer que o cubismo pode ser considerado como uma arte que privilegia o exercício mental no plano conceitual, como maneira de expressão das ideias. Os temas mais retratados são as naturezas mortas urba- nas e os retratos. Os artistas que se destacam nesse movimento são o pintor espanhol Pablo Picasso (1881-1973), o artista Albert Gleizes (1881-1953), o pintor francês Georges Braque (1882-1963) e a pintora brasileira Tarsila do Amaral (1886-1973). Na literatura cubista, as qualidades que se destacam são: a elaboração formal do texto, o uso da impressão tipográfica e o destaque para os espaços em preto e branco. O francês Guillaume Apollinaire (1880-1918) foi o mais importante escritor da literatura cubista. Ele teve uma grande proximidade com Picasso, como explicita Veneroso (2006, p. 153): As colagens de Picasso lembram os caligramas de Apollinaire, artista que, em seus experimentos gráficos, teve uma sensibilidade próxima à de Picasso. Ao mesmo tempo em que este experimentava o uso de letras e materiais diversos, estranho à pintura, Apollinaire fazia experiências com o texto visual. Em “L’esprit nouveau et les poètes”, publicado em 1918 no Mercure de France, Apollinaire observa que a poesia “deve ser como a página do jornal, da qual saltam simultaneamente aos olhos as coisas mais díspares”. Apollinaire co- nheceu Picasso em 1905 e era um ardente defensor dos cubistas, sobre os quais publicou um livro em 1913. Tendências da Arte Moderna: correntes envolvendo mente e função O Expressionismo foi um movimento artístico e cultural que surgiu no início do século XX, provavelmente na Alemanha, por isso também é chamado de Expressionismo Alemão. Os círculos artísticos e intelectuais alemães se mantiveram nesse movimento por duas décadas. Ele é considerado um movimento transversal aos campos artísticos das artes plásticas, literatura, música, cinema, dança, teatro e fotografia. O pintor norueguês Edvard Munch (1863-1944) é considerado o precursor do Expressionismo, e sua obra mais importante é O Grito (1893), que você observar na Figura 5. 147Arte Moderna: principais tendências HA_U3_C11.indd 147 12/01/2018 15:45:06 Figura 5. O Grito, de Edvard Munch. Fonte: Wikimedia Commons (2015). Como explica Proença (2003, p. 152): Nela a figura humana não apresenta suas linhas reais mas contorce-se sob o efeito de suas emoções. As linhas sinuosas do céu e da água, e a linha diagonal da ponte, conduzem o olhar do observador para a boca da figura que se abre num grito perturbador. Essa atitude inédita para as personagens da pintura e a ênfase para as linhas fortes evidenciam a emoção que o artista procurar expressar. Arte Moderna: principais tendências148 HA_U3_C11.indd 148 12/01/2018 15:45:07 Essa obra é considerada, uma das mais importantes do movimento ex- pressionista, e representa uma figura andrógina em um momento de profunda angústia e desespero existencial. O plano de fundo é a doca de Oslo, na No- ruega, ao pôr do sol. Sobre as características do Expressionismo, evidenciamos: a busca da expressão das emoções e dos sentimentos do autor da obra; a distorção e o exagero dos temas em seu processo de purificação; a reflexão sobre a angústia existencialista do indivíduo que habita a sociedade industrializada; a defor- mação do mundo real, para representar a natureza e o ser humano; o desprezo pela perspectiva e pela luz; a defesa do da liberdade individual por meio da subjetividade e do irracionalismo; o uso de cores (fortes e puras) usadas de forma emotiva; e as linhas com formas retorcidas e agressivas. Seus temas são miséria, solidão e loucura, pois reflete o espírito da época, sendo muitas vezes considerados depravados e subversivos. O Dadaísmo ou simplesmente “Dadá”, foi um movimento artístico eu- ropeu do século XX, cujo lema era: “a destruição também é criação”. Seu fundador, Tristan Tzara (1896-1963), considerou o movimento propulsor das ideias surrealistas, com caráter ilógico e antirracionalista. Micheli (1991, p. 41) explica mais sobre esse movimento: Com o dadaísmo, uma nova realidade toma posse de seus direitos. A vida aparece uma simultânea confusão de barulhos, de cores, de ritmos espirituais que são imediatamente retratados na arte dadaísta pelos gritos e pelas febres sensacionais da sua audaz psique quotidiana e em toda a sua brutal realidade. Eis a encruzilhada bem definida que distingue o dadaísmo de todas as outras tendências da arte [...]. A Fonte, um urinol de porcelana branco, como você pode ver na Figura 6, é considerada a obra que melhor representa o dadaísmo na França. Criada em 1917, é uma das mais notórias obras do artista francês Marcel Duchamp (1887-1968). 149Arte Moderna: principais tendências HA_U3_C11.indd 149 12/01/2018 15:45:07 Figura 6. A Fonte, de Marcel Duchamp. Fonte: Artsy (c2018). De modo geral, as principais características do dadaísmo são: o rompimento com os modelos tradicionais e clássicos; o espírito de liderança e de protesto; a espontaneidade, a improvisação e a irreverência artística; a busca do caos e da desordem; o teor ilógico e irracional; o caráter irônico, radical, destrutivo, agressivo e pessimista; a aversão a guerra e aos valores burgueses; a rejeição ao nacionalismo e ao materialismo; e a crítica ao consumidor e ao capitalismo. O Surrealismo foi outro movimento artístico europeu que surgiu em Paris no início do século XX. Na Europa, o período entre a primeira e a segunda guerra (1918-1939), ficou conhecido como “os anos loucos”. A incerteza de se viver em paz, levou as pessoas ao desejo de “viver apenas o presente”. Foi nesse período de incertezas, desequilíbrio, insatisfação e contradições que surgiram diversos movimentos artísticos, chamados de “vanguardas europeias”, como uma nova maneira de ver a realidade. Assim, a Ades (1991, p. 92) explica que: Arte Moderna: principais tendências150 HA_U3_C11.indd 150 12/01/2018 15:45:08 A imagem surrealistanasce da justaposição fortuita de duas realidades di- ferentes, e é da centelha gerada por esse encontro que depende a beleza da imagem; quanto mais diferentes forem os dois termos da imagem, mais bri- lhante será a centelha. Suas características são: a valorização da fantasia, da loucura e da utiliza- ção da reação automática; o uso em potencial o subconsciente como fonte de imagens fantásticas de sonhos como o maior objetivo para o artista; as artes plásticas e a literatura vistas como meio de expressar a fusão da realidade com os sonhos, em uma realidade absoluta, uma “surrealidade; e o artista se deixar levar pelo impulso, fazendo tudo o que lhe vier à mente, sem a preocupação da lógica. Esse movimento teve sua origem em reação ao racionalismo e ao ma- terialismo da sociedade ocidental. A arte surrealista influenciou além das artes plásticas, outras manifestações artísticas, como a literatura, o teatro e o cinema. A obra intitulada A Persistência da Memória, apresentada na Figura 7, é uma pintura de 1931 do pintor catalão Salvador Dalí (1904-1989). A pintura pertence a coleção do Museu de Arte Moderna de Nova Iorque desde 1934, e é amplamente reconhecida e referenciada na cultura popular por conta do impacto visual de seus objetos, que parecem se derreter no ambiente externo. Figura 7. A Persistência da Memória, de Salvador Dali. Fonte: Amorosi (c2018). 151Arte Moderna: principais tendências HA_U3_C11.indd 151 12/01/2018 15:45:08 O Simbolismo foi um movimento que se desenvolveu nas artes plásticas, no teatro e na literatura. Surgiu na França, no século XIX, em oposição ao Realismo e ao Naturalismo. Poetas, pintores, escritores e dramaturgos foram influenciados pelo misticismo, refletindo nas suas produções. Esse movimento, apelidado de “decadentismo”, devido à decadência dos valores estéticos, foi individualista e místico. As principais características do Simbolismo são: a ênfase em temas místi- cos, subjetivos e imaginários; o caráter individualista; a desconsideração das questões sociais; a aproximação da poesia e da música, com a estética marcada pela musicalidade; e as obras de arte serem feitas com intuição, desprezando a lógica e a razão. Em 1886, um manifesto trouxe o nome que iria marcar essa corrente, com ideais românticos, envolvendo a literatura, os palcos teatrais e as artes plásticas. A poesia “As Flores do Mal”, do poeta francês Charles Baudelaire (1821-1867), é que deu origem ao Simbolismo, mas na época a obra foi censurada, só vindo à tona na integra, após a morte do poeta. As Flores do Mal Dá um tempo, ó minha dor, controla tua agressividade. Tu querias a noite; aí está; ela vem descendo; Uma atmosfera sombria já envolve quase toda a cidade, Uns encontram a paz; outros seguem padecendo. Enquanto dos mortais a multidão vil, Sob o chicote do prazer, esse impiedoso carrasco, Vai colhendo remorsos na festa servil, Minha dor, me dá a mão, vamos por aqui, sem asco, Ver, longe deles, debruçaram-se os anos defuntos, Sobre os balcões do céu, usando velhos conjuntos; Emergir a saudade, do fundo das águas, sorridente; O sol moribundo adormecer atrás da arcada mansa, E, como uma longa mortalha arrastando-se no Oriente, Ouve, minha cara, ouve a doce noite que avança. (BAUDELAIRE, 1985, tradução de Ivan Junqueira). O Construtivismo foi um movimento artístico do início do século XX que se deu na capital da Rússia, Moscou, tendo forte influência na arquitetura e na arte ocidental. Esse movimento foi até 1920 e influenciou outro movimento artístico, o da Bauhaus, que foi uma escola de design, artes plásticas e arquitetura de vanguarda na Alemanha. Nesse período, os artistas tinham a preocupação de Arte Moderna: principais tendências152 HA_U3_C11.indd 152 12/01/2018 15:45:08 mostrar uma nova configuração da arte, influenciada pela Revolução Industrial. Assim, pretendiam romper com o passado tradicional e sugerir outras formas de apresentação com os avanços tecnológicos modernos, como as máquinas, a engenharia elétrica e eletrônica, a evolução fabril, entre outros. Os artistas usaram o relevo, os objetos industriais, a fotografia, a tipografia, a moda e a tridimensionalidade para expressar os ideais do movimento. O Construtivismo representou um importante movimento revolucionário da frente russa. As principais características desse movimento foram: o rompi- mento com a arte clássica, acadêmica e tradicional; o uso da arte geométrica, tridimensional e abstrata; a proposta da antiarte e experimentações artísticas; o uso de colagens, suportes, objetos pré-fabricados e de uso comum como madeira, plástico, ferro, vidro, arame e outros a influência do Marxismo, Futurismo e racionalismo científico; temas com fundo político e sociais; e o desejo de ser um movimento contrário ao Naturalismo e ao Expressionismo. Veja um exemplo de obra construtivista na Figura 8. Figura 8. Neuer, de El Lissitzy. Fonte: The Museum of Modern Art (1923). 153Arte Moderna: principais tendências HA_U3_C11.indd 153 12/01/2018 15:45:08 O movimento Art Nouveau surgiu na Europa, entre 1890 e 1910, e in- fluênciou a arquitetura e as artes gráficas. É uma arte decorativa, voltada para o desenho e a arquitetura, que influenciou as artes plásticas. Os novos materiais produzidos pelas indústrias, como o ferro, o vidro, o alumínio, o aço e o cimento, foram a principal contribuição para o nascimento da arquitetura moderna, com novas formas. Como explica Barilli (1991, p. 9): Aplicamos o termo art nouveau a um estilo de arquitetura e das artes figurativas e aplicadas que floresceu na última década do século XIX e nos primórdios do século XX. Precedido de uma longa fase preparató- ria, o fenômeno influenciou muitos ramos da arte até a eclosão da I Guerra Mundial e foi simultâneo em toda a Europa Ocidental, sendo exemplo da fermentação e do intercâmbio ininterrupto de idéias e de experimentos no seio de nossa cultura. Na escultura, o traço marcante são as formas abstratas, a integração entre espaço, movimento, luz e até mesmo som. Foi no século XIX que apareceram as primeiras construções metálicas, com formas totalmente novas. Um desses exemplos é a construção da Torre Eiffel (apresentada na Figura 9), idealizada por Gustav Eiffel, que hoje é reconhecida como símbolo de Paris. Figura 9. Torre Eiffel, de Gustav Eiffel. Fonte: Dmitry Brizhatyuk / Shutterstock.com Arte Moderna: principais tendências154 HA_U3_C11.indd 154 12/01/2018 15:45:09 No link a seguir, você pode assistir a um documentário sobre a Semana de Arte Moderna de 1922 (MENDONA, 2017) e conhecer o impacto das tendências da Arte Moderna no Brasil. https://goo.gl/sLT7m6 1. Quais as principais ideias da Arte Moderna? a) Trazer os dogmas clássicos e tradicionais nas expressões artísticas. b) Ênfase no realismo, na simetria, harmonia e perfeição. c) Trazer novas formas de perceber a sociedade pela arte. d) Ênfase em trabalhos sem sentido e sem motivo. e) Trazer ainda mais as concepções religiosas e mitológicas do mundo moderno. 2. Qual destes movimentos de Arte Moderna se preocupavam com questões sociais e políticas? a) Fauvismo. b) Simbolismo. c) Dadaísmo. d) Art nouveau. e) Construtivismo. 3. Por meio de quais características o Expressionismo demonstrou a subjetividade? a) Apresentando figuras abstratas e ilógicas. b) Buscando a expressão da emoção e do sentimento por meio da deformação do mundo real. c) Apresentando cores claras e destacando a luminosidade da cena. d) Buscando a expressão a partir das linhas retas e planos perpendiculares. e) Apresentando a emoção por meio da racionalidade e da lógica matemática. 4. Sobre o Dadaísmo, é correto afirmar que: a) propunha como arte elementos do cotidiano. b) não foi considerado um movimento. c) propunha como arte a retomada do valores greco-romanos. d) não produzia artisticamente algo relevante. e) propunha como arte temas envolvendo flores e frutas. 5. Dos movimentosexistentes na Arte Moderna, a qual Pablo Picasso se vinculou? a) Neoclassicismo. b) Cubismo. c) Dadaísmo. d) Surrealismo. e) Construtivismo. 155Arte Moderna: principais tendências HA_U3_C11.indd 155 12/01/2018 15:45:09 https://goo.gl/sLT7m6 ADES, D. Dadá e surrealismo. In: STANGOS, N. Conceitos da arte moderna. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1991. p. 81-99. AEGIS EDUCATION. Dicionário Aegis de design: PICABIA, Francis. [S.l.]: Aegis Strategy, c2018. Disponível em: <http://www.aegis-education.com/dicionario.php?id=243>. Acesso em: 07 jan. 2018. AMOROSI, M. Gli orologi molli (Salvador Dali). [S.l.]: Celeste, c2018. Disponível em: <ht- tps://www.celesteprize.com/artwork/ido:130255/>. Acesso em: 07 jan. 2018. ARGAN, G. C. As fontes da arte moderna. Novos Estudo (Cebrap), São Paulo, n. 18, p. 49-56, set. 1987. ARTSY. Marcel Duchamp. [S.l.: s.n.], c2018. Disponível em: <https://www.artsy.net/ artist/marcel-duchamp>. Acesso em: 07 jan. 2018. BARILLI, R. Art nouveau. São Paulo: M. 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Arte Moderna: principais tendências156 HA_U3_C11.indd 156 12/01/2018 15:45:10 http://www.aegis-education.com/dicionario.php?id=243 tps://www.celesteprize.com/artwork/ido https://www.artsy.net/ http://www.scielo.br/pdf/rh/n172/2316-9141-rh-172-00335.pdf http://comunidades.net/ell/ellen-artes/fauvismo2.jpg https://www.youtube.com/watch?v=GRKio1yJeXA https://www.moma.org/collection/works/88312 http://static.todamateria.com.br/upload/pi/ca/picasso-1.jpg https://commons.wikimedia.org/wiki/File https://pt.wikipedia.org/ Encerra aqui o trecho do livro disponibilizado para esta Unidade de Aprendizagem. Na Biblioteca Virtual da Instituição, você encontra a obra na íntegra. Conteúdo: HISTÓRIA DA ARTE Priscila Farfan Barroso Catalogação na publicação: Karin Lorien Menoncin CRB-10/2147 B277h Barroso, Priscila Farfan. História da Arte / Priscila Farfan Barroso, Hudson de Souza Nogueira ; [revisão técnica: Max Elisandro dos Santos Ribeiro]. – Porto Alegre: SAGAH, 2018. 221 p. ; il. ; 22,5 cm. ISBN 978-85-9502-297-3 1. Arte – História. I. Nogueira, Hudson de Souza. II. Título. CDU 7 Revisão técnica: Max Elisandro dos Santos Ribeiro Licenciatura Plena em História Especialista em Gestão e Tutoria EaD Mestre em Educação HA_Iniciais_Impressa.indd 2 12/01/2018 17:08:09 Arte Pós-moderna Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Compreender as características e as influências da Arte Pós-Moderna. � Identificar as obras e artistas internacionais da Arte Pós-Moderna � Reconhecer o Pós-modernismo no Brasil e alguns artistas em destaque. Introdução A Pós-modernidade surge após os anos 1960 e apresenta uma oposição em relação à Modernidade. As artes produzidas neste período investem na interação com o público, trazem elementos do cotidiano, são fáceis de compreender e têm elementos cômicos e estranhos. Trata-se de uma nova proposta. Neste capítulo, você conhecerá a Arte Pós-moderna e vai perceber a liberdade no momento da construção da obra de arte, bem como a grande variação de estilos e técnicas que podem ser usados dentro desse movimento de arte. Características e influências da Arte Pós- moderna A arte no Pós-Modernismo surge nos anos de 1960, ao mesmo tempo em que acontece muitas mudanças nas ciências e nas sociedades. Chamamos de “Pós-moderna” o momento depois da Arte Moderna, que foi identificada com a Revolução Industrial e os ideais do Iluminismo. Para compreender o Pós-modernismo é importante peceber suas principais diferenças com o Modernismo, apresentadas no Quadro 1. HA_U4_C16.indd 209 12/01/2018 15:46:43 Fonte: Santos (1997, p. 42). Modernismo Pós-modernismo cultura elevada estetização interpretação obra/originalidade forma/abstração hermetismo conhecimento superior oposição ao público crítica cultural afirmação da arte banalização do cotidiano antiarte desestetização processo/pastiche conteúdo/configuração fácil compreensão jogo com arte participação do público comentário cômico, social desvalorização obra/autor Quadro 1. Comparativo Modernismo e Pós-Modernismo. Se o Modernismo estava associado ao consumo, a Pós-modernidade está ligada à comunicação. Nesse momento, o avanço dos meios de comunicação e a evolução da tecnologia eletrônica, com informações em tempo real, di- versões e serviços, marca o mundo com grandes mudanças. A era digital e a globalização permitem a sociedade contemporânea absorver novos conceitos e tendências, dando origem ao novo movimento artístico que recebeu o nome de Pós-Modernismo. Essa nova tendência, considerada por alguns como antiarte, vigora até os nossos dias na literatura, escultura, arquitetura, cinema e artes plásticas. Deste modo, Eagleton (1998, p. 7) reforça que: Pós-modernidade é uma linha de pensamento que questiona as noções clássicas de verdade, razão, identidade e objetividade, a ideia de progresso ou emanci- pação universal, os sistemas únicos, as grandes narrativas ou os fundamentos definitivos de explicação. [...] vê o mundo como contingente, gratuito, diverso, instável, imprevisível, um conjunto de culturas ou interpretações desunificadas gerando certo grau de ceticismo em relação à objetividade da verdade, da his- tória e das normas, em relação às idiossincrasias e à coerência de identidade. As principais características da arte Pós-Moderna são: � aceitação do efêmero, do fragmentário, do descontínuo e do caótico; � desenvolvimento de ações por meio da proliferação, da justaposição e da disjunção; Arte Pós-moderna210 HA_U4_C16.indd 210 12/01/2018 15:46:44 � descontrucionismo, entrelaçamento textual (colagem montagem e outros); � imitação vulgar de um estilo particular; � desterritorialização da cultura; � culturas híbridas, que apresentam o resultado de elementos de duas culturas diferentes; � constante referência a obras e estilos do passado reinterpretados e recriados com técnicas e propostas novas (ver Figura 1); � interação com a participação do público para a configuração de uma obra de arte; � modo particular de experimentar, interpretar e ser no mundo; � imprecisão e espontaneidade;� liberdade para criar; � arte destituída de hierarquizações; � multiplicidade de estilos; � combinação de tendências; � hiper-realismo; � aproximação com a cultura popular; � imaginação e criatividade; � cotidiano banalizado. Figura 1. A Persistência da Memória, de Sollier. Fonte: Sollier (2013). 211Arte Pós-moderna HA_U4_C16.indd 211 12/01/2018 15:46:44 Soma-se a essas características o individualismo, como próprio do século XX, que evidencia a atitude de quem vive exclusivamente para si e demonstra pouca ou nenhuma solidariedade, inclusive na produção artística. Assim, cabe dizer que esse estilo reúne várias escolas artísticas heterogêneas, que se agrupam por possuírem uma mesma característica: a ausência de um método específico. Observe a Figura 2. Figura 2. Obra do arquiteto Nicholas Gimenes. Fonte: Gimenes (2014). Assista à palestra O pensamento pós-moderno e a falência da modernidade, do jornalista Juremir Machado (JULIAN NETO, 2014), que vai ajudar você a refletir sobre as principais questões do tema. https://goo.gl/Ak8i9D Principais artistas da Arte Pós-moderna O período Pós-modernismo acontece ao mesmo tempo do chamado capita- lismo pós-industrial, que é caracterizado pela troca de bens imateriais como Arte Pós-moderna212 HA_U4_C16.indd 212 12/01/2018 15:46:45 https://goo.gl/Ak8i9D a informação e os serviços, consequência das tecnologias eletrônica e nuclear. Esse é um estilo que emerge a partir de grandes inovações técnicas, artís- ticas, sociais, literárias e políticas, por isso não o encontramos em todas as partes do mundo, mas naqueles países com zonas de maior industrialização e transformações sociais. Na Arte Pós-modernista podemos perceber a progressiva implantação do abstracionismo na figuração, impondo-se a crise da representação, pro- jetada pelos impressionistas (Monet, Sisley, Cézanne e Renoir), pontilhistas (Seurat, Signac), cubistas (Picasso, Bracque) e futuristas (Boccioni, Carra, Giacomo Balla), entre outros movimentos vanguardistas. Seu auge se deu quando a mera referência à figura foi totalmente eliminada. Assim, em meio a esse contexto, o mundo das artes entendeu que a liberdade criativa se devia traduzir na liberdade de opção em linguagens e referências formais e conceituais. Na literatura, a condição pós-moderna é expressa pelo francês Jean François Lyotard, que apresenta o fim das metanarrativas – a narrativa contida dentro ou além da própria narrativa – e entende esse período como “[...] o estado da cultura após as transformações que afetaram as regras dos jogos da ciência, da literatura e das artes” (LYOTARD, 1993, p. 15). Agora, você vai conhecer alguns dos artistas Pós-modernos e suas obras. John Baldessari nasceu em 1931 e é um arquiteto e artista conceitual norte- -americano. Ele é uma das grandes influências do século XX, sendo pioneiro no Pós-modernismo e influenciando outros artistas. Você pode observar uma de suas obras na Figura 3. Em 1970, ele queimou a maior parte de suas obras e guardou as cinzas em uma obra com forma de livro. Tedesco (2016, p. 65) ainda fala sobre outras obras do autor: Convém mencionar que Baldessari, durante a década de 1970, realizou mais de duas dezenas de vídeos e alguns filmes super-8, nos quais a linguagem audiovisual era ponto centra daquelas obras. Em I’m making art, vídeo de 1971, o artista fica diante da câmera, em pé, olhando para o monitor, que transmite sua imagem. Cada vez que pronuncia a frase I’m making art, mo- vimenta um de seus braços em gestos simples como dobrar, esticar, levantar, ou inclina-se para frente ou para o lado, sempre com curtos movimentos. Uma proposição na qual o artista relaciona sua imagem e ação ao texto falado e ao modo como o diz, Baldessari diz - eu estou fazendo arte, e expressa isso em pé, diante da câmera, movimentando seus braços, a visibilidade dessa articulação, nos mostra tudo, numa camada sutil, o vídeo explicita o seu posicionamento diante da arte. 213Arte Pós-moderna HA_U4_C16.indd 213 12/01/2018 15:46:45 Figura 3. Pura Belleza, de John Baldessari. Fonte: Jakulis (2016). Jeff Koons, nascido em 1955, é um artista norte-americano que estudou pin- tura em Chicago. Ele usou várias técnicas e materiais para construir suas obras. Entre os seus trabalhos estão Puppy, um cachorro formado por flores, medindo 16 metros de altura, como você pode ver na Figura 4; Rabbit, um coelho feito de plástico espelhado, imitando aço inoxidável; e série de objetos de porcelana. Assim, ele se tornou mais conhecido da cultura de massa. Seu objetivo é transfor- mar objetos do cotidiano em peças de arte, tornando-se, dessa forma, um artista controverso, intrigante e provocador. Koons ainda expressa a estética popular massiva conhecida como kitsch, que remete a um sistema de imitação a partir de artefatos culturais e estilos de decoração inócuos com certa extravagância. Figura 4. Puppy, obra de Jeff Koons. Fonte: Wikipedia (2017). Arte Pós-moderna214 HA_U4_C16.indd 214 12/01/2018 15:46:45 Meyer Vaisman é um artista venezuelano, desenhista, escultor, autor de um conjunto de autorretratos irónicos e de naturezas mortas, nascido em 1960. Suas obras têm grande projeção na cena nova-iorquina nos anos de 1980 e 1990, uma vez que ele se formou na Parsons School of Design, em Nova York. Uma das definições dada a sua obra foi a “estética da razão cínica”, por conta da influência do Posapropiacionismo, do Simulacionismo neoabstracto e do Neo Geo, que visavam à apropriação de elementos mo- dernos buscando novas significações através da arte. Observe uma de suas artes na Figura 5. Figura 5. Obra de Meyer Vaisman. Fonte: Christie (2008). Veja o documentário Saída pela loja de presentes-Bansky (DESLISE, 2017), sobre a produção artística de Bansky que realiza trabalhos pós-modernos em estêncil nas ruas de Bristol, Londres e outras cidades. https://goo.gl/GM2swj 215Arte Pós-moderna HA_U4_C16.indd 215 12/01/2018 15:46:46 https://goo.gl/GM2swj Pós-modernismo no Brasil No Brasil, o Pós-modernismo é um movimento contemporâneo com uma mudança geral em todos os aspectos, das artes até as ciências. Trata-se de um momento de colocar ideias e pensamentos livres de objeções, a partir de um processo individualista, liberto de crenças, medos e preconceitos. Por meio das tecnologias, da mídia e da eletrônica, as informações levam o indivíduo ao consumo, e essas obras de arte do Pós-modernismo se propõem a provocar uma reflexão crítica sobre esse processo de consumo demasiado. No Brasil, os artistas Pós-modernos que se destacaram são Vik Muniz e Eduardo Kobra, ambos referências não apenas por divulgarem suas artes por meio da pintura, mas pela versatilidade de suas construções. Vik Muniz, brasileiro nascido em 1961, é artista plástico, pintor e fotógrafo. Ficou conhecido por usar materiais inusitados em suas obras, como lixo, açúcar e chocolate. Entre seus trabalhos está uma cópia da Mona Lisa, de Leonardo da Vinci, feita com manteiga de amendoim e geleia como matéria-prima. Recriou muitos trabalhos do francês Monet e, com calda de chocolate, pintou o retrato de Sigmund Freud, o pai da psicanálise. Após compor estas imagens com materiais inusitados, que vão se degra- dando com o passar do tempo, em razão dos elementos perecíveis que utiliza, ele se preocupa em fotografar as superfícies criadas e apresentar o retrato como produto final do efeito permitido com o uso desses elementos. Seu sucesso foi grande devido a sua criatividade e, em 2011, produziu um documentário sobre suas obras usando o lixo como material, como você pode observar na Figura 6. O documentário foi feito no aterro de Jardim Gramacho e eleito o melhor documentário pelo Festival de Sundance, bem como indicado para concorrer ao Oscar no ano seguinte. Atualmente, ele reside em Nova York. Arte Pós-moderna216 HA_U4_C16.indd 216 12/01/2018 15:46:46 Figura 6. O Beijo, de Vik Muniz. Fonte: Kristin (2011). EduardoKobra, nascido em1976, é um brasileiro que iniciou sua carreira como pichador artístico. Depois, se tornou grafiteiro, com o projeto Muro das Memórias, em São Paulo, no qual retratou cenas antigas da cidade e, atualmente, se considera um muralista. Foi convidado para fazer o Mural da Paz, em Roma, e fez também diversos trabalhos em outros países. É dele também Todos somos um, mural de 3 mil metros feito para as Olimpíadas do Rio de Janeiro, de 2016 (veja na Figura 7). Foi premiado, em 2011, no maior evento de arte em 3D do mundo, o Sarasota Chalk Festival. Figura 7. Todos somos um, no Rio de Janeiro, por Eduardo Kobra. Fonte: Garcia (2016). 217Arte Pós-moderna HA_U4_C16.indd 217 12/01/2018 15:46:46 Apesar da modernidade em suas obras, ele apresenta nas pinturas cenas e locais de épocas antigas, personalidades renomadas, trazendo certo saudosismo. Esse artista também tem experiência com a pintura em 3D em pavimentos a partir da técnica anamórfica, que tem a função de “enganar os olhos” de quem a aprecia, sendo necessário que observador se posicione em certo ângulo para compreender a imagem. Assim, é possível reconhecer a profundidade e a realidade da imagem criada. Para conhecer mais sobre o trabalho de Eduardo Kobra e suas influências, acesse o site do artista (KOBRA, 2017), no qual ele apresenta sua biografia, projetos e até vende suas obras. https://goo.gl/y29fKf 1. Qual diferença entre Modernismo e Pós-modernismo? a) O modernismo valoriza a antiarte e o pós-modernismo, a arte. b) O modernismo traz a banalidade do cotidiano e o pós-modernismo valoriza a cultura elevada. c) O modernismo valoriza mais o processo e o pós- modernismo, mais a obra. d) O modernismo valoriza o artista e o pós-modernismo, a participação do público. e) O modernismo valoriza a interpretação e o pós- modernismo, a fácil compreensão. 2. Sobre as características do Pós-modernismo, é correto afirmar que: a) esse estilo se baseias dos dogmas greco-romanos da arte. b) pode envolver materiais de uso cotidiano em uma composição artística. c) esse estilo aparece bastante em edificações sagradas e locais religiosos. d) a proposta utiliza métodos clássicos e baseados na ciência. Arte Pós-moderna218 HA_U4_C16.indd 218 12/01/2018 15:46:47 https://goo.gl/y29fKf e) esse estilo se destaca por privilegiar o pontilhismo para a produção da obra. 3. Em relação às influências do Pós-modernismo, assinale a alternativa correta. a) A sociedade passa por transformações sociais, mas isso não incide nas artes. b) Há influência da arte neoclássica e suas inspirações magistrais no campo da arquitetura. c) A era digital e a globalização trazem novos conceitos que incidem na arte. d) A influência da arte surrealista faz com que criem releituras de obras clássicas. e) A sociedade se mantém coesa e uniforme desde que surgiu. 4. Sobre os artistas internacionais no Pós-modernismo, marque a alternativa correta. a) John Baldessari é considerado um artista conceitual porque fez releituras de obras clássicas. b) Explicitaram em suas obras a liberdade artística com opções de linguagens e referenciais conceituais. c) Jeff Koons se valeu da estética kitsch que resgata a iluminação da obra. d) Explicitaram o formalismo artístico e retomaram os autorretratos. e) Meyer Vaisman enfatizou em suas produções abstrações sem a figura humana. 5. Sobre os artistas brasileiros do Pós-Modernismo, é correto afirmar que: a) Eduardo Kobra evidencia um estilo melancólico em suas esculturas. b) Vik Muniz propôs sua arte a partir do muralismo e do grafite. c) Eduardo Kobra trabalha com materiais do lixo e depois fotografa as cenas. d) Vik Muniz fez sua a arte principalmente a partir do mármore, bronze e ferro. e) Obras de arte do Pós- modernismo se propõem a provocar uma reflexão crítica sobre esse processo de consumo demasiado e no Brasil não foi diferente. 219Arte Pós-moderna HA_U4_C16.indd 219 12/01/2018 15:46:47 CHRISTIE. Meyer Vaisman (b. 1960). New York: Invaluable, 2008. Disponível em: <ht- tps://www.invaluable.com/auction-lot/meyer-vaisman-venezuelan-b-1960-244-c- -hmx1ltgmhs>. Acesso em: 11 jan. 2018. DESLISE. Saída pela loja de presentes (exit through the gift shop) – Banksy – legen- dado. [S.l.]: YouTube, 2017. 1 vídeo. Disponível em: <https://www.youtube.com/ watch?v=qVYYHDKhqHQ>. Acesso em: 11 jan. 2018. EAGLETON, T. 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Arte Pós-moderna220 HA_U4_C16.indd 220 12/01/2018 15:46:48 tps://www.invaluable.com/auction-lot/meyer-vaisman-venezuelan-b-1960-244-c- https://www.youtube.com/ http://theconversation.com/why-art-needs-to-retake-the-olympic- http://www.nicholasgimenes.com.br/2014/10/as-obras-pos-modernas-do-arquiteto. http://atrapadosporlaimagen.blogspot.com.br/2016/04/john- https://www.youtube/ http://www.eduardokobra.com/ http://blogspot.com.br/2011/05/pictures-of-garbage.html https://www.sollier/ http://gallery.com/?lightbox=image1hro https://en.wikipedia.org/wiki/Jeff_Ko- Encerra aqui o trecho do livro disponibilizado para esta Unidade de Aprendizagem. Na Biblioteca Virtual da Instituição, você encontra a obra na íntegra. Conteúdo: ESTUDO DA PLÁSTICA Celma Paese Concretismo e Neoconcretismo Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Reconhecer os movimentos de Concretismo e Neoconcretismo. � Identificar o Concretismo e o Neoconcretismo nas artes plásticas. � Definir o Concretismo e o Neoconcretismo na arquitetura. Introdução Neste capítulo, você vai estudar o Concretismo e o Neoconcretismo, suas principais características e diferenças. Além disso, vai aprender a identificar esses movimentos artísticos nas artes plásticas e na arquitetura. O Concretismo e o Neoconcretismo O Concretismo foi um movimento artístico e cultural que surgiu na Europa em meados do século XX, o qual visava à criação de uma nova linguagem, uma arte não figurativa, a princípio baseada em planos e cores. Formas geométricas dominavam as experiências plásticas. A vanguarda russa, o construtivismo, o suprematismo, a Bauhaus e o Neoplasticismo (DeStijl), entre outros, foram mo- vimentos que continham ideias da arte concreta em suas formas de expressão. No Brasil, esse movimento de vanguarda chegou por volta de 1950, por meio do Suíço Max Bill (1908-1994), um dos precursores do movimento, ao lado do russo Vladimir Maiakovski (1893-1930). A partir da Exposição Nacional de Arte Concreta (1956), um grupo de artistas dá sinal de um futuro rompimento, em prol de outros ideais. Surgem os neoconcretistas, ou concretistas cariocas, que lançam seu manifesto em 1959 junto com sua primeira mostra, no Rio de Janeiro. As mudanças culturais no Brasil ocorriam com grande velocidade e entusiasmo, acom- panhando o ritmo da construção de Brasília. A nova capital foi o ápice do projeto desenvolvimentista do presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira, conhecido pelo lema “Cinquenta anos em cinco”. A atual capital começou a ser construída em 1957 e foi inaugurada, ainda incompleta, em 1960. A cidade foi erguida no meio do cerrado, a partir de uma concepção modernista de urbanismo e arquitetura. A figura a seguir traz o plano-piloto da cidade, desenvolvido por Lucio Costa (1957). Arte concreta Segundo a Enciclopédia Itaú Cultural (ARTE…, 2018), o Manifesto Arte Concretista foi escrito em 1930, por Theo van Doesburg, influente intelectual que também determinou os fundamentos do Neoplasticismo holandês. O manifesto, publicado no primeiro número da revista Arte concreta, lança as bases conceituais do movimento: � A arte é universal. � A obra de arte deve ser inteiramente concebida e formada pelo espírito antes de sua execução. � O quadro deve ser inteiramente construído com elementos puramente plásticos, isto é, planos e cores. Concretismo e Neoconcretismo2 � Um elemento pictural só significa a “si próprio” e, consequentemente, o quadro não tem outra significação que “ele mesmo”. � A construção do quadro, assim como seus elementos, deve ser simples e controlável visualmente. � A técnica deve ser mecânica, isto é, exata, anti-impressionista. � Esforço pela clareza absoluta. Sem implicar uma arte figurativa, a arte concreta nasce também como oposição à arte abstrata em termos de forma, podendo trazer vestígios sim- bólicos por causa de sua origem na abstração da representação do mundo: linha, ponto, cor e plano não figuram nada e são o que há de mais concreto em uma pintura. Para os concretistas, o que há de concreto em uma pintura são os elementos formais. O movimento concreto se constituiu, primeiro, na cidade de São Paulo, em meados da década de 1950, sendo liderado pelos poetas e irmãos Augusto e Haroldo de Campos, conhecidos como os “irmãos Campos”, e Décio Pignatari. O grupo concretista de São Paulo foi fundador da Revista Noigandres (1952), divulgadora das ideias atreladas ao Concretismo. Segundo a Enciclopédia Itaú Cultural (EXPOSIÇÃO…, 2017), o espírito que comandou a Exposição Nacional de Arte Concreta, em 1956, oficializando o movimento fica explícito nas palavras que o poeta Décio Pignatari (1927- 2012) pronunciou em 1957: “esse foi o primeiro encontro nacional das artes de vanguarda realizado no país, tanto no que se refere às artes visuais quanto à poesia concreta” (EXPOSIÇÃO…, 2017, documento on-line). Realizada por iniciativa do grupo concreto paulista, a mostra aconteceu em São Paulo, no Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM/SP), em dezembro de 1956, e no Rio de Janeiro, no Ministério da Educação e Saúde, em janeiro e fevereiro de 1957. Participaram artistas das duas cidades. A exposição era composta de cartazes-poemas, obras pictóricas, esculturas e desenhos, além de palestras e conferências. A revista Ad-arquitetura e decoração incluiu em seu n. 20 o material exposto, fato que a fez funcionar como uma espécie de catálogo da mostra. Nos dois eventos, foram exibidas obras de diversos artistas plásticos como: Geraldo de Barros (1923-1998), Aluísio Carvão (1920-2001), Waldemar Cordeiro (1925-1973), João José da Silva Costa (1931), Judith Lauand (1922) e Maurício Nogueira Lima (1930-1999). Além disso, participam como convi- dados especiais do evento os poetas: Décio Pignatari, os irmãos Haroldo de Campos (1929-2003) e Augusto de Campos (1931), Ferreira Gullar (1930-2016) e Ronaldo Azeredo (1937-2006). 3Concretismo e Neoconcretismo Amilcar de Castro (1920-2002) foi gravador, desenhista, escultor, pintor, diagramador e professor. Há muito tempo fora da base, suas obras se estendem horizontalmente no solo e dialogam com a paisagem. Num percurso de cerca de cinco décadas, Amilcar de Castro experimenta infinitas possibilidades do plano. Resistente ao excesso de racionalismo, suas dobras tornam a geometria maleável e mais humana (AMILCAR..., 2018). A imagem a seguir apresenta uma escultura de Amilcar de Castro, no jardim do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC USP). Fonte: Costa (2015). Concretismo e Neoconcretismo4 Arte neoconcreta O movimento neoconcreto ou Neoconcretismo surgiu como reação ao movi- mento concretista de São Paulo, no final da década de 1950, no Rio de Janeiro. A partir da Exposição Nacional de Arte Concreta, um grupo de artistas dá sinal de um futuro rompimento, em prol de outros ideais. Segundo a Enciclopédia Itaú Cultural (NEOCONCRETISMO, 2017), esse rompimento foi oficializado com a publicação, em 23 de março de 1959, no Rio de Janeiro, do Manifesto Neoconcretista no suplemento dominical do Jornal do Brasil. A publicação teve como autores os artistas Amilcar de Castro, Ferreira Gullar, Franz Weissmann, Lygia Clark, Lygia Pape, Reinaldo Jardim e Theon Spanudis. No mesmo dia da publicação do Manifesto ocorreu a “I Exposição de Arte Neoconcreta” com obras dos artistas que mais se destacaram no movimento e que assina- ram o “Manifesto Neoconcreto”. Duas outras exposições nacionais de arte neoconcreta ocorreram nos anos seguintes: uma em 1960, no Ministério da Educação, no Rio de Janeiro, e outra em 1961, no Museu de Arte Moderna de São Paulo. O fim da década de 1950 se tornava, então, o grande marco de uma nova forma de se expressar artisticamente. Não se tratando somente de uma disputa histórica entre as cidades do Rio de Janeiro e São Paulo (sede dos artistas concretistas), o movimento neoconcreto partia da subjetividade do artista e da possibilidade da experiência física da obra de arte ante a arte tida como racional e dogmática dos artistas paulistanos da década de 1950. Os neoconcretistas ou concretistas cariocas acreditavam que a arte não podia ser considerada como um mero objeto tal qual consideravam os poetas paulistas, de forma que, para eles, a expressividade estava acima da forma. Para tanto, criticavam a tendência racional, positivista, dogmática e técnico-científica do concretismo ortodoxo paulista: A recuperação das possibilidades criadoras do artista (não mais considerado um inventor de protótipos industriais) e a incorporação efetiva do observador (que, ao tocar e manipular as obras, torna-se parte delas) apresentam-se como tentativas de eliminar a tendência técnico-científica presente no Concretismo. Antes de questionar se esse foi um movimento de superação a outro, é importante refletirmos sobre o período em que o Concretismo se consolidou. O Brasil, e principalmente a cidade de São Paulo, passava por um processo de intensa urbanização e industrialização, o que acabou refletindo nas produções artísticas daquele momento. 5Concretismo e Neoconcretismo O Team X, projetado pelos Smithsons e construído em Londres apenas em 1972, é um conjunto habitacional popular claramente brutalista, como se percebe na imagem a seguir. Segundo Fazio, Moffett e Wodehouse (2011), o projeto foi criado para ser uma resposta simpática à vida urbana da classe trabalhadora inglesa. O enorme edifício é um contínuo de aparência externa dura e ousada. Incluía “ruas elevadas” em forma de passarelas entreligando os blocos de edifícios, que serviriam como equipamentos de socialização entre oshabitantes: “a presença de amplas varandas de concreto no terceiro pavimento de cada edifício, oferecendo vistas para o jardim central e criando espaço comum de encontro para seus habitantes e para as crianças brincarem” (LYNCH, 2017, documento on-line). Robin Hood Gardens começou a ser demolido oficialmente pelo governo inglês em 2017: segundo Lynch (2017), a falta de manutenção dos jardins internos e das “ruas suspensas” fez com que as condições do complexo se tornassem precárias, transformando-se em uma incubadora de crimes. Fonte: Wikipedia (2018). Arquitetura concreta e neoconcreta A arquitetura concreta aconteceu nos países da Europa junto com os mo- vimentos de vanguarda no entreguerras, como ocorreu com o De Stijl e o Construtivismo Russo, e pode ser considerada uma vertente da arquitetura Concretismo e Neoconcretismo6 modernista. No pós-guerra, o que aconteceu foi o surgimento da arquitetura brutalista na Inglaterra, que se espalha pelo mundo e chega ao Brasil no final dos anos 1950. No Brasil, não existem arquiteturas que se intitularam concretas e neoconcretas. O que existiu na época foi um período em que a arquitetura mo- derna ganha força com a construção de Brasília e o reconhecimento definitivo de Lucio Costa e Oscar Niemeyer como estrelas da arquitetura nacional. Outro fato marcante para a época foi a urbanização de São Paulo e o surgimento da arquitetura brutalista no Brasil e de nomes como o Arquiteto Vilanova Artigas, no início dos anos 1960 e, mais tarde, Paulo Mendes da Rocha. Brutalismo O brutalismo aconteceu a partir de uma radicalização de determinados pre- ceitos modernos que privilegiavam “a verdade estrutural das edificações”, de forma a nunca esconder os seus elementos estruturais (o que se conseguia ao tornar o concreto armado aparente ou destacando os perfis metálicos de vigas e pilares). Para Fazio, Moffett e Wodehouse (2011), essa radicalização pode ser considerada a última manifestação da arquitetura moderna, já anunciando a transição para o pós-moderno que começava a nascer paralelamente nos Estados Unidos nos anos 1950 e se impõe, nos anos 1960, como uma resposta à radicalização dos cânones modernistas. O brutalismo não pode ser considerado um movimento, mas sim uma vertente do moderno. As últimas obras de Le Corbusier são consideradas brutalistas. Em 1953, durante uma reunião do Congresso Internacional de Arquitetura Moderna (CIAM), no sul da França, um grupo chamado Team-X expôs suas ideias deixando claro que pensava de maneira não convencional. O Team-X incluía o casal de arquitetos britânicos Peter e Alisson Smitson, Ralph Erskine e Aldo Van Eyck. A arquitetura do Team-X propunha pensar nos problemas sociais das cidades e da necessidade de habitações no contexto regional e local (FAZIO; MOFFETT; WODEHOUSE, 2011). Acesse o link a seguir para ler mais sobre a arquitetura paulista brutalista (CONCEITOS, [201-?]). https://goo.gl/iizyW 7Concretismo e Neoconcretismo Brutalismo no Brasil Principal ator arquitetônico da urbanização da maior cidade do Brasil, o bru- talismo paulista, também conhecido como Escola Paulista, foi uma arquitetura extremamente marcada por um discurso ético, sendo este o principal ponto de contato com o brutalismo inglês (SANVITTO, 2013). A preocupação com questões sociais e com a “verdade dos materiais” tem a mesma postura ética da arquitetura brutalista inglesa que teve nos Smithson seus maiores defensores. Por outro lado, afirma Sanvitto (2013), a influência formal está vinculada claramente a Le Corbusier, quando se observa o concreto bruto aplicado aos prismas puros, e a busca por uma volumetria única. Apesar das semelhanças, o brutalismo adquiriu características próprias no Brasil. E, assim, o brutalismo paulista afirmou-se como uma arquitetura com características próprias. A Escola Paulista acreditava na verdade, na correção, na virtude e na igualdade entre as pessoas. Tal ideologia conduzia soluções arquitetônicas nas quais nada havia a esconder. A sugestão da vida comunitária é explícita na utilização do espaço único. A ideia da não aceitação das segregações era refletida nas compartimentações evitadas (SANVITTO, 2013). O espaço único e a continuidade interior-exterior eram vistos como sinônimo de liberdade, pois permitiam a livre circulação. Constituíam a força moral que orientava essa arquitetura, que condenava as perversidades que ocorrem na intimidade fechada dos interiores: por esse motivo, o espaço fechado era descartado. O espaço único, portanto, era visto como agente da liberdade dos vícios, crimes, segregações e conluios, considerados frutos da privacidade que a compartimentação pode oferecer. O privado, portanto, era visto como uma forma associada ao ilícito. Vilanova Artigas, a respeito do seu projeto para a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU USP). Pensei que este espaço fosse a expressão da democracia. Pensei que o homem na Faculdade de arquitetura teria o viço e que nenhuma atividade aqui seria ilícita, que não teria de ser vista por ninguém, e que os espaços teriam uma dignidade de tal ordem que eu não podia pôr uma porta de entrada, porque era para mim um crime (SANVITTO, 2013, p. 11). Concretismo e Neoconcretismo8 Fonte: Santos (2010). AMILCAR de Castro. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2018. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/ pessoa2448/amilcar-de-castro>. Acesso em: 19 de dez. 2018. ARTE Concreta. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2018. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/termo3777/ arte-concreta>. Acesso em: 19 de dez. 2018. CONCEITOS. In: ZEIN, R. V. (Coord.). Arquitetura Paulista Brutalista 1953-1973, [201-?]. Dis- ponível em: <http://www.arquiteturabrutalista.com.br/index1port-conceitos.htm>. Acesso em: 19 dez. 2018. COSTA, M. M. Gigante Dobrada, de Amílcar de Castro. Inhotim — Brumadinho, Minas Gerais, 9 fev. 2015. Disponível em: <http://marianamagcosta.com/2016-1-24-inhotim- -brumadinho-minas-gerais/>. Acesso em: 9 jan. 2019. EXPOSIÇÃO Nacional de Arte Concreta (1. : 1956 : São Paulo, SP). In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2017. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/evento80977/exposicao-nacional-de-arte- -concreta-1-1956-sao-paulo-sp>. Acesso em: 19 de dez. 2018. FAZIO, M.; MOFFETT, M.; WODEHOUSE, L. A história da arquitetura mundial. 3. ed. Porto Alegre: AMGH, 2011. 9Concretismo e Neoconcretismo LYNCH, P. Robin Hood Gardens de Alison e Peter Smithson começa a ser demolido. ArchDaily, 7 set. 2017. Disponível em: <https://www.archdaily.com.br/br/878712/robin- -hood-gardens-de-alison-e-peter-smithson-comeca-a-ser-demolido>. Acesso em: 19 dez. 2018. NEOCONCRETISMO. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2017. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/ termo3810/neoconcretismo>. Acesso em: 19 de dez. 2018. SANTOS, M. Andares superiores do prédio da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Uni- versidade de São Paulo (FAU – USP), concluído em 1969 na Cidade Universitária, São Paulo. 2010. Disponível em: <http://www.imagens.usp.br/?p=1003>. Acesso em: 9 jan. 2019. SANVITTO, M. L. A. Brutalismo paulista: uma estética justificada por uma ética? In: SEMI- NÁRIO DOCOMOMO BRASIL ARQUITETURA MODERNA E INTERNACIONAL: conexões brutalistas 1955-75, 10., 2013, Curitiba. Anais... Rio de Janeiro: Docomomo Brasil, 2013. p. 1-24. Disponível em: <http://docomomo.org.br/wp-content/uploads/2016/08/CON_03. pdf>. Acesso em: 19 dez. 2018. WIKIPEDIA. The west side (inner side) of the 10 storey east block. Robin Hood Gardens, 23 dez. 2018. Disponível em: <https://en.wikipedia.org/wiki/Robin_Hood_Gardens#/ media/File:RobinHoodgardens.jpg>. Acesso em: 9 jan. 2019. Leituras recomendadas CHING, F. D. K. Arquitetura:forma, espaço e ordem. 3. ed. Porto Alegre: Bookman, 2013. FRAMPTON, K. História crítica da arquitetura moderna. São Paulo: Martins Fontes, 1997. Concretismo e Neoconcretismo10 Conteúdo: História da Arquitetura Jana Cândida Castro dos Santos Arquiteturas modernista e pós-modernista Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Descrever os movimentos da arquitetura contemporânea pós-ecletismo. Identificar as características da arquitetura contemporânea. Reconhecer as principais obras e os artistas da arquitetura modernista e pós-modernista. Introdução Os acontecimentos do século XX, combinados aos avanços tecnológicos na construção civil (marcados pelo uso do aço e do concreto armado) deram uma nova visão às cidades como um local para abrigar indústrias e sistemas modernos de transporte. Pensando-se ainda na questão da saúde física e mental, caracterizaram nesse contexto o surgimento das arquiteturas modernista e, mais tarde, pós-modernista. Neste capítulo, você verá a descrição dos movimentos da arquitetura contemporânea pós-ecletismo, a partir da identificação de suas características e principais obras e artistas. Arquitetura modernista Durante o período de transição da Revolução Industrial até nossa contempo- raneidade, surgem novos problemas e, com isso, repostas diferentes e únicas, a partir de um leque de novas experimentações. Para Pereira (2010, p. 227), esses novos problemas levaram “[...] a uma desagregação dos nexos morfoló- gicos tradicionais em todos os campos”. O século XX traz consigo mudanças culturais e científi cas importantes. Tais mudanças e as novas descobertas levaram a teorias que abalaram a sensação “típica do século XIX de progresso infi nito”, abrindo caminho para uma nova etapa cultural e arquitetônica. A nova etapa cultural é marcada pelo modernismo, do qual fazem parte outros tantos movimentos, como será visto a seguir. O percurso será iniciado pela explicação sobre o abandono do ornamento na arquitetura modernista. Adolf Loos (1870–1933) deu início à sua carreira associada à Sezession de Viena, mas logo se afastou. Após entrar em contato com os textos de Louis Sullivan, começou a opor-se ao uso de ornamentos na arquitetura. E, assim, dedicou-se a explorar, criando um novo método de composição espacial, cha- mado de Raumplan. Um de seus textos mais famosos foi publicado em 1908, o Ornamento e crime, seguindo a sugestão de abandonar a ornamentação na arquitetura, como já sugerido por Sullivan, e adotando como resultado “formas vernaculares simples”, construções funcionais e desadornadas, adequadas, a seu ver, para a era das máquinas (Figura 1). Figura 1. Casa Moller, Viena, 1927–1928. Fonte: Ching, Jarzombek e Prakash (2019. p. 703). A Casa Moller se mostra como um projeto paradigmático de Loos, visto que sua fachada é simples e “[...] um tanto opressora” (CHING; JARZOMBEK; PRAKASH, 2019, p. 703). E se, por um lado, o exterior da casa é simples, os Arquiteturas modernista e pós-modernista2 ambientes internos, por outro, “[...] são ricamente revestidos de lâminas de madeira clara nas paredes e de tapetes orientais no piso, criando uma sensação de suntuosa elegância”, como colocam Ching, Jarzombek e Prakash (2019, p. 703). Embora Loos seja considerado como um dos precursores do modernismo, nesse caso, ele apresenta uma aproximação com o ideal do movimento das artes e ofícios, em razão do tratamento do interior e seu intimismo. O futurismo e o construtivismo O futurismo italiano e o construtivismo russo foram dois movimentos que infl uenciaram o desenvolvimento do modernismo europeu, apesar de terem sido relativamente breves. Filippo Marinetti (1876–1944) foi o principal responsável por apresentar os ideais futuristas, publicando um manifesto, em 1909, para sua fundação, mesmo ano em que Frank Lloyd Wright seguia para a Europa após abandonar os Estados Unidos. Marinetti acreditava piamente que a paisagem italiana, assim como sua arquitetura, deveria sofrer uma mudança radical. Segundo Fazio, Moffett e Wodehouse (2011, p. 483), ele “[...] louvava a velocidade, o perigo, a audácia e até mesmo a guerra como meio de limpar a sociedade; também anunciou o fim das noções tradicionais de tempo e espaço”. Para Marinetti (apud CHING; JARZOMBEK; PRAKASH, 2019, p. 708), “[...] a arte não pode ser nada além de violência, crueldade e injustiça”. Ao redor dessa retórica agressiva, estavam artistas e escultores, ainda sem meios gráficos para se expressarem. O arquiteto mais conhecido do movimento foi Antonio Sant’Elia (1888– 1916). A arquitetura futurista perdeu muita força após a sua morte. Sant’Elia ficou conhecido a partir da exposição de 1914, Città Nuova (Cidade Nova) e da publicação que a acompanhou, Messagio (Mensagem), que se tornou o manifesto da arquitetura futurista. Sua técnica envolvia perspectivas exube- rantes, projetos para hangares de aeronaves, blocos de apartamentos, centro de transporte, entre outros. Os projetos se caracterizavam por “[...] fortes volumes sem ornamentação, verticalidade, paredes inclinadas ou escalonadas, múltiplos níveis de circulação horizontal, elevadores externos e equipamentos de geração de energia aparentes”, como como ser visto na Figura 2 (FAZIO; MOFFETT; WODEHOUSE, 2011, p. 484). 3Arquiteturas modernista e pós-modernista Figura 2. Antonio Sant’Elia, detalhe de La Città Nuova, 1914. Sant’Elia explorou as pos- sibilidades de uma cidade dinâmica domi- nada por múltiplos meios de transporte. As altas torres de elevadores conectadas às laterais dos prédios por passarelas são especialmente impressionantes. Fonte: Fazio, Moffett e Wodehouse (2011. p. 484). Assim como os futuristas, os construtivistas também eram muito ra- dicais na Rússia revolucionária, ainda que determinados a desaparecer, em vista do classicismo de Stalin. O construtivismo idealizava uma República Soviética cuja arquitetura fosse impulsionada pelas forças da industrialização. No entanto, muitas dessas ideias construtivistas transpunham o cenário rural e o estado de confusão total que caracterizava o país. Propunham o uso de materiais de construção modernos, como aço e o concreto, e grandes áreas de vidro. Entre seus projetos, destaca-se o Pavilhão Soviético para a Exposition des Arts Décoratifs, de 1925, projeto de Konstantin Melnikov (1890–1974), com “volumes romboides e estrutura em balanço” enfatizando o dinamismo, ao passo que “[...] os espaços interconectados expressavam a agenda ainda em aberta do Comunismo Soviético” (Figura 3) (FAZIO; MOFFETT; WO- DEHOUSE, 2011, p. 485). Arquiteturas modernista e pós-modernista4 Figura 3. Konstantin Melnikov, Pavilhão Soviético, Exposition des Arts Décoratifs, Paris, 1925. Para criar esta forma dinâmica, Melnikov usou um grelha de planejamento interseccionada por uma escadaria diagonal. Fonte: Fazio, Moffett e Wodehouse (2011, p. 485). O expressionismo holandês e alemão Os pintores dos grupos alemães Brucke (Ponte) e Blauer Reiter (Cavaleiro Azul), entre 1900 e 1914, revoltaram-se contra o naturalismo acadêmico, passando a expressar suas emoções, pensamentos e sentimentos diretamente na pintura. No período pós-guerra, os artistas e arquitetos europeus viam- -se emocionados em relação à barbárie da guerra enquanto a sociedade se recuperava da devastação. Os membros do expressionismo holandês, trabalhando em Amsterdã, deviam muito à obra de H. P. Berlage (1856–1934). Em suas obras, buscavam ressaltar o processo artesanal da construção, revelar a estrutura e um alto nível de detalhes. Um dos prédios pelo qual Berlage ficou conhecido é o da Bolsa de Valores de Amsterdã (1897–1903). O edifício apresenta paredes portantes de tijolo e pedra com inspiração medieval, cobertura de treliças de ferro e claraboias acima do grande salão (Figura 4). 5Arquiteturas modernista e pós-modernista Figura 4. H. P. Berlage, Bolsa de Valores de Amsterdã, Amsterdã, 1907–1903(exterior e interior do edifício). Fonte: Fazio, Moffett e Wodehouse (2011, p. 487). Fazio, Moffett e Wodehouse (2011, p. 487) revelam que: Berlage se inspirou na longa tradição holandesa de construção com tijolos. A alvenaria de tijolo da Bolsa de Valores fica ainda mais rica pelo uso de pedras policromáticas tanto no interior quanto no exterior. No interior não há apenas tijolo e pedra, mas ferro na forma de arcos treliçados. O material que antigamente era considerado apropriado apenas para edificações como estufas e estações ferroviárias passou a ser aceito em edifícios institucionais. Diferentemente do holandês, o expressionismo alemão se mostrou muito mais diversificado, pois se preocupava tanto com a forma como com a utopia. Foram fundamentais para o movimento os escritos de Paul Scheerbart, que enxergava na arquitetura de vidro e cristalina um modo de amenizar a opaci- dade “opressora” a seu ver, característica da cultura moderna. Dentre as obras do expressionismo alemão, um monumento bastante di- vulgado é o da Caixa d’Água, de Posen (atual Poznan, na Polônia), projeto de Hans Poelzig, o qual juntou funções aparentemente heterogêneas com uma estética industrial, com um aspecto “quase alucinógeno” (Figura 5). Sobre essa obra, Fazio, Moffett e Wodehouse (2011, p. 491) afirmam que: [...] vedações externas da edificação são facetadas e extremamente texturiza- das, incluindo alvenaria variada e padrões de vidraça. No interior, inserido em uma estrutura independente [...] e sob o reservatório de água. Poelzig projetou um espaço de exibição que pretendia transformar em mercado público. A edificação é um impressionante amálgama de função e fantasia. Arquiteturas modernista e pós-modernista6 Figura 5. Hans Poelzig, Caixa d’Água de Posen, Posen, 1911. Hans Poelzig era um membro muito respeitado da Werkbund; atualmente seria descrito como um corporativista. Mesmo assim, não encontrou dificuldades para produzir este projeto evocativo baseado em painéis policromados facetados. Alguns panos de tijolo externos se refletem no interior, entre a estrutura independente de pilares treliçados. Fonte: Fazio, Moffett e Wodehouse (2011, p. 491). A Art Déco A Art Déco abrange uma linguagem diversifi cada de projeto, incluindo de gráfi cos a móveis, de arquitetura a cerâmicas. Suas artes decorativas — tam- bém conhecidas como l’art moderne — fl oresceram na França em meados de 1910, ao passo que sua arquitetura seguiu popular nos Estados Unidos ao longo da década de 1930, particularmente em arranha-céus e teatros. Como estilo, a Art Déco só foi reconhecida na década de 1960 (FAZIO; MOFFETT; WODEHOUSE, 2011, p. 492). 7Arquiteturas modernista e pós-modernista Um exemplo do movimento Art Déco é o Cristo Redentor, do Rio de Janeiro, estátua localizada no alto do morro do Corcovado, cuja construção teve início em 1926. Para Giumbelli (2008, p. 88): [...] o Cristo Redentor participa e testemunha a própria consolidação de um estilo que pretendia encarnar os índices da suprema modernidade. No quadro da arquitetura brasileira e carioca, a estátua figura como uma das obras pioneiras do Art Déco. O movimento Art Déco, assim como a Art Nouveau e as demais experiências modernistas, buscou a inovação em um novo século, mas suas inspirações eram extremamente ecléticas. Além das inspirações que serão citadas a se- guir, o movimento também trouxe inspirações do Egito Antigo, da África, do Oriente e de outros locais, utilizando flores estilizadas, formas vegetais onduladas, formas geométricas facetadas e figuras humanas estilizadas, idealizadas e heroicas. Inspirações do cubismo: formas sobrepostas e facetadas. Inspirações do construtivismo russo: linguagem da mecanização. Inspirações do futurismo: o fascínio pelo movimento. O movimento Déco, ainda que abraçasse a estética da máquina, apresentava um modo de celebrar tanto a arte como a tecnologia. Dentro de sua produção arquitetônica, destaca-se um famoso arranha-céu, o Edifício Chrysler (1928), situado em Nova Iorque e projetado por William Van Alen (1883–1954). Como vemos na Figura 6 e segundo Fazio e colaboradores (2011, pp. 492–493), o edifício, com sua “cúpula em forma de coroa feita de aço inoxidável, com sucessivos arcos preenchidos com raios de sol e coroada com uma flecha”, se tornou um marco na paisagem urbana. Ainda se destacam “suas gárgulas de águias e o famoso acrotério com motivos radiais e friso adjacente com rodas de veículos abstratas”. Arquiteturas modernista e pós-modernista8 Figura 6. William Van Alen, Edifício Chrysler, Nova Iorque, 1928. A silhueta mais característica na linha do horizonte de Nova Iorque ainda é a coroa de aço inoxidável do Edifício Chrysler. Ignorado por muito tempo pelos modernistas, este ornamento para edifícios altos ressurgiu quase como um fetiche nas décadas de 1970 e 1980. Fonte: Fazio, Moffett e Wodehouse (2011, p. 492). Além dos edifícios altos Art Déco que se destacam em Nova Iorque, há um conjunto particularmente rico em Miami Beach, Flórida, “[...] onde a linguagem internacional se misturou com uma paleta de cores local e se adaptou ao clima subtropical” (FAZIO; MOFFETT; WODEHOUSE, 2011, p. 495). São edifícios 9Arquiteturas modernista e pós-modernista de escala modesta, mas pintados com tons fortes. Em geral, apresentam brises e balcões que enfatizam a horizontalidade do conjunto, sendo pontuados por elementos marcadamente verticais, como entradas e torres de escada. Sua decoração é marcada por motivos da Art Déco, como raios de sol, motivos da fauna e flora locais, incluindo as tradicionais palmeiras e flamingos de Miami (Figura 7), como ressaltam os autores citados. Figura 7. Anton Skislewicz, The Breakwater, Miami Beach, Flórida, 1939. As volumetrias mais populares entre os edifícios da Art Déco em Miami combinam vários pavimentos horizontais com um alto elemento central — neste caso, um letreiro de hotel e uma caixa de escada. Fonte: Fazio, Moffett e Wodehouse (2011, p. 496). O De Stijl As origens do movimento holandês De Stijl remontam às obras do pintor Piet Mondrian (1872–1944) e do arquiteto H. P. Berlage (também comentado no ex- pressionismo holandês) e possuem duas fases, ambas coordenadas por Theo Van Doesburg — pintor, projetista, tipógrafo, crítico, escritor e agitador de multidões. Os dois artistas que marcam o início do movimento buscavam em sua obra uma maneira moderna de se expressar. Os projetos de De Stijl são marcados pela ultrarracionalidade e por serem abstratos e mecânicos, diferentemente dos ex- pressionistas holandeses, que tendiam ao fi gurativismo, sintonizados com o meio artesanal de produzir edifi cações (FAZIO; MOFFETT; WODEHOUSE, 2011). Arquiteturas modernista e pós-modernista10 Primeira fase do De Stijl: tem início em 1921 e inclui como parti- cipantes Mondrian, vários outros pintores holandeses e os arquitetos Rob van t’Hoff (1887–1979) e J. J. P. Oud (1890–1963), que defendiam a criação de formas universais espacialmente ilimitadas e em sintonia com a tecnologia moderna. Segunda fase do De Stijl: de 1921 a 1922, mudaram os participantes, e o movimento ganhou um perfil mais internacional, sem Mondrian e com a permanência de Van Doesburg. Temos a entrada dos russos construtivistas El Lissitzky (1890–1941), Friedrich Kiesler (1890– 1965), do Grupo Berlim G (que incluía o jovem Mies va der Rohe), o planejador Cor Van Eesteren (1897–1988) e o arquiteto e desenhista de móveis holandês Gerrit Rietveld (1888–1964). Nessa fase, as obra do De Stijl continuaram abstratas e com caráter tecnicista, porém se tornaram mais construtivistas e radicais em relação à exploração do espaço tridimensional. Dessa produção, podemos dar destaque, entre os desenhos de móveis, à Cadeira Vermelha e Azul (1917–18) de Rietveld, até hoje produzida (Figura 8). Figura 8. Gerrit Rietveld, Cadeira Vermelha e Azul, 1917– 1918. Essa cadeira, nas cores primárias características do estilo, aindaé produzida. A construção com elementos aparentemente independentes mostra por que Rietveld descreveu sua obra como “elementarismo”. Fonte: Picturepartners/Shutterstock.com. 11Arquiteturas modernista e pós-modernista Gerrit Rietveld desenvolveu uma linguagem chamada de elementarismo, na qual reunia os elementos individuais, de modo a manter sua integridade; o conjunto completo evidenciava todo o processo de construção (FAZIO; MOFFETT; WODEHOUSE, 2011). Da produção arquitetônica, pode-se destacar a Casa Schröder (1924), projeto de Rietveld em Utrecht, que costuma ser apontada e conhecida como umas das principais obras do De Stijl. A casa possui exterior similar ao de outras composições residenciais de Van Eesteren e Van Doesburg, a partir de planos com diferentes orientações ortogonais que se interseccionam e se conectam através de perfis de aço lineares (Figura 9) (FAZIO; MOFFETT; WODEHOUSE, 2011). Figura 9. Gerrit Rietveld, Casa Schröder, Utrecht, 1924. Não é difícil imaginar o susto dos vizinhos, que moravam em casas de tijolos tradicionais, quando esta composição estranha apareceu na rua. Fazia 20 anos que Adolf Loos havia despojado uma casa com a aplicação de ornamentos pela primeira vez. Fonte: Fazio, Moffett e Wodehouse (2011, p. 498). Arquiteturas modernista e pós-modernista12 O estilo internacional A Deutscher Werkbund — em português, “Associação Alemã de Artesãos” — foi uma organização cultural alemã formada por Peter Behrens, Walter Gropius e Mies Van der Rohe, entre outros arquitetos e designers, fundada em 1907, com o objetivo de valorizar o design alemão — apresentou uma proposta, em 1925, de uma exposição (1927) para mostrar as últimas tendências em projetos de moradias, acessórios de interiores e técnicas de construção (FAZIO; MOFFETT; WODEHOUSE, 2011). Para a exposição, foram disponibilizados pela prefeitura de Stuttgart terrenos e verba para a construção de 33 edifi cações permanentes, localizadas em uma colina no subúrbio da cidade (Figura 10). Figura 10. Ludwig Mies van der Rohe, Edifícios de apartamentos do Weissenhof Siedlung, Stuttgart, 1927. Mies desenvolveu a implanta- ção desta exposição e construiu este edifício de apartamentos na parte mais alta do terreno. Observe as janelas pré-fabricadas e os balcões com guarda-corpos tubulares similares aos que Adolf Loos usara 20 anos antes. Fonte: Fazio, Moffett e Wodehouse (2011, p. 511). O empreendimento ficou a cargo de Mies van der Rohe, responsável pelo plano diretor e um dos projetos, um edifício de apartamentos. Além disso, Mies convidou 16 dos principais arquitetos da Europa para projetar as edificações, entre elas casas isoladas, casas geminadas e casas em fita. As edificações ficaram conhecidas como Weissenhof Siedlung (ou Conjunto Habitacional Modelo de Weissenhof). Embora tenham se adotado no conjunto diversas abordagens, os elementos comuns entre os projetos foram determinantes para o desenvolvimento do modernismo. Sobre as características das edificações, ressalta-se a colocação: 13Arquiteturas modernista e pós-modernista Todas as edificações foram pintadas de branco; tinham janelas “funcionais” que enfatizam a horizontalidade; e quase todas tinham coberturas planas, algumas com terraços-jardim. O aspecto industrial foi expresso nos perfis tubulares dos guarda-corpos dos balcões, os quais eram o principal elemento decorativo no exterior. As guarnições de janela eram mínimas e não havia cornijas (FAZIO; MOFFETT; WODEHOUSE, 2011, p. 511). No fim, observou-se uma aparência parecida nas edificações, mesmo que projetadas por arquitetos alemães e de outros países. Tanto essa afinidade estética quanto o livro Internacionale Architektur (1925), de Walter Groupius, contribuíram para que a arquitetura moderna do final da década de 1920 fosse intitulada de estilo internacional. Estilo este caracterizado, segundo Barr (apud FAZIO; MOFFETT; WODEHOUSE, 2011, p. 512), por dar: [...] ênfase no volume — espaços vedados por planos e superfícies finas em vez de simetrias ou outros tipos de equilíbrio evidente; e, finalmente, a dependência com relação à elegância intrínseca dos materiais, sua perfeição e belas proporções, em vez da aplicação de ornamentos. Poucas mulheres entraram para o seleto grupo do modernismo europeu, dominado por homens. Lilly Reich trabalhou com Ludwig Mies van der Rohe em seus interiores, mas apenas Eileen Gray (1878–1976) produziu casas no estilo internacional por conta própria. No projeto de sua casa, em Roquebrune, França (1926–1929), é interessante observar como as paredes brancas desadornadas são bastante consistentes com a arquitetura tradicional do litoral e das ilhas do Mediterrâneo (FAZIO; MOFFETT; WODEHOUSE, 2011). Conclusões sobre a arquitetura modernista Após a Primeira Guerra Mundial, muitos arquitetos europeus enxergaram na arquitetura um possível instrumento de transformação social. Em meio a um cenário caótico de destruição e emergência de habitações, elegeram-se como principais preocupações a utilidade, a efi ciência e a mecanização ligada à indústria, combinadas às avançadas concepções espaciais em voga nesse momento nas artes visuais. E, como apanhado desse contexto e período de inúmeras experiências e de desenvolvimento do modernismo, temos o trecho, Arquiteturas modernista e pós-modernista14 que muito nos revela, de Fazio, Moff ett e Wodehouse (2011, p. 525) sobre os modernistas, que, por meio da arquitetura, acreditavam na mudança de mentalidade do povo: Não faltaram novas ideias: Adolf Loos e seu ataque contra a ornamentação “decadente” e o desenvolvimento do Raumplan; Frank Lloyd Wright e a decisão de inventar uma tipologia doméstica norte-americana única (o que fez com as casas no Estilo dos Prados), além de inovações técnicas como o condicionamento de ar central no Edifício Larkin e o concreto moldado in loco no Templo Unitário; e a experiência alemã, na qual Peter Behrens e ou- tros com ideias similares fundaram a Deustcher Werkbund, tentando elevar a qualidade geral dos produtos manufaturados, e Walter Groupius desenvolveu um novo sistema de ensino de arquitetura na Bahaus – primeiro em Weimar, depois em Dessau, até a escola ser fechada pelos nazistas. Some a essa fértil mistura as propostas radicais – desenhadas com frequência, mas construídas como frequência menor – de dinamismo feitas pelos futuristas italianos, de modulações de espaço infinito pelos projetistas do De Stijl e de composições radicais de materiais pelos construtivistas russos. No final, o espaço se tornou a especialidade do Modernismo. E, logo, vemos essa espacialidade muito bem trabalhada pelos “mestres do modernismo” — Le Corbusier, Walter Groupius, Mies van der Rohe e Frank Lloyd Wright — em suas obras, desenvolvidas ao longo de diferentes fases de suas carreiras, deixando um legado importante para a arquitetura e sua história. Devem-se ressaltar ainda, para além de todos esses acontecimentos, os avanços tecnológicos na construção civil — marcados pelo uso do aço e do concreto armado —, e as novas visões da cidade, sendo esta vista como um local para abrigar indústrias e sistemas modernos de transporte, assim como a questão da saúde física e mental e os ideais utópicos. Lembre-se, ainda, de que, em número total de edificações construídas, tinham destaque “[...] as formas alternativas do Expressionismo holandês e alemão, as formas híbridas da Art Déco e as formas latentes do ecletismo”, e não as que seguiam as prescrições modernistas (FAZIO; MOFFETT; WODEHOUSE, 2011, p.525). Em vista disso tudo, a situação se tornou ainda mais complexa e indefinida no final do século XX, como veremos a seguir. Arquitetura pós-modernista A organização conhecida como CIAM (Congresso Internacional de Arquitetura Moderna), em 1928, deu início à promoção da arquitetura moderna e à aborda- 15Arquiteturas modernista e pós-modernista gem de questões urgentes de projetos de edifi cações e planejamentos urbanos. LeCorbusier foi considerado como sua fi gura de destaque, no entanto, outros modernistas também participaram do CIAM, como Walter Groupius e Alvar Aalto. Após a Segunda Guerra Mundial, a organização buscou reformular suas metas, mas logo fi cou claro que os novos projetistas se direcionavam para outros horizontes. Em 1953, um grupo recém-formado e que se denominava Team-X fi cou responsável por organizar a próxima edição, ocasionando o término dos CIAMs. O Team-X era formado pelo casal Peter (1923–2003) e Alison (1928–1993), Smitshon e Ralph Erskine (1914–2005), ingleses, e o holandês Aldo Van Eyck (1918–99), que pensavam de maneira diferente dos modernistas convencionais, pois voltavam-se mais para os problemas pós-guerra e para as questões dos contextos regional e local (FAZIO; MOFFETT; WODEHOUSE, 2011). Roberti Venturi O modernismo estava ameaçado após a Segunda Guerra Mundial. Como vimos, membros do Team-X percebiam que o campo da arquitetura estava mudando. Assim, arquitetos como Alvar Aalto, Saarinem e Louis Kahn bus- caram novas direções. A partir da década de 1960, deu-se início ao pós-modernismo, marcado pela publicação do tratado Complexidade e Contradição em Arquitetura (1966), de Robert Venturi (1925), que defendia uma arquitetura multivalente e subjetiva. No livro, Venturi (apud FAZIO; MOFFETT; WODEHOUSE, 2011, p. 538) descartava: “[...] o caráter ordenadamente puro e imaculado do Modernismo em favor de obras populistas plurais, frequentemente anônimas e eminentemente práticas”, transformando o “menos é mais” (less is more) de Mies, para “menos é um tédio” (less is a bore). Entre as obras de Venturi, antes da publicação do livro, destaca-se a casa feita para sua mãe, Vanna, em 1962, na Pensilvânia (Figura 11). Arquiteturas modernista e pós-modernista16 Figura 11. Robert Venturi, Casa Vanna Venturi, Chestnut Hill, Pen- silvânia, 1962. Robert Venturi construiu esta casa para sua mãe. A modesta edificação é rica em alusões à arquitetura do passado, desde a moldura semelhante a um arco acima da entrada até a volumetria em forma de frontão partido do bloco inteiro. Fonte: Fazio, Moffett e Wodehouse (2011, p. 538). É importante ressaltar que o termo “pós-modernismo” foi criado para identificar as novas direções surgidas dentro do campo da arquitetura após o modernismo. Não descrevia que novas direções seriam estas, somente aquilo que elas não eram. Segundo Fazio, Moffett e Wodehouse (2011, p. 539), depois da introdução do termo no contexto da arquitetura, “[...] ele assumiu um contrassignificado na cultura de maneira geral, sugerindo uma fragmentação pós estruturalista e uma desconfiança em relação a qualquer tentativa de construir sistemas de pensamento sobre bases firmes”. O Quadro 1, a seguir, aponta alguns dos personagens que se destacam dentro da produção pós-moderna e dentro de suas vertentes. Arquiteto Uma de suas obras Obra Descrição Philip Johnson (1906–2000) Sede da American Telephone and Telegraph, Nova Iorque, 1984 Com este edifício e as referências aos estilos do passado, Philip Johnson rompeu com a tradição miesiana. Quadro 1. Uma vertente pós-modernista (Continua) 17Arquiteturas modernista e pós-modernista Fonte: Adaptado de Fazio, Moffett e Wodehouse (2011). Arquiteto Uma de suas obras Obra Descrição Charles Moore (1925–1993) Piazza d’Itália, Nova Orleans, Louisiana, 1975–1979 A obra de Moore assu- miu um aspecto quase carnavalesco com projetos como este, uma fonte com pano de fundo para um espaço público criado em Nova Orleans. Michael Graves (nascido em 1934) Dolphin Hotel, Disney World, Orlando, Flórida, 1987 Aqui, Graves trouxe Boullée para um ambiente de parque temático. Embora os apartamentos sejam modestos, o contexto, projetado com água, passarelas, cabanas e esplanada ladeada por palmeiras, anima o conjunto. Robert A. M. Stern (nascido em 1939) Casa Lang, Washington, Connecticut, 1973–1974 Esta casa de campo tem uma fachada à maneira de loja do faroeste norte-ame- ricano, na qual foram aplicadas molduras similares a glacê de bolo. São os primei- ros passos de Stern na chamada alusão clássica. Quadro 1. Uma vertente pós-modernista (Continuação) Arquiteturas modernista e pós-modernista18 A desconstrução O pós-modernismo também inclui obras descritas como desconstrutivistas — obras que enfatizam a fragmentação e dissociação em vez da unidade e síntese tradicionais (Quadro 2). Arquiteto Uma de suas obras Obra Descrição Berbard Tschumi (nascido em 1944) Folie, Parc de la Villette, Paris, 1982–1985 O Parc de la Villette foi criado como centro cultural ao ar livre, com espaço para oficinas, academia de ginástica, equipamentos de ba- nho, parques infantis, exposições, concertos e muito mais. Cada fo- lie é um objeto neutro e indiferente na paisa- gem, onde podem ser realizadas as atividades designadas. Peter Eisenman (nascido em 1932) Casa III, Lakeville, Connecticut, 1969–1971 Na década de 1960, Peter Eisenman explo- rou as possibilidades abstratas das grelhas rotadas. Os espaços se tornavam um efeito causado pela manipu- lação de elementos se- lecionados de acordo com um conjunto de regras. Quadro 2. A desconstrução (Continua) 19Arquiteturas modernista e pós-modernista Fonte: Adaptado de Fazio, Moffett e Wodehouse (2011). Arquiteto Uma de suas obras Obra Descrição Zaha Hadid (nascido em 1950) Rampa para Prática de Esqui de Bergi- sel, Innsbruck, Aústria, 2002 Nesta época em que as mulheres ganham cada vez mais des- taque no cenário da arquitetura internacio- nal, ninguém é mais famosa que a iraniana Zaha Hadid. Ao proje- tar a rampa de esqui, ela pôde explorar seu interesse pela veloci- dade, a mudança e os ângulos relacionados dos volumes. Frank Gehry (nascido em 1929) Museu Gug- genheim de Bilbao, Bilbao, 1997 Este foi o edifício recente que mais chamou a atenção da imprensa e atraiu pere- grinos da arquitetura. Os visitantes adoram tocar a pele brilhante de titânio. Rem Koolhaas (nascido em 1944) Biblioteca Central de Se- attle, Washing- ton, 2004 Algumas pessoas questionam se sua preocupação com as montagens de mate- riais e sistemas é com- patível com sua queda pela conceitualização. Quadro 2. A desconstrução (Continuação) Arquiteturas modernista e pós-modernista20 O regionalismo moderno O Quadro 3 apresenta arquitetos que seguiram o caminho aberto pelo Team-X, baseando-se em valores locais, tradições de construção e linguagens formais, sensíveis ao terreno em conjuntos com as novas tecnologias. Fonte: Adaptado de Fazio, Moffett e Wodehouse (2011). Arquiteto Uma de suas obras Obra Descrição Luís Barragán (1902–1988) El Bebedero (bebedouro e fonte), Las Arboledas, Cidade do México, 1959–1962 A água é um bem precioso em lugares áridos, como em grande parte do México, e está associada à vida, ao renascimento e à renovação; isso significa que, embora tenha sido concebido como um “bebedouro”, este espelho de água e o jardim que o cerca tornaram-se uma paisagem introspectiva. Mario Brotta (nascido em 1943) Casa 1973, Monte San Giorgio, Suíça, 1973 Brotta respondeu ao contexto espetacular inserindo no terreno íngreme a geometria elementar de um cubo, acessado por uma delicada passarela em esqueleto. Álvaro Siza (nascido em 1933) Centro Galego de Arte Contemporânea, Santiago de Compostela, Espanha, 1985–1992 Primeiramente, Siza relacionou o edifício com a estrada; em seguida, uniu o convento, o claustro e a igreja antigos com o novo museu por meio de paisagens compartilhadas. Quadro 3. O regionalismo moderno 21Arquiteturas modernista e pós-modernista Destacam-se, ainda, as vertentes: o modernismo no Japão, com os arqui- tetos Kenzo Tange (1913–2005), Fumihiko Maki (nascido em 1928), Arata Isozaki (nascido em 1931), Tadao Ando (nascido em 1941); o formalismo nos Estados Unidos, com os edifíciosa Prefeitura de Boston (1968), o Memorial aos Veteranos do Vietnã (1982), o United States Holocaust Memorial Museum (1993) e alguns edifícios altos da cidade de Nova Iorque; e o trabalho dos arquitetos Richard Meier (nascido em 1934), Antoine Predock (nascido em 1936), Steven Holl (nascido em 1947), da firma Morphosis; além do formalismo em outros locais, como Jorn Utzon, vencedor do projeto Casa de Ópera de Sydney, na Austrália (1957); o trabalho de alguns arquitetos europeus — como o de Renzo Piano (nascido em 1937), Santiago Calatrava (nascido em 1951), Jean Nouvel (nascido em 1949), Norman Foster (nascido em 1935) e Nicholas Grimshaw (nascido em 1939). Conclusões sobre a arquitetura pós-modernista Pode-se concluir que, defi nitivamente, não há uma única vertente no projeto de edifi cações no início deste século. O movimento pós-moderno chegou e já se foi, e o desconstrutivismo revelou-se mais como um “rótulo”. Não há como negar que a cultura arquitetônica, de modo geral, apresenta-se plural, em que há novas forças, sendo o computador, provavelmente, uma das mais evidentes. Como coloca Pereira (2010, p. 311) sobre a arquitetura contemporânea: A arquitetura atual é cruzada por diversas linhas transversais, é uma arquite- tura mestiça: de formação cosmopolita e atuação planetária. Distanciada dos experimentos radicais, não é uma arquitetura de ideias, e sim um arquitetura de experiências: é pouco programática e peculiar a cada situação. Arquiteturas modernista e pós-modernista22 CHING, F. D. K.; JARZOMBEK, M. M.; PRAKASH, V. História global da arquitetura. 3. ed. Porto Alegre: Bookman, 2019. FAZIO, M.; MOFFETT, M.; WODEHOUSE, L. A história da arquitetura mundial. 3. ed. Porto Alegre: AMGH, 2011. GIUMBELLI, E. A modernidade do Cristo Redentor. DADOS Revista de Ciências Sociais, v. 51, n. 1, 2008. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/dados/v51n1/a03v51n1.pdf. Acesso em: 16 jul. 2019. PEREIRA, J. R. A. Introdução à história da arquitetura: das origens ao Século XXI. Porto Alegre: Bookman, 2010. Leituras recomendadas CURTIS, W. J. R. Arquitetura moderna desde 1900. 3. ed. Porto Alegre: Bookman, 2008. HADID, Z. Zaha Hadid: 1983-1995. Madrid: El Escorial, 2000. HARVEY, D. Condição pós-moderna. São Paulo: Loyola, 1992. MAHFUZ, E. C. Quem tem medo do pós-modernismo. Revista Projeto, n. 111, 1989. ROSSI, A. A arquitetura da cidade. São Paulo: Martins Fontes, 1995. RUUSUVUORI, A.; PALLASMAA, J. Alvar Aalto: 1898-1976. 3. ed. Lisboa: Helsinki, 1981. SIZA, Á. Alvaro Siza: 1986-1995. Lisboa: Blau, 1995. 23Arquiteturas modernista e pós-modernista HISTÓRIA DA ARTE Valdoni Moro Batista Arte Moderna: principais tendências Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Sintetizar o conceito histórico e cultural que permitiu o surgimento das vanguardas artísticas modernas. Analisar as características da produção artística a partir do Cubismo e do Fauvismo. Descrever a produção artística do Futurismo. Introdução A arte moderna teve origem a partir da negação dos princípios acadê- micos que limitavam a arte até o fim do século XIX. Era um momento de intensa transformação social, resultante do processo de industrialização, das inovações tecnológicas, das duas Guerras Mundiais, da Revolução Russa e da divisão do mundo entre capitalismo e socialismo. A arte pro- curava acompanhar tais transformações, apresentando um olhar inovador sobre a própria arte e a cultura. As vanguardas artísticas, portanto, são o retrato de um mundo caótico e incerto. Os artistas se utilizavam de manifestos para instaurar princípios estéticos comuns que refletissem uma arte inovadora, em negação aos princípios da arte acadêmica. Algumas características se destacam nos movimentos vanguardistas: a exploração de cores desconexas, com a representação do natural na arte fauvista; o uso de formas geométricas para representar as diversas faces dos objetos no Cubismo; e a represen- tação da velocidade e do desenvolvimento tecnológico na arte futurista. Neste capítulo, você conhecerá o contexto do surgimento da Arte Moderna e suas características, resultantes das vanguardas artísticas. Além disso, conhecerá mais sobre a arte dos movimentos Cubismo, Fauvismo e Futurismo, bem como seus princípios estéticos e os artistas de destaque de cada período. O surgimento das vanguardas modernas A Arte Moderna surgiu na segunda metade do século XIX e teve destaque na primeira metade do século XX, por meio das vanguardas artísticas. Mas, afi nal, o que é uma vanguarda? O termo avante-guarde, do francês, tem origem na guerra, sendo utilizado para designar os soltados que estão no front de batalha. De acordo com Canton (2009), a sua transposição para o campo artístico pressupõe duas premissas básicas: a ruptura com os padrões artísticos acadêmicos e sociais e a inovação constante, que deu origem a diversos movimentos artísticos tão radicais quanto a vida naquela época. De acordo com Canton: [...] esses artistas haviam vivido um momento histórico intenso, que produziu as máquinas da revolução industrial, urbanizou cidades, promoveu uma série espantosa de inovações tecnológicas, mas também originou duas Guerras Mundiais (1914-1918 e 1939-1945), além da Revolução Russa (1917). Ao fim desses conflitos, o mundo estava dividido em dois blocos: o capitalista e o socialista (CANTON, 2009, p. 19). A invenção da fotografia também teve papel de destaque para o surgi- mento da Arte Moderna, pois o artista não precisava mais fazer retratos, já que a fotografia servia melhor a esse objetivo, visto que era mais rápida e seu custo era menor. Alguns artistas viam, na fotografia, uma inimiga, outros se tornaram fotógrafos e houve aqueles que buscaram novos caminhos para a pintura, ficando conhecidos como impressionistas. Os artistas impressionistas romperam com os padrões de representação da arte acadêmica e passaram a pintar os efeitos luminosos. O tema assume função secundária, e surge a ideia da arte pela arte, em que o verdadeiro objetivo da pintura seria explorar sua própria constituição, ou seja, cor sobre uma superfície plana. Enquanto a arte acadêmica seguia o princípio literário, a arte moderna não precisa representar uma narrativa e o tema da pintura pode ser colocado em segundo plano, ao dar-se preferência à exploração dos elementos formais da obra. No Impressionismo, a pintura não transmitia uma história ou mito e seu tema pouco interessava aos artistas que buscavam capturar as dinâmicas da iluminação. A cor representava a luz, e não o objeto, por isso usavam-na a partir de sua combinação ótica. Para pintar as sombras, os artistas não utilizavam a cor preta, como faziam os acadêmicos, mas sim empregavam a cor complementar para dar o efeito de contraste desejado. De acordo com Wolfe (2009, p. 57): Arte Moderna: principais tendências2 A teoria geral era a seguinte: [...] um quadro não era uma janela pela qual se espiava à distância. Os efeitos tridimensionais eram pura ilusão (et ergo er- satz). O quadro era uma superfície plana à qual se aplicava tinta. Os primeiros artistas abstratos tinham compreendido a importância da pintura plana ao pintar simplesmente duas dimensões, mas não tinham sabido ir além. Os artistas que se seguiram ao Impressionismo foram chamados de pós- -impressionistas, uma vez que não se restringiam a simples captura dos fenô- menos luminosos e ampliaram a ruptura, com a ideia da pintura como janela para observar uma história. Enquanto Paul Cézanne buscava capturar as formas básicas dos objetos, Vincent van Gogh produzia uma pintura para refletir a sua alma e Paul Gauguin cobria grandes áreas da tela com cores vibrantes. Esses artistas lançaram as bases estéticas para diversos movimentos artísticos posteriores, incluindo os movimentos de vanguarda (CANTON, 2009). As pesquisas de Paul Cézanne influenciaram os cubistas, que teriam como foco principal a representaçãodos objetos a partir de suas simplificações em formas geométricas. Vincent van Gogh, por sua vez, influenciou o Expressionismo, visto levou ao limite a representação da angústia perante o caótico contexto em que vivia. Por fim, as obras coloridas de Paul Gauguin influenciaram tanto os artistas expressionistas quantos os fauvistas, que tinha interesse principal na cor pura. As vanguardas artísticas costumam ser estudadas a partir de alguns movi- mentos principais, são eles: Futurismo; Expressionismo; Cubismo, Dadaísmo; e Surrealismo. Esses movimentos tinham em comum a organização de grupos de artistas que publicavam manifestos para divulgar os seus projetos artísticos. São esses manifestos que validavam cada movimento, ao propor princípios estéticos, mantendo os artistas coerentes tanto em estética quanto em temática. O caráter inovador da arte de vanguarda fez o cenário artístico viver uma constante transformação, uma vez que não existiam mais preceitos estéticos uni- versalmente válidos. O público estava aberto às inovações e almejava saber o que existia de mais novo no cenário artístico. Os críticos e negociantes organizavam exposições às pressas para conseguir dar conta da atualidade das produções. Os historiadores buscavam registrar todos os detalhes para representar a tradição do novo, que, logo, seriam trivialidades. Segundo Gombrich (1999, p. 485): 3Arte Moderna: principais tendências Surgiu e espalhou-se a lenda de que todos os grandes artistas eram sempre rejeitados e escarnecidos em seu tempo; por isso o público faz o louvável esforço de não mais rejeitar nem zombar de coisa alguma. A ideia de que os artistas representam a vanguarda do futuro, e que somos nós e não eles quem fará triste figura se não os soubermos apreciar [...]. No Brasil, as vanguardas se manifestam a partir de artistas que, ao viajarem para a Europa, traziam a nova visão sobre o cenário artístico vanguardista e buscavam modernizar a arte brasileira, ainda guiada pelos princípios aca- dêmicos. Uma das artistas que introduziu a Arte Moderna no Brasil foi Anita Malfatti, que, em 1917, expôs seus quadros do período em que esteve estudando na Alemanha e em Nova Iorque. Dentre as pinturas estavam A boba, A estudante russa e O homem amarelo, que exibiam um novo modo de utilizar a cor (CANTON, 2009). Na obra A boba (Figura 1), pode-se perceber como a pintura de Mal- fatti havia superado os padrões acadêmicos ao apresentar cores fortes e linhas tortas. Há referências das vanguardas europeias, principalmente do movimento Expressionista, que explorava a expressividade por meio da cor. O fundo é marcado com pinceladas que criam um cenário incômodo, contrastando com a figura central, representada com o rosto torto e um olhar disperso. Figura 1. A boba (1915-1916), Anita Malfatti, óleo sobre tela, 61 cm/50,6 cm. Mac-Usp, São Paulo, Brasil. Fonte: A boba ([200-?], documento on-line). Arte Moderna: principais tendências4 A exposição de Anita não foi bem recebida por alguns intelectuais da época, ainda admiradores dos princípios acadêmicos, que detestaram suas pinturas. “[...] Monteiro Lobato [...] detestou tanto o que viu que publicou um artigo referindo-se à mostra como ‘paranoia ou mistificação’” (CANTON, 2002, p. 64). Enquanto algumas pessoas não gostaram da nova estética, outras adoraram, como, por exemplo, o poeta Mario de Andrade. A recepção negativa da exposição de Anita Malfatti foi o estopim para a realização da Semana de Arte Moderna, em fevereiro de 1922, no Teatro Municipal de São Paulo. Os artistas buscavam criar um ambiente prolífero para a construção de novas maneiras de produzir arte que fosse moderna e rompesse com os padrões acadêmicos da arte brasileira. A partir do evento, houve a progressiva modernização da arte brasileira, a partir de influências da arte das vanguardas europeias. A Arte Moderna se estendeu pela primeira metade do século XX e, hoje, mesmo sendo movimentos históricos, não podemos esquecer seu teor van- guardista. Os caminhos encontrados pelos artistas levaram a uma infinidade de modos de fazer arte e de pensar a relação da arte com a sociedade. As rupturas e os questionamentos realizados por artistas modernos são a base para o trabalho de muitos artistas que não consideram o quadro como uma janela para observar o mundo e exploram materiais que, antes do Modernismo, eram incomuns na arte. Fauvismo e Cubismo: características Os movimentos artísticos conhecidos como Fauvismo e Cubismo pouca coisa têm em comum, além da ruptura com a representação convencional da arte acadêmica e a busca por uma representação moderna. Enquanto os fauvistas exploravam as combinações entre as cores puras com pinceladas exageradas, os cubistas tinham interesse principal na forma dos objetos e sua representação simplifi cada, a partir de formas geométricas. O Fauvismo foi o movimento de vanguarda mais curto, tendo se desen- volvido entre 1905 e 1907. Sua preocupação principal era o uso da cor para explorar a expressão do instinto artístico. O artista procurava criar sua arte com a mesma pureza de uma criança que não segue regras, de modo que distorcia a representação e usava cores não condizentes com a realidade. 5Arte Moderna: principais tendências O nome fauvismo surgiu a partir de uma crítica de Louis Vauxcelles que, ao visitar, em 1905, o Salão de Outono, encontrou as obras fauvistas expostas ao lado de obras significativas da história da arte. Vauxcelles se referiu às pinturas fauvistas com o termo francês fauves (feras), como uma forma de rejeitar o exagero no uso de tinta com cores vibrantes e formas distorcidas. Sobre os artistas fauvistas, Canton destaca que: A ideia era pintar sem se preocupar com os temas grandiosos – uma praia, uma janela, um barquinho ou uma ponte seria de bom tamanho. Também abandonaram a necessidade de fazer contorno nas formas. Desejavam pintar diretamente com a cor, que seria utilizada de acordo com a vontade de expres- são do artista, sem necessariamente seguir a realidade como a vemos. Esses artistas assumiram sua atração pelas maças de cor, em suas diversidades de tons e intensidades (CANTON, 2002, p. 40.) Os principais artistas fauvistas foram Maurice de Vlaminck (1876–1958) e André Derain (1880–1954), liderados por Henri Matisse (1869–1954). Todos buscavam conferir à cor uma nova possibilidade, ao fugir da representação descritiva da realidade. A cor era mais importante do que a representação, principalmente a cor vibrante. Inicialmente, os artistas realizavam misturas de cores, mas, aos poucos, passam a explorar pinceladas espontâneas, com cores puras. O grupo fauvista, mesmo tendo durado pouco, apresentou uma nova ma- neira de lidar com a pintura. “O que esses artistas têm em comum é o desejo de dispensar tudo o que é ‘extra’ na representação de uma imagem na tela, dando chance para a cor, com seus próprios contrastes, de cobrir superfícies e dar forma à representação” (CANTON, 2002, p. 41). Na obra Ponte sobre o rio (Figura 2), de André Derain, pode-se observar como se dava o uso da cor e da deformação pelos fauvistas. As cores não criam uma representação naturalista, pois o artista utilizou tons de azuis, verdes, laranjas e amarelos para representar uma árvore que aparenta estar em chamas. O interesse também não é captar os efeitos luminosos, como faziam os impressionistas, pois a pintura faz o uso das cores sem se ater à sua combinação ótica. Arte Moderna: principais tendências6 Figura 2. Ponte sobre rio (1906), André Derain, óleo sobre tela, 82,5 cm/101,5 cm, MoMA, Nova Iorque, Estados Unidos. Fonte: Fauvismo ([200-?]), documento on-line). O Cubismo se desenvolveu a partir das pesquisas dos artistas Pablo Picasso (1881–1973) e Georges Braque (1882–1963), que se interessavam pelas pinturas do pós-impressionista Paul Cézanne e sua representação da natureza a partir de formas geométricas básicas. Entretanto, os cubistas exploraram não apenas a simplificaçãodo desenho, uma vez que queriam explorar a representação integral do objeto, ou seja, queriam que a pintura apresentasse o objeto sendo visto a partir de diversos ângulos em uma mesma pintura. A obra Les Demoiselles d’Avignon, de Pablo Picasso, é considerada a pri- meira pintura cubista (Figura 3). Nela, pode-se perceber a distorção das figuras a partir do uso de formas geométricas, reduzindo a sensação de profundidade da tela. O tema da pintura foi um grupo de prostitutas de Barcelona, mas a deformação de seus rostos sugere a influência das máscaras africanas sobre os trabalhos do artista. A pouca variação de cores e o uso da fragmentação nas formas foram técnicas inovadores para a época, colocando Picasso como um dos principais artistas das vanguardas europeias (FARTHING, 2011). 7Arte Moderna: principais tendências Figura 3. Les Demoiselles d’Avignon (1907), Pablo Picasso, óleo sobre tela, 2,44 m/2,34 m, Museu de Arte Moderna, Nova Iorque. Fonte: Les Demoiselles d’Avignon (2011, documento on-line). O Cubismo teve como premissa básica a ruptura com a perspectiva da arte acadêmica, que representava os efeitos de profundidade por meio do emprego de complexas leis da geometria. No Cubismo, há a fragmentação para representar os diversos ângulos de visão sobre o objeto, de maneira sobreposta e com cores nos tons terrosos. Essa preocupação inicial dos cubistas ficou conhecida como Cubismo Analítico (CANTON, 2002). Em pouco tempo, os cubistas levaram o programa da fragmentação e da representação simultânea ao extremo, chegando muito próximo da abstração total da figura. Todavia, o cubismo é, por natureza, um movimento figurativo que buscava uma nova maneira de representar os objetos, rompendo com a perspectiva tradicional. Por isso, houve a limitação temática dos artistas do Cubismo Analítico: Ele só pode ser usado com formas mais ou menos familiares. Quem olha para o quadro deve saber qual é o aspecto de um violino, para poder relacionar entre si os vários fragmentos no quadro. É por isso que os pintores cubistas escolhem usualmente motivos familiares – guitarras, garrafas, fruteiras ou, ocasionalmente, uma figura humana – onde podemos facilmente encontrar o nosso caminho através dos quadros e entender as relações entre as várias partes (GOMBRICH, 1999, p. 456). Arte Moderna: principais tendências8 Em 1912, o Cubismo tomou novos rumos, pois iniciava-se o Cubismo Sintético, que teve duração até a década de 1920. Nesse período, novos artistas aderiram ao grupo, dentre eles: Robert Delaunay (1883–1941), Francis Picabia (1879–1953), Jean Metzinger (1883–1956) e Marcel Duchamp (1887–1968). Na fase sintética, os cubistas fazem novos usos da cor, que deixa de ser esmaecida, sendo utilizada de maneira mais decorativa. “Essa visão mais decorativa da arte tornou o cubismo sintético mais popular do que as outras obras cubistas junto ao público” (FARTHING, 2011, p. 390). O Cubismo Sintético não exagerava na fragmentação, como acontecia no Cubismo Analítico. Houve o uso de colagens de jornais, madeira, tecido, e tal interesse levou alguns artistas a pintarem quadros que pareciam somente colagens, sem uso de cores. De modo que um quadro era “Construído a partir de elementos de colagem e da habilidade dos artistas da época de transformar os conteúdos de uma lata de lixo em imagens bonitas e revolucionárias” (FAR- THING, 2011, p. 390). As colagens faziam os materiais utilizados perderem seu significado utilitário, ao assumir um valor construtivo na obra. O artista utilizava a colagem, assim como utilizava a linha, a cor e as texturas. As obras cubistas apresentavam uma nova maneira de lidar com a pintura e abriram caminho para outros movimentos artísticos, tais como: o Futurismo, que se valerá da fragmentação para a representação da velocidade e das di- nâmicas de movimento; o Suprematismo e o Construtivismo, que utilizaram as relações entre formas abstratas geométricas; o Dadaísmo e o Surrealismo, que darão atenção ao uso de colagens (FARTHING, 2011). Futurismo: a arte da velocidade O Futurismo foi fortemente infl uenciado pelas inovações tecnológicas, que culminaram em uma nova relação entre as distâncias e o tempo. A invenção do automóvel, do avião e da telefonia desencadearam um novo ritmo nas transformações sociais. O Futurismo surgiu na Itália e buscava justamente valorizar a velocidade e o desenvolvimento tecnológico, em oposição a qual- quer tipo de tradição. O manifesto futurista anunciava uma arte inovadora, que via na guerra e na destruição do passado a chance de construir uma nova arte, mais coerente com uma sociedade desenvolvida tecnologicamente. As experimentações cubistas foram influentes entre tais artistas, que utilizavam a fragmentação das formas e das cores para representar as dinâmicas da velocidade. O primeiro 9Arte Moderna: principais tendências manifesto futurista foi apresentado, em 1909, pelo poeta Filippo Tommaso Marinetti (1876–1944), no jornal La gazzetta dell’Emilia. O manifesto continha 11 princípios que deveriam orientar esse novo tipo de arte, dos quais 10 estão descritos a seguir: Manifesto do futurismo 1. Nós queremos cantar o amor ao perigo, o hábito à energia e à temeridade. 2. Os elementos essenciais de nossa poesia serão a coragem, a audácia e a revolta. [...] 4. Nós declaramos que o esplendor do mundo se enriqueceu com uma beleza nova: a beleza da velocidade. O automóvel de corrida com seu cofre adornado por grossos tubos como serpentes de fôlego explosivo... um automóvel rugidor, que parece correr sobre a metralha, é mais belo que a vitória de Samotrácia. [...] 7. Não há mais beleza se não na luta. Nada de obra prima sem um caráter agressivo. A poesia deve ser um assalto violento contra as forças desconhecidas, para intimá-las a deitar-se diante do homem. [...] 9. Nós queremos glorificar a guerra – única higiene do mundo – o militarismo, o patriotismo, o gesto destruidor dos anarquistas, as belas ideias que matam, e o menosprezo à mulher. 10. Nós queremos demolir os museus, as bibliote- cas, combater o moralismo, o feminismo e todas as covardias oportunistas e utilitárias [...] (HELENA, 1989, p. 18–19). A afinidade com a mecanização e a velocidade se expandiu para as diversas linguagens da arte, como a arquitetura, o cinema, a escultura, a música e a poesia. Os pintores tentavam “[...] apreender na pintura a sensação de ação, da passagem do tempo, através da decomposição e fragmentação das imagens. O efeito é parecido com o de uma fotografia com exposição prolongada” (CANTON, 2002, p. 49). A decomposição e a fragmentação utilizadas para representar a velocidade chegavam ao nível de o observador não conseguir identificar a cena representada. O Quadro 1, a seguir, apresenta os principais princípios futuristas, para que se possa compreender melhor como os artistas rompiam com os valores tradicionais ao valorizar a criação de uma nova sociedade a partir do desen- volvimento tecnológico. Tais princípios denotam uma aproximação entre os futuristas e o fascistas, que possuíam ideias similares, como a valorização do militarismo e o desenvolvimento nacionalista. Arte Moderna: principais tendências10 Fonte: Adaptado de Helena (1989). Higiene do mundo Valorização da guerra como renovadora de valores. Antimuseu Oposição às instituições que valorizam o passado, que deve ser superado. Anticultura Queriam iniciar uma sociedade utópica e inovadora. Antilógica Negavam a filosofia positivista e priorizavam o antirracionalismo. Culto ao moderno A velocidade, o desenvolvimento tecnológico e as máquinas são fundamentais para os futuristas. Quadro 1. Princípios futuristas Os pintores futuristas Umberto Boccione (1882–1916), Giacomo Balla (1871–1958), Carlo Carrà (1881–1966), Gino Severini (1883–1966) e Luigi Russolo (1885–1947) também lançaram seus próprios manifestos, a fim de desenvolver uma estética especificamente futurista. Tais artistas exigiam que os italianosabandonassem a visão saudosista e se empe- nhassem no desenvolvimento de uma cultura voltada à industrialização (FARTHING, 2011). A pintura Dinamismo de um ciclista (Figura 4), de Umberto Boccione, apresenta a deformação da figura de um ciclista a partir da velocidade, de acordo com os princípios estéticos do futurismo. Observe como as cores são divididas e, quando ocorrem algumas mesclas, como estas contribuem para os efeitos dinâmicos e o ritmo visual. As cores são colocadas em pequenas pinceladas com cores separadas, que são misturadas oticamente pelo observador. Esse tipo de abordagem pictórica era comum no Impres- sionismo para retratar os efeitos luminosos, mas, no Futurismo, é utilizado para retratar a velocidade. 11Arte Moderna: principais tendências Figura 4. Dinamismo de um ciclista (1913), Umberto Boccione, óleo sobre tela, 70 cm/95 cm, Acervo particular. Fonte: Dinamismo de um ciclista (2016, documento on-line). O Futurismo italiano entrou em decadência em 1914, devido a conflitos internos. Entretanto, os princípios futuristas espalharam-se rapidamente da Itália para a Rússia, dando origem ao Raionismo. A representação da velocidade entre os russos culminou em pinturas quase totalmente abstratas. Os artistas empregavam linhas diagonais cruzadas para retratar a dispersão luminosa, e, quando o objeto estava em movimento, a quantidade de raios era quase infinita. O resultado eram pinturas repletas de linhas entrecruzadas, com excesso de tinta a partir do uso de espátulas (FARTHING, 2011). O Modernismo e as vanguardas artísticas se desenvolveram em um período de intensa transformação social. O resultado foi o surgimento de movimentos de curta duração e de ideias extremistas, que mostravam a própria contradição da vida naquela época. Afinal, era comum um artista participar de mais de um movimento de vanguarda durante sua vida e, às vezes, de movimentos totalmente antagônicos. As inovações modernas libertaram a arte das repre- sentações de narrativas ao focar na experimentação da materialidade que a constitui. A arte pela arte foi o slogan desse período, que culminou nas amplas aberturas tanto do uso de materiais quanto de temáticas presentes na arte contemporânea. Arte Moderna: principais tendências12 A BOBA. In: MACVIRTUAL. [S. l.: s. n., 200-?]. Disponível em: http://www.macvirtual.usp. br/mac/templates/projetos/educativo/acerto5.html. Acesso em: 10 set. 2019. CANTON, K. Do moderno ao contemporâneo. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009. CANTON, K. Retrato da arte moderna: uma história no Brasil e no mundo ocidental. São Paulo: Martins Fontes, 2002. DINAMISMO DE UM CICLISTA. In: WIKIPEDIA. [S. l.: s. n.], 2016. Disponível em: https:// commons.wikimedia.org/wiki/File:Umberto_Boccioni,_1913,_Dynamism_of_a_Cyclist_ (Dinamismo_di_un_ciclista),_oil_on_canvas,_70_x_95_cm,_Gianni_Mattioli_Col- lection,_on_long-term_loan_to_the_Peggy_Guggenheim_Collection,_Venice.jpg. Acesso em: 9 set. 2019. FARTHING, S. Tudo sobre arte: movimentos e as obras mais importantes de todos os tempos. Rio de Janeiro: Sextante, 2011. FAUVISMO. [S. l.: s. n., 200-?]. Disponível em: http://www.fauvismo.noradar.com/andre- -derain.htm. Acesso em: 9 set. 2019. GOMBRICH, H. A história da arte. Rio de Janeiro: LTC, 1999. HELENA, L. Modernismo brasileiro e vanguarda. São Paulo: Ática, 1989. LES DEMOISELLES D’AVIGNON. In: WIKIPEDIA. [S. l.: s. n.], 2011. Disponível em: https:// pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:579px-Les_Demoiselles_d%27Avignon.jpg. Acesso em: 9 set. 2019. WOLFE, T. A palavra pintada. Rio de Janeiro: Rocco, 2009. 13Arte Moderna: principais tendências HISTÓRIA DA ARTE Valdoni Moro Batista Arte pós-moderna Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Descrever o desenvolvimento do conceito de arte pós-moderna. Identificar as características e tendências da Minimal Art. Examinar a presença da arte pós-moderna no Brasil. Introdução A arte moderna, que se utilizava das vanguardas artísticas para explorar as possibilidades dos materiais e das linguagens, chega ao limite com o Expres- sionismo abstrato. Em seguida, surge a Pop Art, com foco na mecanização do fazer artístico por meio de imagens advindas da cultura de massa. A partir de então, o cenário artístico rompe com a busca frenética pelo novo e começa a utilizar os diferentes períodos da história da arte como referência. Os processos mecânicos ganham espaço nas propostas da Pop Art, da Op Art e principalmente do Minimalismo, que utiliza elementos industriais para construir objetos que transpõem os limites entre pintura e escultura. Nesse contexto, o entendimento tradicional e moderno sobre autoria e genialidade artística é refutado, pois o artista não precisa mais construir o objeto; basta contratar uma pessoa especializada e lhe apresentar o projeto a ser executado. Neste capítulo, você vai ver como surgiu e se desenvolveu a arte pós- -moderna e conhecer as suas reverberações no cenário artístico brasileiro. Tais reverberações foram marcadas pela arte neoconcreta, que propunha a participação do público na constituição da obra. Além disso, você vai conhecer as características da Minimal Art e se familiarizar com algumas das propostas artísticas da segunda metade do século XX. O desenvolvimento da arte pós-moderna A segunda metade do século XX foi composta por uma série de eventos que romperam com a ideia moderna de linearidade entre os movimentos artísticos. Além das inovações tecnológicas que acarretaram a disseminação de informações com certa rapidez, houve a consolidação das lutas políticas contra o racismo e em prol da liberdade das mulheres. O mundo pós-guerra estava pronto para estabelecer uma nova relação entre arte e vida ao romper com os limites da arte moderna. Com o surgimento da Pop Art, nos anos 1960, ficou difícil continuar a de- limitação da produção artística a partir das ideias de evolução histórica da arte moderna. Afinal, Greenberg, o principal crítico modernista, havia se colocado contra o novo estilo artístico. Para ele, tal estética rompia com os preceitos de originalidade e expressividade da arte moderna. A Pop Art apresentava réplicas de objetos de consumo, como as caixas de sabão Brillo produzidas por Andy Warhol. Esse trabalho mostrava que não seria mais possível distinguir a arte dos objetos cotidianos e da realidade a partir da simples constatação visual. A ruptura com a ideia de arte enquanto algo original é levada a novos caminhos por Mike Bidlo, que realiza cópias de obras de diversos artistas, prin- cipalmente modernistas. Entre suas diversas réplicas, encontra-se Not Warhol (Figura 1). Nesse trabalho, o artista reproduz as Brillo Boxes de Warhol. As questões sobre originalidade e reprodutibilidade tornam-se centrais nesse tipo de produção e refletem uma das dimensões de análise da Pós-Modernidade: a confusão entre o real e a fantasia. Figura 1. Not Warhol (Brillo Boxes, 1964), 2005, Mike Bidlo. Fonte: MIKE... (2010, documento on-line). Arte pós-moderna2 A partir da década de 1960, classificar os artistas se tornou uma tarefa com- plicada, pois eles pareciam não seguir a estética de um movimento específico, como era comum entre as vanguardas artísticas. A utilização da expressão “arte contemporânea” também possuía suas falhas ao referir-se a toda obra produzida no presente; afinal, em alguns casos, as obras davam continuidade aos preceitos estéticos da arte moderna. Somente entre as décadas de 1970 e 1980 é que ficou mais evidente a distinção entre a arte moderna e a nova arte, que pode ser chamada de “pós-moderna”. Nesta, a: [...] novidade não mais podia ser critério de julgamento pois a novidade ou a originalidade, como eram percebidas, não podiam ser alcançadas, podendo até mesmo se mostrar fraudulentas. Tudo já havia sido feito; o que restava era juntar fragmentos, combiná-los e recombiná-los (ARCHER, 2012, p. 156). Na visão moderna, a arte era o seupróprio assunto e exploravam-se os limites da representação e da materialidade artística. Nesse contexto, os artistas se preocupavam “[...] com forma, superfície, pigmentos e coisas afins passíveis de definir a pintura em sua pureza” (DANTO, 2006, p. 18). Já no período pós-moderno, ocorre o questionamento dos limites da arte e a ruptura com a ideia de originalidade ou genialidade artística. A arte pós-moderna é composta por artistas diversos, com buscas individuais ou coletivas, mas sem a organização de manifestos artísticos. Veja: A certa altura ficou claro que não mais se tinha um modo satisfatório de pensar, como ficou evidente pela necessidade de se inventar o termo “pós- -moderno”. Esse termo em si mesmo denunciava a relativa fraqueza do termo “contemporâneo” como passível de comunicar um estilo. [...] Mas talvez o termo “pós-moderno” de fato pareceu [...] designar certo estilo que podemos aprender e reconhecer, do mesmo modo como aprendemos e reconhecemos exemplos do barroco ou do rococó (DANTO, 2006, p. 14). O termo “contemporâneo” poderia comportar obras modernas e pós- -modernas que estavam sendo produzidas no mesmo momento. Já a arte pós-moderna seguiria pressupostos estéticos que condensariam artistas distintos sob a perspectiva da ruptura com as ideias. Danto (2006) preferiu utilizar a expressão “arte pós-histórica” para se referir à arte produzida em ruptura com os pressupostos modernistas. Tal arte negava as ideias de evolução histórica levadas a cabo pelos movimentos de vanguarda. Nesse sentido, a ideia é: 3Arte pós-moderna [...] tratar especificamente dessa produção pós-histórica enquanto possi- bilidade de desfazer-se temporalmente de motivos, técnicas e materiais predominantes na composição artística. Para essa arte pós-moderna não há mais qualquer limite histórico, conceitual, material ou estilístico. Na medida em que tudo é permitido e acessível, ocorre, mediante essa desor- dem informativa, a necessidade de se pensar a arte filosoficamente a partir da percepção de que tudo poderia ser arte, de que a arte não obedeceria mais aos limites que lhe foram historicamente reservados (FIANCO, 2013, documento on-line). Depois das experimentações da Pop Art e da arte conceitual, os limites do que poderia ou não ser arte são questionados e os artistas percebem que a arte não está na técnica ou no material utilizado. Não existiria algo capaz de definir como a arte deveria ser. A partir de então, surge uma série de artistas que experimentam novos caminhos para a arte, “[...] sem nenhuma direção narrativa única a partir da qual outras pudessem ser excluídas” (DANTO, 2006, p. 16). No Pós-Modernismo, nada é permanente, pois está em constante trans- formação. Os artistas podem explorar a temática que quiserem, da maneira que desejarem. Nessa perspectiva, a arte pode: ser colocada a serviço de certos objetivos sociais ou pessoais; explorar a ampla gama de imagens da história da arte ou da mídia por meio do processo de apropriação, con- ferindo sentidos novos às imagens; ser desmaterializada e existir apenas como relação entre pessoas; e, também, utilizar técnicas tradicionais ou artesanais. Os artistas pós-modernos não buscam uma obra estável e original, pois muitos estruturam as suas produções a partir de citações, cópias, referências. Eles fazem colagens fora do senso histórico, sem organizar o tempo de modo linear; por isso, são acusados de produzir uma arte super- ficial. As suas obras podem comportar diferentes modos de organização e produção. As obras de Anselm Kiefer, como Maikäfer f lieg (Figura 2), por exemplo, examinam a noção de identidade alemã a partir do ponto de vista histórico. A série de pinturas do artista chamada Terra devastada, de 1974, explora paisagens esfumaçadas pela queima de palha e pela guerra (ARCHER, 2012). Arte pós-moderna4 Figura 2. Maikäfer flieg, Anselm Kiefer, 1974, óleo sobre estopa. Fonte: Anselm Kiefer ([201-?], documento on-line). O feminismo também ganha corpo na arte pós-moderna, principalmente nas produções de Jenny Holzer, Sherrie Levine, Louise Lawler, Bárbara Kruger e Cindy Sherman. As estratégias adotadas por tais artistas são di- versas. Cindy Sherman, por exemplo, questiona a relação entre o feminismo e o consumo. As suas fotografias da série Imagens de vômito apresentam corpos distorcidos e comida podre com cores atraentes. Holzer também explora a relação entre feminismo e consumismo ao colocar pôsteres em camisetas ou cabines telefônicas com frases do tipo “Proteja-se do que eu quero” (ARCHER, 2012). A abertura propiciada pela arte pós-moderna deu destaque à arte pública, inclusive à arte do grafite, que estava se difundindo em diversos locais do mundo. As obras de Keith Haring, que representam figuras de animais e pessoas, ocupam o espaço das estações de metrô, posteriormente marcando presença nas galerias de arte. Muitas de suas obras consistem em cartazes negros com desenhos em giz (Figura 3). 5Arte pós-moderna Figura 3. Sem título, Keith Haring, 1983. Fonte: Untitled (2019, documento on-line). O espaço da arte também é problematizado e ampliado por Jan Hoet, que toma emprestadas áreas das residências de diversas famílias para realizar a sua exposição Chambres d’Amis. Para visitar a exposição, as pessoas deveriam utilizar um mapa das obras a fim de transitar por entre a cidade e bater nas portas das casas onde os objetos estavam expostos. Com relação ao uso de novos materiais pela arte, há uma série de artistas que exploram materialidades específicas. Reinhard Mucha utiliza objetos encontrados no espaço da exposição para criar as suas obras compostas por portas, materiais descartados, etc. A utilização de materiais industriais para produzir arte também ganha destaque na Pós-Modernidade. Esse tipo de material já era comum entre os dadaístas, principalmente nas obras de Marcel Duchamp que ficaram conhecidas como ready-made. Entretanto, artistas como Haim Steinbach tinham interesse no estilo de vida propiciado pela ampla pos- sibilidade de consumo de objetos industrializados. A sua obra Relacionados e diferentes explora a relação entre a diversidade de modos de consumo. Como você viu, a arte pós-moderna surgiu na década de 1960, a partir da ruptura com as ideias de vanguarda artística e de linearidade na história da arte, buscando inspiração em diversos movimentos artísticos do passado. Os artistas poderiam Arte pós-moderna6 A Minimal Art e as suas características A Pop Art e a Minimal Art, também conhecida como Minimalismo, foram as tendências artísticas que deram origem à arte pós-moderna. A Pop Art reproduzia as imagens da cultura de massa por meio de técnicas que omi- tiam a expressividade dos artistas. Já a Minimal Art explorava o mínimo de elementos possível na produção artística e a utilização de objetos industriais ou a fabricação de objetos de modo mecânico. De acordo com Archer (2012), a expressão minimal art surgiu como uma crítica aos trabalhos de artistas que não se enquadravam mais na estética de vanguarda por explorarem grandes áreas vazias ou com poucos elementos. Muitos artistas seguiam princípios do minimalismo em sua arte, mas os que mais se destacaram foram Carl Andre, Robert Morris, Dan Flavin, Sol LeWitt e Donald Judd. O Minimalismo, assim como a Pop Art, rompeu com o Expressionismo Abstrato ao produzir uma arte mecânica que evitava qualquer tipo de ex- pressividade. Era uma arte com “[...] aparência monocromática, engenhada, impessoal” (ARCHER, 2012, p. 43), que explorava a simplicidade. Judd dizia que o Minimalismo havia rompido também com as linguagens artísticas tradicionais; afinal, as suas obras não poderiam ser consideradas pintura ou escultura. Elas realizavam a mescla entre elementos das duas linguagens, o que resultava em objetos tridimensionais. Para Judd, o aspecto vazio desta arte era sintomático do que ele via como a cres- cente irrelevância das atitudes estéticas tradicionais. Seu trabalho era simplese formalmente aplainado por um desejo de não empregar efeitos composicionais. A composição enfatiza relações internas entre as várias partes de uma obra e, com isso, minimiza o impacto da obra como um todo (ARCHER, 2012, p. 46). Na Figura 4, você pode observar uma obra de Donald Judd e ver como ele explora os elementos da visualidade por meio da construção de objetos similares aos fabricados pelas indústrias. Todo gesto expressivo é evitado para dar forma a um objeto mecânico, numa atitude similar à que levou aos empregar qualquer processo técnico, rompendo com as hierarquias entre arte e artesanato. Além disso, os materiais e espaços da arte foram ampliados. A proposta pós-moderna é de que qualquer espaço pode conter obras artísticas e de que qualquer material pode resultar em arte. 7Arte pós-moderna ready-made de Duchamp. Judd utilizou o mínimo de elementos compositivos — no caso, o retângulo, que é repetido inúmeras vezes na estrutura do objeto. Todas as faces são retangulares, inclusive a parte vazada do paralelepípedo. Figura 4. Sem título, Donald Judd, 1968. Fonte: [Donald Judd] (2013, documento on-line). As obras de Judd rompem com a tradição da pintura e da escultura europeia ao trabalharem com objetos inexpressivos. Além disso, o artista deixa de lado o racionalismo, que não dava mais conta de explicar o mundo influenciado pelo consumismo e pelas novas mídias. A representação pictórica ou escultórica que tendia ao ilusionismo (por meio de formas e seres alheios à materialidade da arte) é questionada pelos minimalistas. Eles, amparados por uma visão pragmática, dão atenção especial à própria materialidade da arte e às suas experimentações, sempre buscando manter a sua verdade. Nas obras de Judd, por exemplo, o alumínio continuará sendo alumínio, e não será omitido para representar um ser ou objeto do mundo visível. Como afirma Archer (2012, p. 50), “[...] a arte minimalista não representava nem se referia diretamente a nenhuma outra coisa de uma forma que fizesse sua própria autenticidade depender da adequação de sua semelhança ilustrativa com essa outra coisa”. A ruptura com a figuração e a representação pode ser percebida facilmente nas obras que evitam a utilização de títulos para não se subordinarem ao que o nome poderia evocar. As obras: [...] não revelavam qualquer significado secreto, nem símbolos ou referências. Foram essas características que demonstravam preferência por materiais e métodos de produção em massa — plexigas, alumínio, viga de madeira, luzes Arte pós-moderna8 fluorescentes, aço galvanizado, e azulejos de magnésio — e contratavam operários para produzir as esculturas de acordo com suas especificações (FARTHING, 2011, p. 520). No Minimalismo, tanto o processo de artesania quanto os materiais são amplamente frios. O artista não precisa fabricar a obra de arte, podendo criar os seus projetos a partir de materiais prontos ou contratando outras pessoas para construí-los. A obra Diagonal de 25 de maio de 1963, de Dan Flavin (Figura 5), consiste numa lâmpada fluorescente amarela disposta na parede, formando uma linha diagonal com ângulo de 45 graus. O artista não pretendia expressar sentimentos ou emoções, pois criava um ambiente único ao brincar com a luz para transformar a galeria de arte. As suas obras que exploram luzes fluorescentes rompem definitivamente com a divisão entre pintura e escultura ao unir as duas linguagens artísticas para alterar os aspectos do espaço. Figura 5. Diagonal de 25 de maio de 1963, Dan Flavin, 1963, lâmpada fluorescente amarela. Fonte: Lapa (2015, documento on-line). 9Arte pós-moderna As obras de Carl Andre também transformam e se integram ao ambiente, rompendo com muitas formalizações teóricas da arte moderna. Ele buscava uma arte que fosse materialista e comunista, como é possível notar no seu relato: Minha obra é [...] estética porque não possui forma transcendente, nem qualidades intelectuais ou espirituais. Materialista, porque é feita com seus próprios materiais, sem pretensão de empregar outros. E é comu- nista, porque sua forma é acessível a todos os homens (ANDRE apud FARTHING, 2011, p. 522). Na obra Plano em aço e zinco (Figura 6), ele dispôs no chão 18 placas de aço e 18 de zinco, formando uma imagem que lembra um tabuleiro de xadrez. A obra possibilita que as pessoas caminhem sobre ela ou a explorem por meio do tato. Desse modo, Andre cria uma nova relação entre obra e observador, que não precisa observar a distância e de maneira passiva. Figura 6. Plano em aço e zinco, Carl André, 1969. Fonte: Miranda (2015, documento on-line). A arte minimalista integrou processos mecânicos e materiais industriais na fabricação de suas obras. Muitas vezes, os artistas contratavam operários para produzi-las. Afinal, a arte evitava o teor expressivo do Modernismo ao manter íntima relação entre o material e a proposta estética, rompendo com qualquer tipo de figuração e elaboração narrativa. O Pós-Modernismo se pauta em alguns desses princípios e rompe com a necessidade de artesania do artista, possibilitando o emprego de qualquer material nas suas obras, que podem ou não representar simbologias. Arte pós-moderna10 A arte pós-moderna no Brasil A arte pós-moderna brasileira conta com muitos desdobramentos e é carente de teorização. Talvez isso ocorra porque o termo “pós-modernidade” não é bem visto pelos teóricos da arte, que preferem evitar tal classifi cação e continuar se referindo às obras dos anos 1960 até os dias atuais como “arte contemporânea”. Entretanto, é possível perceber alterações no cenário artís- tico brasileiro, que, ao romper com o Modernismo e com a ideia de construir uma arte brasileira, enfatiza a desmaterialização da obra de arte, advinda das experiências da arte conceitual e da participação do público no processo artístico. Nesse contexto, grande parte da produção possui um engajamento com questões sociais e políticas. Artistas como Hélio Oiticica, Lygia Clark e Lygia Pape criaram produções que incorporaram elementos sociais e físicos do Brasil em obras de destaque internacional. Tais artistas acreditavam na arte enquanto fator determinante para a transformação da sociedade, que precisava ser pautada na coletividade e na participação social (CHIARELLI, 2002). Em decorrência da transformação, em escala global, das funções básicas do cotidiano em mercadoria, muitos dos artistas buscaram propor experi- ências que transgredissem as proposições de que a arte deveria apresentar um objeto a ser apreciado. Os artistas propunham as obras “[...] como suportes de experiências: a arte, ao tentar romper a lógica do espetáculo, restitui-nos o mundo como experiência a ser vivida” (BOURRIAUD, 2009, p. 32). Nesse sentido, a arte pós-moderna brasileira, principalmente a arte neoconcreta, foca a elaboração de possibilidades de habitar melhor o mundo, negando alguns de seus projetos anteriores de criação de realidades imaginárias ou utópicas. A arte neoconcreta surge como uma alternativa para contrapor as ideias dos concretistas, que reduziam a arte a uma mera ilustração de conceitos advindos da ciência. Nesse sentido, os neoconcretistas propõem a espacialização da obra para negar a arte enquanto representação de conceitos a priori. Entenda-se por espacialização da obra o fato de que ela está sempre se fazendo presente, está sempre recomeçando o impulso que a gerou e de que ela era já a origem. E se essa descrição nos remete igualmente à experiência primeira — plena — do real, é que a arte neoconcreta não pretende nada menos que reacender essa experiência. A arte neoconcreta funda um novo “espaço” expressivo (GULLAR, 1999, p. 286–287). 11Arte pós-moderna Helio Oiticica foi um dos expoentes do Neoconcretismo, tendo proposto diversas obras voltadas à interatividade entre os participantes e o espaço. Em suas obras denominadas Penetráveis (Figura 7), o fruidor percorre o espaço explorando as suas percepções visuais, táteis,olfativas, auditivas e palativas, o que culmina numa experiência multissensorial. Todavia, os Penetráveis não são objetos que refletem as ortodoxias científicas; afinal, eles se apresentam enquanto espaços de experimentação sensível que fazem o resgate da subje- tividade do participante na construção artística. Figura 7. Tropicália-Penetráveis PN2 e PN3, Hélio Oiticica, 1967. Montagem para a XXIV Bienal Internacional de São Paulo, 1998. Fonte: Soares (2012, documento on-line). As obras da artista Lygia Clark também trazem o lado humano e, até mesmo, psicológico para a arte. Ao contrário dos minimalistas e concretistas, que focavam numa relação fria e mecânica com a arte, os neoconcretistas tratam do ser humano como um todo, explorando os diversos sentidos. O corpo do participante e a sua relação com o espaço é primordial para a constituição da obra como relação, como espaço a ser experimentado por meio dos cinco sentidos. Arte pós-moderna12 Inicialmente, Lygia Clark construía objetos que precisavam da parti- cipação do público para terem vida artística. Nesse período, destaca-se a obra Bichos (Figura 8), que consiste em formas geométricas unidas por dobradiças que permitem a criação de novas disposições entre elas a partir do seu manuseio. Entretanto, a artista queria que a participação em suas obras fosse além do simples manuseio de formas, por isso começou a produzir espaços interativos. Na obra A Casa é o Corpo: Labirinto, a artista cria uma instalação em que a pessoa precisa experimentar um espaço de 8 m de comprimento subdivido em quatro ambientes: a penetração, a ovulação, a germinação e a expulsão. Figura 8. Bichos, Lygia Clark, 1960. Fonte: Kusumoto (2018, documento on-line). Entretanto, a arte pós-moderna brasileira não ficou restrita à arte neocon- creta. Em trabalhos dos artistas Waltércio Caldas, José Resende, Luiz Paulo Baravelli, Carlos Alberto Fajardo e outros, ele [o espectador] devia voltar à condição original daquele que contempla, guardando uma certa distância física e afetiva em relação ao objeto de arte (CHIARELLI, 2002). Algumas das obras de Carlos Fajardo possuem uma relação com o Mi- nimalismo por utilizarem materiais industrializados e serem produzidas por operários. Observe a Figura 9: metais são explorados para a configuração de uma obra abstrata que não representa um estado de espírito e não convida o espectador a tocar ou experimentar o objeto. 13Arte pós-moderna Figura 9. Sem título, Carlos Fajardo, aço inoxidável e chumbo fundido. Fonte: Fajardo (2017, documento on-line). Como você viu, a Pós-Modernidade afetou diretamente o cenário artístico internacional. Houve não só o abandono dos princípios da arte moderna, mas principalmente o alargamento das possibilidades de experimentação artística. O vazio da sociedade de consumo e da mecanização industrial ganha espaço na arte, que passa a elaborar objetos destituídos de qualquer tipo de representação, bem como a utilizar imagens da cultura de massa e de outros períodos artísticos. No Brasil, o Neoconcretismo rompe com o vazio ao focar numa arte engajada, visando à construção de uma sociedade participativa. ANSELM KIEFER. In: SAATCHI Gallery. [S. l.: s. n., 201-?]. 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Ao longo da história, as respostas a essa complexidade são fornecidas por meio de alguns paradigmas que legitimaram as correntes e os movimentos arquitetônicos. O paradigma renovador associado à arquitetura moderna foi a máquina. As contribuições dos mestres do Movimento Moderno compartilhavam a ideia de que o universo das máquinas transformaria radicalmente o estatuto das obras de arte, da arquitetura e das cidades. Após a Segunda Guerra Mundial, esse paradigma da máquina é debilitado, na medida em que um panorama de dispersão se instaura nos diferentes contextos culturais, sociais e materiais. Neste capítulo, estudaremos o processo de crise do objeto moderno, no qual a arquitetura tem grande representatividade. As críticas ao Moder- nismo situam-se originalmente nas duas premissas essenciais da arquite- tura moderna: o racionalismo e o funcionalismo. Esses dois fundamentos básicos foram adotados na Carta de Atenas, cuja orientação racional previa um planejamento urbano reticulado, setorizado e ortodoxo. Na segunda metade do século XX, os arquitetos que impulsionaram a revisão desses princípios passaram a considerar a complexidade, a diversidade e os contextos regionais como soluções mais viáveis para as nossas cidades. O texto analisa a postura crítica aos padrões da arquitetura moderna, com apoio da literatura de referência e dos exemplos notáveis de projetos que subverteram a ordem do paradigma da máquina. Antecedentes da crise do objeto moderno A modernidade na arquitetura estabeleceu um novo estatuto da forma de edifícios e cidades, cujo cerne inicial era unificar a arte, a técnica e a funcio- nalidade para atender às demandas sociais da primeira metade do século XX. Essa articulação culminou no Estilo Internacional como uma grande narrativa, que posteriormente foi apropriada de forma indiscriminada em grandeparte do mundo. Malard (2006) situa o esgotamento das propostas modernistas na segunda metade do século XX, momento em que emerge uma sociedade pós-industrial que já não tinha suas questões respondidas pelos modelos de edifício e cidade modernos. A “crise da arte” é um aspecto da crise da sociedade. Estamos falando de um século que viveu duas guerras mundiais, no qual, segundo Argan (2004, p. 163), a arquitetura se apresentou como um remédio possível. [...] quando a arquitetura moderna se propõe a resolver a crise da arte, propõe-se também a modificar profundamente a estrutura da sociedade: o seu objetivo não é apenas recuperar a capacidade criativa perdida, mas reativar essa von- tade de tornar a ser, como na antiga Grécia ou nas comunidades medievais, a expressão do sentimento coletivo, a imagem plástica da estrutura ideológica da sociedade. Neste sentido, podemos entender por que a arquitetura moderna não se expressou nos monumentos, nos templos, nos mausoléus. Ela não aspirou dar forma aos eternos valores instituídos; ao contrário, seu domínio é o da vida diária, dos programas que traduzem nossa civilização, como a casa, a escola, o teatro, a fábrica. Um aspecto a destacar — e que será alvo de contestação futura — diz respeito à disposição de enfrentar o vasto programa de reforma social por meio do rigor do racionalismo e do funcionalismo. A arquitetura do início do século XX representa a razão analítica, utilizando processos lógicos e matemáticos que se orientam para a abstração. Na história da arquitetura, constatamos que os dois termos (racionalismo e funcionalismo) se fundem em situações culminantes da procura da utilidade. A identificação entre o racionalismo e o funcionalismo reside na premissa de que a forma é resultante da função. “E não em vão, racionalismo e funcionalismo são dois qualificativos que designam o design, a arquitetura e o urbanismo do Movi- mento Moderno [...]” (MONTANER, 2001, p. 65). A crítica ao Modernismo2 A identidade que combina racionalismo e funcionalismo apresenta uma única exceção: a arquitetura orgânica, que demonstra que a disciplina funcio- nalista pode ser adaptada a formas não mecânicas, ou orgânicas. O método organicista promove o distanciamento entre o funcionalismo e o racionalismo, a exemplo da obra de Frank Lloyd Wright (Figura 1). Figura 1. Museu Solomon R. Guggenheim (1959), de Frank Lloyd Wright, em Nova York. Lembramos que a corrente orgânica nasceu na América, e a racional na Europa. A primeira, associada a uma sociedade no ápice do bem-estar eco- nômico, e a segunda, no quadro de uma sociedade devastada, empobrecida. A Segunda Guerra Mundial assolou a Europa, dilacerando-a inclusive por conflitos internos, enquanto os americanos viviam um momento de grande confiança em suas possibilidades, uma sociedade que desfrutava de condições civilizatórias prósperas. “[...] e assim se explicará como F. L. Wright podia ter esperança numa desforra e num triunfo dos impulsos criativos, enquanto Gropius só podia organizar uma defesa da dignidade humana, dos valores elementares da consciência e da vida civil” (ARGAN, 2004, p. 164). 3A crítica ao Modernismo O contexto de meados do século XX insere a parte mais significativa de toda arquitetura produzida na luta por um ideal social, compartilhada também por Frank Lloyd Wright. As sensibilidades orgânicas de estruturas e materiais trouxeram à arquitetura o status de ser poesia, porém, ela ainda foi um protesto. Segundo o próprio arquiteto, ela denunciava o Capitólio de Washington e os arranha-céus de Manhattan, para ele, destituídos do compromisso social. Reportamos a ideia funcionalista da edificação a um período anterior, que coincide com a conversão das vanguardas em um movimento internacional, cujo reflexo na arquitetura produziu modelos estritamente racionais e carte- sianos. Em forma de protótipos, esses modelos foram incorporados às práticas construtivas na segunda metade do século XX, sintetizando e idealizando o racionalismo. A Casa Dominó (1914), criada por Le Corbusier, é considerada o modelo mais para- digmático e seminal do racionalismo. Um sistema cartesiano compõe a estrutura construtiva básica: lajes e pilares pré-fabricados que liberam a planta e a fachada. Os elementos básicos da Casa Dominó inauguram a cultura do concreto armado e do aço que será reproduzida em larga escala nos programas de reurbanização da Europa pós-Segunda Guerra (MONTANER, 2001). Fonte: Fondation Le Corbusier (2019). A crítica ao Modernismo4 Da mesma forma, o urbanismo racionalista utiliza o instrumento do zo- ning e divide a complexidade da cidade em partes suscetíveis a tratamento independente. “Seguindo as premissas cartesianas, a cidade como problema é decomposta por zonas de maneira que funcione como uma máquina produtiva, dividida em partes monofuncionais conectadas pelas linhas de circulação” (MONTANER, 2001, p. 66). Essa reticulação do planejamento proposta pelo racionalismo reduz a complexidade da cidade em estruturas formais e fun- cionais simplificadas. Após a Segunda Guerra Mundial, houve uma forte retomada do debate arquite- tônico, particularmente capitaneada pelo Congresso Internacional de Arquitetura Moderna (CIAM). As técnicas, o programa e as tecnologias para as soluções dos problemas que a sociedade apresentava adotavam a premissa da universalidade das respostas, na qual o homem é também um indivíduo universal. Montaner (2007) observa que este homem foi idealizado não apenas nos ambientes de moradia e trabalho, mas também em relação aos seus usos da cidade. A história das últimas conferências do CIAM — CIAM IX (1953, Aix-en- -Provence, França) e CIAM X (1956, Dubrovnik, Iugoslávia - Surgimento do Team X) — revela uma tentativa de reestabelecer as bases da identidade urbana. A ideia de “regresso ao lugar” foi difundida em oposição aos princípios consa- grados, e largamente adotados, da Carta de Atenas (1933) (BENEVOLO, 1994). A Carta de Atenas foi o documento elaborado no CIAM IV (julho e agosto de 1933, realizado a bordo do S. S. Patris, em um cruzeiro em Atena e em Marselha, no fim da viagem) cujo tema foi A Cidade Funcional. Foi o primeiro congresso a ser dominado pela visão de Le Corbusier: As cento e onze propostas que constituem a Carta consistem, em parte, de declarações sobre as condições das cidades, e em parte em propos- tas para a correção dessas condições, agrupadas sob cinco categorias principais: Moradia, Lazer, Trabalho, Transporte e Edifícios Históricos (FRAMPTON, 2003, p. 328). Para complementar seu conhecimento, faça a leitura do texto disponível no link a seguir. https://qrgo.page.link/Fbfpe 5A crítica ao Modernismo De forma concisa, a Carta de Atenas prega a separação das áreas residen- ciais, de trabalho e de lazer, por meio de uma setorização funcional, realizada no planejamento urbano de todas as cidades. Esses setores são conectados entre si através da malha viária, com absoluto predomínio dos automóveis. Jencks (1985) compartilha suas críticas com outros historiadores a respeito da abstração contida nas cinco funções da Carta. Segundo o autor, essas “categorias abstratas”, lançadas no início dos anos 1930, vêm sendo utilizadas pelos planejadores e reproduzindo segregação urbana. Um exemplo perfeito de como essas ideias abstratas podem gerar um plano físico é o desenho de Brasília, ilustrado na Figura 2. Do ar, podemos identificar facilmente as cinco funções purificadas: o do- mínio público a sul; o eixo de circulação que determina a forma global; os superblocos de habitação localizados transversalmente ao eixo; o espaço recreativo, aberto, rodeando a cidade; e as áreas de trabalho localizadas ao longo das pontas (JENCKS, 1985, p. 285). Figura 2. Plano-piloto de Brasília (1956), de Lucio Costa e Oscar Niemeyer. Fonte: Ching, Jarzombek e Prakash (2019, p. 754). A crítica ao Modernismo6 Os arquitetos do princípio dos anos 1950 já tinham claro que esse tipo de pensamentoabstrato se revelava inadequado. A principal tendência após o último CIAM (CIAM IX), anunciada pela voz do Team X (grupo de arquitetos liderados por Alison e Peter Smithson e Aldo van Eyck), foi a reação negativa à setorização funcional: Tornou-se claro [1954] que o que permite a organização da vida foge à rede das quatro funções (aqui desconsiderando os Edifícios Históricos) — situa-se, de fato, fora do alcance do pensamento analítico. A reunião procurou, portanto, formular um novo modo de pensamento acerca do urbanismo, que consideraria cada problema como um exemplo único de Associação Humana num tempo específico e num local específico (JENCKS, 1985, p. 286). Essa nova geração de arquitetos rejeitava o racionalismo da cidade funcional de Le Corbusier, e, em seu impulso crítico, buscava encontrar uma relação mais efetiva entre a forma física das cidades e as necessidades sociopsicológicas dos seus usuários. À ideia do sujeito universal e do modelo simplista do planeja- mento urbano os arquitetos contrapõem um padrão mais complexo, que seria mais sensível à necessidade de identidade. Neste contexto, a arquitetura da segunda metade do século XX abre um considerável campo de experimentação formal, social e tecnológico. Fundamentos da crise do objeto moderno A arquitetura moderna emergiu dos movimentos de vanguarda do final do século XIX e início do século XX. Foi um estilo unificador e suficientemente pujante para criar seus modelos próprios, que estabeleceram fundamentos que ultrapassaram as barreiras europeias, a exemplo do Estilo Internacional. Toda sua força original centrou-se no discurso social, assumindo uma postura revolucionária e libertadora em relação aos estilos clássicos. O filósofo Jürgen Habermas (1987) analisa as soluções encontradas pela arquitetura do século XX (e os problemas irresolutos) em seu ensaio Arquite- tura moderna e pós-moderna. O autor alerta para a submissão da arquitetura aos requisitos funcionais e econômicos, num momento de alta demanda por habitação na Europa. Naquele momento, a arquitetura precisava ser econômica, racional, funcional e proporcionar lucro. 7A crítica ao Modernismo O conceito de racionalização aplicado ao projeto de conjuntos habitacionais estendeu-se à cidade como um todo. Segundo essa perspectiva, o planejamento urbano atua como uma panaceia, um remédio para todos os males das cidades. É importante salientar que a estética da arquitetura moderna possui uma es- treita relação com a ética: na estética das máquinas industriais — transferida para a arquitetura — não se admite engrenagens ou acessórios decorativos. A aparência da arquitetura moderna, portanto, deveria ser desprovida de ornamentos, assumindo a honestidade dos materiais, dos sistemas estruturais e da função a que se destina (HABERMAS, 1987). Os arquitetos modernistas buscaram, experimentaram e conseguiram realizar a analogia da arquitetura com as máquinas industriais. Sua beleza residia na sua funcionalidade, na capacidade de servir e atender objetivamente um programa. Porém, para Habermas (1987), a verdadeira face da arquitetura moderna não foi preservada pelo mercado imobiliário do pós-guerra: “Essas são apenas interpretações malfeitas e ultrajantes do verdadeiro espírito moderno” (MALARD, 2006, p. 100). Jencks (1985) afirma que algumas iniciativas arquitetônicas situadas no pós-guerra, mais especificamente entre os anos 1950 e 1960 podem ser clas- sificadas como modernidade tardia. Ainda partilhando a posição teórica da arquitetura moderna, essas iniciativas preparam o caminho para uma rejeição dos fundamentos morais do Modernismo arquitetônico estritamente funcional e racional. Nesses projetos podemos encontrar os primeiros reflexos de revisão dos pressupostos modernos, como exemplificado pelo organicismo de Frank Lloyd Wright. Uma série de características e problemas impulsionaram a crise do objeto moderno na arquitetura e urbanismo. Dentre elas, as mais significativas são a desmaterialização do objeto, o radicalismo das formas abstratas e a impor- tância do contexto. Desmaterialização do objeto As formas modernas encontram na tecnologia a possibilidade de conformar volumes transparentes e reflexivos, que se convertem em imagens evanescentes e transitórias, desmaterializando-se. Mies van der Rohe já as intuía nos projetos (não construídos) dos arranha-céus em Berlim (1922), e as concretizou no pós-guerra em solo americano, como ilustra a Figura 3. O Estilo Internacio- nal estabelece uma contradição entre a ênfase máxima da objetualidade da arquitetura moderna e o desejo de masterialização do objeto arquitetônico (MONTANER, 2009). A crítica ao Modernismo8 Figura 3. Estilo internacional nas obras de Mies van der Rohe. Fonte: S. R. Crown Hall (2019); Bruckels (2009). Nos anos 1960 as grandes companhias americanas adotaram em larga escala a identidade dos edifícios “transparentes” e austeros de Mies van der Rohe, impulsionando a criação de uma estética imitada por muitos arquitetos ao redor do mundo. “O efeito do material e a ‘desmaterialização’ era a exi- 9A crítica ao Modernismo gência dessa época. Os edifícios assentavam-se em pilotis, de modo a obter espaços livres horizontais, ou então estes espaços eram dispostos no meio das construções — sob a forma de ‘andares de ar’” (GYMPEL, 2001, p. 98). Observamos, contudo, que a opção por construir com rapidez e economia frequentemente produzia apenas caixas sem ornamentos, simulando super- ficialmente a estética moderna de Mies van der Rohe. Os ônix ou mármores sofisticados utilizados pelo arquiteto eram substituídos por materiais termo- laminados; por detrás das fachadas não se encontrava plantas abertas, mas espaços minúsculos. A descaracterização dos modelos originais passou a ser replicada de forma indiscriminada. Radicalismo das formas abstratas A radicalização do recurso das formas abstratas não legitima o objeto por seu significado formal, mas evidencia seu caráter de ‘tipo” ou estrutura es- sencial. Neste caso não identificamos uma formalização significativa: uma escola, um museu ou um edifício de apartamentos possuem, visualmente, identidades semelhantes. Portoghesi (2002) alerta que o rigor e a exigência da abstração geométrica nas formas arquitetônicas não caracterizaram apenas a obra construída, mas também considerava os usuários como entes genéricos, esvaziando ambos de sentido e individualidade. Devemos recordar que a ideia de purificação compositiva foi uma premissa do estatuto funcionalista, resultando numa revolução formal que adotou a abstração das formas como antídoto às históricas formas arquitetônicas or- namentais. Em 1908, Adolf Loos escreveu o texto Ornamento e delito, no qual declarou que: [...] evolução da cultura é equivalente à retirada de ornamentos dos objetos usuais. A evolução cultural do nosso tempo é promovida pela tecnologia, portanto, não pode permitir o uso de ornamentos e o desenvolvimento ma- nual em escala arquitetônica, sendo considerado resíduo de hábitos bárbaros (BENEVOLO, 1994, p. 302). O Estilo Internacional foi anunciado no Weissenhof Siedlung (Conjunto Habitacional Modelo de Weissenhof — Sttutgart, Alemanha) em 1927, em uma exposição que demonstrava as últimas tendências em moradias, acessórios de interiores e tecnologias construtivas. A ideia geratriz da exposição era o A crítica ao Modernismo10 desenvolvimento de projetos de moradias modernas de tamanho reduzido que pudessem se tornar protótipos para fabricação em série. Os elementos em comum de todos os projetos — incluindo os trabalhos de Mies van der Rohe e Le Corbusier (Figura 4) — foram cruciais para o desenvolvimento e posterior consolidação da arquitetura moderna. “Todas as edificações foram pintadas de branco; tinham janelas ‘funcionais’ que enfatizavam a horizontalidade; e quase todas tinham coberturas planas, algumas com terraços-jardins” (FAZIO; MOFFETT; WODEHOUSE, 2011, p. 511). Figura 4. Formas abstratas doWeissenhof Siedlung. Fonte: Fazio, Moffett e Wodehouse (2011, p. 511). 11A crítica ao Modernismo Décadas depois da eclosão do objeto moderno, os arquitetos do pós-guerra produziram um discurso crítico a respeito dessa unicidade formal, em de- fesa da construção de novas consciências, da diversidade e da alteridade. O predomínio de validade universal de uma concepção abstrata e única entrou definitivamente em crise. Importância do contexto A crise do objeto moderno isolado corresponde também a outro fator essen- cial, a paulatina importância do contexto — social, urbano, topográfico e paisagístico. Isso implica na exigência de uma maior adequação dos sistemas arquitetônicos, que somente podem fazer sentido em relação ao seu contexto. O princípio de planificação da cidade moderna, seguindo o disposto na Carta de Atenas (1933), afasta-nos “[...] cada vez mais da consciência de que a vida humana é parte indissociável de um ecossistema composto por muitas e diversas formas de vida” (PORTOGHESI, 2002, p. 45). A pureza e a ra- cionalidade elevadas a um valor supremo não produziram melhores cidades, a univalência do projeto moderno referenciado em um número limitado de temas (racionalidade da máquina e produção industrial) não fornece uma compreensão profunda do fenômeno urbano (MONTANER, 2007). Desde suas origens a arquitetura moderna parece ter superestimado a capacidade de planejar e remodelar o ambiente urbano. O utopismo inicial de Le Corbusier foi se dissolvendo, e a ortodoxia deu lugar aos pensamentos plurais, nos quais a cidade é um organismo vivo e a vida urbana é sempre contingenciada pelo contexto (ARANTES, 2001). Os pioneiros modernos propuseram rupturas que visavam a princípios igualitários e paz social. Porém, o sentido original de uma identidade com- partilhada de alcance universal passou a se configurar como limitação às possibilidades estruturais e espaciais das cidades. Subirats (1991) assevera que a utopia de uma identidade homogênea e totalizante assumiu historicamente uma condição empobrecedora, na medida em que não respeitava as culturas históricas e artísticas ligadas a identidades nacionais e geográficas. A partir da década de 1970, o fracasso na crença eufórica do progresso associado ao planejamento das cidades de forma setorizada começa a ser reconhecido, sobretudo no mundo ocidental. A desagregação da cidade na qual se habita numa zona e se trabalhava em outra, sendo outra zona destinada às compras e lazer, conduziu a uma desarticulação do que até então havia se A crítica ao Modernismo12 considerado uma cidade. Ocorreram fenômenos de desertificação temporária de bairros e quarteirões inteiros, combinados a uma arquitetura considerada monótona e com imitações esquemáticas. A qualidade de vida nas cidades passou a ser questionada: o intenso tráfego de automóveis acarretou altos níveis de ruído e poluição ambiental (GYMPEL, 2001). Cabe ressaltar que a estética do Movimento Moderno mantém sua expressão na contemporaneidade, pois formulou uma linguagem relevante em termos globais. O estabelecimento de regras de composição foi fundamental para que a forma moderna pudesse ser seguida, adaptada e adequada a vários contextos, independentemente da sua localização. Exemplares de renovação da arquitetura moderna A partir da segunda metade do século XX, os pressupostos modernistas foram simultaneamente acirrados e criticados por suas contradições e fracassos. Ching, Jarzombek e Prakash (2019) classificam esse fenômeno como Alto Modernismo, e destacam que se concentrou naquele momento o período de ouro do movimento e o seu divisor de águas. “A partir de aproximadamente 1950, ele entrou em constante declínio, sendo severamente desafiado e, entre o início da década de 1970 e o da década de 1980, suplantado por seus detratores pós-modernos” (CHING; JARZOMBEK; PRAKASH, 2019, p. 725). Montaner (2007) identifica o mesmo fenômeno – a revisão dos pressupostos modernos — através do que chama “Terceira Geração”, termo que se refere aos arquitetos que começaram uma atividade arquitetônica destacável por volta de 1945–1950. “A característica essencial desta ‘Terceira Geração’ é a busca de conciliação da vontade de continuidade das propostas dos mestres do Movimento Moderno, ao mesmo tempo, o impulso de uma necessária renovação” (MONTANER, 2007, p. 36). Em relação aos períodos anteriores — em especial, no período entre guerras — os padrões formais da arquitetura produzida nos anos 1950 variam signi- ficativamente. Isso se deve a uma notável mudança de paradigmas formais: o racionalismo da máquina foi dando espaço para um modelo aberto em que o contexto, a natureza, a linguagem vernacular, a liberdade e expressividade das formas orgânicas e escultóricas, a textura e aparência dos materiais, e as formas advindas da tradição regional, passam a protagonizar a arquitetura. 13A crítica ao Modernismo Isto coincide também com o abandono do exclusivismo dos patrões metro- politanos a favor de uma tendência às influências contextuais e naturais por uma parte importante de arquitetos mais avançados. Ocorre uma recuperação romântica da preocupação pela relação do homem e suas obras com a natu- reza. Novamente a arquitetura grega, como expressão da beleza em contato com a natureza, se converte no paradigma da perfeição formal para muitos arquitetos (MONTANER, 2007, p. 36-37). Os manifestos mais expressivos dessa evolução formal podem ser expressos pela obra tardia de Lecorbusier, representada pela Capela em Ronchamp; a Ópera de Jørn Utzon em Sydney; e as obras expressionistas de Eero Saarinen. Capela de Notre-Dame-du-Haut, Ronchamp (1955-1959) — Le Corbusier No Simbolismo monumental da capela de peregrinação de Notre-Dame- -du-Haut (Nossa Senhora do Alto) em Rochamp, na França (Figura 5), Le Corbusier imprimiu a expressão máxima da forma escultórica na arquitetura. A capela substituiu uma antiga igreja, destruída pelos bombardeios da Segunda Guerra Mundial, e nela, o racionalismo das obras anteriores do arquiteto foi desprezado. Le Corbusier utilizou cascas duplas para dar ao edifício — com uma cobertura aparentemente pesada — uma expressão de recolhimento e uma conexão à terra. Figura 5. Capela Notre-Dame-du-Haut, de Le Corbusier, em Ronchamp (França). Fonte: Ching, Jarzombek e Prakash (2019, p. 759). A crítica ao Modernismo14 Nesta obra Le Corbusier desprezou o rigor dos princípios por ele instituídos para a arquitetura moderna: os cinco pontos da arquitetura foram substituídos por um volume escultórico extremamente simbólico. A poética arquitetura religiosa é descrita por Gympel (2001, p. 103): Os contornos da Capela Notre-Dame-du-Haut são suaves como as dunas moldadas pelo vento e pelo tempo. A cobertura arqueia-se sobre as paredes arredondadas como o chapéu de um cogumelo sobre o seu pé. Só as aberturas exteriores das janelas distribuídas de modo irregular, são pequenas. Contudo, no interior elas abrem-se como cavernas, impedidas nas paredes grossas. A atmosfera é misteriosa e intimista, parecendo, à primeira vista, muito afastada do racionalismo de Le Corbusier. As formas da capela, no entanto, podem encontrar um elo com as esculturas e pinturas de Le Corbusier, nas quais ele desenvolveu um vocabulário de for- mas orgânicas, com o objetivo de interligar o homem e as máquinas. Em sua busca incessante – e nunca satisfeita – de reconciliar a técnica e a natureza, o arquiteto experimentou formas que ainda eram impensáveis como estrutura espacial (BENEVOLO, 1994). A estrutura também não é racional: a estrutura metálica assume o aspecto de alvenaria portante. As paredes são rebocadas de forma texturizada e recebem pintura branca, que contrasta com o concreto bruto da imensa cobertura. Há espaço para apenas 50 pessoas sentadas no interior (Figura 6), no entanto, as multidões de peregrinos costumam assistir às missas realizadas no púlpito externo, sentados no gramado. A parede sul tem uma espessuraexagerada, contendo diversas aberturas assimétricas vedadas com vidros coloridos pintados à mão (Figura 7). No interior da capela, a parede se converte em uma grande escultura de luz coroada pela encorpada cobertura que parece flutuar sobre as robustas paredes. Entre as paredes e a cobertura, há uma faixa delgada de vidro que permite a entrada de luz e confere esse aspecto etéreo ao espaço interno (CHING; JARZOMBEK; PRAKASH, 2019; FAZIO; MOFFETT; WODEHOUSE, 2011). 15A crítica ao Modernismo Figura 6. Corte axonométrico da Capela Notre-Dame-du-Haut, Ronchamp (1951–1959). Fonte: Fazio, Moffett e Wodehouse (2011, p. 521). Figura 7. Interior da Capela Notre-Dame-du-Haut. Fonte: Ching, Jarzombek e Prakash (2019, p. 759). A crítica ao Modernismo16 O experimento ousado de Le Corbusier demonstrou que o Modernismo poderia criar espacialidades orientadas para a introspecção e propícias à contemplação, desde que se despisse das prerrogativas estritamente racionais e funcionais. A experiência com formas simbólicas é a grande revisão dos princípios modernistas, instaurada por essa obra tardia do principal idealizador da Carta de Atenas, duas décadas antes. Ópera de Sydney, Austrália (1957-1973) — Jørn Utzon As formas vibrantes, suspensas e orgânicas da Ópera de Sydney (Figura 8) representam com propriedade a arquitetura escultórica icônonica do Moder- nismo Tardio (CHING; JARZOMBEK; PRAKASH, 2019) ou da Terceira Geração (MONTANER, 2007). As coberturas em forma de velas de navio da edificação se elevam sobre as plataformas escalonadas de uma praça seca, cujo pano de fundo é o centro da cidade de Sydney. Este edifício moderno foi o exemplo mais emblemático da arquitetura de um país. Figura 8. Ópera de Sydney — contexto urbano. 17A crítica ao Modernismo A proposta de Utzon foi a vencedora de um concurso para a Ópera de Sydney, cujo conceito era desenvolver uma forma arquitetônica simulando uma série de conchas sobrepostas em diversas alturas, encaixando-se umas nas outras. “Sustentadas por 580 pilares de concreto submersos a até 25 metros abaixo do nível do mar, as conchas são revestidas de telhas brancas de cerâ- mica e acomodam cinco espaços para espetáculos” (CHING; JARZOMBEK; PRAKASH, 2019, p. 762). A forma escultórica da cobertura é, certamente, a responsável por tornar essa arquitetura em ícone nacional da Austrália. Observe os detalhes da forma na Figura 9. Figura 9. Formas escultóricas da cobertura da Ópera de Sydney. Montaner (2007) inclui este projeto no que denomina “esculturas sobre plataformas”, chamativos manifestos da evolução da forma decorrente da “Ter- ceira Geração” de arquitetos, envolvidos na revisão do Movimento Moderno na arquitetura. No caso especial da Ópera de Sydney, o autor destaca que o contexto urbano passou a adquirir maior transcendência, sendo compreendido com mais complexidade, diversidade e dialética do que o estabelecido na Carta de Atenas. “De certa maneira vai sendo abandonada a ideia de considerar os edifícios de forma isolada na cidade e de utilizar o termo de ambiente urbano ou preexistências ambientais, que considera os edifícios integrados ao contexto topográfico e urbano” (MONTANER, 2007, p. 37). A crítica ao Modernismo18 A exemplo da Ópera de Sydney, essas inserções arquitetônicas no contexto urbano traduzem várias alterações ao nível da forma. A arquitetura escultórica sobre plataformas confere maior monumentalidade ao objeto arquitetônico, uma vez que já não adota a lógica de volumes autônomos e repetitivos dispostos sobre a cidade. São projetos que concebem volumes singulares, marcos refe- renciais que qualificam um espaço urbano através do resultado das relações volumétricas que estabelecem os edifícios. Enquanto o pensamento urbanista moderno — decorrente dos princípios funcionais e setorizados da Carta de Atenas — preconizava a segmentação de atividades, as propostas morfológicas de volumes escultóricos costumavam valorizar o espaço entre os edifícios. Esses ambientes voltam a ser considerados como “lugares”, espaços urbanos e coletivos por definição, que qualificam a cidade moderna. O mais importante deixa de ser o plano da fachada ou a volumetria decorrente da funcionalidade da arquitetura proposta, mas os ambientes, os locais democráticos para as práticas sociais. Terminal da Trans World Airlines (TWA), Aeroporto Kennedy, Nova York (1956-1962) — Eero Saarinen A obra de Eero Saarinen compartilha das premissas de difusão do Estilo Internacional, porém se desloca em polos muito distintos: obras racionalistas adotando formas limpas, retas e simples (inspiradas pela estética miesiana) e obras fortemente expressionistas, simbólicas e ornamentadas, com adoção de formas orgânicas e fluídas. Dentre as últimas, está o Terminal da TWA, no aeroporto JFK, em Nova York (Figura 10). No projeto do Terminal da TWA, Saarinen abandonou a estética ortogonal, adotando uma forma escultórica fluída que remete ao voo. “Deixando de lado o metal para usar a liquidez do concreto, ele criou abóbadas com finas cascas sustentadas por pilares de concreto moldados in loco com forma livre” (FAZIO; MOFFETT; WODEHOUSE, 2011, p. 532-533). A forma da cobertura ondulante remete a um grande pássaro pousando ou alçando voo. 19A crítica ao Modernismo Figura 10. Formas orgânicas e simbólicas do Terminal da TWA, Nova York. Fonte: Lorenzi e Lorenzi (c2018, documento on-line). Ching, Jarzombek e Prakash (2019) destacam que o projeto foi concebido totalmente através de maquetes, em vez de desenhos. Isso porque o edifício não possui elevação principal e nem ângulos retos, como vemos na Figura 11. Percebemos na perspectiva que não se trata apenas de questões estéticas; no Terminal da TWA Saarinen procurou-se novas formas estruturais e compo- sitivas que resultaram em um novo repertório formal e espacial. Figura 11. Perspectiva aérea do Terminal da TWA, Aeroporto JFK, Nova York. Fonte: Ching, Jarzombek e Prakash (2019, p. 763). A crítica ao Modernismo20 As formas internas e externas são ondulantes, com objetivo de evocar uma visão de graça e leveza (Figura 12). O espaço interior é contínuo e fluído, onde predominam os percursos curvos por entre o mobiliário com desenho aerodinâmico. Neste projeto Saarinen se aproxima de Utzon (Ópera de Sydney) quando elege as questões estéticas e simbólicas, e as coloca à frente das questões materiais, estruturais, matemáticas e industriais, conforme assegura Montaner (2007, p. 60): “A busca de formas curvas, que sejam simultaneamente estrutura e suporte de apoio, definam e qualifiquem os espaços, é um recurso que vai além do cálculo e das leis da estática para explorar os recursos mais expressivos, monumentais e criativos da arquitetura”. Figura 12. Interior do Terminal da TWA. Fonte: Klint (2018, documento on-line). A forma do Terminal da TWA é composta de quatro abóbadas sutilmente diferentes, apoiadas em quatro pilares em forma de Y, ilustrados na Figura 13. O arquiteto intensificou a ideia de dinamismo espacial e estrutural, acentuando com mais intensidade as linhas que tendem para cima em detrimento das linhas que tendem para baixo (MONTANER, 2007). 21A crítica ao Modernismo Figura 13. Dinamismo espacial e estrutural. Fonte: Drescher (2015, documento on-line). As formas dos pilares de apoio e as faixas verticais de luz são recursos que reforçam a impressão de movimento ascendente, análogo ao voo, e a conse- quente sensação de ausência de gravidade. O projeto de Saarinen superou a ortodoxia do Movimento Moderno, utilizando o concreto de forma plástica, moldando-o em diferentes e movimentadas formas orgânicas. A Arquitetura Moderna se desenvolveu no seio das vanguardas artísticas do século XX, que possuíam uma essência crítica e emancipadora, instituindo uma estética dotada de ampla dimensão humana e política. Esse ideal emanci- pador deixa de fazer sentido após a Segunda Guerra, passando a assumir um caráter de submissão do mundo da arte e da arquiteturaàs formas ortodoxas e homogêneas propostas pelos pioneiros do Movimento Moderno. A crise do objeto moderno é a crise dos princípios de racionalidade do mundo da máquina, que logo será substituído pelo mundo da informação, dando início às primeiras manifestações da pós-modernidade em arquitetura. ARANTES, O. B. F. Urbanismo em fim de linha: e outros estudos sobre o colapso da modernização arquitetônica. 2. ed. São Paulo: Edusp, 2001. ARGAN, G. C. Projeto e destino. São Paulo: Ática, 2004. A crítica ao Modernismo22 BENEVOLO, L. História da arquitetura moderna. São Paulo: Perspectiva, 1994. BRUCKELS, M. Neue Nationalgalerie (New National Gallery). 31 Dec. 2009. 1 fotografia. Disponível em: https://en.wikipedia.org/wiki/Neue_Nationalgalerie#/media/File:Neue_ Nationalgalerie_Berlin.jpg. Acesso em: 16 ago. 2019. CHING, F. D. K.; JARZOMBEK, M.; PRAKASH, V. História global da arquitetura. 3. ed. Porto Alegre: Bookman, 2019. DRESCHER, C. After years de trial and error, JFK will finally get a design hotel. 2015. Disponível em: https://www.cntraveler.com/stories/2015-07-28/jfk-airport-to-finally-get-a-design- -hotel-twa-terminal. Acesso em: 16 ago. 2019. FAZIO, M.; MOFFETT, M.; WODEHOUSE, L. A história da arquitetura mundial. 3. ed. Porto Alegre: AMGH, 2011. FONDATION LE CORBUSIER. Maison Dom-Ino, Sans lieu, 1914. 1 fotografia. Disponível em: http://www.fondationlecorbusier.fr/corbucache/900x720_2049_1513.jpg?r=0. Acesso em: 16 ago. 2019. FRAMPTON, K. História crítica da arquitetura moderna. São Paulo: Martins Fontes, 2003. GYMPEL, J. História da arquitetura: da antiguidade aos nossos dias. Colónia: Könemann, 2001. HABERMAS, J. Arquitetura moderna e pós-moderna. Novos Estudos, n. 18, p. 115–124, set. 1987. JENCKS, C. Movimentos modernos em arquitetura. São Paulo: Martins Fontes, 1985. KLINT, M. My secret tour of the TWA Flight Center at JFK. 2018. Disponível em: https://livean- dletsfly.boardingarea.com/2018/01/25/twa-flight-center-tour/. Acesso em: 16 ago. 2019. LORENZI, L.; LORENZI, G. 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São Paulo: Nobel, 1991. 23A crítica ao Modernismo ESTUDO DA CIDADE Vanessa Guerini Scopell Cidades modernas no mundo Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Reconhecer características do urbanismo modernista. Exemplificar aplicações dos conceitos do urbanismo modernista em cidades existentes. Identificar o movimento de crítica às cidades modernistas. Introdução O movimento moderno foi uma vertente que surgiu após a Revolução Industrial com o objetivo principal de criar soluções e estratégias para melhorar as cidades, demonstrando a importância do planejamento urbano e do estudo sobre diversos aspectos da cidade, como ruas, quadras e habitações. Esse movimento foi um marco para o século XX porque trouxe novas visões sobre a vida nos centros urbanos; por outro lado, após alguns anos, sofreu duras críticas em virtude de uma nova perspectiva levantada por outros estudiosos. Neste capítulo, você entenderá o que foi o urbanismo modernista e quais foram as principais características desse movimento. Você também identificará exemplos de cidades que foram projetadas com base nesse conceito, no Brasil e no mundo. Ainda, você poderá perceber as críticas que esse movimento recebeu ao passar dos anos. 1 Características do urbanismo modernista O urbanismo modernista surgiu, conforme Abiko, Almeida e Barreiros (1995), a partir de um contexto onde, entre os anos de 1800 a 1914, a população da Europa aumentou de 180 milhões de habitantes para 460 milhões. Conside- rando essa realidade e a consolidação dos processos histórico e civilizatório que ocorreram ao fi nal do XIX, por meio da revolução industrial, a busca por soluções dos problemas relacionados à cidade foi uma ação obrigatória. Para Ultramari (2009), o fenômeno socioeconômico desse período resultou em uma intenção de um tipo de cidade requerida, o que necessitava de novos procedimentos de análise e de intervenção. A cidade do momento da Revolução Industrial traz como consequências o congestionamento, a insalubridade, a falta de espaços livres de qualidade, a má preservação de edificações históricas, o surgimento de construções de baixa habitabilidade, a carência de sistemas de esgoto e abastecimento, a proliferação de doenças, entre outros. Esse reflexo se dá pela intenção de uma cidade almejada pela iniciativa privada que busca o máximo aproveitamento do espaço urbano visando ao lucro, sem qualquer organização ou controle. Nesse contexto e diante das novas necessidades, surgiram diferentes ex- periências para encontrar modelos de cidades ideais que pudessem combater e mudar a realidade dos centros urbanos, evitando seus problemas. “Surge então a necessidade de uma ação pública, ordenando e propondo soluções que até o momento eram implementadas apenas pelo setor privado, com objetivos individuais, de curto prazo e em escala reduzida” (ABIKO; ALMEIDA; BARREIROS, 1995, documento on-line). Com isso a disciplina do urbanismo passa a ser considerada, sendo um meio para entender e buscar soluções para esses problemas urbanos. Benevolo (2001) destaca que o urbanismo surgiu muito antes desse momento, mas foi nesse período que ele adquiriu importância. Conforme Abiko, Almeida e Barreiros (1995), em um primeiro momento surgiram algumas ideias urba- nísticas sanitaristas, priorizando abastecimento de água e melhoramento do sistema de esgoto, com a intenção de promover a salubridade das cidades. Nesse momento legislações relacionadas a esse assunto também foram criadas e cidades industriais como Londres, Manchester e Liverpool puderam criar estratégias para combater tais problemas. Ao nível das ideias, os primeiros intelectuais a estudar e a propor formas para corrigir os males da cidade industrial polarizaram-se em dois extremos: ou se defendia a necessidade de recomeçar do princípio, contrapondo à cidade existente novas formas de convivência ditadas exclusivamente pela teoria, ou se procurava resolver os problemas singulares e remediar os inconvenientes isoladamente, sem ter em conta suas conexões e sem ter uma visão global do novo organismo citadino (ABIKO; ALMEIDA; BARREIROS, 1995, documento on-line). Um dos exemplos de planos desenvolvidos nesse momento foi a proposta de cidades-jardins de Ebenezer Howard, que tinha como objetivo, segundo Cidades modernas no mundo2 Abiko, Almeida e Barreiros (1995), a eliminação da especulação dos terrenos, o controle do crescimento através da limitação da população e o equilíbrio funcional entre as atividades. Outro exemplo foi a proposta de cidade industrial de Tony Garnier, que, com base no urbanismo progressista e racionalista, buscou a ordenação das cidades através de soluções plásticas e utilitárias. Esse pensamento de urba- nismo culminou na criação dos Congressos Internacionais de Arquitetura, que iniciaram no ano de 1928 com a junção de arquitetos e urbanistas que conceituam o urbanismo e deram origem ao conceito modernista. Segundo a Declaração de La Sarraz, de junho de 1928, o urbanismo pode ser definido como “[…] a disposiçãodos lugares e dos locais diversos que devem resguardar o desenvolvimento da vida material, sentimental e espiritual, em todas as suas manifestações individuais e coletivas” (BIRKHOLZ, 1967, p. 33). Ainda, no documento foi destacado que tanto as aglomerações urbanas quanto rurais interessam ao urbanismo, e que suas três funções principais são habitar, recrear e trabalhar. Com os objetivos do urbanismo foram definidas as ações de uso e ocupação do solo e a organização da circulação e legislação. Já no ano de 1933, o 4º Congresso Internacional da Arquitetura Moderna (CIAM), ocorrido na Grécia, originou a Carta de Atenas que, conforme ressal- tam Abiko, Almeida e Barreiros (1995), foi a chave para mudanças qualitativas nas cidades. Dentre as principais características do urbanismo modernista, demonstradas nesse documento, pode-se destacar: a cidade como parte do conjunto político, econômico e social; o urbanismo não pode se submeter às regras estéticas gratuitas; o urbanismo deve ser sua própria essência, tendo ordem funcional; as cidades devem ter quatro funções principais, as quais o urbanismo deve zelar: habitar, trabalhar, circular e cultivar o corpo e o espírito; o parcelamento do solo fruto de partilhas, vendas e especulações deve ser alterado por uma economia de reagrupamento; o urbanismo deve dar condições para criação de circulações modernas; deve priorizar a criação de espaços livres; obrigatoriedade do planejamento regional; submissão da propriedade privada do solo urbano aos interesses coletivos, a industrialização dos componentes e a padronização das construções; edificação concentrada, mas adequadamente relacionada com amplas áreas de vegetação; 3Cidades modernas no mundo admite ainda o uso intensivo da técnica moderna na organização das cidades, o zoneamento funcional, a separação da circulação de veículos e pedestres, a eliminação da rua corredor e uma estética geometrizante; zonas urbanas definidas e separadas; grandes espaços livres entre as edificações; circulações bem definidas. Ainda, conforme acrescenta Choay (2007), é importante compreender que a linha de urbanismo progressista/funcionalista/racionalista que deu origem ao urbanismo moderno acreditava que suas estratégias poderiam ser utilizadas em qualquer cidade e qualquer local, tendo um caráter universal. Nesse sentido, outra característica dessa vertente é que ela é marcada por uma simplificação funcional. Como grandes objetivos do modernismo para as cidades, pode-se destacar a ocupação racional do uso do solo, a organização da circulação urbana e a criação de meios legais para a atuação de melhoria tanto no território da cidade como do campo. Através disso, busca-se promover o desenvolvimento da via material, espiritual e sentimental. Pode-se afirmar que esse foi um momento onde os arquitetos e urbanistas puderam colocar suas ideias em prática, tirando muitas propostas do papel: assim, as características mais marcantes desse movimento foram sendo incor- poradas em propostas e planos urbanos com o intuito de resolver os problemas e criar melhores condições de moradias nesses locais. 2 Urbanismo modernista em cidades existentes O urbanismo modernista foi importante porque trouxe uma nova visão sobre o funcionamento das cidades, demonstrando a relevância de se projetar para uma melhor qualidade de vida e de pensar questões relativas a recuos, afastamentos, ajardinamentos, insolação, ventilação natural e outros aspectos. Com isso, os conceitos do urbanismo modernista refl etiram em planos para cidades existentes e, igualmente, em planos para novas cidades. A importância desse movimento foi tão grande para o período pós-revolução industrial que cidades projetadas com base nesse pensamento modernista surgiram no Brasil e no mundo. Dois grandes exemplos de cidade modernistas são Brasília, capital do Brasil, que foi inaugurada no ano de 1960 e atualmente é o centro político do país, tendo quase dois milhões e meio de habitantes, e Chandigarh, que é a capital dos estados de Punjabe e de Haryana, na Índia. A cidade de Chandigarh foi Cidades modernas no mundo4 fundada no ano de 1947, após a divisão do país com o objetivo de servir de capital à porção indiana de Punjabe. Cidade de Brasília Brasília foi inaugurada no dia 21 de abril do ano de 1960 e é Patrimônio Cultural da Humanidade, tendo a maior área urbana inscrita na lista de Patrimônio Mundial da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO). De acordo com Buchmann (2002), a ideia de construir uma nova capital para o Brasil surgiu ainda no ano de 1789, em virtude de acharem o Rio de Janeiro muito vulnerável a ataques, por estar situado no litoral. Foi sugerido que a nova capital fosse localizada na região do planalto central. Através da Constituição de 1891, defi ne-se que a Capital deve ser transferia ao Planalto Central do país. Porém, somente no ano de 1955 Juscelino Kubitschek promete, como campanha para ser eleito, construir a nova capital. Assim, no ano de 1956, o então presidente do Brasil anuncia o Concurso Nacional do Plano Piloto da Capital do Brasil, que já estabelecia os contornos do Lago Paranoá, as localizações do aeroporto, do Palácio da Alvorada e do Brasília Palace Hotel. A Figura 1 mostra uma vista aérea de Brasília. Figura 1. Vista aérea de Brasília. Fonte: Wagner Santos de Almeida/Shutterstock.com. 5Cidades modernas no mundo Conforme Buchmann (2002), a ideia da comissão organizadora e julgadora do concurso era que a capital fosse diferente de qualquer outra cidade de 500 mil habitantes (que era a população estimada para habitar esse novo local). O local deveria ser uma cidade funcional, com base nos preceitos da Carta de Atenas, e que fosse a própria expressão da sua arquitetura. Com a principal função governamental, as demais — habitar, trabalhar, recrear e circular — deveriam coexistir e formar um traçado moderno, com as funções integradas de uma maneira racional. Outra exigência da comissão para o novo Plano era que a proposta apresentasse grandeza e unidade, através da hierarquia e clareza de elementos. Deste modo, o plano piloto que melhor integra os elementos monumen- tais na vida cotidiana da cidade como Capital Federal, apresentando composição coerente, racional, de essência urbana, baseado na teoria do urbanismo moderno, é o projeto do arquiteto e urbanista Lucio Costa. Como o urbanismo moderno/funcionalista trata a cidade como máquina, onde o autoritarismo espacial visa um rendimento máximo das funções urbanas, o projeto da cidade moderna de Lucio Costa vai ao encontro também com os anseios do Governo do então presidente Juscelino Ku- bitschek (SABBAG, 2012, p. 60). Sabbag (2012) complementa que essa proposta foi escolhida porque acre- ditaram que a monumentalidade das edificações e a forma do traçado urbano iriam impulsionar a concretização da nova capital. Ainda, além do projeto, foram estabelecidas estratégias para o crescimento da capital para os próximos 40 anos. As principais características modernistas na cidade dizem respeito à setorização extrema e à funcionalidade rígida do traçado. As áreas são definidas em áreas residenciais, administrativa e comercial/serviços. A estrutura hierárquica do Plano evidencia a parte residencial disposta no eixo rodoviário e a parte administrativa e comercial no eixo monumental. Sabbag (2012) destaca que o Plano é resultado do eixo rodoviário, eixo monumental e da plataforma, que é a área que faz a ligação entre os dois eixos e onde se encontra a rodoviária. Segundo o autor, a proposta foi concebida de um gesto que traça dois eixos que se cruzam, formando uma cruz, adaptando o Plano à topografia local, considerando o escoamento das águas e a orientação solar. Na Figura 2, vemos o croqui do projeto do Plano Piloto de Brasília, de 1957. Cidades modernas no mundo6 Figura 2. Croqui do projeto do Plano Piloto de Brasília (1957),em que se observam o eixo monumental (ao centro), com setores de comércio, hotelaria e lazer, e as asas nas laterais, compostas pelo setor residencial. Fonte: Sabbag (2012, p. 64). Outra característica marcante da cidade de Brasília é a utilização de quatro escalas, sendo elas: monumental, residencial, gregária e bucólica. A monumen- tal refere-se ao eixo monumental, que se estende desde a Praça dos Poderes até a Praça do Buriti. A escala residencial é representada pelas superquadras das asas norte e sul. A gregária, também chamada como escala de convívio refere-se aos setores comercial, hoteleiro, de diversão, plataforma rodoviária e antenas. Já a escala bucólica é definida pelas grandes áreas verdes presentes e espalhadas por toda a cidade. O eixo rodoviário tem como função a integração da circulação e contém pistas centrais de velocidade e pistas laterais para tráfego local, substituindo as ruas corredor e incorporando sistemas de trevos. A parte administrativa e governamental da cidade é composta pelos centros cívico, cultural, de diversões, de esportes, entre outros. 7Cidades modernas no mundo Conforme Sabbag (2012), a cidade de Brasília é considerada o maior exemplo brasileiro do urbanismo modernista, porque além de apresentar os preceitos dessa vertente, com a separação de funções e setores na ci- dade, e das grandes edificações soltas nos espaços verdes e circulações de dimensões largas, ela apresenta os ideais de integração, desenvolvimento e modernização nacional. Atualmente, Brasília contém mais de 2,5 milhões de habitantes que estão situados, além do Plano Piloto, nas adjacências através de cidades-satélites. Essas cidades, diferentemente da parte central, não foram planejadas e sofrem com diversos problemas relacionados ao seu crescimento desordenado. Cidade de Chandigarh A cidade de Chandigarh, na Índia, cuja planta vemos na Figura 3, é um dos grandes exemplos internacionais de urbanismo moderno. O local foi projetado por Le Corbusier, o maior representante dessa vertente urbanista. A cidade, que fi ca aos pés da Cordilheira do Himalaia, foi totalmente planejada. Segundo Pacca (2016), a proposta de planejamento dessa cidade passou pela mão de diversos profi ssionais até chegar para Le Corbusier. O local foi considerado um grande laboratório para levantar e aplicar conceitos do urbanismo modernista relacionados a densidade, relação entre espaço público e privado, cidade e natureza, circulações, entre outros. O núcleo original da cidade também foi pensado para abrigar 500 mil habitantes, e o traçado, segundo Semin (2012), deu-se através da malha orto- gonal desenhada com base no cardo e no decumano (conceito da morfologia romana), considerando hierarquia de circulações e superquadras. As unidades de vizinhança explicitam os princípios do movimento mo- derno e da nova condição política pós-colonial dos indianos. Os centros comerciais (inner market) são mais atraentes e dinâmicos que em Brasília por terem mais andares com escritórios e com mais ruas internas com estacionamento formando um conjunto muito movimentado por pedestres que percorrem as galerias e as ruelas cheias de árvores (SEMIN, 2012, documento on-line). Cidades modernas no mundo8 Figura 3. Chandigarh, planta da cidade projetada. Fonte: Semin (2012, documento on-line). As edificações projetadas para a cidade também expressam o momento e a ideia do urbanismo, representando um momento de libertação da popu- lação da Índia através da implantação, das proporções e do tratamento das superfícies como, por exemplo, as cores, os volumes, etc. A cidade conta com artérias de circulação muito bem definidas que dão origem às superquadras, e essas são definidas por setores, como por exemplo, comerciais, institucionais, residenciais, entre outros. As áreas verdes contam com enormes canteiros e um paisagismo projetado. Suas superquadras têm dimensões de 800 × 1200 metros, rodeadas por estradas que não dão acesso direto às residências. Cada setor foi pensado para atender às necessidades dos seus habitantes e é composto por faixas verdes para acomodar equipamentos, com tráfego proibido. As estradas são classificadas em algumas categorias, sendo divididas em vias rápidas, arteriais, caminhos de pedestres e ciclovias, entre outros. 9Cidades modernas no mundo Conforme Semin (2012), existem ainda áreas de interesse arquitetônico especial, que contam com uma harmonização e unificação nas construções, além do controle arquitetônico e também do rígido zoneamento. Nas áreas industriais, as indústrias devem ser movidas à eletricidade, para evitar a poluição. A cidade ainda conta com um lago, com o objetivo de promover aos cidadãos o contato com a natureza. O paisagismo foi pensado tendo em vista as espécies da Índia, que foram escolhidas para cada porção, considerando a composição e o esquema de cores para embelezar a cidade. A Figura 4, a seguir, mostra o zoneamento de Chandigarh. Figura 4. Zoneamento de Chandigarh. Fonte: Adaptada de Fiederer (2017). Cidades modernas no mundo10 A duas cidades demonstradas como exemplo são referências no Brasil e no mundo porque foram projetadas levando em conta os princípios do urbanismo modernista e se tornaram um marco para o momento em que foram construídas, de forma a demonstrar novas visões em novas formas de planejar as cidades que até então eram tradicionais. 3 Crítica às cidades modernistas O urbanismo modernista foi referência por trazer novas formas de pensar às cidades e discutir assuntos importantes que até então não eram tão con- siderados. Ainda, esse planejamento permitiu a valorização e destacou a importância e a necessidade de um planejamento urbano para que os centros urbanos pudessem estar adequados à necessidade dos habitantes. Apesar de trazer diversas contribuições, com o passar do tempo seus prin- cípios passaram a ser discutidos e analisados, tendo em vista que tudo pode ser melhorado e evoluído. Dessa maneira, e conforme as novas necessidades da população e também questões mal resolvidas ou problemas que foram surgindo nas cidades modernas, alguns estudiosos e críticos começaram a elaborar novos conceitos e novas formas de planejar as cidades, criticando o urbanismo modernista. Uma das grandes críticas às cidades modernistas, e principalmente ao fun- cionalista, é feita por Henry Lefebvre (2001, p. 185), que afirma que essa ideia trata-se de uma “[...] inteligência analítica”, e que quem determina os setores e suas funções acha-se um expert por acreditar que tudo pode prever e organizar, quando na verdade um centro urbano é muito mais complexo do que isso. Lefebvre (2001) complementa ainda que nesse modelo de cidade as pessoas e as habitações funcionam como se fossem anexos e auxiliares da organiza- ção técnica do trabalho. Dessa forma, esses planos ortogonais e setorizados acabaram dissociando as atividades da cidade, que antes se comportavam de forma orgânica e espontânea. Ele destaca ainda que são as cidades que devem adaptar-se aos moradores, e não o contrário. E ainda que essas questões acabam contribuindo para a segregação social, na medida em que cada classe e cidadão tem o seu lugar específico na cidade. A segregação […] hierarquiza os grupos e classes sociais e desfaz as formas tradicionais de sociabilidade espontânea — cafés, pequenos comércios e as próprias ruas. É, neste sentido, uma força no desenraizamento, na dissociação de vínculos, além de retirar parcelas da população da arena das decisões co- 11Cidades modernas no mundo letivas e excluí-las dos bens socialmente produzidos na cidade. Deste modo, a segregação contribui para instalar no urbano a cotidianidade — o trabalho estranhado, o lazer passivo e a vida privada reclusa — e, com isto, a fragmen- tação interna e externa dos sujeitos, o tédio e a monotonia, características da modernidade capitalista industrial (COLOSSO, 2016, p. 83). Um exemplo de cidade projetada em que Lefebvre (2001) critica aindamais o urbanismo modernista é Mourenx, localizada nos Pirineus-Atlânticos, que foi elaborada para os trabalhadores da indústria de gás natural. Segundo o autor, a cidade é composta por um conjunto de edifícios e torres que alternam as linhas verticais e horizontais da cidade e rompem com a paisagem e com a porção antiga, não estabelecendo qualquer conexão. Com isso, a cidade não contava com algum passado, porque não tinham monumentos, igrejas, cemitérios, e, portanto, não tinha vida urbana, e prevalecia a monotonia e o tédio. Outro ponto criticado pelos estudiosos pós-modernos diz respeito à des- consideração da análise do lugar para a implantação dos planos, na medida em que o urbanismo modernista acreditava que seus princípios seriam os mais adequados para qualquer situação. Com isso, eles não consideravam as espe- cificidades de cada local, o contexto, a vida urbana, a história e os elementos naturais dos sítios. “A ideologia urbanística decorre, em grande medida, do fato de o urbanismo se pretender um saber cujas decisões são estritamente técnicas, portanto, pautadas por um conhecimento científico exato, indepen- dente do solo histórico-social no qual foi erigido” (COLOSSO, 2016, p. 82). Outra grande crítica do urbanismo modernista foi Jane Jacobs, uma jor- nalista norte-americana que escreveu o Livro Morte e Vida das Grandes Cidades (2007), o qual traz diversos aspectos das cidades modernas com os quais ela não concorda. A autora destaca a prevalência do automóvel nas cidades modernas, evidenciando que o pedestre se perde nesse meio de grandes superfícies vazias e superquadras. Em seu livro, Jacobs (2007) critica que uma política urbana voltada para o automóvel e determinada pelo capital despreza os valores sociais e prejudica a moradia, a mobilidade e o lazer, desprezando, acima de tudo, o cidadão. Cidades modernas no mundo12 Nesse sentido, o urbanismo modernista acaba originando cidades que não valorizam a escala humana. Ela complementa que os espaços monumentais e a setorização urbana geram uma monotonia na cidade, originando locais vazios onde as pessoas não vão e nem permanecem. Isso acaba negando a vitalidade e também a interação de funções, negando a diversidade. A autora acredita que as ruas e a calçadas são os espaços vitais de uma cidade, e que a convivência e a integração social se desenrolam por meio desses elementos. Na cidade moderna esses espaços não são pensados para as pessoas, nem com relação à escala e nem com relação aos usos, o que faz com que as cidades se tornem cada vez mais inseguras e tediosas. Para Jacobs (2007), uma cidade deve ser pensada considerando o pedestre, as distâncias caminháveis, a variedade de usos, quarteirões curtos, valorização e conservação de prédios antigos, entre outros elementos. O urbanismo modernista surgiu com uma ótima intenção, que era a de melhorar as condições das cidades existentes, que estavam sofrendo com a desordem e o caos provocados pela revolução industrial. Com ideias inovadoras e diferenciadas, os modernistas demonstraram os problemas das cidades, propondo soluções. Seus planos, muitas vezes utópicos e ilusórios, serviram para demonstrar alternativas e estratégias que melhorariam a salubridade, os congestionamentos, as edificações e a qualidade de vida. Mesmo com todas essas contribuições, na medida em que esse tipo de urbanismo foi sendo aplicado, uma nova vertente passou a discutir essas propostas inovadoras, percebendo os outros problemas que elas causavam, como a falta da sensação de pertencimento na cidade, a insegurança gerada pelos grandes espaços abertos e livres, e também a escala voltada para o automóvel. Assim, críticas a esse movimento surgiram para que o planejamento urbano pudesse evoluir mais uma vez e tornar-se mais adequado às necessidades do período. Tanto Jacobs, como Lefebvre e outros pesquisadores e estudiosos começaram a trazer novos elementos para serem pensados nos planos urbanos, como por exemplo, uma escala voltada para o pedestre, a diversificação de usos, entre outros elementos. De qualquer forma, todos os pensamentos, seja da vertente modernista como da pós-modernista, trouxeram contribuições para o urbanismo e serviram para os estudos e a evolução a respeito da qualidade das cidades. 13Cidades modernas no mundo ABIKO, A. K.; ALMEIDA, M. A. P.; BARREIROS, M. A. F. Urbanismo: história e desenvolvimento. São Paulo: EPUSP, 1995. (Texto técnico TT/PCC/16). Disponível em: http://www.pcc.usp. br/files/text/publications/TT_00016.pdf. Acesso em: 27 jan. 2020. BENEVOLO, L. Histórica da arquitetura moderna. 3. ed. São Paulo: Perspectiva, 2001. BIRKHOLZ, L. B. O ensino do planejamento territorial. 1967. Tese (Provimento de Cátedra) — Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Faculdade de São Paulo, São Paulo, 1967. BUCHMANN, A. J. Lúcio Costa: o inventor da cidade de Brasília — centenário de nasci- mento. Brasília: Thesaurus, 2002. CHOAY, F. O urbanismo: utopias a realidades, uma antologia. São Paulo: Perspectiva, 2007. COLOSSO, P. 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Assim, os editores declaram não ter qualquer responsabilidade sobre qualidade, precisão ou integralidade das informações referidas em tais links. 15Cidades modernas no mundo HISTÓRIA MODERNA Caroline Silveira Bauer Idade Moderna Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Explicar o processo de transição entre a Idade Média e a Idade Moderna. Relacionar o surgimento dos burgos com a formação de uma socie- dade moderna. Analisar a substituição do teocentrismo medieval para o antropo- centrismo moderno. Introdução A Idade Moderna foi um período marcado por transições, rupturas e continuidades em relação à sociedade medieval. Houve uma série de mudanças nos âmbitos cultural, econômico, político e social, com a coexistência do “novo” e do “velho”, que fizeram com que as sociedades da Europa Ocidental desenvolvessem uma autoconsciência de viver em um “novo tempo”. Nesse sentido, é muito importante estudar que transformações foram essas ocorridas entre oséculo XIV e o século XVIII e de que maneira elas impactaram na construção de uma nova visão de mundo dos europeus na chamada “modernidade”. Neste capítulo, você vai estudar de que forma se dá a transição entre a Idade Média e a Idade Moderna, compreendendo que essa abordagem dá espaço para rupturas e continuidades entre um período e outro. Além disso, vai conhecer a forma pela qual os burgos e, mais especificamente, o “renascimento” comercial e urbano, contribuíram para a conformação da sociedade moderna e, por fim, vai ver o surgimento de preceitos laicos na ascensão do antropocentrismo. A transição da Idade Média para a Idade Moderna Na divisão quadripartite da história, convencionou-se chamar Idade Moderna, Modernidade ou, ainda, Tempos Modernos o período que corresponde à formação do Estado Nacional, juntamente a uma série de transformações cul- turais, econômicas e sociais (absolutismo, grandes navegações, mercantilismo, renascimento, reforma religiosa), encerrando-se com a Revolução Francesa, em 1789. Contudo, os historiadores estão cientes das difi culdades de circunscrição de movimentos como esses em periodizações em função das continuidades e permanências para além das rupturas mais facilmente identifi cáveis. Um dos marcos cronológicos normalmente escolhidos para assinalar o fim da Idade Média é a tomada de Constantinopla pelos turcos, em 1453, principal- mente pela pretendida relação com outro acontecimento “fundador” da época moderna, a chegada de Cristóvão Colombo à América, em 12 de outubro de 1492, mas a “modernidade” é dificilmente delimitada por acontecimentos ou datas específicas. “Não existe um ponto que possamos dizer que tenha marcado a transformação do mundo medieval no mundo moderno” (RUNCIMAN, 2002, p. 11). Além disso, é importante lembrar que as transformações que se iniciaram na sociedade europeia a partir dos séculos XV e XVI já estavam delineadas no período precedente. Simultaneamente, as profundas mudanças referidas não significaram a eliminação instantânea e completa da sociedade feudal em seus aspectos culturais, econômicos, políticos, religiosos e sociais, de modo que muitas características medievais coexistiram com as modernas. Podemos afirmar que entre os séculos XV e XVIII ocorreram transfor- mações significativas na sociedade europeia e suficientes para que homens e mulheres percebessem que estavam vivendo em uma “nova época”: as grandes navegações e as conquistas territoriais, o advento de uma nova mentalidade burguesa e racionalista, a constituição dos estados nacionais com a imposição de um novo poder político, centrado no rei soberano e absoluto, a ruptura com a unidade da Igreja Católica e a expansão do capitalismo. Para compreender a transição da sociedade medieval para a Idade Moderna, é preciso refletir sobre a crise pela qual passava o sistema feudal em meados dos séculos XIV e XV e que, de acordo com Franco Júnior (1997, p. 53): Idade Moderna2 Foi uma crise de grandes proporções, que se projetou nos diversos âmbitos da realidade, envolvendo aspectos econômicos, demográficos, sociais, políticos e clericais: aspectos econômicos derivados da exploração agrícola predatória e extensiva, que fora típica do feudalismo e que inviabilizou o aumento da produção; aspectos demográficos oriundos das grandes tragédias, da fome e da peste; aspectos sociais advindos da ruptura da rigidez hierárquica anterior, seja pela crise demográfica, seja pelo empobrecimento das camadas superiores a partir da crise econômica do período ou pela ruptura do próprio conceito de ordem; aspectos políticos resultantes da retomada ou reconstituição dos poderes públicos centralizados; aspectos clericais originados do questio- namento da supremacia do poder da Igreja e de seu representante supremo. Após uma fase de avanços tecnológicos na prática agrícola que levaram ao crescimento populacional e ao aumento do comércio, a Europa Ocidental passou por uma grave crise econômica e social. As razões dessa crise, como já explicitadas por Franco Júnior (1997), na citação anterior, são várias. Pri- meiramente, a oferta de alimentos se tornou insuficiente para o aumento da população. Juntamente à pouca oferta de alimentos, condições climáticas adversas e más colheitas agravaram a situação. Somaram-se a esses fatores as péssimas condições de higiene, que contribuíam para a proliferação de doenças. Segundo Burns (1957), na maioria das cidades medievais, as condições sanitárias eram péssimas. A população dependia de água proveniente de poços ou rios contaminados, e eram frequentes os casos de febre tifoide. Algumas cidades tinha sistema de esgoto, mas não há informações sobre a coleta de lixo. Há relatos de que os restos eram jogados na rua e eram levados pelas chuvas ou consumidos por cachorros e porcos. A epidemia de peste bubônica, que ficou conhecida como peste negra, ocasionou uma mortandade jamais vista na Europa Ocidental. Acreditava-se que a peste era um tipo de castigo divino, como outros fenômenos que eram explicados a partir da fé e da religião. No entanto, tratava-se de uma doença contagiosa e, na maioria das vezes, fatal, que se acredita que tenha chegado à Europa por meio de navios mercadores. Nesses navios, estavam ratos infectados por uma bactéria, e as pulgas que picavam os ratos acabavam por contaminar os seres humanos. Acredita-se que a peste bubônica tenha chegado à Europa em 1348, e, como consequência, houve a morte de 30% da população europeia. 3Idade Moderna Assim, as mortes causadas pela peste negra somavam-se àquelas ocasiona- das pela fome e pelas guerras, gerando uma crise de produtividade (afinal, não havia pessoas para trabalhar no campo) e, por consequência, uma diminuição da produção agrícola. Em um efeito dominó, houve o endividamento da nobreza, que, como forma de compensação, passou a cobrar mais impostos e tributos dos camponeses, gerando descontentamento, fugas e uma série de revoltas. Essa situação levou ao enfraquecimento do poder da nobreza feudal, que passou a se aproximar dos reis como forma de manter a ordem social frente às revoltas camponesas. Setores da nobreza optaram por modificar as relações sociais, rompendo com os laços vassálicos, ou, então, por vender suas proprie- dades a agricultores enriquecidos ou burgueses. Houve, também, a libertação de muitos servos, que se transformaram em agricultores ou migraram para as cidades, a fim de se dedicar ao comércio. Isso significou uma profunda modificação da ligação da nobreza com a posse da terra. Os burgueses já haviam iniciado esse movimento de aproximação, afinal, a fragmentação econômica e política não interessava à burguesia, estrato social surgido da revitalização das cidades e do impulso às atividades comerciais e manufatureiras. Moradores das cidades, os burgueses construíram suas fortunas a partir do grande comércio e das atividades bancárias, baseados na ideia de lucro e na posse de uma riqueza que não consistia em propriedades rurais. Ou seja, estamos falando de um grupo social em ascensão cujo estilo de vida era muito diferente daquele que caracterizava o nobre feudal — senhor da guerra e proprietário rural. A burguesia enriqueceu com o comércio praticado nos burgos, nas vilas e nas cidades, além das rotas comerciais estabelecidas entre a Europa e a Ásia Central, bem como no Mar Mediterrâneo. Juntamente ao desenvolvimento de seu poder econômico, adquiriu prestígio político e social e passou a reivindicar melhores condições para o exercício da economia e da política, tornando-se uma das fomentadoras do processo de centralização política que resultaria na conformação do Estado moderno. A mudança nas relações de trabalho, com o início da especialização, o controle do tempo, a expansão das rotas comerciais e a ampliação do mundo conhecido, torna o estado medieval um modo de vida ultrapassado, e uma das mais importantes revoluções da história, que tem início no século XIV, associada à peste negrae a guerras que duraram mais de um século, transforma o mapa da Europa. Além disso, é importante lembrar que, durante a Baixa Idade Média, havia uma profunda descentralização no poder político devido à fragmen- tação territorial ocasionada pela divisão de terras entre a nobreza feudal. Idade Moderna4 Essa descentralização gerou inúmeras guerras de sucessão (já que as terras eram hereditárias e havia muitos casamentos por interesses). Citemos, como exemplo, a Guerra dos Cem Anos, ocasionada por um problema de sucessão no trono francês, quando o rei inglês crê ser legítima a sua coroação como rei da França, pois na Normandia estariam localizadas terras de senhores ingleses. A resolução da guerra é feita quando os Valois são substituídos por Habsburgos no trono francês. O resultado da guerra é a abertura rumo à centralização política. Além da Guerra dos Cem Anos, também se destacou a Guerra das Duas Rosas, provocada pela disputa entre duas famílias, Yorks, as rosas brancas, e Lancasters, as rosas vermelhas, pelo poder. Os burgos e a modernidade Uma série de transformações ocorridas entre o século XIV e o XV fragilizou o sistema feudal, compreendido em seus âmbitos cultural, econômico, político e social. Em relação à economia, a melhoria nas técnicas de plantio, somada a outros fatores, permitiu o aumento da produtividade agrícola, gerando um crescimento demográfi co na Europa. Entretanto, as estruturas feudais (alimentos, espaço, governo, leis) não deram conta do aumento no número da população, gerando diminuição das condições de vida, mortandade e uma alta geral de preços. Em meio a esse processo de instabilidade, as cidades recuperaram o po- der econômico e político. Mas você sabe de que forma os burgos e, mais especificamente, o “renascimento” comercial e urbano, contribuíram para a conformação da sociedade moderna? Com as novas rotas comerciais surgidas durante a Baixa Idade Média em decorrência do movimento das cruzadas e a retomada do comércio marítimo pelo Mar Mediterrâneo, as feiras, que eram periódicas, tornaram-se fixas, dando origem aos burgos (cidades). As feiras eram espaços em que eram co- mercializados produtos locais e outros vindos do Oriente, como as especiarias, os perfumes, os tecidos e as porcelanas, que se tornaram objetos de luxo e cobiça por parte da nobreza feudal. As feiras também atraíam muitas pessoas, sendo um verdadeiro espaço de encontro entre culturas diferentes. Assim, ao mesmo tempo que as cidades foram fundamentais para o desenvolvimento do comércio, o comércio também foi indispensável para o surgimento de novas cidades e para o desenvolvimento de outras. 5Idade Moderna A partir do século X, a sociedade europeia era sustentada por uma rede de núcleos urbanos, embora suas condições e dimensões variassem muito. Na Inglaterra, onde o poder real foi precocemente consolidado, as cidades caracterizavam-se por um certo grau de dependência consentida e de uniformidade. Por mais danosas que as incursões escandinavas tivessem sido, a reação contra elas produziu um sistema relativamente bem planejado. O nome em inglês arcaico para um forte, burh, passou gradualmente a significar um burgo (borough = cidade pequena e cercada de muralhas de defesa) (LOYN, 1997, p. 90). Os mercados dos burgos possibilitavam o desenvolvimento de ativida- des laborais assalariadas e a ascensão social em uma sociedade rigidamente estratificada. Por isso, os burgos passaram a atrair cada vez mais artesãos, camponeses livres, comerciantes itinerantes, servos fugitivos e outras pessoas. Localizados no interior dos feudos, os habitantes dos burgos eram obrigados a pagar determinadas taxas aos senhores feudais, como o direito de passagem, além da realização de câmbios e conversões, em função da inexistência de um sistema de medidas e monetário único. As dificuldades geradas por essa situação, somadas às taxas, fizeram com que os habitantes dos burgos se organizassem em comunas, como associações coletivas de trabalhadores, e, dessa forma, conseguiram obter certos direitos frente aos senhores feudais (inclusive a abolição de obrigações servis), o que possibilitou o desenvolvimento das atividades comerciais. Dessas coletividades, surgiram as corporações de ofício, que reuniam profissionais do mesmo ramo com o objetivo de proteger seus trabalhadores (ou seja, com caráter assisten- cialista) e de regulamentar a profissão, como a quantidade e a qualidade da produção, com o objetivo de limitar a concorrência dentro de um mesmo ofício. Com a fixação dos mercadores nas cidades, que traziam produtos do Oriente e de média distância, houve a possibilidade de comercialização dos excedentes agrícolas e de produtos artesanais produzidos no âmbito do feudo. A partir desse processo de “sedentarização” do mercado, cria-se uma demanda por novos produtos, gerando lucro e acúmulo crescente de capital. “As cidades e as vilas multiplicaram-se tão rapidamente que, em algumas regiões, pelas alturas do século XIV, metade da população tinha sido desviada das atividades agrícolas para as comerciais” (BURNS, 1957, p. 423). Idade Moderna6 As principais cidades desse período de transição localizavam-se na Itália, e seus habitantes comerciantes estabeleceram relações comerciais com Império Bizantino e com as grandes cidades muçulmanas de Bagdá, Damasco e Cairo. Os produtos tinham grande procura não somente na Itália, mas também no território do que hoje é Alemanha, França e Inglaterra. Porém, havia alguns problemas para o desenvolvimento pleno das relações comerciais. O comércio com moedas se tornou mais frequente, mas havia uma pluralidade de moedas diferentes, com valores distintos. Isso fez com que sur- gissem os cambistas, também chamados de banqueiros, porque analisavam as moedas em cima de um banco. A partir dessas atividades, os banqueiros passaram a emprestar dinheiro, cobrando juros, e enriquecendo a partir dessa atividade. Esse processo fez com que Le Goff e Schmidt (2006, p. 223) assim defi- nissem a cidade na Baixa Idade Média: A cidade medieval é, antes de mais nada, uma sociedade da abundância, con- centrada em um pequeno espaço em meio a vastas regiões pouco povoadas. Em seguida, é um lugar de produção e de trocas, onde se articulam o artesanato e o comércio, sustentados por uma economia monetária. É também o centro de um sistema de valores particular, do qual emerge a prática laboriosa e criativa do trabalho, o gosto pelo negócio e pelo dinheiro, a inclinação para o luxo, o senso da beleza. É ainda um sistema de organização de um espaço fechado com muralhas, onde se penetra por portas e se caminha por ruas e praças, e que é guarnecido por torres. Mas também é um organismo social e político baseado na vizinhança, no qual os mais ricos não formam uma hierarquia, e sim um grupo de iguais — sentados lado a lado — que governa uma massa unânime e solidária. [...] Essa sociedade laica urbana conquistou um tempo comunitário, em que sinos laicos indicam a irregularidade das chamadas à revolta, à defesa, à ajuda. Contudo, esse processo de “urbanização” da sociedade não ocorreu sem conflitos. Nas cidades, houve um processo de exploração dos trabalhadores nas próprias corporações de ofício que levou à sua extinção, e, no campo, uma série de revoltas camponesas em função da exploração realizada pelos senhores feudais, além do descontentamento com as limitações impostas pelas relações vassálicas. A valorização das atividades comerciais, somada à ascensão dos centros urbanos, e as possibilidades de unificação da moeda e do sistema de medidas levariam ao desenvolvimento de relações capitalistas de trabalho e produção e ao surgimento de novos estratos sociais, como a burguesia, com interesses próprios. As relações sociais, os estratos dessa sociedade citadina e suas sociabilidades são resultados de mudanças culturais, econômicas, políticas e sociais. 7Idade Moderna E quem era o burguês? O burguês era o habitante do burgo,um homem livre (no sentido de não submetido às relações de poder que envolviam suseranos, vassalos e servos), que exercia profissões liberais como artesão ou comerciante. Os burgueses foram os principais responsáveis pelo desenvolvimento das cida- des, um processo que foi impulsionado com a abertura de rotas comerciais que ligavam o Ocidente ao Oriente e a retomada do comércio marítimo pelo Mar Mediterrâneo a partir do movimento das Cruzadas. Aos poucos, tornaram-se numerosos e, então, estabeleceu-se uma hierarquia entre os próprios burgueses de acordo com o tamanho de seus comércios e sua capacidade produtiva. O esquema da Figura 1, a seguir, representa uma síntese do fortalecimento das cidades e das mudanças ocorridas que levariam à modernidade. Figura 1. As cidades e a modernidade. Em resumo, podemos estabelecer o seguinte encadeamento de eventos para explicar a relação dos burgos com a modernidade: a produção de artigos no Oriente (especiarias, tapeçarias e tecidos finos) desperta o interesse da nobreza feudal no Ocidente; o comércio com o Oriente exige a utilização de moedas, que também desperta a busca por metais preciosos; as mercadorias do Oriente levam a um processo de “sedentarização” dos mercadores nos burgos, rompendo com o caráter local do comércio e estabelecendo rotas comerciais; há um processo de enriquecimento dos mercadores; as mudanças nas atividades comerciais afetam a produção agrícola e artesanal, levando a críticas nas estruturas feudais. Idade Moderna8 Todo esse processo ocorre nas cidades, ainda que a maioria da população europeia fosse rural. Esse é um alerta que faz o historiador Fernand Braudel (1985, p. 13) e que demonstra, mais uma vez, os traços de continuidade e ruptura presentes durante a Idade Moderna: [...] por um lado, os camponeses nas aldeias, vivendo de uma forma quase autônoma, quase autárquica; por outro lado, uma economia de mercado e um capitalismo em expansão [...]. O perigo reside, evidentemente, em vermos somente a economia de mercado, em a descrevermos com tal exuberância de detalhes que denote uma presença avassaladora, persistente, não sendo ela afinal senão um fragmento de um vasto conjunto. Do teocentrismo ao antropocentrismo Antes de nos dedicarmos ao estudo das novas formas de pensamento surgidas na modernidade e seu refl exo nas práticas e nos valores da sociedade moderna, é necessário lembrar quais eram as bases da sociedade medieval no que diz respeito à sua visão de mundo. Durante a Idade Média, a religião era estruturante dos âmbitos cultural, econômico, político e social das sociedades da Europa Ocidental, e não havia uma nítida distinção entre essas esferas e a religiosa, que permeava todo o social. Em outras palavras, pode-se afirmar que a visão de mundo dos europeus durante a Idade Média é religiosa, mesmo que houvesse diferenças entre algumas concepções e práticas, de acordo com o local ou o tempo, o que também faria com que a Igreja Católica se esforce para a normatização e unificação de cultos, dogmas, práticas e rituais. A marcação do tempo do calendário e do relógio vincula-se a essa visão de mundo religiosa, ou seja, a organização da vida cotidiana se faz a partir da relação do homem com o sagrado, assim como as explicações para os fenômenos naturais e sociais eram encontradas nos dogmas religiosos. Nessa sociedade, em que todo o conhecimento se dava a partir da fé, refletir sobre o mundo a partir de outros parâmetros, como outras crenças ou por meio da natureza, era considerado heresia. Entretanto, essa situação começa a se modificar a partir do século XI, quando se inicia uma aproximação das formas de se conhecer o mundo a partir da lógica, do estudo de observação e da investigação. 9Idade Moderna A Igreja Católica era a instituição mais importante da Idade Média, regu- lando todas as esferas da vida em sociedade, funcionando como um agente unificador e forjando ou mediando a relação dos homens e das mulheres com o mundo. Como afirma Bedin (2012, p. 25), “[...] a Igreja passou a exercer uma dupla função: a de instituição oficial do mundo medieval e a de instituição guardiã e intérprete autorizada do conhecimento”. Assim, uma das marcas da “modernidade” no que diz respeito à autocom- preensão de homens e mulheres e sua compreensão em relação ao mundo será um rompimento com essa visão unívoca e a existência de outras formas de se compreender e compreender o mundo. Isso, no entanto, não significa um movimento de rompimento com a percepção religiosa do ser humano e da sociedade. É importante destacar a continuidade dos valores e visões de mundo religiosos paralelamente a mudanças e rupturas. Não podemos, dessa forma, dizer que houve um processo de laicização, e, sim, uma progressiva separação entre os componentes religiosos e seculares das sociedades. Há, sem dúvida, uma diminuição do poder da Igreja Católica frente à emergência de outros saberes, principalmente os científicos, mas esses não implicam um total rompimento com certas interpretações religiosas. Essa abordagem, que implica continuidades e rupturas, ou seja, a com- preensão da Idade Moderna como uma transição, é muito importante para compreendermos a progressiva valorização do homem e do indivíduo, o cha- mado antropocentrismo, em detrimento de uma visão de mundo teocêntrica, característica do medievo. Nesse sentido, a universidade enquanto instituição terá um papel bastante importante. De acordo com Burns (1957, p. 464-465), Ainda que as universidades modernas tenham copiado muito dos seus pro- tótipos medievais, o programa de estudos mudou radicalmente. Nenhum dos currículos da Idade Média incluía um número razoável de aulas de história ou de ciências naturais, e pouca coisa continham de matemática e literatura clássica. O educador tradicionalista moderno, que acredita formarem a espinha dorsal do ensino universitário a matemática e os clássicos, não encontrará base para os seus argumentos na história das universidades medievais. Da mesma forma, o movimento ao qual se vincula a ascensão do antropo- centrismo, o Renascimento, não pode ser visto apenas como um movimento de elites letradas, mas como um fenômeno que abrange os diferentes estratos da sociedade, com características específicas. Em relação ao Renascimento, cabe destacar, neste momento, que esse “mo- vimento” não se tratou apenas do acúmulo de obras científicas, filosóficas ou Idade Moderna10 literárias nem de mudanças estéticas e técnicas nas artes plásticas, mas significou uma transformação muito mais ampla, com a difusão da escrita e da leitura para além dos espaços religiosos ou das elites, da alfabetização vinculada às necessidades do comércio e das cidades, da releitura dos textos da Antiguidade Clássica a partir desses próprios textos, e não das interpretações religiosas a eles atribuídas. Vejamos, resumidamente, nas considerações de Burns (1957), quais foram as causas da renovação artística e intelectual ocorrida nos séculos XII e XIII que gerariam o Renascimento: influência das culturas bizantina e sarracena; desenvolvimento do comércio; crescimento das cidades; renovação do interesse pelo estudo dos textos da Antiguidade Clássica greco-romana; desenvolvimento de um pensamento cético e crítico; abandono progressivo do asceticismo e do misticismo característicos da Alta Idade Média; retomada do estudo do direito romano; surgimento das universidades; influência do aristotelismo; presença do naturalismo nas artes plásticas e na literatura; desenvolvimento da observação e da pesquisa científica. Em relação à religião, esse aspecto de continuidade do medievo, mas sujeito a transformações, uma das marcas da “modernidade” é a reivindicação da livre interpretação das escrituras, sem negar o valor e a verdade da Bíblia, mas questionando o privilégio de apenas os clérigos poderem comentá-la. Durante a Idade Média, a leitura das escrituras eraorientada pela escolástica por meio da hermenêutica (SILVA; SILVA, 2009). Há outra visão de ser humano e de religião em disputa, e aqui se apresenta uma distância menor entre homens e mulheres e Deus. Juntamente ao antropocentrismo, haverá o desenvolvimento de outras formas de pensamento, todas vinculadas entre si, como o humanismo, o individualismo e o racionalismo. Vejamos como Silva e Silva (2009, p. 193) definem o humanismo, esse grupo heterogêneo de intelectuais que compartilhavam o entusiasmo pelo estudo dos escritos da Antiguidade Clássica: 11Idade Moderna O termo humanismo surgiu no século XVI para designar as atitudes renas- centistas que enfatizavam o homem e sua posição privilegiada na Terra. [...] O humanismo é comumente definido como um empreendimento moral e intelectual que colocava o homem no centro dos estudos e das preocupações espirituais, buscando construir o mais alto tipo de humanidade possível. [...] Alguns autores consideram o humanismo um fenômeno dialético, pois, de um lado, valorizava o humano, contrariando a mentalidade teocêntrica da Filosofia medieval, mas, ao mesmo tempo, possuía fortes preocupações religiosas, sendo o movimento incompreensível sem suas preocupações espirituais e o anseio por uma reforma da Igreja Católica. Ou seja, o contexto humanista apesar de seu antropocentrismo, foi intensamente influenciado pelo Cristianismo e pelos dilemas da Igreja Católica no início da Idade Moderna. Percebe-se, novamente, a importância de compreender a modernidade entre a continuidade e ruptura: até mesmo os valores antropocêntricos tinham conotações religiosas. Contudo, também é importante destacar os rompimentos: o humanismo foi um movimento surgido em algumas cidades italianas com forte desenvolvimento urbano e comercial e teria sido burguês. BRAUDEL, F. A dinâmica do capitalismo. Lisboa: Teorema, 1985. BURNS, E. História da civilização ocidental. Porto Alegre: Editora Globo, 1957. LE GOFF, J.; SCHMITT, J. C. (coord.). Dicionário temático do ocidente medieval. Bauru: EDUSC, 2006. v. 1. LOYN, H. (org.). Dicionário da idade média. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997. RUNCIMAN, S. A queda de Constantinopla. Rio de Janeiro: Imago, 2002. SILVA, K.; SILVA, M. Dicionário de conceitos históricos. 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Assim, os editores declaram não ter qualquer responsabilidade sobre qualidade, precisão ou integralidade das informações referidas em tais links. 13Idade Moderna HISTÓRIA MODERNA Caroline Silveira Bauer A formação dos Estados Modernos e o Antigo Regime Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Relacionar o retorno do comércio mercantil com a formação dos Estados Modernos. Analisar os fatores culturais que potencializaram uma reestruturação governamental pautada no sistema mercantil. Descrever as características do Antigo Regime. Introdução Antigo Regime foi uma expressão que se tornou conceito utilizado em re- ferência ao conjunto de características de um período que corresponderia à Idade Moderna na Europa Ocidental: o Estado absolutista, a economia mercantilista e a sociedade do Antigo Regime. Cada uma dessas esferas, que correspondem, respectivamente, aos âmbitos político, econômico e social, é resultado das transformações pelas quais a sociedade europeia passou durante os séculos XV, XVI e XVII, ainda que mantenham traços indeléveis das estruturas feudais. Neste capítulo, você vai aprender a relação existente entre a formação dos Estados Modernos e o comércio mercantil, vendo os fatores culturais que propiciaram a expansão comercial e as políticas mercantilistas do Estado Moderno e conhecendo as principais características da sociedade do Antigo Regime. A formação dos Estados Modernos e o mercantilismo Existe uma relação intrínseca entre a centralização política e a formação do Estado Moderno, as grandes navegações e o desenvolvimento da política econômica que foi chamada de “mercantilismo”. Vamos compreender melhor esse processo e como se estabeleceu esse vínculo? A economia europeia atravessava uma crise entre os séculos XIV e XV em função da escassez de alimentos, da falta de mão de obra e da mortandade ocorrida em função da peste negra — todos esses fatores estão interligados. Havia necessidade de estabelecer novas rotas comerciais e novos mercados, além de encontrar fontes de metais precisos (para as cunhagens de moedas e para satisfazer o luxo das cortes). No século XV, o comércio de produtos orientais era monopolizado pelas cidades italianas, como Veneza e Gênova, que dominavam as rotas no Mar Mediterrâneo, fornecendo esses produtos a altos preços no mercado europeu. Além disso, com a tomada de Constantinopla, em 1453, pelos turcos otomanos, o caminho para o oriente se torna bastante perigoso e, a partir de então, os reis começaram a patrocinar a busca por novas rotas. Mercadores do resto do continente também tinham razões para voltar os olhos para o exterior: o comércio entre Europa, África e Oriente vinha, há algum tempo, contando com a presença de intermediários muçulmanos, venezianos e nômades árabes. Nesse contexto, qualquer estratégia de expansão marítima e comercial exigia a busca de rotas alternativas para alcançar as áreas fornecedoras de cerâmicas, especiarias e tecidos (FALCON, 1996). Nesse momento da discussão, é importante entender como se dá a relação que estamos procurando estabelecer entre o Estado, o mercantilismo e as grandes navegações. É preciso, para isso, diferenciar o processo de centra- lização do poder, o Absolutismo e a formação dos Estados Modernos ou Estados-nações. Por vezes, essas expressões são tratadas como sinônimos na abordagem da “formação dos Estados Modernos” ou como uma sucessão de acontecimentos, mas fazem referência a processos distintos que não tinham necessariamente uma lógica de encadeamento. A formação dos Estados Modernos e o Antigo Regime2 Nesse sentido, é importante lembrar que o processo de centralização do poder inicia-se na Baixa Idade Média, em torno do século XII, e faz referência ao aumento do poder dos reis frente à nobreza feudal no que diz respeito a certas questões burocráticas, como o sistema de justiça e o tributário. Já o absolutismo surge e se consolida como sistema de governo em torno dos séculos XVIe XVII, mas isso não ocorreu da mesma forma em todos os países, o que gerou formas diferentes de regime absolutista, sendo algumas práticas, tais como a existência de assembleias com representantes dos diferentes estamentos da sociedade, um verdadeiro limitante desse poder “absoluto” dos reis (ANDERSON, 1989). Como afirma Falcon (1996, p. 29): O Estado absolutista é, antes de mais nada, um, Estado Moderno, ou seja, um tipo de Estado que é resultante de vários séculos de formações e de lutas, no final da idade Média, levadas a cabo contra os universalismos represen- tados pelo Papado e pelo Império e também contra as tendências localistas dos senhorios feudais e das comunas urbanas. Afirmando-se como Estado territorial, governado por um príncipe, através de uma complexa política de concentração do poder e centralização administrativa, o Estado moderno define-se rapidamente como Estado monárquico absolutista, isto é, pelo fato de que todo o poder está nas mãos de um rei ou príncipe que é, de fato e de direito, o seu soberano. Simultaneamente, esse Estado pressupõe a existência de um aparelho burocrático e militar que não só execute as determinações do soberano, mas dê na realidade uma forma visível e concreta à própria ideia de poder que o monarca personifica. O Estado é o Rei, porém este é na verdade o conjunto de instâncias e agentes burocráticos que são os seus oficiais. Por fim, a ideia de nação, mesmo que presente em debates e discussões no século XVII, só se consolidará na Europa Ocidental no século XIX. Portugal foi o Estado Moderno pioneiro nas chamadas “grandes navegações”, rotas marítimas que procuravam alcançar o Oriente através da navegação oceânica e que levaram à conquista e à colonização do território da América portuguesa. O pioneirismo português se explica pela precocidade na centralização do poder político, capaz de mobilizar os recursos necessários, a aliança do Estado com a burguesia, o desenvolvimento tecnológico e a posição geográfica privilegiada. 3A formação dos Estados Modernos e o Antigo Regime O marco inicial da expansão portuguesa foi a conquista de Ceuta, no norte da África, em 1415. Nas décadas seguintes, Portugal estabeleceu entrepostos comerciais na costa africana, comercializando matérias-primas, produtos manufaturados e, posteriormente, escravizados. O extremo sul da África, chamado Cabo da Boa Esperança, foi contornado por Bartolomeu Dias em 1488. Em relação ao território da América, sua localização em 1492 por Cristóvão Colombo levou o governo português a assinar um acordo com a Espanha. Intermediados pelo Vaticano, os reinos ibéricos assinaram o Tratado de Tordesilhas em 1494, estabelecendo o domínio português sobre as rotas do Atlântico sul. Em 1500, Pedro Álvares Cabral localizaria territórios ao sul da linha do Equador e os tornaria posse do império portu- guês, mesmo que a colonização da América Portuguesa tenha se iniciado somente algumas décadas depois. Sobre as Índias, esse território foi alcançado por navegações em 1498 por Vasco da Gama. O êxito da viagem significou enormes lucros e a constituição de um vasto império colonial português, com entrepostos comerciais na África e na Ásia. Dessa forma, Lisboa tornou-se um importante centro comercial na Europa, mas o alto custo das viagens, as longas distâncias percorridas e a demora, bem como a queda no preço das especiarias, faria a metrópole redirecionar seus interesses econômicos para a colônia e para o tráfico de escravizados (ANDERSON, 1989). O processo de expansão marítima, que será seguido por Espanha, França e Inglaterra, vincula-se a uma prática econômica que recebeu o nome de mercantilismo. Essa concepção econômica partia do pressuposto de que a medida da riqueza de um Estado vinculava-se à quantidade de metais preciosos que possuía. Surgiu durante o renascimento comercial das cidades e com a emergência da burguesia, que transformou as relações de trabalho e passou a exigir a monetarização das relações comerciais. De acordo com Silva e Silva (2009, p. 283), [...] a definição mais aceita de mercantilismo informa que esse termo compreende um conjunto de ideias e práticas econômicas dos Estados da Europa ocidental entre os séculos XV, XVI e XVII voltadas para o comércio, principalmente, e baseadas no controle da economia pelo Estado. Mercantilismo dá nome, nesse sentido, às diferentes práticas e teorias econômicas do período do Absolutismo europeu. Cabe lembrar que esse conceito não é contemporâneo aos fatos que nomeia; foi empregado por liberais no final do século XVIII, com tom depreciativo, para se referir às práticas de intervenção do Estado na economia. A formação dos Estados Modernos e o Antigo Regime4 Falcon (1996, p. 8), afirma que “[...] foram seus adversários, os fisiocratas do século XVII e os economistas da escola clássica, dos séculos XVII/XIX, que de certa forma o construíram, denominando-o, à época, ‘sistema mercantil’ ou ‘do comercio’. Foram ainda seus admiradores os membros da chamada ‘escola histórica alemã’, já no final do século XIX, que deram o nome que se fixou: Mercantilismus”. A política mercantil, segundo essas teorias, entendia a riqueza e o desenvolvi- mento como dependentes de um Estado, que deveria unificar a tributação, controlar a atividade produtiva e estabelecer um sistema alfandegário para proteger os produtores do seu país. O Estado deveria manter uma balança comercial favorável, ou seja, exportar mais do que importar. Devido à necessidade de manutenção dessa balança favorável, associada ao metalismo, os governos mercantilistas foram levados a argumentar em favor da autossuficiência interna e a prática do monopólio, ainda que, em inúmeras ocasiões, esse monopólio não tenha sido respeitado, porque, para os comerciantes, era muito mais interessante comerciar com o maior número de clientes possíveis. Assim, podemos afirmar que, para além de nomenclaturas como “mercantilismo”, a economia da Europa Ocidental durante a Idade Moderna foi marcada por práticas tais como o metalismo (quan- tidade de metais preciosos por ele acumulado, convertido ou não em moedas e títulos), a balança comercial favorável (regulação das exportações e importações) e o protecionismo estatal (intervenção do Estado na economia) (FALCON, 1996). Foram subvencionadas indústrias para garantir o abastecimento do mercado interno, mas, como a riqueza só podia ser medida a partir do comercio exterior e do fluxo de metais em seu território, a sustentação do sistema mercantil vai depender das colônias. O governo vai licenciar companhias para o comércio ultramarino e promover a organização dos territórios ocupados. Além disso, é preciso relativizar, a partir de estudos historiográficos mais recentes, o alcance dessa industrialização (Portugal, por exemplo, seguirá como um país majoritariamente agrário) e a ideia do “pacto colonial”, ou seja, relações comerciais restritas entre metrópole e colônia, em que a primeira extraia matéria-prima e metais preciosos enquanto a segunda comprava os produtos manufaturados das metrópoles (FALCON, 1996). Segundo as teorias econômicas, existiram diferentes formas de mercanti- lismo de acordo com cada um dos países. Lembremos que, como assinalado por Silva e Silva (2009, p. 283): [...] o mercantilismo não existiu como um conjunto coeso de ideias e práticas econômicas, nem como grupo de pensadores da economia com uma filosofia comum. De fato, sob a definição de mercantilismo, foram reunidos pelos críticos diferentes autores e diferentes políticas econômicas, com pouco em comum, a não ser o fato de pertencerem a países absolutistas. 5A formação dos Estados Modernos e o Antigo Regime O critério para definir cada tipo de mercantilismo foi a posse ou não de territórios coloniais e que tipo de produto forneciam. A expansão marítima europeia trouxe o domínio de novos territórios, novas fontes de riquezas e mão de obra à Europa. A estruturação do sistema de exploração colonialsó foi possível após o entendimento da necessidade de gerar riqueza nesse território. Porém, se analisarmos a economia do período na Europa Ocidental, vemos uma série de características marcantes das estruturas econômicas feudais, reforçando o argumento de que a Idade Moderna é um período marcado por rupturas e continuidades coexistentes em relação ao medievo. Um dos aspectos dessa continuidade da estrutura feudal é a estrutura social: “[...] se o mercantilismo tem sua contraparte política no Estado absoluto, no campo social tem relação com a estrutura social comumente conhecida como sociedade do Antigo Regime. Ou seja, a estrutura social estamental, ainda baseada na sociedade de ordens do medievo, porém com novos elementos, dos quais a burguesia é o principal fator de diferenciação” (SILVA; SILVA, 2009, p. 283). Fatores culturais da formação do Estado Moderno e do sistema mercantilista Quando falamos em fatores culturais relacionados à formação do Estado Moderno e às práticas mercantilistas, compreendemos cultura de uma forma ampla, não apenas como expressão de certos artistas ou intelectuais. A ideia de cultura deve ser ampliada de forma a abarcar as transformações pelas quais passa a vida pública e privada, a conformação da ideia de indivíduo e coletividade, as novas formas de o ser humano conceber a si próprio e entender o mundo, entre outras, para além da cultura material de uma sociedade. Assim, salientamos que a expansão comercial mercantilista, fomentada por indivíduos, mas possibilitada pela existência do Estado, permitiu não somente o enriquecimento para os burgueses e o acesso a determinados produtos, mas também que grandes setores das sociedades da Europa Ocidental tivessem contato com costumes, hábitos e práticas de outros povos, como usavam esses mesmos produtos, de que forma se vestiam, influenciando profundamente a vida cultural europeia. Essas modificações alteraram a alimentação, as casas e as formas de habitar, a vestimenta, mas também as relações de trabalho, já que o “luxo” exigia transformações nos ofícios e na própria organização do trabalho. “Dentro de cada país, o luxo tem sempre seus defensores e seus inimigos, pois, enquanto estes apontam os malefícios que ele traz à degeneração A formação dos Estados Modernos e o Antigo Regime6 dos costumes, a quebra das hierarquias, os vícios , aqueles exaltam o fato de que é a produção do luxo que assegura emprego e sustento a milhares de pessoas que, de outro modo, ficariam ociosas e famintas” (FALCON, 1996, p. 76). A partir de 1650, o roupão se torna moda entre os homens. De cetim e marrom, bordado de flores na Europa setentrional, expressa uma nova alegria de viver ao mesmo tempo íntima e religiosa. [...]. O belo roupão novo exige um remanejamento total do quarto. O velho mobiliário é subs- tituído, os papéis e os livros são colocados numa "escrivaninha preciosa". As esculturas e os quadros, antes dispersos ou fixados sem moldura na parede, cedem lugar a outros a fim de criar um conjunto harmonioso, em conformidade com o gosto da época (RANUM, 2009, p. 230). O sociólogo polonês Norbert Elias (1994) nos ajuda a compreender a história dos costumes a partir da formação do Estado Moderno e suas influências na conformação do que era a “civilização”. Em outras palavras, há uma íntima relação entre o processo de centralização política e o surgimento do Estado Moderno e a conformação de determinada cultura e sociedade. Nos dois volumes da obra O Processo Civilizador, lançada em 1939, Elias contribui nas análises sobre os efeitos da formação do Estado Moderno nos costumes e na moral dos indivíduos. Vejamos o que diz o autor sobre a formação do Estado Moderno: Com a divisão de funções, aumentou a produtividade do trabalho. A maior produtividade era precondição para a elevação dos padrões de vida de classes que cresciam em número; com a divisão de funções, acentuou-se a dependência das classes superiores; e só num estágio muito adiantado dessa divisão de funções é que, finalmente, tornou-se possível a formação de monopólios mais estáveis de força física e tributação, dotados de administrações altamente especializadas, isto é, a formação de Estados no sentido ocidental da palavra, através dos quais a vida do indivíduo ganhou, aos poucos, maior “segurança”. O aumento da divisão de funções, porém, colocou também maior número de pessoas, e áreas habitadas sempre maiores, em dependência recíproca, exigiu e instilou maior contenção no indivíduo, controle mais rigoroso de suas paixões e conduta, e determinou uma regulação mais estrita das emoções e — a partir de determinado estágio — um autocontrole ainda maior (ELIAS, 1994, p. 256). 7A formação dos Estados Modernos e o Antigo Regime Em outras palavras, para o autor, a estrutura do comportamento dito “civi- lizado” está estreitamente inter-relacionada com a organização das sociedades ocidentais sob a forma de Estados. No primeiro volume, Elias dedica-se ao estudo das chamadas “boas maneiras”, dos costumes, hábitos e práticas presentes na estrutura emocional e mental da aris- tocracia que, no final da Idade Média, passam a ser apropriados pela burguesia, que precisa ser “civilizada”, trabalhando com os conceitos de “cultura” e “civilização” presentes em livros de boas maneiras, em obras de arte, em romances e outros documentos históricos da Alemanha, da França e da Inglaterra (ELIAS, 1994). Mas qual é a vinculação dessas mudanças comportamentais e de pensa- mento com a estrutura do Estado? Apesar desses costumes, hábitos e práticas nem sempre procederem do Estado (por meio de leis), alguns desses princípios impunham comportamentos e regras que, se não fossem seguidos, poderiam gerar certas penalidades, como desaprovação ou repreensão. A história das boas maneiras está diretamente relacionada às regras de com- portamento social. Essa história refere-se não apenas a questão da etiqueta, mas também diz respeito à moral, à ética, ao valor interno dos indivíduos e aos aspectos externos que se revelam nas suas relações com os outros. Todas as sociedades, ao longo da história, criaram normas e princípios com a finali- dade de orientar as relações entre grupos e pessoas (OLIVEIRA; OLIVEIRA, 2012, documento on-line). De acordo com Oliveira e Oliveira (2012, documento on-line), em relação às mudanças destacadas por Elias, “[...] no que diz respeito aos costumes, as transformações que ocorrem estão relacionadas à dinâmica das classes sociais, ou seja, quando a classe social superior procura distanciar-se das outras clas- ses sociais, criam-se novos padrões de comportamento que, historicamente, acabam por ser adotados pelas outras classes”. Com a passagem do tempo, os padrões de comportamento aprendidos deixam de ser conscientes e passam a ser naturalizados, conformando a personalidade dos indivíduos. Daí, surge o autocontrole, uma forma de introjeção de aspectos legais e normativos provenientes do exterior. Ou seja, ao mesmo tempo que a estrutura do comportamento “civilizado” está intimamente relacionada com a organização das sociedades ocidentais na forma de estados, na medida em que esses comportamentos esperados são introjetados, é cada vez menos necessária uma regulação do Estado nos costumes, nos hábitos e nas práticas dos indivíduos. O desenvolvimento da constituição psíquica dos indivíduos tem, então, uma relação direta com o desenvolvimento das estruturas sociais ocidentais modernas: A formação dos Estados Modernos e o Antigo Regime8 Os principais elementos deste processo de civilização foram: a formação do Estado, o que significa dizer o aumento da centralização política e adminis- trativa e da pacificação sob o seu controlo, processo em que a monopolização do direito de utilização da força física e da imposição de impostos, efetuada pelo Estado, constitui uma componente decisiva; um aumento das cadeias de interdependências; uma mudança que é inovadora no quadro de equilíbrio dos poderesentre as classes sociais e outros grupos, o que é o mesmo que dizer pelo processo de ‘democratização funcional’; a elaboração e o refinamento das condutas e dos padrões sociais; um aumento concomitante da pressão social sobre as pessoas para exercerem o autocontrole na sexualidade, agressão, emoções de um modo geral e, cada vez mais, na área das relações sociais; e, no nível da personalidade, um aumento da importância da consciência (‘supe- rego’) como reguladora do comportamento (ELIAS, DUNNING, 1992, p. 30). A partir dessa citação, torna-se explícita a compreensão do autor de que existe uma mútua influência dos níveis individual e coletivo, e do público e do privado, na configuração das relações sociais. Em relação ao período que estamos estudando, a formação dos Estados Modernos, acompanhamos o aumento do poder e do prestígio social da burguesia, que passa a realizar uma figuração da “sociedade de corte” e, ao mesmo tempo, uma proximidade entre a aristocracia e o rei, em função das atribuições de cobrança de impostos e da conformação dos exércitos profissionais. A pressão da vida de corte, a disputa pelo favor do príncipe ou do ‘grande’ e depois, em termos gerais, a necessidade de distinguir-se dos outros e de lutar por oportunidades através de meios relativamente pacíficos (como a intriga e a diplomacia), impuseram uma tutela dos afetos, uma autodisciplina e um autocontrole, uma racionalidade distintiva de corte (ELIAS, 1994, p. 18). As transformações ocorridas no âmbito privado também tiveram reflexos na esfera pública. Assim, houve uma preocupação de que as sedes administrativas das cidades e dos reinos fossem luxuosas, assim como as igrejas e outros espaços públicos, como as praças, os jardins e certas festas, com banquetes e desfiles. Os contatos estabelecidos com outros povos também permitiram a assimilação de saberes de outras culturas e fomentaram o desenvolvimento de novos conhe- cimentos na Europa Ocidental. Foi a partir da expansão europeia pelo mundo que houve o contato com povos cujos costumes, língua e produtos eram muito diferentes. Para alcançar esses povos — e, também, seus territórios, na lógica colonial europeia — foi necessário o desenvolvimento de saberes relacionados à cartografia e à geografia. Houve também uma transformação dos registros: grandes navegadores passaram a escrever “diários de bordo”, que serviam como orientações. 9A formação dos Estados Modernos e o Antigo Regime Do ponto de vista da compreensão do ser humano sobre si e sobre o mundo, houve: [...] o abandono de concepções e preocupações construídas em função de uma ordenação sobrenatural ou extraterrena do mundo e do homem, no homem em si mesmos [e] o avanço da secularização, quer dizer, o recuo das formas de pensamento e das instituições eclesiásticas, a afirmação do Estado como rea- lidade própria, o desenvolvimento de teorias científicas e filosóficas apoiadas no racionalismo e no humanismo, renegando a plano secundário o primado da teologia; [e] a afirmação, pouco a pouco, do individualismo burguês. Assim, durante o processo de transição, o universo ideológico medieval (ou católico- -feudal) cede lugar ao universo ideológico moderno (secular, imanentista, racionalista, individualista) ou burguês (FALCON, 1996, p. 37-38). O Antigo Regime A expressão “Antigo Regime” é facilmente encontrada na história da his- toriografi a, em livros didáticos e outros materiais encontrados na internet. Costumeiramente, é utilizada para se referir à organização econômica (mer- cantilismo), política (Estado absolutista) e social (sociedade estamental ou de ordens) surgida na Europa ao fi nal da Baixa Idade Média, consolidando-se no século XVII. Mas você sabe como surgiu o termo Antigo Regime e a partir de quando ele se consolidou na historiografi a? Para Florenzano (1996), foi Alexis de Tocqueville, na conjuntura posterior à Revolução Francesa (1789), que converteu a expressão “Antigo Regime” em um conceito, atribuindo a ele o caráter de anterioridade à Revolução, que não significou uma ruptura na realidade, mas, sim, nas “consciências”: É sabido que uma vez iniciada a Revolução francesa, isto é, pelo menos desde o mês de julho de 1789, os revolucionários logo batizaram de "Antigo" o "Regime" que eles estavam pondo à baixo. Em suma, desde a Revolução francesa, todos falam em Antigo Regime para designar o período imediatamente a ela anterior. Mas ninguém antes de Tocqueville havia dado ao termo o estatuto de um conceito, de uma categoria histórica definida. Já foi notado que o Antigo Regime tem um momento preciso de falecimento, isto é, julho-agosto de 1789, mas não tem um momento preciso de nascimento. (FLORENZANO, 1996, documento on-line). Durante esse período, a organização da sociedade foi marcada pela continuidade da sociedade estamental ou de ordens, característica da Idade Média, e que tinha como fundamento de diferenciação social o privilégio de nascimento, ou seja, a A formação dos Estados Modernos e o Antigo Regime10 riqueza não se constituía como um critério de hierarquização social. “A ideia de estamento expressa uma concepção de sociedade na qual os homens se encontram agrupados em corpos sociais distintos e hierarquizados em função da importância que têm, ou acreditam ter, para o conjunto da sociedade” (RODRIGUES; FALCON, 2006, p. 39). A partir dessa divisão estamental, estabelecem-se os direitos e os deveres, que, em muitos casos configuravam-se como privilégios. Tendo origem provavelmente na antiga distinção de origem medieval entre os que rezam, os que lutam e os que trabalham, a ideologia estamental baseia-se no pressuposto de que os indivíduos só existem realmente como integrantes de algum tipo de corpo social; além disso, a noção de estamento relaciona-se à ideia de estado, isto é, a forma ou maneira de ser e estar no mundo, a qual, ao menos a princípio, é dada pelo nascimento (RODRIGUES; FALCON, 2006, p. 40). Entretanto, uma diferença importante em relação ao medievo é que, na Idade Moderna, o Estado legitimará e preservará a existência dessa sociedade, garantindo os privilégios do Primeiro e do Segundo Estado, formados pelo alto clero e pela nobreza. O Terceiro Estado, o qual correspondia à maior parte da população, era o mais explorado na cobrança de impostos e tributos. Bastante diversificado internamente, no Terceiro Estado. Encontravam-se os artesãos, a burguesia, os camponeses livres, os trabalhadores urbanos e os servos. Lembremos que a estra- tificação era extremamente rígida, uma vez que a posição social era determinada pelo nascimento. Veja essa organização social na Figura 1, a seguir. Figura 1. Estrutura social do Antigo Regime. 11A formação dos Estados Modernos e o Antigo Regime E como se dava a relação entre a nobreza e a burguesia no Antigo Regime? Raminelli (2013) nos apresenta um apanhado historiográfico com diferentes perspectivas sobre essa relação, que variam de acordo com as vertentes teóricas dos autores. Na década de 1950, “Christopher Hill defendia que a monarquia absoluta era comandada pela nobreza, enquanto Perry Anderson a considerou instrumento político para proteção da nobreza amedrontada” (RAMINELLI, 2013, documento on-line). Já Elias, segundo Raminelli (2013, documento on-line) considera que “[...] os indivíduos burgueses almejavam para si e para sua família um título aristocrático, com os privilégios que o acompanhavam”. “Ou melhor, por buscar honras e privilégios, a burguesia não objetivava eliminar a nobreza, mas antes intentava ocupar seus postos, sobretudo exibir títulos, frequentar a corte e a intimidade do rei” (RAMI- NELLI, 2013, documento on-line). Podemos afirmar, dessa forma, que a sociedade estamental da Idade Mo- derna preservava, com modificações, a ordem social feudal. Havia uma nova ordenação social e novas relações de poder, com novas características, como o rei e a nobreza. O Primeiro e o Segundo Estado tinham uma série de isenções tributárias,além da exclusividade de acesso aos cargos políticos — não havia igualdade entre os estamentos sociais. É também por meio dessa sociedade estamental que vemos a emergência da ideia de indivíduo, que pode comprar títulos de nobreza — lembrando que a emergência do indivíduo como objeto filosófico e jurídico, assim como o estabelecimento de práticas religiosas e políticas voltadas para a existência individual, não implica a desarticulação da sociedade corporativa. As sociedades do Antigo Regime resultam da convergência de diferentes processos de transformação nos campos econômico, político, religioso e cultural, marcando continuidades e rupturas em relação ao período medieval. Tinham uma visão de mundo aristocrática ou tradicional, conferindo certa unidade e identidade entre os estamentos da sociedade, a chamada “sociedade de corte”, como estudada no tópico anterior. “A noção de estado remetia a uma certa maneira de se estar no mundo, uma característica que constituía o elemento comum a todos os indivíduos pertencentes a um mesmo estado. Significava, portanto, uma certa comunidade de origens, estilos de vida e visões de mundo, além de se traduzir, na prática, num espírito fortemente corporativo” (RODRIGUES; FALCON, 2006, p. 40). A formação dos Estados Modernos e o Antigo Regime12 ANDERSON, P. Linhagens do estado absolutista. São Paulo: Brasiliense, 1989. ELIAS, N. O processo civilizador: formação do Estado e da civilização. Rio de Janeiro: Zahar, 1994. v. 2. ELIAS, N.; DUNNING, E. A busca da excitação. Lisboa: DIFEL, 1992. FALCON, F. J. C. Mercantilismo e transição. São Paulo: Brasiliense, 1996. FLORENZANO, M. Notas sobre tradição e ruptura no renascimento e na primeira modernidade. Revista de História, n. 135, p. 19-30, 1996. Disponível em: http://www. revistas.usp.br/revhistoria/article/view/18793. Acesso em: 5 dez. 2019. OLIVEIRA, O.; OLIVEIRA, T. O processo civilizador segundo Norbert Elias. In: SEMINÁRIO DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO DA REGIÃO SUL, 9., 2012, Caxias do Sul. Anais [...]. Rio Grande do Sul: UCS, 2012. 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A formação dos Estados Modernos e o Antigo Regime14 HISTÓRIA DA AMÉRICA: DAS INDEPENDÊNCIAS AOS DESAFIOS CONTEMPORÂNEOS Caroline Silveira Bauer Modernidade e vanguarda artística na América Latina Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Identificar as condições sociais e políticas que permitiram o surgimento de vanguardas artísticas na América Latina. Apresentar as origens da Semana de Arte Moderna no Brasil e seus impactos na arte brasileira no século XX. Reconhecer as características do movimento artístico muralista no México. Introdução As transformações econômicas, políticas e sociais características do final do século XIX e início do século XX, decorrentes de fenômenos como a industrialização, as reformas urbanas e o aumento populacional, criaram novos padrões de sociabilidade e de vida para os habitantes de capitais como Buenos Aires, Cidade do México, Lima, Santiago e Rio de Janeiro. Alguns autores falam em modernidade e modernização, processos que também influenciaram a produção cultural do período. O “mundo mo- derno” na América Latina deu origem às chamadas vanguardas artísticas latino-americanas. Vamos conhecer um pouco mais sobre a arte latino- -americana nessas décadas? Neste capítulo, você compreenderá as transformações pelas quais as sociedades latino-americanas passaram no final do século XIX e início do século XX que possibilitaram o desenvolvimento de novas correntes artísticas. Além disso, aprenderá mais sobre o modernismo no Brasil e a Semana de Arte Moderna de 1922. Por fim, conhecerá detalhes sobre o muralismo no México como expressão de uma arte engajada. 1 A vanguarda artística na América Latina O surgimento das vanguardas artísticas na América Latina ocorreu em um período chamado por muitos autores de modernização. Segundo Gustavo Beyhaut e Hélène Beyhaut (1985), devemos considerar “modernização” como um desejo de mudança, que se materializou em certos aspectos, característica de amplos setores da sociedade, não somente de grupos artísticos ou intelectuais isolados. Assim, como estilo de vida, a modernização difere de tendências comportamentais anteriores, que procuravam imitar estilos europeus. Esse processo caracterizou-se por costumes, hábitos, ideias e valores provenientes de uma seleção de referências europeias, mas adaptando-as à realidade latino- -americana. Da mesma forma, a modernização não seria um movimento apenas dos altos estratos da sociedade, atingindo também setores médios e até mesmo grupos subalternos, uma possibilidade criada pela urbanização, com um maior acesso à economia monetária, com novos meios de comunicação de massa e, assim, com a difusão de novas atitudes (BEYHAUT; BEYHAUT, 1985). Por fi m, devemos ressaltar que a modernização pode ser compreendida como um movimento crítico dos padrões culturais vigentes, apresentando alternativas de renovação das artes plásticas, da literatura e da música. Isso não significa que devemos entender a modernidade, ou até mesmo o modernismo cultural latino-americano no singular, como um evento único. Como bem lembram McMahon e Giraud (2018, documento on-line), “[...] o conceito de modernidade, na esteira de suas variações europeias reveladas às vésperas do século XX — tecnológicas, políticas, artísticas —, está, da mesma forma, marcado pela disparidade das experiências nos locais e nos espaços das Américas”. Do ponto de vista econômico, essa nova realidade é caracterizada pelo crescimento do mercado interno, com tentativas de substituição de importações, mediante o desenvolvimento da indústria. Essas transformações econômicas ocorreram paralelamente às mudanças sociais, com novos postos de emprego e trabalho e surgimento de grupos empresariais, industriais, proletários e classes médias, de maneira geral. O contexto global no qual se desenvolveu o processo das vanguardas estéticas latino-americanas foi marcado por alguns fatos significativos: a Revolução Mexicana, a Primeira Guerra Mundial, a Revolução Russa, a crise econômica mundial, no bojo da quebra da Bolsa de Nova York, de 1929, e o início da Segunda Guerra Mundial. Discuti-las requer estabelecer diálogoentre os acontecimentos políticos e culturais na Europa e América e as mudanças de ordens social, econômica, política e comportamental, engendradas a partir destes fatos (MOTTA, 2016, documento on-line). Modernidade e vanguarda artística na América Latina2 Essas mudanças estruturais econômicas e sociais fomentaram diferentes formas de nacionalismo. No México, houve uma valorização dos povos originários; no Paraguai, uma valorização do folclore indígena e do idioma guarani; no Brasil, debateu-se fervo- rosamente a identidade brasileira e o papel da mestiçagem; na Argentina e no Uruguai, houve uma valorização da figura do gaucho; no Caribe, valorizou-se a cultura negra e as discussões sobre a negritude; e a exceção parece ser o Peru, em que os povos originários, relegados a uma situação de marginalismo e miséria, continuaram sendo depreciados enquanto componente cultural (BEYHAUT; BEYHAUT, 1985). As vanguardas latino-americanas são caracterizadas por diferentes escolas ou movimentos, em uma sucessão de -ismos (MCMAHON; GIRAUD, 2018). Em vários países da América Latina, surgiram vanguardas artísticas, englo- bando diferentes manifestações, todas em combate por novas manifestações culturais motivadas pelas mudanças econômicas, políticas e sociais. O que foram as vanguardas? No sentido cultural, de acordo com Romilda Motta (2016, documento on-line), o conceito foi aplicado “[...] para definir movimentos estéticos que ganharam notoriedade na Europa e que tinham entre as propostas a ruptura, o questionamento dos cânones da Academia, a revisão dos sentidos e apropriações da arte”. Se o termo vanguarda se tornou comum nos países hispânicos, no Brasil esse movimento ficou conhecido como modernismo. Segundo Motta (2016, documento on-line): [...] nas décadas iniciais do século XX o fenômeno das vanguardas artísticas ganhou dimensões continentais atingindo distintos países e grupos, ainda que não homogêneos nem com a mesma intensidade e/ou características. Caracterizou-se por um caráter multidisciplinar, pois as produções do perí- odo deixaram marcas na literatura, pintura, escultura, arquitetura, música. Há que se considerar uma imensa diversidade de nomes, lugares, realidades, linguagens e tendências envolvidas. Em nenhum momento as propostas, perspectivas e nomes apresentaram natureza compacta nem um sistema coeso. Do ponto de vista literário, nesse período surgiu um público leitor que esti- mulou o tratamento de certos temas diferentes daqueles que predominavam nas obras procedentes do exterior, principalmente a bibliografia francesa. Assim, ampliou-se o mercado editorial em espanhol e em português. Difundiram-se obras de poetas latino-americanos, como Cesar Vallejo (Peru), Pablo Neruda (Chile) e Nicolás Guillén (Cuba). Da mesma forma, houve uma proliferação 3Modernidade e vanguarda artística na América Latina de romances, que pretendiam dar a conhecer a sociedade latino-americana, suas características e seus problemas. Podemos citar Mariano Azuela e Carlos Fuentes (México), Alejo Carpentier (Cuba), José Eustasio Rivera (Colômbia), Rómulo Gallegos (Venezuela), Jorge Icaza (Equador), Roa Basolltos (Peru), Miguel Angel Asturias (Guatemala), Jorge Luis Borges, Julio Cortázar, Bea- triz Guido, Ernesto Sábato, Juan Carlos Onetti (Argentina) e, no Brasil, José Lins do Rego, Graciliano Ramos, Jorge Armado, entre outros. Esses autores assemelham-se por uma narrativa que permite conhecer mais os problemas e as realidades desses países. Além do romance, houve um florescimento de ensaios e do teatro (BEYHAUT; BEYHAUT, 1985). De acordo com Capelato (2005, documento on-line), [...] na literatura, o primeiro modernismo correspondeu ao momento em que os artistas procuraram superar o realismo/naturalismo, o romantismo e as representações humanistas, incorporando um estilo, uma técnica e uma forma capazes de expressar uma busca interior profunda. Nas artes plásticas e na música, apareceram algumas características apresen- tadas anteriormente. Em toda a América Latina, surgiram escolas e tendências inspiradas em escolas europeias, mas com adaptações às realidades locais (BEYHAUT; BEYHAUT, 1985). Caracterizou-se por uma busca de construção da identidade nacional que levou os artistas intelectuais ao encontro das tradições e raízes nacionais. Refiro-me aos ‘artistas intelectuais’, porque os modernistas dos anos 1920 abriram um amplo debate de ideias sobre a natureza da arte e sua relação com a nacionalidade. Além da produção artística, escreveram manifestos, criaram revistas, tiveram ampla participação na grande imprensa e se preocuparam em refletir sobre a sua sociedade, os impasses e possibilidades de mudança com ênfase no campo cultural (CAPELATO, 2005, documento on-line). Assim, podemos falar do muralismo mexicano, surgido quando o governo mexicano fez a primeira encomenda de um mural a Diego Rivera em 1921. Rivera, José Clemente Orozco e David Alfaro Siqueiros pintaram murais com temáticas indígenas e sociais, e todos se envolveram em polêmicas, lançamentos de manifestos e outras formas de militância política (BEYHAUT; BEYHAUT, 1985). Na pintura, também destacamos o nome de Rufino Tamayo (México), Wifredo Lam, Amelia Peláez, Cundo Bermúdez, Mario Carreño e Martínez Pedro (Cuba), Cândido Portinari e Tarsila do Amaral (Brasil), Pedro Figari e Joaquin Torres Garcia (Uruguai), Emilio Pettoruti (Argentina) e Oswaldo Guayasamín (Equador) (Figura 1) (BEYHAUT; BEYHAUT, 1985). Modernidade e vanguarda artística na América Latina4 Figura 1. Manos de Protesta (1968), do pintor equatoriano Oswaldo Guayasamín. Fonte: Guayasamin (2013, documento on-line). Para Capelato (2005, documento on-line): [...] o pintor uruguaio Torres-García, em uma de suas obras [...] virou o mapa da América do Sul de ponta cabeça [Figura 2] e com relação a essa imagem, afirmou: “Nós temos ideia da nossa verdadeira posição, nos vemos não como o resto do mundo gostaria de nos ver”. A obra expressa não apenas o desejo de definir uma identidade própria, rompendo com a tradicional dependência do sul em relação ao norte, mas também o dilema de muitos artistas latino-americanos relacionados à seguinte questão: como produzir uma arte não colonizada. Figura 2. América invertida (1943), de Joaquín Torres-García. Fonte: García (2012, documento on-line). 5Modernidade e vanguarda artística na América Latina Na arquitetura, destacamos citamos Oscar Niemeyer e Lucio Costa (Bra- sil), José Vilagrán García (México), Sérgio Larrain (Chile) (BEYHAUT; BEYHAUT, 1985). Na música, tivemos Heitor Villa-Lobos (Brasil), Car- los Chávez e Silvestre Revueltas (México), Alberto Ginastera (Argentina) (BEYHAUT; BEYHAUT, 1985). Como transformações culturais impulsionadas pela modernização, podemos citar ainda as revistas literárias, os cafés, as associações, os cineclubes, grupos teatrais, oficinas artesanais (BEYHAUT; BEYHAUT, 1985). Quanto à dança, a relação com o corpo mudou significativamente a partir das vanguardas: O retorno às artes tribais e ao psiquismo primitivo opõe o mecanismo da modernidade aos movimentos do corpo, no que esses têm de intuitivo ou na- tural. A modernidade do corpo estaria, então, relacionada com seu potencial expressivo e significante, em uma relação de contato ou de comunhão com seu ambiente. A inteiração com o solo garantiria a autenticidade da criação, ao mesmo tempo em que faria surgir cenários da história americana, como em algumas coreografias dos anos 30. Assim, a ruptura com a tradição acadêmica europeia passa pelo mito de uma volta às origens (MCMAHON; GIRAUD, 2018, documento on-line). Dessa forma, podemos caracterizar as vanguardas artísticas latino-ame- ricanas como um movimento heterogêneo, que não possuía um programa único, mas se caracterizava por diferenças estéticas, ideológicas e políticas. A pluralidade também pode ser observada nas modalidades artísticas, que foram da arquitetura à literatura, passando pelas artes plásticas epela música. Assim, as vanguardas eram múltiplas, com distintas percepções de acordo com o pertencimento geográfico ou nacional geracional, além das outras diferenças apontadas. 2 A Semana de Arte Moderna no Brasil A década de 1920 no Brasil foi um período de grande efervescência política e social. Em 1922, houve a primeira revolta dos tenentes, foi criado o Partido Comunista do Brasil (PCB) e celebrou-se o centenário da independência do Brasil. Paralelamente a esses eventos, ocorreu em São Paulo a chamada Semana de Arte Moderna, que representaria uma ruptura em relação às manifestações artísticas e culturais dominantes no país. Modernidade e vanguarda artística na América Latina6 A Semana ocorreu entre os dias 13 e 17 de fevereiro de 1922, no auditório do Teatro Municipal de São Paulo. Capelato (2005, documento on-line) narra como se deu a organização do evento: O escritor e diplomata Graça Aranha, que morou na Europa entre 1900 e 1921, foi o seu promotor. Ele convivera com a agitação intelectual e artística do período e incorporara concepções estéticas do “espírito moderno”. Quando voltou ao Brasil em 1921, trouxe a notícia do Congrès de l’Esprit Moderne, que seria realizado na Europa por iniciativa dos dadaístas e puristas em 1922. O evento não aconteceu, mas inspirou a organização da Semana de Arte Mo- derna paulista programada para comemorar o centenário da independência. Seu objetivo era divulgar um movimento de renovação da arte e de recu- peração da temática nativista. Naqueles dias, arquitetos, artistas plásticos, escultores, intelectuais, literatos e músicos realizaram encontros artísticos, literários e musicais, além da exposição no saguão. Mas por que a Semana de Arte Moderna ocorreu em São Paulo? A historia- dora Maria Helena Capelato (2005, documento on-line) nos ajuda a encontrar uma resposta para a realização desse evento na capital paulista: O significativo desenvolvimento cafeeiro ocorrido em São Paul, entre o final do século XIX e as primeiras décadas do XX incentivou o progresso material do estado que indiretamente favoreceu o desenvolvimento industrial e a urbanização acelerada. Nesse contexto, a cidade de São Paulo se projetou como grande centro urbano, no qual conviviam ex-escravos e imigrantes estrangeiros mal assimilados às novas condições da vida urbana e fabril. O conflito urbano não tardou a se manifestar nesse espaço de identidades mutantes. Os políticos responsáveis pela chamada “velha República”, segundo seus críticos, não conseguiam solucionar os problemas políticos e sociais, e eram impermeáveis aos sinais dos novos tempos, estando mal integrados no cenário da modernização contemporânea. A Semana impactou significativamente o público, que rechaçou muitas das obras, consideradas ousadas demais para a realidade brasileira e para os hábitos da elite consumidora de arte no Brasil. Capelato (2005, documento on-line) afirma que a Semana de Arte Moderna de 1922 foi considerada um divisor de águas na cultura e nas artes do continente latino-americano: Considerada marco do modernismo latino-americano, ela contribuiu para o desenvolvimento de pesquisas formais e de uma nova linguagem artística em relação a várias artes. A partir dessa experiência, surgiram, em todos os cantos do Brasil, revistas culturais; algumas delas lançaram manifestos que exaltaram a integração do país no mundo da técnica e da mecânica. 7Modernidade e vanguarda artística na América Latina Do ponto de vista do conteúdo, houve uma mescla de tendências das vanguardas europeias com temas nativistas, buscando as raízes culturais brasileiras. A partir da Semana, os então chamados modernistas brasileiros demonstraram que sua arte se opunha ao romantismo e ao parnasianismo, considerados conservadores e ultrapassados, e, de maneira geral, rechaçavam as tendências artísticas do século XIX. Artistas ligados ao movimento modernista brasileiro tiveram grande contato com representantes das vanguardas europeias. Este foi o caso, por exemplo, de Tarsila do Amaral [Figura 3], uma das mais expressivas representantes do modernismo no Brasil dos anos 1920. A artista não participou da Semana de Arte Moderna de 1922 porque estava na Europa, mas quando voltou ao Brasil, junto com o literato Oswald de Andrade, integrou-se no movimento modernista. O casal teve uma participação decisiva na renovação cultural brasileira (CAPELATO, 2005, documento on-line). Figura 3. Antropofagia, de Tarsila do Amaral, pintado em 1929. Fonte: Amaral (2012, documento on-line). Após a realização da Semana, diversos grupos lançaram manifestos, como o Pau-Brasil, a Antropofagia, o Verde-Amarelismo, e publicações, como a revista Klaxon: mensário de arte moderna, lançada em maio de 1922. Não havia uma unicidade entre os integrantes dos diferentes grupos, que muitas vezes até se opunham politicamente. Modernidade e vanguarda artística na América Latina8 Apenas para exemplificar a diversidade de nomes e contrastes de perspectivas, pensemos no “mosaico” que foi o Modernismo Brasileiro. Ele reuniu num mesmo movimento, em sua fase inicial, figuras como Oswald de Andrade, caracterizado pela irreverência, provocações e radicalidade discursiva — especialmente após aproximar-se do Partido Comunista, no fim dos anos 1920 — e, ao mesmo tempo, Plínio Salgado e um nacionalismo conservador, não omitindo suas simpatias por governantes fascistas europeus (MOTTA, 2016, documento on-line). Sobre o “Manifesto Antropofágico”, publicado na revista Antropofagia, Capelato (2005, documento on-line) afirma que: Propõe a descida antropofágica como um ato de consciência, sendo que o dilema entre o nacional e o cosmopolitismo se resolveria pelo contato com as revolucionárias técnicas da vanguarda europeia e a percepção da necessidade de reafirmar valores nacionais em linguagem moderna. [...] O Manifesto contém uma releitura da História do Brasil que começa com a deglutição do bispo Pero Fernandes Sardinha pelos índios Caetés de Alagoas. [...] O autor propôs a Revolução Caraíba, após a francesa, a russa e a surrealista, como a última das utopias. Esta seria a resposta ao colonizador europeu; o aforismo tupi or not tupi criado por ele como paródia da célebre dúvida hamletiana, expressa a ênfase na criação de uma nova forma de identidade nacional. 3 O muralismo no México No México, houve a manifestação de diferentes correntes vanguardistas, todas com caráter plural, marcadas por diferentes perspectivas estéticas, ideológicas e políticas. Destacam-se o Estridentismo (1921–1927), o Grupo Ulises (1927–1928), que depois dessa data passou a se chamar Contemporáneos (1928–1931) e o muralismo (MOTTA, 2016), em torno do qual nos deteremos nesse tópico. O muralismo mexicano foi um movimento artístico que se caracterizou pela execução de pinturas de grandes dimensões em espaços públicos e em painéis ao ar livre. Foi um veículo de transmissão de uma mensagem contra a exploração dos camponeses no país, bem como de valorização de elementos culturais da sociedade mexicana. Em outras palavras, suas manifestações artísticas carregavam grande valor social, constituindo-se como uma vanguarda cultural revolucionária (ADES, 1997). Os três maiores representantes desse movimento foram David Alfaro Guerrero, Diego Rivera (Figura 4) e José Clemente Orozco, mas também podem ser citados como integrantes do muralismo mexicano Xavier Guerrero, Roberto Montenegro, Adolfo Best Maugard, Carlos Mérida, Jean Charlot, Fermín Revueltas, Ramón Alva de la Canal, Emílio García Cahero e Fernando Leal (MOTTA, 2016). 9Modernidade e vanguarda artística na América Latina Figura 4. Panorama do afresco Epopeia do povo mexicano (1929–1935), de Diego Rivera, no Palácio Nacional, Cidade do México. Fonte: Rivera (2011, documento on-line). Podemos situar em 1921 o início das atividades do grupo muralista, quando no governo de Álvaro Obregón (1920–1924), o então ministro José Vasconce- los, à frente da Secretariade Educação Pública, convidou esses artistas para realizarem um projeto artístico de grandes proporções. De acordo com Motta (2016, documento on-line): Em 1920 já havia transcorrido o período de conflitos armados da Revolução. O Estado precisava reestruturar as mais diversas instâncias da sociedade me- xicana. Também precisava se legitimar, pensar novas maneiras de se relacionar com os segmentos subalternos da sociedade, afirmar uma nova ideologia, trabalhando para convencer a população de que todos haviam sido vitoriosos na Revolução. Aos artistas foi dada a responsabilidade de expressar interpretações da história nas paredes dos prédios públicos, colocando as camadas populares como protagonistas. Los de abajo, como eram chamados, representavam os camponeses e operários, indígenas ou não. Um dos intuitos era conseguir a integração sociocultural dos índios mexicanos ao Estado nacional. Dessa forma, é impossível desvencilhar o desenvolvimento do movimento muralista dos aspectos políticos do México da década de 1920. A partir dos resultados da Revolução Mexicana, tornou-se imperativo realizar mudanças no âmbito cultural e social, e a arte contribuiria para reforçar os novos valores: o Modernidade e vanguarda artística na América Latina10 nacional, o popular o revolucionário. Além disso, a arte também possibilitaria destacar o protagonismo dos camponeses, dos indígenas e demais trabalhadores na história do México. Com a proposta aos muralistas, o ministro da educação procurava que a arte, além de servir para a busca de uma unidade nacional, deveria ser acessível a todos e mesclar elementos da cultura europeia com a dos povos originários. De acordo com Motta (2016, documento on-line), “A presença do perfil étnico, indígena, representado como protagonista nas representações da história nacional foi, indubitavelmente, uma marca”. Os três grandes nomes do muralismo mexicano, Orozco, Rivera e Siqueiros, eram integrantes do Partido Comunista Mexicano desde os primeiros anos da década de 1920. Isso não deve ser ignorado em relação à sensibilidade artística frente aos problemas políticos e sociais. Essa concepção levou-os a utilizar a arte como instrumento de mobili- zação e conscientização do grande público. Há que se considerar o tema concernente às funções pedagógica e social que a arte pode assumir. [...] A relação dos artistas com a militância política os levou a tomar partido por uma arte engajada, que se revestisse de uma função pragmática, funcional e de fácil compreensão e que servisse principalmente como uma “arma” para revolucionar a sociedade. Como resultado dessa ótica, as produções muralistas empreendidas naquela fase foram caracterizadas dentro do que se convencionou chamar de realismo social, interpretado, também, como “arte engajada”, em detrimento da “arte desinteressada” ou “arte pela arte” (MOTTA, 2016, documento on-line). ADES, D. Arte na América Latina. São Paulo: Cosac & Naify, 1997. AMARAL, T. do. Antropofagia. In: WIKIART, 2012. Disponível em: https://www.wikiart.org/ en/tarsila-do-amaral/antropofagia-1929. Acesso em: 11 jul. 2020. BEYHAUT, G.; BEYHAUT, H. História universal silgo veintiuno III: de la independencia a la segunda guerra mundial. México: Siglo XXI, 1985. CAPELATO, M. H. R. Modernismo latino-americano e construção de identidades através da pintura. Revista de História, n°. 153, 2005. Disponível em: http://www.revistas.usp.br/ revhistoria/article/view/19012/21075. Acesso em: 11 jul. 2020. 11Modernidade e vanguarda artística na América Latina Os links para sites da web fornecidos neste capítulo foram todos testados, e seu fun- cionamento foi comprovado no momento da publicação do material. No entanto, a rede é extremamente dinâmica; suas páginas estão constantemente mudando de local e conteúdo. Assim, os editores declaram não ter qualquer responsabilidade sobre qualidade, precisão ou integralidade das informações referidas em tais links. GARCÍA, J. T. Inverted America. In: WIKIART, 2012. Disponível em: https://www.wikiart.org/ pt/joaquin-torres-garcia. Acesso em: 11 jul. 2020. GUAYASAMIN, O. Hands of protest. In: WIKIART, 2013. Disponível em: https://www.wikiart. org/pt/oswaldo-guayasamin/el-grito. Acesso em: 11 jul. 2020. MCMAHON, F.; GIRAUD, P.-H. As modernidades nas Américas: desde as vanguardas até hoje. Idées d'Amériques, nº. 11, 2018. Disponível em: https://journals.openedition.org/ideas/ pdf/3151. Acesso em: 11 jul. 2020. MOTTA, R. C. 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