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Processos Cognitivos

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UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro 
Discente: Marina Silva dos Santos 
DRE: 118173606 
 
Patologização da vida e controle dos corpos 
 
Segundo o filósofo e ensaísta coreano Byung-Chul Han, a sociedade 
contemporânea ocidental, fortemente influenciada pelo modelo de socialização 
capitalista, opera hoje um deslocamento na lógica de produção de 
subjetividades. Não mais o sujeito de controle preconizado pelo filósofo francês 
Michel Foucault. Não mais a sociedade onde as instituições assemelham-se a 
prisões e onde o controle é exercido diretamente sobre os cidadãos, por meio do 
condicionamento ativo, com amplo uso da violência; e cujo intuito é o de corrigir 
com base na força e no encarceramento os comportamentos desviantes. 
Agora, impera sobretudo o sujeito de desempenho1, ao mesmo tempo 
vítima e algoz de si. O estatuto-mor do neoliberalismo (atual modelo de gestão 
do capital) determinado sobretudo pelo acentuar brutal do individualismo 
decretou: somos todos – única e exclusivamente – culpados por nossos 
fracassos. 
Ocultando a dimensão biopsicossocial – ou seja, a noção de ser 
constituído por três dimensões distintas: biológica, psíquica e social – dos 
sujeitos humanos; ao fazê-los esquecer que “o desenvolvimento do indivíduo[...] 
está atrelado às apropriações das formas historicamente instituídas da atividade 
humana2”, ou seja, que: 
“Os homens fazem sua própria história, mas não a 
fazem como querem; não a fazem sob circunstâncias de 
 
1 HAN, Byung-Chul. Sociedade do cansaço. Tradução de Enio Paulo Giachini. Petrópolis: Vozes, 2015. 
2 Leonardo, S.T.L., & Silva, S.M.C. da (2022). A relevância da escola no desenvolvimento das funções 
mentais superiores: Contrapondo-se à medicalização. Ps icologia Escolar e Educacional, 26, 1-9. 
sua escolha, e sim sob aquelas com que se defrontam 
diretamente, legadas e transmitidas pelo passado”3 
O neoliberalismo faz surgir, através de sua lógica perversa, a mais violenta de 
todas as violências: aquela que o sujeito dirige contra si mesmo. Assim “cada um 
então se crê (é encorajado a crer-se) dono falido de seu próprio destino, quando 
não passou de um número colocado pelo acaso numa estatística”4. 
Muda-se o sujeito, mudam as formas de controle e submissão dos 
indivíduos; permanece, entretanto, o mesmo objetivo: adequar, “ajeitar”, formatar 
o sujeito de maneira tal que se enquadre neste modelo de socialização normativo 
pré-definido. O sujeito de desempenho, em sua condição mais própria, é o sujeito 
da eterna produção. Não é mais a sociedade que lhe impõe o dever e a obrigação 
de trabalhar; não há mais a figura dos guardas, dos vigilantes. Agora, o próprio 
sujeito se policia e se pune – condicionado que foi – por não ser capaz de 
acompanhar o ritmo da produção incessante, do consumo perpétuo. Não há mais 
cidadãos, apenas consumidores. 
 Incapaz de acompanhar a velocidade das interações e o fluxo contínuo de 
informações, cada vez mais a medicalização aparece para o sujeito 
contemporâneo como um componente necessário – quiçá essencial – na 
manutenção dos vínculos socioculturais de que dispõe. A patologização da vida 
tem começado, assim, desde a infância. Crianças, tão logo começam a destoam 
da norma comportamental esperada, são comumente submetidas a batalhões 
de psicólogos e psiquiatras que buscam, por meio do discurso e da técnica, 
escamotear problemas de ordem sociopolítica – como o processo de 
escolarização – para questões biológicas particulares – “meros” problemas de 
aprendizagem. Assim, o ajuste comportamental é efetuado não observando a 
experiência singular do paciente, mas por meio de "padrões esperados de 
conduta social de forte conotação moral5". 
 Medicalizado, o indivíduo passa a constituir a norma da sociedade de 
desempenho. Não havendo espaço para o chamado “desvio-padrão”, a 
 
3 MARX, Karl. O 18 brumário de Luís Bonaparte. São Paulo: Boitempo, 2011. 
4 FORRESTER, Viviane. O horror econômico. Tradução de Álvaro Lorencini. São Paulo: UNESP, 1997. 
5 Neves, T. I., & Souza, V. J. L. (2022). Patologia do desempenho: TDAH, drogas estimulantes e formas de 
sofrimento no capitalismo. Psicologia: Ciência e Profissão, 42, 1-13. 
normativa da sociedade neoliberal é a adequação de todas as formas de conduta 
ao modelo produtivo; excetuando-se os casos onde o desvio pode ser, utilizando-
se do linguajar empresarial, “profitável”, ou seja, passível de comercialização e 
lucro subsequente. As subculturas vão sendo, desta maneira, lentamente 
“adequadas” ao modelo de produtividade capitalista na medida mesma que 
gozam, ilusoriamente, de um senso de contra-hegemonia. 
 Neste mundo do autopoliciamento e do fluxo incessante de informações 
que constitui a sociedade neoliberal, a atenção é cada vez mais difusa, cada vez 
mais desatenta dos males que incidem sobre o sujeito. Focado em tudo o que 
lhe é apresentado, o indivíduo se perde no mar de ofertas e anúncios, disperso 
no mundo hipnótico da propaganda e, deste modo, atenta-se para o fato de que 
“a subjetividade contemporânea não sofre de falta de foco, mas antes de 
excesso de focalização”6. 
O sujeito está sempre consciente e, ao mesmo tempo, perpetuamente 
desatento. Tudo é rapidamente consumido e descartado num ciclo que engloba 
também – e principalmente – o próprio sujeito na lógica da reificação7 pois ele, 
por sua vez, torna-se também um objeto passível de descarte em face da 
incapacidade de atualizar-se na própria impossibilidade de consumir com a 
mesma velocidade e frequência os conteúdos que lhe são ofertados. 
Incompreendido e humilhado, o sujeito da sociedade neoliberal preda a si 
mesmo sem perceber. Vítima de uma marginalização impiedosa, ao indivíduo 
incapaz de ser anexado por meio do controle técnico-medicinal resta apenas o 
esquecimento dos indesejados, daqueles que não souberam adequar-se para 
partilhar desta sociedade da qual ele é, sem sombra de dúvidas, o produto mais 
natural. 
 
6 Kastrup, V (2004). A aprendizagem da atenção na cognição inventiva. Psicologia & Sociedade, 16 (3), 7-
16. 
7 Conceito instituído pelo fi lósofo marxista Georg Lukács (1885-1971), através do qual um processo 
qualquer de uma realidade social ou subjetiva de natureza dinâmica e criativa passa a apresentar 
determinadas características – fixidez, automatismo, passividade – de um objeto inorgânico, perdendo 
sua autonomia e autoconsciência .

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