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AULA 1 - QUADRIL - ANATOMIA E BIOMECÂNICA DO QUADRIL Professora Nayra Rabelo 1. Morfologia Óssea e Articular do Quadril A articulação do quadril é uma articulação importante do corpo humano, que permite a conexão entre a perna e o tronco. Ela é composta por duas estruturas ósseas principais: o acetábulo e a cabeça femoral. Acetábulo: o acetábulo é uma cavidade em forma de meia lua localizada na região da pelve. Ele é formado pela fusão de três ossos da pelve: o ílio, o ísquio e o púbis. Esses três ossos se unem para criar uma cavidade que recebe a cabeça do fêmur. Cabeça Femoral: a cabeça femoral é a extremidade superior e arredondada do fêmur. Ela encaixa-se dentro do acetábulo, formando a articulação do quadril. Cápsula Articular: a articulação do quadril é envolvida por uma cápsula articular. Essa cápsula é uma estrutura fibrosa resistente que envolve e protege a articulação. Ela mantém os ossos do quadril no lugar e ajuda a estabilizar a articulação, limitando movimentos excessivos da cabeça femoral. Membrana Sinovial e Líquido Sinovial: dentro da cápsula articular, na parte interna, há uma membrana sinovial, que é uma camada fina e vascularizada. Essa membrana tem a função de produzir líquido sinovial. O líquido sinovial é um fluido viscoso que preenche o espaço dentro da cápsula articular. Ele desempenha um papel importante na nutrição e na lubrificação da articulação, reduzindo o atrito entre as superfícies dos ossos. Cartilagem Hialina: as superfícies da cabeça femoral e do acetábulo são recobertas por cartilagem hialina. Essa cartilagem é uma estrutura lisa e resistente que ajuda a reduzir o atrito entre os ossos durante o movimento da articulação, proporcionando uma superfície de deslizamento suave. Articulação Sinovial: a articulação do quadril é classificada como uma articulação sinovial devido à presença da cápsula articular e do líquido sinovial. As articulações sinoviais são conhecidas por permitirem grandes amplitudes movimentos. WPS_1660134844 Ink WPS_1660134844 Ink Figura 1: vista lateral do osso inominado direito. Figura 2: face anterior do fêmur direito. Figura 3: vista superior da articulação do quadril direito. 2. Orientação e Estabilidade do Quadril 2.1. Orientação do Acetábulo: O acetábulo possui uma orientação que é descrita em relação a três planos: Lateral (para o lado); Anterior (para a frente); Inferior (para baixo). A orientação do acetábulo para a frente é conhecida como "anteversão acetabular" ou "versão anterior do acetábulo". Essa orientação anterior do acetábulo faz com que a região anterior do acetábulo tenha menos parede óssea, o que é importante para permitir movimentos de flexão do quadril. 2.2. Orientação da Cabeça do Fêmur: A cabeça do fêmur possui uma orientação que é: Superior (para cima); Medial (para dentro, em direção ao centro do corpo); Anterior (para frente). A cabeça e o colo do fêmur também possuem uma anteversão ou versão anterior, o que significa que eles estão inclinados para a frente. 2.3. Congruência Óssea e Estabilidade: A articulação do quadril é conhecida por ter uma congruência óssea, o que significa que as superfícies articulares do acetábulo e da cabeça do fêmur se encaixam muito bem. No entanto, é importante notar que a região anterior do acetábulo tem menos parede óssea devido à anteversão acetabular, o que a torna mais suscetível à instabilidade. Para compensar essa falta de parede óssea, a região anterior do quadril é apoiada por estabilizadores passivos, que são estruturas como ligamentos e a cápsula articular que ajudam a manter a articulação firme e estável. 3. Estabilizadores Passivos do Quadril A cápsula articular que envolve a articulação do quadril não é uniforme e apresenta alguns espessamentos ou áreas onde as fibras se agrupam em ligamentos. Esses ligamentos ajudam a reforçar a cápsula e contribuem para a estabilidade da articulação. 3.1. Ligamentos Anteriores do Quadril: Ligamento Iliofemoral: este ligamento está localizado anteriormente ao quadril e suas fibras estão dispostas em forma de "Y" (também conhecido como ligamento de Bigelow). Ele desempenha um papel fundamental na prevenção da extensão excessiva do quadril e da rotação externa. Ligamento Pubofemoral: este ligamento também está localizado anteriormente ao quadril e ajuda a evitar a extensão, rotação externa e abdução excessiva do quadril. 3.2. Ligamento Posterior do Quadril: Na região posterior do quadril, há o ligamento isquiofemoral, que restringe os movimentos de extensão e rotação interna do quadril. Figura 4: ligamentos iliofemoral e pubofemoral (vista anterior) e isquiofemoral (vista posterior). 3.3. Labrum Acetabular: O labrum acetabular é uma estrutura de fibrocartilagem que reveste a borda do acetábulo. Ele não cobre completamente a borda, deixando uma área onde há o ligamento transverso, localizado na região inferior do acetábulo. O labrum tem várias funções, incluindo a vedação da articulação do quadril, a manutenção de uma pressão negativa dentro da cavidade articular e o aumento da área de contato entre o acetábulo e a cabeça do fêmur, especialmente na região anterossuperior do quadril. Uma característica importante do labrum acetabular é que ele possui pouca vascularização, ou seja, recebe um suprimento sanguíneo limitado. A falta de uma quantidade adequada de vasos sanguíneos na região do labrum significa que ele tem um potencial de cicatrização limitado em caso de lesão. A área mais vascularizada e inervada do labrum acetabular é a junção condrolabial. Esta é a parte do labrum que está diretamente conectada à cartilagem hialina que reveste o acetábulo. A presença de vasos sanguíneos e nervos nessa junção condrolabial pode permitir alguma capacidade de resposta à lesão nessa região, embora ainda limitada. É relativamente comum que indivíduos, tanto atletas quanto não atletas, desenvolvam lesões no labrum acetabular. Isso pode ocorrer, especialmente em pessoas que participam de atividades que envolvem movimentos excessivos do quadril, como torções, flexões ou movimentos repetitivos. Essas lesões podem variar em gravidade, desde pequenas lágrimas até rupturas mais significativas do labrum. É importante observar que nem todas as lesões do labrum acetabular causam sintomas evidentes. Alguns indivíduos podem ter lesões no labrum, mas permanecerem assintomáticos, ou seja, não apresentam dor no quadril. A presença de dor no quadril em resposta a uma lesão do labrum pode variar de pessoa para pessoa. 3.4. Ligamento Redondo ou Ligamento da Cabeça do Fêmur: A região interna do acetábulo é revestida por cartilagem hialina. No entanto, o centro da região (fossa do acetábulo) não é coberto por essa cartilagem. Em vez disso, a fossa do acetábulo é preenchida com um coxim gorduroso e pelo ligamento redondo. O ligamento redondo é uma estrutura que liga a cabeça do fêmur ao acetábulo. Ele se origina no ligamento transverso do acetábulo e se insere na fóvea da cabeça do fêmur, que é uma pequena cavidade na parte central da cabeça do fêmur. Ele serve como um canal protetor, ou bainha, para a passagem da artéria acetabular, que é um ramo da artéria obturatória, que é uma das principais fontes de sangue para o quadril. A artéria acetabular fornece sangue para a cabeça do fêmur, principalmente no recém-nascido, quando a cabeça do fêmur ainda não está totalmente desenvolvida. Em adultos, porém, a artéria acetabular fornece pouco ou nenhum sangue para o fêmur, sendo substituída pelas artérias circunflexas medial e lateral, que são ramos da artéria femoral, que é a principal fonte de sangue para a coxa. Ele pode estabilizar o quadril fetal, quando o acetábulo é raso e o quadril é relativamente vulnerável à luxação, ou seja, ao deslocamento da cabeça do fêmur para fora do acetábulo. O ligamento redondo pode impedir que a cabeça do fêmur saia da cavidade acetabular, mantendo-a em contato com o lábioacetabular. O grau no qual o ligamento da cabeça do fêmur estabiliza o quadril de um adulto não é conhecido com certeza. Alguns estudos sugerem que o ligamento da cabeça do fêmur tem pouca ou nenhuma influência na estabilidade do quadril adulto, enquanto outros estudos sugerem que o ligamento da cabeça do fêmur pode contribuir para a estabilidade do quadril adulto em situações de sobrecarga ou trauma. Figura 5: vista interna (aberta) da articulação do quadril à direita. Figura 6: vista interna do acetábulo. 4. Cobertura Acetabular A região anterossuperior do acetábulo tem menos parede óssea. Por isso, essa região é mais suscetível à instabilidade articular, ou seja, à perda de contato entre as superfícies ósseas. Devido à falta de anteparo ósseo da região anterossuperior do acetábulo, a cabeça femoral se move no acetábulo com mais facilidade em certos movimentos, como no de flexão, rotação lateral e adução. Esses movimentos são chamados de movimentos congruentes, pois aumentam a congruência óssea, ou seja, o grau de encaixe entre as superfícies articulares. Os movimentos congruentes permitem uma maior amplitude de movimento e uma menor resistência ao deslizamento. Em oposição, os movimentos de rotação interna, extensão e abdução fazem com que o colo e a cabeça femoral encostem mais precocemente na cavidade acetabular. Esses movimentos são chamados de movimentos incongruentes, pois diminuem a congruência óssea, ou seja, o grau de encaixe entre as superfícies articulares. Os movimentos incongruentes limitam a amplitude de movimento e aumentam a resistência ao deslizamento. Figura 7: vista anterior da pelve evidenciando a região anterossuperior do acetábulo direito. 4.1. Ângulo de Anteversão Acetabular: O ângulo de anteversão acetabular desempenha um papel crucial na função do quadril. Quando esse ângulo está dentro dos limites normais (aproximadamente 20 graus), ao traçar uma linha na região anterior e posterior da borda acetabular, essas linhas não se cruzam. Isso ocorre porque a parte anterior do acetábulo está localizada de forma mais medial (em direção ao centro do corpo) do que a parte posterior. No entanto, quando há uma redução na anteversão acetabular, as linhas traçadas na região anterior e posterior do acetábulo se cruzam. Esse cruzamento das linhas é conhecido como "sinal do cruzamento" e indica uma condição chamada retroversão acetabular, onde a cavidade acetabular está orientada de forma anormal. Figura 8: ângulo de anteversão do acetábulo. 4.2. Ângulo Centro-Borda (CB): O teto acetabular, que é a parte superior da cavidade acetabular, é a região onde ocorre a maior descarga de peso vindo do fêmur. O ângulo centro-borda desempenha um papel fundamental na avaliação da cobertura do acetábulo sobre a cabeça do fêmur, que é uma parte crítica da articulação do quadril. Esse ângulo, frequentemente medido em radiografias anteroposteriores, é um indicador do grau em que o acetábulo cobre a cabeça do fêmur. O ângulo médio CB, geralmente, varia de cerca de 20 a 39 graus, com um desvio-padrão de 4 a 6 graus. Quando esse ângulo é menor, indica uma redução na cobertura da cabeça do fêmur pela cavidade acetabular. Isso é preocupante, pois uma diminuição na cobertura pode aumentar o risco de luxação da articulação do quadril e, igualmente importante, resultar em uma área de contato menor entre as superfícies articulares. Em situações em que o teto acetabular oferece menos cobertura superior ou o acetábulo possui uma anatomia anormal (displásico), isso resulta em uma cobertura inadequada para a cabeça do fêmur, o que leva a uma área de contato menor entre essas estruturas. Quanto menor for essa área de contato, maior será a pressão exercida em pontos específicos, o que pode ser prejudicial. Por outro lado, um ângulo CB grande, geralmente superior a 45 graus, indica uma cobertura excessiva da cabeça do fêmur pelo acetábulo. Embora isso possa parecer benéfico à primeira vista, uma cobertura excessiva pode levar a problemas de impacto e lesões no quadril durante movimentos mais extremos. Essas lesões podem ocorrer devido à colisão entre as estruturas ósseas em situações de movimentação extrema da articulação do quadril. Para avaliar a cobertura do teto acetabular, os médicos utilizam o ângulo de Wiberg, que varia entre 20 e 39 graus. Esse ângulo é determinado traçando duas linhas a partir do centro da cabeça do fêmur em uma radiografia vista de frente da pelve e dos quadris em direção à borda superior do acetábulo. Um ângulo menor indica que o acetábulo não cobre adequadamente a cabeça femoral, o que é um sinal de displasia acetabular. Isso significa que há uma mobilidade e instabilidade aumentadas no quadril. Por outro lado, ângulos maiores que 45 graus indicam um excesso de cobertura acetabular em relação à cabeça femoral, resultando em menor mobilidade do quadril. Essa condição é conhecida como coxa profunda ou acetábulos protusos. Figura 9: ângulo de Wiberg e ãngulo CB. Figura 10: acetábulo displásico. Figura 11: acetábulo protuso (coxa profunda) x acetábulo displásico. 5. Versão do Colo Femoral O colo do fêmur é uma parte importante da anatomia do quadril humano e sua orientação é um aspecto relevante para a saúde e o funcionamento do membro inferior. Ele é discretamente orientado anteriormente, o que é considerado normal em um ângulo de 8 a 15 graus. Quando essa orientação se desvia desses valores normais, podem surgir condições específicas. Quando há um excesso de orientação anterior, chamamos isso de anteversão do colo do fêmur. Isso ocorre quando o ângulo de orientação é superior a 15 graus. Por outro lado, quando a orientação anterior do colo femoral é reduzida, abaixo de 8 graus, é denominada retroversão femoral. Tanto a anteversão quanto a retroversão do colo femoral têm implicações clínicas. No caso de um excesso de anteversão femoral, para compensar essa orientação, o membro inferior do indivíduo fica em rotação interna, fazendo com que a ponta do pé pareça estar voltada para dentro durante a marcha. Isso é conhecido como "marcha in toeing". Por outro lado, quando há retroversão do colo femoral, o membro inferior fica em rotação externa, resultando em uma marcha com as pontas dos pés voltadas para fora, o que chamamos de "marcha out toeing". Em pacientes com excesso de anteversão do colo femoral, é comum observar uma maior amplitude de movimento (ADM) para rotação interna. Isso ocorre porque o colo do fêmur e a cabeça femoral têm um excesso de anteversão, permitindo uma rotação interna mais ampla. Por outro lado, a rotação externa costuma estar reduzida nesses casos. Figura 12: anterversão normal, excessiva e retroversão do colo femoral. Figura 13: anteversão excessiva com compensação em rotação interna do membro inferior. 6. Ângulo Cervicodiafisário do Fêmur O ângulo cervicodiafisário do fêmur é um parâmetro importante na anatomia do quadril humano. Ele é definido como o ângulo formado entre o colo do fêmur e o eixo longitudinal do próprio fêmur. Normalmente, esse ângulo tem uma inclinação em torno de 130 graus. Quando ocorrem desvios desse ângulo em relação à norma, isso pode ter implicações clínicas. Quando o ângulo cervicodiafisário está aumentado, chamamos isso de coxa valga. Isso significa que o ângulo é maior do que o valor típico de 130 graus. Por outro lado, quando esse ângulo é menor, chamamos de coxa vara. Esse ângulo cervicodiafisário está relacionado aos músculos abdutores e rotadores laterais do quadril. Ele desempenha um papel importante no momento interno gerado pelos abdutores do quadril, que são essenciais para estabilizar a pelve, especialmente durante o apoio unipodal. O braço de alavanca interno nos músculos abdutores pode ser definido como a distância entre o centro da cabeça femoral e a inserção desses músculos no trocanter. Em casos de coxa valga e coxa vara eles podem perder eficiência. Pacientes com coxa valga muitas vezes apresentamuma inclinação do tronco na direção ipsilateral à coxa valga. Isso ocorre porque o corpo adota essa estratégia para facilitar o papel dos abdutores do quadril no controle pélvico. Essa inclinação é uma adaptação para tornar mais eficaz a função dos abdutores e manter a estabilidade da pelve. Figura 14: ângulo cervicodiafisário normal, coxa vara e coxa valga. Figura 15: marcha típica de um indivíduo com coxa valga.
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