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2 COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO 3 COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO Mato Grosso do Sul (Estado). Tribunal de Contas Coletânea de estudos de direito financeiro. Coordenador Ronaldo Chadid. Campo Grande: TCE-MS, 2016. 154p.; 21x29,7cm ISBN: 978-85-66564-05-1 1. Direito Financeiro-Coletânea. 2. Direito financeiro na administra- ção pública. 3. II. Congresso Internacional de Direito Financeiro - 10 a 12 jun./2015 - TCE-MS. I. Chadid, Ronaldo; coord. II. Título. 341.38 M433a Cecília Luna CRB 1/1202 Bibliotecária Coletânea de estudos de direito financeiro. Coordenador Ronaldo Chadid. Campo Grande: TCE-MS, 2016. Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso do Sul Campo Grande, MS Editado e impresso por Agilità Propaganda Projeto gráfico desenvolvido por Agilità Propaganda Revisão gramatical: Agilità Propaganda IMPRESSO NO BRASIL Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) 4 COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO Conselheiro Waldir Neves Barbosa PRESIDENTE Conselheiro Ronaldo Chadid VICE-PRESIDENTE Conselheiro Iran Coelho das Neves CORREGEDOR-GERAL Conselheiro Osmar Domingues Jeronymo OUVIDOR Conselheira Marisa Joaquina Monteiro Serrano CONSELHEIRA Conselheiro José Ricardo Pereira Cabral CONSELHEIRO Conselheiro Jerson Domingos CONSELHEIRO Auditores (Conselheiros Substitutos) Auditor Célio Lima de Oliveira Auditora Patrícia Sarmento dos Santos Auditor Leandro Lobo Ribeiro Pimentel Ministério Público de Contas Procurador José Aêdo Camilo PROCURADOR-GERAL DE CONTAS Procurador João Antônio de Oliveira Martins Júnior PROCURADOR-GERAL ADJUNTO Corpo Deliberativo 5 COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO Escoex Conselheira Marisa Joaquina Monteiro Serrano DIRETORA-GERAL DA ESCOEX Eurídio Ben-Hur Ferreira COORDENADOR-GERAL DA ESCOEX Cecília Luna COORDENADORIA DA BIBLIOTECA Cezar L. V. Galhardo COORDENADORIA DE PUBLICAÇÕES Danielle Sá Antonelli SECRETARIA GERAL Conselheiro Ronaldo Chadid COORDENADOR DO 2º CONGRESSO INTERNACIONAL DE DIREITO FINANCEIRO Prof. Dr. Francisco Pedro Jucá PATRONO E HOMENAGEADO Dr. Régis Fernandes de Oliveira IDEALIZADOR Dr. Ives Gandra da Silva Martins APOIO Dr. José Maria Lago Monteiro APOIO Tiragem: 500 exemplares 6 COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO APRESENTAÇÃO Na condição de coordenador do II CONGRESSO INTERNACIONAL DE DIREITO FI- NANCEIRO, realizado de 10 a 12 de junho de 2015, em Campo Grande, MS, e por ter a honra de integrar as instituições promotoras: Sociedade Paulista de Direito Financeiro – SPDF, Aca- demia Paulista de Letras Jurídicas – APLJ e Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo – FADISP, e ser o Vice-Presidente da anfitriã, Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso do Sul, apresento a coletânea dos estudos, conferências e intervenções, com o repositório das conferências e intervenções realizadas no evento. Registro a importância do congresso, já na sua segunda edição, acompanhado do anúncio do terceiro, no próximo ano, marcando a evolução do Direito Financeiro, em razão da importância e da qualidade das abordagens aos diversos temas, como o revela o sumário, mas, principalmente pelo crescente interesse que vem despertando este ramo do Direito para os estudiosos, para as instituições, para a academia e para a sociedade em geral. O primeiro congresso, acontecido em São Paulo, capital, no ano de 2014, apresen- tou a Sociedade Paulista de Direito Financeiro à comunidade jurídica, inspirado, motivado e apoiado pelo eminente jurista e homem público Dr. Régis Fernandes de Oliveira, Profes- sor Titular de Direito Financeiro da tradicional Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, desembargador aposentado do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, ex-presidente da Associação dos Magistrados Brasileiro, deputado federal por dois mandatos, e prefeito da capital paulista, transitando, assim, pelos três poderes, e, haurindo experiência e variada visão sobre a matéria, e, mais do que isto, generosamente compartilhando as luzes do seu saber e prestando relevantes serviços à sociedade e ao país. Coube ao Estado de Mato Grosso do Sul a honra e a responsabilidade de realizar o segundo, que alcançou real sucesso, por envolver numeroso público e provocar o interesse alargado da comunidade jurídica especializada, com o mérito adicional de motivar o segui- mento do projeto com a previsão da realização do III Congresso que se avizinha. O exercício deste honroso encargo, inspirado do espírito bandeirante da Sociedade Paulista de Direito Financeiro, nos levou a eleger como patrono e homenageado do evento o Prof. Dr. Francisco Pedro Jucá, arauto de primeira hora junto com o Dr. Régis Fernandes de Oliveira na idealiza- ção deste projeto de revitalização do Direito Financeiro entre nós, repondo-o no lugar que por direito lhe cabe. O homenageado exerce o magistério jurídico há mais de trinta anos. Primeiro na Universidade Federal do Pará e na Universidade da Amazônia, e, posteriormen- te, desde a segunda metade dos anos 90 em São Paulo, capital, onde é professor titular da Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo - FADISP. Tem biografia marcada pelo Direito, no Magistério e na Magistratura Trabalhista, esta desde 1987, na qual ingressou após exercer o mister de conselheiro da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção do Pará. Seus estudos e reflexões sobre o Direito Público são reconhecidos, e sua obra “Finanças Públicas e Democra- cia” constitui-se em importante contribuição para a disciplina. 7 COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO Destaco nesta apresentação, que três juristas do mais alto nível, apoiadores de pri- meira hora do projeto, fazem-se presentes, contribuindo com esta coletânea, dando a honra de sua participação com importantes trabalhos. Trata-se do Dr. Régis Fernandes de Oliveira, patrono da Sociedade Paulista de Direito Financeiro, e do Dr. Ives Gandra da Silva Martins, cujo apoio e participação no I Congresso foi essencial, e o jurista espanhol (salmantino) Dr. José Maria Lago Montero. Tenho a um só tempo a sensação confortável do dever cumprido, com o apoio vital do Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso do Sul, da Associação dos Membros dos Tribu- nais de Contas do Brasil - ATRICON e do entusiasmo de seguir, esperando contribuir para os próximos congressos. RONALDO CHADID 8 COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO A CONTABILIDADE PÚBLICA EM MUTAÇÃO E OS TRIBUNAIS DE CONTAS • INALDO DA PAIXÃO SANTOS ARAÚJO A GESTÃO PÚBLICA DA SAÚDE E A LEI COMPLEMENTAR 141/2012 • REGIS FERNANDES DE OLIVEIRA AS TRÊS LEIS ORÇAMENTÁRIAS NA CONSTITUIÇÃO • IVES GANDRA DA SILVA MARTINS DIREITO FINANCEIRO NO SÉCULO XXI - PERSPECTIVAS • FRANCISCO PEDRO JUCÁ ALGUNAS MEDIDAS PARA REDUCIR LA LITIGIOSIDAD TRIBUTARIA LOCAL • JOSÉ MARÍA LAGO MONTERO JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE E LIMITAÇÕES ORÇAMENTÁRIAS • MARCUS ABRAHAM O CONTROLE DA IMPESSOALIDADE ADMINISTRATIVA NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO • TARCISIO VIEIRA DE CARVALHO NETO O CONTROLE DA RENÚNCIA DE RECEITA • JOSÉ DE RIBAMAR CALDAS FURTADO O PRECATÓRIO E O SEQUESTRO HUMANITÁRIO EM FACE DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA • LAURO ISHIKAWA ORÇAMENTO, PLANEJAMENTO E GESTÃO: DESAFIOS E PERSPECTIVAS • JOSÉ MAURICIO CONTI UNIÃO EUROPEIA, SOBERANIA E FINANÇAS PÚBLICAS • PROF. PAULO FERREIRA DA CUNHA 10 16 35 45 62 73 93 109 120 134 144 9 COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO A CONTABILIDADE PÚBLICA EM MUTAÇÃO E OS TRIBUNAIS DE CONTAS Por Inaldo da Paixão Santos Araújo* (*) Mestre em Contabilidade. Conselheiro-presidente do Tribunal de Contas do Estado da Bahia. Professor. Escritor. inaldo_paixao@hotmail.com 01. DO NOVO PADRÃO CONTÁBIL NO SETOR PRIVADO A Contabilidade Societária, no Brasil, convergiu para as Normas Internacionais de Contabilidade (IFRS) emitidas pelo International Accounting Standards Board (IASB) ou, em livre tradução, Comitê de Normas Internacionais de Contabilidade, observando o padrão in- ternacional dominante. Esse processocontribuiu para a qualidade, transparência e comparabilidade das in- formações financeiras, ampliando a governança corporativa e possibilitando uma linguagem contábil universal no mundo dos negócios. O IASB, com sede em Londres, tem como missão estudar, preparar e emitir normas de padrões internacionais de contabilidade. O Instituto Brasileiro de Contadores (IBRACON) e o Conselho Federal de Contabilidade (CFC) representam o Brasil no IASB. O processo de convergência possui como respaldo legal o art. 177, §5º, da Lei n.º 6.404/1976 (Lei das Sociedades Anônimas). Esse dispositivo estabelece que as normas ex- pedidas pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) devem ser elaboradas em consonância com os padrões internacionais de contabilidade. Fato inevitável, pois se torna cada vez mais necessária nesse “mundo plano”, tão somente para usar expressão de Thomas Friedman, a adoção de um único padrão contábil. Nesse diapasão, ressalte-se o esforço do CFC na criação e efetivação do Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC). Esse órgão multi-institucional traduz e adapta as IRFS para o português. Até o presente momento, já foram editados 48 pronunciamentos. Esse processo de convergência foi tão relevante no meio contábil societário que, nos últimos anos, foram sancionadas duas leis ordinárias (Lei n.º 11.638/2007 e Lei n.º 11.941/2008), alterando significativamente a Lei das Sociedades Anônimas de 1976. Em resumo, as principais mudanças havidas na contabilidade societária foram: classifi- cação dos ativos e passivos em circulante e não-circulante; introdução da Demonstração dos Fluxos de Caixa e da Demonstração do Valor Adicionado; necessidade de as normas da CVM 10 COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO estarem em consonância com os padrões internacionais; introdução do conceito de empre- sas de grande porte; segregação do Ativo Intangível do Ativo Imobilizado; novo conceito para o Ativo Imobilizado; extinção da Reserva de Reavaliação e do Ativo Diferido; novos critérios de avaliação de ativos e passivos; e a criação do subgrupo Ajustes de Avaliação Patrimonial. Os comentários específicos sobre esses temas fogem dos propósitos deste artigo. 02. DO NOVO PADRÃO CONTÁBIL NO SETOR PÚBLICO No setor público brasileiro, alguns fatos foram marcantes para a evolução da Conta- bilidade Pública, tais como o Alvará de 28 de junho de 1808; o Código de Contabilidade de 1922; a Lei n.º 4.320/1964 (Lei de orçamento e balanço públicos) e a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), de 2000. A LRF, em especial, preconiza em seu art. 50 que a escrituração das contas públicas, além de observar regras específicas, deve também obedecer às demais normas de Contabili- dade Pública. Ao comentar esse dispositivo, Figueiredo et al. (2001, p. 246) preconizam que “o artigo 50 reforça e explicita normas de Contabilidade Pública já previstas pela Constituição de 1988 e pela Lei n.º 4.320/64, algumas das quais ainda não aplicadas em sua plenitude”. Razão assiste aos autores em seus comentários, pois as demais normas de Contabili- dade Pública podem ser encontradas de forma esparsa na Constituição Federal, e em vários dispositivos da Lei n.º 4.320/1964, em especial no seu título IX – Da Contabilidade, e até mes- mo na própria LRF. Embora a LRF tenha definido que a escrituração das contas públicas deve também obedecer às normas de Contabilidade Pública, o Brasil se ressentia de procedimentos contá- beis específicos pautados pelo consenso profissional. Ciente dessa lacuna, a partir de 2004 o CFC envidou esforços para apresentar suges- tões de reforma da Lei n.º 4.320/1964, que, como dito, estabelece normas para elaboração e controle dos orçamentos e dos balanços, assim como elaborar um conjunto normativo espe- cífico para a Contabilidade Pública, pautado em parâmetros internacionais. As ações foram desenvolvidas por grupos de trabalho compostos de especialistas da Academia, dos Tribunais de Contas e do Governo para idealizar proposta de modernização dos procedimentos da Contabilidade Pública. Assim é que foi aprovada a Resolução n.º 1.111/2007 do CFC, que apresenta a inter- pretação dos Princípios Fundamentais de Contabilidade sob a perspectiva do Setor Público. Também foi aprovado um novo padrão contábil, denominado de Normas Brasileiras de Con- tabilidade Aplicadas ao Setor Público (NBC TSP). 11 COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO Registre-se, por importante, que esse novel arcabouço foi incorporado aos manuais de procedimentos contábeis da Secretaria do Tesouro Nacional (STN), enquanto órgão cen- tral de Contabilidade Pública do Governo Federal. A adoção definitiva desses novos parâme- tros foi estabelecida para 2014. O processo de modernização da Contabilidade Pública iniciou-se, portanto, com a Resolução n.º 1.111/2007 do CFC. Posteriormente, com a edição da Portaria n.º 184/2008, do Ministério da Fazenda, foram estabelecidas as diretrizes a serem observadas quanto aos procedimentos, práticas, elaboração e divulgação das demonstrações contábeis, de forma a torná-los convergentes com as Normas Internacionais de Contabilidade Aplicadas ao Setor Público. Contudo, o processo de convergência com padrões internacionais se consolidou e um novo padrão contábil passou a ser adotado no Brasil, com a aprovação, a partir de 2008, das Normas Brasileiras de Contabilidade Aplicadas ao Setor Público pelo CFC e com a tradu- ção das Normas de Contabilidade do Setor Público da Federação Internacional de Contadores (IFAC), em face do IASB não possuir normas específicas para esse setor. As 11 normas de Contabilidade Pública do CFC objetivam demonstrar adequadamente a posição patrimonial e o resultado da execução orçamentária, contribuir para instrumentali- zar o controle social e aprimorar o processo de prestação de contas e de tomada de decisão no Setor Público e estão assim configuradas: Res. n.º 1.128/2008 – NBC T 16.1: Conceituação, objeto e campo de aplicação; Res. n.º 1.129/2008 – NBC T 16.2: Patrimônio e Sistemas Con- tábeis; Res. n.º 1.130/2008 – NBC T 16.3: Planejamento e seus Instrumentos sob o Enfoque Contábil; Res. n.º 1.131/2008 – NBC T 16.4: Transações no Setor Público; Res. n.º 1.132/2008 – NBC T 16.5: Registro Contábil; Res. n.º 1.133/2008 – NBC T 16.6: Demonstrações Contá- beis; Res. n.º 1.134/2008 – NBC T 16.7: Consolidação das Demonstrações Contábeis; Res. n.º 1.135/2008 – NBC T 16.8: Controle Interno; Res. n.º 1.136/2008 – NBC T 16.9: Depreciação, Amortização e Exaustão; Res. n.º 1.137/2008 – NBC T 16.10: Avaliação e Mensuração de Ati- vos e Passivos em Entidades do Setor Público e Res. n.º 1.366/11 – NBC T 16.11 – Sistema de Informação de Custos do Setor Público. Essas normas se aplicam às entidades do setor público, entendidas como tais aquelas que recebam recursos públicos. Todavia, de forma integral pelos entes governamentais, pe- los órgãos do sistema “S”, pelos conselhos profissionais e, parcialmente, por todas as outras, de modo a favorecer a prestação de contas e o controle social. Elas – as normas – também definiram que o objeto da Contabilidade Pública é o patrimônio público, que compreende o conjunto de bens tangíveis e intangíveis e os direitos, onerados ou não, que geram benefício econômico. Esse processo de mudança na Contabilidade Pública tem acarretado os seguintes im- pactos: apresentação de demonstrações contábeis mais compreensíveis para os interessados, ampliação da transparência das contas públicas, aumento das pesquisas acadêmicas sobre o tema, maior profissionalização dos serviços contábeis, principalmente no âmbito municipal, 12 COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO reestruturação das cadeiras de Contabilidade Pública nas universidades, maior responsabi- lização de contadores e gestores públicos, ampliação dos investimentos em face da maior credibilidade das demonstrações, aprimoramento das auditorias contábeis realizadas pelos Tribunais de Contas.Embora seja ponto pacífico a importância da adoção dessas normas, em face da cul- tura jurídica estritamente positivista do nosso país, não se entende a demora em se aprovar na Casa Legislativa Federal as mudanças na Lei n.º 4.320/1964. Frise-se que essa lei de orça- mento e balanço públicos, apesar de não impedir a citada adoção dos padrões internacionais, necessita de ajustes, até mesmo em face dos seus 51 anos de vigência. Tudo o mais constante, em face do processo de convergência revestir-se de evento significativo para o aprimoramento da Contabilidade Pública brasileira e para o amadureci- mento da transparência governamental, tem-se observado, pelo menos empiricamente, uma maior mobilização dos atores interessados, materializada na produção de artigos, realização de seminários, congressos, simpósios, cursos, entre outros, em torno das novas Normas de Contabilidade Aplicadas ao Setor Público. É verdade, em suma, que nunca na história brasileira se escreveram tantos artigos, ensaios e livros sobre a Contabilidade Pública. O processo de transformação da Contabilidade Aplicada ao Setor Público está apenas começando. A senda é longa e é sabido que a tarefa de se implantar novos paradigmas na área contábil demandará esforços em modernização de sistemas, capacitação de pessoal, revisão de métodos e modificação da cultura organizacional. Portanto urge valorizar a cons- tante busca da qualidade, da transparência da informação e do bom uso da coisa pública, o que ocasionará, entre outros benefícios: • demonstração da verdadeira composição patrimonial; • a correta apuração de custos dos serviços prestados; • a identificação da necessidade de se repor ativos; • melhoria das práticas de planejamento, da tomada de decisão e do controle; • definição de indicadores mais realísticos em relação às políticas públicas; e • demonstração da capacidade de se prestar e continuar prestando serviços públicos. 03. O PAPEL DOS TRIBUNAIS DE CONTAS FRENTE À NOVA CONTABILIDADE PÚBLICA O atual padrão normativo para a Contabilidade Aplicada ao Setor Público brasileiro contribui, ainda mais, quer se crer, para a melhoria do processo de accountability (obrigação do gestor dos recursos do povo de prestar contas com transparência). Esse aprimoramento no processo de dizer ao povo o que é do povo deve-se, princi- palmente, à ênfase em se demonstrar, de forma clara, adequada e oportuna, informações so- 13 COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO bre a execução orçamentária, a origem e destinação dos recursos, a composição patrimonial, os resultados econômicos e financeiros alcançados, o grau de endividamento e a capacidade de se prestar serviço de forma continuada, tudo em conformidade com padrões internacio- nais de relatórios financeiros. Em outras palavras, a nova Contabilidade Aplicada ao Setor Público exige, não somen- te, um novo plano de contas, mas também a adoção de procedimentos que permitam uma melhor visão da composição patrimonial, sem descuidar dos aspectos orçamentários e fiscais. Entre as mais relevantes inovações do novo padrão contábil para o setor público, po- de-se destacar: adoção integral do Princípio da Competência (com o reconhecimento das re- ceitas em face do fato gerador, dos pagamentos antecipados, provisão de férias, gratificação natalina, licença-prêmio, entre outros); classificação como circulante do almoxarifado; regis- tro da equivalência patrimonial, da depreciação, amortização, exaustão e reavaliação; registro da redução ao valor recuperável de ativos; reconhecimento do intangível e dos bens de uso comum; tratamento contábil adequado de arrendamentos, concessões e contingências; além de novos modelos de demonstrações contábeis. Se, por um lado, as demonstrações contábeis no Setor Público passam a observar critérios normativos internacionalmente reconhecidos, é preciso, de igual modo, que os Tri- bunais de Contas ou Casas de Auditoria digam à sociedade – de maneira tempestiva e trans- parente – que esses relatórios contábeis representam com adequação a execução orçamen- tária, a situação patrimonial e as movimentações havidas nesse patrimônio, o fluxo financeiro, o resultado das operações, bem como se as políticas públicas foram efetivas. Contudo, para que essa importante missão constitucional dos Tribunais de Contas seja desenvolvida, torna-se necessária a realização de auditorias contábeis (abarcando aspectos orçamentários, financeiros e patrimoniais) e operacionais (abrangendo questões de econo- micidade, eficiência, eficácia e efetividade), também em observância a padrões internacionais já incorporados – frise-se – pelas Normas Brasileiras de Auditoria Governamental aprovadas pelo Instituto Rui Barbosa (IRB). Sobre essa questão, impende registrar o pensar de Paulo Henrique Feijó, que, em en- trevista publicada na Revista do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais (4º trimestre 2012), assim se manifestou: Como fazer uma boa avaliação de uma prestação de contas sem uma contabilidade bem feita? Sem uma contabilidade que apresente todos os ativos e passivos? No novo modelo a análise das contas será mais complexa e os Tribunais precisarão capacitar fortemente seus servidores, senão teremos um contador no futuro e um auditor no passado. Assim, os Tribunais de Contas, além da tradicional análise da execução dos gastos e dos aspectos de legalidade, precisarão ampliar o escopo de sua atuação. As auditorias reali- zadas pelos Tribunais de Contas necessitam, cada vez mais, abarcar aspectos da propriedade, existência e realização de ativos; da ocorrência de transações; da devida abrangência dos registros; do reconhecimento tempestivo da receita; da correta avaliação e mensuração de 14 COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO ativos; do reconhecimento de todos os passivos; da devida apresentação e divulgação dos componentes patrimoniais, assim como da avaliação da efetividade das políticas públicas. Dessa forma, resta evidenciado que essas práticas modificam significativamente o le- que dos procedimentos auditoriais adotados pelos Tribunais de Contas brasileiros, de modo a fundamentar as decisões relacionadas às prestações de contas. Nesse caminho, sabiamente trilhou o saudoso professor Lino Martins da Silva, ao afir- mar, em sua última postagem em blog pessoal, que o reconhecimento de todos os ativos possibilitará que os Tribunais de Contas ultrapassem a “zona de conforto” do exame orçamen- tário para verificar se os administradores: Os critérios de reconhecimento dos passivos e estabelecer planos para a sua liquidação; O impacto dos passivos sobre recursos futuros; As responsabilidades pelo gerenciamento de passivos; A capacidade de fornecer os serviços atuais e a implementação de novos serviços. Atuaram para melhorar, manter ou substituir ativos; Identificaram ou eliminaram ativos excedentes; Preveniram perdas devido a roubo ou danos; Conheceram o impacto do uso de ativos fixos na prestação de serviços públicos; Consideraram formas alternativas de gerenciamento de custos e os serviços de entrega (remédio em casa, por exemplo). Em relação ao passivo, o professor relembrou que cabe aos Tribunais verificar: Indubitável reconhecer a pertinência dos ensinamentos do professor Lino (eterno mestre), que devem ser encarados como um constante desafio, como uma verdadeira ban- deira a ser levantada por aqueles que acreditam na auditoria governamental e que sabem que, sem uma Contabilidade Aplicada ao Setor Público transparente e que reflita corretamente os componentes do patrimônio, nenhuma forma de controle será efetiva. E, em uma gestão pública sem controle, o único derrotado será o povo. 15 COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO A GESTÃO PÚBLICA DA SAÚDE E A LEI COMPLEMENTAR 141/2012 Regis Fernandes de Oliveira* (*) Professor Titular de Direito Financeiro da Universidade de São Paulo - USP. Desembargador aposentado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo/TJSP.Patrono da Sociedade Paulista de Direito Financeiro - SPDF. Titular da Academia Paulista de Letras Jurídicas - APLJ. Foi Patrono e Homenageado do I Congresso Internacional de Direito Financeiro, SP, Junho/2014. 01. AS NECESSIDADES PÚBLICAS E SUA DISTRIBUIÇÃO ENTRE OS ENTES FEDERATIVOS. Uma vez criado o Estado (seja por que versão se entenda que ele é instituído – pacto ou dominação) ele passa a titularizar uma série de intervenções junto à sociedade. Este é o outro lado da moeda. Como Juno, com duas faces cada qual olhando para um lado. Rara- mente os olhares convergem. A atuação do Estado junto à sociedade ocorre diretamente ou de forma indireta. Na primeira hipótese, é o Estado que age, por seus próprios mecanismos, seus funcionários. In- diretamente, exerce suas atribuições através de entidades que ele cria. Até aqui é a máquina pública funcionando. Ocorre que o complexo estatal é limitado e seus recursos (financeiros, de pessoal e de estrutura) são finitos. Daí não prescindir da participação de terceiros (empre- sas existentes na sociedade) que passam a partilhar os interesses do Estado e a desempenhar atribuições que são definidas no ordenamento jurídico. As necessidades públicas são definidas na Constituição ou nas leis. Ora são atribui- ções do próprio Estado (atendimento dos interesses da sociedade) ora que ele monopoliza. A Constituição Federal, ao dispor sobre as necessidades públicas, distribui seu atendimento pe- los três entes federativos. À União reserva interesses nacionais (art. 21, em seus diversos itens e outros, esparsos, tais como educação, art. 215, saúde, art. 196 etc.). Aos Municípios aponta atribuições locais, tal como prevê o art. 30 e aos Estados, a competência remanescente (pa- rágrafo 1º do art. 25). Os entes federativos devem, a partir daí, exercer suas atribuições específicas, dentro da regra de competência. Por isso é que se diz que competente não é quem quer, mas aquele a quem a norma designa. Fecha-se, então, o ordenamento em torno de fixação de competências. Ocorre que, para algumas das necessidades, as atribuições estão bem definidas (conceitos teoréticos), enquanto que para outras, os valores albergados são de tal ordem importantes, que apenas uma entidade federativa não pode dela cuidar e o texto constitucional prevê competência cumulativa (art. 23). 16 COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO É o caso dos serviços de saúde. Dispõe o art. 23 ser devido à União, aos Estados-mem- bros, ao Distrito Federal e aos Municípios a competência para “cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência” (inciso I). A saúde é, pois, necessidade pública tida como primária, no linguajar preciso de Rena- to Alessi. A secundária não atende a um interesse essencial do Estado, mas propicia recursos para aquisição de bens e servidores para atender ao interesse primário. É o que se passa a ver pela análise de dispositivo constitucional. 02. A VIDA “LÍQUIDA” DE ZYGMUNT BAUMAN. Para o notável autor polonês, a vida líquida ”é uma vida precária, vivida em condições de incerteza constante” (“Vida líquida”, ed. Zahar, 2ª. ed., 2009, pág. 8). Não há segurança nem garantias de que teremos emprego, atendimento médico, escola, creche, etc. O ser humano permanece instável em sua vida. Não tem sequer a garantia do emprego em que está. Depen- de de qualquer alteração na China, nos Estados Unidos ou na Comunidade Europeia que seu emprego pode desaparecer no dia seguinte. As pessoas buscam, então, diante das incertezas da vida, da economia, da estabilidade das relações humanas, uma determinada comunidade. Pode ser uma associação, um sindica- to ou mesmo uma comunidade menor onde possa buscar amparo e um mínimo de garantia. Mesmo tais agrupamentos são frágeis e vulneráveis. Dependem das estruturas políticas. Do cabo eleitoral. De relacionamento com pessoas importantes. De qualquer forma, são vínculos inconsequentes e não duradouros. Criam-se, então, rótulos que podem ser úteis para demandas futuras. Hoje, os deno- minados direitos humanos outra coisa não significam senão “o direito a ter a diferença reco- nhecida e a continuar diferente sem temor a reprimendas ou punição” (Bauman (“Comunida- de” – a busca por segurança no mundo atual”, Zahar, 2001, pág. 71). Somente a luta coletiva pode garanti-los, ainda que sejam meros rótulos. Mas, concretamente, significam o direito à diferença. Daí pode originar-se o que se denomina sociedade justa, ou seja, “a eliminação dos impedimentos à distribuição equitativa das oportunidades uma a uma, à medida que se reve- lam e são trazidas à atenção pública graças à articulação, manifestação e esforço das suces- sivas demandas por reconhecimento” (ob. Cit., pág. 73). No caso da saúde, as palavras calham à perfeição. É que em primeiro lugar já há uma diferença em relação aos serviços de saúde: pobres e ricos. Em segundo, a discriminação das receitas que são destinadas a tais ações. Em terceiro, a proximidade de locais de risco, tais como córregos não drenados ou canalizados, incidência de serviços de prevenção contra moléstias, serviços de prevenção do aparecimento de epidemias, proximidade de insetos e pequenos animais transmissores de moléstias, etc. 17 COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO Há sonora diferença entre situações descritas e outras em que pessoas abastadas vi- vem em locais de total canalização, serviços de água e esgoto, prevenção de risco, hospitais de boa qualidade, etc. Diferenças flagrantes, não? A busca da felicidade torna-se, assim, um ponto fundamental na vida das pessoas. Felicidade em seu sentido amplo, não apenas de alegria pelas coisas da vida, mas o bom tratamento médico, a segurança garantida, a escola de bom nível, a proteção dos filhos, o transporte facilitado e de boa qualidade, etc. Dentro de tal felicidade enquadra-se a busca pela boa prestação dos serviços e ações de saúde. A garantia do pertencimento a uma sociedade de garantia de igualdade de oportu- nidades. 03. O ART. 196 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Além de ser de competência comum dos entes federativos sua prestação, a prestação dos serviços de saúde constitui-se em dever do Estado. A Constituição, ao utilizar o conceito Estado, nele engloba todas as entidades federadas. É o Estado que é rotulado como “Repúbli- ca Federativa do Brasil”. É a pessoa jurídica de direito público que identifica o Brasil. O dever vem previsto ao longo da Constituição e das leis e identifica uma posição jurí- dica, ou seja, uma atribuição que não ingressa em relações jurídicas e não se esgota pelo uso. Dever e poder são correlatos. Mantêm-se sobranceiros. Diferem do direito e da obrigação. Estes são relacionais e se exaurem quando exercidos. Esta é a preciosa classificação de Santi Romano em seus “Frammenti di un dizionario giuridico”. Por isso é que a saúde é um direito de todos, o que consagra a prerrogativa que todos têm de serem atendidos pelo Poder Público, dentro de suas possibilidades, evidentemente, mas, por ser um direito primário, pode e deve ser exercido não apenas na via administrativa como também mediante ingresso junto ao Poder Judiciário. O direito deve ser exercido em face do Estado (aqui englobando todos os entes fede- rativos). Do outro lado está a segunda face de Juno, ou seja, a obrigação de atender, especi- ficamente, aquele indivíduo. Assume, de outro lado, um dever, ou seja, atendido determinado indivíduo que exer- ceu seu direito e, ainda que o Estado tenha satisfeito sua obrigação, o dever prossegue, não apenas em relação àquele indivíduo, mas também genericamente a toda coletividade (socie- dade) porque se cuida de dever de destinatário anônimo. A garantia do atendimento de serviços de saúde se faz mediante políticas sociais e econômicas. A especificação destas será feita no item seguinte. 18 COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO Como disse Bobbio“o problema grave de nosso tempo, com relação aos direitos do homem, não era mais o de fundamentá-los, e sim o de protegê-los” (Norberto Bobbio, “A era dos direitos”, 4ª. reimpressão, ed. Campus, 1992, pág. 25). 04. AS POLÍTICAS PÚBLICAS SOCIAIS E ECONÔMICAS NA ÁREA DE SAÚDE. A previsão constitucional está no art. 196. Como diz Jürgen Habermas,: “O Estado é necessário como poder de organização, de sanção e de execução, porque os direitos têm que ser implantados, porque a comunidade de direito necessita de uma jurisdição organizada e de uma força para estabilizar a identidade, e porque a formação da vontade política cria programas que têm que ser implementados” (‘Direito e democracia”, ed. Tempo brasileiro, Rio de Janeiro, 2010, vol. 1º., pág. 171). E complementa: “O poder político só pode desenvolver-se através de um código jurídico institucionalizado na forma de direitos fundamentais” (idem, ibidem). Os direitos estão consagrados em normas jurídicas constitucionais e legais. Há, pois, dever do Estado em atender às determinações normativas. Por política social entende-se o dever do Estado de propiciar aos indivíduos, às coletividades e à sociedade em geral mecanis- mos de atender a suas necessidades. Coletivamente, pode-se falar em segurança, em infraes- trutura urbana, em vias de circulação, em estradas não apenas para o lazer ou movimentação, mas também para destinação das safras, etc. Individualmente, cada ser humano tem seus problemas pessoais. Quando e enquanto tem condições de resolvê-los direta e pessoalmen- te, deve fazê-lo. Ocorre que a sociedade é desigual. No exator dizer de Rousseau há duas espécies de desigualdade. “Uma, que chamo de natural ou física, porque é estabelecida pela natureza e que consiste na diferença das idades, da saúde, das forças do corpo e das qualidades do es- pírito ou da alma. A outra, que pode ser chamada de desigualdade moral ou política porque depende de uma espécie de convenção e que é estabelecida ou pelo menos autorizada pelo consentimento dos homens” (“Discurso sobre a origem da desigualdade entre os homens”, segundo parágrafo do começo do livro). A sociedade é desigual, repita-se. Como tal as necessidades individuais pelos serviços sociais que deve o Estado prestar resolvem-se em políticas sociais. Estas atendem à coletivi- dade como um todo. Buscam amenizar os males causados pelas diferenças individuais (que Rousseau chamou de natural) ou de diferenças outras (que chama de moral). As políticas públicas buscam reduzir as desigualdades naturais e morais. O exercício da política é uma forma de ação. É interferir na pólis. É envolver-se na estrutura do Estado e idear e executar ações que melhorem a vida das pessoas. Estas vivem na cidade, elegem seus governantes e têm a esperança de que alguma coisa eles farão para resolver problemas do convívio em coletividade. Em relação à política de saúde busca reduzir as diferenças existentes na sociedade 19 COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO entre os diversos indivíduos. Alguns, bem aquinhoados pela natureza ou pela riqueza, têm condições de realizar o atendimento a problemas de saúde em hospitais, centros de saúde e clínicas particulares, pagando planos de saúde. No mais das vezes, cargos. A maioria da so- ciedade, no entanto, não dispõe de recursos para ter suas deficiências ou meros problemas físicos atendidos por planos particulares. Logo, dependem dos serviços públicos. Estes devem ser estruturados de molde a propiciar felicidade aos indivíduos. A felicidade se reflete por pro- piciar conforto a cada um. Pode consistir na mera diminuição da dor ou em sua eliminação. Como já me referi, “se a felicidade é sentida de forma individual, se a finalidade é ínsita no ser humano, se ela se retrata em cada um, apenas ouvindo a sociedade em sua inteireza é que se poderão definir as políticas públicas” (Regis Fernandes de Oliveira, “Gastos públicos”, ed. RT, 2012, pág. 27). De outro lado, nada se faz de política econômica para abastecer os cofres dos hos- pitais, creches, centros de saúde, unidades básicas, etc. para que a estrutura seja adequada e suficiente para propiciar a redução dos incômodos, das dores e dos desconfortos que atin- gem o indivíduo em seu corpo ou na sua mente. A disponibilidade de recursos é absolutamente imprescindível para que o Estado es- truture sua rede de atendimento público de serviços de saúde. Modernas construções, lim- peza interna, higiene, profissionais preparados, instalações confortáveis, transporte adequado em caso de remoção, remédios suficientes, modernos aparelhos, tudo faz parte de uma pa- rafernália de instrumentos que buscar propiciar à coletividade e individualmente o máximo de conforto a celeridade no atendimento das moléstias que afligem o povo brasileiro. Em sua forma preventiva, da mesma forma, deve o Estado manter número de pessoal suficiente, viaturas, remédios, etc. para evitar ou impedir que sobrevenha qualquer doença, seja em forma individual, seja por transmissão coletiva de males, epidemias, etc. A redução do risco é dever do Estado. Instaura-se, pois, o complexo da necessidade. De um lado o interesse que deve ser atendido e, de outro, a necessidade de recursos para atender a prestação da atividade imposta como dever. A busca das atividades, então, torna-se universal e igualitária, ou seja, os serviços pú- blicos de saúde devem atender a todos que dele necessitarem e deve tratar a todos de forma igual. Este é o conteúdo jurídico do art. 196 da Constituição Federal. O importante, então, é buscar as normas complementares que propiciarão os recursos necessários ao Estado para a prestação das atividades e serviços de saúde e também defini-los em termos que permitam o imperioso desenvolvimento deles. 20 COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO 05. A POLÍTICA DE SAÚDE E A LEI COMPLEMENTAR N. 141/2012. A UNIVERSALIDADE, A IGUALDADE E A GRATUIDADE. Dependendo da importância que o constituinte originário dá a determinada matéria que deva ser tratada por lei posterior à constituição, atribui-lhe status de lei complementar ou ordinária. A segunda pode ser aprovada por qualquer quorum de parlamentares presentes. A primeira necessita de quorum especial, ou seja, maioria absoluta de votos do número de parlamentares. A lei é complementar, também, porque invade a intimidade dos demais entes da fe- deração. Caso fosse lei ordinária não poderia atingir Estados-membros, Distrito Federal e Municípios. Como lei complementar ela alcança as demais entidades federativas. Assim, às disposições da lei complementar n. 141/12, todos estão subordinados. A referida lei complementar veio atender ao comando do parágrafo 3º do art. 198 da Constituição Federal que determinou a expedição dela para estabelecer percentuais, critérios e normas que atendem à sua execução. Requisito primeiro instituído pela lei é que os “serviços públicos de saúde” sejam “de acesso universal, igualitário e gratuito” (inciso I do art. 2º da lei em comento). Referido dispo- sitivo busca cumprir o que determina o art. 196 caput da Constituição da República. Acesso universal significa que ninguém pode ficar fora dos serviços de saúde propi- ciados pela estrutura governamental. Todos, sem distinção de raça, sexo e idade poderá ser excluído do sistema gerador das políticas públicas de saúde. Evidente está que se busca atender àquele que não tem condições de pagar por um plano particular de saúde. Não é necessariamente o desvalido, o farrapo humano, o pária, mas aquele que não tem condições de pagar um plano particular. Como ensina Amartya Sen, “muitas pessoas têm pouco acesso a serviços de saúde, saneamento básico ou água tratada, e passam a via lutando contra uma morbidez desnecessária, com frequência sucumbindo à morte prematura” (“Desenvolvimento como liberdade”, Cia. das Letras, São Paulo, 2002, pág. 29). É que a falta do acesso universalsignifica a castração da cidadania. Aquele que não tem acesso a certos serviços públicos sente a sociedade desequilibrada. O Estado é o pêndulo que equilibra a sociedade. Deve ser, pelo menos. Daí a conclusão de Amartya Sen de que “a pobreza deve ser vista como privação de capacidades básicas em vez de meramente como baixo nível de renda, que é critério tradicional de identificação da pobreza” (ob. cit., pág. 109). Vê-se que o afastamento dos bens da vida significa desequilíbrio social. Daí a impor- tância de que o serviço de saúde tenha acesso universal. Num país em que a camada mais pobre da população convive com baixa infraestrutura urbana, com poluição, com insetos 21 COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO transmissores de moléstias, contato com portadores de doenças transmissíveis, é evidente que é essencial o acesso universal aos serviços de saúde. Tratamento igualitário é também imprescindível, não apenas como programa de ação, mas como de efetividade de sua ocorrência, para que não haja proteção, discriminação racial ou étnica. A Constituição Federal deixa bastante claro que todos são iguais perante a lei (art. 5º) “sem distinção de qualquer natureza”. Aqui, a lei busca equiparar o que a natureza desequilibrou, como disse Rousseau. A gratuidade é outro aspecto essencial da previsão de determinados serviços públicos. É o Estado benfeitor, o Estado protetor. Em sociedade como a brasileira, repleta de desequi- líbrios, como cuidou Gilberto Freire, é importante que o Estado reponha os níveis dos pratos sociais em níveis de igualdade. Desnecessário grande esforço para demonstrar as fortes disparidades existentes em nossa sociedade. Há um grupo pequeno de ricos (milionários), uma classe média que sobre- vive e uma massa enorme de necessitados. Ainda que se possa dizer alguma coisa sobre a inclusão de parte da classe desfavorecida naqueles que podem buscar e obter os bens da vida, a maioria ainda encontra dificuldades de obter os serviços públicos do Estado. Daí o Estado tem que exercitar seu poder para intervir na sociedade. Antigamente o poder era utilizado para a morte. O domínio, as guerras que se fizeram, os conflitos perma- nentes para a conquista do poder mantinham a afirmativa de que havia um direito de fazer morrer. Era quase um direito de matar para subsistir. Mas, como afirma Foucault, “o poder é cada vez menos o direito de fazer morrer e cada vez mais o direito de intervir para fazer viver, e na maneira de viver, e no “como” da vida, sobretudo nesse nível para aumentar a vida, para controlar seus acidentes, suas eventualidades, suas deficiências, daí por diante a morte, como termo da vida, é evidentemente, o termo, o limite, a extremidade do poder” (“Em defesa da sociedade”, ed. Martins Fontes, 2005, pág. 296). Como bem diz Hanna Arendt, “a tarefa, a finalidade última, da política é salvaguardar a vida em seu sentido mais amplo” (“A promessa da política”, 2ª. ed., Rio de Janeiro, Difel, 2009, pág. 169). Vê-se, pois, que a norma inserida no inciso I do art. 2º da lei em exame outra coisa não faz senão retratar a essência da política na modernidade, ou seja, proteger a vida em todo seu sentido. 06. OS OBJETIVOS DA LEI COMPLEMENTAR PREVISTA NO PARÁGRAFO 3º DO ART. 198 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. A REAVALIAÇÃO PERIÓDICA. Referido dispositivo determina que a lei seja reavaliada pelo menos a cada cinco anos estabelecerá: a) os percentuais de aplicação de tributos; b) critérios de rateio entre os entes 22 COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO federativos, c) as normas de fiscalização, avaliação e controle das despesas na área de saúde e d) as normas de cálculo do montante a ser aplicado pela União. Este o conteúdo formal da lei. O parágrafo 3º do art. 198 não se confunde com o disposto no parágrafo 10 do art. 195, ambos da Constituição Federal. Neste, a previsão é de transferência de recursos para o denominado SUS (Serviço único de Saúde). Parte dos recur- sos arrecadados pelo INSS deve ser transferido para o serviço de saúde, porque o INSS tem, em seu objeto social também a prestação de serviços de saúde. Os critérios de tal repasse vêm dispostos em lei ordinária. Aqui, exige o constituinte a lei complementar e cuida do mon- tante a ser repassado pela União a Estados e Municípios. De igual maneira, cuida da transfe- rência de recursos dos Estados que devem ser transferidos aos Municípios. A explicação de José Afonso da Silva é bastante esclarecedora (“Comentário contextual á Constituição”, 4ª. ed., Malheiros, pág. 771). A lei complementar em análise elabora quase um fundo, ou seja, um transpasse de verbas entre os entes federativos para que cada qual possa desempenhar seus serviços de forma a atender o que resulta determinado pela Constituição Federal. A reavaliação aludida no parágrafo 3º do art. 198 da Constituição diz respeito à alte- ração dos critérios dos percentuais que devem ser repassados. É que tais critérios objetivam “a progressiva redução das disparidades regionais” (parte final do inciso II do parágrafo 3º do art. 198 da Constituição). A saber, o atendimento de determinadas situações específicas pode resultar no desaparecimento ou na diminuição de determinada desigualdade então existente. Logo, impõe-se a revisão dos critérios (a Constituição fala em reavaliação) para que os recur- sos possam ser destinados a outra situação de fato mais premente que deva ser atendida. Em determinado momento histórico, é imperiosa a construção de um hospital ou centro de saúde para atender a determinada região. Terminada a obra e dotado o hospital de todos os aparelhos imprescindíveis para o combate a determinada moléstia e atendida a emergência local, deixam de ser necessárias novas ações. Se o problema tópico foi superado, justo é e legítimo que os recursos sejam então destinados a outro local ou região que exija mais pronta atuação do poder público. Daí a ne- cessária revisão a que alude o preceito normativo. A cada cinco anos será feita reavaliação da lei. Não significa que deva ser feita uma nova lei com todos os requintes formais de aprovação. O que o texto está exigindo é que seja feita avaliação administrativa. Verificados equívocos na distribuição dos recursos ou a impe- riosidade de sua alteração, exige-se, então, a edição de nova lei para redistribuição equitativa dos recursos. 23 COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO 07. A DISCRIMINAÇÃO DO QUE SÃO “DESPESAS” COM AÇÕES E SERVIÇOS PÚ- BLICOS DE SAÚDE OU NÃO. O art. 3º da lei em comento traça uma série de ações para identificar o que sejam ou não os serviços de saúde e onde devam ser alocados recursos e se possam efetuar a despesas. É de conhecimento empírico que os serviços devem atender a uma série de requisi- tos. Identificar o que seja necessário para os serviços de saúde, isto é, construções, aquisi- ção de aparelhos, preparação de pessoal, vigilância sobre os gastos, atendimento a situações de emergência, desenvolvimento científico, saneamento básico em residências, inclusive em comunidades específicas, remuneração condigna do pessoal, tudo identifica o que deve ser objeto de atuação administrativa. De outro lado, a lei (art. 4º) aponta o que não é considerado para que possa haver alocação de recursos previstos na lei em tela. Pagamento de pessoal inativo (próprio de outra atribuição do INSS) ou de pessoal afastado da área (sem identificar o desvio de função), me- renda escolar, saneamento básico (que deve ser atendido com recursos adequados em outro item orçamentário), limpeza pública (vale o mesmo argumento anterior entre parêntesis), pre- servação do meio ambiente, ações de assistência social, obras de infraestrutura. Há clara distinção entre as despesas públicas. Tais itens se resolvem quando da edição da lei orçamentária anual. Nela é que são discriminadas as despesas que se referem aos serviços específicos de saúde ou não. O legis- lador,no entanto, foi prudente, ou seja, preferiu discriminar logo o que é serviço que deve ser atendido pelas verbas discriminadas na lei complementar em comento e o que não deve ser carreado a ela. Evita-se que haja deturpação dos recursos que podem esvaziar o objetivo específico da lei. 08. OS RECURSOS MÍNIMOS. O ORÇAMENTO E A DOMINAÇÃO. O art. 5º estabelece o mínimo que deverá ser aplicado pela União, ou seja, “o montan- te correspondente ao valor empenhado no exercício financeiro anterior, apurado nos termos da lei complementar, acrescido de, no mínimo percentual correspondente à variação nominal do Produto Interno Bruto (PIB) ocorrida no ano anterior ao da lei orçamentária anual”. Cabem, aqui, algumas palavras sobre o orçamento e a dominação dos grupos parla- mentares na aprovação das emendas e da alocação de recursos. Em primeiro lugar, o orçamento é de iniciativa exclusiva do Presidente da República (art. 165 da Constituição Federal). Mas cede, hoje, a um caráter evidentemente humanista de superação das condições formais de sua existência. O que era uma peça meramente adminis- trativa ou contábil de distribuição de receitas e previsão de despesas passa a ser instrumento 24 COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO fundamental na distribuição de justiça efetiva. O que é justiça efetiva? O justo não se define, mas decorre de um sentimento preva- lente na sociedade de que as coisas não podem se passar de determinada maneira. Se alguém (autoridade policial ou não) agride outrem em um grupo (cinco pessoas) e nele batem com socos e pontapés e este se mostra absolutamente indefeso, há um sentimento de repulsa sobre tal conduta. Ganha o justo este aspecto subjetivo de forma a ser perquirido naquela sociedade e naquele instante. O conjunto das normas vigentes, como vive a população reprimida ou aten- dida pelo Poder Público, como ela se sente, é isso que dá o sentido do justo. O problema do justo decorre dos valores imperantes ou recebidos pela comunidade em determinado mo- mento histórico. Não se trata de ter ideais, mas de detectar na sociedade aquele sentimento de adequação dos comportamentos aos resultados buscados. Deixa o orçamento, então, de ser analisado pela ótica meramente formal. Há uma essência. Esta é a destinação adequada dos recursos aos objetivos maiores que devem ser atingidos. À iniciativa do Presidente da República de propor ou encaminhar o projeto de lei orça- mentária segue-se um procedimento exaustivo no interior do Parlamento que é o de adequar a proposta às realidades sociais. Normalmente, o que ocorre é que o Congresso é dominado por uma maioria parla- mentar que busca dar sustentação ao governo para se beneficiar da liberação de recursos de seu interesse individual ou do partido a que pertença. São maiorias ocasionais e, pois, ocasio- nalmente mudam as soluções. Ao se falar, pois, em recursos mínimos estes devem corresponder ao montante míni- mo para dar garantias efetivas de atendimento à saúde. O mínimo é a garantia de que a di- ferença será atendida em termos de direitos fundamentais. Dissemos, calçados em Bauman, que os direitos humanos significam o respeito à diferença em que cada um se encontra na sociedade. Os serviços de saúde são prestados àqueles que estão ao avesso do direito, isto é, aos desamparados. Estes são os destinatários das normas que prevêm os recursos mínimos. É possível que o Congresso faça o reexame e deve fazê-lo a cada cinco anos dos montantes transferidos para o sistema de saúde. Mas, como fazê-lo se está sob dominação do Executivo e a este cabe encaminhar o projeto de lei? Fácil a solução. O Congresso Nacional, embora possa ter, ao longo da história, cenas e episódios de independência, normalmente está subjugado e dominado pelo Executivo. O que deveria ser uma relação de independência e autonomia, revela-se numa relação de sujeição. Logo, a proposta que é encaminhada é aprovada ou se houver qualquer alteração é porque houve um diálogo com o Executivo e este, movido por sentimentos altruístas ou políticos concordou com a alteração proposta pelo Parlamento. 25 COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO O relacionamento entre os órgãos de exercício de poder é de estrita dominação. Saliente-se que os órgãos jurisdicionais têm entendido que a falta de previsão orça- mentária de recursos para o atendimento de situações com moléstias não desobriga o Poder Público de atender as demandas em tal sentido (VER DECISÕES DO STF.) O art. 6º da lei em tela estabelece que Estados e Distrito Federal aplicarão 12% dos impostos que lhes são próprios (incisos I a III do art. 155 da Constituição Federal) e também dos tributos transferidos (art. 157 e 159,§ 3º da Constituição da República). O Distrito Federal, como recolhe tributos estaduais e municipais, deve aplicar percentual de ambos. Os Municí- pios aplicarão 15% dos recursos próprios e transferidos, de acordo com o art. 7º da lei com- plementar ora apreciada. 09. DO FUNDO NACIONAL DE SAÚDE. Tal como prevê o art. 12 os recursos da União são repassados a um fundo. Os recursos vão, posteriormente, somar-se aos depósitos de Estados, Distrito Federal e Municípios para formar um só item e se constitui em unidade orçamentária e gestora dos recursos. Sabidamente o Fundo Nacional de Saúde não é pessoa jurídica (toda a explicação e estudo sobre o que são fundos, como se constituem e como funcionam consta de estudo inserto no capítulo 16 de meu livro: Regis Fernandes de Oliveira, “Curso de Direito Financeiro”, RT. 5ª. Ed., capítulo 16, págs. 356 a 368). O fundo se constitui em mera movimentação financeira. Capta os recursos que lhe são destinados, tem gerenciamento próprio e aplica os recursos. Subordina-se, evidentemen- te, à fiscalização dos órgãos técnicos competentes e também do Tribunal de Contas. 10. DA APLICAÇÃO DOS RECURSOS. Cuida-se aqui de parte executiva e administrativa da gestão dos fundos. A lei em seu art. 17 traça critérios para o desembolso dos recursos tendo em vista as necessidades da saú- de da população, “as dimensões epidemiológica, demográfica, socioeconômica, espacial e de capacidade de oferta de ações e de serviços de saúde” (art. 17). Cabe ao Conselho Nacional de Saúde definir os montantes a serem transferidos a Es- tados e a Municípios, além do Distrito Federal. Pressupõe-se que haja seriedade e honestidade no desempenho de tais atribuições relevantíssimas para população brasileira, especialmente a mais carente. Podem surgir surtos ou epidemias de malária, dengue e moléstias transmissíveis, o que obriga imediata ação dos setores ligados à área. É altamente sensível. É primordial que as pessoas que ali exercem suas funções públicas tenham a sensibilidade necessária para gerir de forma responsável os recur- sos arrecadados. Deles depende o alívio do desespero que gera uma moléstia. 26 COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO A lei estabelece toda uma série de procedimentos para o uso dos recursos e sua ade- quada aplicação. Diga-se o mesmo em relação aos recursos dos Estados e dos transferidos aos Municípios. Assegura-se a Estados e Municípios que possam celebrar consórcios e outras formas legais de cooperativismo (art. 21) para melhor desenvolver a execução das ações e serviços de saúde. Claro que os mecanismos de relacionamento entre os entes federativos são permi- tidos, independente da previsão legal específica. É que existe lei genérica que estabelece requisitos para que os entes federativos possam vincular-se mediante acordos bilaterais que permitam facilitar a aplicação de recursos públicos em benefícios das respectivas coletivida- des. Como o bem jurídico protegido pela lei é essencial, ela não admite qualquer protela- ção na operacionalização dos repasses e das despesas (art. 22 da lei). Por ser fundo de desti- nação e funcionando este como mera conta corrente a legitimar os recursos, não deve haver qualquer obstáculona arrecadação e entrega dos recursos. É automático. Claro está que o fundo deve estar já em funcionamento, o que elimina a restrição pre- vista no inciso I do parágrafo único do art. 22 e a elaboração do plano de saúde (inciso II do parágrafo único do art. 22) já deve ter sido elaborado pelos entes federativos. Caso os agentes públicos negligenciem na estruturação de tais providências, poderão e deverão ser duramente responsabilizados, como veremos adiante. 11. DAS PAIXÕES. Claro que o ser humano é quem regerá tais providências. Logo, sujeito a toda sorte de afecções. O ser humano está em contato permanente com o mundo que o afeta e é por ele afetado. Move-o o desejo (conatus na expressão de Spinoza) e este significa que o homem quer cada vez mais. Seja em termos de poder, de dinheiro, posição social e bens de consumo. O capital passou a ser uma nova religião, na feliz expressão de Walter Benjamin. Em sendo assim, não há como dominar as paixões através da razão. A legislação es- tabelece uma série de procedimentos que devem ser atendidos, prevê o processo licitatório, a celebração de contratos, a prestação de contas e diversos tipos de atos de controle e de fiscalização. Tudo elaborado de forma a minimizar a atuação do comportamento desviante. Shakespeare em suas peças históricas dá bem a visão do que é a maldade, do que é a cobiça por cargos e dinheiro. Hamlet é bem a expressão triste dos desejos. É o tio que mata o irmão para dormir com a mãe e o pobre Hamlet que é perseguido pelo fantasma de seu pai que exige vingança. Situações dramáticas são vividas em Macbeth em que o desejo da mulher de Macbeth faz com que ele perca a razão, mate o rei para tentar apossar-se da coroa. São peças candentes que demonstram como é o comportamento dos humanos. 27 COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO Nenhum agir humano fica imune a tais desvios. O Fundo Nacional de Saúde é abas- tecido por recursos dos entes federativos. Terá que utilizá-los em prol das ações em prol do indivíduo. Logo, alguém terá que lidar com estes recursos e, pois, estará propenso a desviá- -los em seu prol. Cuidei do tema. Entendi que “se entendermos os direitos humanos como aqueles bens da vida consagrados nas Constituições e que permitem uma vida digna, inequí- voca a conclusão de que a corrupção impede a plena preservação dos direitos sagrados do indivíduo” (Regis Fernandes de Oliveira, “Curso de direito financeiro”, citado, capítulo 14, item 14.11, pág. 310). Conclui que: “Indisputável, em conclusão, que a corrupção impõe pesadas perdas na arrecadação pública. Os desvios são trágicos no desvio de recursos que poderiam estar sen- do destinados à consecução dos objetivos primeiros do Estado. No entanto, alimentam triste mercado paralelo da dignidade humana” (ob. Cit., pág. 312). A ambição do ser humano é desmedida. Busca o poder, o dinheiro, o destaque social e para tanto passa por cima de elementares comportamentos humanos de solidariedade. 12. DA FINITUDE DOS RECURSOS E A INFINITUDE DAS NECESSIDADES. Sabidamente, os recursos públicos são finitos e as necessidades da população infinitas. Claramente, os serviços públicos de saúde, educação, transportes, vias públicas, saneamento básico estão deficitários. A população reclama e começa a ir às ruas para fazer exercer seus direitos. Chega à “quebradeira” geral porque somente assim serão ouvidos e, quiçá, atendidos. Diante de tal problema, como proceder? O que prevalece? Cede-se ante a finitude e nada se atende ou o governo há que atender tais serviços básicos que deve prestar, sob pena de falência das instituições. Em excelente artigo, Horacio G. Corti escreveu: “Dado un derecho fundamental, no es una razón válida para justificar su lesión la existencia de carencias presupuestarias. Lo contrario implica, de acuerdo con la contundente expresión de la Corte, subvertir el Estado de Derecho” (“Ley de presupuesto y derechos fundamentales: los fundamentos de un nuevo paradigma jurídico-financiero”, na obra coletiva (“El derecho constitucional presupuestario en el derecho comparado”, tomo I, ed. Abeledo-Perrot, Buenos Aires, 2010, pág. 663). A Suprema Corte brasileira já analisou o assunto (RE 271.286/RS, rel. Celso de Melo) e esclareceu que “o direito público subjetivo à saúde representa uma prerrogativa jurídica não disponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República (art. 196). Traduz o bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular e implementar políticas so- ciais e econômicas idôneas que tendam a garantir aos cidadãos, inclusive àqueles portadores do vírus HIV, o acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica e médico-hospitalar”. E acrescenta que “o direito à saúde ademais de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas, representa a consequência constitucional indissociável do direito 28 COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO à vida”. Vê-se, pois, que não se pode furtar o Poder Público de cumprir a determinação cons- titucional e prestar os serviços de saúde, de forma equitativa, universal e isonômica. A Constituição da República, por força de emenda constitucional, destina recursos obrigatórios aos serviços de saúde. Ocorre que o mau uso da máquina pública pode significar que os agentes minem tais recursos ou os destinem de forma deturpada a outras atividades, frustrando, assim, o objetivo primeiro, qual seja o de prestar efetivos serviços e ações de saú- de. Diante das reiteradas intervenções do Poder Judiciário em obrigando o Executivo a atender particulares que ingressam com demandas postulando o atendimento médico ou a entrega de medicamentos, houve uma adaptação orçamentária para atender a tais decisões do Judiciário. Diz-se que isso é ativismo judiciário ou sua politização. Seja o que for, a saúde é tida como direito do indivíduo e dever do Estado. Logo, não há o que discutir, o Estado tem que prestar serviços de forma completa. Não pode ficar a critério do governante o atendimento a tal direito básico equiparado à vida. Não se cuidar de matéria discricionária que possa eleger seu cumprimento. Não, a de- corrência do atendimento da norma é obrigatória. Como disse Horácio Corti “la violación de un derecho fundamental como consecuen- cia de una asignáción insuficiente de recursos torna inequitativa a la ley de presupuesto” (ob. cit., pág. 690). Em nosso meio, a lei orçamentária anual seria inconstitucional, por não alocar, nos itens adequados, recursos suficientes para cumprir o mandamento constitucional. Não po- dendo descumprir a lei constitucional, sob pena de responsabilidade política do governante, evidente que dotar a menor as necessidades relativas aos serviços de saúde, invalida o item orçamentário, obrigando a intervenção judicial. Estaria o juiz extrapolando sua competência ao ingerir no complexo normativo orça- mentário para obrigar o atendimento a serviço básico em benefício de um indivíduo que foi a juízo demandar o pagamento de seu tratamento médico ou a entrega de medicamentos? Entende-se que se os recursos são finitos, não há como o Judiciário intervir para obrigar o pa- gamento de despesas relativas a qualquer moléstia. É opinião plausível, mas não convincente. Também se diz que como a dotação orçamentária é de competência exclusiva do Chefe do Poder Executivo, descabe ao Judiciário determinar novos pagamentos, ao arrepio das previ- sões orçamentárias. Ora, são desculpas incompreensíveis. A Constituição contém norma explícita de que a saúde é um dever do Estado. Logo, gera um direito ao indivíduo de exigir prestação adequada de tais serviços. Irrelevante é a falta de previsão orçamentária. O que resulta, então? O Poder 29 COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO Executivo tem a possibilidade do uso dos créditos adicionaise suplementares para atender a demanda postulada. Sabidamente, as normas em direito não são de mera recomendação. Todas têm efi- cácia jurídica e, pois, são imperativas ao destinatário. Na hipótese, o Executivo não se pode furtar a cumpri-la. Se o fizer, cabível a intervenção judicial para sanar a incompetência ou a previsão insuficiente de recursos. 13. DAS PROVIDÊNCIAS ADMINISTRATIVAS. Os arts. 23 a 30 estabelecem procedimentos aplicáveis aos quatro entes federativos para que tomem providências a respeito da arrecadação, repasse e aplicação dos recursos encaminhados ao Fundo Nacional de Saúde. O art. 23 cuida da fixação inicial dos valores. O art. 24 estabelece dispositivos sobre o cálculo dos recursos mínimos e aponta o que deve ser considerado. O art. 25 prevê como se resolve eventual diferença no repasse dos recursos por parte de algum ente federativo. O parágrafo único do art. 25 explicita a competência do Tribunal de Contas para “verificar a aplicação dos recursos mínimos” de cada ente federativo, sob sua jurisdição. A explicitação significa que deverão agir os Tribunais de Contas da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios onde houver. O art. 26 cuida de delicado problema que é o de retenção das receitas transferidas. O art. 160 prevê a possibilidade de a União e Estados condicionarem os repasses a algumas exi- gências. Ora, a previsão coloca em xeque o relacionamento federativo. No entanto, a norma existe, mas deve ser interpretada de forma a criar o menor constrangimento possível para as esferas federativas de menor dimensão. O § 1º. Do art. 26 estabelece a providência que pode ser adotada pela União, Estados e Distrito Federal no caso de não cumprimento dos repasses nos percentuais legais que pode envolver a restrição do repasse previsto no art. 198 da Constituição Federal. É o exercício de faculdade de retaliação, mas que pode equilibrar ou constranger ou forçar o ente a cumprir o compromisso constitucional e legal com relação aos serviços de saúde. O art. 27 prevê a possibilidade de aplicação de recursos em ações ou serviços diver- sos dos de saúde. Tem razão a lei em buscar cercear de todas as formas os comportamentos desviantes dos agentes públicos. É fruto da denominada teoria das paixões como já procurei deixar claro anteriormente. Os sentimentos humanos são inescrutáveis, são recônditos e por vezes explodem em atos absolutamente inconsequentes e desconectados com a previsão do comportamento adequado. Daí que a lei deve procurar limitar os desvios. O art. 28 elimina a possibilidade de limitação de empenho e de movimento financeiro 30 COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO que possa comprometer a aplicação contínua e fluente dos recursos afetos ao Fundo. A Lei de Responsabilidade Fiscal proíbe, taxativamente, a limitação de recursos em determinadas hipóteses. Aqui, a lei explicita a proibição constitucional e legal. O art. 30 contém disposição de cunho orçamentário, de forma a obrigar os entes fe- derativos a cumprir a lei em suas três leis orçamentárias. Assim, o Plano Plurianual, a Lei de Diretrizes Orçamentárias e o Orçamento Anual deverão atender ao contido na lei comple- mentar em comento. Sabidamente, as leis orçamentárias vinculam as demais. O Plano Plurianual, por traçar o plano quadrienal dos recursos públicos, vincula a Lei de Diretrizes Orçamentárias que é anual, mas amarra o Orçamento Anual. Deve haver sintonia entre todas. 14. TRANSPARÊNCIA, VISIBILIDADE, FISCALIZAÇÃO, AVALIAÇÃO E CONTROLE. MANIPULAÇÃO DE RESULTADOS E DE AUDIÊNCIAS. COOPERAÇÃO TÉCNICA. Os arts. 31 a 42 da lei ora comentada cuidam do controle dos recursos afetos e vincu- lados às ações e serviços de saúde. A transparência e a visibilidade significam que os órgãos gestores de tais atividades devem dar a maior divulgação possível, inclusive por meios eletrônicos, de todos os recursos arrecadados, do destino dado ao dinheiro, das prestações de contas e respectivos relatórios obrigatórios. É imprescindível que seja estimulada a sociedade a participar do controle de tudo. Não há democracia sem participação da população. O agente público que irá praticar atos de corrupção, ao saber que terá fiscalização de pessoas da comunidade já pensará duas vezes em atentar com a lisura e a correção do comportamento exigido. Não só isso. A participação popular é também importante nas audiências que devem ser realizadas. As audiências não podem ser manipuladas. Fiz tal advertência quando estudei o orça- mento participativo (Regis Fernandes de Oliveira, “Curso” citado, capítulo 18, item 18.20, págs. 452/460). Como em todo comportamento administrativo, surgem as divergências políticas. Cada entidade, então, terá interesse em manipular o resultado das audiências. Cada partido político utilizará todos os meios para influenciar positiva ou negativamente os debates e as votações, bem como manipulará eventuais discussões sobre não utilização de recursos. Eventual grupo que queira positivar ingerências na participação, poderá ser desestimulado a fazê-lo por meio de presentes, dádivas, tentações e dinheiro e até mesmo promessa de cargos públicos. Tudo vale quando o problema é fazer prevalecer uma opinião que possa gerar alguma vantagem indevida para alguém ou para um grupo. A prestação de contas (art. 34) decorrerá de relatórios, auditorias. São papéis e cabe 31 COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO aos Tribunais de Contas apreciar a parte técnica de sua exposição. O Conselho de Saúde deve emitir parecer a respeito (§ 1º. Do art. 36). A fiscalização incide sobre a prestação de contas (art. 37) para saber se as normas constitucionais e legais foram cumpridas. O Poder Legislativo controlará, juntamente com o Tribunal de Contas, todas as despesas efetuadas. O ideal seria o controle não apenas dos papéis que acompanham a prestação de con- tas, ou, pior, o relatório eletrônico (portanto sem as notas fiscais e os contratos e as notas de empenho, as liquidações e os pagamentos), mas dos contratos enquanto vigentes. Auditorias seriam ótimas para apurar se, no curso do contrato, remédios, consultas, internações, etc. estão sendo feitos na medida adequada e correta. Fiscalizações presenciais pelos agentes públicos a qualquer hora e dia, sem aviso prévio, apanhando os executores das despesas e contratos durante a flagrância dos fatos. Aí sim, os resultados seriam melhores. Assinalei em meu livro “Gastos públicos” que o grande problema agora são os peque- nos gastos. É por aí que se pode detectar condutas desviadas e desaparecimento de dinheiro. É a conferência de quantas drágeas foram consumidas, de quantos vidros de Mertiolate foram utilizados. Nos pequenos frascos os grandes perfumes. Os desvios ocorrem à luz do dia e não nos desvãos e descaminhos das madrugadas e das noites. Uma delegação de deputados e senadores poderia se deslocar para verificar in loco o uso dos recursos públicos. Deveriam ir acompanhados de técnicos que pudessem conferir as quantias despendidas e as pessoas atendidas. Uma visita a um hospital público seria ótima para dignificar o papel dos agentes que trabalham adequadamente, mas também serviria de aviso para os maquiadores da boa-fé pública. De se ressaltar que a ação fiscalizadora pode se operar internamente, por controle interno, na forma prevista na Constituição e pelo controle externo exercido pelos Tribunais de Contas e pelo Congresso Nacional (art. 70 da Constituição Federal). Deverá haver, também, cooperação técnica e financeira entre os entes federativos (art. 43 da lei em comento). 15. DAS SANÇÕES. A lei não traz rol de infrações e sanções. Nem havia necessidade que o fizesse. Como disse Norberto Bobbio (“A era dos direitos”) os direitos já estão devidamente declarados. O importante, agora, é dar-lhes execução. Os comportamentosestão previstos na norma legal. As infrações estão esparsas ao longo de um sem número de leis. Há toda uma sorte de legislação punitiva à disposição dos agentes públicos. Há códigos infracionais e a previsão das respectivas punições. É o que vem 32 COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO previsto no art. 46 da lei em tela. A legislação esparsa dá guarida a todos os atos infracionais que forem praticados. Como disse Hans Kelsen, não há norma sem sanção. Toda norma impõe um compor- tamento, seja obrigatório, seja proibido ou, então, permitido. Para a conduta contrária àquela prevista pela norma (infração) a lei prevê uma reação do ordenamento jurídico que se destina a obrigar a prática do comportamento exigido, que é a sanção. A reação pode ser mais ou menos forte, dependendo da gravidade do comportamento contrário ao comportamento exigido. Há uma valoração de comportamentos ou uma grada- ção de valores que são albergados pelo sistema de direito positivo. Dependendo da gravidade da infração nasce a gravidade da sanção. A sociedade só subsiste e convive se os comportamentos desviantes forem punidos, com o que se preserva a normalidade da vida e a convivência dos indivíduos. A sanção deses- timula a prática de condutas ilegais, infracionais e contravencionais. O desestímulo permite o prosseguimento do convívio humano. Ressalte-se, apenas, do texto em tela, a possibilidade de, na hipótese do descum- primento do previsto no art. 39 a possibilidade de “suspensão das transferências voluntárias entre os entes da federação”. O que isso significa. Não pode haver a suspensão das transferências obrigatórias, ou seja, as previstas nos arts. 157/162 da Constituição Federal. Nestas, o ente federativo maior é apenas o arrecadador dos tributos tendo a obrigação de repassar parte deles aos entes menores. Cuida-se de direito de Estados e Municípios, sem que a União possa reter recursos ou criar dificuldades no repas- se. Diga-se o mesmo em relação aos Estados e Municípios. O que a lei está prevendo é a suspensão de transferências voluntárias, isto é, aquelas que não impõem qualquer obrigação ao Poder Público, mas decorrem da vontade do ente, tais como caminhões, ambulâncias, artigos de esporte, tratores, etc., que são atos de dispo- nibilidade do agente arrecadador. Existem, pois, receitas obrigatórias transferidas e receitas voluntárias (que podem ser transferidas). As primeiras são obrigatórias e não podem ser recusadas. As segundas são atos de disponibilidade de um ente federativo a outro ou a particulares. Apenas estas últimas que podem ser suspensas. 16. OBSERVAÇÕES FINAIS. O valor saúde é dos mais caros e importantes dentro de qualquer sociedade. Esta nasce com uma reunião de pessoas que delibera abrir mão da subjugação de outras pessoas ou tribos, sujeitando-se a um Estado que logrará, por estar acima dos interesses individuais em jogo, manter a paz social. Tal garantia permite o desenvolvimento das potencialidades de 33 COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO todos os indivíduos e da coletividade. Pode nascer, também, não do pacto, mas da dominação de um grupo por outro e imposição de suas regras. De qualquer forma, o importante, no primeiro impacto é a garantia da segurança (im- pedimento da morte violenta ). Posteriormente, com o desenvolvimento da sociedade, outras necessidades vão surgindo, como se viu ao início deste trabalho, e a vida em coletividade obriga à garantia da saúde, da infraestrutura urbana, de vias de acesso e desaguadouro da produção, de saneamento básico, de educação, etc. Elabora-se, então, um pacto escrito (Constituição) que irá dirigir a vida em sociedade e garantir os bens primeiros e essenciais da vida. Um desses bens é a saúde. É o serviço de saúde que se desenvolve por meio de ações e serviços que garantem o bem estar da coletividade. Num Estado Federal como o nosso, é absolutamente importante que os serviços sejam integrados entre os três entes federativos. Daí ser imprescindível que uma lei complemente (que por força de ser complementar atinge e obriga as três entidades que integram a federação) que discipline a forma do atendimento de tal bem essencial. O advento da lei complementar n. 141/2012 resolve pendências, soluciona conflitos, disciplina a forma de comportamento dos entes que compõem a federação brasileira. Resta que os envolvidos na execução da lei estejam atentos para as dolorosas carên- cias dos brasileiros, especialmente aqueles marginalizados dos bens da vida, os abandonados, os coitados, os desesperados, os humilhados e ofendidos (Dostoiévski). É passada a hora de estas pessoas poderem encontrar nos agentes encarregados da aplicação da lei homens e mulheres probos e dignos que se sintam condoídos com seus se- melhantes e estendam suas mãos para ampará-los. Tomara, é um gesto ainda de esperança (Pandora), que os agentes encarregados de tal execução não se corrompam e que os recursos destinados a solucionar as carências dos serviços de saúde possam ser corretamente aplicados. Que eles não se deixem envolver com o clima de impunidade e de vergonha que toma conta dos homens públicos brasileiros e que a população possa respirar aliviada de ter, enfim, encontrado um ponto de apoio que minore seu sofrimento. 34 COLETÂNEA DE DIREITO FINANCEIRO AS TRÊS LEIS ORÇAMENTÁRIAS NA CONSTITUIÇÃO Ives Gandra da Silva Martins* (*) Professor Emérito das Universidades Mackenzie, UNIP, UNIFIEO, UNIFMU, do CIEE/O ESTADO DE SÃO PAULO, das Escolas de Comando e Estado-Maior do Exército - ECEME, Superior de Guerra - ESG e da Magistratura do Tribunal Regional Federal – 1ª Região; Professor Honorário das Univer- sidades Austral (Argentina), San Martin de Porres (Peru) e Vasili Goldis (Romênia); Doutor Honoris Causa das Universidades de Craiova (Romênia) e da PUC-Paraná, e Catedrático da Universidade do Minho (Portugal); Presidente do Conselho Superior de Direito da FECOMERCIO - SP; Fundador e Presidente Honorário do Centro de Extensão Universitária - CEU/Instituto Internacional de Ciên- cias Sociais - IICS. Embora, infelizmente, não tenha tido condições de participar do II Congresso Inter- nacional de Direito Financeiro coordenado pelos amigos Francisco Pedro Jucá e Ronaldo Chadid, é com grande honra que venho contribuir com o tema, abordando a disciplina cons- titucional das leis orçamentárias. Transcrevo o início do artigo 165 da CF/88 sobre o qual me debruçarei neste breve artigo, ou seja, o caput e os incisos I, II e III: Art. 165. Leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecerão: I - o plano plurianual; II - as diretrizes orçamentárias; III - os orçamentos anuais. 01. INTRODUÇÃO Assim, a seção da Constituição Federal de 1988, referente aos orçamentos (artigo 165) principia por outorgar, como nas Constituições anteriores, a iniciativa legislativa ao Poder Executivo. O princípio se justifica. As Casas Legislativas estão preparadas para o exercício de fun- ções pertinentes à produção de leis, mas não possuem o nível de informações pertinente à Administração. Conhecem as questões administrativas a distância, exercendo, de um lado, ní- tido papel de fiscalização e de representação popular, mas estando inabilitadas para o conhe- cimento próprio das necessidades cotidianas da Administração, inclusive no que diz respeito aos problemas que lhe são peculiares¹. ¹Sobre o Texto pretérito, José Celso de Mello Filho escreveu: “Em consequência, disciplinam-no as seguintes regras: a) é da competência do Presidente da República a iniciativa do projeto de lei que disponha sobre o orçamento plurianual de investimentos; b) o poder de emenda dos parlamentares submete -se às mesmas restrições e limitações estipuladas nos §§ 1.º e 2.º do art. 65 do texto constitucional; c) o projeto de lei, dispondo sobre o orçamento plurianual de investimentos, deverá ser remetido ao Legislativo até 4 meses
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