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08/12/2020 UNINTER - GESTÃO DO ORÇAMENTO https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 1/17 GESTÃO DO ORÇAMENTO AULA 1 Prof. José Luis Modena 08/12/2020 UNINTER - GESTÃO DO ORÇAMENTO https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 2/17 CONVERSA INICIAL No Brasil, de acordo com os dados fornecidos pelo “impostômetro”, em 2019 foram arrecadados mais de R$ 2 trilhões. O próprio site sugere que, com esse valor, seria possível comprar 2,6 milhões de apartamentos de três quartos no centro de Osasco, São Paulo; ter um rendimento de R$ 276 mil por minuto em poupança; ou até mesmo comprar 5,7 milhões de BMW M2 2.0. Obviamente, essa destinação tem um caráter meramente exemplificativo, já que não teria a potencialidade de atingir o bem comum. Mas como então o governo poderia destinar essa vultuosa arrecadação tributária às diversas frentes, como educação, segurança pública e saúde, que representam os anseios da população? Para tentar responder essa a questão, durante esta aula vamos trabalhar com uma abordagem teórica de orçamento público, que ao longo das últimas décadas vem sendo aprimorada, o que viabilizou a maximização do uso do recurso público, atendendo aos anseios populacionais. Também falaremos do orçamento como é vigente no Brasil, dando ênfase às regras norteadoras do direito financeiro, com um apanhado geral das leis orçamentárias, no quesito de classificação jurídica e das fases de elaboração, aprovação e controle. TEMA 1 – ESPÉCIES DE ORÇAMENTO Ao longo das últimas décadas, vários estudos e discussões sobre metodologias orçamentárias vêm sendo desenvolvidos na área governamental (Pyhrr, 1977; Silva, 1996). O objetivo é encontrar propostas que auxiliem gestores em certos aspectos do gerenciamento do recurso público, como previsão de receitas e fixação de despesas; controle de gastos, evitando que o dinheiro público seja empregado de maneira descontrolada; e eficiência na empregabilidade dos recursos financeiros. A seguir, debateremos sobre as principais abordagens orçamentárias, discutidas no âmbito da administração pública. 08/12/2020 UNINTER - GESTÃO DO ORÇAMENTO https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 3/17 1.1 ORÇAMENTO CLÁSSICO O orçamento surgiu na nossa cultura como uma forma de controlar os gastos realizados pelo poder executivo. É o que explica Giacomoni (2017), autor que traz evidências históricas sobre a utilização de mecanismos orçamentários. Na norma francesa sobre contabilidade, por exemplo, o orçamento era classificado simplesmente como uma lei para fixar despesas e estimar receitas. Silva (1996) aponta que o orçamento foi introduzido como alternativa parlamentar para reduzir os poderes do rei, que até então tinha liberdade para gastar de maneira desenfreada. O objetivo, portanto, era controlar os gastos, evitando expansões desproporcionais nos níveis de arrecadação. Dessa forma, podemos considerar que o orçamento clássico foi um ponto de partida para a introdução da cultura orçamentária na gestão pública, principalmente no quesito de controle de gastos. Posteriormente, novas metodologias foram implantadas, buscando uma aplicabilidade mais efetiva desse instrumento, principalmente para a tomada de decisão. 1.2 ORÇAMENTO DE DESEMPENHO Enquanto o orçamento clássico trabalha com controle do gasto público, o orçamento de desempenho preocupa-se com o resultado da aplicação desse recurso. Em outras palavras, Crepaldi (2013) enfatiza que esse tipo de orçamento prioriza a eficácia e a eficiência da despesa, em uma visão direcionada para a gestão de resultados. Em uma retomada histórica, esse tipo de abordagem orçamentária nasceu nos Estados Unidos da América (EUA), na década de 1960, com o desenvolvimento do modelo Planning Programming and Budgeting Systems (PPBS). Segundo Osborne e Hutchinson (2004), o foco no resultado desse programa, bem como de outros que seguiram moldes parecidos, foi uma resposta aos anseios da população, que exigiram maximização dos resultados da aplicação de recursos em bens e serviços públicos. De forma exemplificativa, a despeito da aplicabilidade do orçamento de desempenho, temos o estudo de Diaz (2012), que buscou verificar a qualidade do gasto público municipal em educação. Após aplicar metodologias quantitativas, a autora percebeu que estatisticamente não havia evidências de que um aumento dos gastos públicos em educação estaria relacionado a melhoras na qualidade do ensino. A autora salienta, contudo, que isso não seria uma prova de que, para melhorar a educação no Brasil, não é 08/12/2020 UNINTER - GESTÃO DO ORÇAMENTO https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 4/17 preciso incremento de recursos para essa finalidade. Sublinha no estudo a necessidade de acompanhar os resultados, identificando onde poderiam ser aportadas novas despesas. Assim, verifica-se que o orçamento de desempenho traz benefícios na gestão de recursos públicos, inclusive influenciando a legislação brasileira. Conforme Crepaldi (2013), de alguma forma o orçamento de desempenho inspirou o legislador brasileiro na elaboração da Lei n. 4.320/64, considerada marco regulatório do orçamento brasileiro. 1.3 ORÇAMENTO DE BASE ZERO O orçamento base zero foi abordado incialmente por Peter A. Pyhrr, em estudos derivados de experimentações realizadas na empresa Texas Instruments, em 1969 (Pyhrr, 1977). Posteriormente, essa prática foi aplicada no governo da Geórgia, nos Estados Unidos, quando foram empregadas as principais ideias do orçamento base zero. Pyhrr (1977) sugere que os governos deveriam avaliar cada atividade que consome recursos públicos, julgando-as pelos critérios de eficiência e eficácia, bem como avaliando maneiras de redução ou eliminação de gastos, para que seja possível dispender recursos em outros programas, considerados de maior relevância. Assim, o orçamento seria empregado como um mecanismo de gestão da utilização do recurso público, agregando novos propósitos em comparação à forma tradicional. Embora teoricamente a implantação do orçamento base zero evidencie uma série de benefícios, principalmente relacionados a aspectos de gestão dos recursos públicos, na prática o método se mostra de difícil aplicabilidade. Conforme destaca Giacomoni (2017), em situações reais, a revisão frequente do orçamento, desconsiderando-se uma base histórica, é quase impossível. Sobre o orçamento base zero, há desvantagem nos custos para implantação, pois, diferentemente dos orçamentos tradicionais, que partem de dados históricos, o orçamento base zero acaba sendo reconstruído integralmente, gerando morosidade no processo (Zero-based..., 2019). 1.4 ORÇAMENTO PROGRAMA Robinson (2007) esclarece que o orçamento programa tem como base a classificação das despesas em função dos objetivos traçados pela administração pública. A ideia seria agregar programas do 08/12/2020 UNINTER - GESTÃO DO ORÇAMENTO https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 5/17 governo com pretensões similares, como segurança pública e educação, trazendo maior eficiência na utilização dos recursos. O autor ainda lembra que, com base na implantação dessa metodologia nos Estados Unidos na década de 1960, a distribuição de recursos para determinados programas demonstrou maior eficiência alocativa, em comparação a orçamentos anteriores. Uma das vantagens apresentadas foi a identificação de programas que notadamente não eram eficientes, mesmo com substanciais aportes financeiros. No Brasil, a Lei n. 4.320, de 1964, instaurou a Lei Orçamentária Anual (tema que será discutido em outra aula), que um típico orçamento programa. No art. 7º do Decreto Lei n. 200, de 1967, há menção literal da obrigatoriedade da adoção desse tipo orçamentário: “compreenderá a elaboração e atualização dos seguintes instrumentos básicos: orçamento-programa anual” (Brasil, 1967). Após a constituição de 1988, outras normas também mencionaram o orçamento programa, como a Portaria n. 117 de 1998, e a n. 51de 1998. Os referidos instrumentos consolidaram a opção brasileira por essa forma de programar os gastos públicos. Não obstante a decisão de Brasil e EUA, bem como de outras economias mundiais, por essa metodologia orçamentária, há de se lembrar de algumas limitações e críticas. Giacomoni (2017) destaca a dificuldade que o orçamento programa encontrou na medição do resultado de algumas ações governamentais. Notadamente, essa abordagem orçamentária tem um viés quantitativo de avaliação de desempenho, o que acaba resultando na penalização de programas importantes para o país, que apresentam resultados intangíveis, como é o caso de algumas pesquisas científicas e de bolsas estudantis. Em outras palavras, poderia fazer com que o governo deixasse de alocar recursos em alguns projetos públicos relevantes para a sociedade, mas que não produzissem resultados tangíveis ou alcançáveis pela métricas de avaliação de desempenho. 1.5 ORÇAMENTO PARTICIPATIVO No orçamento participativo, como o próprio nome sugere, existe a pretensão de inserir a população em decisões sobre alocação do recurso público. Nesse caso, esse tipo de participação não seria somente de forma indireta, por meio de representantes eleitos de forma democrática, mas por meio de consulta direta ao cidadão. 08/12/2020 UNINTER - GESTÃO DO ORÇAMENTO https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 6/17 Essa possibilidade de participação direta está prevista no ordenamento legal brasileiro. No inciso XII do art. 29 da Constituição Federal de 1988, que trata sobre os municípios, estabelece como preceito a “cooperação das associações representativas no planejamento municipal” (Brasil, 1988). Alguns munícipios brasileiros, com base nessa regra constitucional, já possuem previsão legal para participação popular na elaboração da lei orçamentária. É o caso do município do Rio de Janeiro, que no art. 255 da Lei Orgânica estabeleceu o orçamento participativo, inserido a população na elaboração do projeto de lei que versa sobre a previsão de receitas e a fixação de despesas. Vale ressaltar que essa participação popular tem caráter meramente consultivo. O poder executivo, que é o responsável por elaborar a proposta orçamentária, estaria obrigado a ouvir a população, mas teria a discricionariedade de aceitar ou não as opiniões. TEMA 2 – FUNÇÕES ORÇAMENTÁRIAS A elaboração do orçamento público, conforme vimos anteriormente, foi inicialmente implantada na sociedade como forma de controle dos gastos públicos. Essa pretensão, embora ainda presente nas funções clássicas orçamentárias, foi deixada em segundo plano, dando espaço para atribuições intervencionistas do governo, realizadas por meio do orçamento. Os estudos de Musgrave (1974) tiveram uma repercussão expressiva nessa discussão. Segundo o autor, o orçamento público teria três importantes funções: alocativa, distributiva e estabilizadora. 2.1 FUNÇÃO ALOCATIVA A função alocativa, para Musgrave (1974), representa a necessidade de intervenção do poder público, em situações em que o mercado não realiza aporte financeiro suficiente. Seria o caso, por exemplo, observado em investimentos em infraestrutura e nas demandas sociais. No caso dos aportes governamentais em infraestrutura, observa-se que, por vezes, o setor privado, em função de vultuosos investimentos, bem como de externalidades negativas prováveis, acaba deixando de realizar determinados investimentos. É o que ocorre, citando caso análogo, com a construção de novos portos e ferrovias: por vezes, observa-se a necessidade intervencionista estatal para 08/12/2020 UNINTER - GESTÃO DO ORÇAMENTO https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 7/17 mobilizar investimentos, de forma indireta, por meio de benefícios, ou até mesmo diretamente. Nesses casos, o setor público atua em frentes essenciais para o desenvolvimento econômico nacional, que não seriam ativas sem a participação do Estado. Essa função também é percebida há atuação do governo nas necessidades sociais. Musgrave (1974) cita como exemplo desse tipo de demanda os investimentos no controle de enchentes, ou as campanhas sanitárias para melhorar a saúde pública. Nessas situações, os montantes despendidos pelo poder público acabam por beneficiar uma parcela da população residente em determinada região. O autor esclarece que as contrapartidas financeiras dadas pelo cidadão beneficiado, em caráter tributário, usualmente não são suficientes para cobrir os benefícios recebidos por meio da ação pública. Em outras palavras, o governo teria despesas maiores que receitas nesse tipo de atuação, que também é classificada como função alocativa. 2.2 FUNÇÃO DISTRIBUTIVA A distribuição de renda é empregada nas políticas nacionais para corrigir falhas de mercado (Giacomoni, 2017). Seria basicamente uma prerrogativa para a busca de equidade na distribuição da riqueza gerada em uma economia. Uma forma citada por Musgrave (1974) para viabilizar essa repartição seria a combinação de orçamento público com arrecadação de recursos pelo mecanismo fiscal. No caso da legislação brasileira, há o exemplo clássico do Imposto de Renda progressivo. Esse tributo tem como característica alíquotas diferenciadas em função do nível de renda. Dessa forma, pessoas com os maiores salários realizariam contribuições maiores para esse imposto. Para que esse recurso arrecadado cumpra com essa finalidade distributiva, o orçamento público poderia prever a destinação dessas receitas para programas de alimentação de pessoas de baixa renda, melhorias em sistemas de educação pública, dentre outras finalidades que possibilitam uma redução nas diferenças econômicas. 2.3 FUNÇÃO ESTABILIZADORA A última função do orçamento público está relacionada com políticas públicas de estabilização econômica. Giacomoni (2017) cita que o ajustamento se daria principalmente pela intervenção estatal no 08/12/2020 UNINTER - GESTÃO DO ORÇAMENTO https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 8/17 nível de emprego, com variabilidade nos preços praticados. Musgrave (1974) lembra que as receitas arrecadadas, bem como os gastos previstos no orçamento, têm a potencialidade de interferir tanto no nível de emprego como nos preços praticados em uma economia. Por exemplo, imagine que o governo promove a construção de uma usina hidrelétrica. Certamente, esse gasto influenciaria o nível de emprego na região, elevando a renda agregada da economia. Em relação à influência nos preços, caso observe um aumento na taxa de inflação, o governo poderia adotar uma política fiscal, reduzindo o consumo para controlar a alta dos preços. Nos dois exemplos citados, temos situações em que o poder público poderia utilizar a programação das despesas previstas no orçamento para influenciar a economia nacional. TEMA 3 – NORMAS DO DIREITO FINANCEIRO Como vimos, o orçamento público tem a potencialidade de influenciar uma economia, trazendo benefícios para toda sociedade. No entanto, para que esses efeitos do orçamento sejam possíveis no Brasil, é necessário que existam normas para disciplinar tanto a realização como a obrigatoriedade de execução. No âmbito normativo, esse assunto é tratado no direito financeiro. Nesse contexto, conceitua-se como direito financeiro o ramo das ciências jurídicas que tem como propósito disciplinar as atividades financeiras desenvolvidas pelo governo. Squizzato (2013) explica que, por atividade financeira, entende-se a obtenção, o gerenciamento e a aplicação do recurso público. A autora ainda salienta que a arrecadação é matéria disciplinada pelo direito administrativo e tributário, enquanto a gestão é tratada no direito financeiro. Esse dinamismo de gerenciamento do dinheiro público, matéria de nosso estudo, somente passa a ser válido e obrigatório, para ação pública, mediante a existência de normas. Considerando essa realidade, o art. 24 da CF de 1988 estabelece que a competência para legislar sobre o direito financeiro, no Brasil, é da União, dos estados e do Distrito Federal. Trata-se,portanto, de competência concorrente, quando há mais de um ente empossado da prerrogativa de legislar a respeito dessa temática. 08/12/2020 UNINTER - GESTÃO DO ORÇAMENTO https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 9/17 Não obstante, ressalta-se também que a CF, ao deliberar sobre essa capacidade legislativa, também deixou expressa uma divisão de funções. De acordo com os parágrafos 1º e 2º do art. 24 dessa Lei suprema, a União fica encarregada de legislar sobre normas gerais, enquanto os estados e o DF atuam de maneira suplementar. Quanto aos critérios de rigidez, o art. 165 expressa que alguns assuntos devem ser tratados por Lei Complementar, ou seja, devem ser aprovados por maioria absoluta das duas Casas do Congresso Nacional. É o caso, conforme disposto no parágrafo 9º do mesmo artigo, dos assuntos do direito financeiro, que versam sobre “exercício financeiro, a vigência, os prazos, a elaboração e a organização” das leis orçamentárias e “normas de gestão financeira e patrimonial da administração” (Brasil, 1988). Em outras palavras, tais tópicos constituem a norma geral do direito financeiro, que, como vimos, devem ser editadas por meio de lei complementar. No Brasil, alguns dispositivos legais trazem esse conteúdo que norteia o direito financeiro. É o caso da Lei n. 4.320, de 1964: “estatui normas gerais de direito financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços” (Brasil, 1964). Também temos a Lei Complementar n. 101, de 2000, que versa sobre a responsabilização na gestão fiscal (falaremos mais sobre esse assunto em outra aula). Essas leis, juntamente com a CF, representam importantes fontes do direito financeiro brasileiro, dando suporte para grande parte do conteúdo de nossas aulas. TEMA 4 – NATUREZA JURÍDICA DO ORÇAMENTO BRASILEIRO No tema anterior, discutimos as normas de efeito geral que regem o direito financeiro. Essas regras dão suporte para a edição de leis orçamentárias, ou seja, dispositivos normativos capazes de gerenciar os recursos públicos em um determinado espaço temporal. No Brasil, há três importantes leis com esse conteúdo: Plano Plurianual (PPA), Lei das Diretrizes Orçamentárias (LDO) e Lei Orçamentária Anual (LOA). A forma como devemos encarar essas leis orçamentárias, em termos de quórum de aprovação e obrigatoriedade, depende de sua classificação em relação à natureza. No caso brasileiro, Crepaldi (2013) classifica a lei orçamentária como ordinária e formal de efeito concreto. 08/12/2020 UNINTER - GESTÃO DO ORÇAMENTO https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 10/17 O art. 166 da CF de 1988, ao tratar sobre aprovação das leis orçamentárias no Brasil, dispõe: “serão apreciadas pelas duas Casas do Congresso nacional, na forma do regimento comum” (Brasil, 1988). Perceba que não há menção de quórum necessário para a aprovação das leis, ficando implícito que se trata de lei ordinária. Esse tipo de lei, diferentemente da lei complementar, exige apenas maioria simples para aprovação. Dito isso, passamos para outro classificação da lei orçamentária no quesito de obrigatoriedade. As leis que tratam sobre orçamento no Brasil são tidas tradicionalmente como formais, já que não impõem ao poder executivo a obrigatoriedade de gastar nos moldes aprovados pelo poder Legislativo. No entanto, há correntes no meio jurídico que ainda questionam essa classificação, contrapondo algumas obrigatoriedades trazidas pelo orçamento, como a vinculação da administração público a essa lei, tendo em vista as finalidades do gasto público. Ainda no âmbito dos debates quanto à obrigatoriedade da lei orçamentária, o STF manifestou-se no sentido de considerar a lei como formal. Esse entendimento pode ser visto na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 1640 de 1998, cujo texto, ao referir-se à lei orçamentária, a trata como “lei formal, mas de natureza e efeito político administrativos concretos”. Dessa forma, podemos considerar que o orçamento público não teria um caráter impositivo, mas autorizativo para os gastos públicos. TEMA 5 – CICLO ORÇAMENTÁRIO A lei orçamentária, no Brasil, passa por um processo que inclui: elaboração do projeto de lei; discussão no legislativo para posterior aprovação; execução das previsões; e por fim controle do que foi realizado. Essas etapas ocorrem de maneira dinâmica, passando por processos já previamente determinados pela legislação vigente. A seguir, vamos trabalhar em detalhes cada uma dessas fases. 5.1 ELABORAÇÃO O processo de elaboração das leis orçamentárias deve primeiramente obedecer a autonomia administrativa e financeira de cada poder. Isso implica dizer que executivo, judiciário e legislativo, bem como Ministério Público, serão responsáveis pela elaboração de suas respectivas propostas 08/12/2020 UNINTER - GESTÃO DO ORÇAMENTO https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 11/17 orçamentárias. Esse direito tem previsão constitucional (art. 99 e 127), materializando a independência dos poderes, prevista no art. 2º da CF de 1988. Vale ressaltar que, embora exista essa participação na elaboração das propostas orçamentárias, deve existir um único projeto de lei a ser enviado ao Congresso Nacional. Para tanto, cada poder deverá elaborar sua proposta e encaminhá-la ao executivo, que tem a incumbência legal de enviar um único projeto orçamentário para a apreciação do poder legislativo. A lei também estipula critérios a serem adotados pelo executivo, nos casos de inércia dos demais poderes. No parágrafo 3º do art. 99 da CF, fica estabelecido que, no caso de o poder judiciário não apresentar proposta orçamentária, o poder executivo irá considerar o orçamento vigente, com os devidos ajustes estabelecidos pela LDO. Dessa forma, fica estabelecida a garantia de que o poder executivo terá conteúdo para deliberar, mesmo nos casos em que os outros poderes não se manifestem. O último passo desse processo de elaboração corresponde ao envio do projeto de lei para o Congresso Nacional. É o que prevê o art. 84 da CF. Ao listar atribuições privativas do Presidente da República, em seu inciso XXIII, inclui a função de “enviar ao Congresso Nacional o plano plurianual, o projeto de lei de diretrizes orçamentárias e as propostas de orçamento” (Brasil, 1988). Squizzato (2013) esclarece que, embora o texto constitucional traga competência privativa na forma literal, trata-se de competência exclusiva. O parágrafo único do mesmo dispositivo constitucional reforça essa ideia, ao limitar algumas funções presidenciáveis passiveis de delegação, deixando implícito que as demais atribuições, incluindo as relacionadas ao orçamento, devem ser exercidas privativamente pelo presidente. 5.2 DISCUSSÃO E APROVAÇÃO O projeto de lei orçamentário, ao chegar no Congresso Nacional, deverá cumprir algumas etapas até que seja devolvido, até ser sancionado pelo presidente da República. Esse rito envolve apreciação do projeto de lei por uma comissão mista; emendas parlamentares, em caso de necessidade; votação no Congresso Nacional; e finalmente devolução ao executivo para sanção e produção de efeitos. A Comissão do Congresso é responsável por examinar o projeto de lei e emitir parecer a respeito do seu conteúdo. No caso da União, será denominada comissão mista, por ser composta por deputados e 08/12/2020 UNINTER - GESTÃO DO ORÇAMENTO https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 12/17 senadores. Nos estados e municípios, onde há somente uma casa no congresso, será de formação comum. Outro detalhe importante sobre o período de permanência da proposta na comissão é a possibilidade de modificações. Segundo o parágrafo 5º do art. 166 da CF, até que determinado assunto seja votado nessa comissão, poderá receber solicitação do Presidente da República, para eventuais alterações. Para a Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira (CONOF), é nesse período que os congressistas, em atendimento às necessidades de determinadas localidades ou comunidades, podem inserir propostas, tidas como emendas ao orçamentopúblico originário. As emendas propostas por esses congressistas deverão seguir algumas regras. De acordo com o art. 63 da CF, não seria possível acatar propostas do legislativo que elevem as despesas previstas no PPA. Para o CONOF, em observância à Lei n. 4320/64, bem como à Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei complementar n. 101/2000), as emendas também deveriam respeitar os limites de gastos com pessoal; equilíbrio orçamentário; cuidado em manter as finalidade de interesse público; bem como demais regras implícitas e explicitas nas fontes do direito financeiro. Perceba, portanto, que a prerrogativa de emendas não é ilimitada, mas deve atender aos limitantes legais. Após a inserção das emendas, a comissão votará e emitirá um parecer que será apreciado pelo congresso. Em consonância com o art. 166 da CF, o orçamento passa então a ser votado pelas duas casas do Congresso Nacional. Será considerado aprovado se a maioria simples (50% dos presentes) manifestar concordância, já que o projeto corresponde a uma lei ordinária. Em caso de aprovação, o projeto de lei segue para sua última fase. Trata-se da manifestação do chefe do poder executivo. Nesse caso, o presidente terá a possibilidade de aprovar, ou vetar, parcial ou integralmente. Na primeira situação, a projeto é sancionado pelo presidente, sendo enviado para publicação. Por outro lado, nas duas últimas situações, a proposta volta para apreciação do congresso, que irá deliberar sobre o veto presidencial . 5.3 EXECUÇÃO A execução do orçamento público é a fase em que a proposta aprovada pelo legislativo passa a ter efeitos na realidade concreta. Nessa situação, as receitas previstas e as despesas fixadas passam pela fase [1] 08/12/2020 UNINTER - GESTÃO DO ORÇAMENTO https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 13/17 de implantação, gerando, como consequência, impactos nas finanças públicas. Além disso, nesse período também é possível que emendas sejam encaminhadas ao congresso, com a solicitação de alterações na lei orçamentária. Crepaldi (2013) explica que as execuções orçamentária e financeira ocorrem de forma concomitante. Havendo dotação orçamentária nas previsões da lei, há precedente para empregar recursos financeiros públicos para a realização da despesa. Em aulas futuras, debateremos as fases da despesa pública. Em adição a isso, tem-se que, durante a vigência e execução da lei orçamentária, existe a possibilidade de que emendas sejam encaminhadas ao congresso, com vistas a aprimorar o orçamento as novas realidades e necessidades. De acordo com os parágrafos 11 e 12 do art. 166 da CF, essas alterações devem respeitar limites legais. No caso da União, as emendas não podem ultrapassar 1,2% da receita corrente líquida; desse montante, tendente a elevar a despesa pública, 50% deverá ser gasto com ações de saúde. No caso de estados e Distrito Federal, a elevação das despesas originariamente aprovadas ficam limitadas a 1% da receita corrente líquida. 5.4 CONTROLE Durante o período de vigência da Lei Orçamentária, o poder público deverá desenvolver ações que visam controlar os conteúdos dispostos nessa norma. A Lei n. 4320, de 1964, prevê que esse controle seja executado por órgãos de controle interno e externo. O controle interno, nas palavras de Squizzato (2013), representa o poder de autocontrole, de existência obrigatória no executivo, legislativo e judiciário. Por meio do controle interno, os diversos órgãos poderiam revisar seus atos, buscando garantir o devido cumprimento das leis. Para o art. 74 da Lei n. 4.320/64, o controle interno também teria a responsabilidade de: verificar se as metas estabelecidas pelo PPA estão sendo atendidas; testificar sobre a legalidade, a eficácia e a eficiência da administração orçamentária; controlar operações contratadas pelo governo; e, por último, apoiar o controle externo. Também temos as ações desempenhadas pelo controle externo, ou seja, pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e pelos Tribunais de Contas estaduais e municipais. O art. 75 da Lei n. 4.320/75 versa sobre a responsabilidade desse órgão, que inclui a verificação de legalidade dos atos relacionados à execução 08/12/2020 UNINTER - GESTÃO DO ORÇAMENTO https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 14/17 orçamentária, com o atendimento de programas de trabalho. Essas ações são relevantes para possibilitar que a legalidade, inerente à ação pública, seja garantida na gestão dos recursos públicos. NA PRÁTICA O orçamento participativo, conforme vimos, tem previsão na Constituição Federal, sendo uma maneira de consultar a população para a realização do projeto de lei orçamentária. O maior entrave dessa dinâmica encontra-se no caráter meramente opinativo, pois o executivo não precisa acatar as propostas. Considerando essa realidade, seria possível que essa previsão constitucional surtisse algum efeito real na gestão dos municípios brasileiros? Para responder a essa questão de aplicação da norma em situações reais, utilizaremos como exemplo a experiência vivenciada pelo município de Porto Alegre. Essa capital do Rio Grande do Sul adota o orçamento participativo desde 1989. De acordo com informações disponíveis no portal do município, são realizadas assembleias, nas quais a população tem a possibilidade de eleger os projetos que são considerados de maior relevância. Essas reuniões também funcionam como prestação de contas aos cidadãos, que tomam conhecimento das obras concluídas e daquelas que ainda estão em andamento. Dessa forma, o orçamento também acaba viabilizando o controle das ações públicas. Para verificar a efetividade dessas consultas realizadas pela população, faremos uso de estudos desenvolvidos por Fedozzi e Martins (2015). Os autores, em uma pesquisa de opinião pública, questionaram uma amostra representativa dos cidadãos de Porto Alegre a respeito do retorno das reinvindicações populacionais, que foram objeto das consultas públicas para realização do orçamento. Na percepção de 9,7% das pessoas consultadas, nunca se tem um retorno; 28,2% responderam que poucas vezes; 33,8% e 28,3% responderam, respectivamente, que os retornos ocorrem na maioria dos casos e sempre. Percebe-se que, de forma geral, a população acredita que existe resposta aos anseios manifestados nas reuniões de consulta à população, trazendo evidências positivas do orçamento participativo. 08/12/2020 UNINTER - GESTÃO DO ORÇAMENTO https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 15/17 FINALIZANDO Nesta aula, fizemos um apanhado conceitual das principais espécies de orçamento público. Falamos sobre o orçamento clássico, de desempenho, orçamento de base zero, orçamento programa e orçamento participativo. Com essa gama de possibilidades em vista, conhecemos as correntes teóricas que influenciaram o legislador brasileiro no estabelecimento da lei orçamentária. Dito isso, partimos para uma verificação das funções clássicas do orçamento público. Para tanto, empregamos os estudos de Musgrave (1974), que divide essas atribuições em: alocativa, distributiva e estabilizadora. Em seguida, fizemos uma análise jurídica das leis orçamentárias, considerando as regras que norteiam a sua elaboração. Para tanto, debatemos os temas rigidez, quórum de aprovação e obrigatoriedade Essa análise prévia favoreceu a discriminação das etapas do orçamento público, que, conforme vimos, passa por um processo de elaboração, aprovação, execução e controle. REFERÊNCIAS BRASIL. Constituição (1988). Diário Oficial da União, Brasília, DF, 5 out. 1988. _____. Decreto-Lei n. 200, de 25 de fevereiro de 1967. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 27 fev. 1967. _____. Lei n. 4.320, de 17 de março de 1964. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 18 mar. 1964. CREPALDI, S. A. Orçamento Público. 1. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2013. DIAZ, M. D. D. Qualidade do gasto público municipal em ensino fundamental no Brasil. Rev. Econ. Polit., São Paulo, v. 32, n. 1, jan./mar. 2012. FEDOZZI,L. J.; MARTINS, A. L. B. Trajetória do orçamento participativo de Porto Alegre: representação e elitização política. São Paulo: Lua Nova, 2015. 08/12/2020 UNINTER - GESTÃO DO ORÇAMENTO https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 16/17 GIACOMONI, J. Orçamento Público. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2017. MUSGRAVE, R. A. Teoria das Finanças Públicas. 1 ed. São Paulo: Atlas, 1974. OSBORNE, D.; HUTCHINSON, P. The Price of Government. New York: Basic Books, 2004. PYHRR, P. A. The zero-base approach to government budgeting. Public Administration Review, New York, 1977. ROBINSON, M. Performance Budgeting Models and Mechanisms. New York: Palgrave Macmillan, 2007. SILVA, L. M. da. Contabilidade governamental: um enfoque administrativo. 3 ed. São Paulo, Atlas, 1996. SQUIZZATO, A. C. Direito Financeiro e Econômico. 1 ed. São Paulo: Método, 2013. ZERO-BASED Budgeting: Zero or Hero? Deloitte, 2019. Disponível em: https://www2.deloitte.com/na/en/pages/operations/articles/gx-zero-based-budgeting.html. Acesso em: 6 ago. 2020. Para saber mais sobre trâmites do veto presidencial, acesse a página disponível em: https://www.congressonacional.leg.br/materias/vetos/entenda-a-tramitacao-do-veto. Acesso em: 7 ago. 2020. [1] 08/12/2020 UNINTER - GESTÃO DO ORÇAMENTO https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 17/17
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