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MÓDULO I PROCESSO HISTÓRICO DA PSICOMOTRICIDADE 2 1. MÓDULO I - PROCESSO HISTÓRICO DA PSICOMOTRICIDADE Historicamente, o termo “psicomotricidade” aparece a partir do discurso médico, mais precisamente neurológico, quando foi necessário, no início do século XIX, nomear as zonas do córtex cerebral situadas além das regiões motoras. No entanto, para Levin (2007), a história da psicomotricidade é solidária a história do corpo, o que significa dizer que, para o autor, a psicomotricidade tem seu início desde que o homem é humano. Consequentemente, se observarmos da antiguidade até os dias atuais veremos que o significado do corpo sofreu inúmeras transformações ao longo do tempo. Segundo Fonseca (1995), desde Aristóteles o corpo foi negligenciado em função do espírito. Apenas no século XIX o corpo foi estudado por neurologistas e, posteriormente, por psiquiatras com o intuito de compreender as estruturas cerebrais e esclarecer fatores patológicos. Em uma análise da história vamos encontrar nos estudos de Enerst Dupré, em 1909, que a psicomotricidade teve seu início por meios dos estudos clínicos por ele realizado em seus pacientes clínicos, definindo a síndrome da debilidade motora caracterizada pela presença de sincinesias, paratonias e inabilidades, rompendo a correlação entre a perturbação motora e a síndrome. Dessa forma, este neuropsiquiatra francês evidenciou o paralelismo psicomotor, ou seja, uma estreita relação entre o desenvolvimento da motricidade, da inteligência e da afetividade. Tal paralelismo psicomotor definiu-se como uma tentativa de superação ao dualismo cartesiano corpo e mente (SOUZA, 2004, p. 18). A Psicomotricidade, nesse sentido, é concebida como uma ciência terapêutica, que contém conceitos teóricos e aplicações práticas de várias ciências como a Psicologia, a Psicanálise, a Psiconeurologia, a Pedagogia, a Psiquiatria, entre outras, que convergem os seus interesses no estudo do movimento, com o objetivo de dar qualidade de vida ao ser humano. Vários autores deram uma contribuição importantíssima para as bases teóricas da Psicomotricidade, analisando as relações complexas entre o movimento e o pensamento, e entre o corpo e o cérebro, como: Dupré, Wallon, Piaget, Ajuriaguerra, Paillard, Bernshtein, Luria, Sperry, Eccles, Gardner, Damásio, Fonseca, entre muitos outros. Com o desenvolvimento e as descobertas da neurofisiologia, começa a constatar- se que há diferentes disfunções graves sem que o cérebro esteja lesionado ou sem que a lesão esteja claramente localizada. São descobertos distúrbios da atividade gestual, da atividade prática. Portanto, o “esquema anátomo-clínico”, que determinava para cada sintoma sua correspondente lesão focal, já não podia explicar alguns fenômenos patológicos. 3 É, justamente, a partir da necessidade médica de encontrar uma área que explique certos fenômenos clínicos que se nomeia, pela primeira vez, o termo Psicomotricidade, no ano de 1870. As primeiras pesquisas que dão origem ao campo psicomotor correspondem a um enfoque eminentemente neurológico (SBP, 2003). No Brasil, a Psicomotricidade foi norteada pela escola francesa. Durante as primeiras décadas do século XX, época da primeira guerra mundial, quando as mulheres adentraram firmemente no trabalho formal, enquanto suas crianças ficavam nas creches, a escola francesa também influenciou mundialmente a psiquiatria infantil, a psicologia e a pedagogia. Em 1909, a figura de Dupré, neuropsiquiatra, é de fundamental importância para o âmbito psicomotor, já que é ele quem afirma a independência da debilidade motora, antecedente do sintoma psicomotor, de um possível correlato neurológico. Nesse período, os tônus axiais começavam a ser estudado por André Thomas e Saint-Anné Dargassie. Em 1925, Henry Wallon, médico psicólogo, ocupa-se do movimento humano dando-lhe uma categoria fundante como instrumento na construção do psiquismo. Essa diferença permite a Wallon relacionar o movimento ao afeto, à emoção, ao meio ambiente e aos hábitos do indivíduo, e discursar sobre os tônus e o relaxamento. Em 1935, Edouard Guilmain, neurologista, desenvolve um exame psicomotor para fins de diagnóstico, de indicação da terapêutica e de prognóstico. A Psicomotricidade surgiu como prescrição da medicina psiquiátrica e a utilização do movimento humano com fins reeducativos e terapêuticos, o qual foi conquistando numerosos adeptos. No Brasil, Antônio Branco Lefévre buscou junto às obras de Ajuriaguerra e Ozeretski, influenciado por sua formação em Paris, a organização da primeira escala de avaliação neuromotora para crianças brasileiras. Dra. Helena Antipoff, assistente de Claparéde, em Genebra, no Institut Jean-Jacques Rosseau e auxiliar de Binet e Simon em Paris, da escola experimental “La Maison de Paris”, trouxe ao Brasil sua experiência em deficiência mental, baseada na Pedagogia do interesse, derivada do conhecimento do sujeito sobre si mesmo, como via de conquista social. Em 1972, a argentina, Dalila de Costallat, estagiária de Ajuriaguerra e de Soubiran, em Paris, é convidada a falar em Brasília às autoridades do Ministério da Educação, sobre seus trabalhos em deficiência mental (ISPE-GAE, 2007). Na década de 70, diferentes autores definem a psicomotricidade como uma motricidade de relação. Começa, então, a ser delimitada uma diferença entre uma postura reeducativa e uma terapêutica que, ao despreocupar-se da técnica instrumentalista e ao ocupar-se do “corpo de um sujeito”, vai dando, progressivamente, maior importância à relação, à afetividade e ao emocional. Podemos dizer, nesse sentido, que, a princípio, a Psicomotricidade tinha seus estudos voltados para a patologia. Wallon, Piaget e Ajuriaguerra tiveram a preocupação de aprofundar esses estudos mais 4 voltados para o campo do desenvolvimento. Wallon se preocupou com a relação psicomotora, afeto e emoção, Piaget se preocupou com a relação evolutiva da psicomotricidade com a inteligência e Ajuriaguerra, que vem consolidar as bases da evolução psicomotora, voltou sua atenção mais específica para o corpo em sua relação com o meio. Para ele, a evolução da criança está na conscientização do seu corpo. O corpo é uma totalidade e uma estrutura interna fundamental para o desenvolvimento mental, afetivo e motor da criança. São experiências e vivências corporais que organizam a personalidade da criança. A vivência corporal não é senão o fator gerador das respostas adquiridas, em que se inscrevem todas as tensões e as emoções que caracterizam a evolução psicoafetiva da criança (FONSECA, 1994). Os primeiros movimentos de trabalhos da psicomotricidade foram impulsionados dentro de uma proposta reeducativa. A reeducação é uma forma de estimular na criança suas funções psicomotoras, que foram contrariadas em seu desenvolvimento. Piaget, em seus estudos, já se preocupava em estimular as crianças de forma adequada, respeitando cada fase do seu desenvolvimento. Assim, ele redimensionou as questões da Psicomotricidade e não a limitava apenas a uma ação reeducativa, mas a uma primeira instância educativa. A educação psicomotora deve ser considerada como uma educação de base na pré-escola. Ela condiciona todos os aprendizados pré-escolares, leva a criança a tomar consciência de seu corpo, da lateralidade, a situar-se no espaço, a dominar seu tempo, a adquirir habilidades de coordenação de seus gestos e movimentos (OLIVEIRA, 1997). Segundo Barreto (2000), “O desenvolvimento psicomotor é de suma importância na prevenção de problemas da aprendizagem e na reeducação do tônus, da postura, da direcional idade, da lateralidade e do ritmo”. A educação da criança deve evidenciar a relação por meio do movimento de seu próprio corpo, levando em consideração sua idade, a cultura corporal e os seus interesses. A educação psicomotora para ser trabalhada necessitaque sejam utilizadas as funções motoras, perceptivas, afetivas e sociomotoras, pois assim, a criança explora o ambiente, passa por experiências concretas, indispensáveis ao seu desenvolvimento intelectual e é capaz de tomar consciência de si mesma e do mundo que a cerca. Bons exemplos de atividades físicas são aquelas de caráter recreativo, que favorecem a consolidação de hábitos, o desenvolvimento corporal e mental, a melhoria da aptidão física, a socialização, a criatividade; tudo isso visando à formação da sua personalidade. 5 1.1 TEMA 01 - CONCEITOS E SIGNIFICADOS DA PSICOMOTRICIDADE O gesto motor, a vivência da criança pode ser traduzida como o significado e/ou a forma de expressar o seu sentir, suas emoções e seus desejos. É nesse contexto que a Psicomotricidade, enquanto uma prática pedagógica, contribui para o desenvolvimento integral da criança. Essa perspectiva se firma na fala de Le Boulch (1969), uma vez que o autor defende que a Psicomotricidade “se dá por meio de ações educativas de movimentos espontâneos e atitudes corporais da criança”. Esse conjunto de ações proporciona a criança uma imagem de seu próprio corpo, bem como seus limites e potencialidades. Portanto, a psicomotricidade pode ser entendida como sendo um processo de melhoria no comportamento psicofísico da criança, observando o seu desenvolvimento psicobiológico, por meio dela a criança chega ao domínio de seus comandos motores e sensório-motores (GESELL, 1977). Acreditamos nesse sentido que a Psicomotricidade contribui para o desenvolvimento integral da criança no processo de ensino-aprendizagem, tanto nos aspectos físico, como mental, afetivo-emocional e sociocultural. Outro aspecto importante, e pertinente a ser mencionado, refere-se ao fato de que a Psicomotricidade reflete, na criança um estado da vontade, que corresponde à execução de movimentos. Esses movimentos, por sua vez, podem ser voluntários ou involuntários. Dos movimentos involuntários temos os automatismos elementares inatos e os adquiridos. Os inatos são aqueles que nascem conosco e são representados pelos reflexos, que são respostas caracterizadas pela invariabilidade qualitativa de sua produção e execução. Esses reflexos podem ser agonistas, antagonistas ou reflexos (alternantes), que são mais hierarquizados que os reflexos puros, permitindo certo grau de variabilidade, conforme a adaptabilidade individual. Refere-se às necessidades orgânicas. Influindo, nestas respostas, temos os instintos, responsáveis pelo auto conservação individual. No Homem, eles são misturados com o afeto, produzindo tendências ou inclinações. Portanto, acolhemos a definição de que Psicomotricidade é a ciência que tem como objeto de estudo, o homem por meio do seu corpo em movimento e em relação ao seu mundo interno e externo (FONSECA, 2008). Relaciona-se ao processo de maturação, no qual o corpo é a origem das aquisições cognitivas, afetivas e orgânicas. E sustentam-se três princípios básicos: o movimento, o intelecto e o afeto. A Psicomotricidade, nesse sentido, é um termo empregado para uma concepção de movimento organizado e integrado, em função das experiências vividas pelo sujeito, cuja ação é resultante de sua individualidade, da sua linguagem e sua socialização. 6 Os automatismos adquiridos são os reflexos condicionados, que ocorrem devido à aprendizagem e nos forma hábitos, que, quando bons, nos poupam tempo e esforço, porém se exagerados, eliminam nossa criatividade e nos deixam embotados. Os hábitos podem ser passivos (adaptação biológica ao seu ecossistema) ou ativos (comer, andar, tocar instrumentos etc.). Os reflexos condicionados são produzidos desde as primeiras semanas de vida. Esses reflexos condicionados, geralmente, começam como atividades voluntárias e depois, por já estarem aprendidos, são mecanizados. Os atos voluntários estão relacionados e dependem da inteligência e do afeto. O ato volitivo envolve quatro etapas: Intenção ou propósito - inclinações e tendência que fazem com que surja interesse em determinado objeto. Deliberação onde ponderamos os motivos (razões intelectuais) e os móveis (atração ou repulsão, vindas do plano afetivo). Decisão demarca o começo da ação, inibindo os móveis e motivos vencidos. Execução há os movimentos físicos. Podemos dizer, então, de forma sucinta, que a Psicomotricidade estuda o ser humano por meio do seu corpo. Um corpo que é movimento e que se relaciona tanto com seu mundo interno, quanto com o mundo que o cerca. É um termo empregado para uma concepção de movimento organizado e integrado, em função das experiências vividas pelo sujeito cuja ação é resultante de sua individualidade, sua linguagem e sua socialização.