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AVISO LEGAL Caso esta Obra na versão impressa possua quaisquer materiais complementares, tais como: CDs e/ou DVDs ou recursos on-line, estes serão disponibilizados na versão adquirida a partir da Biblio- teca Digital através do ícone "Recursos Extras" dentro da própria Biblioteca Digital. Sonia Vieira William Saad Hossne ELSEVIER © 2003, Elsevier Editora Ltda. Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610 de 19/02/98. Nenhuma parte deste livro, sem autorização prévia por escrito da editora, podera ser reproduzida ou transmitida sejam quais forem os meios empregados: eletrônicos, mecânicos, fotográficos, gravação ou quaisquer outros. Editoração Eletrônica Futura Copldesque Mlchele Gerhardt Revisão Gráfica Andréa Campos Bívar Jussara Blvar Projeto Gráfico Elsevier Editora Ltda. A Qualidade da Informação Rua Sete de Setembro, 111 - 16• andar 20050-006 Rio de Janeiro RJ Brasil Telefone: (21) 3970-9300 FAX (21) 2507-1 991 E-mail: info@elsevier.com.br Escritório São Paulo Rua Quintana 753 - 8" andar 04596-011 - Brooklin - São Paulo - SP Telefone: (11) 5105-8555 ISBN 978-85-352-{i264-3 Nota: Multo zelo e técnica foram empregados na edição desta obra. No entanto, podem ocorrer erros de digi- tação, Impressão ou dúvida conceituai. Em qualquer das hipóteses, solicitamos a comunicação à nossa Central de Atendimento, para que possamos esclarecer ou encaminhar a questão. Nem a editora nem o autor assumem qualquer responsabilidade por eventuais danos ou perda.s a pessoas ou bens, originados do uso desta publi- cação. Central de atendimento Tel: 0800-265340 Rua Sete de Setembro, 111, 16• andar - Centro - Rio de Janeiro e-mail: lnfo@elsevier.com.br site: www.campus.com.br Conheça nosso catálogo completo: cadastre-se em www.elsevler.com.br para ter acesso a conteúdos e serviços exclusivos e receber informações sobre nossos lançamentos e promoções. V718m 01 -1169 CIP-Brasil . Catalogação-na-fonte. Sindicato Nacional dos Editores de livros, RJ Vieira, Sônia, 1942- Metodologla científica para área de saúde/Sônia Vieira, Wiiiiam Saad Hassne. - Rio de Janeiro: Elsevler, 2001 - 7 ' reimpressão Formato: Flash Requisitos do sistema: Adobe Flash Player Modo de acesso: World Wlde Web ISBN 978-85-352-{i264-3(recurso eletrónico) 1. Pesquisa médica - Metodologia. 2. Bloestatística. I. Hassne William Saad. li. Título. CDD 6 10 .72 CDU 6 1.001.5 Prefácio O emprego da análise estatística na pesquisa biomédica cons- titui, sem dúvida alguma, um dos fenômenos mais marcantes das últimas décadas. Este aprimoramento da metodologia cientí- fica levou não só à maior objetividade na análise dos resultados como também ao aprofundamento do espírito crítico do pesqui- sador. Desse modo, procurou-se substituir a impressão na base do "eu acho" pela observação criteriosa dos achados. O fenômeno acompanhou-se, porém, de algumas distorções de certa gravidade. Assim, a análise estatística passou a ser con- siderada, por alguns, como ornamento indispensável para um trabalho de pesquisa, sem atentar para a indicação, conveniên- cia e adequação da metodologia; para outros, a análise estatísti- ca seria apenas um instrumento para dar um jeitinho na confu- são dos dados, servindo, como já disse alguém, como o poste serve ao bêbado, isto é, de ponto de apoio e não de fonte de ilu- minação. Não deixaram de surgir, principalmente nas áreas aplicadas, grupos que se digladiavam: um grupo querendo ver a estatística aplicada sempre, mesmo quando desnecessária e até contraindi- cada, e o outro grupo repudiando a estatística sistematicamente, com o argumento de que os fenômenos biológicos, tão variados e complexos, não podiam ser submetidos às ciências exatas. Em outras palavras, a "técnica" não podia superar a "arte". 6 METODOLOGIA CIENTÍFICA PARA A ÁREA DE SAÚDE Apesar dos muitos tropeços, a metodologia estatística gradati- vamente ganhou espaço nas pesquisas feitas na área de saúde. Não foi, é claro, um processo fácil. De um lado ficava o pesquisa- dor, sem conhecimento de delineamento de pesquisa e de técni- cas estatísticas. Conduzia a pesquisa e depois procurava o esta- tístico, muitas vezes sem saber, sequer, o que desejava fazer com seus dados. Não era rara a indagação ao estatístico: "Será que esses dados dão tese?" Do outro lado ficava o estatístico, sem for- mação em biologia e sem conhecimento da natureza dos fenôme- nos estudados, sem entender a lógica da pesquisa e sem infor- mação quanto ao modo como os dados haviam sido coletados. Aplicava, então, testes estatísticos, muitas vezes de maneira ina- dequada ou, até mesmo, de maneira errada. Apesar dessas distorções ou, principalmente, por causa dessas distorções, tem-se buscado compreender, cada vez mais, o papel da estatística na pesquisa biomédica. Como resultado, noções essenciais, como "delineamento", "variabilidade", "hipótese", vêm sendo mais bem assimiladas pelos profissionais da área da saúde. Também já vem sendo reconhecido o fato de que um tra- balho não adquire validade por ostentar análise estatística e, algumas vezes, nem mesmo precisa da análise estatística para ter validade. No entanto, já é indiscutível o fato de que muitas res- postas só podem ser obtidas mediante análise estatística. Contudo, às vezes o clínico ainda se pergunta: "Será que o estudo de médias, porcentagens,. significância estatística pode ser mais importante do que o estudo do caso?" Dito de outra manei- ra, ao doente interessa o que acontece com ele ou o que acontece , com mais frequência? E lógico que ao paciente interessa o que acontece com ele. Mas, para saber o que acontece com determi- nado paciente, é preciso saber o que ocorre em situações análo- gas às desse paciente, exatamente para entender o que acontece com esse paciente. Em outras palavras, a metodologia deve tra- zer elementos para a compreensão do fenômeno em geral, e do indivíduo, em particular. P refáclo 7 Não há, portanto, paradoxo real no fato de a metodologia esta- tística, que tem seus primórdios ligados às ciências físicas e natu- rais, ser aplicada às ciências da saúde. hnportante é aprender a aplicar essa metodologia e saber respeitar a dignidade do ser humano. Em suma, importante é valorizar o projeto de pesquisa em seus aspectos essenciais, que incluem o delineamento estatís- tico correto e o comportamento ético adequado. Neste livro, apresentamos alguns tópicos da metodologia cien- tífica aplicada à área de saúde. O objetivo básico é tratar a experi- mentação feita com seres humanos. No entanto, por motivos didáticos, em alguns momentos discutimos, primeiro, projetos feitos com animais de laboratório para, logo em seguida, trans- por os comentários à pesquisa com seres humanos. Procuramos organizar os capítulos em uma sequência que vai do mais sim- ples ao mais complexo, de modo que satisfaça tanto o leitor menos informado como o leitor mais bem informado sobre o assunto. Esperamos, assim, estar contribuindo, de alguma forma, para a maior compreensão sobre o tema. Os Autores Página deixada intencionalmente em branco. Sumário 1. Noções básicas 13 1. Introdução 13 2. Tipos de pesquisa 14 3. Com quem são feitas as pesquisas clírúcas? 16 4. Onde são feitas as pesquisas clínicas e com quais recur- sos? 17 5. Quais são os benefícios e os riscos associados à pesquisa clí- rúca? 18 6. Existem normas legais para a pesquisa em seres huma- nos? 19 6.1. Protocolo de pesquisa 19 6.2. O que é termo de consentimento? 22 , 6.3. Comitê de Etica em Pesquisa 23 7. Existem limitações para as pesquisas? 24 8. Exercícios 26 2. Questionários 27 1. Quando se faz um questionário? 27 2. Como se descreve o objetivo? 28 3. O que se entende por configuração da população?29 4. Quais são as técrúcas de seleção de amostra? 31 4.1. Amostra casual simples 32 4.2. Amostra sistemática 35 4.3. Amostra estratificada 36 5. Quais são os cuidados para delinear um questionário? 37 6. Como se aplica o questionário? 40 7. Qual deve ser o tamanho da amostra? 42 8. Como se tratam os dados discrepantes? 44 9. Um exemplo de questionário 45 10. Exercícios 47 3. Bases gerais da experimentação 49 1. O que é um experimento? 49 2. Alguns termos técnicos 50 3. Como se estuda o efeito de um tratamento? 51 4. O que é controle positivo? 54 5. O que são estudos comparativos? 57 6. O que são controles históricos? 59 7. O que é estudo de dose-resposta? 61 8. O que é wash-out? 62 9. O que é follow-up? 62 10. Exercícios 64 4. Pontos básicos da experimentação 65 1. O que são experimentos cegos e duplamente cegos? 65 2. O que é confundimento? 68 3. Como se escolhem os pacientes que irão constituir cada grupo? 68 4. Existem alternativas válidas para a casualização? 72 5. Qual deve ser o tamanho da amostra? 77 , 6. E razoável provocar a doença para buscar a cura? 82 7. Exercícios 83 5. Delineamento de experimentos 85 1. O que é delineamento de um experimento? 85 2. O que são experimentos inteiramente ao acaso? 87 3. O que são experimentos em blocos ao acaso? 90 4. O que são experimentos em blocos ao acaso com repeti- ções? 93 5. É possível usar o indivíduo como seu próprio controle? 95 7. O que são experimentos rotacionais? 98 8. O que são experimentos com reversão simples? 99 9. Por que são necessários delineamentos complexos? 99 10. Exercícios 102 6. Estudos observacionais 103 1. O que são estudos observacionais? 103 2. O que é estudo de caso-controle? 108 3. O que é estudo coorte? 112 4. Quando se fazem estudos observacionais? 114 5. Exercícios 119 7. Pesquisas com dados secundários 121 1. Estatísticas oficiais e não oficiais 121 2. O que são dados secundários? 123 3. Os dados secundários podem conter erros? 124 3.1. O que é erro de delineamento? 124 3.2. O que é erro de resposta? 126 3.3. O que é erro de falta de resposta? 127 3.4. O que deve ser observado nos dados secundários? 129 4. O que é análise primária e análise secundária? 129 5. Devemos confiar em todo dado publicado? 130 6. Devem ser usados dados obtidos de forma não ética? 132 7. Exercícios 133 8. Revisão bibliográfica e metanálise 135 1. O que é revisão bibliográfica? 135 2. Como se escolhem os trabalhos que devem ser revistos? 136 3. O que é metaanálise? 137 4. Como se julga a qualidade de um experimento? 142 , 5. E razoável discutir as inferências feitas pelo(s) autor(es) do trabalho? 148 6. Os resultados dos experimentos são generalizáveis? 149 7. Qual deve ser a estrutura de uma revisão? 151 8. Exercícios 153 9. Estatística: mito e realidade 155 1. O que sigrúfica "estatisticamente sigrúficante"? 155 2. Para que serve o teste estatístico? 158 3. O teste estatístico é uma prova? 160 4. Um fator pode ser estatisti.camente sigrúficante, e não ser clinicamente importante? 162 5. Um fator pode ser clinicamente importante, e não ser estatisticamente sigrúficante? 163 6. Em quantos pacientes d eve ocorrer um efeito adverso para que esse valor seja estatisticamente sigrúficante? 164 7. Comentários finais 165 10. Resolução n.Q 196/1996 sobre pesquisa envolvendo seres humanos 169 1 Noções Básicas 1. Introdução Para melhorar a qualidade de vida do homem e sua relação com o meio ambiente, é preciso estar em busca constante de novas e melhores formas de prevenir, diagnosticar, controlar e tratar as doenças. As pesquisas feitas na área da saúde têm, então, a finali- dade de entender as doenças, de entender os processos que se passam nas pessoas, de entender por que uma doença acontece com certas pessoas e, com base nesses conhecimentos, buscar formas melhores de tratar os doentes. No entanto, a enorme quantidade de informação que existe hoje nessa área pode fazer com que os profissionais se sintam desnorteados diante dos muitos conhecimentos que têm de absor- ver. Fala-se, hoje, em Medicina Baseada em Evidência (Evidence Based Medicine - EBM), cujos fundamentos são os ensaios clírú- 14 METODOLOGIA CIENTÍFICA PARA A ÁREA DE SAÚDE cos casualizados/ agora estimulados pela ampla aplicação de metanálise para sintetizar os resultados dos muitos ensaios. Mas como se faz uma pesquisa na área da saúde? 2. Tipos de pesquisa A organização das pesquisas é sempre muito lógica e convencio- nal/ obedecendo a métodos consagrados. O estudo de tais méto- dos/ ou seja/ o estudo dos caminhos que devem ser seguidos para levar uma pesquisa a bom termo é conhecido como Metodo- logia Científica. As pesquisas feitas na área de saúde podem adotar uma certa variedade de métodos. Podem ser meramente descritivas (como é o caso dos estudos transversais)/ podem buscar estabelecer relações entre variáveis (como acontece nos estudos de caso-con- trole e nos estudos coorte) e podem buscar a confirmação experi- mental de relações conhecidas apenas empiricamente ou aventa- das por hipótese (os ensaios clínicos casualizados). Neste livro são descritos todos esses métod0\5. Os estudos transversais são feitos para descrever os indivíduos de uma população com relação às suas características pessoais e às suas histórias de exposição a fatores causais suspeitos/ em determinado momento. Tais estudos/ tratados no Capítulo 6 deste livro/ são fáceis de serem feitos/ são rápidos e relativamente bara- tos. A questão é que eles são de difícil interpretação. Por exemplo/ não se pode estabelecer/ mediante um estudo transversal/ se uma doença foi causada pela exposição a determinado fator ou se foi a doença que determinou a exposição a esse fator. Nos estudos de caso-controle/ seleciona-se um grupo que tem uma característica (por exemplo/ uma doença) de interesse (os casos) e se compara com outro grupo que não possui essa característica (os controles). A vantagem desse tipo de estudo/ em relação ao estudo Noções Básicas 15 transversal, é o fato de se poder levantar vários fatores de exposi- ção, ao mesmo tempo. No entanto, um estudo de caso-controle está muito sujeito ao que os estatísticos chamam de tendência. Veja o Capítulo 6. Para fazer um estudo coorte, é preciso recrutar um grande número de indivíduos e dividi-los em dois grupos, conforme eles tenham ou não sido expostos ao fator causal suspeito. Depois de um período relativamente longo, que pode se esten- der por vários anos, contam-se quantos indivíduos de cada grupo adquiriram a doença em estudo. Veja o Capítulo 6. A van- tagem do estudo coorte, em relação ao estudo de caso-controle, é a de obter informações sobre os indivíduos estudados antes de a doença se manifestar, o que evita a tendência nas respostas. Os ensaios clínicos casualizados são conduzidos para medir a efi- ciência e a segurança de intervenções, designando os participan- tes da pesquisa ao acaso por dois ou mais grupos e, sempre que possível, não permitindo que nem o participante da pesquisa nem o pesquisador que avalia os resultados saiba, no momento da avaliação, a que grupo pertence a pessoa que está sendo ava- liada (experimentos duplamente cegos). Os ensaios clínicos casualizados, tratados nos Capítulos 3, 4 e 5 deste livro, remo- vem muito da tendência associada aos outros tipos de pesquisa, mas não são infalíveis. De qualquer forma, todos esses tipos de pesquisa são feitos para levantar dados. Nesses casos, os dados são chamados primá- rios porque são os próprios pesquisadores que levantam os dados para seus estudos. Mas como os pesquisadores levantam os dados? As variáveis são medidas ou observadas pelo pesqui- sador ou por apenas um dos pesquisadoresdo grupo (por exem- plo, um enfermeiro pode medir a pressão arterial dos pacientes, antes e após uma dada intervenção) ou, nos casos em que é pre- ciso ter o relato verbal do paciente, são feitos questionários. A téc- nica de trabalhar com questionários é tratada no Capítulo 2. 16 METODOLOG I A CIENTÍFICA PARA A ÁREA DE SAÚDE Entretanto, uma pesquisa não exige, necessariamente, o levan- tamento de dados. Um pesquisador pode analisar dados levanta- dos por outrem, para qualquer outro propósito. Nesse caso, os dados são chamados secundários. O Capítulo 7 trata das pesquisas feitas com dados secundários. Finalmente, podem ser feitas revisões bibliográficas, por um único especialista ou por uma equipe multidisciplinar. Nos últi- mos 20 anos, foram desenvolvidas técnicas estatísticas para a análise de ensaios múltiplos: são as chamadas metanálises. Em linhas gerais, a metanálise é a análise das análises. Dada uma grande coleção de estudos individuais com as respectivas análi- , ses, a metanálise tenta integrar os resultados. E uma alternativa melhor, e mais rigorosa, para o discurso narrativo de pesquisas independentes, feito na revisão bibliográfica tradicional. O Capítulo 8 trata esse assunto. 3. Com quem são feitas as pesquisas clínicas? A pesquisa clínica em seres humanos só pode ser feita com voluntários, isto é, com pessoas que entendam os riscos e os bene- fícios de se submeter à pesquisa e consintam em participar, , voluntariamente, da experiência. E fundamental que o voluntário entenda a lógica do estudo, incluindo os possíveis riscos e os benefícios potenciais. Mesmo assim, o voluntário pode deixar de participar da pesquisa em qualquer momento, sem que isso lhe traga qualquer prejuízo. Algumas pesquisas são feitas com voluntários sadios. É o que acontece, por exemplo, nas fases iniciais das pesquisas com vaci- nas e nas pesquisas que tratam da prevenção de doenças, em geral. Os voluntários sadios são geralmente recrutados entre Noções Básicas 17 estudantes urúversitários, empregados de empresas, jovens que estão prestando serviço militar.1 Poucas pesquisas são feitas com as chamadas populações vulne- rávei.s, como crianças e adolescentes, internos em asilos, portado- res de perturbação ou doença mental, presidiários.2 Também são feitas pesquisas com populações indígenas.3 Tais pesquisas exi- gem cuidado redobrado, porque a argumentação de que tais indivíduos são voluntários pode ser posta em dúvida. A maioria das pesquisas feitas na área de saúde, no entanto, trabalha com voluntários que têm doenças ou condições bem específicas. Todas as pesquisas clínicas têm descrições exatas de quem pode participar. As descrições referem-se a fatores como tipo de doença, idade, história clínica e condição médica presente do voluntário. 4. Onde são feitas as pesquisas clínicas e com quais recursos? No Brasil, a grande maioria das pesquisas clírúcas é feita em cen- tros urúversitários. Nos últimos anos, hospitais não urúversitá- rios de bom padrão têm feito pesquisas clínicas. Também se fazem pesquisas clírúcas em serviços públicos e privados, e em , consultórios. A Comissão Nacional de Etica em Pesquisa - CONEP, do Conselho Nacional de Saúde - CNS, órgão vincula- do ao Ministério da Saúde - MS, exige, para que sejam conduzi- das pesquisas clírúcas, a seguinte estrutura: 1 Ver, para os casos em que os voluntários estejam expostos a condicionamentos espe- cíficos ou à influência de autoridade, o Capítulo IV. 3, item b, da Resolução n~ 196/ 1996 do Conselho Nacional de Saúde, Ministério da Saúde. 2 Ver, para os casos em que os voluntários estão em situação de substancial diminuição em suas capacidades de consentimento, o Capítulo IV. 3, item a, da Resolução nº 196/1996 do Conselho Nacional de Saúde, Ministério da Saúde. 3 Ver a Resolução 304/2000, do Conselho Nacional de Saúde, Ministério da Saúde. 18 METODOLOG I A CIENTÍFICA PARA A ÁREA DE SAÚDE • Múnus público. • Condições adequadas para a realização do projeto. • Condições de atendimento para as eventuais intercorrên- cias de efeitos colaterais e a·dversos. No caso de pesquisas com fármacos e medicamentos, os recur- sos para a pesquisa vêm principalmente de três fontes: do gover- no, de organizações não governamentais e de companhias far- macêuticas. 5. Quais são os benefícios e os riscos associados à pesquisa clínica? As pesquisas estão associadas a benefícios e riscos. Podem ser entendidos como benefícios para os pacientes que se submetem às pêsqüisas: • Ter acesso a tratamentos novos, ainda não disporúveis para o público e, eventualmente, receber drogas ainda não co- mercializadas. • Contribuir para o entendimento da doença ou seu tratamen- to. Isso pode não afetar o voluntário diretamente, mas pode dar a satisfação de saber que está ajudando a melhorar a vida de futuras gerações. Sem os voluntários de pesquisa, não teriam aparecido novas terapias ou novas drogas. No entanto, o paciente assume os seguintes riscos: • Sofrer os efeitos adversos descritos no protocolo ou, até mesmo, outros, não aventados pelos pesquisadores, uma vez que a droga ainda não foi amplamente usada ou ainda não foi usada a longo prazo. Noções Básicas 19 • Não receber a droga em teste ou vir a receber tratamento não eficiente, ou seja, um placebo. • Fazer várias viagens ao local da pesquisa ou permanecer mcris tempo no hospital do que seria necessário. • Suspender o tratamento que vinha fazendo, mesmo que esteja se sentindo bem. 6. Existem normas legais para a pesquisa em seres humanos? Todo projeto de pesquisa em seres humanos, feito no Brasil, deve ser redigido na forma proposta pela Resolução 196/96 do Con- selho Nacional de Saúde, do Ministério da Saúde, formando o "protocolo de pesquisa". Toda pessoa que se submete à pesquisa deve assinar um termo de consentimento, cujo modelo deve estar anexadõ aõ prõtõcõlõ de pesquisa. O prõtocolõ deve ser submetido à apreciação de um Comitê de Ética em Pesquisa (CEP). Mas o que são protocolo de pesquisa, termo de consenti- , mento e Comitê de Etica em Pesquisa? 6.1. Protocolo de pesquisa A sequência lógica de uma pesquisa, que deve ser obedecida por todo pesquisador, pode ser resumida em alguns passos. Pri- meiro, é preciso fazer um projeto. Tudo deve ser pensado e re- pensado, antes do irúcio dos trabalhos. As pesquisas em seres humanos exigem atenção especial. O projeto de pesquisa deve ser redigido na forma de um documen- , to intitulado "Protocolo de Pesquisa". E preciso seguir, rigorosa- mente, as instruções do regulamento e da instituição e preencher 20 METODOLOGIA CIENTÍFICA PARA A ÁREA DE SAÚDE os formulários específicos, mas, basicamente, o protocolo de pes- quisa deve discorrer sobre os seguintes itens:4 • Descrição da pesquisa • Antecedentes científicos • Descrição de projeto: - Material e métodos - Amostra - Resultados esperados - Bibliografia • Riscos e benefícios • Duração da pesquisa • Responsabilidade do pesquisador • Suspensão ou encerramento da pesquisa • Local da pesquisa • Infraestrutura • Orçamento • Propriedades das informações Na Descrição da pesquisa, o pesquisador delimita sua área de trabalho, estabelece seus objetivos e discorre sobre a importância do que pretende estudar sob diferentes pontos de vista: prático, econômico, social, teórico ou metodológico. Em Antecedentes científicos, o pesquisador descreve o que achou sobre o assunto que pretende pesquisar na literatura. Explica o que outros pesquisadores fizeram e descobriram na sua área de interesse, que métodos utilizaram, quais as dificulda- des enfrentadas e quais as questões não convenientemente resol- vidas. Enfim, os antecedentes científicos devem ser suficientes para justificaro projeto. 4 Ver o Capítulo VI da Resolução n• 196/1996 do Conselho Nacional de Saúde, Ministério da Saúde. Noções Básicas 21 Em Material e métodos, o pesquisador deve descrever o tipo de pessoa que pode participar da pesquisa, isto é, dar as característi- cas de quem pode ser incluído na pesquisa e de quem não pode - são os chamados critérios de inclusão e exclusão. Também devem ser descritos a programação dos testes, os procedimentos, a medicação, a dosagem e o tempo de estudo. O participante de pesquisa deve ser examinado regularmente pelo pesquisador para que sua saúde seja monitorada enquanto participa da pes- quisa e para que sejam deternúnadas a segurança e a eficiência do tratamento em teste. Então, é preciso descrever, no protocolo, a época e a regularidade desses exames. Em resumo, um protocolo de pesquisa deve descrever tanto o material como os métodos que serão usados para obter os dados do trabalho. Deve, ainda, dar o tamanho da amostra, relatar o critério usado para isso e descrever o que é possível esperar, em termos de resultados. Os Riscos e os benefícios devem ser descritos com cuidado e veracidade. Só tem sentido fazer pesquisa clínica quando os ris- , cos são compensados pelos possíveis benefícios. E preciso informar a duração da pesquisa e descrever a responsabilidade do pesquisador para com os participantes, em todas as suas , etapas. E importante ter em mente que o interesse da pessoa que participa da pesquisa deve estar acima do interesse do pes- quisador. Devem ser dados os critérios para a Suspensão ou encerramento da pesquisa. Por exemplo, toda vez que ocorrerem efeitos adversos não previstos no protocolo, até que se verifique a existência de uma relação de causa e efeito. Se for constatada essa relação, é pre- ciso refazer o protocolo e contrabalançar os novos riscos, já verifi- cados, com os benefícios possíveis. No protocolo deve ser não apenas especificado o local em que será realizada a pesquisa como deve ser descrita, também, toda a infraestrutura necessária como, por exemplo, a disponibilida- 22 METODOLOGIA CIENTÍFICA PARA A ÁREA DE SAÚDE de de leitos, de laboratórios, de salas de cirurgia etc., sempre que for o caso. O pesquisador deve, ainda, mostrar que tem con- dições orçamentárias para realizar todo o trabalho e informar se tem alguma restrição em relação à publicação dos resultados. Fi- nalmente, deve constar no protocolo o modelo do Tenno de con- sentimento. 6.2. O que é termo de consentim.ento? Tenno de consentimento é um documento legal, assinado pelo par- ticipante de pesquisa ou pelo seu representante legal, cuja finali- dade principal é proteger o participante, mas também deve pro- teger o pesquisador e a instituição. A ideia, porém, é a de que o participante de pesquisa só assine o termo de consentimento de- pois de dar seu consentimento livre e esclarecido, isto é, com pleno entendimento do processo e sem qualquer tipo de coerção. Toda pessoa convidada a participar de uma pesquisa deve ser plenamente esclarecida sobre todo o processo. Isso significa que, antes de decidir se participa ou não da pesquisa, a pessoa precisa apreender os fatos básicos a respeito de todo o processo no qual poderá, eventualmente, se envolver. É evidente que a pessoa revela estar plenamente esclarecida se, depois de ler o termo de consentimento, puder responder· às questões: • Por que a pesquisa está sendo feita? • O que o pesquisador quer conseguir? • O que será feito durante a pesquisa e por quanto tempo? • Como será tratado cada participante de pesquisa, e por quem? • Que riscos estão envolvidos? • Que benefícios podem ser esperados? • Que outros tratamentos estão clisporúveis? Noções Básicas 23 • Em que momento o participante de pesquisa pode sair do experimento, se assim o desejar? • O participante de pesquisa poderá continuar recebendo o mesmo trata- mento, depois que a pesquisa terminar? • Quem o participante de pesquisa deve procurar, no caso de dúvida? A formalização do consentimento do participante de pesquisa não constitui, contudo, garantia de real aquiescência. Alguns participantes podem consentir em participar por não entende- rem a natureza do estudo e/ ou não entenderem que têm a opção de recusar; outros podem consentir em participar por se senti- rem pressionados, mesmo que não exista qualquer tipo de pres- são. , E também possível que, para .alguns pacientes, a aquiescência sigrúfique a obtenção de tratamento e/ou atendimento e, até mesmo, de "atendimento privilegiado". Finalmente, é possível que alguns pacientes consintam em participar de uma pesquisa devido à redação dúbia do termo de consentimento. Por exem- plo, a expressão "novo medicamento" dá ideia de medicamento mais eficiente, o que não acontece com a expressão "droga em teste". Para ter a garantia de que os direitos e o bem-estar dos partici- pantes de pesquisa estão assegurados, a Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, Ministério da Saúde, exige que toda instituição em que se faz pesquisa em seres humanos, no Brasil, tenha um Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) para examinar cada pesquisa, ainda na fase de planejamento. 6.3. Comitê de Ética em Pesquisa Todo projeto de pesquisa deve ser redigido na forma de um protocolo, de acordo com as normas da instituição e de acordo 24 METODOLOGIA CIENTÍFICA PARA A ÁREA DE SAÚDE com a Resolução 196/96. Esse documento deve ser submetido à , apreciação do Corrútê de Etica de Pesquisa (CEP) da instituição e, só depois de aprovado, é que o pesquisador pode iniciar o tra- balho. Todo Corrútê é, obrigatoriamente, multidisciplinar, isto é, for- mado por profissionais da área em que é realizada a pesquisa, advogados, estatísticos, membros da comunidade e usuários do sistema. A ideia é a de que o exame de um protocolo de pesquisa por um grupo independente de pessoas ajuda a garantir que os riscos sejam tão baixos quanto possível e valham a pena, dados os possíveis benefícios. Então, toda pesquisa clínica que está sendo feita no Brasil deve ter sido aprovada, e deve estar sendo monitorada por um CEP, que também assessora os pesquisadores, quando isso se faz , . necessano. , Os Corrútês de Etica em Pesquisa de todo o Brasil são subordi- nados ao Conselho Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP). O CONEP, também de composição multidisciplinar, é uma institui- ção colegiada de natureza consultiva, deliberativa, normativa e educativa, vinculada ao Conselho Nacional de Saúde (CNS), órgão do Ministério da Saúde (MS). 7. Existem limitações para as pesquisas? Todo médico adrrúte a necessidade de experimentar novos trata- mentos. No entanto, quando um médico submete seu paciente a uma pesquisa clínica, pode se sentir na posição ambígua de quem exerce papéis conflitantes: no papel tradicional, expresso pelo juramento de Hipócrates, o médico tem obrigação de fazer o me- lhor para o seu paciente, mas no papel de cientista moderno, o médico tem obrigação de promover aquisição de conhecimento. Noções Básicas 25 ' As vezes, é difícil deterrrúnar o ponto que separa o aceitável , do inaceitável. No entanto, do ponto de vista da Etica, o interesse do ser humano deve estar acima do interesse da ciência. Logo, a pesquisa clínica, embora absolutamente necessária, tem limita- ções: precisa ser feita dentro dos padrões desejáveis de ética e qualidade e precisa estar de acordo com as crenças e os valores da sociedade. Afinal de contas, a principal preocupação, em uma pesquisa clínica, deve ser a proteção do paciente. Mas tempo e dinheiro são limitações reais em qualquer tipo de trabalho. Então, tempo e dinheiro também são importantes na pesquisa clínica. Por isso, todo projeto de pesquisa deve conter um cronngrama e um orçamento.Além do mais, a instituição em que é feita a pesquisa deve ter conhecimento do orçamento e sua distribuição. Os pesquisadores sabem que o gasto total de dinheiro é, na maio- ria das vezes, uma limitação dos projetos de pesquisa. No entan- to, a captação de recursos deve ser encarada como meio, não como fim. Alguns pesquisadores, aproveitando-se de modismos, obtêm recursos que depois não podem usar, por falta de preparo e/ ou de infraestrutura. Nesses casos, a busca de mais recursos passa a constituir a única preocupação, encobrindo, e até descul- pando, a falta de produção. O tempo que pode ser despendido no desenvolvimento de uma pesquisa também é uma limitação. Algumas pesquisas têm prazo para chegar a termo - porque o pesquisador tem uma bolsa de estudos, porque precisa alcançar um grau acadêmico ou porque a pesquisa precisa ser apresentada num congresso. No entanto, mesmo que o prazo para terrrúnar a pesquisa não esteja fixado, é preciso considerar que todo programa de trabalho é limitado pelo tempo que se pode despender com ele, dadas as atividades alternativas que podem, ou precisam, ser executadas. Então, tendo em vista o uso racional dos recursos disporúveis, deve-se planejar cuidadosamente uma pesquisa, para que os 26 METODOLOGIA CIENTÍFICA PARA A ÁREA DE SAÚDE recursos financeiros e o tempo disporúvel sejam utilizados da maneira mais vantajosa possível. No planejamento de um expe- rimento, é recomendável consultar um estatístico. O estatístico não tem competência para julgar aspectos específicos de um tra- balho na área de saúde, mas pode dar ajuda significativa no esta- belecimento do delineamento que dê o máximo de informação, consideradas as restrições existentes. Finalmente, como a ciência evolui passo a passo, uma única pesquisa não pode dar respostas a todas as perguntas. Assim, é preciso que um projeto seja viável e que se faça o melhor possí- vel, dentro de um prazo e dentro de um orçamento. 8. Exercícios 1. Com quem são feitas as pesquisas? Para responder a essa questão, leiá pelo menos dez trãbalhos (teses, artigos). Você achou uma boa descrição? 2. Redija o termo de consentimento que será entregue aos voluntários, todos os atendentes em postos de saúde, que irão testar ácido acetilsalicílico contra placebo, no alívio de cefa- leias. Você acha que todos entenderão o que você escreveu? 3. Quais são as partes de um protocolo de pesquisa? 4. Quais são os tipos de pesquisa que podem ser feitos pelo profissional da área de saúde? Que tipos de dados podem ser usados? 2 Questionários 1. Quando se faz um questionário? Uma maneira conhecida de levantar dados, que se popularizou devido às pesquisas de opirúão e às prévias eleitorais, são os ques- tionários. Na área de saúde podem ser levantados dados por meio de questionários, isto é, o pesquisador pode levantar os dados de sua pesquisa fazendo as perguntas diretamente aos participantes. Esse procedimento só tem sentido, contudo, quando os dados só podem ser obtidos por meio de relato verbal, isto é, por meio das respostas dadas pelos participantes da pesquisa às perguntas feitas pelo pesquisador. Não tem sentido levantar dados que podem ser observados ou medidos pelo próprio pesquisador, por meio de questionários. Mas é preciso, antes, fazer um projeto. Tudo deve ser planeja- do antes do irúcio dos trabalhos e redigido na forma de um "pro- tocolo de pesquisa", lembrando sempre que esse documento deve ser submetido à apreciação do CEP da instituição. Mas o que deve ser colocado nesse protocolo? 28 METODOLOG I A CIENTÍFICA PARA A ÁREA DE SAÚDE O ponto inicial de todo trabalho de pesquisa é, logicamente, a formulação do objetivo. Então, antes de iniciar o trabalho, é preciso estabelecer o alvo ou a meta que se quer atingir. Todos os demais estágios do trabalho devem estar atrelados ao objetivo formulado. Definido o objetivo, é preciso organizar o questionário. Para isso, o pesquisador deve percorrer, obrigatoriamente, os seguin- tes estágios, que serão tratados neste capítulo: • Configuração da população • Escolha da técnica de amostragem • Determinação do tamanho da amostra • Escolha da maneira de aplicar o questionário • Delineamento do questionário e avaliação da validade Na área de saúde, são feitos questionários quando os dados só podem ser obtidos mediante perguntas feitas pelo pesquisador a quem pode respon- der a tais perguntas. 2. Como se descreve o objetivo? Todo questionário deve ter, corno ponto de partida, uma clara , definição do objetivo. E preciso, então, definir: • a população que será estudada; • o período abrangido pelo estudo. EXEMPLO: Esta pesquisa1 tem o objetivo de determinar, por meio das res- postas dadas a um questionário, o perfil dos domicílios da cidade de Botucatu, estado de São Paulo, infestados por Aedes aegypti em 1996/97, para tornar o controle do mosquito mais efetivo. 1 Macharelli, C. A., ''Perfil domiciliário e infestação pelo Aedes aegypti: a epidemia imi- nente?". Questionários 29 ' As hipóteses devem ser formuladas de modo realista. As vezes o pesquisador levanta dados que são limitados como fonte de informação, porque as respostas carregam forte conteúdo subjetivo. Por exemplo, os relatos de dor são, necessariamente, subjetivos. Então, é preciso cuidado quando se coletam e anali- sam dados desse tipo - o que sigrúfica muito cuidado ao estabe- lecer as hlpóteses que serão colocadas em teste. 3. O que se entende por configuração da população? Os dados são, frequentemente, obtidos de um conjunto maior, cujas características queremos conhecer. Por exemplo, um médi- co pode coletar amostras de sangue de alguns diabéticos, para saber como varia a taxa de glicose no sangue de todos os diabéti- CõS. Um déntistá põdé éstudar as radiõgrãfias dé alguns pacién- tes, para saber como variam as medidas cefalométricas de todos os pacientes com as mesmas características. Esses exemplos bastam para introduzir duas defirúções, a de população e a de amostra. População é o conjunto de elementos sobre o qual queremos obter informação. Amostra é todo subcon- junto de elementos retirados da ]população para obter a informa- ção desejada. Na maioria das vezes, os questionários são aplicados a uma amostra. Isso porque, na maioria das vezes, é impossível aplicar o questionário a todas as pessoas que compõem a população. Além disso, aplicar um questionário a uma amostra custa menos - e tem maior valor científico do que o estudo rápido de toda a população. 30 METODOLOGIA CIENTÍFICA PARA A ÁREA DE SAÚDE EXEMPLO: Um dentista quer saber qual é, na opinião dos pediatras, o momento certo para indicar um odontopediatra aos pacientes que atende. O dentista deve enviar um questionário, por correio, a todos os pediatras da região? É certo que não. O dentista terá melhores respostas se entrevistar, pessoalmente, um grupo de pediatras do que se enviar um questionário por correio a todos os médicos dessa especialidade, que trabalham na região. A distinção entre população e amostra é fundamental, porque a inferência estatística é feita para toda a população, com base em dados de amostras. Evidentemente, também é fundamental saber de que população a amostra proveio, isto é, saber a ccmfigu- raçã.o da população. Por exemplo, se um pesquisador pretende aplicar um questio- nário a uma amostra da população de universitários, precisa esclarecer, ainda na fase de projeto, alguns pontos. O questioná- rio será respondido por urna amostra de todos os universitários? Ou por urna amostra de todos os alunos de uma universidade? Ou por urna amostra dos alunos de determinado curso? Ainda, o questioná- rio será respondido por urna amostra dos alunos dos dois períodos (diurno e noturno) ou por urna amostra dos alunossó do noturno? Portanto, antes de aplicar um questionário, é preciso configurar a populaçã.o. ' As vezes, no entanto, é preciso saber quantas p essoas vivem em um país, quantas pertencem a cada sexo, a cada grupo de idade. Faz-se, então, um censo. Censo é o levantamento de dados de toda população. Mas os censos não se referem, necessaria- mente, a um país - podem se referir a um departamento do esta- do, urna instituição de ensino, um serviço de saúde. Por exemplo, pode ser feito um censo para saber quantos pacientes estão hospitalizados em determinado hospital em Questionários 31 dado período, quais são os diagnósticos de acordo com sexo, grupos de idade etc. Se o questionário é aplicado a toda a popu- lação, essa população já está configurada e não existem, eviden- temente, questões de amostragem. Antes de obter a amostra, é preciso definir exatamente a população de onde essa amostra será retirada, ou seja, é preciso dar a configuração da população. 4. Quais são as técnicas de seleção de amostra? Configurada a população, é preciso estabelecer o critério para , selecionar os elementos que irão constituir a amostra. E essencial que esses elementos não sejam selecionados para pertencer à amostra em razão de alguma característica específica. EXEMPLO: Para estimar o tempo médio de corrida de recrutas em 100 m livres, um sargento pediu que, de 60 Fecrutas, cinco se apresentassem como voluntários. Será que o sargento obteve uma boa amostra? É razoável considerar que cinco recrutas, que se sabiam bons corredores, apresentaram-se como voluntários. Se for esse o caso, a amostra é tendencíosa2 porque foram amostrados recrutas que "puxavam" a média para cima. Como se escolhem os elementos que irão constituir a amostra? De acordo com o critério utilizado, tem-se um tipo de amostra. 2 Tendência é uma diferença consistente, persistente, da estatística em relação ao parâ- metro que se quer estimar. 32 METODOLOGIA CIENTÍFICA PARA A ÁREA DE SAÚDE As mais conhecidas na área de saúde são a amostra casual sim- ples, a amostra sistemática e a amostra estratificada. 4.1. Amostra casual simples Para ter a garantia de que os elementos que irão constituir a amostra não estão sendo escolhidos por alguma de suas caracte- rísticas, faz-se uma seleção ao acaso. O fato de um elemento per- tencer ou não à amostra fica sendo, então, obra do acaso. Todos os elementos da população têm a mesma probabilidade de serem amostrados. EXEMPLO: Se um sargento quer tomar uma amostra casual de cinco recru- tas de 60, deve escrever os nomes dos recrutas em pedaços de papel, misturar bem e tirar cinco. Cada recruta terá, então, a probabilidade 5/60 ou 1/12, de ser escolhido para pertencer à amostra. A maioria dos pesquisadores usa fichas numeradas para obter uma amostra casual. Se for essa a opção, é preciso colocar, numa urna, fichas (ou papéis) cujos números correspondam aos dos elementos da população e misturá-las bem. Depois, retiram-se as fichas da urna, uma a uma, até compor a amostra. Os pesquisadores deveriam, porém, aprender a usar as tabelas de números aleatórios (ou tabelas de números ao acaso), que têm uso bem mais geral. A tabela exibida a seguir é apenas uma amostra desse tipo de tabela, que pode ser encontrada em livros de estatística ou em computador. Questionários 33 Tabela de números aleatórios 26 19 13 27 95 69 73 54 97 86 65 16 90 29 81 74 34 98 16 95 03 65 94 61 08 53 56 52 49 15 44 16 86 30 72 18 13 20 59 95 66 97 84 72 73 16 83 42 81 27 36 83 55 12 43 83 05 88 57 87 35 78 84 93 94 14 10 56 11 50 64 12 61 88 74 60 22 09 94 69 36 04 99 84 12 31 46 97 62 75 56 98 94 05 25 97 16 79 76 11 42 25 48 69 34 95 67 54 53 13 27 84 57 65 23 27 64 73 11 55 58 87 03 56 33 46 00 23 79 76 36 62 48 18 85 65 10 25 54 18 45 24 66 79 79 12 53 67 21 77 12 01 16 30 72 76 41 35 26 91 94 70 72 10 46 68 93 19 37 63 00 43 89 06 97 92 67 83 52 14 28 26 66 25 62 99 76 45 73 32 96 07 73 11 20 67 70 19 65 80 69 01 80 47 66 24 48 12 13 94 93 47 54 64 03 40 21 97 59 73 66 29 74 39 30 89 05 10 62 34 99 79 54 37 02 69 91 83 70 68 Para entender como se usam as tabelas de números aleatórios, lembre do problema do sargento que pretende escolher cinco recrutas entre 60 para compor mna amostra. Qual seria o proce- dimento? Primeiro, o sargento deve obter uma lista dos nomes dos recrutas, o que configura a população. Depois, confere um número da tabela de números aleatórios a cada recruta. Por exemplo, o sargento pode pegar a lista de nomes e, seguindo a lista, conferir, a cada recruta, um número da primeira linha da tabela, isto é, 26, 19, 13, 27, 95, 69 etc. Dado um número aos primeiros 12 recrutas, o sargento continua o trabalho em sequência, isto é, usa os números da segunda linha da tabela, da terceira e assim por diante, até numerar todos. 34 METODOLOGIA CIENTÍFICA PARA A ÁREA DE SAÚDE Feito isso, o sargento pode sortear um dígito entre zero e 9. Se for sorteado o número 9, por exemplo, o sargento compõe a amostra chamando todos os recrutas cujos números terminam em 9, como está assinalado na tabela a seguir. Tabela de números aleatórios (uma parte) 26 b] 13 27 95 ~ 73 54 97 86 65 16 90 81 74 34 98 16 95 03 65 94 61 08 53 56 52 ~ 15 44 16 86 30 72 18 13 20 [§2:) 95 66 97 84 72 73 16 83 42 81 27 36 83 55 12 43 83 os 88 57 87 O sargento também poderia colocar os recrutas em fila - diga- mos cinco filas de 12 recrutas - colocar-se na frente como mostra a figura a seguir e chamar, para compor a amostra, os recrutas cujas posições correspondam às posições assinaladas na tabela dada anteriormente. © sargento; © vai descansar; ® vai correr. @ ©®©©©®©©©©©© ©®©©©©©@©@©© ©©@@®@©@·©©©@ ©©®©©©©©©©©© ©©©©©©©©©©©© Amostra simples ao acaso As amostras casuais são, de um ponto de vista técnico, exce- lentes porque diferem da população apenas por acaso. O proble- ma é que, para tirar uma amostra casual da população, é preciso Questionários 35 ter uma lista completa dos elementos dessa população. Algumas listas são muito extensas, outras são difíceis de serem encontra- das, outras simplesmente não existem e algumas não podem nem mesmo ser elaboradas. 4.2. Amostra sistemática Devido às dificuldades da escolha casual dos participantes da pes- quisa, foi sugerida uma alternativa: por exemplo, tirar a décima pessoa de cada dez de uma lista para compor a amostra, ou esta- belecer qualquer outra fração de interesse.3 Essa seria uma amostra sistemática. Essas amostras são mais fáceis de serem obtidas. EXEMPW: Para estimar o conhecimento de seus alunos sobre determinado tema, um professor pediu que o décimo de cada 10 alunos, ordenados segundo a posição das cadeiras que ocupavam em um auditório, apresentassem um relató- rio. Será que o procedimento de amostragem está correto? Sem dúvida, o proce- climento, ilustrado a segurr, está correto e evita o sorteio, que é mais trabalhoso. ©@©©@©@.©@ ®©@@@@ @ professor; ©©©© ®©©©©©@@@@ ® V ·v. V V \...1 !-,../. V , V , V \....1 V::- V, © _, sem lição; @1 @@@@@@@@@ ® @@@@© ©©©© ®©@@©@@@@@ ® ® relatório. V V. \J: V '~ V V \...lb- V~ V, V V ©©@@@©@@© ®©@@@@ . . Amostra sistemática 3 Essa técnica de amostragem é usada, por exemplo, pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, para levantar dados da Pesquisa Nacional de Amostragem por Domicílio - PNAD. 36 METODOLOG I A CIENTÍFICA PARA A ÁREA DE SAÚDE As amostras sistemáticas são bastante indicadas em certas situações. Por exemplo, para verificar a qualidade de um serviço de saúde, pode ser levantada uma amostra sistemática dos pacientes já atendidos. Assim, de cada 20 fichas clírúcas, por exemplo, toma-se a vigésima. Esse paciente será, então, chamado para uma entrevista.4.3. Amostra estratificada ' As vezes, é preciso subdividir a população em estratos como idade e sexo, por exemplo, antes de retirar a amostra. Só depois de a população estar subdividida em estratos é que se tiram as amostras dentro de cada estrato. Essa seria uma amostra estratifica- da. Quando os valores da variável estudada são diferentes nos diversos estratos, a estratificação aumenta a precisão da pesquisa. Sem estratificação Com estratificação 0000 vvvvv DDDD D /\/\/\ EXEMPLO: Um pediatra quer estudar as curvas de crescimento de peso cor- poral e estatura de crianças, desde o nascimento até um ano de idade. Como deve estratificar a amostra? Parece razoável fazer curvas de crescimento para cada sexo, cada etnia e, pelo menos, três níveis socioeconômicos. Então o pediatra deve tomar amos- tras da população de crianças, considerando os seguintes estratos: idade em meses, sexo, etnia e nível socioeconômico. Questionários 37 As técnicas mais conhecidas de amostragem são a casual simples, a sis- temática e a estratificada. 5. Quais são os cuidados para delinear um questionário? As perguntas apresentadas em 1lllil questionário podem ser "fe- chadas" ou "abertas". As questões fechadas fornecem, ao entre- vistado, certo número de opções (incluindo "outras") para que ele assinale uma ou mais. Já as questões abertas não restringem ares- posta do entrevistado. As vantagens de um e outro tipo de per- gunta dependem do objetivo do estudo. As questões "abertas" são mais difíceis de analisar, mas as questões "fechadas" certa- mente não levantam toda a informação disporuvel. No entanto, é possível fazer questões fechadas e questões abertas no mesmo questionário. EXEMPLO: Questão fechada l. O senhor está se sentindo bem com o tratamento? D sim D Não EXEMPLO: Questão aberta 2. Se "Não", por que não? Alguns pesquisadores acham necessário fornecer aos entrevis- tados uma lista de respostas possíveis, para lembrar-lhes todas as possibilidades. Outros, no entanto, acham que esse procedi- 38 METODOLOGIA CIENTÍFICA PARA A ÁREA DE SAÚDE m ento é inadequado porque as respostas sugeridas podem, eventualmente, influenciar as p essoas. É mais fácil analisar as respostas quando todas as opções são dadas aos entrevistados. No entanto, se as pessoas puderem responder o que quiserem, o pesquisador terá, no final, a possibilidade de "garimpar" algu- mas frases para incorporar ao texto, o que enriquece a discussão. Cuidados essenciais 1. Faz.er uma boa diagramação e deixar espaço para as respostas. Se necessário, dar instruções para ajudar a pessoa que vai responder. 2. Usar linguagem ao nível de compreensão do entrevistado. Se os entrevistados são do público em geral, use palavras sim- ples e leigas. Por exemplo, substitua cefaleia ou cefalalgia por dor de cabeça. Se os entrevistados são especialistas de determinada área, escolha palavras técnicas. 3. Evitar ambiguidade. Por exemplo, se você quer saber como as p essoas escolhem seus dentistas (anúncios em jornais, listas telefônicas, referências de amigos etc.), a pergunta "Como o senhor achou seu dentista?" pode produzir a resposta "Muito chateado". 4. Avaliar se a pessoa tem registro na memória de coisas que ocor- reram algum tempo atrás, para responder com precisão questões do tipo "Quando foi feita a última consulta?". 5. Nã.o conduzir a resposta. Por exemplo: "O senhor não acha que o remédio que está tomando agora é melhor do que o que vinha tomando antes?" 6. Nã.o Jazer várias questões em uma única. Nunca pergunte: "O senhor tem seguido o tratamento como explicou seu médico ou tem mudado alguma coisa?" D Sim D Não Questionários 39 7. Ser preciso. Pergunte exatamente o que quer saber. Por exemplo, não pergunte "O senhor, em geral, escova os dentes mais de uma vez por dia?", mas "Quantas vezes o senhor escovou os dentes ontem?". São necessários, porém, mais alguns cuidados. As pessoas têm a tendência de concordar com o entrevistador, principalmente quando essas pessoas estão doentes, sentem-se de alguma forma dependentes ou quando o entrevistador está numa posição de autoridade. Os pesquisadores nunca devem pressupor que os entrevista- dos conheçam o assunto sobre o qual estão sendo interrogados. Isso porque muitas pessoas, para não admitirem que são mal informadas, fingem conhecer o assunto da entrevista. É razoável verificar o grau de informação de cada entrevistado, começando sempre com uma pergunta na forma: "O senhor já ouviu falar sobre ... ?". É preciso incluir, no questionário, perguntas que permitam cruzar as respostas de maior interesse, isto é, é preciso repetir , as questões de forma diferente. E preciso verificar se cada questão está de acordo com o objetivo. Questionários longos correm o risco de alta taxa de falta de resposta ou de erros nas respostas. Além disso, como muitas pessoas não sabem relatar algumas de suas ideias, é razoável fazer perguntas indiretas. Assim, é razoável perguntar sobre as atitudes que a pessoa tomou - não sobre o que a pessoa pensa. O problema é que um dado com- portamento não indica todos os comportamentos possíveis. Também é razoável perguntar como uma terceira pessoa se sentiria ou agiria em determinada situação, pressupondo que o , entrevistado poria a si próprio no lugar da terceira pessoa. E claro que a estratégia nem sempre dá certo porque o entrevistado pode, eventualmente, dizer o que ele acha que outras pessoas 40 METODOLOGIA CIENTÍFICA PARA A ÁREA DE SAÚDE fariam, embora ele próprio não o fizesse, ou pode dar uma regra ideal de comportamento, mesmo que não seja o seu. O pesquisador pode, então, adotar uma abordagem mais abrangente. Por exemplo, o pesquisador pode perguntar ao entrevistado: "O que o senhor acha que uma pessoa deveria fazer quando ... ?" Depois, apresentaria outra questão: "O que a maioria das pessoas realmente faria quando ... ?" Finalmente, per- guntaria: "O que o senhor faria?" O questionário deve ser acompanhado de uma carta (ou de uma explicação verbal, no caso de entrevista) explicando por que e para que a pesquisa está sendo conduzida. Garanta o sigilo, informe a quem entregar o questionário preenchido e a quem a pessoa deve contatar, se desejar :informações adicionais. Ao final, é claro, faça um agradecimento. Finalmente, é muito importante fazer um pré-teste do questioná- rio, para a validação. O questionário deve ser respondido por cerca de 20 pessoas com características diferentes. Depois deres- pondidas, as perguntas devem ser reavaliadas e os termos ambí- guos devem ser corrigidos. Convém avaliar, também, o tempo e o custo de resposta, por respondente, e a boa vontade dos parti- cipantes, em dar as respostas. 6. Como se aplica o questionário? Depois de coletados, analisados e publicados, os dados passam a ser vistos como verdadeiros, mesmo que no processo de coleta tenha havido enorme quantidade de erros. No entanto, não se podem enganar todas as pessoas por todo o tempo. Em termos de ciência, isso significa que, mesmo depois de publicados, os dados continuam a ser avaliados pela comunidade científica - que pode criticá-los, descartá-los ou ignorá-los. Portanto, a ques- Questionários 41 tão que fica é: que cuidados devem ser tomados quando se faz um questionário, para maximizar a possibilidade de obter bons dados? Para obter as respostas a um questionário, podem ser feitas entrevistas pessoalmente ou por telefone. O questionário tam- bém pode ser enviado por correio ou distribuído aos participan- tes da pesquisa por qualquer outro meio como, por exemplo, encartes em revistas. Nesses casos, os questionários são conheci- dos como formulários de autoaplicação. O pesquisador pode, ainda, usar uma combinação desses métodos,como o contato por carta seguido de entrevista, pessoalmente ou por telefone. São fatores determinantes da escolha: • Custo da obtenção dos dados • Rapidez da coleta • Dificuldade do questionário Os telefonemas e o correio, desde que locais, são mais baratos do que as entrevistas. Se a amostra não for muito grande, os telefonemas são mais rápidos. No entanto, é mais fácil ajudar o entrevistado nas entrevistas feitas pessoalmen- te (como no censo). As entrevistas feitas pessoalmente tam- bém permitem que o entrevistador faça melhor juízo sobre o entrevistado. O questionário pode ser aplicado pelo pesquisador, pessoalmente ou por telefone, ou pode ser mandado por correio ou por outro meio, para ser autoaplicado pelos participantes de pesquisa. 42 METODOLOG I A CIENTÍFICA PARA A ÁREA DE SAÚDE 7. Qual deve ser o tamanho da amostra? O tamanho da amostra depende da variabilidade dos dados e da confiança (em termos probabilísticos) que se quer ter no resultado final. Em um questionário, perguntas diferentes podem exigir diferentes tamanhos de amostra devido à diferente variabilidade das respostas. Nesses casos, é melhor tomar a amostra com o tamanho exigido pela pergunta que tem maior variabilidade de respostas. Quando isso não pode ser feito, algumas perguntas podem ficar prejudicadas. De qualquer modo, na prática, o tamanho da amostra é deter- minado mais pelas considerações a respeito de quanto custa e de quanto tempo demora amostrar cada unidade do que por conhe- cimento de estatística. Mas antes de estabelecer o tamanho da amostra, convém pensar sobre a análise que será feita e conver- sar com um estatístico.4 O pesquisador precisa levar em conta o que é usual na área. Deve, portanto, consultar a literatura da área a respeito do tama- nho da amostra e verificar o orçamento. Para calcular o tamanho da amostra usando conhecimento de estatística, é preciso uma estimativa da variância, que se obtém fazendo uma amostra piloto. Mas o que é uma amostra piloto? O pesquisador toma uma pequena amostra da população que pretende estudar - por exemplo, 20 pessoas - e as submete ao questionário, já em sua forma definitiva. Com base nas respostas, o pesquisador estuda a , qualidade do questionário e o grau de dispersão das respostas. E possível, então, consultar um estatístico para saber como estimar a variância e, a partir daí, calcular o tamanho da amostra. 4 O texto clássico sobre o assunto é COCHRAN, W. G., Sampling technÚ/ues. Nova York, Wiley, 1977. Uma edição mais antiga foi traduzida para o português. Veja Cochran, W. G., Técnicas de amostragem; Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1965. Questionários 43 EXEMPLO: Para desenvolver urna versão maior e melhor da Escala de Medida do Impacto da Artrite (Arthritis Impact Measurement Scale - AIMS), que é um questionário para avaliar as condições dos portadores de artrite, foi feita urna pesquisa.5 Primeiro, a escala foi revisada e foram adicionadas perguntas para avaliar a capacidade funcional dos braços, a capacidade de trabalho e o apoio fami- liar e social. Depois, aplicou-se o questionário a urna amostra piloto de 24 participantes que demoraram, em média, 23 minutos para completar as res- postas. A facilidade de responder às perguntas e a boa vontade dos participantes em completar os questionários e retorná-los pelo correio tiveram avaliação positiva dos pesquisadores. As respostas foram, então, analisadas e, com base na variabilidade observada, foi calculado o tamanho de amostra para um nível de confiança de 95°/o. Com base nos dados desta pesquisa foi possível concluir que a nova escala substitui, com vantagem, a anterior, tanto na prática clínica como nas pesqui- sas feitas na área. De qualquer forma, saiba que do ponto de vista do estatísti- co, as amostras devem ser tão grandes quanto possível, desde que seja mantido o mesmo padrão de qualidade na coleta dos dados. Amostras muito pequenas são inúteis, porque não dão boas estimativas, mas as amostras muito grandes, porém mal- feitas, são piores, porque dão a ilusão de conter uma verdade que não contêm. 5 Meenam, R. F. et al., "The Content and Properties of a Revised and Expanded Arthritis Impact Measurement Scales Health Status Questionnaire", Arthritis and Rheumatism, v . 35, nº 1, janeiro de 1992. 44 METODOLOG I A CIENTÍFICA PARA A ÁREA DE SAÚDE No entanto, se os dados coletados são bons, quanto maior for a amostra, maior será a confiança nos resultados. Para entender esse ponto, dois estatísticos imaginaram um exemplo engenhoso.6 EXEMPLO: Numa cidade existem dois hospitais. Em um deles nascem 120 bebês por dia, e no outro, doze. A razão de meninos para meninas é, em média, 50°/o nos dois hospitais. Uma vez nasceu, em um dos hospitais, duas vezes mais meninos do que meninas. Em qual dos hospitais é mais provável que isso tenha ocorrido? Para o estatístico, a resposta é óbvia: é mais provável que o fato tenha ocor- rido no hospital menor. A probabilidade de se obter uma estimativa que se desvia muito do parâmetro aumenta quando a amostra é pequena. Para determinar o tamanho da amostra, consulte a bibliografia da área e livros de amostragem, além de um consultor de estatística. 8. Como se tratam os dados discrepantes? O pesquisador pode, eventualmente, errar quando registra os dados. Tais erros, quando percebidos, devem ser, obviamente, corrigidos. Outras vezes, a própria informação justifica suspeita. Por exemplo, se uma pessoa afirma ter 135 anos, é melhor confe- rir. No entanto, na maioria das vezes o pesquisador não tem cer- teza de que determinado valor é impossível. Por essa razão, quando um pesquisador descarta dados por achá-los discrepantes, introduz algum tipo de tendência na infor- 6 Baseado em um exemplo de Kahnemen, D. e Tvesky A., "Judgement under uncertai- rúty: heuristis and bias", Scíence 185, 27 de setembro de 1974. Questionários 45 mação ou, até mesmo, toma inútil o próprio trabalho. Não existe justificativa para quem despende tempo e dinheiro coletando dados para depois escolher os dados "razoáveis" (em geral, o indivíduo entende como "razoáveis" os valores que coincidem com o que ele próprio já esperava). Como toda regra, essa também tem exceção. Se ocorrer um problema na coleta de dados que traga dúvidas sobre a qualida- de da observação, o dado dever ser descartado. Entretanto, a decisão de descartar o dado fica baseada na ideia de que o pro- cesso de tomada do valor numérico falhou, e não na ideia de que o número é discrepante. A tendência de descartar "valores discrepantes" é, infelizmen- te, muito comum. Ainda, o julgamento do que é "discrepante" se baseia, em geral, na visão extremamente subjetiva do pesquisa- dor? Por isso, no julgamento de um trabalho é sempre útil obser- var o valor da variância e do coeficiente de variação. Valores bai- xos dessas estatísticas merecem, no mínimo, um comentário ou uma justificativa. Finalmente, embora seja um evento raro, não se pode deixar de levantar a hipótese de que os dados discrepantes podem ser um ' importante ponto de partida para outras pesquisas. As vezes, o importante é definir os fatores que determinaram que alguns ele- mentos "escapassem" à grande massa de respostas. 9. Um exemplo de questionário Foram acompanhados, no pós-cirúrgico, 48 pacientes que se sub- meteram a termocoagulação do gânglio de Gasser, devido à neu- 7 Existem testes estatísticos para estabelecer se um dado é discrepante. 46 METODOLOGIA CIENTÍFICA PARA A ÁREA DE SAÚDE ralgia do trigêmeo.8 Esses pacientes foram separados em dois grupos: TN, constituído por 31 pacientes que apresentavam ape- nas neuralgia do trigêmeo, e MTN, constituído por 17 pacientes que apresentavam, além da neuralgia do trigêmeo, dores faciais atípicas.Todos os pacientes deveriam responder a um questionário, autoaplicado aos seis meses, um ano, dois anos e três anos depois da intervenção. O tempo médio de acompanhamento foi de 30 meses+ 12. As respostas ao questionário, que é dado em seguida, permitiram estabelecer: • O tempo médio para registro da dor recorrente foi de 40 meses para o grupo TN e 36 meses para o grupo MTN. • O grupo TN se mostrou mais satisfeito com o resultado, queixou-se de poucas complicações e foi mais receptivo à ideia de repetir a cirurgia, se necessário. • As complicações variaram muito, tanto em número como em relação à época de ocorrência. Questionário 1. A dor neurálgica do trigêmeo desapareceu? Sim O Não D 2. Se não, quando a dor voltou? 3. Que tratamento você está fazendo para a dor? 4. Que sensação você tem no lado operado do seu rosto? Normal D Estranho D Dormente D 8 Zakrzewska, J. M.; Jassi.m, S.;. Bulman, J. S. "A prospective, longitudinal study on patients with trigerrúnal neuralgia who underwent radiofrequency thermocoagulation of the Gasserian ganglion"; Pain 79 (1999):51-58. Questionários 47 5. Se não é normal, que partes estão afetadas? 6. A sensação estranha na face afeta sua vida? Não D Um pouco D Bastante D 7. É difícil comer ou usar a dentadura? Sim D Não D 8. Você tem a sensação de queimação? Sim D Não D 9. Você tem outro tipo de dor que não a neuralgia do trigêmeo? Sim D Não D 10. No caso positivo, especifique. 11. Há quanto tempo você sente essa dor? 12. Você teve problemas com o olho no lado operado? Sim D Não D 13. No caso de resposta positiva, qual foi o problema? 14. Você tem problemas d e ouvir no lado operado? Sim D Não D 15. Você gostaria de fazer uma consulta para revisão? Sim D Não D 16. Você faria outra operação se fosse preciso? Sim D Não D Não sabe D 17. Gostaria de fazer algum comentário? 1 O. Exercícios 1. Para levantar o conhecimento de crianças de oito a dez anos sobre a importância de escovar os dentes, um cirurgião dentis- 48 METODOLOGIA CIENTÍFICA PARA A ÁREA DE SAÚDE ta elaborou um questionário e o entregou às crianças que conhecia: dois filhos seus, dois amigos deles que frequenta- vam a casa, quatro sobrinhos e três filhos de colegas seus, tam- bém dentistas. Você acha que os dados obtidos podem ter algum tipo de tendência? 2. Descreva cuidadosamente o objetivo de um cirurgião-dentista que quisesse fazer um questionário para levantar o conheci- mento de seus colegas sobre câncer de boca. 3. Descreva diferentes técnicas de amostragem para levantar dados sobre hábito de fumar e consumo de álcool entre alunos de uma grande universidade. 3 Bases Gerais da lxperimentação 1. O que é um experimento? Para saber se deterrrúnado tratamento (uma substância) tem efei- to sobre o peso de ratos, um p esquisador fez um experimento. Primeiro, tomou um conjunto de ratos sirrúlares e os manteve em condições idênticas durante algum tempo. Depois, dividiu o conjunto de ratos em dois grupos. O primeiro grupo recebeu a substância adicionada à ração, mas o segundo grupo, embora mantido nas mesmas condições, não recebeu a substância. Decorrido determinado período, o pesquisador pesou todos os ratos e comparou o peso do grupo que recebeu o tratamento com o peso do grupo que não recebeu o tratamento. Este exemplo serve para mostrar a lógica de um experimento: o pesquisador precisa criar condições que, embora artificiais, são perfeitamente controladas, para responder uma pergunta do tipo "esse tratamento tem efeito"? 50 METODOLOG I A CIENTÍFICA PARA A ÁREA DE SAÚDE Um conjunto de ratos similares é dividido em dois grupos: um grupo não recebe a substância em teste, o outro recebe a substância. Um exemplo de experimento Dizemos que foi feito um experimento toda vez que, para responder determinada pergunta, o pesquisador constitui os grupos que pretende comparar e os mantém em situação controlada por algum tempo. 2. Alguns termos técnicos Em experimentação, alguns termos são básicos. Primeiro, sempre existe um tratamento em teste. O tratamento em teste pode ser uma droga, uma técnica cirúrgica, um procedimento de laborató- rio, uma conduta terapêutica. O tratamento é aplicado a uma uni- dade experimental. A unidade experimental pode ser um paciente, uma amostra de sangue, um fragmento de tecido. Em cada uni- dade, observa-se ou mede-se uma variável. A variável em análise pode ser peso corporal, pressão sistólica, rúvel de colesterol, tempo de recuperação de uma cirurgia. Bases Gerais da Experimentação 51 A unidade experimental, porém, nem sempre corresponde a uma unidade física. Por exemplo, nos experimentos de ganho de peso com pequenos animais como ratos e cobaias, a soma dos pesos dos animais colocados na mesma gaiola pode ser tomada como uma unidade. Isso porque os pesos de animais colocados na mesma gaiola não são independentes: o crescimento de um pode influenciar sobre o crescimento dos outros. Então, a soma dos pesos de, digamos, cinco ratos colocados na mesma gaiola deve ser considerada uma unidade experimental. Ainda, em experimentação a palavra "tratamento" nem sem- pre significa uma terapia. Por exemplo, para estudar o efeito da privação de água sobre o comportamento de ratos, devem ser estabelecidos dois grupos: um grupo constituído por ratos priva- dos de água e outro grupo constituído por ratos que recebem água à vontade. Nesse experimento, o tratamento é a privação de água que, é claro, não é uma terapia. Unidade experimental é a menor unidade em que o tratamento é aplicado e cuja resposta não é afetada pelas demais unidades. Tratamento é o que está em teste. 3. Como se estuda o efeito de um tratamento? Para estudar o efeito de um tratamento, seria necessário observar o que acontece quando o tratamento é aplicado, e o que teria acontecido se o tratamento não tivesse sido aplicado. Como isso é impossível, o pesquisador faz o seguinte: • toma um conjunto de unidades experimentais similares; • divide o conjunto de unidades em dois grupos; • adrrúnistra o tratamento em teste a um dos grupos; • deixa o outro grupo sem o tratamento em teste. 52 METODOLOGIA CIENTÍFICA PARA A ÁREA DE SAÚDE O grupo que recebe o tratamento em teste é denominado grupo experimentali1 o grupo que não recebe o tratamento em teste é denominado grupo-controle. Para determinar o efeito do tratamento, é preciso comparar os resultados dos dois grupos. O grupo-controle serve, então, como base de comparação. Quando o tratamento em teste é uma droga, o grupo-controle recebe um placebo, isto é, uma substân- cia similar à droga quanto ao aspecto, gosto, cor, cheiro, embala- gem etc. - mas inerte farmacologicamente. Isso garante que a resposta do paciente seja explicada pela droga e não pelo fato de se supor tratado. Do ponto de vista da metodologia, é lógico usar placebo para tornar os grupos mais sirrúlares. Ficam, porém, as ques- tões de ética. Constituir um grupo de pacientes que recebe uma medicação inócua como comprimidos de açúcar, em vez do trata- mento, exige avaliação cuidadosa. O uso de placebo é inaceitá- vel quando a doença tem tratamento de eficiência comprovada, quando existe risco de agravamento irreversível da doença ou quando existe risco de morte. Então, não se pode constituir um grupo-controle que recebe apenas placebo para testar o efeito de trombolíticos, betabloquea- dores ou aspirina nos casos de pós-enfarte, antibióticos para cirurgias contaminadas, anestésicos. Também não se pode tratar , pacientes com câncer, usando placebo. E verdade que já se usou placebo nos seguintes casos: para estudar a evolução natural de uma doença, no caso a sífilisl para testar a eficácia de anovulató- 1 Algunsautores chamam o grupo que recebe o tratamento em teste de grupo tratado. 2 Entre 1932 e 1972, um grupo de pacientes com sífilis foi deliberadamente deixado sem tratamento para que os médicos pudessem estudar o desenvolvimento natural da doença. Os pacientes eram negros e pobres. Isso aconteceu em Tu.kesgee, Alabama, EUA. Veja: Vieira, S. e Hossne, W. S., Pesquisa médica: a ética e metodologia; São Paulo: Pioneira, 1998. Bases Gerais da Experimentação 53 rios oraisi3 para testar a eficácia de doses reduzidas de AZT para gestantes com AIDS.4 Tais práticas são, eticamente, inadequadas, e já foram, há muito, condenadas pela comunidade científica em geral. Parece, porém, aceitável constituir um grupo-controle subme- tido a placebo no caso do teste de drogas para doenças que têm pouco, ou mesmo nenhum, efeito sobre a saúde das pessoas ou que não têm tratamento definido, como resfriados e cefaleiasi no teste de paliativos para problemas crônicOSi no teste de drogas para prevenção de doenças, como sobredose de vitamina e para a prevenção de resfriados. De qualquer forma, os pacientes devem ser esclarecidos sobre as condições experimentais5 - isto é, no caso das pesquisas clíni- cas que têm um grupo-controle submetido a placebo, os pacien- tes precisam entender que podem, eventualmente, receber não a droga em teste, mas um comprimido sem qualquer potencial de ação. A pessoa mais qualificada para saber se o uso de placebo acarreta apenas desconforto suportável é, sem dúvida, o próprio pesquisador. Então, embora o paciente deva dar seu consenti- mento livre e esclarecido para participar da pesquisa e deva 3 Para estudar os efeitos colaterais de anovulatórios orais, os n1édicos admllústraram, a um grupo de 76 mulheres, apenas placebo. Ocorreram dez casos de gravidez indeseja- da no grupo que recebeu placebo. As mulheres eram americanas pobres, de ascendên- cia mexicana. Veja: Vieira, S. e Hossne, W. S., Pesquisa médica: a ética e metodologú.z; São Paulo: Pioneira, 1998. 4 Na República Dominicana, na Tailândia e na África, foram feitos experimentos, financiados pelo governo americano, com 12.211 mulheres para determinar a dose mínima efetiva de AZT no tratamento de aidéticas grávidas. Cerca de metade dessas mulheres recebeu placebo. Veja: Vieira, S. e Hossne, W. S., Pesquisa médica: a ética e metodologia; São Paulo: Pioneira, 1998. 5 O pesquisador precisa informar os pacientes sobre as condições experimentais, con- forme consta na Resolução 196/1996 do Conselho Nacional de Saúde, Ministério da Saúde. 54 METODOLOGIA CIENTÍFICA PARA A ÁREA DE SAÚDE haver uma revisão adequada por parte do Corrútê de Ética em Pesquisa da instituição, é o pesquisador quem deve tentar esta- belecer o risco que um paciente, submetido ao placebo, teria de suportar e exarrúnar o resultado dessa avaliação à luz da ética profissional e da própria consciência, para saber se o uso de pla- cebo é aceitável. Finalmente, não se pode deixar de lembrar que o paciente procura o médico em busca de tratamento. Se for convidado a participar de uma pesquisa e aceitar, significa que tem confian- ça em seu médico. Até que ponto é razoável concordar que o médico tem o direito de prescrever apenas comprimidos de farinha? Para estudar o efeito de um tratamento, é preciso comparar os resultados obtidos no grupo experimental com os resultados observados no grupo- controle. 4. O que é controle positivo? Quando se fala em "novo" tratamento, as pessoas imaginam um tratamento "melhor" do que o usual e pensam que podem dispensar qualquer tipo de teste. No entanto, todo "novo" tra- tamento deve ser comparado com o tratamento convencional, isto é, com a terapia usual para o caso por meio de experimen- tos clínicos planejados. Mas como se avalia um "novo" trata- mento? Para avaliar um "novo" tratamento, o pesquisador separa uni- dades sirrúlares em dois grupos: um grupo recebe o "novo" tra- tamento, outro grupo recebe o tratamento "convencional" ou "padrão". Decorrido deterrrúnado período, o pesquisador com- para os resultados. Bases Gerais da Experimentação 55 O grupo que recebe o tratamento "convencional" ou "padrão" é a base de comparação. Por essa razão, esse grupo é, muitas vezes, referenciado na literatura como "controle positivo". Um grupo que recebesse apenas placebo seria, então, o "controle negativo" .6 Existe o consenso de que se deve usar apenas controle positivo - e, não, um controle submetido a placebo - nos testes de novos tratamentos para infeções por bactérias, trombose, infeção por Hiv, no teste de novos anestésicos e em várias outras situações. Pode ser difícil definir o que é "tratamento convencional", isto é, a terapia longamente reconhecida como a mais comum. Apesar dessa dificuldade, o pesquisador precisa buscar a terapia mais amplamente utilizada. Não tem sentido - por conta da dificulda- de - definir como "tratamento convencional" uma terapia há muito abandonada, apenas para "provar" o efeito de um trata- mento que o próprio pesquisador propõe. Existe hoje uma tendência, tanto no Brasil como internacional- mente, de estabelecer regulamentação e diretrizes para condições específicas. Por exemplo, no Brasil, a Resolução7 196/96 trata das condições de uso do placebo e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária8 já estabeleceu a maneira de proceder aos testes para os medicamentos genéricos. A regulamentação é importante porque existem muitos interes- ses envolvidos numa pesquisa clínica. O uso de controles positi- vos produz, sem dúvida alguma, informação mais útil para pacientes, médicos e contribuintes. Afinal de contas, todas essas pessoas querem ter informação sobre o tratamento mais eficiente. A indústria farmacêutica prefere,, porém, que a base de compara- 6 Em inglês, o controle positivo é denominado "active control"; o controle negativo é referido como "placelxrcontrolled". 7 Veja Resolução nº 196de17 de outubro de 1996, ill-31. 8Resolução nº 391 de 9 de agosto de 1999. www.anvisa.gav.br/legis/resol391_.lúm 56 METODOLOGIA CIENTÍFICA PARA A ÁREA DE SAÚDE ção seja um grupo-controle subm etido a placebo, porque assim pode concluir que o medicamento que produz é melhor do que placebo, em lugar de arriscar-se a concluir que está produzindo um medicamento menos eficiente do que o da concorrente. Para testar o efeito de uma cirurgia experimental, o grupo que serve como base de comparação deve ser submetido à cirurgia convencional ou tratado clirúcarnente. Não se pode fazer pseu- docirurgia em pacientes, por motivos éticos. Entretanto, a litera- tura registra pelo menos um caso de experimento em que os pacientes que constituíam o grupo-controle foram submetidos a uma pseudocirurgia,9 sem terem sido avisados de que isso pode- ria ocorrer.1º Por outro lado, alguns profissionais da área de saúde ainda argumentam que já surgiram tratamentos "novos" cuja superio- , ridade foi detectada sem qualquer tipo de experimentação. E sempre citado o caso da penicilina, que foi introduzida na prática médica sem muita pesquisa. Mas isso aconteceu há várias déca- das. Hoje, são continuamente propostos "novos" tratamentos e a contribuição apenas moderada ou mesmo nula de alguns deles só é detectada mediante experimentos clínicos planejados. Para entender esse ponto, imagine que uma doença tenha risco de morte de 35°/o, mas que foi proposto um "novo" tratamento que, se supõe, reduza esse risco em 5o/o (o risco de morte, para pacientes submetidos ao "novo" tratamento, seria de 30°/o, em contraposição aos 35% antigos). Uma redução de 5°/o no risco de morte constitui real melhoria, mas não se detecta redução dessa ordem sem experimentação. 9 Foi feita uma anestesia e, depois, a incisão cirúrgica no tórax, mas não foi feita a liga- dura da artéria mamária. 10 Cobb,
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