Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS Seminário do texto: Uma Sociologia do Licenciamento Ambiental: o caso das hidrelétricas em Minas Gerais. Andréa Zhouri (GESTA-UFMG) Klemens Laschefski (CNPq-GESTA-UFMG) Angela Paiva (GESTA-UFMG). O Licenciamento Ambiental e a construção de barragens hidrelétricas. Para ocorrer a construção de barragens hidrelétricas ocorre à ocupação de vastas áreas, o que acaba por desalojar diversas populações e comunidades. Isso ocorre, pois essas obras têm como objetivo suprir um projeto de desenvolvimento e progresso que possui como premissa a sua realização para a modernização do Brasil e sua inserção na globalização econômica. Porém essas ações destituem suas populações residentes de seu meio ambiente, os quais são compartilhados e vivenciados por gerações, configurando assim, um bem material e simbólico, que permite a reprodução de seus modos de vida. A construção dessas barragens promovem injustiças ambientais devido aos impactos socioambientais gerados sobre as comunidades atingidas e por não considerarem essas populações atingidas como participantes no processo de decisão e utilização dos recursos naturais. O presente capítulo analisado abordara o licenciamento ambiental que é obrigatório para o referido processo decisório. A Política Nacional de Meio Ambiente possui o instrumento do licenciamento ambiental que serve para avaliar os impactos que serão causados por atividades efetiva ou potencialmente degradadoras dos recursos ambientais. Cabe ressaltar que o licenciamento representa um caminho para a prevenção e reparação dos impactos sociais e ambientais advindos das transformações que ocorrem sobre o território. O licenciamento ambiental deve cumprir a legislação vigente e permitir uma participação decisória da sociedade civil, principalmente através de Audiências Públicas. Porém, no que se refere aos licenciamentos para as barragens hidrelétricas, ocorrem duras críticas promovidas pelo setor energético. Na mídia ocorrem dois posicionamentos: a que o licenciamento ambiental acaba por atrasar e dificultar o desenvolvimento do país e outro que é um importante mecanismo para a avaliação ambiental de tais projetos. Através desses elementos o Grupo de Estudos em Temáticas Ambientais da Universidade Federal de Minas Gerais (GESTA/UFMG), autores desse capítulo, buscam pensar o licenciamento ambiental como instrumento que avalia a viabilidade socioambiental de tais empreendimentos hidrelétricos, bem como a participação da população atingida em análises de casos no estado de Minas Gerais. O Conselho de Política Ambiental (COPAM) e a Fundação Estadual de Meio Ambiente (FEAM) formam o Sistema de Política Ambiental em Minas Gerais-COPAM-FEAM, que integra o Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA) Já o licenciamento ambiental é um procedimento administrativo que é exigência legal do Estado para as atividades causadoras ou potencialmente causadoras de impactos ambientais. O posicionamento técnico que a FEAM estabelece se sustenta a partir da análise e da avaliação dos Estudos de Impacto Ambiental e do Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA), que são apresentados pelo empreendedor para a avaliação da viabilidade ambiental do projeto. Conjuntamente a essas informações são somadas aquelas informações adquiridas nas comunidades locais por meio da Audiência Pública. Para o início de um empreendimento, ocorrem três etapas: Licença Prévia (LP), Licença de Instalação (LI) e Licença de Operação (LO). A LP deverá ser avaliada na fase preliminar do empreendimento. Contendo a apresentação do empreendedor dos Estudos de Impacto Ambiental e o Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA), que deve constar as informações acerca das características técnicas, socioeconômicas e ambientais de uma obra de infraestrutura. A LP permite a avaliação ambiental da obra pela FEAM, sendo aprovada a LP o empreendedor apresenta o Plano de Controle Ambiental (PCA) para uma avaliação que concede a LI que permite o início das obras. Cumpridas todas as etapas a LO é concedida, autorizando o funcionamento do empreendimento. Os autores colocam que todo esse processo é marcado por conflitos que circundam a luta pela apropriação da natureza. E que o COPAM, mesmo que pautado nas legislações e normas e sendo um mediador de conflitos, apresenta posições distintas as que lhe cabe. Os autores verificam problemas estruturais e procedimentais do licenciamento ambiental que acabam por estabelecer o controle por uma elite econômica e política da sociedade, o que acaba por restringir as diversidades e formas de se utilizar e de se conceber o meio ambiente pelos diversos atores sociais. O COPAM é responsável pela tomada de decisões de como deve ocorrer a apropriação do meio ambiente pelos empreendimentos no âmbito estadual. Por isso os autores se propõem a sua análise para se verificar os conflitos e as relações de poder existentes no processo de licenciamento ambiental. Mesmo que seja considerado um espaço “democrático” e “participativo”, e possuir paridade de representação dos setores governamental, não-governamental e da sociedade civil em sua composição e ser um lugar de “negociação” entre governo, empresários e sociedade, o que é constatado é que as relações de poder são altamente hierarquizadas e ocorre um processo de “oligarquização” do poder deliberativo e de “juridificação” do “campo ambiental mineiro”. A “oligarquização do campo ambiental” é colocada no entendimento que ocorre uma dominação do espaço da tomada de decisões por uma visão hegemônica da utilização dos recursos naturais, que se dá na lógica de mercado e tem como base a produção e o consumo permanente e crescente como norteadora. Com isso, verificasse que o COPAM é um mecanismo para que os projetos em julgamento sejam viabilizados. Já a “juridificação” serve para a imposição da visão hegemônica de mundo e forma para efetivar a intervenção no mundo por meio da implementação de determinadas políticas e leis ambientais que acabam por negligenciar as diversidades socioculturais O problema verificado no conflito ambiental demonstra as distintas racionalidades acerca do meio ambiente e suas significações e os projetos de sociedade. O que prevalece é a concepção reducionista e hegemônica que estabelece o uso dos recursos naturais a partir de uma lógica mercantil, e que no caso das barragens hidrelétricas, exclui as comunidades atingidas por barragens do espaço de discussão e de deliberação. Constataram que as leis e normas são reinterpretadas para se conseguir a aprovação dos projetos particulares, que são apresentados como de interesse público, porém apenas atendem aos interesses de mercado. Como exemplo temos o licenciamento para a Pequena Central Hidrelétrica de Aiuruoca, no Sul de Minas, que foi liberado em fragmentos de Mata Atlântica, que é considerada patrimônio da humanidade pela Constituição Federal de 1988, art. 225 e insere-se ainda na Área de Proteção Ambiental (APA) da Serra da Mantiqueira. Nesse caso a usina e sua produção energética esta voltada para a comercialização e não ao atendimento das demandas de energia por parte da população local. Com isso, o processo de licenciamento passa a não cumprir sua função de promover um instrumento de avaliação da sustentabilidade socioambiental das obras, e de suas implicações técnicas, políticas, sociais e ambientais, e assim, portanto, se torna apenas um instrumento que atende interesses econômicos que subjugam o meio ambiente e lhe atribui como mero recurso material. Sendo assim, as medidas de compensação e de mitigação acabam servindo apenas como adequação ao projeto técnico, não respeitando o meio ambiente e as complexidades socioculturais e naturais ali presentes. Verifica-se uma marginalizaçãodas comunidades atingidas devido ao atraso de comunicação acerca da obra, pois geralmente são informadas quando o processo de licenciamento já se encontra em estágio avançado e até quando as decisões já foram tomadas e acordos já foram estabelecidos. Sendo assim, as comunidades atingidas são prejudicadas no conhecimento do projeto e das dimensões de seus impactos socioambientais, pois não possuem informações suficientes para seu posicionamento. O setor da geração de energia elétrica no Brasil constitui-se como um modelo centralizado e inflexível, como exemplo: a crise energética de 2001. No caso, estudos demonstraram a possibilidade de diversificação e eficiência na distribuição e consumo, porém nessa oportunidade foram retomadas medidas imediatistas e a retomada das tão criticadas mega usinas hidrelétricas e na tentativa de reativação do programa nuclear e da construção de termoelétricas à base de carvão. É nesse momento que o discurso oficial estabelece justificativas para a ampliação e execução dos projetos hidrelétricos devido a necessidade de crescimento econômico e ampliação da disponibilidade de energia. Através dessas posições oficiais e predominantes é que o licenciamento passa a ser atacado como entrave do desenvolvimento. E no caso mineiro, influenciou o COPAM a aprovar rapidamente as licenças ambientais para os projetos hidrelétricos, como elas sendo necessárias e inevitáveis. O estudo de impacto ambiental, além de atender à legislação, em especial os princípios e objetivos expressos na Lei de Política Nacional do Meio Ambiente, obedece às seguintes diretrizes gerais: I - Contemplar todas as alternativas tecnológicas e de localização de projeto, confrontando-as com a hipótese de não execução do projeto; II - Análise dos impactos ambientais do projeto e de suas alternativas, através de identificação, previsão da magnitude e interpretação da importância dos prováveis impactos relevantes, discriminando: os impactos positivos e negativos (benéficos e adversos), diretos e indiretos, imediatos e a médio e longo prazos, temporários e permanentes; seu grau de reversibilidade; suas propriedades cumulativas e sinérgicas; a distribuição dos ônus e benefícios sociais. Com demonstrado, para respeitar a legislação, deveria ocorrer uma consulta à população antes de qualquer planejamento, e ser discutido fontes alternativas, redução do consumo e a viabilidade ambiental de tais projetos, e principalmente, discutir e buscar a sustentabilidade socioambiental. Os autores colocam que esse tipo de procedimento, que coloca a discussão de forma ampla e participativa, permite o desenvolvimento de formas alternativas, como a descentralização de geração que reduz a perda de energia, porém, confronta o modelo vigente de distribuição de energia. Outra problemática, para a participação efetiva e democrática da população local, ocorre no acesso a documentos e informações sobre o processo, pois existem as vezes grandes distancias geográficas das instâncias técnica e deliberativa dos órgãos ambientais e dos centros decisórios, além da burocracia que dificulta o acesso e o próprio linguajar técnico utilizado. Com isso o acesso às informações de interesse público fica claramente comprometido. As Audiências Públicas são de grande relevância para o licenciamento ambiental, pois permitem a participação e a incorporação das demandas e conhecimentos das comunidades atingidas acerca do projeto, e mesmo informar e expor as implicações socioambientais e econômicas para a região. Entretanto, o que foi verificado na prática, é que se tornam mero procedimento para o cumprimento das normas legais, perdendo assim seu caráter legal de espaço para debates. Com isso, o único momento em que as comunidades podem conhecer as propostas do empreendimento e seus reais impactos socioambientais, passa a ser menosprezado e não oferece o retorno aos participantes das Audiências Públicas acerca dos assuntos tratados e bem menos sobre se suas reinvindicações foram incorporadas no planejamento, como verificado em Minas Gerais. Os autores verificaram com isso, que as comunidades atingidas são negligenciadas e passam a ser utilizadas apenas como legitimadoras de um processo previamente definido. Outra problemática verificada condiz com projetos que envolvem um grande número de atingidos, devido a isso, o bem público deve ser construído socialmente a partir dos distintos contextos socioculturais. Porém nesses casos, verificou-se a aprovação sistemática e sem justificativas de licenças com pendências não resolvidas, e até com recomendação de indeferimento pelos pareceres técnicos devido à inviabilidade socioambiental ou pelo não cumprimento de condicionantes por parte do empreendedor. Como exemplos os autores citam: UHEs Capim Branco e Irapé e das PCHs Aiuruoca e Fumaça. Com isso, foi verificado o desrespeito da legislação vigente pela COPAM, o que acaba por causar graves conflitos sociais e ambientais pela negligencia dos mecanismos de controle social, o que caracteriza uma inversão dos princípios democráticos. O COPAM acaba por tratar as populações atingidas como grupo de interesse que vai contra o bem-estar de todos os cidadãos, assim suas reivindicações e direitos passam a ser negociados e não recebe o retorno devido que possa garantir a manutenção de seu modo de vida e o próprio retorno material. Um enfraquecimento das reivindicações e direitos da comunidades atingidas se deve também devido a fadiga promovida pelos processos burocráticos e de negociação e da própria desestruturação de seus modos produtivos e de vida. Outro elemento importante, verificado pelos autores, é que mesmo com as problemáticas apresentadas pelos processos e empreendimentos já executados, o COPAM não procura sanar os déficits do planejamento, pelo contrário, passa a incentivar os empreendedores a apostar nas forças políticas, na flexibilização do processo e na confiança de que o projeto será executado. Cabe ressaltar que esses problemas analisados em Minas podem ser observados em nível federal. Portanto, constatou-se que a política ambiental esta ficando enfraquecida em sua parte fundamental, que é a de considerar os vários aspectos do desenvolvimento humano, em favorecimento da política desenvolvimentista e da dimensão econômica, ou seja, privilegia e impõe a lógica de mercado em detrimento do desenvolvimento socioambiental e das múltiplas sustentabilidades existentes no Brasil. Esse processo é executado sobre a tutela de uma estrutura institucional democrática que acaba por não respeitar suas próprias regras, pois esta a serviço da sustentabilidade capitalista em detrimento das outras formas possíveis e existentes de se organizar e produzir, que trazem consigo meios ambientes que não podem e nem devem ser quantificados na lógica de mercado. Sendo assim, o processo de licenciamento, que é forjado no paradigma de desenvolvimento sustentável, submete sociedades e meios ambientes à lógica econômica acumulativa, promovendo assim a usurpação dos meios ambientes de comunidades, devido a sua desterritorialização e deslocamento e a sua marginalização do processo decisório de algo que as atingem da forma mais direta e brutal.
Compartilhar