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1 UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS INSTITUTO DE FILOSOFIA, CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA DISCIPLINA: ESTÁGIO I PROFESSOR: HIDERALDO LIMA DA COSTA ACADÊMICAS: ELIZABETH FRANCIELLY ALECRIN MACEDO MACARENA CAVALCANTE MAIRATA Parte I com Elizabeth Macedo Entrevista com a profa. Déborah Cristina Galvão Prudente Elizabeth: Boa tarde, gostaria que você começasse nos dizendo seu nome por gentileza, a escola e a disciplina que atua, se é só no ramo da história ou em outra disciplina também. Deborah: Tá. Eu me chamo Deborah Cristina Galvão Prudente, atuo na escola Estadual Getúlio Vargas e na escola Estadual Ruy Araújo, ministro as disciplinas de História e Geografia.” Elizabeth: Ok, quais são as séries, professora? Deborah: “Fundamental 2, do 6° ao 9° ano” Elizabeth: Como é que foi ser aluna no ensino Fundamental e básico e se teve algum professor que lhe marcou para que fosse pudesse estar escolhendo a área de história? Deborah:” eu estudei sempre em escola pública, na época eu gostava muito de matemática. Elizabeth: Nossa (Risos) Deborah: Quando chegou no 3° ano do ensino médio eu resolvi fazer o vestibular para matemática, passei na primeira fase. Não sei se ainda é assim, mas na minha época era preciso duas fases para entrar na faculdade. “Aí passei na primeira fase e quando chegou na segunda caiu uma matemática que nunca tinha visto na escola, aí não passei e terminei o ensino médio sem entrar em uma faculdade.” Comecei então a fazer cursinho, trabalhava de manhã em uma clínica odontológica e fazia curso pré-vestibular a noite. Só que a verdade é que eu nunca gostei de história ou geografia, pois dava preguiça. Elizabeth: Risos. Deborah: Só que para passar você precisava não zerar nenhuma disciplina e eu não tinha conhecimento nenhum nessas duas. Eu tinha apenas uma noção básica; foi aí que eu resolvi começar a prestar atenção nas aulas de história. 2 Eu conheci um professor, o Gildon. Acho que ele ainda é professor, dava aula lá no equipol. Inclusive ele é formado em contabilidade e história, então ele falava que ele era contador de história. Elizabeth: Risos Deborah: Ele é muito bom, foi quando eu me apaixonei por história. Quando ele falava parecia que eu estava vendo as coisas que ele falava. Então foi no cursinho que eu decidi cursar história. Desisti de matemática e escolhi a história. Elizabeth: Que legal, é interessante pois são áreas totalmente distintas. Elizabeth: Então no caso a sua preparação requeu muito esforço né? pois você nos contou que trabalhava de durante o dia e fazia o cursinho a noite. Deborah: Isso. Elizabeth: Você pode nos contar então mais um pouquinho de como foi essa preparação? Deborah: Aqui em casa, meu pai dizia que sempre tínhamos que passar em universidade pública, pois não somos ricos então tinha que ser uma publica mesmo. Era uma forma até de incentivar o estudo. Quando terminamos o estudo tem sempre aqueles que passam e os que não passam, e você se sente um pouco para trás, mas eu queria mudar isso. Então eu comecei a trabalhar, através da minha mãe que conhecia alguém, que conhecia outro alguém e me indicou para trabalhar como telemarketing. Eu comecei a trabalhar e ganhava 300 e pouco na época, era outra realidade e com isso pagava o cursinho. Eu trabalhava manhã e tarde, chegava em casa tomava banho, descansava um pouquinho e 7h tinha que estar lá na sala para assistir aula, ainda bem, que tudo era perto da minha casa, o cursinho era na rua, na Ferreira Pena e onde eu trabalhava era na rua subindo a Ferreira Pena; uma clínica odontológica. Elizabeth: Entendi. Isso é uma realidade né de muitos alunos que não passam de primeiro e se encontram inseridos nesse meio de pressão de que você tem que passar de primeiro. É uma cultural enraizada. Deborah: Sim, pois você fica com medo de ficar para trás. Elizabeth: E depois que você passou; como foi sua vivência nesse primeiro ano no curso de história, já que não era algo que você queria desde o início? Deborah: Quando eu entrei na sala tinha cerca de 40 alunos, e a primeira coisa que a gente percebe é que não precisa pedir para ir ao banheiro e nem pedir para beber água. As pessoas se levantam e vão. Aí entrou uma professora muito boa, a Patrícia Melo. Deborah: Ela começou a falar e alguns colegas levantaram a mão e eu ficava pensando que eles já tinham uma base e eu estava ali para construir ainda. Até porque eu não gostava de história, tive que aprender para passar no vestibular. A primeira aula foi para mim um choque. 3 Elizabeth: Então você não tinha uma noção de como seria o curso ne? E agora mais madura, como você o avalia, você acredita que o curso atendeu as suas expectativas? Qual é sua visão hoje? Deborah: Eu costumo dizer que meus 4 melhores anos foi na UFAM, não necessariamente pelo conteúdo, mas pela vivência, a experiência de você está ali, debater com outras pessoas. Mas eu sinto que aprendi mais fora da universidade, porque na universidade é assim, eles passam o texto, você tem que ler e ali dentro e feito um debate. Por a gente sair da escola pública, a gente espera que o professor nos ensine e na universidade não é bem assim. Então você já tinha que chegar lá sabendo, tinha de correr atras, senão você ficava para trás. Até mesmo quando eles passavam prova você tinha que dissertar, construir ali teu ponto de vista. Elizabeth: E tu achas que para a sala de aula isso agregou em algo? Deborah: Sim, porque eu tento fazer os alunos falarem, quando eu estou em sala de aula quando eu tento puxar os alunos mais ali para o que estou falando. Porque na Universidade o professor falava: E você? e seu ponto de vista? Então faço isso com os alunos e acredito que peguei isso da Universidade. Elizabeth: Então podemos concluir que até suas avaliações tem muitas questões subjetivas? Deborah: Sim, pois quando o aluno escreve eu vejo o que ele realmente aprendeu. Elizabeth: Entendi, Deborah vou pedir que você fale agora um pouquinho sobre a sua experiencia em sala de aula, logo nos primeiros messes de aula. Houve uma preparação ou foi algo que você deixou acontecer de forma natural? Deborah: Certo, vamos do começo então. Quando a gente se forma não é assim tão fácil encontrar uma escola para trabalhar. Então eu me formei, mas não consegui emprego, pois todas as escolas que eu ia entregar currículo falavam que eu não tinha experiencia, mas como é que eu ia ter experiência se não me davam oportunidade? Então eu passei um ano depois de formada sem emprego na área. Depois de um tempo que eu comecei a trabalhar em escola particular. Desta forma, tive que me preparar, pois por mais que a gente saiba o assunto, a forma que é cobrada na escola é diferente. Na Universidade os assuntos são muito aprofundados, na escola é muito superficial. Peguei então o livro didático e me preparei através dele. Deborah: Assim, eu criei uma didática para dá aula. Eu costumo todas as aulas relembrar as aulas anteriores, isso é algo que eu vi que sempre funciona com eles. Eu aprendi a dá aula dando aula, na faculdade é mais conteúdo. Elizabeth: Você acha que isso faltou então na sua formação? Deborah: Sim. Eu não sei dizer qual seria uma disciplina específica para isso. Tem as práticas, mas ainda não supri. Nos estágios na minha época a gente dava uma aula. Então acho que deveria ter uma disciplina para ajudar a dá aula. Elizabeth: Agora voltando um pouco para a tua vivência em sala de aula. Quanto tempo você atua? 4 Deborah: 8 anos, entre particulares e públicas. Elizabeth: Certo, e você pretende ou fez algum mestrado, especialização na área de história? Deborah: Sim, eu tenho pós-graduação em docência em ensino superior na Faculdade Estácio. Eu teria vontade de fazer algo na área ou o mestrado, mas é um pouco mais complicado na UFAM. Elizabeth: Compreendo. Deborah, em algum momento da tua carreira já se passoupela cabeça a vontade de desistir? Deborah: Não. Eu gosto de dá aula, eu gosto de falar sobre o gosto. Mesmo que eu reconheça que tem assuntos que são meio chatos para os alunos, mas eu sei que tem assuntos na história que são necessários para entender hoje em dia. E eu tento colocar na cabeça deles que é importante. Para o 6° ano que de fato começam a ter história eu começo a introduzir fazendo perguntas do tipo: Por que você acha que usa esse penteado? Aí elas respondem: - “Porque eu quero” Aí eu digo que não é porque elas querem é porque está implícito na sociedade, então historicamente eu tenho uma resposta histórica para isso. Deborah: Eles pensam que história é só estudo do passado, mas digo que história é uma construção de todo dia. Elizabeth: Que legal! Mas é realmente isso. É entender a história para saber o porquê que isso está acontecendo no presente isso é muito importante ser tratado em sala de aula. Ainda mais por causa dessa mentalidade dos alunos em pensar que é só passado. Deborah: E para eles é um passado longínquo, e a história é também passado recentes. Elizabeth: Tem alguma turma que te marcou, alguma escola, projeto? Na atual escola que está para ser mais específica, pois imagino que nesses 8 anos já deve ter passado por outras escolas. Deborah: Sim, quando eu comecei a dá aula eu peguei uma turma de 9° ano, onde a gente fala mais de Brasil contemporâneo política e os alunos indagavam muito, eu senti que eles eram bem politizados, então o conteúdo fluiu muito durante todo o ano. Foi muito legal. Outro caso, foi eu dando aula de Revolução Francesa em uma escola pública de ensino médio em que a aula foi muito empolgante por conta do conteúdo e no final da aula um aluno chegou para mim e disse: - Professora eu já sei o que vou fazer, história. Aí eu disse AIIII (empolgação) fiquei feliz. Elizabeth: Que interessante, eu imagino a alegria que você deve ter sentido, ainda mais sendo o curso de história que na nossa sociedade é algo desvalorizado, à docência no modo geral é desvalorizada. Então acredito que quando chega um aluno e fala isso é algo vibrante. Eu vibrei aqui por você. (risos) 5 Deborah: Teve outro caso, de uma turma de 7° ano onde eu estava falando sobre negros e cotas e uma aluna falou que todos tem a mesma chance, o mesmo direito. Aí eu fiquei, nossa como uma filha de professora está falando isso. Foi então que eu passei um vídeo, de uma corrida, onde ele coloca as dificuldades das pessoas para correr, mostra que as pessoas não estão no mesmo nível. Porque por exemplo, tem as barreiras do que precisam trabalhar e estudar, dos que só estudam, a dos que são de outra classe que precisam ajudar a família, ou tem família desestruturada. Então tem muitas coisas que os colocam em desvantagem. No final da corrida, eles perceberam que somente pessoas brancas saíram na frente, ganhariam aquela corrida, mas se todos estivessem no mesmo nível, no mesmo patamar, todos talvez, talvez as de classes mais baixas, os negros que são minorias no Brasil teriam chegado. Porque eu não acredito em meritocracia, eu acredito que é necessário sim ter essas políticas, é algo que precisa ter. Deborah: Aí eu falei sobre isso, expos minha opinião e ela falou, é professora é verdade você tem razão. Quando foi ano passado ela me mandou uma mensagem no Instagram, já no ensino médio, e ela falou assim: - Professora eu nunca vou esquecer aquela aula que a senhora deu sobre aquela corrida, parece que ali mudou meu pensamento, eu comecei a ver de outra forma. Ela conseguiu perceber que existe essas diferenças e que precisamos lutar contra elas. Foi muito bom, pois depois ela me agradeceu. Elizabeth: Que legal, é muito bom quando o professor tem esse papel fundamental, pois o papel dele vai além da sala de aula, não é só você ir ali e dá o conteúdo e vou embora, ele influencia na formação do cidadão, e você influenciou na vida dessa aluna e aí que está o papel do professor em somar e agregar na vida do aluno. Parte II com Macarena Mairata Entrevista com a profa. Déborah Cristina Galvão Prudente Macarena - Déborah, agora as perguntas que eu vou fazer agora se referem ao contexto que a gente está vivendo, que ainda é o da pandemia, certo? E aí, eu gostaria que você me dissesse como é que você avalia que a pandemia mudou a tua vida. Queria que você me dissesse acerca disso - se houve mudança: o que mudou com relação a hábitos, a tua relação com as outras pessoas, sabe? Tu podes contar um pouco mais acerca disso para a gente? Déborah - Fora do trabalho, você está falando? Macarena – Isso! Déborah – Deixa eu ver... acho que a convivência social, né? que foi limitada. E a utilização de máscaras. Mas a gente acabou que ficou um pouco mais pensativo, eu diria assim... a gente, eu acho, que ficou com mais medo, de... sei lá, de morrer. De pessoas próximas morrerem. Ainda mais que a gente via todo dia notícias sobre morte, não sei o quê, e eu tenho pai e tenho mãe. E minha avó que morreu nesta época em decorrência da Covid-19. Em decorrência da pandemia, não; em decorrência do Covid-19. É.... então foi 6 muito difícil, até porque quando ela já estava mal, a gente sempre estava visitando-a, né? Quando ela voltou do hospital. Mas, uma semana antes dela morrer, eu e a minha tia, que estávamos indo muito para lá, pegamos Covid-19. Aí a gente não pôde ficar nessa última semana de vida com ela, porque papai estava com medo da gente levar Covid-19 para ela, sem saber que era ela que estava com Covid-19. Macarena – E em que período foi isso? Déborah – Foi na...? Em 2020, acho, que lá para abril, maio. Foi abril!! Acho que foi abril... Macarena – Foi logo na primeira onda, né? Déborah – Foi na primeira onda. Que pegou os mais velhinhos, aí ela tinha 82 anos, aí ela acabou pegando. Como ela tinha outras... outros problemas, acabou tudo piorando. Por conta do Covid-19, então né? Mas é.... talvez isso já fosse acontecer, mas estava no nível três, mas o Covid-19 adiantou isso, a morte dela. Macarena – A partida dela? Déborah – Sim! Macarena – E Déborah, assim... essas mudanças que aconteceram na tua vida, na tua carreira profissional, o que mudou? Como é que você consegue avaliar isso? Déborah – Mudou no sentido de, primeiro a gente começou com aula remota, né?! Então, é, tem diferença da aula remota da escola particular para a diferença da aula remota na escola pública. Na época da pandemia, 2020, eu dava aula de manhã na escola particular e de tarde na escola pública. Então de manhã, tinha muito mais trabalho, porque tinha que estar on-line todos os dias e seguir todos os tempos de aulas como se fosse na sala de aula. Então não tinha esse primeiro contato, não teve contato com os alunos...Aí, depois que começou a ter interação entre professor-aluno, mas também, por grupos. E depois a gente foi mudando, mas eu ainda consegui fazer atividades mesmo de maneira remota com eles. Apesar de não ser a mesma coisa que a sala de aula – nunca será! Macarena – Certo! Você falou que há uma diferença, entre as aulas nas escolas particulares, sendo remotas. E das aulas nas escolas públicas no modo remoto. Para você, o que é mais latente nessas diferenças, o que você pode nos contar? Déborah –É, na escola particular existe uma cobrança maior sob o professor. E os pais, eles também tinham muita preocupação: será que o aluno vai aprender? Muitos deles, dos alunos que eu tive nas escolas particulares, tinham - mesmo com a pandemia, um professor particular. Então fora da sala tinham um professor particular. Macarena – Ou seja, tinham um suporte a mais, né? Déborah – Isso, exatamente. É.... a pandemia, ela aumentou a diferença entre a escola pública e a escola privada. Na escola pública é muito legal a proposta de ter aula transmitida na televisão. Isso é muito legal! Mas vou dizer assim: que não atingiu todo mundo. Então muita gente ficando de fora - por vários fatores.Porque tinha que trabalhar, porque tinha que... era difícil de se concentrar. E.... não assistiam as aulas, não acompanhavam. Então, quando a gente recebeu esses alunos, parece que eles voltaram 7 sem saber nada. A gente teve que começar do “zero” com eles, e ensinar todos os assuntos, todas as disciplinas. Então a gente percebeu que teve pouca participação dos alunos. Quem participou realmente é porque os pais fizeram um esforço muito grande, porque como eu falei: são realidades diferentes. Os pais da escola pública não tinham condição de pagar um professor particular para estar ali, acompanhando, o filho fazendo tarefa, fazendo tudo. Então é uma outra realidade. Então, é..... tiveram alunos que se esforçaram, que tentaram que conseguiram sim ter acesso a esse conhecimento transmitido pela televisão; que é conhecimento, que são aulas boas, mas é ...ficou muita gente de fora. Tinha gente que não tinha nem televisão, como é que ia assistir as aulas? Macarena – Ou internet, em casa né? Déborah – Mesmo sem internet. Era transmitido pela tevê, canal aberto. Mas tem gente que não tem tevê, essa é a realidade dos nossos alunos. Macarena – Claro! Ou seja, a pandemia, ela só veio para aumentar a desigualdade social? Déborah – Aumentou! Aumentou bastante. Macarena – Em várias áreas da sociedade. E Déborah, assim... você conseguiu, nesse período de pandemia, de home office, que você teve que dar aula em casa, da sua casa. Você conseguiu estabelecer um limite, uma fronteira entre o campo profissional e o campo pessoal, na tua casa, ou não, tudo misturou? Déborah – Não! Se misturou. E a gente... por exemplo, na escola particular, tinha os horários da aula, mas os alunos... os pais quando eles tiveram acesso aos nossos telefones, aos nossos números de telefone do WhatsApp.... meu deus do céu! Não tinha hora para eles. Então era a hora que eles queriam mandar mensagem. Eu cheguei a receber mensagem às 3h da manhã. Eu percebi que a mensagem era às 3h da manhã, porque quando eu acordei para trabalhar, que olhei tinha uma mensagem. Que aparece o horário, né? Então, para isso daí não existiu barreiras, eles invadiram nossa casa mesmo! E a gente deixa muito claro: não é ... mandar mensagem somente no horário do trabalho. Era falado isso na escola particular, era falado isso na escola pública, mas mesmo assim não era ouvido. Sábado e domingo então... eu estava em algum lugar, era aluna me mandando mensagem – ligação. Tinha aluno que me ligava de madrugada. A gente só rejeitava a chamada. Ligação eu nunca atendi, eu falei: se quiser, você vai escrever, mandar um áudio aí, porque ligação eu não vou atender. Macarena – Que absurdo! Três da manhã, (risos). Déborah – Deixa eu dormi em paz, pelo amor de deus! (risada). Elizabeth – Déborah, no caso, isso acontecia tanto na escola particular, quanto na pública, né? Então não tinha diferença? Déborah – Não, não tinha. Elizabeth – Poderia dizer se isso era a única coisa em comum entre a escola pública e a escola privada: essa falta de privacidade? Déborah – Sim! Porque não sei... e talvez eles não vissem a sala de aula, então para eles a professora estava disponível: eu tenho o número dela, eu posso mandar mensagem a 8 hora que eu quiser, igual eu mando mensagem para os meus amigos, meus parentes. Então eles faziam isso, muito. Macarena – E Déborah, assim, e... nesse momento que a gente migrou para o home office. Eu digo “a gente” porque eu também me incluo, que eu também acabei começando a trabalhar em home office. Você consegue trabalhar bem com o computador, qual é essa tua relação com a tecnologia, é algo muito tranquilo, simples, ou não, você teve algum tipo de dificuldade, ou você ... teve algum tipo de estranheza? Déborah –Eu aprendi a lidar. Eu já sabia, mas eu utilizava o computador para fazer o básico. Para fazer aulas em PowerPoint ou para utilizar o Word. Então era só isso que eu utilizava. Então, ou baixar vídeo no máximo. Nas escolas particulares a gente fazia aula, então algumas aulas... a maioria das aulas, assim não era direto no Google Meet. Você tinha que deixar o vídeo gravado, pronto, de aparecer slide e aparecer tu comentando os slides. Então era um monte de coisa para uma aula (risos), e eram várias por semana, aí eu ficava doida - que eu tenho um milhão de aulas salvas aqui. Aí eu não sabia fazer isso. Eu: “Que programa que vai juntar tudo isso, meu deus! eu só sei mexer no PowerPoint.” (risos). Aí eu fiquei desesperada, aí só que eu tinha... eu tenho um professor que ele é amigo meu na escola particular. Ele foi ensinando os outros professores. Aí com o tempo eu estava ensinando outros professores que também estavam entrando nesse mundo e não tinham noção de nada. Porque eu ainda consigo pegar muito rápido – “oh tu fazes ali, tu baixas aqui”, pronto! Aí eu vou mexendo também, então eu vou descobrindo também, então eu não, eu não sinto tanta dificuldade, não. Se tu me mostrares: - olha o aplicativo é esse. Eu vou descobrir como mexer nele, uma hora eu vou descobrir. Mas saber assim de cara, eu não, eu não sabia, então foi tipo: “meu deus, eu preciso aprender!”. Macarena – Ou seja, não houve uma preparação para essa migração do presencial para home office, para o virtual? Déborah – Não! Macarena – Como também não houve um suporte técnico para os professores? Déborah – Um suporte de que forma? Macarena – Um suporte para ensinar. Por exemplo, como você estava relatando: “ah, eu tive de fazer as gravações das aulas, como é que eu vou fazer a edição das aulas...” Déborah – Isso na escola particular não houve. Na escola que eu trabalhei não houve esse suporte. Na escola pública, a gente não tinha que fazer aulas. Na pública as aulas já vinham prontas, aparecia a aula transmitida pela televisão. Macarena – Ou seja, o que eu percebo é que houve um benefício na pública. Déborah – É, porque a Seduc (Secretaria de Estado de Educação e Desporto) tem um centro de mídias que eles já utilizavam esse programa para as áreas ribeirinhas, então eles só aproveitaram este programa, entendeu? Então eles passaram a utilizar isso também, só que para o estado todo. Então eles já tinham, já tem... no concurso eles colocam professores no centro de mídia também. Então ele foi utilizado para isso. Ele foi criado com esse intuito de criar aula, então quando veio a pandemia, eles não pediram para a 9 gente fazer aula, eles já transmitiam. O quê que a gente tinha que fazer? Atividades, avaliações, trabalhos, com base nessas aulas. Macarena – Então assim, a Seduc deu esse suporte por meio do centro de mídias? Déborah – É, isso, esse suporte. Macarena – E Déborah, como você avalia as aulas por meio dessas plataformas? Você avalia que a Educação, ela pode se utilizar das ferramentas tecnológicas? Você acha que isso ajuda/ajudou ou você acha que é muito melhor passar o conhecimento no modo presencial? Déborah – Ajuda. Eu acho que fica um recurso a mais, mas nada substitui o professor em sala de aula. Então é necessário ter o professor. Porque, por exemplo: quando eu dou... dava aula remota, é ... eu não consigo ter a percepção se o aluno realmente está prestando atenção. Tem muitos deles que desligam a câmera. Põe no silencioso, aí, eu já peguei menino deitado na cama, só o computador virado, assim para ele. Então, eu não consigo ter esse retorno. Dentro da sala eu consigo: “Ei vem cá; ei presta atenção; ei tá olhando pra lá por quê? volta, volta...”. Então eu consigo prender a atenção. E mesmo assim tem muitos alunos que não aprendem. Então no remoto eu não consigo ter essa noção, se eles tão realmente aprendendo ou não, porque fica todo mundo para o lado de lá. Um ou outro que fala, e o outro que fala, normalmente são aqueles que a gente chama de “CDF” de sala de aula, né? Então a gente não sabe realmente se eles estão aprendendo. Macarena – Ou seja, foge do controle do professor, certo? Déborah – Exatamente.Eu tenho mais controle presencialmente, com certeza. Mas os recursos digitais eles são pontos importantes e são muito bons para a diversificação das aulas. Macarena – Débora, você conhece o programa aula em casa da Seduc? Déborah – É o que é utilizado. Macarena – E você pode me falar tuas impressões positivas ou coisas que poderiam melhorar? Tuas impressões sobre esse programa? Déborah – Na verdade, deixa eu me lembrar aqui. A aula em casa... é, eu não consegui abrir o aplicativo, mas eles tinham uma página que a gente conseguia acessar pelo computador, lá ficava uns vídeos, as aulas transmitidas. São aulas boas, sim, mas nada como o suporte de um professor pessoalmente, né? São conteúdos bons, são aulas relevantes, e eu acho que foi necessário, foi bom. Mas como eu falei: não atingiu a todos. As aulas que eu falei que são transmitidas pela tevê são do programa aula em casa. Macarena – Certo. E Déborah, nesse modo remoto e presencial, você pode me dizer o quê que é mais latente acerca das perdas e dos ganhos? Você acha que houve evasão escolar nesse período...? Déborah – Sim! Houve muita evasão. Enquanto não voltou 100% dos alunos, que ficou voltando em grupos, né? Grupo A, grupo B, e... muitos alunos faltavam. Tinham dias que tinha três alunos, tinha dia que tinha um aluno na sala. Então os alunos sumiram nesta época, da pandemia. Mas a gente até entende, por causa do medo dos pais e tudo mais. E 10 aí quando voltou, muitos voltaram com muitos problemas psicológicos, muitos deprimidos, muitos.... se cortavam (pensativa). Então a gente teve muito problema, de... tipo, na cabeça deles, ficaram muito tempo isolados. Macarena – Qual é a faixa etária dos teus alunos? Déborah – É de 11 a 14 anos, 15, depende. É do 6º ao 9º ano. Macarena – E quando eles voltaram... era notório esses transtornos? Déborah – Sim. Eles precisavam de muita atenção. Tinha aluno que ele só queria conversar. Só queria que a gente perguntasse se ele estava bem. Então ele se fechava, se fechava, se fechava, e quando conversava ele se abria, conseguia falar começava a interagir. Elizabeth – A escola e o professor tiveram papel superimportante? Nesse pós-pandemia principalmente, com esses alunos que já vieram com esse trauma. Você poderia falar um pouquinho sobre isso? Se tiver alguma situação que você possa estar nos relatando, claro, sem citar nomes. Déborah – Sim. É, a gente teve que acolhê-los, e... (pensativa). Por exemplo teve um aluno que eu dei aula - estava com a disciplina de ensino religioso. Aí foi em setembro do ano passado. Eu comentei um pouquinho sobre a campanha de setembro amarelo, né, mas esse assunto a gente tem que tomar cuidado para falar sobre ele. Mas eu falei só sobre, e sobre evitar estar distratando o colega; evitar coisas para ofender, porque por mais que o colega diga que não se sinta ofendido, ele pode sim está se sentindo e não está te falando. Então ter empatia pelo próximo, acolher quem está precisando. Então eu falei muito sobre isso, não entrei diretamente na questão ‘suicídio’, né? Até porque, quem tem respaldo para falar diretamente para falar sobre esse tipo de assunto são psicólogas. Aí eu (pausa), comentei mais sobre empatia mesmo. Aí terminou a aula, um aluno: - professora, posso falar com a senhora? Eu falei: pode. Aí ele falou: - professora é que, eu não vejo sentido mais para viver. Porque a minha mãe me deixa sozinho em casa e eu não tenho com quem ficar e não faz sentido a vida dessa forma. Aí eu conversei, comecei a conversar com ele: - mas o quê que acontece, para onde ela vai, teus tios e teu irmão – que ele parece que tem um irmão – e teus irmãos, mas o quê que tu gostas de fazer. Aí eu comecei a ir todos os dias que eu tinha aula nessa turma, a chamar ele no final da aula: - E aí, como é que foi o teu dia? O que é que tu fizeste ontem. E eu percebi que o que ele queria era conversar. Ele queria se abrir com alguém, talvez não tivessem dado a oportunidade para ele de conversar. Então toda vez eu falava isso. Aí teve algumas vezes, por exemplo, ele chegava assim: - E professora, a senhora nem sabe. Meu fim de semana fui para o cinema eu assisti tal filme, foi bem legal, meu tio me levou. Aí eu gostei... Então ele queria mais se abrir. Que eles estavam muito reclusos, muito fechados e maioria das famílias da escola pública, são desestruturadas, né? Então a gente convive com isso diariamente. Macarena – A pobreza, muitas das vezes, propicia, certo? Essa falta de estrutura familiar... Déborah – Mãe solo. Macarena – Mãe solo, exato! Existe uma sobrecarga muito maior quando se tem uma dupla função, dupla jornada, dentro de uma família? 11 São interrompidas pela sobrinha de Déborah, todas riem. Macarena retoma a entrevista. Macarena – Déborah, nesse retorno, assim... (pensando) como é que tem sido esse retorno da pandemia, sabe, para o modo presencial? Déborah – Esse ano? Macarena – Esse ano de 2022. Déborah – Ano passado voltou também. Macarena – E aí depois, não deu certo por conta do avanço do contágio da Covid-19 entre os alunos e voltou para o modo virtual. E agora voltou para o modo presencial, se eu não me engano em fevereiro. É isso? Déborah – Foi voltou em fevereiro. Acho que dia 14. A maioria está frequentando e temos poucos casos de alunos que não estão indo para a escola. Mas aquela mesma situação do ano passado, né, eles... a gente está tendo que ensinar passo a passo. Então eles vieram um pouco [crus], assim, digamos assim, não vou te falar que a gente: “ah estou ensinando tudo desde o começo”. Não. Alguma coisinha, ou outra ainda ficou na cabecinha deles, até porque ano passado ainda teve aula presencial também. Macarena – Sim. Déborah – Mas é, ensinando o passo a passo, é o mesmo trabalho que a gente já tinha: só que maior. Macarena – Ou seja, foi um trabalho... o que eu estou percebendo é isso né, que vocês professores tiveram uma sobrecarga muito maior nesse período da pandemia. Tanto quando adentrou, na pandemia, no modo virtual, como também para sair desse modo virtual e receber esses alunos novamente em sala de aula, certo? E com todos esses traumas, esses resquícios da pandemia e do isolamento social. Déborah – É, exatamente. Por exemplo: 6º ano, eu tenho que... eu começo história do 6º ano: (exemplificando) “o que é história para o historiador?”. Aí até então, tranquilo. Aí no 7º não, no 7º a gente já vai do feudalismo para lá, aí é como se a gente... eles não tivessem aquela base do 6º ano. Então eu preciso completar assuntos do 6º ano no 7º para poder entrar no assunto do 7º. Depois quando chega no 8º, tem que comentar assuntos do 6º, do 7º, do 8º. Macarena – Nossa! Imagino. E Déborah, assim, como é que você avalia se a Seduc, se ela preparou as escolas para esse retorno, você sente que houve uma preparação ou não? Déborah – Houve, houve sim. Eu não posso te falar por todas as escolas, mas pelas que eu trabalho, houve uma preocupação sim. Então eles colocaram as pias na entrada das escolas, colocaram os panos, sabão papel toalha. Quando tinha – hoje em dia não tem mais o distanciamento das cadeiras, de um aluno uma cadeira vaga: mas tinha na época, as cadeiras que não podiam se sentar todas com adesivos. E tinha álcool em gel para os professores. Então, no primeiro retorno foi bem certinho mesmo, agora que já voltou 100%, não tem como ter essa separação dentro de sala de aula, até porque no espaço não dá. 12 Macarena – E quando começou a pandemia, que aí as escolas tiveram que... as aulas tiveram que passar a ser no modo virtual, houve esse apoio, essa preparação por parte da Seduc para com os professores, as professoras, ou não? Déborah – Mas qual tipo de preparação, como assim? Macarena – Preparação, por exemplo você receber algum tipo de equipamento? Déborah– Ah sim, sim. A gente recebeu. Macarena – Você teve alguma reunião de alinhamento? Déborah – Teve, teve. Teve todo o passo a passo de comoa gente deveria recebe-los as primeiras semanas seriam de acolhimento, porque já imaginávamos esse retorno, esse tempo que eles ficaram em casa, né, que poderia prejudicar – prejudica até a gente que é adulto, imagina crianças e adolescentes, né, de ficar isolado. Então teve sim, esse preparo. Macarena – Mas isso no modo virtual? Déborah –Hm?! Macarena – Isso no modo virtual, quando a pandemia começou? Déborah – No modo virtual e no modo presencial teve a semana de acolhimento, a primeira semana, tanto no virtual quanto no remoto foi de acolhimento. Macarena – E o que é essa semana de acolhimento? Déborah – É tipo fazer... (se distrai) é fazer atividades voltadas para acolher esses alunos, para interagir: - o quê que você gosta; o quê que você costuma fazer? É se comunicar com eles, fazer brincadeiras, dinâmica, esse tipo de coisa, sabe? Não entrar diretamente no conteúdo. Macarena – Para abstrair um pouco? Déborah – Exatamente! Macarena – Concordo. Aí que ótimo, então, houve essa preocupação por parte da secretaria. Déborah – Houve! Macarena – Assim é, você sente que ... a Seduc deu esse estímulo para que professores e alunos adotassem noções de higiene? Porque lavar a mão era algo que antes da pandemia pouco se fazia; tanto que muita gente ia para o banheiro e depois não lavava as mãos - que a gente sabe que tem que fazer isso - mas não era uma prática assídua que você via nas pessoas. Com a pandemia se pode ver que as pessoas passaram a usar álcool – que até agora eu uso álcool (sorri). Essa necessidade de haver higiene para evitar o contágio do vírus, houve esse tipo de informação para com os professores e alunos? Déborah – Sim, sim, houve sim. Então todas as vezes que eles os chegavam tinham que estar lavando as mãos. Terminou de lavar as mãos aí tinha o rapaz que fica lá na entrada da escola e dava álcool, aplicava álcool em gel para eles nas mãos. Sempre era reforçado isso: “Já passou álcool? Volta. Já lavou a mão?”. Então era sempre reforçado, para os 13 professores também, apesar de que é complicado falar com professor: - Vai lavar a tua mão... enfim, mas era dito sim também (risos). Lembrar de manter a higiene, né? Macarena – E Déborah tem algo que você gostaria de falar ainda desse período pandêmico, tem algo que te marcou tanto com os alunos como os pais, ou como você como professora? Déborah – Não só de, por exemplo: teve trabalho que deu muito certo, teve um trabalho que eu passei, e não foi 100% da turma que enviou né, mas vamos dizer assim, foi 75% da turma enviou, que foi um trabalho que eu passei na época da... (lembrando) que era da consciência... da presença da população negra no Brasil. Então eles que – a cultura – eles tinham que mandar, representações da cultura africana por exemplo: alimentos, eles fazendo, eles se caracterizando, eles dançando; então foi muito legal, eu gostei muito. Até a coordenadora do nosso distrito postou nas redes social deles. Aí tinha menino praticando capoeira, tinha menina dançando dança africana; tinha gente se caracterizando, fazendo mingau. E foi muito legal esse trabalho. Foi todo remoto. Macarena – Você sentiu que as crianças sentiram falta da escola e do presencial, não é? Déborah – Sim, sim. Teve aluno que quando voltou falou: “- Aí professora que bom!” - porque queriam realmente voltar. Por que imagina ficar em casa preso o tempo todo é chato, né? Macarena – Porque é muito bom a interação social, né? A gente as vezes, por exemplo: eu vou compartilhar fazer uns parênteses de eu comecei a perceber o quanto é importante a interação social, apesar de as vezes a gente ter as nossas estranhezas com o colega no trabalho, com alguém da vizinhança, ou na universidade, você precisa do outro, e aí na pandemia se começou a perceber o quanto presença do outro é importante para nós. Você sentiu isso por parte dos alunos, né? Déborah – Sim, sim, senti sim. Até eu queria que voltasse. Quando falaram assim: “- Ah vai voltar...”, Ah meu deus! Será que vai ser em grupo? Será se vai ser remoto...? (longa pausa). Macarena – Déborah, agora a gente vai passar para uma última parte, que são perguntas mais voltadas para um campo mais... é.... (reflexiva) Déborah – (completando). Político! Macarena – Político. A gente está vivendo primeiramente um ano de eleição. E a gente sabe que o professor de história foi muito apedrejado nesses últimos anos, por conta do papel que a história ela exerce na sociedade. Então, muitas pessoas evitam olhar para o passado porque elas falam: “- Ah! O passado tem que ficar lá no museu, tem que ficar lá atrás, a gente tem que olhar para a frente, porque o mundo é para a frente etc.”. Então renegam a memória, renegam o passado e não dão valor ao passado que também influente no nosso presente, no hoje. E aí eu quero te perguntar: qual é o papel da escola em um ano como esse, que a Educação não é valorizada, em que a história não é valorizada, em que os professores não são valorizados? O quê que tu achas que é o mais importante para ser dito com relação ao papel dessa escola, na sociedade de hoje? 14 Déborah – É, eu acho que a história contribui para formar um cidadão crítico. Então eu acho muito importante fazer o aluno pensar. Conhecer para pensar; conhecer para tomar uma decisão, é como eu falo para eles: “- Não tem problema você pensar diferente, não tem problema tu gostar de um candidato, ou tu não gostar de outro, mas tem que aprender a respeitar. E tu tem também que aprender, a, com base no quê você admira essa pessoa, será se não está sendo repetido o algo que já aconteceu? Será se algo que já aconteceu deu certo?”, então, é para isso que a história serve, é para você tomar base. Não tem como tu prever o futuro com a história, mas tem como tu ter uma base, tem como tu ter uma noção. Eu debato assuntos, mostro para eles o que aconteceu, sem maquiar a história. Então eu preciso que eles tenham esse conhecimento. Não tem problema que eles pensem diferentemente, politicamente, que a mim, mas é importante que eles saibam o que aconteceu. Não esconder os fatos. Então aconteceu dessa forma se você quer apoiar essa pessoa, ok, mas saiba que foi dessa forma. Então eu acho importante ter esse tipo de interação da escola, pelo menos na minha disciplina, eu tento fazer com que eles pensem. Elizabeth – Tu achas então, que essa questão política deveria ser abordada mais em sala de aula, não só em sala de aula, mas no campo da escola educacional como um todo, porque a gente sabe que dificilmente esse tema é abordado. Porque é de suma importância, até porque, não é porque é criança que não deixa de ser cidadão. Crianças e adolescentes são também considerados cidadãos perante a história! Então tu achas que isso deveria ser abordado em sala de aula? Déborah – Sim, eu acho que sim, deveria ser abordado. Tem muitos conteúdos que deveria, que dá para trabalhar, dependendo da faixa etária, né, então tem muita coisa que é deixada para lá. Tenho impressão de que as vezes é escondida, não sei. Mas eu tento, eu tento falar sobre, mas eu posso falar por min, não posso falar pelo colega que também é de história que prefere não comentar, então depende muito do ponto de vista de cada profissional, né? Então eu na minha opinião, eu acredito que é necessário sim. É necessário ter essa ideia de política, de saber menos o que que é política: de saber como é que ela surgiu; por que que é necessário; por que que tem pessoas que estão nos representando, então como é que foi decidido isso, por que que a gente vive numa democracia, ou não em um outro tipo de governo. Então tudo isso tem que ser falado, e tudo isso é falado em história, vem nos assuntos de história, agora se são trabalhados, aí eu não sei: eu trabalho. Macarena – Déborah, assim, você acha que como professora de história que você é, em contextos como esse que você vê o avanço da falta de conhecimento, o avanço de fakenews, de histórias mal contadas, de inverdadesditas, você vendo tudo isso, você acha que você consegue ser imparcial, ser alheia a tudo isso, ou não? Déborah – Não, não tem como. História não é imparcial, ela não trabalha com imparcialidade. Então, não tem como não escolher um lado. Eu costumava dizer, quando eu – hoje em dia eu não estou trabalhando com o 9º ano, porque tem um professor dava aula no lugar, mas enfim... Quando eu trabalhava, eu contava bem assim para o meu aluno: “- Imagine você; tem uma ladeira, tem uma bolinha e ela está rolando. Você tem duas opções: parar a bolinha ou deixar ela continuar rolando. Aí ele falava assim: - Ah professora, eu não vou interferir -. Você percebe que quando você não interfere você já escolheu um lado. Você escolheu um lado, de deixar a bolinha rolar”. Então com história 15 eu não consigo, você não consegue ser imparcial, você acaba querendo ou não quando você vai trabalhar determinados assuntos se posicionando. Se posicionando, eu não estou dizendo assim, propriamente dizer: é... não dizer assim, claramente, é isso, essa é minha opinião, quero que vocês sigam, não, não é dessa forma. Quando você escolhe assuntos, quando você sem perceber você está se posicionando, sem perceber você está querendo ou não, “Ah, eu gosto mais dessa parte aqui”, por quê? Porque é o teu lado político que está falando por ti, porque você gosta, você se identifica com aquilo, então tu gostas de falar daquilo. Então é um posicionamento. Então é... Na minha opinião é impossível, em história você ser imparcial. Macarena – E Déborah, a gente viu nos últimos anos, que está muito em voga a Escola Sem Partido. Déborah – Não existe isso! Macarena – E aí eu queria que você me disse quais são as tuas impressões acerca desse projeto, Escola Sem Partido. Déborah – Como eu falei: não tem como. Porque o ser humano, ele, as escolhas que ele faz são com base nas coisas que ele acredita. Então quando eu falo sobre Escola Sem Partido, isso é impossível de fazer em história, não funciona, não dá. E eu não estou dizendo que é para o professor chegar na sala de aula e falar bem assim: “- Oh, vocês têm que seguir esse partido. Esse partido é melhor que o outro”. Não, não é dessa forma. É porque a ideia que o governo passa é que a gente vai fazer uma alienação no aluno, vai impor a nossa opinião, e vai fazer com que ele saia lá da sala de aula com a nossa opinião. Não, a gente não fala dessa forma com eles. A gente trabalha os assuntos e querendo ou não, a gente acaba falando mais de assunto mais do que de outro, mas não que a gente está falando para aquele menino se tornar aquilo, ou se... Tanto que eu já tive aluno em sala de aula que já falou: “– Não professora, ok, eu sei, eu entendi o que a senhora falou, mas eu continuo gostando dessa forma”; E tudo bem, é isso o que eu quero. Eu quero uma sala de aula democrática. Eu quero que exista, não é para ter todo mundo a mesma opinião que eu não. Eu falei: “- não quero que vocês pensem como eu. Vocês têm que debater, vocês têm que falar. Mas vocês têm que colocar o ponto de vista de vocês com conhecimento, porque sem conhecimento vocês vão falar e entrar no senso comum. Vocês vão falar um discurso que vocês viram no WhatsApp, você vai falar um discurso que você viu no Facebook, no Instagram, com base em quê? Em quê que você está falando?”. Então é necessário sim, existir dentro de sala de aula um pensamento democrático, onde existe uma liberdade democrática. A Escola Sem Partido, para mim não beneficia isso. Macarena – E Déborah, para encerrar essa entrevista que a gente está fazendo você gostaria de falar algo mais que a Elizabete não te perguntou, ou que eu não tenha te perguntado, tem algo que você queira falar, algo que você ache fundamental estar registrado nessa entrevista? Elizabeth –Seja no âmbito pandêmico, seja no âmbito de sala de aula, na tua vida mesma pessoal como professora se tem alguma experiência que te marcou que você não relatou para a gente. Ou seja, algum comentário positivo, ou negativo sobre o curso de história, está, é a gente gostaria que você estivesse comentando algo que você que você queria falar mesmo, se não a gente pode estar encerrando por aqui, está bom. 16 Déborah – Quando a gente escolhe história. Na verdade, eu não escolhi história, eu escolhi matemática. A história foi quem me escolheu. Então é... saiba que você contribui para a formação de um pensamento crítico. Isso é bom, isso não é ruim. Então para fazer história, você tem que realmente amar história, você tem que se apaixonar por história. Então enquanto você faz um curso, isso não é só para a história, mas para qualquer área. Quando você faz um curso que você não é apaixonado por ele, você não é um, bom profissional. Então tu perguntaste: “- Ah você não tem vontade de mudar de profissão?”, talvez, sim, pelo salário, mas eu diria não, porque eu gosto do que eu faço, eu gosto de falar de algo que eu sou apaixonada. Acho que tem até uma frase do eu acho que é (tentando lembrar) eu esqueci o nome dele agora, que ele fala assim é: “amo a história, que se não amasse não seria historiador”, é porque é isso mesmo. Para você fazer esse curso você tem que amar. Então se você não amar, não tem como tu fazer com que alguém goste, então como é que tu vais falar de algo que tu não gostas para os teus alunos, eles não vão gostar também. Então eles só podem gostar se tu gostar primeiro. Então tem que fazer realmente porque você é apaixonado pelo curso, pela disciplina, aí é isso. Elizabeth – Déborah, muito obrigada pela tua participação. Você somou muito para a gente como profissional.
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