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PGDPCR-T5-A01

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Aula 01 – TEORIA GERAL DO ESTADO (contratualistas)
PROFESSORA MARIA FRANSCISCA COUTINHO
1
INTRODUÇÃO
Antes de se direcionar os estudos sobre o Estado como uma forma de organização
política, é necessário retornar a sua gênese, a fim de compreender os fundamentos materiais
que o sustenta.
O Estado é constituído por pessoas, pessoas estas que são diferentes entre si e dividem
um mesmo espaço. Nesse sentido, o primeiro pressuposto que embasa o presente estudo
(Teoria do Estado) é a Psicanálise - área do conhecimento que estuda o inconsciente.
1. A Psicanálise
Como dito no parágrafo anterior, o estudo da psicanálise como fundamento de um
Estado consiste na análise da estrutura e materialização de um sujeito desejante.
O ser humano chega ao mundo através de um ato de separação e é inserido em uma
cultura - consciência coletiva sobre valores, linguagens e narrativas. A condição de sujeito, para
além do nascimento em si, se pauta no acesso a um complexo de valores que este indivíduo
recebe do outro. Só é possível um sujeito se afirmar como indivíduo através da linguagem,
linguagem esta que é carregada de valores e significados e, portanto, não é neutra.
O indivíduo, à medida da sua gradual socialização, tem o dever de explicar quem ele é. A
partir disso, a Psicanálise ensina que o indivíduo tem uma imagem (imaginário) do seu corpo e
de quem ele é que se traduz na linguagem. Esse processo de tradução é denominado como
“simbólico”.
A linguagem, segundo Slavoj Zizek, é um “Cavalo de Troia”, pois se oferece ao indivíduo
para que este possa dar sentido a ele mesmo e ao mundo, mas ela, ao mesmo tempo, o aliena
nela mesma diante da limitação da própria linguagem.
Quando o indivíduo se separa (enquanto sujeito) do seu cuidador, passando a enxergar
este (o cuidador) como “o outro”, surge a indagação “o que esse outro deseja que não sou eu?”.
Essa separação, faz o indivíduo perceber que ele é diferente do outro. Após essa percepção de
diferença, o indivíduo se pergunta: “o que o outro deseja que eu, aparentemente, não tenho?”,
essa pergunta é importante porque leva a consequente indagação que o indivíduo faz para si:
“o que eu desejo?”. Quando o indivíduo recorre ao simbólico e à linguagem para responder a
última pergunta percebe que não há uma resposta. Essa percepção de falta, gerada pela
2
ausência de respostas, é denominada como “Corte da Função Paterna”. A partir dessa
percepção, o indivíduo buscará no mundo exterior uma forma de tapar/preencher a sua
insuficiência, por meio, por exemplo, de um relacionamento social com outros indivíduos.
O hiato entre “o que é da ordem do material” e “o que é da ordem da nomeação”
implica em uma lacuna da linguagem, assim, a linguagem se apresenta ao indivíduo e à
sociedade como uma “capa” que se coloca sobre a realidade. Ou seja, a tudo que ocorre no
mundo material há uma tentativa de nomear/atribuir sentido ao que ocorreu. É a linguagem
que permite essa nomeação, essa compreensão do que aconteceu, mas, por outro lado, essa
mesma linguagem impede uma narrativa totalizante dos fatos. “Da mesma forma que a gente
não consegue nunca produzir uma narrativa totalizante, que feche o sentido sobre o quem nós
somos e o que nós desejamos, nós também nunca conseguimos produzir uma narrativa que
feche e totalize o que a realidade representa (...) Isso é o que coloca a perspectiva de múltiplas
e diferentes interpretações.”.
1.1 Lógica do Todo
A busca por respostas que totalize/preencha o indivíduo, resulta em desejos de
totalidade, fechamento, unidade e verdade absoluta. Como não é possível ter tais desejos em
sua completude, o que existe é a aposta (uma narrativa/ uma perspectiva) desses desejos.
Exemplo mencionado: ao tentar produzir uma narrativa sobre o próprio corpo, cria-se uma
série de frases predicativas: “Maria é uma mulher”; Maria é morena; “Maria é brasileira”. Note
que não há uma narrativa que dê conta de explicar, de forma completa, o que o indivíduo desse
exemplo é.
De todo modo, essa busca por fechamento pressupõe que existe uma resposta sobre o
que a totalidade/unidade/Verdade representa. Totalidade esta que não está no indivíduo mas
no mundo exterior. Esta é a Lógica do Todo. “A Lógica do Todo diz que ‘eu não tenho a resposta,
mas em algum lugar essa resposta está’. Esse lugar é um lugar de exceção, é um lugar de fora
da ordem, é um lugar que permite que eu, logicamente, me mova na busca por essa resposta.
Esse lugar é, portanto, um lugar de exceção na Lógica do Todo.”.
3
A busca pela Verdade/unidade/totalidade se sustenta por meio do mito, por tanto, o
mito tem uma função estruturante.
Na operacionalização concreta da Lógica do Todo só é possível produzir sentimentos de
unidade quando aquilo que não integra é eliminado e expulso1. É a partir dessa lógica que se
fundamenta no âmbito político, a ideia, por exemplo, do “inimigo do povo”.
1.2 Lógica do Não-Todo
Oposta à Lógica do Todo, aqui compreende-se a falta como algo inevitável e, por tanto,
se constitui como uma lógica de abertura, que, consequentemente, é uma lógica de processo.
Ao se analisar a Lógica do Não-Todo no âmbito político “o povo é pensado como uma abertura
e um processo. Nesse sentido, o ‘diferente’ de uma dada ideia de povo não é uma ameaça ao
povo, mas uma nova chamada a uma universalização. Ele produz um processo dialético de
pensamento.”.
1.iii Teorema de Gödel
O matemático Kurt Gödel ensina que um sistema só pode ser “completo e
inconsistente” ou “incompleto e consistente”. Isso quer dizer que só é possível ter um conjunto
fechado quando se remete a um lugar externo e, se, internamente, esse todo não fecha, a
consequência é a remessa a um lugar de exceção, ou seja, um lugar que sustente a
possibilidade de alcançar esse conjunto fechado. Em contrapartida, toda aposta de nomeação,
representa em si, uma abertura de conjunto - conjunto este que nunca se fecha.
Exemplo mencionado: se a aposta de verdade absoluta é o número “1” (o um absolutamente
perfeito), para se chegar a ele verifica-se que entre o “0” e o “1” há infinitos números (tem o
“0,1”… “0,11”... “0,111”…).
Esse exemplo serve para entender que o que existe são apostas de verdade2, diferentes
entre si, mas que tentam, dentro de suas perspectivas, dar uma resposta totalizante.
1 Dentro dessa explicação foi mencionado o filósofo Claude Lefort.
2 Também denominadas como “Apostas de Fechamento” por Alain Badiou.
4
Quando se tem a consciência de que na busca por uma resposta totalizante se
encontram apenas apostas - que não produzem uma resposta absoluta -, aceita-se que a
diferença (da aposta) é capaz de ressignificar determinada busca.
Quando se pensa sobre esse lugar absoluto de produção de uma verdade totalizada, se
começa a pensar qual elemento (qual mito) ordena essa cadeia de sentido. A partir dessa
reflexão, percebe-se que a soberania e a democracia são conceitos que devem ser pensados de
forma interligada. A soberania é um lugar de fechamento, no caso, um lugar de ordenação. A
soberania é, portanto, um efeito de uma operacionalidade lógica. Por essa razão a soberania,
segundo Carl Schmitt, é o lugar de declarar o Estado de Exceção. Ou seja, “a soberania como
um lugar de ordenação absoluta não é só o poder de fazer leis e cumprir leis, a soberania
vinculada a esse poder absoluto tem também o poder de dizer quando essa mesma lei, que ela
mesma cria, não se aplica. Ela vai dizer qual a palavra final sobre ordenação.”.
Na mesma linha, dentro da Lógica do Todo, também de acordo com Carl Schmitt, o que
está no núcleo do conceito do político é a declaração de um inimigo, pois, se o que move a
organização política da sociedade é produzir ordem absoluta e essa ordem é inalcançável,
permanentemente o político estará lidando com as questões do que o excede
(responsabilizando o que não integra a ordem). Logo, o político estará a todo momento
tentando produzir ordem e, à vista disso, apontando o que não é ordem, pois a declaração de
ordem pressupõeo que não é ordem.
Exemplo mencionado do que não é ordem: que tipo de conduta não está sendo devidamente
ordenada; que tipo de pessoa não está devidamente integrada; entre outros.
2. Operacionalização do Estado como organização política e social
Tudo que diz respeito ao indivíduo e ao sujeito, como somos seres em relação social,
reverbera politicamente. Embora não se tenha uma construção de uma ficção de uma
separação entre o indivíduo e o cidadão, na prática, a forma como se compreende enquanto
indivíduo inserido em uma cultura já é pensado no marco de uma cidadania.
Junto com a falta e o desejo de fechamento (desejo de ordem) vem a ideia que essa
ordem é um lugar lógico que nunca totaliza e, por isso, se faz uma série de apostas - apostas de
5
fechamento, apostas de Verdade, apostas de ordenação. Essa ordem total só consegue
aparecer para os sujeitos como algo coeso, como algo completo, em referência a um lugar
externo, um lugar garantidor dessa totalidade. Esse lugar garantidor é denominado
filosoficamente de princípio. É nomeado princípio porque ele está na base da estrutura de uma
ordenação.
O lugar do princípio, que é um lugar lógico, por um lado, produz efeitos, opera na
realidade material permitindo que as pessoas se relacionem, que os indivíduos produzam
sentido sobre eles mesmos. Por outro, como lugar lógico, é um lugar externo à ordem, ele é um
garantidor da ordem, que pode ser acessado através da figura do mito.
Ao pensar que o político se constitui por meio da Lógica do Todo, lógica esta que
sempre tem algo que falta e excede e sempre tem um lugar externo garantidor que se acessa
pelo mito, é interessante pensar o fenômeno do político e da organização política a partir
desses desdobramentos na dimensão concreta3.
O fenômeno político é um fenômeno diacrônico4, haja vista que não cessa de se
produzir, pois as pessoas se relacionam e estão unidas em comunidade e o tempo cronológico
não cessa de transcorrer. Em razão disso, não é correto que pensar em momentos históricos a
partir de saltos. “A gente vai tentar, observando concretamente como a realidade vai
transcorrer, como a gente pode, a partir disso, tentar perceber os processos de transformação,
para que a gente entenda, por exemplo, como nos sucessivos períodos de crises paradigmáticas,
nos sucessivos períodos de transformação econômica, isso vai gerando uma série de efeitos e
esses efeitos são as nossas vidas enquanto sujeitos dentro de uma comunidade que está se
ordenando. É necessário ressaltar que, se o processo é dialético e constante, é porque a
produção da ordenação também é dialética e constante.”
2.1 Mito de Origem e Mito de Ordenação:
Para se produzir uma narrativa “Verdadeira”, uma narrativa que dê conta de explicar a
realidade, é preciso enxergar duas concepções que estão silenciadas: a) a presunção de que a
3 Postura materialista de análise do Estado.
4 Conjunto de fatos em sua evolução no tempo.
6
realidade existe; e, b) a presunção de que a realidade está ordenada de uma dada forma que se
consegue produzir um sentido sobre aquilo. Esse lugar que garante que o mundo apareça para
os indivíduos como algo total, como algo coeso, acessável, é o lugar que o mito ocupa.
Na operacionalização do Estado existem dois mitos que fundamentam a sua estrutura
deste: a) o Mito de Origem; e, b) o Mito da Ordenação.
a. O Mito de Origem busca responder perguntas tais como: “como o mundo surgiu?”,
“quem criou o mundo?”
b. O Mito da Ordenação, subsequente ao Mito de Origem, busca responder: “esse mundo
é ordenado?”, “de que forma esse mundo está disposto?”
Quando se pressupõe que o mundo está disposto, de alguma forma ordenada, se
pressupõe que, através da análise do método, que é possível depreender o sentido a partir de
uma realidade específica que dê conta de explicar aquilo. Isso é importante para entender
como se dá o transcurso do fenômeno político.
Voltando ao modelo greco ou ao modelo medieval de organização social, presume-se
que a ordem do mundo é uma ordem fabricada. Nesses modelos se tem um Mito de Origem
que é cosmológico-teológico, cuja origem consiste em Deus; e se tem um Mito de Ordenação,
que também é cosmológico-teológico, cuja ordem social emana de Deus. Isso significa que,
nesse momento histórico de organização social, a realidade é o “todo” onde se tem a realidade
ordenada (kósmos), a forma como essa sociedade é ordenada se chama “taxis”. “Esse ‘todo’
que se constitui enquanto um ‘kósmos’, uma realidade ordenada a partir de uma dada forma
que é o ‘taxis’, aparece como uma realidade alternativa que os gregos chamavam de ‘khaos’. O
‘khaos’ é concebido como uma negação da ordenação.”.
Essa mesma sistemática aparece no Estado Moderno com a ideia de “estado de
natureza” e “estado civil”.
O período de transição dos mitos consiste em uma crise, no qual o mito vigente não é
capaz de responder aos anseios da ordem social, transformando-se, não linearmente, em um
novo mito.
Exemplo mencionado: Na Idade Média havia, como já mencionado, o Mito de Origem e o Mito
da Ordenação, ambos centrados em Deus. Quando as respostas teológicas não mais
sustentavam a forma como aqueles Estados se organizavam, o mito da Ordenação se
7
transformou em uma nova forma, sem que o Mito de Origem perdesse o seu poder. Deus
continuou sendo “O Criador”, “o ser que deu a razão ao homem”, mas, por não se conseguir5
mais sustentar Deus no lugar de ordenação/soberania, é que o Mito da Ordenação ganha novos
sujeitos, no qual o homem, que recebeu a razão de Deus (Mito de Origem), é o capacitado para
ocupar o lugar de soberania. Esse novo Mito de Ordenação é o contratualismo.
Nesse sentido, as transformações do político se dão pelas condições possíveis dadas por
aquilo que um dia foi satisfatório e foi se tornando ultrapassado. Ou seja, uma própria
estrutura cria condições para o seu desaparecimento e a transformação de uma nova estrutura
- estrutura essa que repetirá o processo anterior em efeito elíptico. Esse processo é
denominado dialética-materialista.
2.2 O contratualismo - o Mito da Ordenação
Como já mencionado, o contratualismo é um Mito de Ordenação que ainda é
fundamento por um Mito de Origem teológico.
O mito do contratualismo é uma função lógica de permitir que a realidade política da
comunidade - dentro de um certo modo de produção, dentro de determinados costumes-
apareça como algo coeso/completo. Em outras palavras, quando o Mito da Ordenação era
teológico, o que sustentava aquela ordem era a fé. Agora, a função do mito do contratualismo
é fazer as pessoas respeitarem a ordem, ainda que o lugar de soberania seja ocupado por um
ser falível, porque há um contrato que simbolicamente assegura essa ordem.
Posteriormente, o mito do contratualismo vai se esvaziando em razão da transição de
um Mito de Origem Teológico (que sustenta o contratualismo) para um Mito de Origem
Científico. Nesse momento, a concepção de ordem fabricada por um ente racional humano é
substituída por uma concepção de ordem espontânea.
5 Esse “não conseguir” é denominado de crise do mito.
8
A partir dessa concepção, o Estado, que age em nome do povo, tem a função de
garantidor do exercício da propriedade como condição de possibilidade da realização da ordem
espontânea6.
3. Processos de transformação das organizações político-sociais
As invasões do Império Romano e a tomada deste sobre o povo grego, se produz
sincretismo. Esse sincretismo representava a possibilidade de múltiplas interconexões entre
diversas percepções míticas sobre a origem e a realidade enquanto algo ordenado.
O cristianismo, que aparece como uma das alternativas monoteístas teológica-
explicativas, foi, inicialmente, rejeitado, especialmente por não acolher os pressupostos de
culto à figura do imperador romano. Posteriormente, com a disseminação do cristianismo
vinculado a inúmeras revoltas e resistências, em 313, por meio do documento proclamatório
que recebeu o nome de Édito de Milão, o Estado Romanoadota uma postura neutra em
relação a religião e, consequentemente, cessa as perseguições sancionadas oficialmente. Esse
acontecimento histórico tem a sua importância por resultar em uma expansão do pensamento
cristão para além do território romano.
A queda do Império Romano tem na sua história de declínio a tomada dos povos
germânicos em seu território. Ocorre que, diante da diferente forma de organização social do
estado germânico (agrícola) e do estado romano (comercial), ensejou, mais tarde, em uma
estrutura base do feudalismo (organização econômico-social) que uniu o colonato romano, com
o modelo de comitatus (pactos voluntários de submissão), tendo o cristianismo como base
explicativa de tal união.
O sistema feudal é marcado por uma consciência coletiva em que a fidelidade aos que
ocupam os espaços de soberania é o valor/custo da proteção ofertada por esses soberanos.
Nessa forma de organização social, a comunidade é concebida como um corpo. Na
metáfora corporal se percebe a sociedade como um todo harmônico que para funcionar,
6 As transições da ordem foram, nessa sequência: ordem fabricada por um ente transcendental; ordem fabricada
por um ente racional humano; e, ordem espontânea (mas cujas as condições de possibilidades devem ser
racionalmente produzidas por um ente humanizado).
9
precisa que cada parte desempenhe a sua função. Todas essas partes têm uma função
predeterminada por Deus. Por isso, o lugar que o indivíduo ocupava nessa sociedade era
pensado por um ser divino.
No estabelecimento do Sacro Império Romano-Germânico, com o intuito de abarcar a
multiplicidade que compunha tal Estado, Carlos Magno (o imperador) recorre e retoma à
legislação romana (legislação essa que, ao final do Império Romano, havia sido substituída por
regramentos pautados nos costumes). Assim, é adotado como regramento jurídico dessa
organização social o Direito Romano, o Direito Canônico, os costumes e os regramentos
privados e locais. A harmonização desse regramento complexo para a sua interpretação e
aplicabilidade teve como fundamento, novamente, o mito, agora, o Mito do Direito Natural.
No processo de transição do pensamento, se passou a entender que os universais
estavam na realidade, isto remete o problema da interpretação do Direito Natural para análise
do mundo pela razão. Sendo este, segundo Michel Villey, o primeiro momento da base de
Laicização.
No surgimento do Nominalismo, quem tem como precursores Guilherme de Ockham e
John Duns Scotus, há a pressuposição de que os universais não estão nas coisas, nas escrituras
ou na palavra da igreja, mas se encontravam no signo mental que se produz pela razão através
das experiência humana.
O declínio do sistema feudal está ligado à perda do poder hegemônico da Igreja. Dante
Alighieri e Marsílio de Pádua sustentavam posições sobre o afastamento da Igreja nas decisões
políticas. Os procedimentos inquisitoriais consistiu em uma “reação” a essa perda de soberania
e, por isso, a Igreja tentava, por meio desse processo, dar a palavra final sobre o Direito Natural.
É necessário ressaltar ainda que a adesão aos processos inquisitoriais por parte da
população fundamenta-se na ideia de salvação da alma humana (diferente, da
espetacularização defendida hoje, cuja finalidade é a vingança com a pseudoface de reação ou
proteção).
Em continuidade aos processos de operacionalização do Estado, é possível evocar, ainda,
a Queda de Constantinopla, em 1453, que ensejou importantes transformações, haja vista que,
a lógica do comércio se disseminou pela Europa, em consequência, o processo de
mercantilização fincou raízes para a expansão de um modo de produção econômica que mais
10
tarde se denominará como capitalismo, com a nova ordem econômica surge a necessidade de
uma nova forma de reger essa ordem e, por isso são formados os Estados Nacionais.
A instauração do absolutismo, como uma forma de organização política, denotou uma
instabilidade dos processos de centralizar as terras conquistadas.
Para Nicolau Maquiavel, pensador de um contexto italiano, só existe desenvolvimento
daquela sociedade/daquela república, se tiver paz e se tiver estabilidade. Só é possível ter paz
por meio de um governo central que se mantém no lugar de soberania.
Jean Bodin, pensador de um contexto francês, pensa na ideia de centralização de poder
a partir da ideia de soberania7. Bodin ensina ainda que o exercício do poder político
centralizado se dá em uma dimensão territorial, na dimensão das fronteiras. A importância do
poder soberano para esse pensador, estava em promover a república, que seria a união de
famílias a partir da ideia de segurança e liberdade. Para que a república possa acontecer é
necessário um lugar externo de poder (soberano) cujo poder é perpétuo, absoluto, superior e
ilimitado.
A diferença entre o absolutismo e uma postura progressista e liberal não é a negação do
absolutismo, mas sim um “ultrapassamento” do absolutismo. Esse dado é importante porque
quando se pensa na estrutura de separação de poderes, que depois aparece com o liberalismo,
é perceptível que a separação de poderes e a repartição de competências são desdobramentos
de poder emanado da mesma fonte. Por tanto, o que está jogo não é a natureza absoluta do
lugar de soberania, mas é a concentração no exercício de todos esses poderes necessários para
a ordenação nas mãos de uma única pessoa que não pode ser controlada.
Thomas Hobbes, pensador contratualista, percebe a importância de se estabelecer um
outro de mito de ordenação. Diferente de Bodin, que conserva o mito de origem teológica, T.
Hobbes esvazia esse lugar lógico e coloca um novo mito, que é o contratualismo.
O esvaziamento teológico gerado por Hobbes era ameaçador porque ele esvaziava um
fundamento legitimador divino do poder destinando a religião um espaço privado.
7 Ernst Hartwig Kantorowicz denomina a centralização como “os dois corpos do rei”: o corpo físico do rei (natural)
mais o lugar que o rei ocupa (corpo místico).
11
Para T. Hobbes, o que justifica a presença de um poder político soberano
supremo/absoluto, metaforizado pela figura do Leviatã, é um pacto de razão entre os
indivíduos para conseguir preservar o seu direito natural mais importante: a preservação da
vida.
Mas, até onde o Leviatã pode ir? Para T. Hobbes, até onde se mostrar necessário para a
preservação da vida - sendo esta, portanto, a condição de justificação e possibilidade.
Hobbes aponta que a personalização do Estado é uma abstração/ficção
necessária. Dentro de uma lógica materialista, não adianta criticar a ideia de abstração a
classificá-lo como mera ilusão. É necessário entender qual a função que aquela ilusão
desempenha. Nesse sentido, o Leviatã, que opera em uma despessoalização do lugar de poder,
pressupõe uma ficção que o ordene.
3.1 A Fabricação racional de uma forma de ordenar
No momento em que é preciso fabricar a ordem, é necessário fabricar as condições
daquela comunidade ordenada e isso dá a ideia de policiamento.
3.2 Fases de policiamento
Pensar nas fases de policiamento implica em se indagar: “Pra quê serve o Estado?”; “de
que forma ele atua?”; “com qual finalidade?”.
O policiamento, em sua primeira fase, que vigorou por volta do séc XV-XVI, foi uma
tentativa de fabricar a “pólis”, fabricar a ordenação e a sociedade coesa. Esse policiamento
possui resquícios da lógica feudal de ordenamento.
A segunda fase do policiamento, por volta do século XVI-XVII, está atrelado à lógica
moderna (absolutista institucional) dessa ideia de fabricar a ordem dentro do marco
mercantilismo e do surgimento de grandes estados nacionais.
Nesse momento da história, começa a ter o desenvolvimento pelo mercantilismo das
bases do capitalismo. A partir desta realidade, é possível perceber como poder político
12
centralizado - que deve fabricar e gerar ordem - , não está desvinculado ao poder político que
está desenvolvendo as bases do capitalismo.
A partir de então, a ideia de “boa ordemsocial” e de “boa ordem política” começa a se
confundir com a estabilidade do modo de produção capitalista.
A produção da ordem social pelo policiamento está vinculada à ideia de gerar ordem e
progresso. Diante, por exemplo, da fabricação de uma classe trabalhadora, da coordenação e
regulação da economia, da tarefa de tributar, da organização dos exércitos nacionais… há uma
atuação incisiva do Estado. A ideia de ordem e processo está relacionada à ideia de acúmulo.
O surgimento da lógica da propriedade (do meu e do seu), junto com os processos de
criminalização, está atrelado a fundação e a criação da categoria trabalhadora, categoria esta
que que não está separada da categoria proprietário.
Quando se analisa a acumulação primitiva, a disciplina do trabalho, é perceptível que o
Direito no Estado Moderno é feito com a presunção de autoria de todas as pessoas, mas na
prática ele termina concretizando um modelo de ordem que sustenta uma desigualdade.
Por conseguinte, quando se analisa a relação da produção da ordem, percebe-se que
esta relação está atrelada a boa ordem social ao bom desenvolvimento do capitalismo,
reforçando a ideia de que o capitalismo não é apenas um modo de produção econômico, é,
também, um modo de relação.
Evocando John Locke para a discussão, o autor trabalha a partir do conceito de
propriedade (o indivíduo é proprietário do próprio corpo, das próprias ideias, da própria razão,
e assim por diante). Essa propriedade que o indivíduo é dotado contamina tudo aquilo que o
indivíduo produz e transforma através do seu corpo. Logo, um indivíduo se torna proprietário
dos bens uma vez que eles são efeitos do seu trabalho. O trabalho transfere a propriedade de
cada um para a propriedade das coisas.
A base do pensamento de Locke consiste na ideia de que o direito natural a igualdade,
propriedade e liberdade (liberdade do uso da razão e da autonomia para dispor da própria
propriedade), pode esbarrar nos direitos alheios, tendo em vista que a concepção de plenitude
dos direitos é passível de variação a partir da percepção de cada indivíduo. Diante dessa
realidade, se faz necessário um ente terceiro que produza essa regulação para garantir que os
13
direitos de um indivíduo sejam maximizados à medida que respeitem os limites da plenitude do
direito alheio.
Quando se passa a pensar no exercício do poder de soberania, o que se entende por
poder legislativo, poder executivo e poder judiciário são todos poderes que são exercidos em
atos de um poder uno de soberania. Quando todo esse poder estava concentrado em um único
ente, esse ente exercia a função dos três poderes. Locke defende a ideia de que só pode haver
a presunção de autores de um ato sobre aqueles que participaram da elaboração desse ato, ou
seja, desde que o processo de criminalização de determinada conduta seja feito/elaborado pelo
indivíduo. Nesse sentido, Locke não se opõe à monarquia, mas sim à monarquia absolutista. É a
partir dessa percepção que surge a defesa de J. Locke sobre a separação de poderes.
Ressalta-se, ainda, que o Locke não se opõe às regulações sobre a propriedade, ele
permite tais restrições desde que esteja autorizado por lei e desde que se mostre necessária a
preservação das propriedades em geral.
O contrato social (ou pacto de consentimento), para Locke, é o documento que legitima
o Estado, sendo a função deste a maximização dos direitos naturais. Quando esse contrato não
consegue assegurar tais direitos, é necessária a atuação de um poder de prerrogativa (que tem
caráter excepcional) dada ao Poder Executivo, para que este atue e, até mesmo, anule a lei em
nome de garantir as condições de possibilidades do direito em conflito. Esse ato só é legítimo
porque o direito a ser preservado é anterior ao próprio regramento, tendo em vista que é um
direito natural.
A terceira fase do policiamento, que passou a vigorar por volta do século XVIII, não é
mais um policiamento do capitalismo - no qual o Estado atuava em todas as áreas para garantir
aquela ordenação social dentro da lógica do Capital -. Mas, sim, um policiamento para o
Capital.
Nesse viés, o argumento de Adam Smith tange o entendimento que todo o policiamento
excessivo é, em tese, beneficiário do sistema de acúmulo, mas o que o mercado apresenta é
que ele funciona melhor com o “laissez-faire” (deixar fazer), em uma atuação mais espontânea,
onde o Estado passa a ter que garantir as condições de possibilidades de funcionamento desse
mercado. Preservar as possibilidades de funcionamento desse mercado é, por exemplo,
preservar as estruturas de contrato, se configurando como uma atuação negativa. Desse modo,
https://pt.wikipedia.org/wiki/Laissez-faire#:~:text=%C3%89%20parte%20da%20express%C3%A3o%20em,deixai%20ir%2C%20deixai%20passar%22.
14
permite que as pessoas, dentro das suas esferas privadas, ajam com liberdade - desde que tais
gestos não sejam proibidos por lei-, e só em alguns espaços específicos o Estado vai atuar. Esses
espaços são aqueles que garantem as condições e funcionamentos do mercado. Desse
momento em diante, a percepção é que o mercado é o instrumento mais interessante para
produzir um tipo de ordem e um progresso bom, sem a interferência do Estado. Deste modo, o
Estado não mais irá dizer que tipo de comportamento é desejável, ele só vai garantir que as
pessoas possam, livremente, expor esse pensamento.
Exemplo mencionado: o Estado não vai dizer qual o tipo de contrato deve reger uma
determinada situação, ele só vai garantir que as pessoas possam livremente contratar.
Se ressalta que essa forma de policiamento só foi possível, em razão do legado de
adestramento/disciplina ofertado pela forma de policiamento anterior. O policiamento na sua
terceira fase é, portanto, uma ferramenta da burguesia (estrutura) para ordenar a sociedade de
acordo com os seus interesses.

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